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AS EXPOSIES INFANTIS:MODERNISMO E CULTURALISMO
Ana Mae Barbosa
Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Pauloe Universidade Anhembi Morumbi
RESUMO
Baseada em pesquisas de fontes primrias em jornais a autora apresenta texto de 1928sobre uma exposio de Arte de crianas japonesas no Rio de Janeiro e defende a ideiaque as exposies e colees de Arte Infantil foram libis para a aceitao doExpressionismo na Arte e da Pedagogia Centrada na Criana do modernismo. Apresenta aabordagem expositiva culturalista de hoje atravs da exposio ps-moderna para crianasde Glaucia Amaral em 1996, quase setenta anos depois, considerando-a atravs daperspectiva dos Estudos Visuais. A diversidade do contexto, do tempo e da cultura criamdiferentes objetivos e designs para as exposies de e para crianas.
Palavras chave: Modernismo, Exposies de Arte Infantil, Ps-modernismo, Exposiespara crianas.
ABSTRACT
Based on research of primary sources in newspapers the author presents a text of 1928 on aJapanese Childrens Art Exhibition in Rio de Janeiro and defends the idea that
the exhibitions and collections of Child Art were alibis for the acceptance ofExpressionism in Art and Child Centered Pedagogy of modernism. Presents the example oftodays postmodern and culturalist approach to exhibition for children, The FashionLabyrinth of Glaucia Amaral in 1996, that can be considered Visual Culture. The diversity of
context, historical time and culture creates different objectives and designs for exhibitions ofand for children.
Key words: Modernism; Childrens Art Exhibition; Post Modernism; Exhibition for Children
Em setembro de 2911 deparei- me com a notcia de que um pequeno Museu em
Oakland California, o Museum of Children's Art (MOCHA) havia cancelado uma
exposio de desenhos de crianas palestinas porque alguns desenhos mostravam
tanques atirando em civis e soldados israelenses em atitudes agressivas.
.A radicalizao politica est to exacerbada que de repente desenhos de crianas
podem ser considerados to perigosos que so censurados. J tinha me
acostumado a voz do povo sugerir que desenho para retardado, significao
implcita quando algum pergunta: Entendeu ou quer que desenhe? Com o meu
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otimismo passei a julgar esta pergunta positiva por demonstrar que o desenho
uma comunicao mais universal.
Nos inicios do modernismo o desenho infantil tinha um valor intrnseco celebrado, ovalor da expresso livre de amarras sociais e de dogmas.
Exposies e colees de arte infantil foram um argumento que ajudou a fazer o
publico entender e aceitar a arte espontaneamente construda dos artistas
expressionistas.
Portanto, exposies e colees de Arte Infantil foram libis para a aceitao do
Expressionismo na Arte e da Pedagogia Centrada na Criana do modernismo.
Muito se tem dito que a exposio que Herbert Read trouxe ao Brasil e esteve no
Rio de Janeiro, So Paulo e Belo Horizonte de 11 de outubro de 1941 a janeiro de
1942 foi inspirao para artistas como Augusto Rodrigues, Margaret Spencer,
Alcides da Rocha Miranda e outros se entusiasmarem para criar a Escolinha de Arte
do Brasil em 1948.
Tambm tenho lido a afirmao de que foi a primeira exposio internacional dedesenhos infantis apresentada no Brasil. Isto engano. Em 1928 em plena reforma
da educao comandada por Fernando de Azevedo uma outra exposio de arte de
criana entusiasmou o Rio de Janeiro, a de crianas japonesas.
Gerou vrios artigos e muitas notcias de jornal. O mais interessante foi o de
Porcincula Moraes1, um artista, paisagista de qualidade, que est esquecido.
Transcrevo em seguida parte do artigo:
A mensagem policroma das crianas da terra do Sol NascenteO "canon"universal das crianas e a sua tendncia futuristaPorciuncula Moraes(Para o Jornal)O desenho deve ser encarado como ponto de partida para todos os
conhecimentos. um sentimento inato nas crianas. Muitas vezes aindano falam. J tentam manchar sobre a mesa, com os prprios alimentos,formas curiosas do seu mundo. Ningum contestar que as crianas antesda escrita deveriam aprender o desenho. Antes de estudar o idioma de umpovo, estudar o idioma de todo o mundo.
