UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
AS JORNADAS DE JUNHO E OS NOVOS MOVIMENTOS: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA MARXISTA
LUANA VANESSA SOARES PINTO DE SOUZA
NATAL/RN 2013
LUANA VANESSA SOARES PINTO DE SOUZA
AS JORNADAS DE JUNHO E OS NOVOS MOVIMENTOS: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA MARXISTA
Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Jul iana Maria do Nascimento.
NATAL/RN 2013
X
Souza, Luana Vanessa Soares Pinto de. As jornadas de junho e os novos movimentos : uma análise sob a perspectiva marxista / Luana Vanessa Soares Pinto de Souza. – Natal/RN, 2013.
84 f. Orientadora: Juliana Maria do Nascimento Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Departamento de Serviço Social. 1. Protestos. 2. Mobilização. 3. História política. 4. Política econômica. 5.
Movimentos sociais. 6. Jornadas de junho. 7. Novos movimentos. 8. Crise do leste europeu. 9. Neoliberalismo. I. Nascimento, Juliana Maria do. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III Título.
CDU 323.2
FICHA DE APROVAÇÃO
LUANA VANESSA SOARES PINTO DE SOUZA
AS JORNADAS DE JUNHO E OS NOVOS MOVIMENTOS: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA MARXISTA
Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para Comissão Examinadora formada
pelos professores:
Aprovado em: ____/____/______.
Banca Examinadora
__________________________________________________ Profª. JULIANA MARIA DO NASCIMENTO (Orientadora)
__________________________________________________ Profª. TÁSSIA MONTE SANTOS (Membro)
__________________________________________________ Profª. ANDRÉIA LIMA DA SILVA (Membro)
Á minha irmã Louise Soares
por me ensinar que naufragar, para nós,
é impossível...
Todos os passos da minha vida
serão dedicados à você.
“Não solta da minha mão”
“Ontem éramos todos tunisianos,
hoje somos todos egípcios,
amanhã seremos todos livres”
Entoava uma multidão de jovens que ocupou a Praça Tahir, no Cairo
AGRADECIMENTOS
Parece uma tarefa fácil, mas escrever os agradecimentos na monografia, é
muito difícil. Estou com os sentimentos à flor da pele...algumas horas quero chorar
de saudade dos tempos de Universidade, em outras, queria mesmo era sumir, mas
no fundo, no fundo, o que eu mais queria agora era o colo da minha mãe...Por isso,
resolvi começar agradecendo à ela: Mãe, obrigada por tudo! É impossível pensar em
um sonho pra mim e não lembrar de você. Não é uma tarefa fácil ser minha mãe, eu
acho que não tinha outro alguém no mundo capaz de cumprir isso. Obrigada por
acreditar em mim, por fazer da minha vida a sua vida, por me ajudar a carregar o
nosso destino...hoje, às vésperas da minha formatura, só consigo lembrar dos dias
em que fui fazer as provas do vestibular: para quem não sabe, minha mãe levou
café-da-manhã na minha cama todos os dias, fez massagens nos meus pés e colou
em todas as paredes da casa, fotos minhas de quando eu era criança, mostrando
toda a minha trajetória “acadêmica” (deixou lá até o resultado sair, dizia que era
promessa...deu certo!). Certamente nossa relação não é feita apenas de sorrisos e
massagens nos pés, mas mesmo assim, eu queria dizer que te amo, e não seria
essa Luana que sou, se não fosse por você.
Pai, de todo este trabalho, estas são linhas mais difíceis de serem escritas,
nós sabemos porquê...apesar da nossa ausência, queria dizer que ainda és o meu
melhor amigo, sinto muito não compartilhar com você esse momento de forma mais
íntima, mas eu sei que, mesmo com o silêncio e a distância, você está torcendo por
mim, sei que se orgulha também...Obrigada até pelo o que você não disse!
Ao grande amor da minha vida, obrigada, irmã! Obrigada por ser tão forte,
por estar sempre ao meu lado, por também me ajudar a carregar o nosso destino,
por as vezes ser minha mãe, e por outras, permitir ser minha filha. Te amo como
nunca amarei ninguém. Lembre-se: a sua vida, é a minha vida – Não solta da minha
mão!
Agradeço aos meus avós maternos: meu vô Gil, que em toda a sua vida,
mesmo com seu jeito agridoce, me deu muito amor e carinho. Vovô, obrigada por
tudo, você também é responsável por isso. À minha vó Conceição! De novo estou
sem palavras, não há como agradecer por tudo o que a senhora faz por mim, não é
fácil ser você, eu sei. Mas se quando eu crescer, eu conseguir herdar metade da sua
fortaleza, eu serei muito feliz! Sou grata também à minha tia Rejane, que me tem
como filha, que cuida tanto de mim, aos meus tios Régia e Ricardo, por acreditar e
torcer pelas minhas conquistas!
Existe uma pessoa que me acompanha sempre, nunca deixou de estar ao
meu lado, tenho certeza disso...meu vô Erasmo, hoje é mais um daqueles dias em
que eu sinto uma vontade de ir até o seu quarto e ver a velha rede xadrez estendida,
de ouvir "trem das onze" sendo cantada da forma mais verdadeira e embriagada
possível, de conversar coisas que por mais simples que fossem me renderiam
muitos ensinamentos...Como que queria te abraçar, te beijar, olhar nos olhinhos de
jabuticaba mais lindos desse mundo, falar do tamanho da minha saudade, de quanta
coisa boa que eu estou vivendo e não desgrudar de você nunca mais. Eu sei que
você está sempre ao meu lado, te amo muito e prometo mantê-lo vivo por toda a
minha vida!
Vó Bernadete, obrigada por ser minha amiga, por estar ao meu lado quando
eu preciso, por ser tão linda e por acreditar que eu posso ir muito longe, te amo, vó!
Aos meus tios e tias: Erinaldo, Erivaldo, Iza e Ivone, por compartilhar tantos
momentos de alegrias. Não poderia deixar de agradecer a todos os meus primos e
primas, por tornarem a vida mais engraçada e divertida, e também por emprestar o
ombro quando preciso. Às minhas primas-irmãs Jeicy, Joisa e Fiama, eu amo vocês,
obrigada por terem me adotado, a distância machuca muito, mas o amor e a vontade
de ficar perto só aumenta! Não tem como esquecer da agregada, né? Bethise,
obrigada por me amar e por ser tantos problemas em comum!
Eu queria poder dizer aqui o nome de cada um dos meus amigos e amigas,
que fizeram parte da minha vida até agora....Eu juro que lembro de cada um de
vocês, mas daqui a pouco os meus agradecimentos ficam maior que a minha
introdução, acho que isso não é muito bom! Eu amo muito vocês, tenho certeza que
carregarei cada um para sempre, nem que seja através das lembranças. Muito
obrigada por tudo!
Às minhas fieis companheiras dos últimos quatro anos: Doras, como eu amo
vocês, como eu queria que o destino nos surpreendessem e nos mantivesse todas
juntas para sempre. Cada uma com seu jeito, me fez muito feliz esse tempo todo,
como foi bom ter vivido tudo o que vivemos. Desejo à todas vocês, os melhores
destinos que forem possíveis, desejo todo amor do mundo, os sonhos mais doces e
reais e os melhores empregos também!
Aos meus camaradas de partido, aos que como eu, escolheram dedicar
parte da vida (e boa parte da vida) ao sonho de transformar o mundo. Quero dizer
que esse trabalho não teria sido o mesmo se não tivéssemos passado juntos por
tantas experiências maravilhosas no ano de 2013, mas quero dizer também, que isto
é apenas o começo...na nossa estrada, o caminho não é fácil, mas ainda bem que
temos uns aos outros, estaremos juntos até a libertação final da nossa classe.
Obrigada também pela paciência e compreensão que tiveram neste último mês, há
de valer a pena! Só não vou perdoar os inúmeros convites tentadores para ir ao
Amarelinho e ao Zé Reeira!
A reta final foi um dos momentos mais difíceis da graduação, escrever não é
fácil. Por isso, agradeço à três pessoas que foram fundamentais nesse período:
Lorena, Jose e João, obrigada por aguentarem as minhas oscilações de humor e as
reclamações pelo TCC, pelas distrações da vida, pela companhia, obrigada, foi mais
fácil com vocês!
Obrigada à todos (as) os (as) funcionários (as) do DESSO, todos (as) os (as)
terceirizados e todos (as) os (as) bolsistas, a vida não Universidade não aconteceria
sem vocês!
Agradeço também à todos os professores que eu tive na minha vida,
obrigada por trabalhar, de fato, por amor, por aguentar tanta precarização, tantas
provas, aulas e orientações, mas também, por sonhar junto com a gente. Obrigada,
principalmente à Tia Valdete (minha primeira professora), à Iara Maria (EJM), à Virna
Lúcia e Fabrício Vale (IFRN), ao Juary Chagas (que foi um professor, mesmo sem
ser) e às professoras do Serviço Social: Regina Ávila, Silvana Mara, Andréa Lima,
Tássia Monte, Ilka Bezerra, vocês me ensinaram sobre a vida, muito obrigada! Por
último, e não menos importante tenho que agradecer à você, Jú (Juliana
Nascimento), por ter dividido os meus momentos mais difíceis e por ter sido tão
companheira: Cumprimos a nossa tarefa! Muito obrigada por tudo, principalmente,
pela paciência, eu sou muito chata...
RESUMO
Presente trabalho discute os aspectos históricos, políticos e econômicos que fizeram insurgir no Brasil, no ano de 2013, o que chamamos de “Jornadas de Junho”. Tem como objetivo fazer uma análise dos novos movimentos que surgiram impulsionados pela conjuntura do ascenso de lutas. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa. O contexto que o Brasil viveu não estava descolado da conjuntura internacional, desde 2011 que a situação política do resto do mundo não é mais a mesma, a influência da Primavera Árabe, aliada à crise econômica e aos planos de austeridade que estão sendo implementados pelos governo, impulsionam uma série de novos movimentos e protestos multitudinários. A partir de pesquisa bibliográfica, esse trabalho se propõe a relacionar os novos movimentos que surgiram a partir das jornadas de junho de 2013, com os movimentos de outros países, identificando suas características, triunfos e formas de mobilização, é o caso do movimento Anonymous, o Occupy All Stret nos EUA, e o Democracia já! na Espanha. É importante ressaltar que esses “fenômenos” revelam uma nova vanguarda que se formou desde o início da década de 1990, com a queda do socialismo no leste europeu, a partir da restauração do capitalismo nos países que formavam o bloco socialista. Esse fato alinhado ao auge da implementação do neoliberalismo, através das instâncias do regime democrático burguês, provocou um verdadeiro vendaval oportunista na esquerda mundial, várias organizações passaram à sustentar as táticas do imperialismo e do grande capital. A relação entre esses elementos provocou uma espécie de descrença na vanguarda que se forjara, e consequentemente, cria condições propícias para a influência do “anarquismo”, o fortalecimento do autonomismo e do individualismo. As lutas passam a ter uma pauta centrada nas “questões democráticas”, pontuais. Os novos movimentos rompem com os métodos tradicionais da classe operária e perdem de seu horizonte a luta pelo socialismo. A pesquisa revela que há um distanciamento entre os novos movimentos e os métodos tradicionais da democracia operária, tendo que ser superados para que a luta pelo socialismo volte a estar no horizonte dos jovens e trabalhadores de todo o mundo.
Palavras-chave: Protestos. Mobilização. História política. Política econômica. Movimentos sociais. Jornadas de junho. Novos movimentos. Crise do leste europeu. Neoliberalismo.
ABSTRACT
Present work discusses the aspects historical, political and economic that you/they made to revolt in Brazil, in the year of 2013, what called "Days of June". he/she Has as objective to do an analysis of the new movements that you/they appeared impelled by the conjuncture of the ascent of fights. The work was developed starting from a bibliographical research, of qualitative nature. The context that Brazil lived was not unstuck of the international conjuncture, since 2011 that the political situation of the rest of the world is not more the same, the influence of the Arab Spring, allied to the economic crisis and the austerity plans that they are being implemented by the government, they impel a series of new movements and protests multitudinous. Starting from bibliographical research, that work intends to relate the new movements that appeared starting from the days of June of 2013, with the movements of other countries, identifying their characteristics, victories and mobilization forms, it is the case of the movement Anonymous, Occupy All Stret in the USA, and the Democracy already! in Spain. It is important to emphasize that those "phenomena" reveal a new vanguard that was formed since the beginning of the decade of 1990, with the fall of the socialism in the European east, starting from the restoration of the capitalism in the countries that formed the socialist block. That aligned fact to the peak of the implementation of the neoliberalism, through the instances of the bourgeois democratic regime, provoked a true gale opportunist in the left world, several organizations passed to sustain the tactics of the imperialism and of the great capital. The relationship among those elements provoked a type of disbelief in the vanguard that had been forged, and consequently, it creates favorable conditions for the influence of the "anarchism", the invigoration of the autonomism and of the individualism. The fights start to have a line centered in the "subjects democratic", punctual. The new movements break up with the traditional methods of the working class and they lose of his/her horizon the fight for the socialism. The research reveals that there is an estrangement between the new movements and the traditional methods of the labor democracy, tends to be overcome so that the fight for the socialism is in the youths' horizon and workers of everyone again.
Keywords: Protests. Mobilization. Politicial history. Economic policy. Social movements. Journeys June. New social movements. East european crisis.
Neoliberalism.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 A ORGANIZAÇÃO E A LUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CONTEXTO DO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO ....................................................................... 15
2.1 A CRISE DO LESTE EUROPEU E O AUGE DO NEOLIBERALISMO ............... 15
2.2 O CONTEXTO DOS ANOS 1990 E O ARREFECIMENTO DOS MOVIMENTOS E
DA LUTA DE CLASSES ............................................................................................ 29
3 NO BRASIL: O PARTIDO DOS TRABALHADORES, A COLABORAÇÃO DE
CLASSES E A VIRADA À DIREITA ......................................................................... 37
3.1. BRASIL: 10 ANOS DE GOVERNO DE COLABORAÇÃO DE CLASSES .......... 37
3.2 O HISTÓRICO DO MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL E A COOPTAÇÃO
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS .................................................................................. 50
4 AS JORNADAS DE JUNHO E A CRISE DE DIREÇÃO: SURGEM OS NOVOS
MOVIMENTOS .......................................................................................................... 58
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 77
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 80
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1 INTRODUÇÃO
A partir do dia 17 de junho de 2013, aconteceu um fato histórico que
provocou uma importante mudança na situação política do país. Centenas de
milhares de jovens tomaram as ruas das principais capitais brasileiras, epicentros
econômicos, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas a “onda” de protestos, que
escolhemos nos referenciar como sendo as “Jornadas de junho” - rapidamente se
espalhou, chegando à, pelo menos, quatrocentas (400) cidades do resto do país. A
sequência de protestos de rua contra os aumento das passagens de ônibus,
funcionou como uma faísca. Reprimidos de forma completamente desmedida pela
polícia - que pôde demonstrar ali seu despreparo com a situação - a juventude que
há alguns anos vivia em ritmo de letargia, reagiu de forma surpreendente. O que
parecia ser um conflito marginal contagiou todo o país e os jovens brasileiros
puderam protagonizar uma realidade que há vinte anos não se via.
Mas a luta pautada na questão do transporte era, na verdade, a expressão
da insatisfação generalizada de determinados setores da população. Por isso, logo
ela ganhou o apoio e a comoção das massas e se tornou uma luta por condições de
vida: agora além do transporte, estavam sendo pautados (principalmente) saúde e
educação.
O descontentamento com os serviços públicos oferecidos por federação,
estados e municípios, perpassavam pela exigência por saúde e educação com
“Padrão FIFA”, em alusão à relação de submissão entre os políticos e essa
entidade, as exigências feitas por ela, foram prontamente atendidas através dos
altos investimentos feitos para as construções dos estádios da Copa Mundial de
Futebol de 2014, que o Brasil sediará. As mobilizações chocaram-se com os
governos de vários partidos políticos. No Rio de Janeiro, os manifestantes gritavam
pelo “Fora Cabral”, já no Rio Grande do Norte, pelo “Fora Rosalba”. O apoio ao
governo Dilma, que era amplamente majoritário, decaiu consideravelmente, segundo
pesquisas, em apenas um mês.
O desgaste com à atuação dos parlamentares, teve muito peso nas
mobilizações. A relação destes com a população e as instituições políticas do país,
passou a ser questionada. E o principal reflexo disso foi o sentimento de anti-
partidarismo e a falta de direção nos grandes atos. Esse fator reflete o fisiologismo,
característico da atuação da maioria dos partidos políticos nacionais e a ausência de
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mecanismos não-eleitorais que garantissem a participação popular nas decisões
políticas do país.
As manifestações influenciaram a politização e formação de novos
organismos de luta e mobilização. Esses organismos e/ou movimentos são
heterogêneos internamente e diferentes entre si, portanto, não há uma característica
universal aplicável a todos eles e em todas as situações. Contudo, a sua existência
não é um privilégio do Brasil, ao contrário disso. Desde 2011 que houve
mundialmente uma mudança na situação política marcada pelas revoluções árabes,
pelo aprofundamento da crise econômica e pelos planos de austeridade que estão
sendo implementados, essencialmente pelos governos europeus. E todas essas
situações fizeram despertar em diversos países protestos multitudinários, muito
semelhantes aos brasileiros.
Com características de espontaneidade, autonomismo, ruptura com os
antigos métodos da classe operária e irreverência, esses movimentos se espalham
pelo mundo e ganham cada vez mais força, os maiores exemplos são os
Anonymous, que é um fenômeno mundial, e a Ocuppy Wall Street nos Estados
Unidos. Os novos movimentos refletem o atual momento histórico que vivemos, os
atos de rua são convocados pelas redes sociais, principalmente, pelo facebook, os
cartazes são feitos em papelão ou cartolina, não existem líderes declarados, e há
uma enorme criatividade e inovação nos métodos de luta e mobilização. Suas
pautas geralmente estão centradas em reivindicações democráticas, em certa
medida, em uma reforma na democracia. Além disso, são movimentos juvenis-
populares sem um caráter claro de classe com a participação ainda minoritária da
classe trabalhadora. Isso tem determinado a sua relação com as organizações
políticas e sindicais, os novos movimento tem verdadeira aversão à estes. Isso tem
provocado verdadeiros embates e ameaças à unidade dentro do movimento.
Essas características são frutos de um sentimento progressivo em relação
ao regime político burguês, com suas eleições fraudulentas, seu parlamento
degenerado, partidos políticos vendidos e um sistema eleitoral antidemocrático, que
não representa a sociedade como um todo. Contudo, por outro lado, esses
movimentos apresentam ideias completamente reacionárias: a de que todas as
organizações políticas são iguais, que a tomada do poder pela classe trabalhadora
não importa e a falta de perspectiva da transformação social em sua raiz, a completa
destruição do sistema capitalista.
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Portanto, a relevância deste trabalho se dá por suas próprias circunstâncias,
a esquerda mundial não é mais a mesma desde a queda do socialismo no leste
europeu no início dos anos 1990, esse fato combinado com o ascenso do
neoliberalismo provocou um verdadeiro vendaval, a ponto da esquerda de hoje está
quase que irreconhecível, as jornadas de junho foram mais uma expressão desse
fato. Além disso, durante toda a minha trajetória na Universidade, no curso da
graduação, procurei pesquisar e discutir sobre temas que refletissem a minha
relação com os movimentos sociais. Ser parte da juventude que assaltou as ruas em
junho deste ano, que enfrentou os governos, que arrancou concessões da
burguesia, que disputou a opinião popular e a convenceu que somente a luta muda
a vida, não diminui a importância que me levou à escolha deste tema. Ao
desenvolver este projeto, escrevi sobre a história que eu ajudei a construir, dediquei
tempo, suor e sangue.
Pretendemos através da perspectiva teórica marxista com o método dialético
analisarmos de que forma as jornadas de junho contribuíram para o fortalecimento
desses novos movimentos no Brasil, considerando que este é um processo que não
está descolado da dinâmica mundial.
A referente pesquisa prioriza o ano de 2013, especificadamente o mês de
junho e foi realizada através de revisão bibliográfica, está sendo apresentada
através de três (03) capítulos, para essa construção foi imprescindível análise e
apreensão do que discutem: Tonet, Hernandez, Hobsbawm, Anderson, Duriguetto e
Montaño, Harvey, Arcary, Garcia, Bakunin e Trotsky.
O primeiro traz uma contextualização histórica da organização e luta dos
movimentos sociais no capitalismo contemporâneo, considerando dois aspectos
principais: a derrota do socialismo no leste europeu através da burocratização do
estado soviético, e arrefecimento da luta de classes na década de 1990,
considerando o auge e a propaganda do neoliberalismo em todo o mundo.
O segundo capítulo nos localiza na conjuntura do Brasil, inicialmente com
uma discussão em relação ao governo do Partido dos Trabalhadores, considerando
o seu caráter de colaboração de classes e nos aprofundando sobre a realidade da
economia do país, relevando as políticas sociais que vêm sendo implementadas, as
condições da saúde e da educação, o índice de desemprego, bem como da inserção
dos trabalhadores no mercado informal. Além disso, foi preponderante fazermos o
resgate no movimento sindical do país, como elemento de análise no que diz
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respeito à “descrença” nas organizações políticas dos trabalhadores, inclusive,
sindicatos. Nesse ponto, ganha importância a cooptação da Centra Única dos
Trabalhadores, a partir da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, em 2002.
