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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da
Imigração italiana no Rio Grande do Sul
Vanildo Luiz Zugno Doutorando - Faculdades EST (São Leopoldo- Brasil) Bolsista CNPQ/Brasil [email protected]
O presente trabalho aborda a experiência de organização das “capelas” na região
de colonização italiana no Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), como um espaço
de poder e de protagonismo leigo na Igreja Católica Romana que, com a
implementação da projeto de romanização1, foi extinto e substituído pelo poder e
protagonismo clerical.
Nossa investigação se atém ao período de 1874, data da chegada dos primeiros
imigrantes italianos ao Estado e 1928 quando, por iniciativa de um grupo de
párocos da região de colonização italiana, as capelas são dotadas de um
Regimento que lhes tolhe a autonomia e as coloca sob a dependência direta e
estrita dos párocos. O texto do “Regulamento das Capelas” por nós aqui
analisado, é a principal fonte para entender o processo de des-empoderamento
dos leigos pela instituição eclesiástica no período.2
O resgate da experiência é relevante no momento em que a ICAR, nos
documentos das Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano traz à tona
1 Por “romanização” entendemos o processo de transformação realizado na igreja católica no Brasil
a partir do segundo império e que consistiu na adequação às normas romanas do Concílio de Trento e do Vaticano I. Elementos fundamentais da romanização são, por um lado, o combate à modernidade e, por outro, a substituição das tradições religiosas do catolicismo luso-brasileiro pela liturgia e espiritualidade romana (HOORNAERT, 1994, p. 21). 2 REGOLAMENTO delle cappelle della Comarca Ecclesiastica di Bento Gonçalves. Em:
BATTISTEL, Arlindo. Colônia italiana: religião e costumes. Porto Alegre, EST, 1981, p. 11-14. O “Regolamento...” foi originalmente publicado em língua italiana. As traduções aqui apresentadas são nossas.
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
a necessidade do “protagonismo leigo” (CELAM, 1992, n. 97;103) e da
necessidade dos leigos serem “parte ativa e criativa na elaboração e execução de
projetos pastorais a favor da comunidade” (CELAM, 2007, n. 213).
Nossa hipótese é a de que o protagonismo leigo só será possível na igreja na
medida em que as estruturas eclesiais forem geridas pelos próprios leigos e leigas
a partir de suas necessidades e por lideranças que surjam da própria comunidade.
1. Origem e estrutura das capelas
Por ocasião do estabelecimento dos primeiros imigrantes oriundos do Piemonte,
Lombardia e Vêneto na Serra Gaúcha, a presença institucional da Igreja era
praticamente nula na região. Cerceada pelas leis do Padroado, a Igreja Católica
Romana, mesmo sendo a Igreja oficial do Império brasileiro, não tinha autonomia
para criar paróquias para dar atendimento aos novos chegados. Padres jesuítas
alemães, estabelecidos nas região de colonização alemã, visitavam
esporadicamente os colonos e celebravam os sacramentos. (RABUSKE, 1984).
Pe. Bartolomeu Tiecher, italiano da região de Trento, então sob o domínio austro-
húngaro, vem para o Brasil em 1875. No ano de 1876 realizou duas visitas às
colônias de Figueira de Melo e Conde d‟Eu (atual Garibáldi), Princesa Isabel (atual
Bento Gonçalves). No ano de 1877 visitou a Iª e IIª Léguas de Caxias. No mesmo
ano é nomeado pároco de Santo Inácio da Feliz onde permaneceu até 1886. De lá
visitava regularmente as colônias italianas. (CORREA, 2013, p. 3; COSTA, 1998,
p. 180-184).
