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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

AS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NOS RITUAIS DA ASHURA E SEUS

REFLEXOS NA SOCIEDADE LIBANESA: ENTRE A PASSIVIDADE E A

MOBILIZAÇÃO POLÍTICA NO LÍBANO

Flávia Abud Luz1

Resumo: Na esteira das discussões acerca do papel da mulher nas sociedades de maioria muçulmana, entre as décadas

de 1960 e 1970, as leituras feitas dos rituais da Ashura e das personagens envolvidas na narrativa da Batalha de Karbala

(680 E.C.), sobretudo da centralidade do Iman Hussein e de sua irmã Sayyida Zaynab, se desenvolveram como uma

tentativa de resgatar o protagonismo de Zaynab com o propósito de mobilização social e política, como foi observado

primeiramente no Irã pré-revolucionário (com o intuito de engajar as massas contra governo vigente) e no Líbano, entre

as décadas de 1970/1980 e no contexto da mobilização política das massas xiitas sob a égide de grupos sociais e

políticos como o Hezbollah (DEEB, 2005 e 2009; EL-HUSSEINI, 2008). Tendo em vista as influências social e política

em que se desenvolveu o movimento de construção do gênero feminino nos rituais religiosos e na sociedade de forma

geral, a comunicação propõe a analisar, a partir do caso libanês, o referido movimento de novas leituras e apresentar as

discussões e as alterações na atuação da mulher muçulmana xiita na sociedade.

Palavras-chave: Gênero. Rituais religiosos. Mobilização política

Introdução

Em 680 D.C., acompanhado de um grupo de seguidores, composto por setenta e dois

homens com suas esposas e filhos, o Iman Hussein saiu de Meca e voltou-se para Cufa, onde

encontraria as massas populares que eram contrárias à legitimação do poder de Yazid como sexto

Califa, e consequentemente da dinastia hereditária dos Omíadas, posicionando-se contra o governo

de Yazid no intuito de conduzir a comunidade muçulmana a uma prática considerada mais autêntica

dos valores islâmicos, sobretudo no que diz respeito à condução religiosa e política da referida

comunidade (SATUREN, 2005, p.24). No entanto, após a forte repressão aos manifestantes da

cidade de Cufa, o cerco ao grupo do Iman Hussein e a recusa deste a aceitar uma espécie de acordo

que legitimaria o poder dos Omíadas em detrimento das reivindicações de parcelas xiitas, o

pequeno grupo do Iman foi morto após violentos ataques conduzidos no décimo dia do cerco, o

Iman martirizado e as mulheres e crianças que acompanhavam o mesmo foram conduzidos como

prisioneiros até Yazid, em Damasco (Síria). A reivindicação de Hussein, quando de sua ida à Cufa e

posteriormente cerco e morte em Karbala, era observada pelos xiitas não apenas como um ato

1 Mestranda em Ciências da Religião, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), especialista em Política e

Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e bacharel em Relações

Internacionais pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Filiada à Associação Brasileira de História das

Religiões (ABHR) e Membro do Núcleo de Estudos Multidisciplinar de Relações Internacionais (NEMRISP). São

Paulo, Brasil.

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político, relacionado à restauração do direito sucessório da linhagem do Profeta e à resistência ao

poder sunita, mas como um ato religioso motivado pela busca de restaurar os valores religiosos

mais autênticos, tendo em vista a percepção de que os califas teriam ao longo do tempo os ideais de

justiça e verdade propagados pelo Profeta Muhammad foram substituídos por interesses materiais e

políticos. O martírio do Iman Hussein (neto do Profeta Muhammad) ocorrido na Batalha de Karbala

(680 d.c., no deserto de Karbala, Iraque) deu origem a uma série de praticas rituais dedicadas ao

luto e à memória do Iman e a uma narrativa – a narrativa de Karbala – que constituem um pilar

fundamental da construção do pensamento político-religioso dos xiitas do duodécimo.