Por último, mas não menos importante, no terceiro capítulo, a pesquisa
remete-se as jornadas de junho: suas principais características, protagonismo e
triunfos, discutindo primordialmente a formação dos novos organismos, levando em
consideração a influência que a vanguarda que se formou carrega do fim da Guerra
Fria, no início da década de 1990, na URSS – com a derrotada do socialismo e do
contexto das lutas sociais no período do auge do novo projeto hegemônico mundial,
o neoliberalismo.
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2 A ORGANIZAÇÃO E A LUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CONTEXTO DO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
2.1 A CRISE DO LESTE EUROPEU E O AUGE DO NEOLIBERALISMO
Desde a queda do muro de Berlim em novembro de 1989, que muitas
mudanças incorreram na esquerda mundial. De maneira geral, podemos dizer que
ela está irreconhecível. Essas mudanças são importantes para embalar as principais
discussões, as quais este trabalho se propõe. Por isso, nos remetemos à história e
voltamos nossa atenção para a derrota do socialismo no leste europeu, para
tentarmos entender o que, de fato, aconteceu a partir do vendaval oportunista que
soprou sobre a esquerda. Este vendaval foi um dos elementos responsáveis pela
virada à direita dada pelas das organizações, partidos e dirigentes esquerdistas.
Estas passaram a assumir as táticas e as posturas da burguesia e do imperialismo.
Esse fenômeno tem origem na derrota do imperialismo no Vietnã, quando foi
obrigado a mudar a sua tática para enfrentar os processos revolucionários.
Em 1973, durante a Guerra do Vietnã1, os EUA foram derrotados pelas
massas desse pequeno país do Sudoeste Asiático. Desde então, a principal
potência do planeta, ficou impedida de enviar os seus exércitos para invadir
qualquer país do mundo de forma indiscriminada. Isso ficou conhecido com a
„Síndrome do Vietnã‟. O próprio povo americano se colocava contra que isso
acontecesse.
Esse fato atrelado à incapacidade que as ditaduras, nos países periféricos,
tinham de conter o ascenso das massas, obrigou os EUA, a mudar a sua política
1 Em 1954, a Conferência de Genebra estabeleceu que o Vietnã ficaria dividido em Vietnã do Norte (Socialista) e Vietnã do Sul (Capitalista), até que ocorressem as eleições para reunificação do país que seria em 1956. Em 1955, Ngo Diem, governador do Vietnã do Sul, liderou um golpe militar, tornando-se ditador. Diem cancelou as eleições e proclamou a Independência do Sul, conquistando o apoio dos EUA, que colaborou com o envio de armas, dinheiro e conselheiros militares. Isso porque acreditavam que os nacionalistas e comunistas, liderados por Mo Chi Minh, ganhariam as eleições e outras nações poderiam ser influenciadas pelas ideias comunistas. Com o apoio norte-americanos os sul-vietnamitas atacaram por 10 anos o norte. Em 1972, durante o governo do presidente Nixon, os EUA bombardearam a região de Laos e Camboja, utilizando, inclusive, armar químicas. Apesar do poder militar econômico, falharam em seus objetivos e foram obrigados a se retirarem em 1973. Dois anos depois o Vietnã foi reunificado sob o governo socialista, e em 1976 tornou-se oficialmente a República Socialista do Vietnã.
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para poder manter sua dominação colonial sobre outros Estados: passou a utilizar o
voto, os parlamentos e a legalidade dos partidos, ou seja, as armadilhas criadas pela
própria democracia burguesa. Aconteceu o que chamamos de reação democrática,
uma tática defensiva. Deixaram em segundo plano os golpes e as invasões militares,
as táticas mais ofensivas.
No entanto, o que a princípio foi uma tática defensiva se converteu, na
verdade, em um ofensivo plano de recolonização. A partir disso aconteceu uma
série de deturpações em várias organizações da esquerda de todo o mundo - a
velha esquerda mundial já sinalizava a capitulação à política imperialista, no entanto,
isso daria um salto qualitativo a partir da restauração capitalista nos ex-Estados
operários, entre as décadas de 1980 e 1990.
A democracia burguesa sempre foi um elemento de denúncia utilizado pela
esquerda revolucionária. A luta contra a ditadura dos ricos sempre se dava com
base à defesa da ditadura do proletariado. No entanto, a partir do “encantamento” da
democracia como valor universal, grande parte da esquerda passa a realizar
reformas no capitalismo. A ex-esquerda revolucionária chegou à conclusão que a
classe operária não poderia, ou não deveria tomar o poder. Passou a utilizar a via
democrática para se apoderar do Estado e por intermédio dele realizar
transformações sociais em direção ao socialismo. Segundo Tonet; Nascimento
(2013), a via democrática utilizaria o Estado como uma espécie de “arena de lutas”,
um campo a ser disputado entre as classes, podendo ser controlado e posto a
serviço dos interesses da burguesia e da classe trabalhadora. Conclui reafirmando:
Para os defensores da “via democrática”, revolução passou a ser um processo lento e gradativo de apoderar-se do poder, primeiro na chamada “sociedade civil” e depois no próprio Estado para, também deste modo, promover transformações sociais em direção a uma sociedade mais justa, mais livre e mais igualitária (TONET; NASCIMENTO, 2013).
Um exemplo emblemático dessa virada à direita, da preferência da utilização
da chamada “via democrática” é o de Gorrirán Merlo, revolucionário guerrilheiro, que
ficou conhecido por assassinar o ex-presidente da Nicarágua Anastácio Somoza,
resumiu essa trajetória que a esquerda percorreu, no marco da reação democrática
e da restauração capitalista. O trecho foi registrado por Hernández (2004):
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Visto desde a ótica do movimento revolucionário, o propósito era tomar o poder para nos somarmos ao bloco socialista, que considerávamos próximos de nossos princípios. E o método de luta, ao estarem fechadas as possibilidades eleitorais, consistia na utilização de todas as formas de resistência, inclusive a armada. Dito período terminou entre o fim dos 80 e princípios dos 90, com a queda do Leste Europeu.
A conversão à social-democracia foi o que, de acordo com Hernandez,
atingiu diversos países, além da Nicarágua:
Após tomar o poder na Nicarágua, a guerrilha sandinista não expropriou a burguesia, pelo contrário, por meio dos mecanismos da democracia burguesa, acabou por entregar o poder a Violeta Chamorro, e por essa via o devolveu ao próprio imperialismo. A guerrilha salvadorenha se integrou aos Planos de Paz e parou de lutar quando tinha o controle de dois terços do país. A OLP, dirigida por Yasser Arafat, também em nome dos Planos de Paz do imperialismo, abandonou definitivamente a luta pela destruição do Estado de Israel e a construção de uma Palestina laica e democrática. Vários PCs da Europa e de outras partes do mundo (inclusive do Brasil), com um discurso democrático se transformaram em eurocomunistas, o que não significou outra coisa senão iniciar um processo de social-democratização, buscando maior independência do Kremlim e maior dependência dos Estados imperialistas europeus. Na ex-URSS, Gorbachov se converteu em um agente direto do imperialismo e deu passos decisivos em direção à restauração capitalista ganhando, com um discurso democratizante, a simpatia de boa parte da esquerda revolucionária (HERNÁNDEZ, 2004).
Já para os revolucionários, a grande tarefa em relação ao Estado seria a
tomada do poder, para que por meio dele pudessem realizar as transformações
econômicas, políticas e sociais que levariam ao comunismo. Para Lenin, todo
Estado tem um caráter de classe e a democracia burguesa – do Estado capitalista –
é, na verdade, uma ditadura. Assim como o Estado operário também será uma,
sendo que a grande diferença entre as duas é que esta última é a ditadura da ampla
maioria sobre a minoria privilegiada, o contrário da primeira, mesmo que esta esteja
travestida com suas formas democrático-burguesas. Em o Estado e a Revolução ele
sintetiza a relação entre o Estado e as classes sociais, deixa claro que mesmo se
tratando de um Estado de tipo democrático, o caráter de classe não é eliminado:
O Estado é o produto e a manifestação do caráter inconciliável da contradição de classe. O Estado surge precisamente no lugar, na
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hora e no grau em que as contradições de classe objetivamente não podem, conciliar-se e vice-versa: a existência do Estado demonstra que as contradições de classe são inconciliáveis (LENIN, 1987 APUD TONET; NASCIMENTO 2013, p. 54-55)
A diferença em relação às concepções de Estado entre a esquerda é base
para a discussão em relação às estratégias utilizadas por cada uma das diversas
organizações desse setor. A partir da vitória da revolução socialista na ex-URSS, em
1917, e, mais claramente, a partir da degeneração desse Estado, essa questão deve
ser debatida centralmente.
Nos últimos cento e cinquenta anos, principalmente, a partir do último quartel
do século XIX, a esquerda sofreu um processo gradativo de reformização (Tonet;
Nascimento, 2013). Depois da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a social-
democracia europeia e alemã, passou para o campo da reconstrução capitalista e
aderiu a uma versão do keynesianismo social, aceitando a economia dos grandes
monopólios, mas defendendo uma regulação social do mercado. Propunham uma
intervenção fiscal do Estado que garantisse políticas públicas universais de extensão
de direitos, como educação e saúde pública, ou a seguridade social. (ARCARY,
2011).
Não obstante o impulso revolucionário que a luta contra o capitalismo recebeu com a revolução soviética, esse processo se tornou cada vez mais amplo e intenso, até assumir a forma atual da chamada “via democrática” pelo socialismo, ou até abrir mão completamente da proposta de superação do capitalismo. (TONET; NASCIMENTO, 2013).
A partir da década de 70, a União Soviética passou a apresentar traços cada
vez mais agudos da crise econômica.
A expropriação da burguesia e a tomada do poder pelos operários foi
direcionada pelo Partido Bolchevique2 liderado por Trotsky, que sempre entendeu
2 Em Russo, bolchevique significa maioria. No início do século XX, o termo passou a ser utilizado para se referir aos mais radicais do Partido Operário Social Democrata-Russo, partido que se opunha ao regime czarista de Nicolau II na Rússia. Liderados por Lenin, assumiram o comando após a Revolução Russa em Outubro de 1917, adotando medidas revolucionárias de caráter socialista, como: nacionalização de bancos, redistribuição de terras entre os camponeses, controle das fábricas pelos operários, instalação de regime unipartidário no controle do governo (Partido Comunista Russo). Em 1922, com a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o nome do partido mudou para Partido Comunista da União Soviética.
19
que a revolução não poderia triunfar se não se entendesse mundialmente,
principalmente aos países mais avançados, que a revolução do leste europeu seria
apenas uma alavanca para a revolução mundial. Essa postura tinha relação com o
entendimento do caráter da economia mundial e da impossibilidade de se chegar ao
socialismo em âmbito nacional, especialmente na Rússia, que era um país povoado
majoritariamente por camponeses analfabetos.
No entanto, a partir das derrotas dos operários europeus e dos primeiros
sucessos da economia soviética, Stalin começou a defender a teoria que ficou
conhecida como “socialismo em um só país”.
Na década de 30, esse debate ganhou muita força. Stalin, ao analisar o
crescimento da economia da URSS, afirmava que ela já chegava ao socialismo e
caminhava rumo ao comunismo.
A polêmica se estendeu. Trotsky reconhecia o crescimento econômico
soviético, mas destacava que ele partia de níveis muito baixos, e que não se
manteria indefinidamente, pois o domínio da economia mundial por parte do capital
imperialista o impediria. Em a Revolução Traída, ele disse:
Quanto mais tempo a URSS estiver cercada do capitalismo, tanto mais profunda será a degeneração dos seus tecidos sociais. Um isolamento indefinido deveria trazer, indefectivelmente, não o estabelecimento de um comunismo nacional, mas a restauração do capitalismo […] a classe operária terá, na sua luta pelo socialismo, que expropriar a burocracia e, sobre a sua sepultura, poderia colocar este epitáfio: aqui jaz a teoria do socialismo em um só país (TROTSKY, 2005, p. 263)
Apesar de várias tentativas na Alemanha Ocidental, na Hungria, na
Tchecoslováquia, e na Polônia, o operariado não pôde expropriar a burguesia. E
Stalin e seus seguidores, por meio de um genocídio contra os revolucionários
operários se consolidavam.
Com a burocracia stalinista na condução do estado soviético, manteve um
crescimento espetacular, no entanto, na medida em que não triunfava a revolução
nos países mais avançados, não se mantinha de forma permanente.
A teoria trotskista se confirmava, apesar dos Pós-Segunda Guerra Mundial,
com a expropriação da burguesia do leste europeu e com o triunfo da revolução
chinesa, a URSS deixou de ser tão isolada economicamente. No entanto, a partir da
década de 1950 os sintomas da crise pareciam cada vez mais evidentes. E a
20
tendência foi de que se aprofundasse. No final da década de 1950, houve uma
discussão entre todos os países com o diagnóstico de que já era necessário realizar
importantes mudanças, já que mesmo que continuava havendo um crescimento
econômico, no entanto, com um ritmo muito mais lento. De acordo com Hernandez
(2010):
No início da década de 60, a situação se tornou ainda mais crítica e as autoridades se viram obrigadas a fazer importantes reformas, aplicadas em todo o Leste europeu entre os anos 1963 e 1968. [...] Mas em nenhum desses países, em função da orientação de Stalin, triunfava a revolução. E isso fez com que o comércio com eles fosse completamente desigual, de tal forma que a importação de tecnologia ocidental acabou desequilibrando a balança comercial desses países e fez com que, no final da década de 1960, o conjunto das economias vivesse uma situação crítica. [...] Para sair da crise, as burocracias dirigentes só tinham uma saída estratégica: retomar a luta dos bolcheviques para a revolução mundial, caminho este que não estavam dispostos a seguir. [...] Nesse marco, o passo seguinte das burocracias dirigentes foi, uma vez mais, apelar ao imperialismo, desta vez à procura de créditos baratos. E conseguiram, só que, uma vez mais, em função do domínio do imperialismo sobre a economia mundial, esses créditos baratos se transformaram em caros e os ex-Estados operários ficaram presos a uma dívida externa que, assim como a dívida externa das colônias e semicolônias, tornou-se impagável. Desta forma, o conjunto dos ex-Estados operários marchava rumo ao abismo.
Em resposta à crise Mikhail Gorbachev, eleito em março de 1985, como
secretário geral do Partido Comunista da União Soviética, elaborou um plano de
restauração do capitalismo. Nesse período, a URSS, que em decorrência de sua
economia ser mais desenvolvida que os outros países - em função da produção de
petróleo e gás - foi a menos afetada pela crise, já passava por um processo de
decadência econômica. Como registrou Hobsbawm (1994):
O problema do "socialismo realmente existente" na Europa era que, ao contrário da URSS do entre guerras, praticamente fora da economia mundial e portanto imune, à Grande Depressão, agora o socialismo estava cada vez mais envolvido nela, e portanto não imune aos choques da década de 1970. [...] O "socialismo real", porém, agora enfrentava não apenas seus próprios problemas sistêmicos insolúveis, mas também os de uma economia mundial mutante e problemática, na qual se achava cada vez mais integrado. [...] Em princípios da década de 1980, a Europa Oriental se achava numa aguda crise de energia. Isso por sua vez produziu escassez de alimentos e bens manufaturados (a não ser onde, como na Hungria, o país mergulhou ainda mais maciçamente em dívidas, acelerando a
21
inflação e baixando os salários reais). Essa foi a situação em que o "socialismo realmente existente" na Europa entrou no que revelou ser sua década final.
Os projetos do secretário eleito, eram de superar a crise da URSS, através
da restauração do capitalismo. Além de ter contado com o apoio da maior parte da
burocracia – isso demonstra que, diante dos fracassos econômicos, estavam
sensíveis à restauração capitalista – Gorbachev se tornou o mais atrativo de todos
os soviéticos, para as potências imperialistas, principalmente, para o governo de
Reagan nos EUA.
Gorbachev se tornou bastante influente no parlamento fazendo com que, em
pouco tempo, este votasse leis que desmontavam o pouco que ainda restava de um
Estado Operário e os “entregasse” à restauração dos estados capitalistas através da
Perestroika3, que era o seu plano de reestruturação econômica. Esse foi o projeto
através do qual a ofensiva econômica com formas democráticas incidiu na URSS.
Alexandr Yákovlev, que foi o cérebro da Perestroika, não hesitou em confessar os verdadeiros objetivos dela: Se se deixasse que persistissem os métodos com os quais funcionava a economia soviética na época... nosso país se encontraria relegado a ser uma potência econômica de segunda ordem e, no fim do século, talvez decaísse ao nível dos países pobres do Terceiro Mundo. Apesar de não termos avançado muito nessa questão, indicamos, no entanto, algumas diretrizes que exigiam uma mudança drástica do sistema econômico. Propúnhamos um modelo de desenvolvimento que daria às empresas autonomia financeira e liberdade de iniciativa a fim de romper o cerco centralizador ou reduzi-lo ao mínimo possível... Por outro lado, favorecíamos a organização de empresas mistas, e não só em colaboração com os países socialistas e os países do Terceiro Mundo, mas também com os países ocidentais. Para nós, era a única possibilidade de que a União Soviética participasse da divisão internacional do trabalho, nos intercâmbios de capital, de inversões etc... A liberdade econômica é inseparável da liberdade política... Era
3 A Perestroika junto com o Glasnot os planos colocados em prática de acordo com o processo de burocratização do Estado Soviético. A Perestroika tinha um caráter econômico e em muitos momentos ele tinha um caráter pró-capitalista, fortalecia as tendências burguesas. Seu objetivo principal era propiciar uma aceleração que permitisse dobrar o potencial econômico no ano 2000, com um crescimento de 2,3 e 2,5 vezes na produtividade social do trabalho e uma transição progressiva a um modelo de crescimento intensivo. A partir da dissolução do Ministério do Comércio Exterior e da criação de uma Comissão de Relações Econômicas Internacionais para substituí-lo, ficou claro que a Perestroika buscava acabar com a planificação da economia e com o monopólio do comércio exterior por parte do Estado. Já o Glasnot foi a democratização da liberdade de expressão na URSS e a quebra do monopólio do Partido Único Comunista. (HERNANDEZ, 2008)
22
necessário abolir o monopólio da propriedade estatal... É necessário introduzir a economia de mercado o quanto antes. (HERNÁNDEZ, 2008)
A partir daí, a burguesia recuperava o poder na URSS e se iniciava o
processo de desmonte do Estado Operário. Foi o fim do monopólio do comércio
exterior, com a planificação econômica central e com a propriedade estatal das
empresas e das terras. Esse processo durou anos e ainda, e de acordo com
Hernandez (2008) não está totalmente concretizado.
Nenhum dos Estados em que a burguesia foi expropriada, nem mesmo os
da ex-URSS, são hoje considerados inimigos irreconciliáveis do capitalismo. A
relação que existia entre esses países e o imperialismo passou por muitas
mudanças, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
por exemplo, “superou” todas as restrições que haviam com os países de „comércio
estatal‟, como eram chamados por eles. Para se ter uma ideia, seis destes orgânicos
da OCDE.
Mas as mudanças vão muito além deste exemplo: os próprios órgãos do
imperialismo observam os “avanços” desses países. O Banco Mundial afirmou que
em nove países da ECO e nos NEI (Novos Estados Independentes), o setor privado
domina mais da metade da atividade econômica. Essa afirmação fez parte do
relatório „Do plano de mercado. Informe sobre o Desenvolvimento Mundial, de 1996.
Os dados apresentados pelo relatório deixam claro, de acordo com a análise
de Hernández (2008), três questões: a primeira é que existe restauração capitalista
nesses países, a segunda é de que esse processo deu um salto entre os anos de
1990 e 1995, e a terceira é que não existiu diferença qualitativa no processo de
restauração entre os países mais importantes.
Um outro aspecto relevante para analisarmos a restauração capitalista
nesses Estados é o tema das empresas estatais. Essa, é inclusive, uma das
polêmicas entre as correntes da esquerda. Aquelas correntes que ainda defendem
que os países do antigo bloco socialista ainda continuam sendo Estados operários,
mesmo não tendo dúvidas sobre a existência de planos de restauração,
argumentam sobre as empresas que ainda continuam nas mãos do Estado.
De fato, nesses países existe uma quantidade importante de empresas
estatais. No entanto, alertamos para um dado importante: existe um processo de
privatização crescente dessas empresas. No período em que o neoliberalismo
23
passou a controlar a economia mundial, através das privatizações, entre 1980 e
1991, foram privatizadas nos países capitalistas sete mil empresas. Enquanto que
nos Estados operários, em apenas cinco anos, de acordo com o Banco Mundial, no
relatório „Do plano de mercado (1996)‟, foram privatizadas trinta mil empresas. Esse
elemento é importante para determinar o caráter de classe desses Estados. Um dos
objetivos centrais da restauração capitalista é a privatização dos meios de produção,
assim como o controle do Estado sobre eles, era central durante a construção dos
Estados operários.
A restauração capitalista fez com que ativistas da esquerda se
convencessem que a grande estratégia política era reformar o Estado burguês.