A criana logo que a luz a deslumbra comea a desenhar! Vai desenhandotudo na proporo do seu entendimento; homens, animais, casa, rvores,navios e o que mais conhea. Investida de um forte esprito de sntese e decoragem, desconhece as dificuldades objetivas. Uma das primeiras figurasdesenhadas a clssica estilizao da figura humana em partes. Existe na
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arte das crianas uma certa lei natural, um "canon" podemos dizer, quanto arepresentao das formas mais comuns. Em milhares delas, asinterpretaes coincidem num mesmo sistema de estilizao. A figurahumana por exemplo, evolvendo da sntese dos palitos assimrepresentada: a cabea por um crculo, o tronco por uma elipse, dois palitos
para as pernas, com extremidades quadradas representando ps,ordinariamente em sentidos opostos, e dois para os braos comramificaes nos extremos para os dedos, isso em nmero indeterminado vontade do artista... Alguns observando mais a anatomia partem as pernase os braos atendendo as principais articulaes. Outros, cogitando dedetalhes, juntam dois pequenos crculos ou simplesmente pontos para osolhos, um trao vertical para o nariz e um horizontal para a boca. Aindaoutros cogitam das orelhas, dos cabelos e dos dentes, dependendo essasdiferenciaes da idade, do adiantamento e principalmente - da tendnciaartstica seguida. Quando executam composio onde haja superposio deplanos, no admitem corpos opacos. Absolutamente. Numa figura dechapu, a cabea deve ser vista em transparncia: lei inflexvel. Essafora de intuio bem dirigida e aprimorada revela o que vemos na
exposio de desenho e pintura das crianas japonesas atualmentefranqueada ao pblico, na Escola Deodoro, junto ao Largo da Glria. umamostra de arte singularssima, que deve ser visitada no s por todos oscolegiais, como, tambm pelos educadores, artistas e demais pessoas desensibilidade que desejem gozar de uma emoo esttica ingnua, singelae s. H um sabor para cada cultura, um entusiasmo para cadaentendimento.Vem correndo paralelamente queles arabescos ingnuos e infantis a foraancestral da cultura artstica japonesa.
A sua influncia se acentua em variadas escolas, Monet, o grande Monet,no foi indiferente aos mestres nipnicos, Hiroshige e Hokusai, quandopesquisava para o impressionismo a sntese e unidade ambiente.
A jovem exposio se pronuncia numa tendncia geral para o decorativo.
Uns preocupando fora de sntese vo-se avizinhando da planimetria docartaz, outros deslocando fortemente as massas ingressas pela seara deCezanne: ainda outros pela riqueza de matrizes fragmentam as notascromticas, invadindo assim o divisionismo de Segantini(Giovanni Segantini 1858-1899) H os expressionistas, que tratam comrigor exagerado a nota que deve caracterizar o motivo: na passagem de umtrem o que toma mais importncia a cauda de fumo significando avelocidade, o dinamismo.
As leis cromticas quanto as complementares so observadas em grandenmero de trabalhos com felicidade.
Alm do mais, a exposio tem um aspecto muito variado, figuram trabalhosa leo, aquarela, gouache, nankin, lpis em vrios tons, xilogravuras epintura de mosaicos. Sendo a graciosa mostra constituda de trabalhos
colecionados em vrias escolas do Japo, com exceo de poucas cpiasde desenhos clssicos, todos denotam ser tomados do natural em notasalegres, vividas e sentidas.Os trabalhos mais realizados, em perspectiva area e linear, abordandomaiores dificuldades tcnicas, no so nem por isso os mais interessantes:neles transparecem mais acentuados os conselhos dos mestres. O curioso,o original, a criana j com algum conhecimento, debatendo-se com aNatureza na luta da interpretao.Nas realizaes preconcebidas, nas intenes sistematizadas, o novo, aarte, tem mais de trs mil anos.
