As Torres das Três Virtudes
As Torres das Três Virtudes de R.H. Souza
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Em memória de Frei Cipriano Chardon,
extraordinário educador e amigo, e dos
dedicados mestres do Seminário Seráfico
São Luís de Tolosa, que nos deixaram ao
longo do tempo.
As Torres das Três Virtudes de R.H. Souza
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R.H. Souza
As Torres das Três Virtudes
As Torres das Três Virtudes de R.H. Souza
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Copyright -2014 – Todos os direitos reservados a:
R.H. Souza
Montagem da capa:
João Felipe Souza Requião
Desenho:
Engenheiro José Guilherme Monfort
Revisão:
Gilda Pereira
Registro:
Fundação Biblioteca Nacional
Escritório de Direitos Autorais
Número de registro: 460.243, Livro 865, Folha 432
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“Tomou Jesus de novo a palavra e falou-lhes em pará-
bolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um rei
que preparou o banquete de bodas de seu filho. Enviou
seus criados para chamar os convidados às bodas, mas
estes não quiseram vir. De novo enviou outros servos,
ordenando-lhes: Dizei aos convidados: Minha comida está
preparada; os bezerros e cevados, mortos; tudo está
pronto, vinde às bodas. Porém eles, desdenhosos, se
foram, este para o campo, aquele para seu negócio.
Outros, agarrando os servos, ultrajaram-nos e os
mataram. Encolerizou-se o rei, e enviando seus exércitos,
fez exterminar aqueles assassinos, e entregou às chamas a
sua cidade. Depois, disse a seus servos: O banquete está
preparado, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois,
às saídas dos caminhos, e todos os que encontrardes,
chamai-os para as bodas. Saíram os servos aos caminhos,
e reuniram quantos encontraram, maus e bons, e a sala de
bodas ficou cheia de convidados. Entrando o rei para ver
os que estavam à mesa, viu ali um homem que não trazia
veste nupcial, e disse-lhe: Amigo, como entraste aqui sem
a veste nupcial? Ele emudeceu. Então o rei disse aos seus
ministros: Atai-o de pés e mãos e atirai-o às trevas
exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes. Porque
muitos são os chamados e poucos os escolhidos.”
(Mateus 22,1-14)
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Prefácio
No início dos anos trinta, a região do Meio-Oeste de Santa
Catarina, região Sul do Brasil, era constituida por grandes
propriedades rurais, cujos fazendeiros se dedicavam à
criação de gado e ao cultivo de cereais, em razão da
fertilidade do solo. Os grandes proprietários de terras
tinham seu próprio código de leis e aplicavam a justiça em
seus territórios, face à toal ausência do poder público.
Em As Torres das Três Virtudes, contamos a
história de uma dessas famílias, proprietária de grandes
terras, cujo único herdeiro, por vontade da mãe, ingressa
num seminário e passa a viver um grande conflito, pois
não estava preparado para suportar os sacrifícios impostos
aos candidatos ao sacerdócio.
Júlio César, o nosso herói, é uma mente brilhante,
uma inteligência privilegiada, que entra em choque com
seus educadores, no seminário, a maioria de nacionalidade
alemã, em cuja instituição reina uma disciplina férrea, com
todos voltados para a oração, o estudo e o trabalho,
enquanto na fazenda do pai imperam o crime e a
devassidão. O jovem encontra no estudo e nos livros uma
válvula de escape para as contradições de sua vida,
alcançando um nível cultural bem além de seus com-
panheiros de seminário. Torna-se, por isso mesmo, um
espírito independente e contestador, dominado pelo
orgulho e pela vaidade, até o dia em que entra em sua
vida uma jovem, que o faz repensar todo o seu passado,
além de trágicos acontecimentos que se sucedem em sua
família.
Embora seja uma obra de ficção, o autor de As
Torres das Três Virtudes traz neste livro um pouco de suas
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experiências vividas no Seminário Seráfico São Luis de
Tolosa, cenário de grande parte da ação aqui relatada.