Em 1877 será estabelecida a Capelania Imperial de Caxias do Sul, sendo capelão
o Pe. Antonio Passagi. A paróquia de Caxias do Sul, a primeira na região de
colonização italiana só será criada, por lei provincial no ano de 1884, ou seja, dez
anos após o início da chegada dos imigrantes italianos. Seu primeiro pároco foi
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Pe. Augusto Finotti. No mesmo ano de 1884 serão criadas as paróquias de Dona
Isabel e Conde d‟Eu, na região da serra, e de Silveira Martins, no centro do
Estado.3 Seis anos depois, em 11 de fevereiro de 1890, será a vez da Linha
Zamith (atual Montebelo), ser criada Paróquia. (RUBERT, 1998, p. 281-290).
Acostumados a uma vida religiosa e sacramental conforme as orientações do
Concílio de Trento, os imigrantes, por iniciativa própria, tentam recriar o mundo
religioso com o qual estavam acostumados na Itália.
Num primeiro momento, a atividade religiosa comunitária dos imigrantes italianos
começou no âmbito doméstico (BAREA, 1925, p. 100) 4. Pouco a pouco e à
medida em que as condições materiais o permitiam, os colonos começam a
construir pequenos oratórios dedicados aos santos de suas localidades de origem
e, “nestas miseráveis igrejinhas, todas feitas com tábuas brutas, reuniam-se os
colonos nos dias festivos”. (BAREA, 1925, p. 56).
A iniciativa para a organização da capela é dos próprios imigrantes. (COSTA,
1988, p. 189; D‟APPRIEU, 1957, s.p.). Construídas e mantidas pelos próprios
imigrantes, as capelas respondiam não só às suas necessidades religiosas, mas
também as econômicas e de sociabilidade para reorganizar suas vidas no novo
ambiente. (COSTA, 1998, p. 164).
De fato, por “capela”, no contexto da imigração deve-se entender todo um
complexo que envolvia o espaço físico para a oração (no início, um barracão de
3 A particularidade presente em Silveira Martins, é que, dada a falta de padres para suprir a
paróquia, os próprios colonos tomam a iniciativa de buscar, às suas próprias custas, padres na Itália. Não encontrando padres diocesanos disponíveis para vir ao Brasil, são contratados os Padres Palotinos que se estabelecem em Vale Vêneto, Nova Palma, Nova Treviso e Ivorá. (RUBERT, 1998, p. 286-288) 4 José Barea (1893-1951), nascido em Nova Treviso (atual Farroupilha), filho de imigrantes
italianos, ordenado presbítero em 1918 e, em 1835, primeiro bispo da Diocese de Caxias do Sul. Seu texto “La vita spirituale nelle Colonie Italiane dello Stato” publicado por ocasião do Cinquentenário da imigração italiano, pode ser considerado o primeiro relato sistemático da presença da Igreja Católica na região de colonização italiana no Rio Grande do Sul.
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
madeira e, quando as condições econômicas o permitiam, um prédio próprio para
a oração), a escola para o ensino das primeiras letras para as crianças, a “bodega
comunitária” que servia de pequeno entreposto de comércio de produtos de
primeira necessidade para os habitantes do local, o salão para as festas e a
convivência dominical e o cemitério para o enterro cristão dos falecidos da
localidade. (COSTA, 1998, p. 164).
Junto com as estruturas, foram nascendo as lideranças para animar a vida da
comunidade. Em primeiro lugar e com maior destaque, o “padre leigo”, uma
pessoa com um conhecimento comprovado da doutrina cristã e de vida e
costumes aprovados pela comunidade (ZAGONEL, 1975, p. 55; MANFROI, 1975,
p. 165).
Sua função era a de animar a comunidade na oração dominical (terço, ladainhas),
assistir os moribundos e oficiar as orações dos enterros e abençoar a água e os
objetos que os colonos desejavam manter em suas casas como símbolo da
proteção divina. (D‟APREMONT; GILLONNAY, 1976, p. 108-109; COSTA, 1998, p.
192).