Aceitando que cada artista v o mundo a seu modo, procurando portanto,formas estranhas, formas originais para expressar novas sensaes, levado assim a nos dar o novo verdadeiro, o novo legtimo, o novo
atualssimo que o pessoal. Donde se conclui que a arte das crianas nova, novssima...O Jorna,l 24/06/1928.
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Acompanhou a exposio uma carta das crianas japonesas divulgada em todos os
jornais, como mensagem de paz e amizade, uma faceta de otimismo muito comum
entre as duas grandes guerras, perodo de efervescncia cultural no ocidente.
Temos a honra de vos informar de que estes desenhos foram colecionadosem todo o Japo, pelas agncias da Companhia Manufaturada de Calpis,com o auxlio da Associao Educadora de Arte Nova e que depois deemoldurados foram exibidos na grande Exposio Memorial no ltimovero.Desejaramos imensamente ter o feliz ensejo de ver os nossos desenhos e,por conseguinte, se quiserdes ter a bondade de nos remeter algunsexemplares, ficaremos satisfeitssimos. No caso de concordardes conosco,fareis o obsquio de enderea-los Embaixada Imperial do Japo, no Riode Janeiro.
Aceit-los-emos com desvanecimento, enviando-os depois ExposioMemorial, de onde faremos exibi-los nas principais escolas do pas por meioda referida Companhia.
Aguardaremos com ansiedade notcias de haverem sido recebidosfavoravelmente os nossos respeitosos cumprimentos e confiamos quedestarte estabeleceremos relaes de amizade.Concludo, esperamos que a nova gerao, em toda a parte onde reinar paze bem-estar, far o que estiver ao seu alcance para promover a amizadeinternacional.
Acrescentaremos que por esta mensagem estamos empregando o nossotempo em prol do bem da Humanidade e do fortalecimento da PazInternacional.Praza a Deus fazer desta mensagem uma beno!
Afetuosamente vos agradecem os vossos irmozinhos dos Pas dasCerejeiras Floridas.Tkio, Abril de 1928.Jornal do Comrcio - 13/06/1928
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Ironias da Histria, mais ou menos dez anos depois o Japo entraria na segunda
guerra mundial. Na verdade o intercambio dos desenhos era puro marketing de umaempresa, secundada por associaes educacionais, uma prtica usada pelo
capitalismo tambm hoje que explora universidades pblicas, sindicatos e
associaes de classe. A exposio produziu vrios artigos comovidos e imagens
no Jornal do Comercio, no O Pas e outros jornais que no reproduzo aqui por falta
de espao.
A ltima exposio modernista de arte infantil de grande sucesso no Brasil foi a
organizada por Jos Alberto Nemer e apresentada em diversos Estados do Brasil.
Considero-a modernista porque era baseada na relao entre desenhos e pinturas
de crianas e obras de artistas. Como vimos no texto de 1928 aqui reproduzido este
era o argumento daqueles que valorizavam a arte infantil naquele tempo: os
trabalhos das crianas se assemelharem a obras dos artistas modernistas. Os
artistas modernistas por seu lado valorizavam a arte infantil para mostrar que aquilo
que criavam era genuno e expresso autnoma do ser e do viver. Tive o prazer de
apresentar a exposio de Nemer no Museu de Arte Contempornea de So Pauloem 1989, quando era diretora, durante o congresso sobre O ensino da Arte e sua
Histria. Naquele momento de transio de valores e teorias, associamos uma
estratgia modernista, a exposio de desenhos de crianas com uma estratgia
ps-moderna no mundo da Arte/Educao, o congresso, que no comeou no ps-
modernismo, mas se multiplicou com ele e continua se multiplicando para alm dele.