De forma simplificada, a genealogia das ações coletivas e individuais que compõem a

Ashura é descrita da seguinte maneira: primeiro, um recitador (mullah) narra de forma emotiva a

tragédia da morte de Hussein e lamenta os eventos ocorridos em Karbala, tendo como base os

relatos contados de maneira oral que depois foram resgatados e re-significados por Vaiz Kashifi no

livro Rawzat al-shuhada (O Jardim dos Mártires) escrito no século XVI, enquanto os ouvintes

reúnem-se para lamentar os eventos e batem de forma ritmada em seu peito (prática conhecida

como latmiyyat). Depois, os fiéis realizam uma espécie de procissão funeral pelas ruas, em que o

caixão coberto de Hussein é carregado por homens vestindo preto enquanto outros homens cantam e

se autoflagelam – utilizando correntes, espadas ou facas – até que seu sangue fique evidente. Por

último, ocorre a encenação teatral dos eventos ocorridos em Karbala – a chamada Ta’ziyeh – em

que o momento no qual Hussein e seus seguidores foram cercados na planície de Karbala é contado

ao público com uma grande quantidade de detalhes, algo que às vezes é comparado com a

encenação da Paixão de Cristo realizada em países cristãos. Ainda neste sentido, uma referência à

dimensão política de Karbala pode ser observada nos rituais, visto que em algumas das encenações

feitas existe uma ênfase nas qualidades dos líderes xiitas, que por sua vez são contrastadas com a

conduta “antiética e vil” dos líderes sunitas que teriam usurpado o poder político ao retirarem de

Hussein (e consequentemente dos xiitas) o comando da comunidade muçulmana (AFARY e

ANDERSON,2011,p.83-84).

Entre os elementos centrais da narrativa dos eventos ocorrido em Karbala figuram as idéias

de sofrimento, compaixão, justiça e até mesmo de sacrifício por um bem maior (traduzido através

da noção de martírio).

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A conduta dos xiitas do duodécimo ao desenvolverem e participarem, ao longo dos séculos,

dos rituais em memória do martírio de Hussein e dos eventos da Batalha de Karbala2 oscilou entre

duas formas: a ênfase na ativa mobilização política com o anseio de alcançar a justiça social e a

efetivação de governos justos – que para os xiitas eram representados no desenvolvimento do poder

religioso e político por parte dos Imans – e a ênfase nas circunstâncias da derrota militar de Hussein

e do seu martírio. Entre os xiitas do duodécimo, observou-se com maior freqüência a ênfase nas

circunstâncias da derrota de Hussein e a condução de uma postura de notória passividade política,

que buscou a compreensão da tragédia em termos místicos, líricos e emocionais (RAM, 1996).

Como exemplo da primeira forma, uma versão mais política e voltada para a clássica

questão de quem deveria governar a umma, as formas mais rudimentares dos rituais de lamentação

baseados nos eventos de Karbala, compostas por elegias populares aos mártires, foram utilizadas

pelos xiitas ao longo da dinastia Omíada (680-750 D.C.) até os dois primeiros governos da dinastia

Abássida (750-920 D.C.), em rebeliões que tinham o intuito de contestação do poder dos

governantes que os xiitas não reconheciam como legítimos, sendo que no caso específico da queda

dos Omíadas, os símbolos e as formas rituais da narrativa de Karbala foram particularmente

eficazes para que outro ramo da família do Profeta, cujos membros se declaravam como os

descendentes de seu tio al-Abbas, desafiasse e posteriormente derrotasse os Omíadas, dando início à

dinastia Abássida (AGHAIE, 2009; HOURANI, 2006, p.56-57). No entanto, o uso estatal dos

referidos símbolos religiosos alcançou maior relevância quando do estabelecimento do Estado

Safávida (no Irã) no século XVI, momento em que os safávidas – originalmente da ordem sufi

