Asrepresentaeseleitoraisenoeleitoraisnosmediaenquantoagentesdevigilnciae
mobilizaoefrumdedebatecvicosobreareduodamaioridadepenal
BrunaSanchez
IdgiePena
LauraR.MarquesC.deOliveira
Resumo
Este trabalho tem como objetivo pensar as representaes eleitorais e noeleitorais na
discusso sobre a reduo da maioridade penal no Brasil. Para isso, levaremos em conta trs
funes dos media: vigilncia, mobilizao e promoo do debate cvico. A aprovao de
uma proposta de emenda constitucional que tramita no Congresso Nacional pode fazer com
queadolescentesapartirde16anosrespondamporseuscrimescomoadultos.
Palavraschave: media, representao, debate, vigilncia, mobilizao, maioridade,
penal
1.Introduo
O Congresso Nacional brasileiro tem discutido intensamente neste ano a reduo da
maioridade penal. Mesmo entre os parlamentares que concordam com a aprovao da
proposta de emenda constitucional no h unanimidade sobre at que idade e em quais casos a
reduo deve ser aplicada, apesar da PEC 171/93 passar a idade mnima de 18 para 16 anos.
O presidente da Cmara dos Deputados Eduardo Cunha prometeu votar o texto em plenrio
no dia 30 de junho. Na semana passada, um pedido de vista adiou a votao na comisso
especial responsvel pela matria. A reunio foi marcada por empurres e agresses verbais
envolvendo parlamentares, policiais legislativos e manifestantes da Unio Nacional dos
Estudantes e da Unio Brasileira de Estudantes Secundaristas, que protestavam contra a
mudana.
A discusso sobre a reduo da maioridade penal permeada por diversos discursos seja por
meio da representao eleitoral ou noeleitoral, como o caso da UNE e UBES. Diante do
impacto social e poltico que a aprovao da PEC causa, os media podem funcionar como
agentes de vigilncia, agentes de mobilizao e frum para o debate cvico. Com esse
argumento no esquecemos o fato de que estas plataformas so mltiplas e no so
homogneas. Tambm lembramos que os media de massa de cada pas tm princpios, normas
culturais e objetivos diferentes. Porm, segundo Maia (p.79, 2012) a emergncia de medias
autnomas na sociedade moderna se baseia no desenvolvimento de mecanismos
autoregulatrios.
These resourses and general value commitments regulate the internal functioning of
media organizations while allowing them to retain relative freedom of movement and
preventing media agents from being dominated by arbitrary forms of political
interventionandeconomicpower.
Os media se organizam de forma que, ainda que sejam pressionados por atores de fora (leiase
polticos, movimentos sociais e agentes econmicos), mais variveis devem ser consideradas,
como as normas jornalsticas, a necessidade de captar pblicos, preferncias dos jornalistas,
almdeumcdigodeticacompartilhadopelosjornalistas.
2.Osmediademassacomofrumparaodebatecvico
No caso da reduo da maioridade penal e tantos outros temas relevantes representantes
eleitorais e noeleitorais buscam espao nos media de massa para que seus discursos sejam
divulgados e conhecidos, considerando a caracterstica de ampla visibilidade e discutibilidade
que essas plataformas proporcionam. Dessa forma, polticos, movimentos sociais, a polcia,
entre outros atores, travam batalhas discursivas, fazendo avanar argumentos, sustentando ou
refutando proposioes publicamente. Tratase de uma deliberao mediada, na qual as
controvrsias se desdobram em uma variedade de espaos (editoriais, colunas, participao de
leitores/ouvintes/telespectadores), levantando argumentos que sero considerados legtimos
ouno,aolongodadeliberao.
A partir da dinmica descrita, os lances discursivos so editados e recompostos pelos
media. Cada vez que um novo problema levantado, ou novos dados surgem, os interessados
respondem a essas questes, fazendo o debate continuar. Para que esse processo seja efetivo,
importante que representantes eleitorais e noeleitorais estejam engajados no debate.
Segundo MAIA (2012), (...) para que a representao extraeleitoral seja eficaz e gere efeitos
democrticos na organizao da vida social, preciso supor uma congruncia entre a
representaodenaturezaeleitoraleaquelainformal.