Ao lado do “padre leigo”, o professor exercia uma função fundamental na vida das
capelas. Sua atividade não se resumia ao letramento propriamente dito, mas
exercia também uma função religiosa pois, junto com o ensino dos rudimentos da
língua italiana e da língua portuguesa (BAREA, 1925, p. 77), também se ensinava
a doutrina cristã e, no final do quarto ano – para os que concluíssem todo o ciclo,
era realizada a Primeira Comunhão ((RAMBO, 1998, p. 154-155).5
5 Em 1898 chegam a Garibaldi as Irmãs de São José que abrem uma escola para meninas. Em
1904, na mesma cidade, estabelecem-se os Irmãos Maristas que abrem escola para meninos. Destas escolas sairão muitos jovens que, em suas comunidades, se tornarão professores. Ver: CLEMENTE, Elvo; UNGARETTI, Maura. História de Garibaldi: 1870-1993. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993, p. 35-36.
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Para exercer a função de professor, o candidato, assim como o “padre leigo”,
deviam ter comprovada vida cristã e ser modelo para a comunidade.
Para cuidar da manutenção econômica da capela, uma junta de fabriqueiros era
eleita pela comunidade. Sua função era administrar as construções – igreja,
escola, salão, cemitério – e administrar o dinheiro resultante da contribuição dos
sócios da capela.
Quanto às condições morais e religiosas dos fabriqueieros, o “Regulamento das
Capelas...” (I, 10) afirma que “não será reconhecido pela Venerável Cúria o
fabriqueiro que não preencha os seus deveres de cristão”
A outra liderança surgida do senso de auto-organização dos imigrantes foi o do
“capo-linea” ou “chefe de travessão”.6 Para tal função era escolhida uma liderança
natural da comunidade. Alguém que tivesse bom senso e fosse capaz de
intermediar os conflitos que, inevitavelmente, surgiam entre os moradores do local
(DE BONI; COSTA, 2014). O objetivo era evitar, no caso de conflito entre os
moradores, o apelo à autoridade civil com a qual tinham dificuldade de lidar, seja
pelo desconhecimento da língua portuguesa como das leis do país.
2. A autonomia das comunidades e o conflito com o clero
Com a Proclamação da República (1889) e a separação entre Igreja e Estado, a
Igreja Católica perde a proteção do estado, mas ganha autonomia para expandir
sua presença religiosa na região de colonização italiana através da criação de
novas paróquias. Isto é possível pela chegada de religiosos clérigos de diversas
6 Segundo Battistel (1981, p. 43), outras expressões usadas eram as de “quarteron” (chefe de
quarteirão) e “soto-coa”, esta depreciativa. Battistel parece confundir o capofrazione com o comissário. O primeiro era nomeado pela comunidade. O segundo, pela prefeitura, no momento em que a administração civil começa a marcar presença na região. Pelo seu caráter subalterno à autoridade civil, passa a receber o pejorativo nome de “soto-coa”.
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
Congregações que buscam no Brasil um lugar seguro frente às perseguições na
Europa.
Os padres jesuítas retornam ao Brasil em 1842 e passam a assumir paróquias na
região de colonização alemã.7 Os Padres Palotinos, de origem alemã e suíça,
chegam em 1896 e se estabelecem na região central do Estado para atender os
imigrantes italianos de Silveira Martins, Vale Vêneto, Nova Palma, Nova Treviso e
Ivorá. (RUBERT, 1998, p. 286-288). Capuchinhos e carlistas chegarão em 1896
estabelecendo-se ambas as congregações na região serrana. O mesmo farão os
Camaldulenses 1899 e os Passionistas em 1905. (ZAGONEL, 19975, p. 45).
Estes religiosos chegam marcados pelo espírito da Romanização e, nele, da
centralidade institucional do clérigo e de sua supremacia sobre os leigos.
Instalados na serra e orientados pelo bispo de Porto Alegre, D. Cláudio José
Gonçalves Ponce de Leão, eles se propõem a organizar a Igreja do Rio Grande do
Sul dentro dos moldes tridentinos.
O choque com as lideranças leigas das capelas – professores, fabriqueiros,
“padres leigos” e “chefes de travessão” - começa a acontecer por todos os lados.