(corrente mais esotérica do Islã) – estabeleceram sua dinastia, tomaram o xiismo duodécimo como

religião oficial do Estado e passaram a utilizar-se de símbolos e rituais xiitas para garantir sua

legitimidade frente aos oponentes sunitas e demais adversários políticos. Neste sentido, os rituais

em memória ao martírio do Iman Hussein, que tinham sido desenvolvidos nos séculos anteriores,

passaram a ser realizados de forma pública, ou seja, sem o risco de que uma atitude contra seus

participantes fosse tomada, visto que naquele momento os xiitas não eram uma minoria que temia

expressar suas crenças religiosas e convicções política. Além disso, os rituais se tornaram mais

elaborados e outros, como a realização de sermões que detalham a trágica Batalha de Karbala,

passaram a integrar as comemorações do mês Muharan3 (AGHAIE, 2009).

2 De acordo com AGHAIE (2009) o luto por Hussein, pela tristeza dos sobreviventes da família do Profeta e pelos

demais mártires da Batalha de Karbala, tiveram início quase que imediato, em meio à tristeza dos parentes das vítimas,

mas os rituais desenvolveram-se e espalharam-se do Iraque para os demais países ao longo do século VIII. 3 Cabe ressaltar que, embora a genealogia dos principais rituais desenvolvidos em memória do martírio do Iman

Hussein (em 680 D.C., na Batalha de Karbala, Iraque) guarde um núcleo comum – composto por procissões, a

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Em sentido oposto, a ênfase dos crentes xiitas nas circunstâncias da derrota militar do Iman

Hussein e nos detalhes que envolveram seu martírio ao invés de servir como elemento simbólico

para a contestação do poder dos governantes, como anteriormente mencionado, conduziu os xiitas

ao desenvolvimento de uma versão passiva dos acontecimentos vivenciados em Karbala (salvo

exceções observadas durante a dinastia Omíada em que parcelas xiitas utilizaram-se dos símbolos

de Karbala para questionarem a legitimidade dos califas) e teve como base a apreensão religiosa dos

referidos símbolos e mensagem, fato este que contribuiu para deslocar a um segundo plano a

questão política que fora anteriormente enfatizada e inserir no centro das reflexões e práticas rituais

aspectos como o sofrimento humano (e a relação com a noção de redenção como salvação) e o

misticismo religioso.

Discutidos ao longo das décadas de 1960 e 1970 por clérigos e estudiosos dos círculos de

estudos centrais do xiismo, respectivamente Najaf (Iraque) e Qom (Irã), a mensagem e os símbolos

presentes na narrativa de Karbala passaram por um processo de reinterpretação que reforçou a

percepção de Keddie (1995) de que a referida narrativa guardava um componente de acomodação

e/ou aceitação do status quo e outro componente relacionado a um impulso revolucionário e

questionador do poder político-religioso vigente, que lhe permitiram uma ampla gama de posturas

políticas que poderiam ser utilizadas, de acordo com o contexto político, social e religioso, ou seja,

trouxe aos xiitas a possibilidade de uma justificativa religiosa para uma extraordinária versatilidade

política, visto que as atitudes que enfatizam a passividade política e a ênfase no sofrimento ou uma

atitude ativista são igualmente desejadas e recomendadas, é possível para aqueles que quiserem

liderar as massas xiitas encontrarem inspiração e racionalização para suas atitudes em ambos os

modelos.

Neste contexto de releitura da narrativa central do xiismo alguns aspectos principais

surgiram para ampliar o debate entre os clérigos de ambos os círculos. São eles, quatro de acordo

com Aghaie (2001, p.152-157): a) a relativização da ênfase na dimensão soteriológica da narrativa

de Karbala, b) a problematização acerca do momento e da forma pela qual seria possível aos xiitas

se rebelarem contra governantes considerados injustos, como os Pahlavi no caso iraniano, c) a

reinterpretação das percepções do “eu” e do “outro”; e d) a construção e propagação de diferentes

concepções dos papeis de gênero na sociedade. O foco da presente comunicação é neste último

ponto, as leituras que trouxeram a centralidade da Sayyida Zaynab e se desenvolveram como uma

encenação teatral dos eventos ocorridos no campo de batalha, o luto (às vezes seguido por ações de autoflagelo) e a

utilização de vestimentas de cor preta – os rituais sofreram alterações que refletiram, como foi no caso do Irã e do

Líbano, os aspectos sociais e políticos dos países em que as comunidades xiitas integram a sociedade.