Nasceu, a partir daí, o Neo-reformismo, que na verdade, nasce sem nenhuma
reforma. Sua maior expressão é através das organizações não governamentais, as
ONG‟s, e os partidos transformados em aparatos eleitorais e, segundo Hernández, à
frente de tudo isso os grandes Fóruns Sociais Mundiais que entenderam que sem
fazer revolução socialista, era possível a construção de um novo mundo. Marco
Aurélio Garcia, professor aposentado de história, ideólogo da do Partido dos
Trabalhadores, afirma em um de seus artigos publicado na Revista teoria e debate:
A democracia política é um fim em si. Um valor estratégico e permanente. Se esta
tese é social-democrata, paciência: sejamos social-democratas. (GARCIA, 1990).
Existe ainda na esquerda mundial uma confusão no que se refere aos
acontecimentos históricos que levaram ao fim dos Estados Operários. Muitos ainda
defendem que a mobilização das massas e a restauração do capitalismo faziam
parte do mesmo processo. Essa discussão é importante para entendermos que a
luta das massas na URSS não foi para desmontar o Estado Operário, mas sim,
contra os regimes stalinistas, que se alinhavam à restauração capitalista através da
implementação do regime de democracia burguesa.
Existiram, segundo Hernández (2008), quatro momentos que aconteceram
em tempos separados que fizeram parte dos processos do Leste. O primeiro deles
foi a burguesia, que por meio de seus agentes burocráticos, recuperou o poder; o
segundo momento, foi que uma vez no poder, deu início ao processo de desmonte
do que ainda restava do Estado Operário; em terceiro lugar, as massas iniciaram
suas grandes mobilizações contra os novos Estados burgueses e seus governos e,
por último, em quarto lugar, a maioria dos países mais importantes, os regimes
24
stalinistas foram derrubados e surgiram, em seu lugar, novos regimes democrático-
burgueses.
Portanto, incorre em um erro histórico, aquele que defende que as
mobilizações das massas, na luta contra a burocracia, acabaram derrubando o que
restava dos Estados Operários. Durante décadas houveram muitas tentativas para
tentar derrubar a burocracia, tentativas fracassadas. Tanto é que ao permanecerem
no poder, abriram-se às oportunidades de restauração do capitalismo. O fato é que
depois que a burguesia retomou o poder, as massas derrubaram seus agentes, e
junto com eles os regimes ditatoriais, stalinistas, de partido único.
De acordo com Hernández (2008, p. 221):
[...] durante várias décadas houve inúmeras tentativas de expulsar a burocracia do poder. Essas tentativas foram derrotadas, a burocracia não foi expulsa do poder e acabou por restaurar o capitalismo. Esse fato, sem dúvida alguma, foi extremamente negativo. É, em si mesmo, a máxima expressão da crise de direção revolucionária. Se a história tivesse parado ali, hoje estaríamos possivelmente diante de uma das maiores derrotas da história do proletariado mundial. Mas a história não parou ali. Depois que a burguesia retomou o poder, as massas foram às ruas e derrubaram seus agentes e, junto com eles, os regimes ditatoriais, de partido único, e isso é claramente positivo.
Esse fato, foi extremamente progressivo, uma vitória para a classe operária
mundial. O grande problema foi que diante da ausência de um direção revolucionária
fez com que surgissem os regimes democrático-burgueses (que garantia algumas
liberdades democráticas para os trabalhadores) e não novas ditaduras
revolucionárias do proletariado4. Mesmo assim, isso não significa que a classe
operária foi derrotada, pelo contrário, a existência dos novos regimes democráticos,
é uma expressão, mesmo que distorcida, dessa vitória.
Em meio à crise do socialismo na URSS no início dos anos 1990, os meios
de comunicação mostravam imagens dos trabalhadores na Rússia destruindo as
estátuas de Lenin, tentavam associar isso à ideia de que o socialismo havia
fracassado e que o Leste europeu lutava pela volta do capitalismo. Essa ideia
percorreu pelo mundo e atingiu até mesmo a esquerda, não só a reformista, mas
também a revolucionária. Muitas organizações trotskistas se convenceram de que a
4 A esse período de transformação na estrutura da sociedade “corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do proletariado” (MARX; ENGELS, [19--], p. 221).
25
classe operária não tinha motivos para defender o Estado Operário e que haviam
saído às ruas reivindicando a volta do capitalismo.
Naquele contexto, as massas se mobilizaram e foram às ruas contra a
burocracia stalinista, elas percebiam a perda de várias conquistas da revolução, e a
falta de democracia. Para se ter uma ideia, no início da década de 1980, em meio à
crise, segundo Hernández (2008. p. 46), a burocracia governante descarregava a
crise econômica nos trabalhadores. Os investimentos em gastos sociais com direitos
básicos caiam drasticamente: A proporção de capital destinado à construção de
moradias, que em 1960 era de 23% entre 1981-85 caiu para 15%. O mesmo ocorreu
com a educação, que em 1950 consumia 10% da renda nacional e no início de
1980, apenas 6%. O aumento do consumo per capita, que era de 5,1% entre 1966-
70, caiu para 2,4% entre 1976-80, chegando a um crescimento nulo, e, inclusive,
negativo, nos primeiros anos da década de 1980. Com o intento de restaurar a
economia a ala burocrática incorporou ao seu discurso um sentimento anticapitalista.
Gobartchev dizia: “Nosso objetivo é fortalecer o socialismo e não substituí-lo por um
sistema diferente. O que o Ocidente nos oferece em termos de economia é
inaceitável para nós (Trecho retirado do Perestroika, novas ideias para o meu país e
o mundo).
Em 1990, o jornal Novidades de Moscou de 8 de julho, publicou uma
pesquisa de opinião em que perguntava à população: “O que você acha da
economia de transição proposta pelo governo?” A resposta foi: 14% a favor, 51%
contra e 35% não souberam responder. De fato, a população não lutava pelo retorno
da economia de mercado. Lutava contra a burocracia stalinista que encabeçava a
restauração capitalista.
As massas derrubaram a burocracia stalinista, entre o fim da década de
1980 e início dos anos 1990, e nesse momento, não havia nenhuma organização
internacional de esquerda em que elas tivesses referência para que pudessem se
apoiar. A burguesia se aproveita desse momento, luta para derrubar o stalinismo e
faz uma verdadeira campanha da economia de mercado, da livre concorrência que
estava garantindo “vida digna” nos países capitalistas centrais. Foi então, decretado
o fim do socialismo.
A queda dos Estados Operários representava a queda de uma referência
distorcida que as massas tinham no socialismo. Distorcida porque se tratavam de
uma burocracia que conscientemente restaurou o capitalismo.
26
A derrubada do stalinismo significou, também, o fim da ideia de que o
socialismo era possível. Para parte da vanguarda, a partir disso, o que se espera
dos partidos socialistas é a burocratização e a tirania.
Esse é base para a discussão em relação ao surgimento de uma nova
vanguarda que travestem os nossos movimentos, que preza pelo horizontalismo,
que não tem referência nas organizações de esquerda – porque viram as antigas
organizações assumirem as mesmas posturas da direita, e por isso, que todas as
organizações tem a mesma atuação, programa e princípios. Mas que também
através do vendaval oportunista, incorporou elementos do ideário neoliberal como,
por exemplo, o individualismo. Segundo Harvey (2008. p. 50), todo movimento
político que considera sacrossantas as liberdades individuais corre o risco de ser
incorporado nas asas neoliberais.
Essa vanguarda é a síntese desse processo que por um lado tem elementos
progressivos, pois rejeita a trajetória desses partidos traidores, mas por outro lado,
perdem de seu horizonte, a luta pelo socialismo.
A derrota do socialismo, no leste europeu, foi acompanhada pelo ascenso
capitalista através da ofensiva neoliberal e suas políticas em todo o mundo. A
propaganda que se fazia em torno da derrota do socialismo convenceu o mundo
inteiro, inclusive, parte considerável da esquerda. A burguesia aproveita o momento
de desmontagem dos ex-Estados Operários para retomar o poder, restaurar o
capitalismo, e torna-se mais um elemento favorável para o ascenso neoliberal, pois
tratava-se ali da vitória do capitalismo sob o que, na visão das massas, se
considerava socialismo.
Em 1973, o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda
recessão, combinando baixas taxas de crescimento com altas taxas de
inflacionárias. Foi a chamada crise do modelo econômico do pós-guerra. Em virtude
desse fato, o modelo keynesiano também entrou em crise, propiciando que
houvesse espaço para as teses de Friederich Von Hayek, filósofo responsável pelas
ideias centrais do neoliberalismo. Essas ideias estavam centradas na defesa do
retorno do mercado numa reedição dos ideais liberais. No entanto, essa crise não se
estabeleceu apenas nos marcos da dimensão econômica, ela tornou evidente a
exaustão do modus operandi da sociedade fordista, nos valores, na cultura, na sua
forma de ser (NASCIMENTO, 2012). Segundo Anderson (1995), foi uma reação
teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar.
27
De acordo com Nascimento:
Mas o modelo que procedeu transformação tão grandiosa no mundo inteiro não foi obra do acaso, respondeu, principalmente, pela ressignificação e soerguimento dos ideais liberais, projetando-se como “diretriz central do pensamento e da administração econômicos”. Sim, e isso porque o neoliberalismo surge primeiro enquanto doutrina, voltada a construção do consentimento coletivo em favor do novo projeto societário. A reestruturação da economia e das relações internacionais precisou, no primeiro plano, de um anteparo conceitual que lhe conferisse aceitação e força por parte do senso comum, tendo em vista que “nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize” as sensações e instintos, valores e desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social de seus habitantes (HARVEY, 2008, p. 15 apud NASCIMENTO, 2012, p. 48).
Os defensores da teoria neoliberal defendiam que tanto o capitalismo,
quanto o socialismo, eram sistemas que haviam falhado em sua forma pura.
Portanto, lançaram como estratégia os ideias políticos da dignidade humana é da
liberdade individual como valores centrais. O novo projeto hegemônico burguês
surge com a finalidade de subsidiar os interesses da classe dominante, face à
reorganização geopolítica demandada pela macroeconomia global. Mas, seu
principal objetivo era responder à crise estrutural do capital. A combinação do
Estado, mercado e instituições democráticas, era o que garantiria o “capitalismo
humanizado”, que seria capaz de assegurar o bem-estar comum através da
ampliação e socialização da riqueza e dos processos viabilizados pela inovação e
acesso tecnológicos e informacionais. Ao Estado neoliberal caberia as funções
mínimas (NASCIMENTO, 2012)
A implementação desse programa durou mais ou menos uma década, os
anos 70, mas, precisamente a partir de 1979 foram se concretizando as condições
necessárias para isso - Começando pela eleição de Thatcher, na Inglaterra, primeiro
país de capitalismo avançado que se empenhou, publicamente, para pôr em prática
o programa neoliberal, passando pelos EUA, em 1980, com a eleição à presidência
de Reagan, e ainda com a virada à direita da Alemanha, Dinamarca e de quase
todos os países do Ocidente, com exceção da Suécia e da Áustria. Seu receituário
era claro:
28
[...] manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias [...] (ANDERSON, 1995).
Os governos de Margaret Thatcher foram os mais eficazes na
implementação das medidas neoliberais, foi, sem dúvidas, o pacote neoliberal mais
sistemático e ambicioso, em relação aos outros países de capitalismo avançado.
Foram responsáveis por contrair a emissão monetária, elevar as taxas de juros,
baixar drasticamente os impostos sobre os mais altos rendimentos, abolir controles
sobre o fluxo financeiro, criar níveis de desemprego massivos, aplastar greves,
impulsionar uma nova legislação anti-sindical e cortar gastos sociais. Ainda
lançaram um amplo programa de privatização, começando pela habitação pública e
passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o
gás e a água. Já nos EUA, onde quase nem existia um Estado de bem-estar social,
Reagan reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou
a única greve séria de sua gestão. No entanto, sua prioridade era a competição com
a União Soviética, que tinha como objetivo quebrar a URSS, e através disso,
derrubar o regime comunista na Rússia (ANDERSON, 1995).
Segundo Anderson (1995):
O capitalismo avançado entrou em uma nova recessão. O aumento com os gastos sociais com o desemprego e o aumento demográfico dos aposentados na população, que levou o estado a gastar bilhões, seriam os dois principais motivos para a crise. A dívida pública de quase todos os países ocidentais começou a reassumir dimensões alarmantes, inclusive, na Inglaterra e nos Estados Unidos, enquanto que o endividamento privado das famílias e das empresas chegava a níveis sem precedentes desde a II Guerra Mundial.
Mesmo com a crise aguda, as vitórias eleitorais da década de 1990,
demonstram a hegemonia do neoliberalismo. Esse é um dos fatores que justificam a
29
“virada” do capitalismo, no entanto, a queda do comunismo nesta mesma época, foi
o fato mais importante para o alento neoliberal.
A queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, entre 1989
e 1991, justamente no período em que os limites do neoliberalismo no próprio
Ocidente se tornavam cada vez mais óbvios, foi, sem nenhuma dúvida uma vitória
muito importante. Pois esta vitória na guerra-fria, com a restauração capitalista dos
ex-Estados Operários, era o triunfo de uma tática liderada, principalmente, por
Thatcher e Reagan, nos anos 80, que simbolizava uma “revolução” neoliberal, sendo
instaurada pelos meios democráticos, de acordo com Harvey (2008).
A vitória do capitalismo sobre o socialismo nos ex-Estados Operários –
mesmo que este primeiro, estivesse passando por uma nova onda de recessão –
impulsionou o imperialismo a fazer uma ofensiva campanha ideológica, mostrando a
superioridade do capitalismo, ou mesmo, da democracia como um valor universal
sobre as ditaduras. A ofensiva convenceu reformistas e parte dos revolucionários
que superaram as diferenças entre eles e passaram a pôr na ordem do dia, a
construção de organizações reformistas e mais, a implementação das reformas
democráticas, como saída para a transformação da vida da classe trabalhadora.
2.2 O CONTEXTO DOS ANOS 1990 E O ARREFECIMENTO DOS MOVIMENTOS E
DA LUTA DE CLASSES
Uma análise rápida e superficial poderia nos levar a pensar que no momento
uma grave crise financeira atinge a vida dos trabalhadores, aumenta os índices de
desemprego, de pauperização e de miserabilidade em detrimento do acirramento da
exploração capitalista, a classe trabalhadora poderia se organizar e lutar pela volta
dos seus direitos perdidos, poderíamos acreditar na fragilidade do capital e no,
consequente, “enpoderamento” da classe. Mas essa seria uma análise, além de
superficial, equivocada.
O alto índice de desemprego, a pauperização, a miserabilidade, é a reação
que o capital tem no momento de crise, consequência da estratégia utilizada para
que seja retomada, ou até mesmo ampliada a extração da mais-valia absoluta,
através do aumento da jornada de trabalho, idade para aposentadoria, entre outras
formas. A principal reação da classe trabalhadora é menos otimista do que
30
poderíamos esperar. Com o aumento do desemprego, a sua reação é
essencialmente defensiva, aceita muitas perdas para que seja garantido o seu
emprego, e isso reflete luta dos trabalhadores e nos seus efeitos sociais.
Trataremos aqui justamente da crise financeira da década de 1990 e do
arrefecimento das lutas, buscando discutir de que forma esse período, associado
com a derrota do socialismo na URSS, contribuiu para a inibição das lutas dos
trabalhadores e de que forma esse contexto criou condições para os ajustes e
reformas estruturais necessárias para a concretização do projeto do neoliberalismo.
De acordo Duriguetto; Montaño (2011), a crise tem como raiz a secular
queda da taxa de lucro, obrigando o capital e o Estado a reestruturar alguns
processos para que, por meio de mecanismos econômicos, pudessem atenuar ou
neutralizar a crise. Os mecanismos neutralizadores, sustentam-se no rompimento do
chamado “pacto keynesiano” e seguem, principalmente, três caminhos: a criação de
áreas de superlucros fora da superprodução e do subconsumo, através das
privatizações das empresas estatais; a extrema centralização do capital,
favorecendo o domínio dos monopólios no mercado; e, por último, a redução dos
custos de produção para o capital com o trabalho, através da subcontratação, da
reforma da previdência, da flexibilização das leis trabalhistas e dos recortes do
financiamento estatal na área social, e com os custos gerais da produção, por via
da reforma tributária, abertura de fronteiras dos Estados nacionais para a circulação
de mercadorias, automação, reengenharia e outros.
O regime “fordista-keynesiano” deveria ser substituído por uma estratégia
hegemônica que anulasse as conquistas dos trabalhadores, permitindo a
superexploração do trabalho, desta forma:
[...] o projeto neoliberal constitui a atual estratégia hegemônica de reestruturação geral do capital – em face da crise, do avanço tecnocientífico e das lutas de classes que se desenvolvam no pós-1970, e que se desdobra basicamente em três fontes: a ofensiva contra o trabalho (atingindo as leis e direitos trabalhistas e as lutas sindicais e da esquerda) e as chamadas “reestruturação produtiva” e “(contra) reforma do Estado” (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 192).
O capitalismo e o neoliberalismo se utilizaram de várias artimanhas contra o
trabalho na tentativa de conter qualquer tipo de resistência às reformas neoliberais.
A primeira medida foi o rompimento com o “pacto keynesiano”, que teve por
31
consequência o enfraquecimento das organizações sindicais e trabalhistas. Quando
comandados por governos neoliberais o capital e o Estado negam-se a negociar
com os trabalhadores em greve, reprimem as lutas, são dilatantes dos trabalhadores
em greve, ao não responder a quaisquer de suas reivindicações, como uma medida
de quebrar financeiramente o movimento e incluso sua organização sindical.
A segunda era a banalização dos movimentos sociais com objetivo de
disputar a opinião popular. A trajetória política do capital no Brasil das décadas de
1980 e 1990, seguiu sempre como uma tentativa de construção da hegemonia,
como um instrumento para a formação de cultura que desqualificasse as demandas
dos trabalhadores e incorporasse que a crise era uma responsabilidade de todos, ou
seja, a sua superação também depende da colaboração de todos. Para isso, o
neoliberalismo investia nos grandes meios de comunicação que contribuem para a
criminalização dos movimentos. Frequentemente os que lutam pelas questões
trabalhistas são chamados de baderneiros, desocupados. Essa é uma artimanha
integralmente ideológica.
A terceira e última artimanha é a desregulamentação do mercado de
trabalho e precarização do emprego. Essa é facilitada pelas anteriores.
Consequente da automação e das crises, houveram demissões massivas,
ocasionando excedente de força de trabalho, muitos trabalhadores e poucos
empregos. As consequências disso, são as mais graves: além da queda salarial, as
perdas de poder político dos trabalhadores. Isso acontece porque os trabalhadores
se submetem à precarização e ao esvaziamento dos direitos, em virtude da
subcontratação e da terceirização. O neoliberalismo “flexibiliza” as relações de
trabalho, e usurpa os direitos dos trabalhadores, através das reformas na legislação
trabalhista.
O período de crise é o mais propício para que o capital possa arrancar os
ganhos e conquistas que os trabalhadores construíram ao longo da história. Em
momentos como esse, em que a perspectiva do trabalhador não é o aumento
salarial, nem a melhoria das condições de trabalho, mais sim, o desemprego, a
perda de direitos e os baixos salários, a classe operária se coloca com muito menos
resistência nos processos de ajustes neoliberais.
A necessidade de recuperação do lucro permanente nos níveis exigidos pelo
capital, que com a nova situação da luta de classes, no contexto da terceira
revolução industrial tecnológica, da crise e da nova fase do processo de
32
globalização, exigiu estratégia hegemônica, que seria o projeto do neoliberalismo.
Ou seja, não foi o neoliberalismo que criou a reestruturação produtiva, foi o Estado e
o capital que foram obrigados a participar ativamente no processo de reestruturação
criado pela necessidade contextual.
A reestruturação produtiva, em linhas gerais, se constitui em um modelo de
produção mais flexível, segundo Guriguetto; Montaño (2011, p. 201):
[...] fundamenta-se num padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, que reduz a demanda de trabalho vivo (força de trabalho); sustenta-se em produção variada e heterogênea, visando atender às demandas mais individualizadas do mercado, diferenciando-se da produção em série e de massa do padrão fordista; em contraposição à verticalização fordista tem-se a desterritorialização da produção – unidades produtivas (completas ou desmembradas) são deslocadas para novos espaços territoriais (especialmente áreas subdesenvolvidas e periféricas) onde a exploração da força de trabalho pode ser mais intensa (seja pelo baixo preço, seja pela ausência de legislação protetora do trabalho e de tradição da luta sindical). Assiste-se também à descentralização da produção pela terceirização e subcontratação de uma rede de pequenas/médias empresas. No que tange à força de trabalho diretamente envolvida na produção, tem-se a exigência de trabalhadores qualificados e polivalentes, multifuncionais, rompendo, assim, com o caráter parcelar típico do fordismo. E quanto à gestão dessa força de trabalho, apela-se à participação e ao envolvimento dos trabalhadores nos processos de trabalho (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 201-202).