Observando a cobertura do jornal Estado de So Paulo sobre a possvel reduo da
maioridade penal que criou um espao em seu portal somente para o tema constatase que
diversos atores so acionados, sejam representantes eleitos ou no. Reportagens publicadas
at o dia 16 de junho de 2015 trazem os posicionamentos do presidente da Cmara dos
Deputados, Eduardo Cunha e do senador Jos Serra (ambos favorveis reduo). Por terem
sido eleitos e possuirem poder direto sobre a aprovao da PEC, suas opinies j so o
suficiente para conseguir uma publicao. Alm disso, exatamente por serem eleitos, eles
devem prestar contas aos cidados assunto que ser aprofundado no prximo item. Em meio
a estas matrias encontrase algumas em que a palavra da sociedade civil fica em evidncia,
por exemplo na publicao ONG de direitos humanos critica maioridade penal em carta ao
Congresso, do dia 9 de junho de 2015. O documento trazia estudos feitos nos Estados
Unidos que mostram que a diminuio da idade penal no contribuiu para reduzir a
criminalidade naquele pas. Neste caso, a argumentao da ONG Human Rights Watch
relevante pela expertise no assunto e pela experincia internacional na defesa dos direitos
humanos, j que sua fundao data de 1978. Alm disso, a organizao tem entre seus
integrantes profissionais da rea de direitos humanos, incluindo especialistas, advogados,
jornalistas e acadmicos de diversas origens e nacionalidades. Pensando para alm do caso
desta ONG no debate da maioridade penal no Brasil, a legitimidade de movimentos sociais e
outras organizaes da sociedade civil em representar segmentos e/ou ideais pode ser
analisada por diversos critrios, alm da expertise, como lembra Rousiley Maia (p. 108,
2012),
Saward proporciona o critrio mais amplo por meio do qual a aceitabilidade
democrtica dos reivindicantes pode ser apreciada com base em: a) razes arraigadas,
tais como a moralidade do grupo, as tradies ou um consenso hipottico b)expertise
e credenciais especiais e c) amplos interesses e novas vozes, tais como vozes
daqueles que so subrepresentados vozes da rua provenientes de demonstraes
populares macias e tangveis amplos interesses derivados de similaridades entre
representantes e pessoas representadas stake holding defesa de normas
extraterritoriaiseregrasdeautorrepresentao.
interessante observar ainda que durante o debate sobre a maioridade penal vrios jornalistas
se posicionaram claramente favor da reduo, por exemplo, a apresentadora do Jornal do
SBT Rachel Sherazade e pensando em programas mineiros do ncora do Balano Geral,
Mauro Tramonte. A primeira chegou a citar em cadeia nacional 10 motivos pelos quais ela
favorvel mudana e o segundo frequentemente brada pela reduo aps reportagens em
que menores de idade cometeram crimes serem transmitidas. Nestes casos os media
participam no frum de debate cvico diretamente, junto com os representantes eleitos e
noeleitos,sendo,almdefrumparaodebatecvico,umterceiroator.
3.Osmediademassacomoagentesdevigilncia
Em uma democracia moderna, os representantes eleitos possuem o direito e o dever de
responder s demandas da sociedade civil, ou seja, de prestar contas sendo passveis de
responsabilizao por erros ou falhas de acordo com a forma como os cidados e seus
diversos representantes noeleitos demandam respostas, avaliam o desempenho e exigem o
cumprimento de metas e propostas diante de um processo chamado accountability. Em
situaes problemticas e polmicas como a criao da PEC 171/93, os media, alm de
funcionar como um frum de debate cvico, tambm convocam os representantes a prestarem
esclarecimentossobreoassunto,atuandocomoagentesdecontroleevigilncia.
Quando os deputados elaboraram a PEC 171/93, eles possuam apoio e de certa forma
representavam alguma parcela da populao contagiada por um sentimento de violncia
crescente que pode ser atribudo, dentre outras coisas como fatores sociais e econmicos
complexos, midiatizao crescente de casos de violncia protagonizados por crianas e
adolescentes. Sendo assim, podese dizer que, diante de um cenrio problemtico, a mdia
instaurou um processo de prestao de contas dentro do seu prprio espao de visibilidade,
fornecendo uma expanso para as demandas dos cidados e entidades representativas oficiais
e no eleitorais. Como cita Rosley Maia em seu texto Visibilidade e accountability: o evento
donibus174:
As imagens da violncia em ato (...) ao negarem o estatuto ficcional, provocam um
choque. A violncia emerge como algo que no deveria ocorrer, ela parece
resvalar de uma outra ordem. Ademais, a faceta mais peculiar das prticas da
violncia urbana o seu carter difuso, imprevisvel, sem lugar definido no
corposocialounocenrioampliadodacidade(Digenes,2000:55).