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tentativa de resgatar o protagonismo da mesma com o propósito de mobilização social e política,

como foi observado primeiramente no Irã pré-revolucionário (com o intuito de engajar as massas

contra governo vigente) e no Líbano, entre as décadas de 1970/1980 e no contexto da mobilização

política das massas xiitas sob a égide de grupos sociais e políticos como o Hezbollah (DEEB, 2005

e 2009; EL-HUSSEINI, 2008).

Tradicional Narrativa de Karbala e sua reinterpretação no século XX

Na versão “clássica e popularizada” da narrativa de Karbala, apresenta no livro Rawdat ash-

shuhada (O Jardim dos Mártires) escrito no início do século XVI, o estudioso Waiz Kashif,a

personagem feminina que foi descrita com detalhes devido a compreendida a sua importância para a

formação do Iman Hussein foi sua mãe, Fatima Zahra. Embora Fatima não esteve fisicamente nos

eventos da Batalha de Karbala que culminaram no martírio de seu filho, Fatima é inserida e

apresentada na narrativa de Kashif como a única mulher a partilhar da inefabilidade dos Imans e

Profetas, tendo em vista que na visão de mundo dos xiitas, ou seja,na religião popular, Fatima é

vista como membro dos “Quatorze Puros” e por sua proximidade de Deus poderia mediar a relação

entre o aquele e os fiéis, além de servir como um modelo de conduta e caráter a ser seguido. Esta

crença na Fatima e a disponibilidade dos fiéis de tomarem-na como um modelo de conduta fez com

que sua figura fosse utilizada para a construção de um modelo feminino a ser seguido, porém no

debate moderno também trouxe a possibilidade de um debate acerca dos papeis de gênero na

sociedade (AGHAIE, 2001, p.156-157).

A narrativa de Kashif apresenta aspectos do caráter de Fatima, tais como sua lealdade à

família e ao legado de seu pai (o Profeta), além de seu sofrimento frente à opressão imposta a ela,

porém, as mulheres que faziam parte do grupo de seguidores do Iman Hussein eram representadas

como espectadoras passivas e vítimas dos eventos da Batalha de Karbala, tendo em vista que de

após o massacre dos homens no campo de Karbala as mulheres foram levadas como prisioneiras

pelas tropas do governador de Cufa, Ubaydullah ibn Ziyad, até a presença do califa Yazid, em

Damasco (Síria). A irmã do Iman Hussein, a Sayyida Zaynab, embora seja a personagem feminina

central no desenvolvimento do xiismo e que esteve presente nos eventos da Batalha de Karbala

(680d.c.), na versão tradicional da narrativa de Karbala era descrita como uma pessoa devido ao

sofrimento vivenciado e assistido estava enfraquecida pela tristeza e incapaz de conter-se, uma

representação que reforçou noção de passividade que persistiu até meados do século XX e

refletiam, sobretudo no caso do xiismo, uma concepção conservadora do papel das mulheres na

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sociedade que enfatizavam a atuação da mulher no âmbito doméstico e a excluíam da atuação na

esfera pública (HAMDAR, 2009).