Os impactos da reestruturação sobre a força de trabalho são drásticas. O
contingente humano é cada vez mais substituído pelas inovações tecnológicas, as
linhas de montagem foram substituídas por máquinas, ocasionando o chamado
desemprego estrutural. As empresas, ao reestruturarem os parques industriais com
as novas tecnologias e a redefinição da produção, reduzem os postos de trabalho,
produz força de trabalho excedente e aumenta ainda mais os índices de
desemprego, de trabalho precários e informais.
Na medida em que ocorre uma complexificação da produção, ocorre
também a complexificação das relações sociais e isso gera a heterogenização da
classe trabalhadora. Esse processo é base da reestruturação produtiva e os maiores
impactos é a substituição da força de trabalho por maquinários, e a externalização
dos trabalhadores através da terceirização, por consequência temos a queda
salarial, as perdas de direitos trabalhistas e as piores condições de trabalho
(DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 213).
33
Para o mercado de trabalho, o processo de reestruturação refletiu na
desregulamentação das relações de trabalho, e na precarização do emprego. A
flexibilização pode ser entendida como a liberdade que a empresa tem para realizar
demissões, redução e/ou aumento e/ou subdivisão da jornada de trabalho sem aviso
prévio, contratação de trabalhadores em regime temporário.
A “reforma do Estado” funda-se na necessidade do capital de liberalizar os
mercados, é considerada parte do desmonte das bases de regulação das relações
sociais, políticas e econômicas. Ou seja, a reforma não é um simples plano político-
burocrático, está articulado à reestruturação produtiva, à retomada das elevadas
taxas de lucro, da ampliação da hegemonia política e ideológica do grande capital.
Segundo Duriguetto; Montaño (2011, p. 203):
[...] tem assim um caráter político, econômico e ideológico que visa alterar as bases do “Estado de Bem-Estar Social” e d conjunto da sociedade, construídas no interior de um “pacto-social-democrata”, no período pós-guerra, e que conformaram o “Regime de Acumulação fordista-keynesiano”. Tempo por objetivo esvaziar diversas conquistas sociais, trabalhistas, políticas e econômicas desenvolvidas ao longo do século XX, e portanto, no lugar de uma “reforma”, configura um verdadeiro processo de (contra)reforma do Estado (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 203).
A reforma está, portanto, fundamentada no novo quadro social mundial de
crise e resposta neoliberal, em que as determinações centrais podem ser
procuradas nos processos de reestruturação produtiva, nas novas necessidades de
acumulação do capital financeiro e no esgotamento do Estado de Bem-Estar Social.
A ofensiva contra o trabalho, a reestruturação produtiva e a reforma do
estado, tem o objetivo, nesse momento, de sustentar a discussão em relação à
conjuntura dos anos 1990 e a realidade da luta de classes. Como já dissemos, o
momento de crise, de fragilidade do capital não garante ofensividade à classe
operária na luta de classes, não estamos querendo dizer com isso que todos os
planos neoliberais foram implementados mediante ausência de lutas. Pelo contrário,
todos esses processos ocorreram mediante conflitos, oposição, não teve uma
aceitação meramente pacífica dos trabalhadores. No entanto, o que pretendemos é
focar na diminuição do peso político nesses contexto e as condições destes em
defender seus interesses no enfrentamento com o projeto neoliberal. De acordo com
Cueva (1983 apud Montanõ; Duriguetto, 2011, p. 167), “esta aparência de
34
passividade expressa o predomínio interno das forças mais reacionárias e não a
ausência da luta de classes”.
A partir da reestruturação, a tendência é que os trabalhadores abandonem
as suas pautas mais ideológicas, societárias e privilegiem a conjuntura da crise
econômica. As reinvindicações passam a ser práticas, definidas pelas suas
necessidades imediatas. Passam a reduzir suas propostas ao campo da
preservação das conquistas, ou somente pelas possibilidades dadas pela
conjuntura.
De acordo com Mattos (apud Duriguetto; Montaño 2011), tomando as greves
como exemplos de mobilizações dos trabalhadores, percebe-se que houve um recuo
acentuado na frequência delas: das quase quatro mil greves de 1989, passamos a
patamares médios de cerca de setecentas greves anuais nos anos de 1990. Em
2004, o Dieese “encontrou perto de trezentas greves em média nos anos seguintes,
até 2007.
Além dos impactos objetivos da crise, houveram também os impactos no
plano ideológico, como sustentou Antunes (apud Duriguetto; Montaño, 2011): “o
culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao
individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e
social” (Antunes, 1999, p. 48).
Ainda segundo Duriguetto; Montaño (2011, p. 215):
Essa fragmentação opera refrações na prática organizativa das classes trabalhadoras e pode criar, especialmente em conjunturas de crise, as bases para a institucionalização de formas corporativas de organização e a exclusão de um grande número de trabalhadores da representação sindical. Por outro lado, a descrença nos macroprojetos (típico de pensamentos pós-moderno, e da resignada descrença em mudanças estruturais, também produto crise do “bloco soviético”) provoca expansão dos movimentos “culturalistas” e “policlassistas” (ecológicos, gays, juvenis, comunitários etc.) que se organizam em torno de demandas e respostas, legítimas e necessárias, porém geralmente pontuais e imediatas, o que desperta maior adesão, aceitação e visibilidade num contexto de descredibilidade dos macroprojetos e que, por isso, não conseguem articular e co-organizar suas ações.
As principais consequências disso para as pessoas, inclusive por parte de
alguns autores como Boaventura de Sousa Santos, foi acreditar mais nas mudanças
localizadas no “terceiro setor”, do que nas grandes transformações pela via da luta
35
de classes. De acordo com a autora, “sem desconhecer a importância desses
movimentos, o fato de retirar a sua dimensão econômica e de luta de classes leva a
uma convivência tensa, mas compatível, entre eles e o sistema capitalista
“(Duriguetto; Montaño, 2011, p. 216).
Outra grave consequência dos processos neoliberais durante a crise para a
vida e organização da classe trabalhadora, foi a redução político do peso das suas
organizações, esse fato ocorre em virtude da expulsão de milhares de trabalhadores
das formas de representação de seus interesses, os trabalhadores ficaram fora das
organizações sindicais. Os crescentes índices de desemprego e de informalização
provoca um decréscimo efetivo nas taxas de sindicalização. Esse processo ficou
conhecido como dessindicalização.
A partir da dessindicalização e da heterogenização da classe trabalhadora,
seus interesses tornaram-se cada vez mais diferenciados, muitas vezes até opostos,
rompeu-se com a tendência à bipolarização das classes fundamentais que se podia
vislumbrar no século XIX. Segundo Duriguetto; Montaño (2011), uma verdadeira
“pulverização” e um ocultamento da maioria trabalhadora, uma espécie de
decomposição segmentada da classe. Esse é um dos fatores essenciais que
levaram à queda do poder político das organizações.
Nesse contexto, Duriguetto; Montaño (2011) identifica pelo menos três
vertentes que tratavam da luta de classes ou ações sociais para enfrentar a crise: A
primeira com o viés neoliberal, que se caracterizava pela terceira via, que promoveu
a desresponsabilização do Estado, passando a ser desenvolvida pelas organizações
do setor público não estatal, ou terceiro setor; a vertente pós-moderna, que
defendeu ações locais, o enpoderamento, a Economia Solidária, as ações
focalizadas, também estavam inseridos no terceiro setor, e sua principal figura foi o
Boaventura de Sousa Santos; por último, a vertente representada pelo marxismo,
que se orientava nas lutas anticapitalistas, eram expoentes dessa vertente Petras,
Boron, Chomsky, estavam orientados pela emancipação humana, entendiam que só
a luta de classes poderia enfrentar a crise e superar a desigualdade social. Isso
significava a garantia das conquistas que haviam sido realizadas em relação aos
direitos trabalhistas, políticos e sociais.
A classe trabalhadora que se forjou na década de 1990 incorporou as
condições ás quais estava submetida. Ou seja, em detrimento da crise do capital e
da implementação dos processos do novo plano hegemônico, o neoliberalismo, a
36
classe trabalhadora, nesse contexto, caracterizou-se por ser dispersa, fragmentada,
competitiva, arraigada pelos valores individuais e, principalmente, sem referência
política de direção. Harvey (2008, p. 76) discute a influência do projeto neoliberal em
relação aos indivíduos:
Embora a liberdade pessoal e individual no mercado seja garantida, cada indivíduo é julgado responsável por suas próprias ações e por seu próprio bem-estar, do mesmo modo como devem responder por eles. Esse princípio é aplicado aos domínios do bem-estar social, da educação, da assistência à saúde e até aos regimes previdenciários [...] O sucesso e o fracasso individuais são interpretados em termos de virtudes empreendedoras ou de falhas pessoais.
Esses fatores atrelados à perda de direitos já conquistados anteriormente,
ocasionados pelo ataque neoliberal, a perda do peso político das organizações
sindicais, ainda mais a derrota do bloco socialista na URSS e a falta de uma
organização internacional dos trabalhadores, tirou os grandes projetos de
transformações societárias, de seus horizontes.
37
3 NO BRASIL: O PARTIDO DOS TRABALHADORES, A COLABORAÇÃO DE
CLASSES E A VIRADA À DIREITA
3.1. BRASIL: 10 ANOS DE GOVERNO DE COLABORAÇÃO DE CLASSES
A entrada no novo milênio significou, no contexto do capitalismo
mundializado, do ponto de vista do ordenamento das relações sociais e dos
imperativos expansionistas em curso, a exacerbação das contradições e das
desigualdades próprias desse modelo de produção. As projeções de crescimento e
desenvolvimento econômico, as medidas de ajustamento e as políticas sociais
corretivas encaminhadas pelo projeto neoliberal denunciavam, por um lado, os seus
equívocos e, por outro, a sua insuficiência, uma vez que as expressões da questão
social se agigantavam, expressando a verdadeira barbárie e expondo, portanto, o
fracasso da alternativa neoliberal.
A agenda do Consenso de Washington5, elaborada pelas principais
instituições financeiras internacionais, estabeleceu um receituário de medidas
neoliberais que tinham como objetivo alavancar o desenvolvimento econômico,
principalmente nos países subdesenvolvidos. O PT que na década de 1980, aprovou
no V encontro nacional em 1987: Pelo rompimento com o FMI; pela realização de
auditoria interna e contra o pagamento da dívida externa (Partido dos
Trabalhadores, 1998, p. 309), ao chegar na década de 1990, deixou de se enfrentar
com a lógica capitalista internacional e suas instituições como veremos adiante.
Em 2002, chegava ao governo federal Luís Inácio Lula da Silva, primeiro
operário a chegar à presidência do Brasil. Sua eleição foi sustentada com base nos
sonhos e esperanças do povo brasileiro de que dias melhores viriam e que, de fato,
5 Consenso de Washington é um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. As dez regras eram: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual (Wikipedia, 2013)
38
ao eleger um representante oriundo da classe trabalhadora mudanças concretas
aconteceriam para todos O PT surgiu no início da década de 1980 como um
instrumento para organizar a classe trabalhadora que naquele momento vivia um
ascenso em plena ditadura militar (1964 – 1985). Colado as lutas e as mobilizações
o PT adquiriu uma importante referência política enquanto partido de oposição ao
governo e ao regime, levantando um programa que representava as principais
reivindicações dos trabalhadores em luta: reforma agrária, estatização do sistema
financeiro, como sustenta Garcia (2011):
Em 1980, no programa de fundação, apesar de bastante genérico pelo fato de ter que ser registrado no Tribunal Superior Eleitoral, em plena vigência da ditadura militar, no item V, “Independência nacional”, constava: Contra a dominação imperialista; Política externa independente; Combate à espoliação do capital internacional [...].
No entanto, ao mesmo tempo que sua audiência aumentava, o PT foi se
adaptando à institucionalidade, o que fez com que seu programa fosse se
modificando gradativamente, como demonstra Virgínia Fontes em entrevista à
Demier (2003):
A constituição do PT nos anos 78/79, ao articular esses grupos, tinha dois horizontes entre os quais lutavam contraditoriamente: socialismo e democracia. Crescentemente ao longo da década de 1990, o socialismo foi abandonado, foi retirado do centro do programa do PT, ficando só a democracia; mas antes, quando esses dois horizontes estavam bem definidos dentro do PT, eles eram elementos de luta interna que realmente conferiram ao partido o horizonte ou norte universalizante. Principalmente ao longo dos anos 90, o PT foi se reduzindo a uma definição enfraquecida de democracia, limitando essa discussão à disputa eleitoral, como faz o pensamento liberal.
A eleição de um presidente com essa origem social em um país capitalista
periférico, como o Brasil, foi um acontecimento atípico. No início de sua trajetória, de
acordo com Duriguetto; Montaño (2011), o Partido dos Trabalhadores - PT era um
instrumento político de expressão dos interesses da classe trabalhadora, tendo nos
interesses dessa classe a referência central para um projeto de transformação da
sociedade. O Partido dos Trabalhadores em 2002, nem de longe era mais o mesmo
de 1989. O PT já não preocupava mais a classe dominante, seus interesses já
39
estavam alinhados à essa classe, sua campanha foi apoiada por grandes
empresários do país.
O PT mudou a política, embora ainda tivesse referência na história do
movimento de massas, fazendo com que a burguesia deixasse de enxerga-lo como
um grande inimigo. A ponto de se sentir à vontade de financiar suas campanhas. De
acordo com Garcia (2011), no ano de 1989, o PT não aceitava doações sequer de
pessoas jurídicas. No entanto, a partir de 1994, o partido passa a receber doações
de pessoas jurídicas, naquele ano, as contribuições foram dadas através de
materiais a serem utilizados na campanha6. Mas em 2002, ano que Lula foi eleito
pela primeira vez, as doações deram um salto qualitativo. De acordo com Garcia
(2011, p. 109),
Para a campanha de Serra, 22 empresas doaram mais de R$ 500 mil e 20 o fizeram para a de Lula. Ou seja, bem cotado nas pesquisas eleitorais e mostrando-se confiável em função de sua política de alianças e de sua flexibilização teórico-programática, o PT foi tratado de igual para igual com o PSDB. A burguesia brasileira tinha claro que, independentemente do resultado eleitoral, o projeto neoliberal continuaria a ser implementado.
Dez anos se passaram e o que podemos afirmar é que os governos do
Partido dos Trabalhadores foram de colaboração de classes, a promessa era
governar para todos. Os governos petistas se caracterizam por serem oriundos da
colaboração de uma organização política de origem da classe operária e setores da
burguesia. No entanto, na tentativa de governar para todos, beneficiaram, acima de
tudo, os mais ricos. E mesmo que o Brasil hoje seja menos miserável e ignorante do
que há trinta anos atrás, não é verdade que ele é menos injusto. Valério Arcary
confirma a trajetória de um governo cujo as políticas privilegiavam a classe
dominante:
O PT chegou ao poder em 2002 e o balanço, quase uma década depois, é desolador. As prometidas reformas foram arquivadas: não houve reforma agrária, não houve reforma urbana, o Brasil não desprivatizou a educação, a saúde e a previdência. Ao contrário, a concentração de terras nas mãos dos latifúndios aumentou, a
6 Em um relatório encaminhado para o Tribunal Superior Eleitoral, empresas como: Ripasa S.A., Cia Suzano de Papel Celulose e Cia, Votorantim de Celulose e Papel constaram como doadoras de materiais para a campanha. Além delas, a Grendene S.A. emprestou seu avião para várias viagens de Lula, e assim por diante.
40
especulação urbana deu saltos, a privatização do ensino e da previdência não parou de crescer (ARCARY, 2011. p. 157)
Antes da eleição de Lula, a direção majoritária do PT realizou uma série de
movimentações para ganhar o conjunto da base do partido para o seu projeto de um
governo de conciliação de classes. Em suas próprias formulações teórico-
estratégicas ou bases programáticas eram perceptíveis as modificações. Segundo
Garcia (2011), nesse período, “passam a dominar nos pressupostos teóricos do
partido a “democracia como valor universal”, a disputa pela “hegemonia” nas
instituições democráticas, a “ética na política”, a “cidadania”, a “inclusão” social dos
despossuídos e a “inserção soberana” na economia globalizada, ou seja, a política
do governo do PT não é a de enfrentar a lógica da economia capitalista mundial
(imperialismo) e sim, a de se inserir integralmente nessa lógica buscando condições
privilegiadas. As resoluções do XII Encontro Nacional do PT, em 2001 (um ano
antes da eleição que levou Lula à Presidência da República), comprova:
A inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na gestão da economia nacional implicam desenvolver políticas dirigidas a reduzir de modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas, que constituem, na atualidade, a restrição fundamental para a retomada e sustentação do crescimento econômico. Isso transcende o alcance das políticas tradicionais de ajuste macroeconômico e de suporte ao funcionamento espontâneo do mercado inserindo-se necessariamente numa estratégia de desenvolvimento agrícola e industrial que possibilite a articulação das ações do Estado e do setor privado voltadas à expansão da capacidade e à integração e diversificação do sistema produtivo, bem como à construção das bases tecnológicas de sustentação do desenvolvimento e ao aumento da produtividade sistêmica da economia brasileira. Requer ainda a simultânea reconstrução do sistema de financiamento de longo prazo que viabilize o novo ciclo de investimentos, tanto em infra-estrutura quanto na produção interna de bens de capital (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2001)
Para se ter uma ideia, em um dos debates preparatórios do I Congresso do
PT, em 1991, Luis Gushiken, dirigente petista que se tornou, posteriormente,
integrante do ministério do governo Lula, defendeu com muita clareza essas
mudanças. O imperialismo e as empresas multinacionais já não eram inimigas do
PT:
41
Significa dizer o seguinte: se forem perguntar para o Lula se o seu governo interessa atrair capitais de monopólios, de trustes, o Lula não pode titubear. Ele tem que dizer: nós queremos sim. Agora, qual é a contrapartida para efeito da política, não só para a sociedade, até para justificar nosso projeto socialista? Nós queremos, mas que não tenha abuso na determinação do investimento, abuso no pagamento dos operários. Mas aí há uma inversão global da linha política com relação ao capital. Coisa que antigamente não tinha tanto, porque de uma forma ou de outra, a gente tinha inconscientemente que um processo revolucionário no Brasil teria como ponto de apoio, material-financeiro-político, o socialismo real. Mas, desagregou. E, durante longo tempo, ele era uma referência para nós, nesse aspecto. Com a mudança, que foi de fundo, eu quero saber, se nos mesmos moldes uma revolução socialista hoje, no quadro da economia basicamente capitalista, nós temos condições de argumentar na linha de ação anti-imperialista como centro. (GUSHIKEN apud, GARCIA 1990, p. 188).
De acordo com a cartilha produzida pelo PT em comemoração aos dez anos
no governo, o neoliberalismo foi enterrado e em seu lugar foi imposta uma política
oposta: o desenvolvimentismo. Ainda segundo o Partido dos Trabalhadores, o seu
objetivo estratégico no governo é o “desenvolvimento” do país. Mas esse
desenvolvimentismo é, na verdade, uma faceta do neoliberalismo, e não a sua
negação. O que o PT chama de “novo desenvolvimento” é, na prática, a combinação
dos planos neoliberais – que se apoiam nas privatizações, no ajuste fiscal, na
abertura para as importações e na desregulamentação da economia – com as
políticas sociais compensatórias, que atenuam as consequências sociais desses
planos (Godeiro, 2013). Se apoiam nos altos juros para atrair capital internacional.
Na opinião de Duriguetto; Montaño (2011), as implicações da implementação das
políticas neoliberais na realidade nacional foram o acirramento das desigualdades,
da desregulamentação dos direitos sociais trabalhistas e do agravamento da
questão social.
Entre meados de 2004 e meados de 2008, sob o benefício de quatro anos de recuperação econômica, ocorreu uma redução da chamada pobreza extrema, pela confluência de uma elevação do salário mínimo acima da inflação, diminuição do desemprego, ampliação da inclusão à previdência social e a expansão dos benefícios das políticas públicas compensatórias, favorecendo a acessibilidade ao crédito e, portanto, potencializando o consumo. Essa evolução alimentou a ilusão de que o Brasil – um país com uma inserção periférica no mercado mundial – poderia estar vivendo o início de uma etapa de maior mobilidade social (ARCARY, 2013)
42
No entanto, a crise imobiliária de 2008/2009 fez com que essa dinâmica se
perdesse. Em 2010 a parcela do trabalho sobre a renda nacional ainda permanece
inferior à de 1990. Nessa época, mesmo depois de uma década intensa de
mobilização operária e popular, era apenas 45,4%. Entre 2003 e 2004 piorou e caiu
abaixo de 40%.
A partir do 2º semestre de 2009, com o crescimento econômico houve uma
retomada nas contratações, e consequentemente, no consumo. Porém, dependeu
de circunstâncias externas que podem não ser sustentáveis. De qualquer forma,
segundo Arcary (2013), “a economia brasileira teria que crescer nos próximos anos
pelo menos 5% ao ano, sem pressões inflacionárias, para que se pudesse superar
uma participação do trabalho na renda nacional equivalente à de 1990”.