Quando a emenda constitucional colocada em votao e tornase pblico o conhecimento
desta, o que acontece, como j foi visto, um complexo processo de deliberao altamente
polmico que divide, de maneira mais geral e atravs de uma linha no muito bem definida,
os cidados, grupos e representantes da sociedade civil em dois plos principais: os que so
contra e os que so a favor da reduo da maioridade penal de 18 para 16 anos. Nesse caso,
um papel crucial dos meios de comunicao constranger e permitir confrontos diretos ou
virtuais entre os representantes do governo, os especialistas e os atores da sociedade civil
dentrodemaneiraresponsiva.
No desencadeamento de um accountability, o primeiro passo a identificao do problema.
Se antes era a relao direta entre o aumento da violncia e da impunidade dos indivduos
menores de 18 anos, agora novos discursos surgem cada vez mais profundos e elaborados,
ampliando o problema e criando polmicas em torno de questes como: a estruturao do
sistema penitencirio, a classificao do crime no julgamento da criana e do adolescente, os
fatores socioeconmicos que influenciam na ao desses jovens e etc. O programa Profisso
Reprter faz uma cobertura interessante sobre o assunto expandindo a discusso e trazendo
diferentes discursos. A pgina 18 Razes tambm apresenta uma lista de questes a serem
levadas em considerao alm da relao primeira entre violnciaimpunidade. J na segunda
etapa do processo de accountability preciso identificar os responsveis pelo problema.
quando os meios de comunicao convocam opinies de especialistas, personalidades e
representantes eleitorais e no eleitorais de diferentes posies para discutir o assunto e
apontar responsveis. No programa Encontro com Ftima Bernardes, por exemplo, foram
convidados a debater: um antroplogo, uma advogada, uma famlia cujo filho foi assassinado
por um jovem e um pedagogo exinterno da FEBEM. Na terceira etapa do accountability,
quando foram apontados os responsveis, possvel que ento haja a cobrana formal de uma
retratao ou de uma prestao de contas. A mdia ento se esfora para chegar at os
parlamentares representantes de ambos os discursos para que eles respondam s crticas e s
demandas apontadas durante a discusso e se organizem para dar enfim um desfecho ao
problema da violncia empreendida pelos jovens, seja atravs da aprovao da PEC, seja
atravs da adoo de polticas pblicas para atender s necessidades dos infratores, seja
atravsdareestruturaodosistemapenitencirioeetc.
Diante dessa rpida anlise, observase que o accountability pode se desdobrar em diferentes
formas e a mdia participa de maneiras e intensidades variadas em cada uma delas. Mas o
importante aqui perceber que esse processo no se d de modo linear e sistemtico como
citado no pargrafo anterior, mas de uma maneira hbrida e muitas vezes paralela e imbricada
com os processos de deliberao dentro da esfera pblica. A grande questo ento no se
efetivamente vai haver ou no a reduo, ou se um lado ganhou ou perdeu, mas sim destacar o
papel da mdia como agente de vigilncia, instaurando e permitindo que os representantes
eleitorais prestem contas aos representantes dos diferentes discursos e cobrem sua ateno aos
anseiosenecessidadesdeumasociedadecivilcomplexa.
4.Osmediademassacomoagentedemobilizao
Como j foi citado, com a eminncia das votaes sobre a PEC 171/93, surge um confronto
poltico que divide a opinio pblica em duas frentes. Essas frentes, entretanto, foram mais
caracterizadas pela diviso de argumentos do que pela diviso de setores da sociedade civil
havia setores do governo contra e a favor da reduo, assim como jornalistas e figuras
pblicas se dividiam entre as duas posies antagnicas. No houve, como no caso do
Plebiscito do Desarmamento em 2005, uma campanha muito clara e centralizada contra e uma
a favor, nas quais os atores polticos se faziam identificveis. A mobilizao das frentes
ocorreu, por outro lado, atravs da polarizao de argumentos, polarizao esta que, por sua
relevnciaenotabilidade,ganhougrandevisibilidadenosprincipaisveculosdopas.