Outra característica da referida narrativa é a presença de temas ou características definidos

por gênero: liderança, disponibilidade para lutar e o martírio eram consideradas atividades

masculinas, enquanto que o apoio aos homens e as crianças, e as demonstrações de luto pelos

martirizados eram atividades femininas. Desta forma, nas práticas rituais realizadas ao longo do

mês Muharan e sobretudo no décimo dia (Ashura) as mulheres estavam presentes nas cerimônias de

luto, como as reuniões de lamento (privadas ou públicas) em que a história do martírio do Iman

Hussein é contada (majles), e das procissões de luto (masirat) pelas ruas em que um caixão coberto

simboliza o Iman morto é carregado por homens vestindo preto, porém era incomum que as

mulheres desenvolvessem práticas mais agressivas com seus corpos, como o autoflagelo utilizando

correntes, espadas ou facas até que o sangue fique evidente (latam), prática que ficou mais restrita

aos homens e era realizada durante a masirat.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970 a mensagem e os símbolos presentes na narrativa de

Karbala passaram por um processo de reinterpretação desenvolvida por clérigos e estudiosos dos

círculos de estudos centrais do xiismo, respectivamente Najaf (Iraque) e Qom (Irã). Entre os temas

debatidos, tais como a relativização da ênfase na dimensão soteriológica da narrativa de Karbala e a

reinterpretação das percepções do “eu” e do “outro”, figurou o reposicionamento dos temas

relacionados aos papeis de gênero presentes na narrativa de Karbala que passou a enfatizar a

coragem das mulheres em meio à tragédia por elas presenciadas, além de ligar a manutenção do

xiismo (e suas crenças) à características positivas da atuação das mulheres no após a Batalha de

Karbala. A reinterpretação da narrativa não se desenvolveu ao acaso, mas esteve relacionada a uma

série de processos que ocorreram em países como o Iraque e o Irã , tais como políticas de cunho

secular sob a bandeira da modernização dos Estados, o surgimento de movimentos políticos de

orientações diversas e de movimentos reformistas islâmicos, o aumento da consciência de gênero e

a ênfase em ideais nativos (que não se inseriam nos valores ocidentais), além dos desenvolvimentos

sociais e políticos (como a oposição aos governos instituídos, e no caso do Líbano a existência de

movimento de resistência à ocupação do território nacional por forças estrangeiras).

Na década de 1970 Ali Shariati e o Ayatollah Morteza Motahari desconstruíram a

associação anteriormente estabelecida entre as mulheres presentes nos eventos da Batalha de

Karbala e a sua dita postura passiva, inclusive rotularam tal acepção da narrativa como uma prática

errônea, e buscaram enfatizar a imagem das mulheres de Karbala como ativas, e em particular

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passaram a falar das atitudes da irmã do Iman Hussein, Sayyida Zaynab. Conforme Aghaie (2004,

p.122) discute em sua análise sobre o emergente discurso de gênero com base na narrativa de

Karbala, enquanto os homens foram responsáveis por participar do movimento do Iman e

demonstrarem sua oposição ao califa Yazid, as mulheres foram essenciais porque atuaram como

porta-voz, protetoras e transmissoras da mensagem de do Iman Hussein. Ali Shariati por exemplo,

investiu, em um primeiro momento, na figura de Fatima Zahara com o intuito de redefinir o modelo

feminino na sociedade iraniana, como uma forma de rejeitar o que o intelectual acreditava ser a

“uma concepção ocidental do papel feminino” representada pelas mulheres que aderiram aos

padrões impostos pelas reformas realizadas ao longo da dinastia Pahlavi, e ao mesmo tempo

questionava o ideal “tradicional” representado pela leitura de Kashif, que embora enfatizasse

características positivas do caráter de Fatima Zahara, ainda mantém a representação das mulheres a

uma postura passiva. Desta forma, Shariati clamou por uma concepção alternativa do modelo

feminino que mantivesse características como a devoção religiosa e o apoio aos familiares, mas que

assim como Sayyida Zaynab fosse capaz de levar e questionar de forma direta qualquer percepção

de opressão.