As exposies e as colees de Arte Infantil organizadas a partir de 1890 foram para
o ensino modernista de Arte o mesmo que os Congressos de Arte/Educao foram
para o ensino ps-moderno de arte: um meio de convencer o publico e os
professores da importncia da Arte na Educao. Nas exposies modernistas se
queria convencer da importncia da expresso e nos congressos ps-modernistas
da importncia de ir alm da expresso e encaminhar o ensino da Arte em direo a
se entender a Arte como Cultura tambm e de se levar leitura das imagens.
Se o modernismo apresentava ao pblico a Arte das Crianas, o ps-modernismo sevoltou para a prtica de apresentar Arte para crianas. No incio os museus
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produziam para crianas exposies muito similares as exposies para adultos, a
mesma limpeza do cubo branco apenas com mais ludicidade. Com a divulgao
dos Estudos Culturais as exposies para crianas comearam a lanar mo de
muitas variveis para a contextualizao, no apresentando s obra de arte mas
tambm design, cartazes e outros elementos da cultura visual e material sem
hierarquizao. So essas exposies que classifico de Culturalistas.
Uma das primeiras exposies ps-modernas e culturalistas de alta qualidade para
crianas, no mais de desenhos e pinturas feitas pelas crianas, mas da cultura
infantil foi a de Glaucia Amaral, Labirinto da Moda :uma aventura infantil,
primeiramente mostrada no SESC Pompia em 1996. Foi apresentada tambm no
Museu do Estado da Bahia e nos SESCs de So Carlos, Santos e Bauru.
Foi uma exposio de Arte e Cultura Visual no melhor estilo dos Estudos Visuais ou
Cultura Visual radicante2 que j vinhamos praticando no ensino da Arte da Escola
de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo. A influncia da
Comunicao e de Richard Hoggart que a meu convite viera dar curso na USP
expandiu as fronteiras do ensino da Arte. Convivi por duas vezes em Banff, Canad,
com Richard Hoggard, criador do Centro de Estudos Culturais Contemporneos
(CCCS, 1964) da Universidade de Birmingham, Inglaterra. Quando o conheci, eu j
havia estado no Centro criado por ele e Stuart Hall em Birmingham, cidade na qual
fiz meu ps doutorado (1982).
Meu entusiasmo pelas discusses e pesquisas que ocorriam no CCCS foi enorme,
talvez por que j vinha de uma convivncia com as ideias revolucionrias sobre
Cultura de Gilberto Freyre, Paulo Freire, Alosio Magalhes e Abelardo Rodriguesainda no Recife, da experincia de trabalhar com Alcides Rocha Miranda na UNB e
com o grupo de Comunicao da ECA, que sempre colaborou ativamente com a
Arte/Educao.
Transcrevo aqui parte do texto que escrevi para o catalogo da Exposio Labirinto
da Moda que j dava pistas do que hoje me faz afirmar a ps-modernidade e o
culturalismo da exposio e requerer para ela o estatuto de Cultura Visual.
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...A intimidade de Glucia com o espao e os objetos que o constituem mefaz ver em o Labirinto da moda: uma aventura infantil no apenas uma
exposio, porm uma instalao da qual ela no somente a curadora,mas tambm a artista.Avanando para alm da ps-modernidade, no apenas cita outros artistas,mas se apropria metaforicamente de suas obras, colocando-as em umcontexto no qual ganham outros significados alm daqueles auferidosisoladamente... O Penetrvel -1983 de Jesus Sotto, torna- se o comeo ,odes-cortinamento do discurso e a essncia ,o fio da trama. A obra urdimentode Renato Imbrosi transforma - se na declarao de princpios estticos quepresidem a instalao/exposio e toda a obra de Glucia, que baseadana afirmao despreconceituosa da interrelao do erudito com o popular,das prticas artesanais e indstrias com a arte, da tradio com acontemporaneidade.Seus cdigos estticos transformam esta exposio em um manifesto
contra a represso que, tendo como meio de expresso a linguagem davestimenta infantil, leva consagrao da liberdade de agir, criar,reinventar, reciclar, reinterpretar, adaptar, etc, configurada atravs dotrabalho de arte educadores, estimulando as crianas atravs da relao doprprio corpo com diferentes roupas e complementos, ao final do percursohistrico e fenomenolgico que a artista-curadora prope nossa memria.