Na frente contra a reduo da maioridade penal, representada principalmente por ativistas de
direitos humanos, ONGs, psiclogos, socilogos e afins, podemos encontrar os seguintes
argumentos centrais: a partir de 12 anos, j esto previstas medidas socioeducativas para
aqueles que realizar atividades ilegais, de forma que a responsabilizao j ocorre os ndices
de reincidncia em prises convencionais gigantesco, e o envio de mais pessoas para l no
ir diminuir a violncia apenas uma pequena parcela dos menores de 18 anos so infratores e
as leis no podem se pautar na exceo educar mais eficiente que punir os adolescentes so
as maiores vtimas, e no os maiores autores da violncia a reduo no afastaria os
adolescentesdacriminalidade.
Uma tentativa de centralizar os discursos contra a reduo o movimento 18 Razes. Com
ramificaes em forma de blog, Facebook e Twitter, o movimento busca fornecer, alm das
18 razes para a no reduo da maioridade penal, materiais para divulgao por terceiros e
uma agenda dos protestos e encontros de mobilizao acontecendo no pas inteiro. Alm
disso, podemos encontrar no seu blog uma lista de associaes e pessoas fsicas que aderiram
causa e uma lista de publicaes para entender melhor o assunto. Outro aspecto a ser
destacado a estratgia de padronizar a comunicao visual do movimento. Utilizam
majoritariamente vermelho e amarelo e em todos os seus perfis utilizam as mesmas imagens
que inclusive tambm esto disponveis para download no blog. A cada uma dessas
plataformas foi dado um direcionamento de informao. No blog, que funciona como um site,
os contedos mais estticos agenda de mobilizao, parceiros, lista de materiais para
download, etc no Facebook, postagens mais espaadas e com textos maiores, suscitando
discusses no Twitter, direcionamento para reportagens, declaraes e novas informaes
atravsdelinks,deformamaisdinmicaefrequente.
Alguns argumentos a favor da reduo da maioridade que obtiveram grande respaldo foram: a
impunidade gera mais violncia a maioria da populao a favor da reduo, portanto, ela
deve ser ouvida com 16 anos uma pessoa j pode casar, votar, trabalhar e diversas outras
atividades, portanto j tm formao suficiente para distinguir o certo do errado os centros
que hoje recebem menores infratores funcionam como verdadeiras escolas do crime, no
cumprindo a sua funo de reabilitao por fim, a reduo da maioridade seria uma proteo
para os adolescentes aliciados pelo trfico de drogas, j que muitos so recrutados exatamente
porseremisentosdepunio.
Um recurso amplamente utilizado pelos media na representao desses discursos tanto a
favor quanto contra foi o de entrevistas. No Encontro com Ftima Bernardes, por exemplo, a
apresentadora d voz ainda que com nfases diferentes aos pais do Vitor, assassinado por
um menor de idade, a um antroplogo, uma advogada e um pedagogo exinterno da FEBEM,
onde se identificam argumentos de ordem subjetiva, legal e acadmica de ambos os
posicionamentos. A visibilidade conferida pelos grandes media aos argumentos de cada
frente, portanto, potencializa o convencimento e a mobilizao dos integrantes da sociedade
civil.
5.Concluso
No debate sobre a reduo da maioridade penal no Brasil os media de massa atuam como
frum de debate cvico, agentes de vigilncia e de mobilizao. Na primeira funo os media
contribuem para a democracia na medida que do visibilidade aos posicionamentos dos
representantes eleitos para que os cidados tenham a possibilidade de fiscalizlos e tambm
refutlos. Neste sentido, os representantes noeleitorais entram na discusso para fazer
oposio ou reiterar os argumentos j divulgados pelos media. Dessa forma, a deliberao
mediada cria conexo entre diferentes arenas discursivas que poderiam ser realizadas
separadamente, sem que houvesse uma interface, o que enriquece o vocabulrio do pblico e
dos prprios interlocutores. No segundo, os media instauram um processo pelo qual
representantes eleitorais tem o direito e dever de prestar contas aos representantes no
eleitorais e sociedade civil atravs do accountability. No terceiro, por fim, possibilita a
mobilizao de ambas as frentes, na medida em que confere visibilidade aos seus respectivos
argumentos.
Bibliografia
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Os dez motivos de Sheherazade para reduzir a maioridade penal. E a minha vergonha alheia.
Disponvelem:
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Propostas no vo diminuir criminalidade, dizem especislitas. Disponvel em:
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Meu projeto a resposta imediata aos infratores. Disponvel em:
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REDUO DA MAIORIDADE PENAL. Profisso Reprter. Rio de Janeiro: Globo, 14 de
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REDUO DA MAIORIDADE PENAL. Encontro com Ftima Bernardes. Rio de
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