As representações do feminino na reconfiguração dos rituais da Ashura no Líbano

No Líbano os rituais que compõem a Ashura (décimo dia do mês Muharan) foram

conduzidos até meados da década de 1970 no meio rural e nos subúrbios da região sudeste de uma

forma “tradicional”, que de acordo com a antropóloga Lara Deeb (2009) é descrita por seus

interlocutores como uma prática “antiquada” que para os xiitas libaneses trouxe a tona a concepção

de que aqueles seriam menos desenvolvidos e modernos do que as demais comunidades que

compõem o país. Neste contexto processos político-sociais relevantes ocorreram – tais como o

desenvolvimento de um discurso nacional alternativo à modernidade secular, a mobilização política

das comunidades confessionais que compõem o país, o impacto da ideologia da Revolução Islâmica

no Irã (1979), o início da guerra civil libanesa (1975-1990), as invasões externas feitas por tropas de

Israel (1978 e 1982) e a continuidade da ocupação de territórios – foram determinantes para que as

comunidades xiitas libanesas revisitassem a narrativa de Karbala e os rituais de memória e luto da

Ashura como formas de inspirar a atuação política e religiosa das comunidades. Tal processo de

releitura da prática e do significado da narrativa e dos rituais trouxe alterações na representação do

feminino nos rituais e teve reflexos na sociedade libanesa.

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A narrativa de Karbala tinha no Líbano, assim como em outros países muçulmanos, como

característica geral uma mensagem de busca pela reorientação dos valores islâmicos da sociedade,

mas a ênfase nas circunstâncias da derrota militar do Iman Hussein conduziram a uma postura de

notória passividade política, que buscou a compreensão da tragédia em termos místicos, líricos e

emocionais. Desta forma, os rituais da Ashura enfatizavam experiências individuais dos fiéis com

relação ao luto que traziam à tona emoção que demonstrava o apoio ao Iman martirizado e a

convicção da salvação na pós-morte do paraíso. A partir da liderança de Musa al-Sadr e depois pela

atuação de grupos islâmicos xiitas como o Amal e o Hezbollah ocorreu uma alteração no

significado da narrativa de Karbala que produziu alterações nas práticas rituais (NORTON, 2005).

Primeiro, a ênfase tradicionalmente conferida a aspectos como tristeza e a busca pela

salvação sofreu uma alteração e a narrativa do martírio do Iman Hussein passou a ser compreendida

como um exemplo revolucionário, sobretudo no contexto libanês marcado por conflitos internos e

invasão externa em que os xiitas buscaram se organizar e se mobilizar de forma social e militar.

Neste contexto a personagem da irmã do Iman Hussein, Sayyida Zaynab, teve sua atuação e

comportamento (antes e após a Batalha de Karbala) reinterpretados e três principais características

passaram a ser enfatizadas, a saber: a sua força mental e intelectual, a sua compaixão e dedicação

aos outros, e sua atuação em prol da causa xiita e coragem de questionar abertamente a dinastia dos

Omíadas. As transformações no significado da narrativa de Karbala trouxeram um “novo ideal” de

feminino assim:

[...] ocorreu uma decréscimo da ênfase anteriormente conferida à Sayyida Fatima,

acompanhado pelo aumento da ênfase na irmã de Hussein, Sayyida Zaynab. Nos

testemunhos de mulheres devotas sobre a influência destas figuras em suas vidas, Fatima

possui um papel secundário, embora sua força e religiosidade ainda sejam enfatizadas por

estudiosos religiosos. No entanto, para as mulheres leigas o foco recai sobre Zaynab como a

figura feminina dominante nos rituais da Ashura, enfatizando sua presença na batalha e seu

papel como líder da comunidade após o martírio de Hussein. Observou-se a reformulação,

nos ritual que recita os eventos de Karbala, do comportamento de Zaynab durante a batalha.

Os retratos de Zaynab como enterrada pelo sofrimento ou derramando lágrimas copiosas

sobre os mortos deu espaço a representações que enfatizavam sua coragem, força,

resiliência e seu papel de liderança. Esta reinterpretação da figura de Zaynab passou a ser

observada no aumento da participação das mulheres nos rituais da Ashura e no novo

modelo de participação pública das mulheres na comunidade de froma geral (DEEB, 2006,

p.32)

Os rituais, desta forma, passaram a representar o feminino (a partir da Sayyida Zaynab) de

maneira mais positiva, alinhando-o aos ideais autênticos do xiismo e que estavam no cerne da

revolução de atitude proposta pelo movimento do Iman Hussein , tais como a busca pela verdade e a

luta contra a opressão e a injustiça (HAMDAR, 2009; DEEB, 2006). Dois rituais tiveram alterações

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principais, são eles as cerimônias ou reuniões de lamento (majles) em que a história do martírio do

Iman Hussein é contada aos fiéis, e as procissões de luto (masirat).