Trocou os nomes de alguns personagens, mas descreve
fatos reais e situações existentes naqueles longínquos anos
quarenta. Temperou a narrativa com um pouco de sonho e
ficção.
Se o leitor passar algum dia pela cidade de Rio
Negro, no Paraná, e olhar ao longe, poderá ainda ver as
torres do velho Seminário São Luis de Tolosa lá no alto da
montanha, uma construção quase centenária, trans-
formado em parque ecoturístico, tombado como patrimônio
histórico e cultural do município de Rio Negro. Ele foi
construído por frades alemães, e inaugurado em 3 de
fevereiro de 1923. Na década de 70, o educandário foi
desativado, sendo os estudantes transferidos para um
novo seminário construído numa fazenda próxima à cidade
de Agudos, no Estado de São Paulo. As instalações do
velho seminário São Luis de Tolosa, depois de muitos anos
fechadas, foram recuperadas e hoje nelas funcionam a
prefeitura e secretarias do município da cidade de Rio
Negro, Paraná, além de diversos órgãos dedicados à
cultura.
É neste cenário que se desenvolve a primeira parte
da narrativa de As Torres das Três Virtudes. O cenário da
segunda parte do livro é uma grande fazenda, no interior
de Santa Catarina, na qual imperam o vício, o crime e a lei
da winchester.
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PRIMEIRA PARTE
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Capítulo 1
O sol mergulhava no horizonte naquela tarde de maio do
ano de 1929, quando o Coronel Libório Antunes dos Santos
chegou à porteira da Fazenda Pedras Negras, depois de
uma viagem a Campos Novos, cidade catarinense, onde
fora comprar produtos para sua propriedade. Quem veio
recebê-lo foi o capataz, de nome Justino, um sujeito de
pequena estatura e de poucas falas, que farejava à
distância os desejos do patrão. – O patrão seja bem vindo! – exclamou o em-pregado, curvando-se, respeitosamente. – Como vão as coisas por aqui, Justino? – Tudo corre como devia, Coronel Libório.
Em seguida, o recém-chegado entrou no grande
salão da residência, seguido do capataz e sentou-se numa
cadeira de vime. Mandou que Justino lhe tirasse as botas,
pois sentia fortes dores nos pés. Enquanto isso, uma criada
lhe servia um copo de refresco.
O salão principal, com uns quinze metros de pro-
fundidade, ocupava toda a largura da casa. Depois,
entrava-se por um largo corredor, com três grandes
quartos do lado esquerdo e dois do lado direito e mais um
escritório. No final da residência ficava a sala de refeições
com uma grande cozinha anexa. Atrás da casa, existia um
grande galpão e dez pequenas casas, destinadas aos
vaqueiros e empregados. No terreno ao fundo, erguia-se
uma pequena elevação encimada por duas grandes pedras
escuras, que deram origem ao nome Pedras Negras, como
era designada a propriedade. Ao redor, a perder de vista,
estendiam-se pastagens verdejantes, onde muitas reses se
alimentavam. Nos terrenos da propriedade existiam
pequenas ilhas, formadas por grandes pinheiros e mata
fechada, os chamados capões, que serviam de abrigo a
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pássaros e pequenos animais. A Fazenda Pedras Negras
era cortada por numerosos lajeados, que formavam
aguadas, onde o gado saciava a sede. Na base da
elevação, nos fundos da casa, tinha um pomar muito bem
cuidado, com pessegueiros, ameixeiras e pereiras. A
propriedade apresentava, no conjunto, uma paisagem
verdadeiramente paradisíaca.
Depois que descansou um pouco na sala principal
da fazenda, Libório dirigiu-se ao interior da residência,
onde, num pequeno quarto, no final do corredor, uma
mulher, de pouco mais de 30 anos, balançava um ber-
ço, onde estava um menino de apenas meses de idade.
– Então – falou o fazendeiro –, como está pas-
sando meu filho, Isabel?