Com isso, podemos afirmar que no intervalo de mais de uma geração, o
Brasil não ficou menos injusto, somente menos miserável. De acordo com Arcary
(2011, p. 38),
O Brasil, entre 1950/1980, dobrava o PIB a cada década, em média. Nesse intervalo histórico, levou trinta anos para dobrar a população. Ou seja, em termos reais, a renda per capita era, em 1980, 50% maior que em 1950. Mas essa etapa de intenso dinamismo do capitalismo periférico brasileiro ficou para trás. O país demorou os últimos trinta anos para duplicar o PIB de 1980. Demorou, também, trinta anos para dobrar a escolaridade média: uma escolaridade média de 7 anos (da população de 15 ou mais), metade da escolaridade dos países europeus do Mediterrâneo. Assim como diminuiu o analfabetismo e aumentou a expectativa de vida, as desigualdades regionais internas, entre norte e nordeste, e sul e sudeste, são hoje um pouco menos acentuadas que há trinta anos. Não obstante, embora menos pobre, o Brasil permaneceu, socialmente, um país arcaico.
Sobre o crescimento do PIB, não podemos confundi-lo com desenvolvimento
econômico, nem muito menos com mais justiça social, pois um país pode ter
crescimento do PIB sem aumentar a diversificação de seu parque produtivo, sem
elevar a produtividade média do trabalho, ou mesmo alterar a sua posição
dependente no mercado mundial, pode crescer sem que a disparidade social que
separa os que vivem do trabalho e os que vivem da renda do capital, diminua. Pode
ainda, partir de um nível baixíssimo de escolaridade e eleva-lo, sem modificar o
atraso cultural do seu povo (ARCARY, 2013).
43
Um fator importante para que as sequelas sociais dos últimos trinta anos não
fossem ainda piores está relacionado a desaceleração do crescimento econômico
combinada com à queda na taxa de fecundidade do país. Isso fez com que o PIB per
capita se mantivesse quase que totalmente estável7.
É bem verdade que houve um aumento considerável da capacidade de
consumo de uma parcela dos assalariados mais pobres. Esse fato pode ser
explicado em decorrência da elevação do salário mínimo acima da inflação, a
ampliação do acesso ao crédito e a redução do desemprego. Todos esses
elementos associados às políticas públicas, como, por exemplo, o Bolsa Família,
foram os principais fatores que sustentaram o aumento do consumo das famílias
entre 2004 e 2009. No entanto,
O aumento do consumo foi circunstancial porque o crescimento do acesso ao crédito não parece sustentável dado o aumento desproporcional da inadimplência, que se aproxima rapidamente do número incendiário de 10% e a provável formação de uma bolha de preços no mercado imobiliário (ARCARY, 2011. p. 43)
O acesso ao crédito gerou, principalmente nas famílias mais pobres, a
sensação de que a vida estava melhorando, uma espécie de “bem estar social” em
função do consumo de bens que até então a população em geral não tinha acesso.
No entanto, o endividamento, também generalizado, que foi gerado, através do
pagamento de juros altíssimos, funciona como uma bomba-relógio e prenuncia
quebra em cadeia.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio em abril de 2013, existem
118 milhões de brasileiros endividados, sendo que destes, 37 milhões estão com
contas atrasadas. Dos 37 milhões, 12 milhões não podem pagar suas dívidas. O
Banco Internacional de Compensações (BIS) chamou atenção para o descompasso
entre o crédito e o PIB no Brasil: enquanto o crédito cresceu 16% em 2012, o PIB
cresceu apenas 0,9%. A bomba relógio deverá explodir em algum momento,
provocando uma crise semelhante a que ocorreu em 2008 nos EUA.
7 De acordo com alguns estudos comparativos dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia, a taxa de fecundidade em 1940 era de 6,2 filhos. Nesse período o país era majoritariamente rural. Em 1970 a mulher tinha, em média, 5,8 filhos. Em 2000 essa média era de 2,3 filhos. E em 2006, a taxa era de 1,8. No final do século XX a taxa de fecundidade mundial era de 2,9 filhos. Nos países mais desenvolvidos era de 1,5, e nos menos desenvolvidos, em torno de 3,2 filhos por mulher.
44
Ou seja, a dívida das famílias consome 43,42% de toda a renda anual do
povo brasileiro. O pagamento da dívida pública já consome 44% do orçamento
federal. A política do governo é privilegiar os banqueiros em dois sentidos: primeiro
através do pagamento direto dos juros e amortizações da dívida, e por outro lado,
através do incentivo ao consumo não por meio de políticas que elevem o poder
aquisitivo (salário) dos trabalhadores, mas através do seu endividamento, através do
acesso ao crédito. Portanto, os banqueiros sugam quase metade do orçamento
federal e quase metade da renda das famílias brasileiras.
Ainda em 2009 o Brasil se manteve, segundo o Programa das Nações
Unidas para o desenvolvimento (PNUD), como um dos dez países com maior
desigualdade social do mundo sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
entre 177 países. Estamos na oitava colocação, ficando atrás apenas da Guatemala
e de países africanos, como a República Centro-Africana e Serra Leoa.
Além disso, a concentração da renda nacional segue sendo distribuída de
maneira absurdamente desigual: 46,9% concentra-se nas mãos dos mais ricos e os
10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda. De acordo com o coeficiente de
Gini, o índice brasileiro foi de 0,593 em 2003. Contudo, considerando que este
índice mede a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho, ou seja, não
considera as rendas do capital: juros e lucros, por exemplo – podemos afirmar que
esta ainda é uma informação insatisfatória para se medir a desigualdade (Aracary,
2011).
Segundo o Radar Social, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), 1% dos brasileiros (1,9 milhão de pessoas) detém uma renda que
equivale a da parcela formada pelos 50% mais pobres (96,5 milhões de pessoas).
Portanto, podemos concluir que em 10 anos de governo PT, somente 1% da
população, os mais ricos, possuem uma renda igual a metade do povo brasileiro.
De fato, se a medida da desigualdade considera o universo daqueles que vivem de salário, e se constatamos que o piso salarial do país esteve em constante elevação do salário mínimo, da universalização da previdência social e da extensão de programas como o Bolsa-Família, mas, mesmo assim, o salário médio se manteve estacionário entre 2002 e 2008, então só é possível concluir que o salário médio das ocupações com escolaridade mais alta (ensino médio completo e ensino superior completo) continuou caindo, ainda quando a recuperação econômica de 2004/2008 beneficiava os salários mais baixos (ARCARY, 2011, p. 45)
45
Essa redução da diferença de remuneração entre os salários médios do
trabalho manual e os salários médios do trabalho com maior escolaridade sinaliza
uma queda na mobilidade social relativa, e isso tem consequências. A principal
delas é a diminuição que o estímulo material exerce em relação à busca por maior
escolaridade.
Na década de 80, um dos principais pontos programáticos do PT era acabar
com a especulação financeira. Nas palavras do próprio Lula: “primeiro a suspensão
do pagamento da dívida externa [...] terceiro (sic) acabar com a especulação
financeira no país, baixando as taxas de juros”. Chegando ao governo, Lula fez tudo
exatamente ao oposto do que tinha prometido. No fim de 2012, a dívida (interna e
externa) era a maior da história.
Contraída no período da ditadura militar para garantir o “milagre brasileiro”, a
dívida, hoje, se coloca como um empecilho para o desenvolvimento do país. Ainda
na década de 1980 ela levou à quebra do Brasil como dívida externa e,
transformada em dívida interna, acumulou-se como uma bola de neve entre 1994 e
2012. Nesse período, o Brasil já pagou R$ 13,5 trilhões de reais, mas mesmo assim,
a dívida não para de crescer (Godeiro, 2013).
Este é um modelo capitalista que privilegia os banqueiros. Nosso país está
vulnerável à dependência do capital internacional. Mas nada garante que esse
capital permaneça em nosso país. A qualquer momento ele pode ir embora,
provocando uma grave crise. Entre 1º de janeiro e 24 de junho de 2013 saíram R$
13 bilhões da Bolsa de valores para fora do país. Isso se soma à notícia da elevação
de juros nos EUA, dando a partida para o retorno do capital especulativo ao seu
ninho. Segundo Godeiro (2013), se persistir esta dinâmica, a fuga de capitais do
Brasil precipitará a crise econômica gerando recessão e impossibilidade de rolar a
dívida.
A péssima qualidade nos serviços públicos básicos no país – saúde,
educação e transporte – é a principal consequência da política do pagamento da
dívida. Pois o pagamento de juros e amortizações impede que os investimentos
sejam feitos nos serviços essenciais.
De acordo com a Auditoria Cidadã, o governo enviou em, dezembro de
2013, ao Congresso Nacional, a previsão orçamentária, que destina 42,42% do
orçamento geral da União, equivalente à R$ 1,002 trilhão de reais para o pagamento
46
de juros e amortização da dívida externa. A expectativa é de que somente 3,91% do
orçamento seja investido na saúde e 3,44% na educação.
Podemos constatar que não foi somente no governo FHC que os banqueiros
foram privilegiados, o governo do PT seguiu a mesma lógica. Para se ter uma ideia,
segundo o Banco Central, o lucro do sistema financeiro brasileiro nos dois mandatos
de FHC (entre 1995 e 2002) foi de R$ 95 bilhões de reais. Nos dois mandatos de
Lula (entre 2003 e 2010) chegou a R$ 428 bilhões. O PT, obviamente, foi
recompensado. Nas eleições de 2010, os bancos doaram R$ 38 milhões para a
campanha da Dilma, 15% da sua arrecadação.
Podemos afirmar que a política do pagamento da dívida foi essencial para
que estourasse em junho de 2013 as grandes mobilizações no país. Pois, ela
interfere diretamente nas condições dos serviços essenciais. Neste mesmo ano,
pagaremos cerca de R$ 850 bilhões em juros e amortização da dívida. Dados
comparativos mostram que Dilma está gastando em um mês com a dívida, o que
gasta em um ano com a saúde (Godeiro, 2013).
Durante esses dez anos de governo de conciliação de classes, a entrada de
capital estrangeiro dobrou e a remessa de lucros para o exterior quadriplicou,
reafirmando assim, a desnacionalização da economia. Segundo Godeiro (2013, p. 9),
As grandes corporações transnacionais dominam a economia brasileira: 100% das montadoras, 92% do setor eletrônico, 75% das autopeças, 74% das telecomunicações, 68% do setor farmacêutico, 60% da indústria digital, 57% do setor de bens de capital, 55% do setor de bens de consumo, 50% na siderurgia e metalurgia e 47% na petroquímica. No agronegócio, 30 empresas dominam o complexo agroindustrial e mais de 70% destas empresas são multinacionais.
Essa não é uma realidade somente do Brasil. Em novembro de 2012,
durante a greve geral que aconteceu na Espanha e em Portugal, uma das principais
bandeiras levantadas pelos trabalhadores foi a suspensão dos pagamentos da
dívida aos banqueiros.
O dado mais preocupante é a previsão do déficit em conta corrente que é de
U$ 75 bilhões em 2013. Até 2012, segundo Godeiro (2013), a entrada de
Investimentos Estrangeiros Diretos cobria este déficit, no entanto, a previsão de
entrada de capital externo em 2013 é de U$ 65 bilhões, que o governo pretende
cobrir com as privatizações.
47
A nova divisão do trabalho imposta pelo neoliberalismo, usou a restauração
da URSS e China para rebaixar o salário mundial. Transformou a China na fábrica
do mundo e ao mesmo tempo direcionou o Brasil e a América do Sul para serem
grandes produtores de alimentos e matérias primas. Somos dependentes das
exportações de minério de ferro, soja e alimentos para o mundo.
Durante o governo petista as exportações de produtos primários superaram
as de produtos manufaturados. Nós exportamos muito minério de ferro e importamos
trilhos de trem por um custo sete vezes maior. Em 2012, exportamos óleo cru barato
e importamos derivados de petróleo muito caro. Com isso, tivemos um déficit de US$
35 bilhões de dólares na balança comercial de combustíveis em 2012. Mesmo com
esse quadro Lula afirmou durante o seu governo que o Brasil era autossuficiente no
petróleo.
Isso nos leva a crer que o país, por responsabilidade de um governo de
colaboração de classes, passa por uma espécie de recolonização. Exporta produtos
primários e importa produtos industrializados. A inflação no Brasil está subindo,
porque produzimos mais alimentos para exportação, como: soja, carne e cana-de-
açúcar, e diminuímos a área de plantação do feijão, do arroz, do trigo, ou da batata,
por exemplo.
De acordo com o IPCA do IBGE, a inflação do Brasil alcançou 6,5%,
enquanto a inflação dos alimentos chegou a 13,5%. A variação do preço da batata
chegou a 66%, do tomate 55% e do feijão 44% em 2013. Isso refletiu no bolso do
trabalhador, que teve que diminuir o seu consumo. Esse fato fez com que a
sensação de que as coisas estavam melhorando, a sensação de bem-estar fosse
cada vez mais desmoronando.
O PT anuncia como uma vitória a geração de 20 milhões de novos
empregos. De fato, isso seria uma ótima notícia se desses empregos (19.940.642)
não fossem empregos precarizados, que pagam até 1,5 salário mínimo, resultado da
terceirização neoliberal. Além disso, foram perdidos 4.279.340 empregos onde se
ganhava mais de 5 salários mínimos. Segundo o IBGE, em 2010, ainda tínhamos
40,8 milhões de trabalhadores na informalidade, quase metade dos trabalhadores
ocupados.
Os empregos informais não oferecem nenhum direito trabalhista. Nem 13º
salário, nem férias, fundo de garantia, ou mesmo aposentadoria. Portanto, exclui
todos os direitos sociais trabalhistas.
48
A incidência da crise econômica mundial no Brasil levou à queda dos lucros
das grandes empresas. Consequentemente, estas diminuíram os investimentos
gerando uma desaceleração na economia brasileira. A queda dos lucros leva a
diminuição dos investimentos, desaceleração do crescimento econômico, aumento
dos preços para recompor a margem de lucro, a importação de insumos da China,
mais baratos e a redução da contratação de novos trabalhadores.
O governo federal, na expectativa de que os empresários aumentassem os
investimentos e retomassem o crescimento econômico, atuou na tentativa de
compensar a diminuição de lucros através dos incentivos fiscais e das
desonerações. Mas não foi isso que aconteceu. A patronal recebeu os incentivos do
governo e melhorou o desempenho dos seus balanços com o dinheiro público.
Segundo Godeiro (2013, p. 11),
As desonerações atingiram o valor de R$ 44 bilhões em 2011, R$ 72 bilhões em 2012 e deve chegar a R$ 91 bilhões em 2013. A orientação do governo não surtiu efeito. Todos os índices econômicos do Brasil estão piorando em 2013. O governo começou prevendo um crescimento de 4,5% do PIB para 2013. Agora, a patronal já está prevendo um PIB abaixo de 2%. Inclusive não se descarta uma recessão no Brasil em 2014, em plena copa do mundo.
O governo do PSDB foi responsável pela privatização de setores
estratégicos para o Brasil. Durante toda a sua campanha, o PT se diferenciava
dizendo que em seu governo nenhuma estatal seria privatizada. Mas o que vimos
nesses dez anos é a continuidade da política de privatização.
Privatizaram rodovias, hidroelétricas, bancos estaduais e jazidas de petróleo,
até mesmo o pré-sal. Foram capazes de tocar em setores que nem o PSDB
privatizou. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), por exemplo, foi
privatizada através das Parcerias-Público-Privadas, as PPP‟as. Mesmo o governo
Dilma continua privatizando: já foi a previdência dos servidores públicos, os
aeroportos, hospitais universitários, rodovias federais, e agora, foram retomados os
leilões do petróleo. Segundo Godeiro (2013, p. 11),
Com a fuga dos capitais especulativos, aumento das importações de industrializados, diminuição dos investimentos e redução do consumo interno, o Brasil corre sério risco de que sua estagnação econômica se transforme em recessão. Por isso, o governo acelera as privatizações das riquezas nacionais para atrair o investimento
49
estrangeiro e retomar o crescimento, já que a desoneração não surtiu efeito.
Criou-se um novo jeito de privatizar, é o jeito petista de implementar a
política de privatização através das concessões. Através dessa medida pretendem
privatizar os aeroportos de Guarulhos (SP), Campinas (SP) e Brasília (DF). Além do
compromisso de entregar até o fim de 2013, os aeroportos do Galeão (RJ), e de
Confins (MG). Não sendo suficiente, Dilma acaba de privatizar setores da saúde e
da educação através da EBSERH, empresa que vai gerir os hospitais universitários.
Mas a mais absurda de todas as privatizações é o leilão do campo de Libras,
um verdadeiro crime cometido pelo governo Dilma. O Campo de Libra, localizado no
pré-sal, é o maior campo de petróleo já descoberto no Brasil. Seu valor estimado é
de U$ 1,5 trilhão de dólares e o governo o entregou por US$ 15 bilhões, menos de
0,1% do valor real. Segundo Gradelha (2013),
A alegação do governo é que o país não tem recursos para investir no pré-sal. Mas é mentira. Somente em 2012, o governo gastou R$ 753 bilhões no pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Segundo a Petrobras, o custo médio de extração em 2012 foi de US$ 13,92 por barril. Logo, para produzir toda a reserva do pré-sal existente no Brasil, estimada em 100 bilhões de barris, gastaríamos US$ 1,3 trilhão e arrecadaríamos US$ 10 trilhões. Isso renderia o equivalente a US$ 8,7 trilhões! (GRADELHA, 2013)
Segundo o governo, o dinheiro dos royaltes do petróleo vai ser investido na
educação. No entanto, dos royaltes, apenas 75% vai para esse setor e isso equivale
a somente 0,6% do PIB. Muito menos do que os 10% necessários e historicamente
reivindicado pelo movimento.
Na realidade o que acontece é que, segundo estudos da Auditoria Cidadã da
Dívida, em 2008, R$ 20 bilhões de royaltes foram destinados indevidamente à
amortização da dívida, em operação irregular pelo Tribunal de Contas da União. Por
lei, esses recursos deveriam ser investidos nas áreas de meio ambiente, ciência e
tecnologia.
Passaram-se sessenta ano da campanha “O petróleo tem que ser nosso”
que levou à criação da Petrobras, um dos maiores patrimônios dos brasileiros, fruto
da sua luta e mobilização. Hoje, o que vemos é o PT, que um dia lutou e defendeu a
soberania nacional, entregar o nosso petróleo, nosso combustível e os milhares de
empregos que poderiam ser gerados.
50
3.2 O HISTÓRICO DO MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL E A COOPTAÇÃO
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Desde a segunda metade do século XIX, o Brasil já tinha trabalho
assalariado e formas variadas de organizações coletivas dos trabalhadores. Ainda
na República Velha (1889-1930), se constitui o movimento operário e a própria
classe trabalhadora. Nessa época, a produção industrial empregava cerca de 5%
dos empregados brasileiros, chegando a 13,8% em 1920.
Vale a pena lembrarmos que um dos elementos fundamentais para a
formação da classe trabalhadora no nosso país foi a vinda de operários imigrantes
europeus, que já tinham contato com as lutas em seus respectivos países, a partir
do fim do sec. XIX. As formas de organização das lutas, as concepções político-
ideológicas sofreram influência dos estrangeiros europeus, principalmente dos
anarquistas.
As lutas organizadas na época, eram consequências das péssimas
condições de trabalho e da vida da classe trabalhadora. As jornadas de trabalho não
tinham limite, não havia descanso semanal remunerado, aposentadoria, férias, nem
mesmo salário mínimo. Os governos oligárquicos criaram leis repressivas à atividade
político-sindical e, de acordo com Duriguetto; Montaño (2011), existiam até leis para
a expulsão dos estrangeiros que comprometessem a “segurança nacional”
As primeiras formas de organização dos trabalhadores foram as
Associações de Socorro e Auxílio Mútuo e as Ligas ou Uniões Operárias. A
Confederação Operária Brasileira foi a primeira tentativa de construção de uma
central sindical.
Do fim do século XIX até os anos 1920, três correntes influenciaram na
direção das organizações sindicais do país. A concepção anarcossindical, os
reformistas e os sindicalistas amarelos.
A concepção anarcossindical recusava a existência de um partido político da
classe operária e a via eleitoral parlamentar. Para eles, o sindicato eram órgãos
revolucionários, que defendiam a revolução que, por sua vez, resultaria numa
sociedade sem classes e sem Estado. A revolução viria das lutas nas fábricas
através do confronto direto com a patronal. As próprias limitações políticas desse
setor, junto com a influência da Revolução Russa ao no proletariado, levaram à
Fundação do Partido Comunista no Brasil, um grupo de anarco sindicalistas.
51
Os reformistas defendiam a transformação da sociedade capitalista através
de reformas gradativas, que seriam alcançados a partir da “pressão do Estado) e da
luta “parlamentar”.
Já a corrente dos sindicalitas amarelos defendia a conciliação de capital e
trabalho e a dependência em relação ao Estado.
Em concomitância à ação dos anarquistas e dos comunistas, o Estado investia na cooptação e no controle se setores do operariado e dos sindicatos, seja ampliando a influência dos sindicalitas amarelos nos sindicatos, que passaram a ser mais favorecidos (a partir da década de 1920, é regulamentada uma incipiente legislação trabalhista que atingia os setores centrais da economia agroexportadora: ferroviários, marítimos e portuários), seja controlando-os, objetivo pelo grau foi criado, em 1921, o Conselho Nacional do Trabalho (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 236.)