As cerimônias ou reuniões de lamento (majles) “autenticadas” pelos novos discursos acerca

da narrativa de Karbala no contexto libanês criticavam a representação da Sayyida Zaynab como

uma pessoa enfraquecida com sua impossibilidade de lidar com seu luto, além da prática

estritamente emocional com que os fiéis praticavam os rituais da Ashura. Em contrapartida,

apresentavam Sayyida Zaynab como uma mulher forte que mesmo após ter assistido ao martírio de

seu irmão e de seus companheiros manteve-se forte e firmou posição em criticar o opressor, o

recém-chegado califa Yazid(o sexto califa), e foi considerada vitoriosa em seu “jihad de palavras”

(na terminologia de Hamdar, 2009, p.89) e tornou-se a porta-voz e protetora da causa e crença xiita.

As procissões de luto (masirat) tiveram duas alterações principais: uma na forma com que

os homens e garotos passaram a praticar os rituais de autoflagelo (latam) e na atuação das mulheres

nas procissões. Na forma “tradicional” dos rituais de autoflagelo observava-se o uso de correntes,

espadas ou facas para o flagelo até que o sangue daqueles que faziam o ritual ficasse evidente,

conforme assinalou Norton(2005), e as mulheres eram apenas espectadoras de tal ação. Na forma

“autenticada” do ritual, sobretudo nas praticas realizadas no sul do Líbano em que o partido

islâmico Hezbollah, a prática de tais rituais de autoflagelo passou a ser compreendida como anti-

islâmica por gerar ferimentos físicos de forma intencional e trazer uma imagem negativa ao Islã,

assim ao invés de flagelo os fiéis relacionados ao Hezbollah passaram a clamar que as pessoas

doassem sangue (DEEB, 2009). A segunda alteração foi a participação ativa das mulheres e

meninas que passaram a integrar as procissões e enquanto os homens e meninos cantavam à frente e

realizavam novas formas de latam (que não incluíam sangue) as mulheres cantavam e encenavam

alguns momentos da narrativa de Karbala.

Consistente com o contexto sócio-político e com a alteração na representação do feminino

nos rituais, reflexos na sociedade libanesa foram observados na prática, como o aumento da

participação das mulheres nos rituais, inclusive sua na liderança de cerimônias de lamento(majles),

e a atuação das mesmas na esfera pública, sobretudo pelo elevado número de mulheres que

tornaram-se voluntárias em organizações islâmicas sociais e de saúde (jam’iyyat), em uma atitude

que é descrita como um jihad social e é desempenhada pelo bem-estar e interesse da comunidade.

Além de incentivar a participação das mulheres nas atividades da comunidade, a personagem da

Sayyida Zaynab traz a inspiração e a força para lidar com as situações por elas vivenciadas

cotidianamente, tais como o martírio de familiares em meio às “atividades de resistência armada”

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desenvolvidas por participantes do braço militar do Hezbollah ou como conseqüência de confrontos

relacionados às áreas ocupadas na região sul do Líbano, sobretudo até o ano de 2000.