No dizer de Manfrói (1975, p 172), os sacerdotes, seculares ou religiosos que
vieram ao Brasil marcados pelo espírito tridentino, não se deram conta da
originalidade do processo eclesial forjado no contexto da imigração italiana e,
consciente ou inconscientemente, com maior ou menor resistência, foram
ocupando as funções das antigas lideranças que, pouco a pouco, foram sendo
relegadas a um lugar subalterno na vida da fé dos colonos.
7 Em 1849 os jesuítas assumem a paróquia de S. José do Hortêncio; em 1857, Dois Irmãos; em
1859 a de S. Leopoldo; em 1863, Santa Cruz; 1868, Ivoti; 1871, Montenegro; 1873, Estrela e Bom Princípio; 1874, 1876, Tupandi; S. Sebastião do Caí; 1880, Hamburgo Velho; 1881, Lajeado; 1883, Feliz (RUBERT, 1998, 263-279).
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O processo de transformação da Igreja ganhou força com a nomeação de D. João
Becker, em 1912, que, com força e decisão, implanta as reformas na Diocese de
Porto Alegre.8
O primeiro grande revés do projeto autonômico das comunidades aconteceu por
ocasião do Sínodo Arquidiocesano de 1919 quando, sob o comando de D. João
Becker, os bispos sufragâneos de Porto Alegre procederam a uma intervenção nas
escolas comunitárias. (RAMBO, 1988b, p. 232). Do ponto de vista pedagógico,
currículos e conteúdos devem agora passar pelo crivo da cúria diocesana que
zelará para que o ensino escolar siga as normas da igreja católica. Do ponto de
vista econômico, o patrimônio acumulado durante a longa trajetória das escolas
comunitárias – prédios, terrenos, casas dos professores – passa a ser registrado e
administrado pelas autoridades eclesiásticas.
Solucionado o desafio das escolas, será o projeto como um todo o que sofrerá
intervenção no ano de 1927 através do “Regulamento das Capelas...” A autonomia
e o caráter societário das capelas contrastavam com o modelo romanizante em
implantação que previa o controle eclesiástico sobre todas as atividades religiosas
e o predomínio da religião sobre as outras atividades.
3. O “Regulamento das Capelas”
O esforço para colocar as capelas sob controle das Paróquias ganhará sua
expressão no Estatuto das Capelas proposto pelos Párocos da Comarca
Eclesiástica de Bento Gonçalves e aprovado em 1927 por D. João Becker, bispo
de Porto Alegre.9
8 Sobre a implantação do projeto romanizante por D. João Becker na diocese de Porto Alegre, ver:
ISAIA, Arthur. Catolicismo e autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. 9 O Conselho da Comarca de Bento Gonçalves era composta pelo Vigário Forâneo e Pároco de
Bento Gonçaes, Pe. Antônio Zattera, futuro bispo de Caxias do Sul; pelo Vigário de Garibáldi, Pe. Frei Antônio de Caxias; Vigário de Santa Tereza, Pe. José Ferlin; Vigário de São Lourenço de Vilas
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Dividido em três partes, o Regulamento trata, na primeira, das “Relações das
capelas com a Venerável Cúria e com as Paróquias”; na segunda, do “Decoro e
funções das capelas” e, na terceira, “Sobre os enfermos”.
O primeiro artigo da Iª Parte trata de deixar claro o objetivo do Regulamento: “As
capelas dependem diretamente da Venerável Cúria Diocesana e da paróquia à
qual pertencem.” Surgidas pela iniciativa autônoma dos imigrantes, passam agora
as capelas à dependência da Cúria e de sua organização local, a paróquia. Em
seguida, no parágrafo quatro, fica claro que não mais poderão ser criadas novas
capelas sem a autorização vinda de cima: “Construções de capelas ou reformas
importantes não podem ser feitas sem a licença da Venerável Cúria.”