Em 1943, Vargas reúne e sistematiza a legislação social na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com Matos (2009 apud Duriguetto; Montanõ,
2011), uma das estratégias “para angariar adesões „voluntárias‟ ao sindicato oficial
foi vincular a concessão dos benefícios nas novas leis trabalhistas à representação
de classe oficial, deixando assim que as lideranças mais combativas sofressem a
pressão para a busca do reconhecimento do Ministério por parte de suas bases.
Mesmo apesar da coerção política e do atrelamento da concessão dos direitos aos
sindicatos oficiais, os sindicatos livres persistiram até 1937. Os trabalhadores
operários contestaram o controle estatal sobre os sindicatos, resistiram à estrutura
corporativista/burocrática imposta pelo Estado e mantiveram os sindicatos livres,
criados em períodos anteriores.
Em 1934, foi criada a Frente Única Sindical (FUS), com direção comunista.
Um ano depois, em 1935, deu origem à Confederação Sindical Unitária do Brasil
(CSUB). Ainda nesse ano, foi formada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que era
uma espécie de frente popular anti-imperialista e antifascista que congregava
comunistas, socialistas, operários, setores progressistas das classes médias e
estudantes.
Através da „Intentona Comunista‟, o Estado varguista ataca a ANL.
Decretando a Lei de Segurança Nacional (LSN). Nessa época, foram presas,
torturadas e até mortas lideranças sindicais, como foi o caso da Olga Benário,
52
companheira de Luiz Carlos Prestes, figura mais expressiva da ANL, que foi
deportada para os campos de extermínio nazista.
Ação política repressiva e proibição às lutas dos trabalhadores e aos sindicatos autônomos, normatização de direitos e políticas trabalhistas que eram passados como concessão e outorga o Estado em vez de conquistas dos trabalhadores e o crescimento dos sindicatos oficiais tornaram as organizações sindicais espaços não de luta, mas organizações que buscavam favores e recursos junto à burocracia estatal. Os sindicatos oficiais passaram a ser o espaço os espaços dos “pelegos” e de ações assistenciais. Como afirma Ianni (1994, p. 109), a política de Vargas, principalmente no Estado Novo, foi no “sentido de orientar ou manipular a força política do operariado em formação. Ao mesmo tempo, visava combater, submeter, reprimir ou suprimir os movimentos políticos que já se haviam desenvolvido bastante nos meios operários: anarquistas, socialista, comunista, trotskistas” (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 238).
No entanto, mesmo com a repressão e manipulação ideológica, a resistência
dos setores mais combativos do operariado não arrefeceu. Com o fim do Estado
Novo, a luta por aumento salarial e liberdade de organização sindical continuou.
Neste mesmo período, foi conquistada a anistia dos presos políticos e a
legalização do Partido Comunista do Brasil (PCB). Que em 1945, elege Prestes para
o Senado e 14 deputados federais por todo o país, além dos deputados estaduais e
vereadores.
Em 1946, foi criada a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil
(CGTB), que substituiu o Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT), que havia
sido criado em 1945, na tentativa de que se constituísse uma central sindical por
fora e em oposição ao sindicalismo oficial.
Nesse mesmo período existia um clima de anticomunismo gerado pela
Guerra Fria. Isso fez com que o então presidente eleito, General Dutra, investisse
mais uma vez em repressão às organizações mais combativas dos trabalhadores.
Em 1950, Vargas volta ao poder acompanhado por um discurso voltado para
a massa dos trabalhadores urbanos, com um apelo nacionalista e trabalhista.
Ocorreu nesse mesmo período, um aumento das mobilizações dos trabalhadores.
Centenas de greves foram realizadas entre 1951 e 1953.
Em 1960, institui o Pacto de Unidade e Ação (PUA), que pretendia a
unificação organizativa dos sindicatos, com a pretensão da criação de uma central
sindical. No mesmo período, se inicia o processo de organização dos trabalhadores
53
rurais, através da criação, em 1954, da União dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas Brasileiros (ULTAB), em 1955, da Liga Camponesa da Galileia
(Pernambuco) – que deu origem a outras Ligas nos estados do nordeste, Minas
Gerais e no sul do país – e, em 1960, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra,
no Rio Grande do Sul.
Já no governo Goulart (1961-1964), as lutas e mobilizações sociais da
classe trabalhadora se intensificaram tanto no meio urbano, quanto no rural. Nessa
época foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que avançava na
constituição de uma central dos trabalhadores. E no campo, além da organização
das Ligas Camponesas, temos em 1962, a legalização dos sindicatos rurais, que
originou a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (Contag), que
passou a integrar o CGT.
Em 1963, ocorreu uma das maiores greves da história do movimento
operário brasileiro, 700 mil operários em São Paulo. Em março de 1964, ocorre no
Rio de Janeiro um grande ato em defesa das reformas de base, com a presença de
200 mil trabalhadores. Em contrapartida, os setores médios tradicionais da
sociedade, se organizaram na Marcha pela Família, com Deus e pela Liberdade. A
partir de 31 de março de 1964 iniciou-se o período de autocracia burguesa no país.
Esse processo se tornou um obstáculo para a organização dos
trabalhadores no Brasil.
Foram criadas iniciativas para atrair o capital internacional como a legislação do controle de greves e o controle dos índices dos reajustes salariais, conhecido como política de arrocho salarial. Também é criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), concebido para substituir as normas existentes de estabilidade no emprego e para reduzir os custos imediatos da demissão dos trabalhadores. A implementação do FGTS possibilitou o aumento da rotatividade da mão-de-obra, mantendo mais baixos os níveis salariais. A combinação do FGTS com a indexação controlada dos salários garantiu mercado de trabalho barato para o investimento de capitais (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2011, p. 240).
Os ataques à organização sindical não foram poucos. Criaram-se leis que
objetivavam transforma-los em centros de recriação e local de prestação de serviços
assistenciais.
Mesmo as ofensivas, não foram capazes de conter as lutas dos
trabalhadores. Até mesmo através da clandestinidade, eles se organizavam por
54
locais de trabalho e promoviam operações-tartaruga, além dos diversos movimentos
de greve de pequena duração.
Em 1980, os processos massivos de lutas foram retomados. A partir de
1980, duas tendências se formam no movimento sindical: os sindicalistas autênticos,
que se caracterizavam pela perspectiva classista, ou seja, a afirmação de que existia
o antagonismo de classe entre patrões e trabalhadores, sem nenhuma ilusão de
parceria entre eles, e os chamados reformistas.
Entre os sindicalistas autênticos haviam diferentes perspectivas sobre o
papel da organização sindical, principalmente, entre os que já eram dirigentes
sindicais (Os metalúrgicos de São Bernardo, que tinham como principal expressão
Lula), e o campo das oposições (Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo), que
eram ligadas em sua maioria a correntes marxistas-revolucionárias.
Para os metalúrgicos de São Bernardo, o sindicato deveria servir para a luta
reivindicatória, cumprindo um papel reivindicativo e negociador. Havia um certo
apelo para o caráter “apolítico” das greves; enquanto que para os sindicalistas da
oposição, os sindicatos deveriam recuperar e apoiar as experiências operárias de
organização de base, e a luta sindical deveria ter como objetivo final a construção do
socialismo e as greves e manifestações deveriam ter um conteúdo político. Segundo
Duriguetto; Montaño, a confluência dessas duas tendências – juntamente com o
sindicalismo rural – constituirá a base para o nascimento da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), em 1983, e do Partido dos Trabalhadores, em 1980.
A organização dos trabalhadores e da juventude levaram à queda da
ditadura militar no Brasil. Lula foi a grande figura, o grande dirigente das massas
desse momento histórico e o Partido dos Trabalhadores junto com a Central Única
dos Trabalhadores foram importantes conquistas daquele período.
A CUT foi fundada em 1983 e se tornou uma das maiores centrais sindicais
do país. Segundo Montaño; Duriguetto (2011),
A CUT nasceu inspirada, na sua origem, num sindicalismo classista, autônomo e independente do Estado. No Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras que fundou a CUT, aprovaram-se os estatutos da central, que incluíam, entre outros princípios, a defesa da democracia sindical; da unidade da classe trabalhadora; liberdade e autonomia sindicais, organização por local de trabalho e, em nível estratégico mais amplo, afirmavam a luta por uma “sociedade sem exploração, onde impere a democracia política, social e econômica”. A central orientava sua ação nesse período numa oposição à política
55
de arrocho salarial, tanto de autocracia burguesa quanto da “Nova República” e pela “democratização de estrutura sindical, em especial na luta pelo fim da ingerência do Estado” (Antunes, 1991, p. 59). A CUT passou a se construir como referência para a organização e as lutas da classe trabalhadora: pela filiação progressiva dos sindicatos à sua proposta; pelo papel exercido no debate político nacional; por fomentar e induzir jornadas de luta, mobilizações e greves gerais ao longo dos anos 1980 e por estar presente em todas as lutas desenvolvidas pelos trabalhadores das cidades e do campo ao longo dessa década; por participar ativamente da criação, três anos antes de sua fundação, do Partido dos Trabalhadores (PT) e, junto com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela criação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), EM 1984.
Mas por responsabilidade de uma direção burocrática, ainda nos seus
primeiros anos de existência, começou a trilhar um caminho inverso ao que havia
sido definido na sua fundação.
Passou de uma central democrática, classista e de luta à uma central que
facilmente se adaptava às pressões institucionais, abandonou o sindicalismo de
confronto e resistência e girou para um sindicalismo de conciliação, travestido no
termo “sindicalismo propositivo” ou “cidadão”.
Em 1998, aconteceu o último grande congresso da central, que foi o marco
para a grande mudança nos rumos da CUT. O debate centrou nas modificações
estatutárias, que viriam a acontecer. A direção majoritária se esforçava para
transformar a CUT numa central com o perfil conciliador. Apoiou a Câmaras
Setoriais e o “acordo das desmontadoras” do ABC paulista, que resultou em
milhares de demissões. Começou a depender das verbas do Estado, como o Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) e participou do “entendimento nacional” proposto
por Collor.
Em 1995, Vicentinho, presidente da CUT na época, aceitou a proposta de
FHC de acabar com a aposentadoria por tempo de serviço, substituindo-a pelo
tempo de contribuição.
Na nossa opinião, o debate sobre a transformação da CUT e do PT, está
imensamente atrelado à crise das direções, ao fortalecimento do autonomismo e aos
novos movimentos que protagonizaram as jornadas de junho. Sobre isso, trataremos
em nosso próximo capítulo. No entanto, é necessário debatermos sobre o papel de
cooptar os movimentos sociais que o PT cumpriu. Portanto, a experiência parcial
que os movimentos tiveram com a trajetória de cooptação do PT e da CUT antes e
depois da sua chegada ao poder cruza a principal discussão proposta por este
56
trabalho. Segundo Garcia (2011, p. 130), o PT em seus primórdios tinha uma
relação dialética com esses movimentos:
Vários deles contribuíram diretamente para a formação do PT, notadamente o movimento sindical, e o PT por sua vez se apoiava e contribuía para o seu fortalecimento. Este apoio não era apenas retórico: o PT apoiava os movimentos e suas formas de luta. O apoio às greves era irrestrito, bem como o apoio às ocupações de terras no campo. Nas passeatas, atos e qualquer manifestação estavam presentes e desfraldadas as bandeiras do PT.
A hegemonia do neoliberalismo pelo mundo inteiro, indiscutivelmente
contribuiu para as mutações sofridas pelo PT no decorrer da sua trajetória. No
entanto, é importante lembrarmos que o neoliberalismo passou por algumas crises,
enfrentou algumas turbulências durante a década de 1990. Segundo Garcia (2011),
começando pelo México em 1994, passando pelos “Tigres Asiáticos e Rússia em
1997, chegando ao Brasil no final de 1998, quando se deu a quebra do dólar/real.
Em 2000/2001, os EUA, centro do imperialismo, foi atingido por uma crise
econômica, que impactou a América Latina.
Muitas insurreições aconteceram nesse período, contando com expressiva
participação dos trabalhadores e dos setores mais explorados, que questionavam os
planos neoliberais. Em vários países os governos chegaram a cair, como foi o caso
do Equador (2000), Argentina (2001), Bolívia (2003 e 2005).
No Brasil, a vitória de Lula em 2002, foi expressão, também, desse
processo. Na verdade, esse “fenômeno”, aconteceu em quase toda a América
Latina. Muitos governos com o caráter de conciliação de classes foram eleitos. Esse
governos conseguiram arrefecer um período de ascenso através da manipulação
das ilusões das massas, e da cooptação da imensa maioria das direções que
estiveram à frente das mobilizações anteriores.
A ascensão de um governo capitaneado pelo principal líder operário do país,
alterou o relacionamento do PT com os movimentos sociais. Mesmo que
anteriormente algumas prefeituras petistas já tivessem se enfrentado com
movimentos grevistas, a grande diferença, a partir da eleição de Lula, foi a
cooptação das organizações dos movimentos de massas, através da concessão de
verbas públicas.
57
Em 2003, início do primeiro mandato de Lula, o governo apresentou uma
proposta de reforma da previdência que retirava o direito dos servidores públicos e
estabelecia as pré-condições para a privatização da previdência social. O
responsável pela implementação da proposta, era o então ministro da Previdência,
Ricardo Berzoine, não por acaso, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São
Paulo, um cutista de carteirinha. Era um dos principais homens de confiança de Luis
Gushiken, ministro das Comunicações daquele período, também ex-presidente dos
Bancários em São Paulo, esse era um dos mais entusiasmados com a previdência
privada no Brasil.
Esse fato foi o percussor da primeira greve dos servidores públicos contra o
Governo Lula, durou vários dias e a CUT, cumpriu o seu papel de defensor do
governo, se recusou a assumir a luta contra a reforma, se propondo a negocia-la na
tentativa de torna-la mais palatável. Foi uma greve forte, mas o governo agiu de
maneira intransigente e impôs sua proposta na íntegra.
O PT expulsou de suas fileiras quatro parlamentares que votaram contra a
proposta da reforma. Esse parlamentares juntamente com outros militantes petistas,
criaram o Partido do Socialismo e Liberdade, o PSOL. A partir daí iniciou um
processo de ruptura de vários servidores com a CUT.
Para nós, marxistas, as organizações de massas são transitórias, segundo
Arcary (2011), um instrumento ao serviço de aprendizagem dos limites da estratégia
reformistas – e merecem ser defendidas tão somente, enquanto forem úteis para
lutar. Não temos nenhum fetiche por qualquer forma de organização. A CUT é hoje
uma espécie de “ministério do governo” de formação de burgueses, burocráticos e
corruptos, e isso não faz dela um polo de atração para os jovens ativistas e, mesmo
para os trabalhadores que há mais tempo se organizam na luta por seus direitos, já
causa repulsa.
58
4 AS JORNADAS DE JUNHO E A CRISE DE DIREÇÃO: SURGEM OS NOVOS
MOVIMENTOS
Ao longo dos anos 60, até o início dos anos 70, emerge em busca de
alternativas as lutas sindicais; tanto de orientações social-democrata quanto as
articuladas à união Soviética, ações de resistências e ofensivas dos trabalhadores,
que pautavam não só as demandas por melhorias salariais, mas também por ações
que contestavam a divisão hierárquica do trabalho, propostas de controle auto-
gestionárias, Chegando a recusar o do controle do capita e a defesa do controle
social da produção. Essas ações tinham como referência os processos
revolucionários, as ditaduras Militares e o Maio Francês de 1968. Segundo Antunes
(1999), essa ofensiva era consequência de ações que ocorriam fora e até mesmo
contra as organizações sindicais e os mecanismos de negociações políticos
instituídos no pacto Fordista-Keynesiano, ficando conhecido como “Movimentos
Autônomos”.
Entretanto, ainda de acordo com Antunes (1999), “As práticas auto
organizativas acabaram por se limitara ao plano microcósmico da empresa ou dos
locais de trabalho, e não conseguiram criar mecanismos capazes de lhes dar
longevidade”.
Foi nesse contexto que emergiu o aparecimento dos chamados “Novos
Movimentos Sociais”, como o movimento mundial de protesto contra a guerra dos
Estados Unidos no Vietnã, o Maio parisiense de 1968, os movimentos ecológicos,
urbanos, entre outros.
Mas é sobre o Maio Francês de 1968 que queremos centrar o nosso debate,
considerando que os movimentos que emergem no Brasil, a partir das jornadas de
junho, em muito se assemelham àquele contexto. O ano de 1968 foi marcado pelo
protagonismo do movimento estudantil nas grandes mobilizações sociais na Europa,
nos Estados Unidos e na América Latina. O que unificava o movimento nessas
diferentes regiões eram a campanha e a luta contra a intervenção norte-americana
no Vietnã.
Na França, a juventude estudantil em aliança com os trabalhadores
potencializou uma greve geral que parou o país. Entre os meses de maio e junho as
mobilizações foram marcadas por ações insurrecionais, em uma batalha em que
trabalhadores e estudantes se defendiam através de barricadas. Esse contexto fez
59
com que surgissem movimentos com um caráter também ideológico. Segundo
Duriguetto; Montaño (2011, p. 258-259):
O Maio Francês ajudou a abrir o caminho para que surgissem movimentos que levantaram político-culturais progressistas, como os feministas, os negros-Malcolm X, os panteras negras e Lute king, se manifestavam pelos direitos civis dos negros norte-americanos-, os ambientalistas, os movimentos contra a opressão homofóbica. As reivindicações variadas desses movimentos, como, por exemplo, do movimento feminista com o direito ao divórcio, a legalização do aborto, entre outros, encontraram reconhecimento legal, rápida ou lentamente, em inúmeros países.
Nos remetemos a partir de agora aos impactos políticos das manifestações
de Maio de 1968, no conjunto da crise global do capital na década de 1970, da crise
dos projetos societários social-democrata na Europa Ocidental e da crise do
“socialismo real”. De acordo com Lefebvre (1968 apud Duriguetto; Montaño, 2011, p.
261-262),
[...] as revoltas e as recusas de Maio de 1968 representaram, em grande parte, uma reação dos novos sujeitos sociais – principalmente dos estudantes – ao distanciamento das organizações/entidades de esquerda dos novos conteúdos reivindicativos dos anos 1960. Ou seja, maio de 1968 foi uma resposta à luta defensiva dos sindicatos, que sob a bandeira social-democrata, se integravam ao sistema, perdendo assim a dimensão de uma luta com potencial revolucionário e, também, uma demonstração do declínio da influência dos partidos comunistas disciplinados por Moscou, que não conseguiram se livrar da dogmática stalinista.
A classe trabalhadora, em especialmente a sindicalizada, após a segunda
guerra mundial, teve ganhos de produtividade que lhes garantiram aumento salarial,
e consequentemente, o acesso a bens de consumo duráveis. Essa situação foi
proporcionada pelo padrão de acumulo fordista e o regime de regulamentação
Keynesiano, dominantes nos países europeus ocidentais e nos estados Unidos.
Apesar das diferenças entre os países, os ganhos de produtividade que os
trabalhadores tiveram, representou a via política da pacificação do conflito de
classes levadas pelos dirigentes dos partidos comunistas e de esquerda e pelos
sindicalistas. Essa integração econômica e política da classe trabalhadora e de suas
60
direções partidárias e sindicais aos limites do que era ofertado pelos patrões e pelo
Estado Burguês, foi base do chamado “Compromisso fascista” (Duriguetto; Montaño,
2011). Além disso, mesmo com as críticas realizadas pelos próprios militantes dos
partidos e sindicatos, era comum o envolvimento de parte de seus integrantes na
burocracia do Estado.
Assim como no período de junho de 2013, aqui no Brasil, o maio de 1968
Francês, criou condições favoráveis para a influência do anarquismo, que nega
qualquer tipo de direção (como veremos adiante), e o fortalecimento do
autonomismo, que se caracterizam pela oposição à burocracia dominante nos
Estados contemporâneos, sejam eles capitalistas ou socialistas. Defendem a
descentralização do poder, a autogestão e a colaboração em rede, entre os que
estiverem dispostos a estabelecer novos modelos sociais, de modo que no futuro, a
sociedade possa superar os modelos considerados “autoritários”, ou seja, que
tenham a presença de um Estado, mesmo que este seja operário.
O longo ciclo recessivo do capitalismo a partir de 1970 e a crise da dívida
externa dos países latino-americanos lançaram as economias do continente a uma
fase recessiva, que, posteriormente, propiciou que esses países viessem a aderir ao
modelo neoliberal ditado pelo Consenso de Washington. Mesmo os regimes que
sucederam as ditaduras, chamados democrático-institucionais, deram continuidade
ou até mesmo iniciaram os programas de ajustes estruturais. É o caso Chile, que
deu continuidade, e do Brasil e da Argentina, que iniciaram.
Através da privatização das empresas públicas, da flexibilização da
legislação trabalhista, da abertura comercial, da redução orçamentária, da
privatização da seguridade social e da combatividade à organização sindical, todos
os governos aplicaram o projeto neoliberal, obedecendo assim, os ditames do
Consenso de Washington¹.