A artista-curadora comea pela histria, apresentando a roupa couraa,tolhedora do movimento, instrumento de tortura do adulto sobre a criana,baseada na concepo de que a criana era um adulto em miniatura e que,portanto, urgia faze-la superar os defeitos com que nascer. As diferenasem relao ao adulto eram todas consideradas defeitos temporrios e sociedade e educao competia reprimi-los.Johanna Schopenhauer, no sculo XIX,descreve a tortura da roupa
lembrando que era obrigada a carregar uma armadura chamada vestimentae uma enorme torre de cabelo mantida por fios de ferro e crina, coroadacom pedaos de plumas e flores, que acrescentavam muitos centmetros sua pequena pessoa e a impedia de tocar no solo.
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E tudo isto acontecia mesmo depois dos primeiros movimentos libertadoresda educao, cujo patrono foi Jean Jacques Rousseau.No , portanto, por acaso que a artista-curadora escolhe citaes deRousseau para iniciar, nesta instalao /exposio, sua caminhada emdireo libertao da criana atravs da roupa o que historicamente, s
veio a ocorrer uns 150 anos depois da publicao do Emlio (1762). somente no sculo xx que a roupa da criana ganha maleabilidade, aindauma consequncia das conquistas do mundo adulto. Foram os artistas quecomearam a mostrar a malevel integrao da roupa com o corpo. A roupados retratos deixa de ser smbolo de status para ser smbolo deindividualidade da pessoa retratada.So exemplos desta atitude pictrica o retrato de Olga em um chapu compena, de Picasso (1920), o retrato de Maria Ricotti de Kees Van Dongen(1925) e o retrato da condessa Ganay de Foujita (1923), no qual a roupa deseda se confunde com o corpo para que sejam enfatizados o cabelo, osolhos e as mos da personagem e ainda, o retrato de Peggy Guggenheimde Alfred Courmes (1926) o extraordinrio retrato de madame Boucard, darussa Tmara de Lampicka (1931) que vestia suas clientes para depois
retrata las e,finalmente a obra de Raoul Dufy, Poirets fashion show at TheRaces Club (1925). Este painel representando pessoas tal qual manequinsportando roupas supostamente de Poiret, equivale em comentrio social areleitura da multido de Anna Heylen na exposio de Glaucia, embora estaultima tenha um cunho mais ldico que a imagem produzida por Dufy, ondea roupa vista como mistura de criao e trivialidade......
A moda mesmo para adultos, s ganha interesse dos historiadores com o
surgimento das teorias da esttica do cotidiano e da histria das mentalidades.
Mesmo assim a tese de doutorado sobre Moda como fenmeno social de Gilda de
Mello e Souza s foi publicada uns 25 anos depois de ser defendida.
No sculo XIX, no Brasil, h o caso rarssimo de Arajo Porto Alegre, que em seu
programa de histria da arte ministrado nas aulas de Belas Artes inclua a moda e
costumes de teatro como objeto de anlises. Por falar em histria da arte, perguntei
um dia a Glaucia como havia se interessado pela esttica da roupa, pela roupa
como obra de arte e ela me respondeu que havia sido atravs de sua av russa, dos
bordados que ela fazia e da roupa tpica de sua terra que lhe mostrava. Isto me
remete a Ernest Gombrich, cujo interesse pela arte comea pelo encantamento com
os bordados e roupas eslovacas vendidas a sua me por Mr. Motorick, um protegido
do arquiteto tcheco Jan Kotera.