As capelas passam a ser vistas como base econômica de sustentação da
estrutura eclesiástica, seja pela manutenção da cúria como pela formação de
novos padres e das obras diocesanas:
“2º Como dependem da Venerável Cúria todas as capelas, na primeira quinzena de novembro devem renovar as suas provisões pagando 10 mil réis pela provisão da capela e 10 mil réis pela provisão dos fabriqueiros que devem ser reconhecidos pela Venerável Cúria. 3º O resultado destas taxas, como do 20% das esmolas que são recolhidas na Igreja Paroquial e nas capelas quando é celebrada a Missa, e as taxas das procissões, etc, são destinadas à manutenção do Seminário e a outras pias obras da Arquidiocese.”
O objetivo não é mais suprir as necessidades espirituais, sociais e materiais dos
membros da comunidade, mas sustentar a instituição eclesial.
Para garantir o controle sobre a economia da capela, o estatuto tem o cuidado de
regulamentar a função dos fabriqueiros que deixam de ser eleitos livremente pela
comunidade e passam ter que prestar contas, não mais à comunidade que os
Boas (atual Coronel Pilar), Pe. Luiz Mascarello; Vigário de Faria Lemos, Pe. Girolamo Bortolotto; Vigário de Montebello, Pe. Luigi Guglieri.
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elegeu, mas ao pároco que pode, a qualquer momento e sem necessidade de dar
explicações, intervir, demitir e nomear outros fabriqueiros diferentes dos eleitos
pela comunidade:
5º As capelas dependem inteiramente da paróquia com a qual devem contribuir e ajudar nos seus trabalhos. Com esse objetivo haverá, em cada capela, um conselheiro da paróquia nomeado anualmente pelo pároco.
6º De nenhum modo os sócios das capelas podem nomear ou mudar os fabriqueiros sem o consentimento da Venerável Cúria e do Pároco. 7º Por sua própria iniciativa o pároco pode, sem necessidade de dar as razões, mudar ou nomear um ou mais fabriqueiros. 8º Os fabriqueiros não podem, sem o consentimento do pároco, emprestar dinheiro das capelas ou fazer despesas que ultrapassem os 50 mil réis. 9º Os fabriqueiros devem manter o livro caixa em ordem, apresentando-o ao pároco a cada ano para receber o “visto”, passando, em seguida, o relatório ao sócios.
10º Não será reconhecido pela Venerável Cúria o fabriqueiro que não preencha os seus deveres de cristão. (grifos nossos).
Os quatro primeiros artigos da IIª Parte do Regulamento tratam de como deve
estar preparada a capela para a visita do padre. Os detalhes exigidos mostram,
por um lado, a não consideração com a situação concreta vivida pelos colonos
que tem que dedicar todas as suas forças para a sobrevivência em meio a um
ambiento social, econômico e cultural extremamente difícil, quando não hostil. Os
detalhes exigidos dão a entender que, mesmo visitando muito esporadicamente as
capelas (uma, duas, no máximo três vezes ao ano), o padre deve ser visto como
figura central da reunião da comunidade:
1º Por ordem do Mons. Arcebispo (Pastoral Coletiva) todas as capelas devem ter paramentos próprios; por isso, onde não os há, os fabriqueiros, em acordo com o Pároco, devem providenciá-los o mais pronto possível. 2º Para o altar onde é celebrada a Santa Missa que haja ao menos uma toalha de linho que se dobrará em três sobre a pedra sagrada. 3º Cada vez que o sacerdote visita uma capela deve encontrar tudo na melhor ordem; capela varrida, altar ornamentado, confessionário sem poeria, etc. tudo isso deve ser feito antes da vinda do Padre.