Tal processo foi um marco para a “institucionalização” do projeto de
dominação norte-americana em relação aos países latino-americanos, como afirmou
Álvarez (apud Montanõ; Duriguetto, 2011):
Esse momento marca a fase de institucionalização do novo sistema de dominação continental do imperialismo norte-americano, cujos três pilares fundamentais são: a) a afirmação de uma (controlada) “democracia representativa” como única forma de governo legítima; b) a aplicação do receituário neoliberal e o estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca); c) a repressão dos
61
movimentos sociais de protesto e resistência e o aumento da presença militar dos Estados Unidos no continente e de seu controle sobre as forças armadas da região.
Durante as décadas de 1970 e 1980, a articulação entre os movimentos
sociais na América Latina houve, propiciou uma resistência considerável por parte
deles, tendo em vista que formularam suas demandas a partir da diversidade das
questões econômicas e sociais produzidas a partir do novo projeto econômico. A
variedade das lutas (que tinham como origem comum a luta em oposição ao projeto
neoliberal), no sentido de suas diversas formas de resistência, demonstrou que o
extenso período de governos neoliberais e os níveis crescentes de exploração
criaram as condições objetivas para a mobilização dos movimentos sociais, que
desafiaram os regimes neoliberais e seus patrocinadores imperialistas.
No entanto, apesar da ampla frente de resistência à nova hegemonia
mundial, o Estado neoliberal também criou formas de contenção dos movimentos,
de acordo com Duriguetto; Montaño (2011, p. 295)
Governos afinados com a direita neoliberal vêm adotando políticas direcionadas a desativar o potencial de resistência dos trabalhadores através do desmantelamento de suas estruturas organizativas, a adoção de políticas sociais focalizadas, o incentivo à proliferação de ONG‟s, o fortalecimento da repressão policial e da criminalização jurídica das manifestações de protesto. Essas ações vêm afetando regressivamente os movimentos sociais dos trabalhadores nos países intermediários e subordinados, como é o caso dos países latino-americanos.
No contexto neoliberal, ganha mais visibilidade a diversidade de movimentos
que atuam na luta de classes e nas lutas sociais nos marcos das novas formas de
dominação e exploração. São diferentes composições, formas de organização e
objetivos que se desenvolveram desde a resistência - na luta contra as ditaduras -
até a implantação do neoliberalismo. Neste período, o que se observa é o processo
de resistência que envolveu os movimentos populares latino-americanos,
incrementado por formas distintas de protestos sociais, já apontadas por Duriguetto;
Montaño (2011), como greves, interrupção de ruas e avenidas, piquetes, construção
de redes nacionais, continentais e mundiais de movimentos populares, ações
dirigidas contra as reuniões da OMC, FMI, BM, OEA e demais instituições que
representam os interesses imperialistas. Além disso, também foram importantes
62
para o processo, a consolidação do Fórum Social Mundial e do Fórum Social das
Américas como espaços de articulação de movimentos e de lutas. Os confrontos
envolviam aspectos ideológicos da luta de classes, as lutas envolviam o acesso à
terra, à água, às fontes energéticas, à integridade dos territórios dos povos
originários e a luta pela autonomia dos povos.
Ainda é possível se observar lutas “tradicionais”, aquelas que ainda se
espelhavam nos velhos métodos da classe operaria na Venezuela, por exemplo, em
1989, houve insurreições no setor público (saúde e educação), que foram
constantes em vários outros países, focadas na rejeição às privatizações, às
demissões e pelo aumento salarial.
Na primeira década dos anos 1990, ocorreu uma série de lutas bastante
significativas como o processo de resistência aos Tratados de Livre Comércio em
países como o Equador, Peru, Colômbia e América Central; as mobilizações pela
nacionalização da água e do gás na Bolívia; contra a erradicação das plantações da
coca na Bolívia e no Peru; e as lutas contra o agronegócio.
No âmbito da América-Latina Já no final da década de 1990 e início de 2000,
as lutas e resistências desses diversos movimentos provocaram grandes
mobilizações de massa, verdadeiras insurreições que derrubaram vários
presidentes, em diversos países, que haviam implementado as políticas neoliberais,
mas que também passavam por envolvimento com casos de corrupção. Foi o caso
da Venezuela, em 1994; da Argentina e Paraguai em 1999; do Equador em 1997,
2000, 2002 e 2004; e Bolívia, em 2003 e 2005. Esse processo de ascenso, além de
ter derrubado vários governos, também se enfrentou com uma reação democrática
por parte da burguesia e do imperialismo, como resposta à luta de classes desde as
lutas contra a ditadura.
Essa reação democrática conseguiu recuperar, em certa medida, a solidez
dos regimes, em consequência ao papel que os governos de colaboração de classes
cumpriram. Entre estes governos, muitos eram novos, surgidos nas últimas décadas,
entre 1990 e 2000, como o PT no Brasil, o Chavismo na Venezuela, Evo Morales na
Bolívia, Correa no Equador, Lugo no Paraguai e a Frente Ampla no Uruguai; mas
também havia muitos governos antigos, como é o caso de Cristina Kirchner na
63
Argentina, eleita em outubro de 2007, que se mostrou uma nova versão do
peronismo8.
Tais governos apoiaram-se tanto no prestígio que ganharam com uma
postura de oposição ao plano Bush e ao neoliberalismo, como em uma mudança na
política do próprio imperialismo a partir da eleição de Barack Obama.
Apesar de terem contido e desviado o ascenso, esses governos não foram
capazes de derrubá-lo. Utilizaram-se do longo período de crescimento das
economias dos países, fruto da fusão da subida das commodities com o crescimento
do consumo nos países, para fazer concessões econômicas relativas, dirigidas aos
setores mais pobres, e a cooptação das direções dos processos de massas – a
CUT, no Brasil, a CGTP peruana, as organizações camponesas e centrais
paraguaias, as mães, Moyano e CTA na Argentina (Duriguetto; Montaño, 2011)
O imperialismo não ficou estagnado, realizou investimentos em alguns
ramos da produção: mineração, petróleo, agronegócio e madeira, a serviço da
exploração de recursos naturais, mas também automotivos e outros setores ligados
ao consumo interno.
No contexto da década de 2000, houve nos países periféricos, relativo
crescimento econômico e concessões a setores das burguesias nacionais, abriu-se
um espaço para crescimento da classe operária. Diferente da década de 1990 - em
que se tinha expulsado a mão-de-obra - milhões de jovens conseguiram emprego,
muitos deles, em fábricas. Os trabalhadores se fortaleceram junto com a juventude,
que havia protagonizado o ascenso, e também com a grande afluência de mulheres
para a produção, parcela que cresceu muito nos setores operários dos últimos anos.
Porém, as concessões, apesar de consideradas medidas progressivas, foram
apenas conjunturais. No geral, a colonização, como uma das formas de dominação
do imperialismo, prosseguiu e se arraigou, estabeleceram-se distintos Tratados de
Livre Comércio (TLC), e se manteve e aprofundou a “estrangeirização” das
economias ocorrida nos anos 1990.
A maioria dos países da América Latina assimilaram as políticas
imperialistas, combinando seus planos econômicos com medidas de ajustes
modificando as legislações em benefício das multinacionais. Dessa forma, os
8 Peronismo é a denominação dada genericamente ao Movimento Nacional Justicialista, criado e liderado a partir do pensamento de Juan Domingo Perón, militar e estadista argentino, presidente daquele país, eleito em 1946, 1951 e 1973. (WIKIPEDIA, 2013)
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empregos criados tinham o mesmo perfil da década de 1990: precarizados, sem
direitos, com menores salários menores e redução de conquistas legais no âmbito
das relações trabalhistas e direitos sociais.
A imensa entrada de capitais estrangeiros nos países latino-americanos não
foi utilizada para reverter a crise histórica de infraestrutura dos países. A construção
de enormes centros comerciais nas capitais se combinaram com transporte caótico,
queda dos parâmetros de saúde e educação, além de serviços públicos cada vez
mais deficientes. A transformação do campo a serviço do agronegócio provocou
migrações camponesas que superpovoaram, ainda mais, as já saturadas periferias
das grandes cidades, agravando os problemas da população e levando setores
crescentes à miséria e à marginalidade.
A partir da crise de 2009, houve um processo de aproximação com os
setores da direita por parte dos governos latino-americanos. Intensificaram-se os
ajustes dos trabalhadores públicos e dos serviços essenciais, aprofundaram-se as
medidas de entrega dos recursos. A partir disso, houve um aumento dos ataques
aos movimentos de massas, a criminalização dos movimentos sociais, a retirada de
direitos sindicais e reformas eleitorais que restringiam as organizações de esquerda.
Nesse cenário, cresceram as contradições nas economias, iniciou-se um
processo de desprestígio dos governos, incialmente em um pequeno setor e, depois,
chegando a atingir as massas. Este é um processo contraditório porque, à medida
que as massas passem a “repudiar” esses governos, não encontram do outro lado
uma nova referência política.
Essas contradições foram preparando as condições para o ascenso que
aconteceu em junho deste ano. Iniciando com um levante operário e popular,
marcado pelo retorno das greves gerais e das mobilizações de massas. Trata-se de
um ascenso desigual, que não compreende toda a América Latina, como é o
exemplo dos países da América Central, que ainda não “entraram”, apesar de a
tendência apontar para um nível de adesão cada vez maior.
No Brasil uma mobilização democrática, juvenil e popular, com elevada
participação de mulheres, composta de um componente operário disperso na
massa, saiu às ruas para enfrentar a deterioração de suas condições de vida.
Mesmo sem estar em uma crise econômica desatada, a inflação, o nível de
endividamento, o alto investimento nos projetos para a Copa Mundial de Futebol, o
caos do transporte, da educação e da saúde, levaram milhões de pessoas em
65
centenas de cidades do país a realizarem as maiores passeatas ocorridas desde as
diretas, em 1984 (ARCARY, 2013). As manifestações derrotaram a primeira tentativa
repressiva do governo, enfrentando a polícia nas ruas e ganhando o conjunto da
opinião pública, o que obrigou a força do estado a retroceder com a repressão e
fazer concessões ao movimento de massas.
Nesse sentido, a discussão se aprofundará em relação às características do
que se escolheu chamar de “Jornadas de Junho” no Brasil, apegando-se às suas
características essenciais, relacionando-as com a crise de direção política que
assola a esquerda, e impulsiona o fortalecimento dos novos movimentos no país.
De acordo com Antunes (2013), as manifestações começaram no dia seis
(06) de junho deste ano, em São Paulo com uma média de duas mil (2.000) pessoas
que se reuniam em torno de uma pauta em comum: contra o aumento de vinte
centavos (R$ 0,20) na passagem de ônibus. Na ocasião, os manifestante sofreram
uma dura repressão da Polícia Militar à mando do governo do Estado. A repressão
violenta, ao contrário de fazer refluir a mobilização agregou um elemento
democrático que teve um enorme peso naquele momento. Gerou uma comoção não
só no Estado de São Paulo, mas em todo o país. Os protestos tornaram-se eram
convocados pelas redes sociais, espontaneamente e se tornaram multitudinários, no
seu auge reuniu dois milhões de pessoas no conjunto do país.
No entanto, a luta contra o aumento da passagem era apenas uma
expressão da insatisfação com as condições de vida que havia em parte da
população. A juventude foi protagonista do movimento de massas, atuou como o
polo mais avançado. Antunes (2013) afirma:
Para mim, é preciso entender a causalidade desse movimento, passando por três ou quatro pontos que me parecem centrais. O primeiro é uma causalidade interna, motivada, digamos, pela percepção de que o projeto que vem se desenvolvendo no Brasil desde a década de 90 (com FHC, depois levemente alterado, mas não substantivamente, pelos governos Lula e Dilma), voltado ao desenvolvimento capitalista financeirizado e mundializado, sedimentado em privatizações, superávit primário e desregulamentação dos capitais, portanto, tendo os fluxos de capitais como modus operandi, causou, ou vem causando, profundo mal-estar social. E podemos dizer que tal processo de desenvolvimento chegou à sua exaustão. A população não suporta mais o transporte privatizado, a saúde precarizada, degradada e também privatizada, o ensino público profundamente degradado, abandonado e privatizado. Uma tragédia, porque o ensino público básico é degradado e abandonado, ou privatizado. À exceção das escolas da elite, o
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ensino privatizado é caro e de má qualidade. Naturalmente, isso só não vale para as escolas das classes médias e altas das grandes capitais.
É importante destacar quatro elementos dessa conjuntura, quais sejam: a
desaceleração da economia combinada com a inflação; a percepção da população
dessa realidade econômica, que começou a afetar a “sensação de bem estar”; o
levante do movimento de massas, tendo as mobilizações da juventude contra o
aumento dos transportes como centro; e a Copa das Confederações, ampliando o
bonapartismo e a repressão dos governos.
A desaceleração da economia começa a se combinar com as contradições
crescentes que começam a agregar elementos de instabilidade, como a inflação e o
déficit comercial.
Apesar de não existir recessão, nem descontrole inflacionário, já era
possível perceber esses elementos (ARCARY, 2013). A inflação, por exemplo, que é
responsável pela diminuição do poder de compra dos salários, que já eram baixos, e
se tornam ainda mais reduzidos pelas dívidas crescentes acumuladas pelas famílias
através do amplo acesso ao crédito. Principalmente, este fator começa a ser sentido
por um setor da população.
A “sensação de bem-estar” (vide em 3.1), que era base de apoio para o
governo, passou a ser afetada. Reafirmamos que a percepção dos problemas
econômicos foi um dos principais elementos favoráveis às grandes mobilizações.
Como já dissemos, o aumento da tarifa foi apenas um elemento da
insatisfação, que não foi apenas pela dimensão do reajuste, mas pelo conjunto da
situação. Na medida em que ia se perdendo a sensação de bem estar,
principalmente, em decorrência do endividamento das famílias, emergiu um
desconforto com os alimentos caros, com as péssimas condições da saúde e
educação, com os preços dos alugueis e, obviamente, com o próprio transporte
“público”, que além de privatizado, é absurdamente caro.
Desde 2012 havia um aumento considerável do número de greves, que
envolviam lutas de setores importantes do funcionalismo público contra governos
municipais, estaduais e federal. Contudo, o ascenso do movimento de massas de
junho de 2013, teve a juventude no protagonismo. Esse setor atuou em grande
escala e como expressava uma insatisfação do conjunto da população, ganhou o
67
apoio das massas, mesmo com a ofensiva midiática, que se postulava contra os
movimentos e reproduzia a campanha (junto com governos) contra o vandalismo.
Acontecia no país, entre junho e julho a Copa das Confederações de
Futebol. O evento incidiu diretamente na conjuntura e também favoreceu as
mobilizações. Por um lado, ampliou o sentimento de exclusão pela remoção das
comunidades (aquelas que foram atingidas pelas grandes obras para a copa), pelo
preço altíssimo dos ingressos e pelos mega investimentos que estão sendo feitos
nos estádios. Antunes (2013) afirma que a população despertou para a simbiose que
existe entre a FIFA, os interesses transnacionais e os governos:
Iniciamos uma fase de fim da letargia. Aconteceu e aí entra o segundo elemento, numa conjuntura muito específica: a explosão das manifestações foi marcada pela Copa das Confederações, quando a população percebeu que estádios de primeiro mundo o Brasil faz; enquanto isso, já no entorno dos estádios, a população é excluída. Todos vimos durante a “Copa das Rebeliões” que os pobres e negros não estavam presentes nos estádios. Estavam vendo os jogos nos estádios as classes médias e as camadas abastadas. Os que construíram o país nestas últimas duas décadas ficaram excluídos. Até mesmo do entorno do estádio, já que o comércio oficial da Copa expulsou a população que poderia explorá-lo, os camelôs, os „bicos‟, aquele pequeno comércio que, para muitas pessoas, é a sobrevivência, a fim de se colocar somente aquilo que a FIFA impunha. A população percebeu que há uma simbiose complexa entre FIFA, interesses transnacionais e governo. E as prejudicadas, quem sofreu e vem sofrendo com tal processo, são as camadas populares. Isso fez com que houvesse, a cada jogo, uma ou muitas manifestações, muitas rebeliões, com muita conflagração, onde a população mostrava seu completo e cabal desconforto.
Em matéria publicada no sitio da Uol9 a Secretaria Extraordinária de
Segurança de Grandes Eventos (SESGE), divulgou que as manifestações
populares, realizadas nas seis cidades-sede do torneio, reuniram oitocentas
sessenta e quatro mil pessoas (864.000). Por outro lado, a Copa reforçou o
elemento repressor dos governos, que primavam pelo tentativa de se manter a
“ordem” no país. Na mesma matéria, a SESGE, informou que foram convocados
cinquenta e quatro mil e setecentos e trinta e quatro (54.734) agentes de segurança,
9 UOL. Protestos na Copa das Confederações reuniram 864 mil pessoas. Rio de Janeiro, 02 jul. 2013. Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/02/protestos-na-copa-das-confederacoes-reuniram-864-mil-manifestantes.htm>. Acesso em: 15 nov. 2013.
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para o evento. Foi o maior esquema de segurança já mobilizado para um evento
realizado no Brasil. Porém, o componente repressivo, se voltou contra os governos,
quanto mais aumentava a repressão, mais as mobilizações ganhavam o apoio
popular, que apesar de não ser unânime, era majoritário. A luta contra o aumento
das tarifas no transporte se associava cada vez mais à luta contra a repressão, pela
democracia.
As jornadas de junho tomavam uma proporção inesperada, repercutia,
inclusive, internacionalmente. Trinta e oito (38) de fora do país marcaram
mobilizações contra a repressão e em apoio ao Brasil.
A evolução das mobilizações fez com que os governos recuassem com a
política de repressão. As manifestações eram transmitidas ao vivo na TV aberta, e a
evidência era de que a polícia provocava a violência. Além do apoio popular, houve
também o aumento da quantidade de manifestantes. Essa foi a primeira vitória da
luta. A repressão, naquele momento, foi derrotada politicamente e os governos de
diferentes partidos passaram da linha repressora à reação democrática. Além da
revogação dos aumentos das tarifas do transporte em todo o país, inúmeras
concessões foram feitas: o congresso votou o aumento das verbas para a educação
e saúde e derrubou a PEC 37, para não falar na conquista do Passe-Livre em
diversas cidades do país.
Contudo, a principal vitória do movimento foi o avanço da consciência das
massas. Setores da população que sempre se submeteram à exploração e à
opressão de todo o tipo, passaram a reconhecer a luta como principal instrumento
para alcançarem as suas reivindicações.
As jornadas provocaram uma intensa politização e a fomentação de novos
organismos de luta e mobilização. Os exemplos mais concretos foram as
assembleias populares de Belo Horizonte, o Fórum de lutas do Rio de Janeiro, o
Bloco de Lutas em Porto Alegre, e até mesmo a Revolta do Busão em Natal. Essas
assembleias populares organizaram várias manifestações que reuniram milhares de
pessoas. A desconfiança e o questionamento aos partidos e sindicatos, eram
características dos novos organismos. De acordo com Iturbe (2013), em um artigo
publicado na Revista Correio Internacional:
69
Todas têm em comum uma crítica progressista sobre as limitações estruturais do sistema de representação da democracia eleitoral burguesa, seus partidos corruptos e suas eleições de cartas marcadas, que são bancados pelo grande capital, e buscam construir a partir da luta, outra espera de representação de unidade de ação, transformando em organização e em um programa que expresse a força política espontânea que vem das ruas. (ITURBE, 2013).
A ofensiva das massas incluía um choque com as instituições do regime
democrático burguês. A reivindicação do horizontalismo (espécie de princípio para
os novos organismos) é uma das expressões da rejeição aos partidos e sindicatos.
Uma consequência do leste europeu e, no caso brasileiro, do PT e da CUT. Sobre o
rechaço às organizações sindicais, Antunes (2013), afirma:
Das centrais sindicais que participaram, muitas são completamente atreladas aos projetos do governo e é difícil para a população entender como elas, que apoiam mais ou menos o governo (com a exceção clara da CONLUTAS e do movimento IINTERSINDICAL), tornam-se, de repente, parte de um movimento de clara oposição a todos os governos. [...] O problema da estrutura sindical, formalmente atrelada ao Estado e burocratizada, deve ser adicionado a outro elemento central: o problema é das direções sindicais que aceitaram os chamamentos do governo lulista, aceitaram o caminho da servidão voluntária; lutaram e bateram palma para a extensão do imposto sindical às centrais, essa verdadeira aberração do sindicalismo, criado pela ditadura varguista, mas que gera muito dinheiro. Direções estas que acreditaram no projeto lulista. O que vemos, na realidade, é que a cúpula das centrais, por problema de sua estrutura e, essencialmente, por suas concepções políticas, sindicais e ideológicas, altamente burocratizadas, submersas e atoladas no que já chamei de sindicalismo negocial de Estado, vive um momento difícil.
Estava se expressando no Brasil uma das consequências do leste europeu
no retrocesso das massas. A inexistência de sociedades não capitalistas e a ação
das direções reformistas levam a um horizonte estratégico e limitado à própria
democracia. Mesmo com os questionamentos ao regime democrático burguês, as
perspectivas não avançam para além dele. Apesar do repúdio aos políticos, não só
as massas, mas também a vanguarda, tinham como horizonte somente a
radicalização da democracia. É como se houvesse uma esperança em políticos
melhores, em regimes mais democráticos. Não está claro que existe uma alternativa
ao regime democrático burguês, que é a raiz dos problemas que assolam a nossa
sociedade.