O impacto deve ter sido to grande sobre Gombrich criana que, ao publicar The
Sense Of Order, o Gombrich historiador reproduz a cores dois bons eslovacos
ricamente bordados num livro que tem apenas 15 fotos coloridas em um total de 458
imagens. William Morris foi responsvel pela flexibilidade do olho moderno para as
artes inapropriadamente chamadas menores, mas poucos de seus seguidores se
interessaram especificamente pela roupa da criana. Somente as mulheres artistas
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de Glasgow o fizeram, especialmente Jessie Newbery (1864-1948) que na Glasgow
School of Art advogava a democratizao do bom gosto na roupa da criana,
defendendo o uso de tecidos bonitos, porm baratos, e o mnimo de contas e
bordados em favor de um corte elegante e solto para facilitar os movimentos (1910-
1920).
Mas os homens poucos se interessavam naquele tempo pela criana, mesmo os
que elegeram a moda e suas circunstncias como tema. Assim que, entre as
famosas e magnficas fotos de vitrines de Eugne Arget (1925) no h referencia
criana, como tambm no h nas celebradas fotos de moda de Man Ray. Glaucia
enveredou por um tema pouco explorado como sempre guiada por sua inquietude,
inventividade, capacidade de ver onde os outros no viram, talento para os
encadeamentos lgico sensveis e interesse pelo social.
Conduzindo-nos a perceber a relao processo produto do fio s muitas
significaes da roupa infantil, a artista-curadora revelava, atravs da radiografia do
processo, o ator invisvel, o trabalhador das oficinas de roupa, da tecedeira
costureira, que usa da velha mquina manual s sofisticadas mquinas de overloque
da indstria contempornea.
Nesta instalao/exposio o vedor adulto ou criana ia sendo levado pela trama do
espao a perceber outras tramas, como as que se desenvolvem entre massificao
e individualidade, passado e contemporaneidade, opresso e liberdade, mquina e
artesanato, imitao e imaginao, cdigos hegemnicos e cdigos das minorias,
olhar e ao, indstria cultural e arte, brinquedo e escola. Contudo a oposio
enfrentada com mais constncia nesta exposio foi a representao da alegria e
das convenes da festa. Tudo isto tendo como matria o pano, o tecido e a
identificao do pensamento da artista-curadora com Rousseau.
Essa instalao /exposio era uma alegoria Rousseauniana aos mltiplos conflitos
que exigem do ser humano um constante equilbrio entre trabalho e natureza,
reflexo e inveno, causas e consequncias e, principalmente, entre o eu e o outro
em busca de reconciliao para restaurar a totalidade social, tendo como objetivo a
felicidade aqui e agora. Fotografias, cinema, reprodues de obras de arte, tecidostensionados, tecidos-minhoca, espelhos, vitrines, chuvas de trapos, chuvas de
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retroses, casulos voadores, fitas voadoras, sombras chinesas, a festa e a
sacralizada obra de arte original tudo isso trabalhava para levar a criana a
aprender atravs do objeto e da imagem, a ter conscincia desta aprendizagem, a
se perguntar acerca do mundo que a cerca, da roupa que veste, da roupa de sua
classe social, da vida que vive etc.
A apresentao da criana atravs da roupa na arte e no cinema, nafotografia e nas revistas, to bem desvendada na instalao/exposio levaa um desafio: pesquisar a representao da roupa para a prpria criana.Desejo ardentemente que esta instalao/exposio resulte em um estudocultural sobre que o que pensa a criana da moda desenhada para ela, oque significa a roupa para a criana. fcil dizer que hoje elas s pensamem usar marcas hegemnicas e internacionais. Ser verdade, ou isto oque a publicidade quer que acreditemos? Ser pedir muito a voc, Glaucia,
que uma artista processo/produto, uma artista que uma obra de arteandante, capturando o olhar de todos pela individualidade esttica da roupaque cria para si prpria, que veste soberanamente?(BARBOSA, 1996)
claro que Glaucia devolveu para mim a provocao de fazer a pesquisa. Passei
umas trinta horas observando as crianas no momento mais excitante do fazer no
brech. Alm das minhas anotaes de observadora participante tambm tenho em
mos 100 entrevistas curtas com crianas visitantes da exposio que nunca tive
tempo de analisar. O questionrio foi aplicado com ajuda de uma criana hoje um
educador, Arthur Rizzi Cintra3, na poca com 10 anos. Na entrada perguntvamos a
criana quem escolheu a roupa que ela estava usando e que tipo de roupa mais
gostava de usar. Na sada a mesma criana deveria descrever a roupa que mais
gostou e a que escolheria para ela, podendo desenhar uma se quisesse.