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4º Na sacristia deve haver um lavatório com sabonete e toalha de mão. (Grifos nossos)
Sendo a presença do padre muito rara nas capelas, o Regimento trata de
regulamentar as atividades religiosas da capela – catequese e orações – quando
da ausência do padre:
5º Em todas as capelas nos dias de festa a doutrina cristã seja fielmente ensinada às crianças. O catequista tenha um registro de todos os alunos e anotará sua frequência e a apresentará ao pároco quando este for celebrar a Santa Missa. 6º Recite-se sempre o Santo Rosário, do qual participem obrigatoriamente aqueles que de modo algum possam ir à Santa Missa na paróquia. 7º Somente nas capelas distantes mais de duas horas da paróquia é permitido fazer as funções pela manhã. Durante as referidas funções se pede aos donos de vendas e negócios de fechar as portas de suas casas. (Grifos nossos).
A oração do terço, as novenas e outras devoções trazidas pelos imigrantes da
Itália e que, durante muitos anos, foram o sustentáculo da fé cristã e da vida em
comunidade, dão lugar agora à Eucaristia que está sob o controle do Pároco.
Aquelas só são legítimas quando a participação na missa é impossível. Como
afirma Costa (1998, p. 193), “a celebração da missa, a confissão e participação na
eucaristia é o centro do estatuto das capelas” o que gera uma dependência
religiosa do povo em relação aos sacerdotes. Da mesma forma a Catequese,
realizada antes espontaneamente pelas mães de família nas casas ou nas
capelas (COSTA, 1988, p. 165) é colocada sob o controle do Pároco.
Na constatação de Manfrói (1975, p. 172), na medida em que a missa é vista
como mais importante que as orações presididas pelo “padre leigo”, sua liderança
é posta em cheque e ele passa a ser visto como um “simples sacristão”:
Seu prestígio como homem da paz e da conciliação foi superado por aquele do sacerdote que, pouco a pouco, pôs fim a essa autonomia religiosa das capelas, sem compreender, na maioria dos casos, que ele dispunha de uma força, cujo desaparecimento seria lamentado, mais tarde.
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Além disso, ao pedir aos donos de negócios que, durante as funções religiosas,
cessem suas atividades, manifesta-se a pretensão de exclusividade que não se
restringe aos espaços comunitários, mas também aos privados e que não estão
sob a dependência da capela.
Na sequência, três artigos tratam de regulamentar a associação das pessoas à
comunidade:
8º Cada sócio é obrigado a depositar anualmente a contribuição estipulada pela sua capela. Aquele que não pagar a referida taxa não será considerado sócio. 9º Os fabriqueiros não poderão receber sócios das outras capelas sem a licença do pároco. 11º Sempre que queiram fazer uma reunião dos sócios nas capelas, devem tratar primeiro com o pároco. (grifos nossos).
O vínculo da pessoa com a comunidade não é o religioso, mas o econômico.
Numa mentalidade de cristandade, o Regimento não se pergunta pela fé da
pessoa ou por seu sentimento de pertença à igreja. Trabalha-se com o
pressuposto de que todos são católicos e devem obedecer às leis da igreja entre
as quais está a de contribuir economicamente para o sustento da mesma.
O artigo nono trata da vinculação territorial. Em princípio, cada pessoa é membro
da capela da linha ou travessão onde reside. Morar numa localidade e associar-se
a uma capela de outra localidade, é algo que só o pároco pode autorizar.
O artigo onze, ao suprimir o direito aos sócios de reunir-se, culmina a intervenção
no processo autonômico das capelas.