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Em certa medida, esse sentimento de rechaço aos partidos, é progressivo.
As pessoas entendem a política como sendo somente a atuação dos partidos
majoritários, que constantemente se envolvem em escândalos de corrupção e
desvio de dinheiro. Aqui no Brasil, o maior peso é pelo “desencantamento” com o
Partido dos Trabalhadores. Já que este um dia se postulou como uma organização
de esquerda, que combatia todos esses “aspectos negativos” da política, mas que
hoje, em nada se diferencia dos partidos “tradicionais”.
Por outro lado, o sentimento “anti-partido” não é nada progressista, muito
pelo contrário, é extremamente reacionário. A ideia de que todas as organizações
políticas são iguais, só se encaixa no senso comum. Se todas as organizações
políticas fossem iguais, nenhuma delas estaria nas assembleias que organizam as
lutas, não gastariam tempo e dinheiro elaborando materiais e iniciativas em apoio
aos movimentos. Outra ideologia, também reacionária, amplamente difundida entre
esses movimentos, é a de que o poder não importa: o anarquismo (Canary, 2011).
Essa tese defende que a luta política é por si só corruptora e fonte de degeneração,
e a tarefa para os lutadores seria a construção de um contra-poder ou um não
poder. Sobre isso, Canary (2011) afirma:
Todas as transformações sociais importantes se deram por meio de revoluções de massas. Todas as revoluções de massas colocaram não apenas a questão da destruição ou derrubada do poder, mas também da sua conquista. Aqueles que, diante do poder, se negaram a tomá-lo, afastaram-no de si como um cálice envenenado, não fizeram mais do que conduzir o movimento à derrota e preparar a contraofensiva do inimigo. O Estado, e portanto o poder e a política, não são uma arbitrariedade, fruto da imaginação macabra das pessoas, mas a expressão inevitável da divisão da sociedade em classes sociais antagônicas. Fazer uma revolução social não significa ainda acabar com esse antagonismo, nem nacionalmente, nem muito menos internacionalmente. Portanto, a tomada do poder (e não apenas a sua derrubada, a sua negação) continua sendo a tarefa daqueles que querem vencer.
As bandeiras negras voltaram a tremular durante as jornadas de junho. Em
função das características da vanguarda que se forjou a partir da década de 1990, a
partir da derrota do socialismo, do vendaval oportunista que soprou sob a esquerda
e “transformou” diversos partidos da classe operária e do ascenso neoliberalista que
fez agudizar, o individualismo na sociedade, as correntes anarquistas encontraram
as condições propícias para o seu desenvolvimento a partir da defesa da ausência
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de direção. Dessa forma, voltou a ser uma referência política para muitos jovens,
que desiludidos com os partidos, se identificaram com os ideais libertários e se
convenceram que por esses, valeria a pena lutar.
O anarquismo se caracteriza pela luta contra o Estado, acreditam que este
enquanto uma instituição política que concentra todas as funções de governo,
administração e repressão na sociedade, é o responsável pela falta de liberdade do
homem. E que as suas forças armadas, suas escolas, suas leis, seus impostos, sua
religião oficial, é a fonte de toda a injustiça, desigualdade e miséria em que vivemos.
Nesse sentido, a principal tarefa que os lutadores teriam seria a abolição do Estado
por completo e a instauração do auto-governo da população em geral e de cada
indivíduo em particular. Defendem uma sociedade organizada em comunas livres,
ou seja, sem a divisão por Estados nacionais centralizados. Essas comunas seriam
comunidades de caráter local, independentes umas das outras, sem que estivessem
submetidas a um comando geral. Cada uma teria sua forma de produção e
distribuição de riquezas (Canary, 2013). Além de renegarem qualquer tipo de
Estado, inclusive a hipótese de um controlado pelos trabalhadores, eles renegam
também os partidos políticos da classe operária. Segundo Canary (2013), as
correntes anarquistas defendem que “todo partido é uma estrutura vertical,
organizada nacionalmente, e portanto oposta ao ideal de liberdade e auto-governo
inerente ao anarquismo. Assim toda ação do povo deve se dar de maneira auto-
organizada, sem uma direção específica”. De acordo com Bakunin (2013)
O Estado não é nada além de dominação e exploração regularizadas e sistematizadas. Devemos tentar demonstrar isto examinando as consequências de um governo voltado para as massas e formado por uma minoria, a princípio tão inteligente e devota quanto gostariam, em um Estado ideal, fundado em contrato livre.
A situação política que vive o Brasil a partir de junho de 2013, inclusive a
influência anarquista, não está deslocada do que vinha acontecendo no resto do
mundo. Na verdade abriu-se no último período uma nova situação mundial, desde
2011, que se concretizou a partir das revoluções Árabes e de seus triunfos, do
acirramento dos efeitos da crise econômica mundial e dos planos de austeridade
implementados pelos governos, principalmente, os europeus. Esses processos
foram suficientes para despertar em diversos países protestos multitudinários e uma
infinidade de novos movimentos, muito semelhantes aos brasileiros.
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Em Madri, milhares de jovens estudantes, desempregados, imigrantes e
trabalhadores (em menor quantidade) se reuniram e ocuparam a Plaza del Sol, a
exemplo do que fizeram os jovens egípcios na Praça Tahir, no Cairo. O Chile foi
palco para a retomada do protagonismo do movimento estudantil – a juventude
estudantil em uma luta que durou mais de um ano contra o governo, por reformas na
educação. Na Inglaterra, o assassinato brutal de um jovem da periferia fez explodir
uma verdadeira revolta popular. Carros e estabelecimentos comerciais foram
incendiados, cerca de mil e seiscentas (1.600) pessoas foram presas. O Occupy
Wall Stret, nos Estados Unidos, se tornou uma referência de luta em virtude de seus
atos cada vez mais radicalizados, como foi o caso da ocupação do porto de
Oakland, na Califórnia.
Em artigo publicado em novembro de 2011, Canary (2011) já apontava
algumas características desses movimentos. Entre elas a criação de espécies de
marcas/slogans que refletem o caráter espontâneo das mobilizações: “Somos 99%!
Nos Estados Unidos, os Indignados da Europa, a inconfundível máscara do
Anonymous por todo o mundo, Democracia Real Já! Na Espanha, Geração à Rasca
(em perigo) em Portugal e um longo etc.” (CANARY, 2011).
Os novos movimentos refletem o contexto histórico que vivemos. Atos são
marcados pelas redes sociais (principalmente via Facebook), cartazes feitos em
casa com frases irreverentes, além de evidenciar o caráter espontâneo, deixam claro
também a criatividade e inovação nas formas de luta.
Logo depois dos primeiros atos, foi divulgada uma análise no portal da
internet do G1, uma análise feita a partir da comparação entre dos protestos no
Brasil e a Occupy Wall Stret nos EUA. Apesar de algumas divergências, alguns
parâmetros e caracterizações apontados merecem destaque. Fazem esta análise
com base à três (03) aspectos: os motivos, a demografia e os resultados das
mobilizações. Concluem que as manifestações brasileiras se assemelham muito
mais ao Occupy Wall Stret, realizado em Nova York, do que com a Primavera Árabe
que aconteceu contra os governos repressores.
Essa relação é baseada na pauta das reivindicações. No Brasil, diferente
dos países árabes, as pessoas foram ás ruas, primeiramente, reivindicando
melhores condições de vida, depois com o elemento da repressão, entrou o aspecto
democrático.
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As semelhanças com o Occupy Wall Stret vão além, segundo a Revista
Bloomberg, ambos começaram a partir de um descontentamento da classe média e
com demandas específicas: no Brasil o aumento da tarifa do transporte público, e
nos EUA os excessos do Wall Stret. Logo depois, ambas passaram a tratar de
diversas reinvindicações. Nos EUA, tudo entre custo da saúde até política entre
palestinos e israelenses. No Brasil, a saúde, a educação, segurança, corrupção e os
gastos públicos com a copa do mundo.
A repressão é colocada como um elemento favorável à mobilização.
Segundo o portal do G1.com (2013):
Os protestos se espalharam rapidamente e sua novidade também é importante, já que o Brasil não tem um histórico recente de manifestações políticas, como na Argentina, Venezuela e até o Chile. O uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha por policiais inexperientes no controle da multidão levou ainda mais manifestantes às ruas. Deste modo, os protestos se tornaram um fenômeno nacional, levando políticos a realizarem concessões, como a diminuição de tarifas no Rio e em São Paulo.
Já a Folha de São Paulo (2013), em 14 de julho de 2013, divulgou uma
pesquisa realizada por Murilo Machado, um raro trabalho sobre a rede de ativistas
cibernéticos, os Anonymous. Segundo a pesquisa, o movimento em nada tem a ver com
os conceitos tradicionais da política ou do senso comum. Se apresentam, por exemplo,
como um grupo horizontal, sem líderes ou dirigentes. Organizam atos por todo o país,
principalmente no dia da Independência, em que o principal mote é a Marcha Contra a
Corrupção (MCC). A divulgação das suas iniciativas são feitas essencialmente através
das redes sociais, blogs e sites.
É fundamental analisarmos essas características para revelar a influência da
vanguarda que se forjou durante a década de 1990, com a influência da derrota do bloco
socialista no leste europeu e também com o ascenso do, então, novo projeto
hegemônico mundial do capitalismo.
O princípio da horizontalidade - que rompe com a verticalidade das
organizações tradicionais e, principalmente com a democracia operária, da autonomia,
nada mais é do que a influência do neoliberalismo, que defende, em sua essência, a
liberdade individual e a busca pela conquista dos direitos dos indivíduos, acima dos
interesses do coletivo. A mobilização feita através da internet e a política do consenso ao
invés da democracia operária, mostra que para além da renovação, houve uma ruptura
74
com os métodos tradicionais da classe operária. Contudo, o mais preocupante nessa
nova vanguarda é a falta de perspectiva em relação à transformação social. A luta contra
a corrupção não rompe com o regime democrático burguês. Pelo contrário, é a luta pela
sua manutenção através da renovação da sociedade capitalista. Segundo Canary
(2011),
Um dos desafios centrais desses novos movimentos é a adoção de um programa claro de luta. Mas não estamos falando de qualquer luta e sim daquela que realmente decide: a luta contra o capitalismo. Até agora, infelizmente, por radicais que sejam na forma, as propostas destes movimentos se mantém nos marcos do sistema.
A luta por democracia ou por democracia participativa com novos
instrumentos de inclusão, não resolve os problemas da nossa sociedade. Isso
porque o problema fundamental é o caráter de classe da democracia. Esta atende à
dominação de uma classe sobre a outra, tem como instrumentos de sua própria
manutenção a forças repressoras e assassinas que se baseiam em leis, que
também tem caráter de classe, que condena e criminaliza a pobreza. É, de fato, uma
democracia burguesa. Canary, usa o exemplo do Movimento Democracia Real Já!
da Espanha, para discutir sobre esses limites:
Um exemplo prático dessa concepção de democracia de alta intensidade é o movimento Democracia Real Já! na Espanha, cujo programa não fala uma única palavra sobre o fim da monarquia, nem sobre a autodeterminação das nações oprimidas pelo Estado espanhol, nem sobre a expropriação dos grandes bancos e monopólios espanhóis. O que esta nova democracia tem de real ou de alta intensidade então? Em quais instituições este novo modelo democrático se baseará? No atuais parlamentos nacionais? No Parlamento Europeu? Mas os trabalhadores gregos já estão recebendo uma dura lição sobre estas instituições: milhões lutam contra os planos de austeridade, enquanto o governo e o parlamento grego permanecem de joelhos diante dos bancos alemães. A verdade é que a democracia burguesa não pode ser reformada, intensificada ou radicalizada. Ela deve ser destruída e substituída por um regime político absolutamente distinto, não em sua forma, mas no seu conteúdo de classe: uma democracia operária, baseada nas organizações da classe trabalhadora. (CANARY, 2011)
Mas reafirmamos que esse debate não se esgota nos limites da luta pela
democracia. O elemento forte da influência anarquista também tem um peso
importante. Pois ao serem contra qualquer tipo de Estado e a qualquer tipo de
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direção, retardam a luta das massas diante da possibilidade da tomada do poder. O
que queremos dizer é que a ideia de que a destruição do Estado, enquanto um
instrumento de uma classe social, não se dará sem que antes sejam destruídas as
condições sociais e econômicas que levaram ao seu aparecimento. Em miúdos: ao
se abolir o Estado por simples decreto, continuarão existindo a propriedade privada
e a desigualdade, portanto, seu reaparecimento será inevitável. Pois, entendemos
que a existência do Estado se dá em virtude da dominação econômica de uma
classe sobre a outra. Portanto, ele serve para assegurar leis e instituições que
assegurem esta dominação. Para nós, marxistas, o mal da sociedade é propriedade
privada dos meios de produção e a existência do Estado como produto disso.
Acreditamos que a dissolução do Estado em comunidades livres, auto-
organizadas, corresponde ao início da fase comunista de desenvolvimento da
sociedade, como sustentou Trotsky (2005):
A base material do comunismo deve consistir em um desenvolvimento do poder econômico do homem de tal modo que o trabalho produtivo, deixando de ser uma carga e um incômodo, não tenha a necessidade de qualquer coação; nem existam outros controles sobre a distribuição, além da educação, do horário, do hábito e da opinião pública, exatamente como é hoje em uma família abastada. É necessário, para falar francamente, uma grande dose de estupidez para considerar como utópica uma perspectiva, em definitivo, tão modesta.
Sabemos que a abolição do Estado será consequência de uma luta lenta e
gradual, só se dará mediante o desaparecimento das bases materiais que o
originou, isso corresponderá a libertação definitiva de toda a humanidade (CANARY,
2013).
É necessário que esses novos movimentos se aproximem cada vez mais da
classe trabalhadora, é importante que a velha e a nova geração se encontrem e
troquem experiências. Os novos adotando os métodos tradicionais e se enriqueçam
com a experiência dos velhos combatentes operários. Simultaneamente, é
necessário que o movimento operário se rejuvenesça com a criatividade e
irreverência dos novos.
Entendemos que a luta contra o capitalismo, suas injustiças e opressões só
poderá ser vitoriosa se a classe trabalhadora se postular como verdadeiro sujeito
revolucionário, pois é ela que detém a alavanca da sociedade, que gera riqueza para
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ser consumida e que movimenta a economia. É necessário que o movimento de
massas retome a perspectiva da transformação social, da construção de um novo
mundo e da destruição total do capitalismo.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde 2011 que a situação política internacional mudou. A Primavera Árabe,
a crise econômica, e os planos de austeridade impulsionaram a politização e o
surgimento de novos movimentos, com características peculiares e formas inovadas
e irreverentes de mobilização, que contagiou e inspirou jovens de todo o mundo.
Enquanto isso no Brasil vivíamos um longo período de letargia, há vinte anos não
víamos grandes mobilizações, um tempo de aparente tranquilidade, uma situação
relativamente estável sob o governo de colaboração de classes. Nos meios de
comunicação as campanhas midiáticas do governo apresentavam aspectos positivos
no âmbito das conquistas e avanços das políticas sociais e de enfrentamento da
pobreza. Revelando a mudança para melhor nas condições de vida da população
brasileira, a qual passara a gozar de maiores oportunidades e acesso. Há alguns
meses muito dificilmente alguém poderia imaginar que os ventos árabes e europeus
chegariam até o país que vai sediar o Campeonato de Futebol Mundial, no próximo
ano, no país em que está à frente do governo um partido de “esquerda” forjado na
luta e nos sonhos dos trabalhadores que combateram a ditadura militar nas décadas
de 1970 e 1980, no país em que o governo federal tinha setenta por cento (70%) de
aprovação.
A pauta centrada nas tarifas dos ônibus era apenas a expressão do
descontentamento da população com as condições de vida. Ao se tornarem
multitudinários, os protestos de tornaram muito mais amplos, os manifestantes
passaram a reivindicar saúde e educação, principalmente. As contradições do Brasil
de 7ª economia do mundo e a 84ª no índice de desenvolvimento humano estavam
cada vez mais claras.
A política econômica implementada pelo governo federal responsável pelo
investimento de quarenta e quatro por cento (44%) do orçamento no pagamento da
dívida externa e de apenas um por cento (1%) nos gastos com os transportes, três
por cento (3%) nos gastos com a educação e quatro por cento (4%) nos gastos com
a saúde, fizeram com que principalmente a juventude fosse às ruas dizendo que a
luta não era apenas por R$ 0,20 (aumento da tarifa), mas sim contra a situação da
saúde e da educação, pelo repúdio aos gastos que estão sendo feitos nas grandes
obras da Copa do Mundo de 2014 e em repúdio, também, aos esquemas de
corrupção que envolvem o sistema político e os seus representantes.
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Contudo, apesar de entender que a realidade econômica do país foi
imprescindível para que “estourasse” aqui as grandes mobilizações, este trabalho
teve um principal objeto para investigação: a vanguarda juvenil e popular que foi
protagonista das jornadas de junho. Este segmento atuou em grande escala e por
expressar uma insatisfação do conjunto da população, ganhou o apoio das massas,
mesmo diante da campanha midiática que, inicialmente, se postulava contra as
mobilizações e junto com os governos propagandeavam o “vandalismo”. Mais uma
vez os governos tiveram que mudar a sua postura, além de revogar em quase todas
as cidades do país os aumentos das tarifas do transporte. Em poucos dias o Senado
aprovou aumento de verbas para saúde, a proposta da PEC 37 apresentada pelo
próprio governo foi rechaçada e o passe-livre foi conquistado em diversas cidades.
Setores da população que sempre se submeteram à exploração e à
opressão de todo o tipo, passaram a reconhecer a luta como o principal instrumento
de suas reivindicações. Essa foi uma vitória importante para o movimento.
As jornadas de junho além da politização, impulsionaram a formação de
novos organismos de luta e mobilização. Esses organismos reuniam milhares de
pessoas em assembleias populares que organizaram nas lutas. As principais
características desses organismos refletiam o conjunto da juventude que foi às ruas:
a rejeição aos partidos, e até mesmo aos sindicatos, a reivindicação do
horizontalismo e a ruptura com os métodos tradicionais da classe operária.
A inexistência de sociedades não capitalistas e a ação das direções
reformistas levaram a vanguarda à um horizonte estratégico limitado à própria
democracia burguesa. Mesmo que o regime democráticos burguês fosse
questionado, as perspectivas não avançavam para além dele. Apesar do repúdio
aos políticos, não só as massas, mas também a vanguarda, tinham como horizonte
somente a radicalização da democracia. Não está claro que existe uma alternativa
ao regime democrático burguês, que é uma das raizes dos problemas que assolam
a nossa sociedade. Expressou-se no Brasil uma das consequências do leste
europeu, provocada pela restauração capitalista no Estado Operários.
As condições que se formaram foram propícias para a influência de
variantes com inspiração no anarquismo. Em virtude das características dessa
vanguarda que se forjara a partir da década de 1990, a partir da derrota do
socialismo, do vendaval oportunista que passou pela esquerda e “transformou”
diversos países da classe operária e do ascenso neoliberal que fez vislumbrar o
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individualismo da sociedade, foram dadas as possibilidades para o desenvolvimento
das correntes autonomistas, a partir da defesa da inexistência de direção. Voltou a
ser uma referência política para os jovens que estavam desiludidos com os partidos
e se identificaram com os ideais libertários.
No entanto, a falta de direção política mostrou seus limites na prática.
Apesar da enorme disposição de luta, dos métodos radicalizados e do sentimento
progressivo de repúdio à institucionalidade do regime democrático-burguês, as
jornadas de junho esbarram na sua característica mais impressionante. Após
revogado o aumento das tarifas de transportes e de algumas outras conquistas
pontuais, as mobilizações massivas refluíram, não foram capazes de dar seguimento
a uma pauta que avançasse progressivamente na luta por reformas, nem tampouco
na disputa de poder.
São vários os elementos que justificam o refluxo das mobilizações massivas
(ainda que a situação política não tenha retornado ao mesmo patamar de antes de
junho de 2013), no entanto, identificar que a espontaneidade não conseguiu avançar
após a revogação dos aumentos é inescapável. Além das condições objetivas, a
política dos governos e da burguesia de tentar sufocar o ascenso com argumentos
democráticos (do tipo “apoiamos as mobilizações, mas é preciso coibir os excessos),
a ausência de uma direção política com influência suficiente para que o que era
espontâneo se transformasse em consciente, que o sentimento progressivo, mas
errático, sem clareza de para onde deveria ir, ganhasse resolutividade e consciência
sobre quem seriam os verdadeiros inimigos dos explorados e quais as tarefas a
serem cumpridas no momento.
Ainda não sabemos se haverão outras jornadas de junho, mas,
coincidentemente, será em junho de 2014 que poderão se abrir novos processos
ampliados de mobilização, em função da política dos governos de garantir a todo
custo a realização da Copa do Mundo, sem respeitar os direitos mais básicos do
conjunto da população. Mas, seja no próximo mês de junho, ou seja em outro
momento, o surgimento de novas mobilizações de massas colocarão novamente o
desafio para os movimentos sociais de mostrar qual o caminho a seguir. É a razão
pela qual a crítica do culto à espontaneidade se mostra, mais uma vez, totalmente
atual.
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