Noventa e oito por cento na entrada disse que gostava mais de camiseta e short (era
vero) e nenhuma manteve na sada a mesma resposta. A maioria escolheria
alguma do brech (62%) ou da exposio (11%) e algumas inventaram novas
roupas (27%).
As propostas de fazer da exposio foram o Brech e o Manifesto. O Brech era
um lugar de rica variedade de roupas, sapatos, adereos, etc onde as crianas se
caracterizavam e iam tirar fotos, danar ou representar com DJs ou educadores de
Artes Cnicas estimulando-os. Foi o grande sucesso da exposio.
Outro momento de fazer foi o Manifesto que se situava ao fim da exposio onde
grandes mesas, tesouras, cola convidavam as crianas a fazerem colagens que
podiam levar para casa ou deixar nos painis de exibio no local.
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Por muito tempo usei esta exposio para demonstrar a meus alunos os processos
da Abordagem Triangular: Produo, Contextualizao e Leitura da obra ou do
campo de sentido da Arte e da imagem de outras mdias e categorias. Embora
Glaucia no tenha seguido a Abordagem Triangular na construo da exposio os
educadores que orientavam o educativo, Maria Christina Souza Rizzi, Ana Amlia
Barbosa e Cildo Oliveira a usavam para ampliar a compreenso e a imaginao
cultural de crianas e adultos em dialogo direto ou por meio do excelente e
diversificado material educativo constitudo de folders baseados na Pedagogia
Questionadora de Paulo Freire. A Pedagogia Questionadora estabelece o equilbrio
entre a Pedagogia Crtica e a Pedagogia Criadora. Questiona a sociedade, as
normas impostas, as agendas escondidas, os prprios valores de professores ealunos, mas ao mesmo tempo no imobiliza, prope respostas criadoras, que
correspondem s necessidades do contexto e do tempo, ampliando a imaginao e
os fazeres dela derivados.
A imaginao uma funo mental cada vez mais importante para a sobrevivncia
interna e social do ser humano e a Arte sua vlvula propulsora. Estudiosos da
Literatura, mais afiados no debate crtico, teem afirmado que atravs da imaginao
se descobre o que no existe na realidade. Steve MacQueen (2012) d a entender
que o cinema a mais importante de todas as Artes para o desenvolvimento da
imaginao: Cria imagens que as pessoas nunca viram ou imaginaram que veriam,
possivelmente porque precisavam de outra pessoa que as imaginasse por elas.
A tnica de excelncia da exposio de Glaucia estava justamente no dilogo entre
a provocao da imaginao e o poder de contextualizao. Naquele tempo, 16
anos atrs, os educadores nas escolas tinham muita dificuldade de entender acontextualizao, reduzindo em sala de aula este rico processo de cognio e de
ampliao cultural apenas vida do artista que estavam estudando. Operavam a
escolarizao da cultura em vez de sua ampliao.
O equilbrio entre Arte e Entretenimento; Histria e Cultura foi perfeito nesta
Exposio que selou as relaes entre Arte e Cultura Visual para a infncia
brasileira.
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Hoje a cultura expositiva para a criana continua deixando de lado a produo da
prpria criana. As raras exposies de desenhos, pinturas, vdeos ou instalaes
feitas pelas crianas s interessam aos pais e aos avs. Como vivemos um
momento de multiplicao de teorias e revisitao de posies anteriores acredito
que o interesse pelo desenho da criana est voltando, embora com uma nova
tnica: o estudo dos processos mentais envolvidos no ato de desenhar. Um
Congresso em Outubro de 2011 na Columbia University (NY) tinha este objetivo.