A IIIª Parte, ao estabelecer como norma a presença do sacerdote com a Eucaristia
para atender os enfermos e moribundos, coloca mais uma vez em cheque a
liderança do “padre leigo” que, até então, vinha prestando esse serviço à
comunidade:
Sempre que seja necessário um Sacerdote para um enfermo:
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1º Mande-se uma pessoa buscá-lo. Esta pessoa seja de confiança e saiba dar as informações sobre o estado do enfermo: se fala bem, se pode engolir, que doença tem, se é surdo, etc. 2º Nas paróquias onde há o costume, não se esquecer da condução para o sacerdote. 3º Na casa e, se possível, no quarto do enfermo, prepare-se um pequeno altar decente para depositar o Santíssimo na chegada do Sacerdote. Sobre este pequeno altar coberto com toalha branca deve encontrar-se um crucifixo no centro e duas velas, um copo com água benta, um copo com água pura e um prato. 4º No canto da mesinha, haja uma bacia com água, toalha de mão e sabonete para lavar as mãos do Sacerdote. 5º O Sacerdote nunca irá sozinho, especialmente a cavalo com o Santíssimo. O acompanhante não fale se não for absolutamente necessário e não fume. 6º Ao chegar o Sacerdote com o Santíssimo, todos os presentes façam silêncio, tiram o chapéu e se ajoelham para adora Jesus no Sacramento. 7º Durante o tempo em que o sacerdote confessa e administra o Santo Viático ao enfermo, todos os presentes, de joelhos, rezam por ele. 8º Que haja sempre uma pessoa que responda às orações e diga o “Confiteor Deo”. 9º Sempre que morrer alguém, o chefe de linha (capofrazione) avise o Pároco. N.B. Qualquer um que encontre o Sacerdote levando o Senhor aos enfermos, saúde o Patrão do mundo colocando-se de joelhos ou, pelo menos, tirando o chapéu em reverência.
A normatização, nos mínimos detalhes, da presença do padre e da Eucaristia
mostra a importância que estes dois elementos, próprios da nova espiritualidade e
da eclesiologia em implantação, passam a adquirir.
O número nove é a única referência ao “chefe de travessão” que é visto pelo
Regulamento apenas como um portador de recados ao Pároco.
A avaliação feita por Batistel (1981, p. 9) nos parece a mais precisa para
descrever o processo de des-empoderamento das lideranças leigas e a submissão
das capelas aos interesses institucionais:
A capela passou a ser assumida e direcionada do lado do padre, enquanto havia nascido do lado das comunidades leigas. Nunca alguém se propôs, por exemplo, um estatuto de capelas a partir dos primeiros grupos de oração, do capitel do quadro sacro, do rosário, da doação de um terreno para a igreja, cemitério e campanário, dos primeiros sócios e líderes, mas a partir do padre, da celebração
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eucarística e da integração à paróquia e das contribuições do centésimo, dízimo, etc. Surgiram, sim, estatutos de capelas para garantir o lado da Igreja instituição, sem a preocupação na experiência primigênia, nascida da fé, como forma de quebrar o isolamento e vencer as dificuldades da vida.
As figuras de liderança – “padres leigos”, professores, fabriqueiros, chefes de
travessão - forjadas pelos imigrantes italianos na tentativa de reproduzir na nova
situação em que lhes coube viver e através dos quais buscavam reconstruir
criativamente a realidade que haviam abandonado (MANFROI, 1975, 172-173)
sobreviveram, ainda que com seu papel eclesial e social mitigado, em formas de
liderança que ainda hoje podem ser encontradas nas regiões de colonização
italiana.
A memória popular guardou estas figuras e aparece em relatos como o do
agricultor Antônio Costa que, fazendo memória de sua infância nos anos 30 do
séc. XX, em Veranópolis, assim se expressa:
Aos 12 anos fiz a primeira comunhão. À escola, fui até a „seleta‟. Meus pais achavam que era suficiente saber ler, escrever e fazer as contas. [...] Quem mandava em casa era o pai e a mãe, e na capela havia os fabriqueiros e o padre de capoeira, e na linha havia o ‘sotocoa’ para resolver os problemas entre as pessoas e famílias.” (COSTA, 2007. Grifo nosso).
Para o ano de 1925, Barea (1925, p. 127) indica, com segurança, a existência de
950 capelas na zona colonial italiana. Posterior ao Regulamento e, na medida em
que a colonização avançava para novos espaços – norte e noroeste do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – as capelas continuaram a multiplicar-se
e continuam, até hoje, fazem parte da paisagem religiosa das regiões habitadas
pelos descendentes dos imigrantes italianos.
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
4. Reflexões conclusivas
As capelas na região de imigração italiana constituíram um processo eclesial
muito particular dentro da história do catolicismo no Rio Grande do Sul e, sem
temor de exagero, no Brasil como um todo.