No entanto, cabe ressaltar que embora o partido político Hezollah e as parcelas da população

que o seguem, bem como muçulmanas xiitas leigas, tomem os novos discursos acerca da Sayyida

Zaynab como um modelo político e religioso a ser seguido pelas mulheres xiitas libanesas, entre os

clérigos a adoção de tais discursos não era um consenso. Conforme apresenta EL-HUSSEINI (2008,

p.215), entre os seguidores dos Ayatollahs Muhammad Husayn Fadlallah e Muhammad Mahdi

Shams al-Din, por exemplo, existe uma tentativa de apresentar aos xiitas libaneses a Fatima Zahra,

mãe de Zaynab e Hussein, como o modelo feminino a ser seguido por conta de três aspectos

principais, são eles: dissociar os xiitas libaneses da influência iraniana; a concepção de que Fatima

Zahra seria o modelo ideal às xiitas libanesas porque representaria um exemplo de responsabilidade

e de como desafiar situações de injustiça e de condução da vida privada (principalmente seu

compromisso com a educação dos filhos) e, por último mas não menos relevantes a tentativa de

estabelecer através de modelos alternativos a legitimidade dos Ayatollah libaneses em um ambiente

de competição entre os religiosos para estabelecer sua autoridade.

Considerações Finais

A representação da personagem da Sayyida Zaynab teve uma mudança qualitativa

significativa no contexto libanês que esteve em sintonia com processos político-sociais relevantes

ocorreram – tais como o desenvolvimento de um discurso nacional alternativo à modernidade

secular, a mobilização política das comunidades confessionais que compõem o país, o impacto da

ideologia da Revolução Islâmica no Irã (1979), o início da guerra civil libanesa (1975-1990), as

invasões externas feitas por tropas de Israel (1978 e 1982) e a continuidade da ocupação de

territórios – foram determinantes para que as comunidades xiitas libanesas revisitassem a narrativa

de Karbala e os rituais de memória e luto da Ashura como formas de inspirar a atuação política e

religiosa das comunidades. A partir da liderança de Musa al-Sadr e depois pela atuação de grupos

islâmicos xiitas como o Amal e o Hezbollah ocorreu uma alteração no significado da narrativa de

Karbala que produziu alterações nas práticas rituais (NORTON, 2005).

A ênfase tradicionalmente conferida a aspectos como tristeza e a busca pela salvação sofreu

uma alteração e a narrativa do martírio do Iman Hussein passou a ser compreendida como um

exemplo revolucionário, sobretudo no contexto libanês marcado por conflitos internos e invasão

externa em que os xiitas buscaram se organizar e se mobilizar de forma social e militar. Neste

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

contexto a personagem da irmã do Iman Hussein, Sayyida Zaynab, teve sua atuação e

comportamento (antes e após a Batalha de Karbala) reinterpretados e três principais características

passaram a ser enfatizadas, a saber: a sua força mental e intelectual, a sua compaixão e dedicação

aos outros, e sua atuação em prol da causa xiita e coragem de questionar abertamente a dinastia dos

Omíadas.

Nos rituais da Ashura, as alterações observadas de maneira prática foram o aumento da

participação das mulheres nos rituais, inclusive sua na liderança de cerimônias de lamento(majles),

e a atuação das mesmas na esfera pública, sobretudo pelo elevado número de mulheres que

tornaram-se voluntárias em organizações islâmicas sociais e de saúde (jam’iyyat).

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The representation of feminine in Ahura rituals and its reflections in lebanese society:

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Astract: In the wake of the discussions about the role of women in muslim majority societies

between the 1960s and 1970s, readings of the Ashura rituals and the characters involved in the

narrative of Battle of Karbala (680 CE), especially the centrality of Iman Hussein and his sister

Zaynab, developed as an attempt to rescue Zaynab´s role for the purpose of social and political

mobilization, as was first observed in pre-revolutionary Iran (with the aim of engaging the masses

against prevailing government) and in Lebanon, between 1970s and 1980s in the context of political

mobilization of shiite masses under the aegis of social and political groups such as Hezbollah

(DEEB, 2005 e 2009; EL-HUSSEINI, 2008). Taking into account the social and political influences

in which it developed and the movement of gender construction in religious rituals and a society,

the communication proposes to analyze, from the lebanese case, discussions and changes in the

performance of the shiite muslim woman in society.

Key-words: Gender. Religious rituals. Political mobilization


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