Por outro lado no rico processo das revisitaes temos o movimento do Arts Based
Research in Art Education baseado principalmente nas ideias de Elliot Eisner de
1981 e em uma exposio por ele organizada que correu os Estados Unidos nos
anos oitenta, na qual mostrava o processo de ensino/aprendizagem atravs da
fotografia das crianas trabalhando e de seus trabalhos levando-nos a entender
pelas imagens a proposta dos professores. Os estudiosos da Universidade de
Granada, liderados por Ricardo Marin veem resignificando a linguagem fotogrfica e
a linguagem de vdeo como testemunho de pesquisas e de construo de
conhecimentos. Veem se multiplicando os ensaios visuais que teem como base a
criana trabalhando, suas expresses faciais e corporais quando pintam, desenham,
projetam e veem imagens, quando reagem ao mundo que as cerca, multicultura
que as envolve.
A dissertao de mestrado de Clarisse Urbano (2011) na Universidade Anhembi
Morumbi e a tese de Ana Amlia Tavares Bastos Barbosa (2012) na ECA /USP,
incluam exposies que demonstravam a funo da imagem como narrativa de
pesquisas. As imagens das crianas mudam em funo da diversidade das
propostas de trabalho, da diversidade de espaos que descobrem e da diversidadede aspectos da vida com os quais se deparam. A expectativa, o prazer, a
perplexidade, a duvida so demonstradas atravs das fotografias do inicio do
processo de trabalho at sua concluso. O que as atividades significam para elas
est cabalmente demonstrado em seus semblantes, posies corporais, risos,
raivas, recusas e vitorias.
A melhor maneira de convencermos os outros do que afirmamos verbalmente, das
nossas teorias, de nossas convices, do resultado de nossas pesquisas
comprova-los atravs da imagem.
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Notas:
1 S encontrei obras expostas de Porcincula Moraes no Palcio do Governo de So Lus no Maranho.2 Termo usado por Nicolas Bourriaud.3 Arthur Rizzi Cintra hoje recm-formado em Pedagogia, Arte/Educador e trabalha na Escola Gro de Cho.
Bibliografia:
BARBOSA, Ana Amalia. Alm do corpo: uma experincia de Arte/Educao. Tese deDoutorado ECA/US. Programa Teoria, Ensino e Aprendizagem, Orientadora Regina StelaMachado, 2012
BARBOSA, Ana Mae Labirinto da Moda ou Reinventar-se Atravs da Modaem GlauciaAmaral, Labirinto da Moda : Uma aventura infantilSo Paulo:SESC, 1996 pg. 28 a 32.
GOMBRICH, Ernst. The sense of Order. Londres: Phaidon Press,( 2nd edition), 1994
JORNAL DO COMERCIO. Rio de Janeiro, 13/06/1928
McQUEEN, Steve.Fazer filmes s trabalho. Entrevista Folha de So Paulo .Sexta-feira, 16 de maro de 2012, Ilustrada, Pgina E4. [no o ator de Hollywood (1930-1980), mas o artista plstico e diretor dos filmes Hunger e Shame]
MORAES, Porciuncula. A mensagem policroma das crianas da terra do Sol Nascente: O"canon"universal das crianas e a sua tendncia futurista. Rio de Janeiro: O Jornal,24/06/1928.
URBANO, Clarissa. Dilogos entre Ecologia, Arte e Design. Dissertao de Mestrado .Programa Arte, Design, Moda e Tecnologia .Universidade Anhembi Morumbi . OrientadoraAna Mae Barbosa, 2011.
Ana Mae BarbosaMestrado e doutorado nos Estados Unidos. Ensinou na Yale University e na The Ohio StateUniversity. Foi pesquisadora visitante da University of Central England, da Universidade doTexas e da Columbia University. Recebeu a Comenda Nacional do Mrito Cientfico do MCTBrasil; o Prmio Edwin Ziegfield, USA; o Premio Internacional Herbert Read, e o
Achievement Award pela contribuio e liderana na Arte/Educao nos Estados Unidos,entre outros.