Seguindo a análise de Manfroi (1975, p. 164), as capelas nascem e se estruturam
como uma “igreja da comunidade” e, nesse sentido, não se enquadravam no
sistema paroquial europeu devido, em primeiro lugar, à ausência de padres e, em
segundo, à falta de uma estrutura centralizadora como a da paróquia e diocese.
Mesmo sendo estas existentes na região, estavam tão longe que tanto não
respondiam às necessidades dos imigrantes como não podiam controlar a vida
religiosa destes. Por outro lado, também não eram estruturas religiosas típicas da
sociedade portuguesa onde uma família era a “dona” da capela e tinha um padre a
seu serviço.
Trata-se, para usar a expressão de Boff (2008), de uma verdadeira eclesiogênese.
No vazio institucional, os imigrantes usam de sua memória religiosa e da
criatividade para forjar estruturas e ministérios que, tendo como centro a fé,
respondam às necessidades que a vida nas novas circunstâncias em que são
obrigados a viver, lhes exige.
Assim compreendidos, os conflitos que surgem entre lideranças leigas e padres e
que levam à elaboração, por parte da autoridade eclesiástica, do Regulamento
das Capelas, não é resultante de um desvio das funções da capela, mas de
compreensões diferentes do que seja o papel da igreja na vida do cristão e na
sociedade.
Para Costa (1988, p. 164-165, a tensão que surge entre as lideranças se dá pelo
fato de que
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
a capela perdeu não somente sua autonomia sobre o salão, como também perdeu sua autoridade moral de condicionar os demais horários de atividades aos seus, porque os salões funcionam como bodegas ou quase armazéns de fins de semana e, mesmo nos horários de culto de preces comunitárias, tendem a estar abertos, porque não servem apenas à própria comunidade.
Mesmo sendo isso verdade, o fato indicado é apenas manifestação de uma tensão
mais profunda entre o modo como os colonos pensavam sua vida comunitária e o
modo como os párocos que propõem o Regulamento, imbuídos pelo espírito da
romanização, a pensavam.
Para os colonos, a vida comunitária englobava, de forma indissociável, a
expressão da fé nas orações comunitárias, a educação das crianças realizada na
escola, a cooperação para as compras através da “bodega” comunitária e o
espaço para a festa e a convivência social.
Diferentemente do que afirma Costa 1988, p. 165), em contradição com os dados
por ele próprio apresentados e por nós acima comentados, as capelas não foram,
nas primeiras décadas, “sociedades definidamente religiosas”. Nelas confluíam os
interesses religiosos, educativos, econômicos e sociais dos migrantes e suas
famílias. São comunidades abertas às necessidades de seus membros e a todos
os que necessitem de seu auxilio, tanto espiritual como material. O fato de algum
dos moradores da localidade não participar das atividades religiosas ou, em casos
extremos, até contestar a religião, não o excluía da “capela” e das outras
atividades comunitárias.
Se por um lado, não podemos extrapolar os contextos históricos, sociais e
religiosos e afirmar, como o faz Romanato (2009, p. 30) que as Comunidades
Eclesiais de Base que surgem na segunda metade do séc. XX, “devem muito à
organização religiosa das antigas comunidades dos emigrantes”, por outro, não
podemos deixar de reconhecer que as duas experiências, cada uma a seu modo,
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Zugno, Vanildo Luiz. “As capelas como espaço de disputa de protagonismo e poder na Igreja da Imigração italiana no Rio Grande do Sul”, en: Patricia A. Fogelman y María Florencia Contardo (Editoras). Actas electrónicas del V SIRCP: Quinto Simposio Internacional sobre Religiosidad, Cultura y Poder. Buenos Aires: Ediciones del GERE, 2014.
tiveram que pagar o preço de ensaiar uma eclesiogênese onde o protagonismo
leigo e a vida do povo fossem a preocupação central da igreja.
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