– Ele está ótimo, patrão. Júlio César (esse era o
nome do menino) se alimenta bem e acho que tem boa
saúde.
– Estive em Campos Novos e contratei uma gover-
nanta para cuidar do nosso guri. Seu nome é Sofia, tem 15
anos, mas me pareceu muito esperta.
– Pode deixar que eu cuido dele, patrão.
– Não! Preciso que te dediques mais à adminis-
tração da casa, enquanto Justino se dedica à fazenda.
Precisamos dividir tarefas.
Libório Antunes dos Santos estava viúvo. Perdera a
mulher, Maria Lúcia, durante o parto do filho Júlio César.
Isso aconteceu depois de uma gravidez difícil, durante a
qual o fazendeiro não dera muita atenção à jovem esposa,
pois continuara a sua vida desregrada, visitando suas
amantes em locais diversos. Passava dias fora da fazenda,
metido em farras e bebedeiras. Esse comportamento do
fazendeiro causara grandes desgostos à sua delicada
esposa, que ele conhecera ainda jovem, filha de um
comerciante da região.
A Fazenda Pedras Negras, Libório a herdara do pai,
Eusébio, também já falecido, com o qual mantivera um
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conturbado relacionamento, pois seu progenitor sempre
questionara o comportamento do filho, metido em
arruaças, brigas de bailes e disputa por mulheres, quando
chegou mesmo a levar um tiro no braço esquerdo, cuja
marca carregava pela vida afora. Agora, com 33 anos, ali
estava ele, com um filho pequeno para criar, sem a
presença da mãe, e sentia remorsos pelos males que
causara à piedosa e delicada Maria Lúcia, que tanto sofrera
nas mãos do trêfego e instável fazendeiro.
Libório Antunes dos Santos perdera os pais e só lhe
restava uma irmã, mais velha do que ele, que se casara
com um fazendeiro gaúcho, que morava perto de Lages e
com a qual não mantinha relações, pois se desentendera
com ela e o marido por problemas de herança, quando da
morte do pai, Eusébio.
Dois dias depois de seu retorno à fazenda, Libório
mandou o capataz Justino a Campos Novos buscar Sofia,
que seria a governanta do menino Júlio César. Era uma
jovem de apenas 15 anos, filha de uma família de
italianos. Tinha muitos irmãos e aceitou o emprego
com o intuito de ajudar os pais, pois era a mais velha de
cinco irmãos. Bonita e inteligente, tinha experiência no
trato com crianças.
– Quero que cuides bem do meu guri – disse-lhe
Libório, logo que a jovem chegou à fazenda –, pois ele
perdeu a mãe ao nascer. Quem cuidava dele até hoje era
Isabel, a quem ficarás subordinada. Sei que tens ex-
periência com criancas e darás ao meu filho o melhor de ti.
– Sim – respondeu a jovem –, tenho experiência,
pois ajudei a criar meus cinco irmãos, duas meninas e tres
meninos. Como eles agora já estão em idade escolar, não
precisam mais de mim.
– Tua mãe me disse que ajudarás a família com o
dinheiro que ganhares aqui.
– Exatamente! É o que pretendo fazer, pois meu
paí trabalha de sol a sol em nossa propriedade e nem
sempre tira da terra o suficiente para o sustento da
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família. Nós fomos criados com muito trabalho e pouco
dinheiro e estamos acostumados a uma vida difícil.
Enquanto o fazendeiro e a recém-chegada conver-
savam, deles se aproximou Isabel, a administradora da
casa, e Libório pediu que ela transmitisse à jovem Sofia
todos os detalhes a respeito dos cuidados a serem dis-
pensados a seu filho, Júlio César. Destacou que a jovem
tinha experiência no trato com crianças, pois participara da
criação dos irmãos menores, enquanto frequentava a
escola do povoado.
Isabel conduziu Sofia ao quarto da criança, que
dormia, naquele momento, e depois lhe mostrou os
aposentos que iria ocupar, contíguos ao quarto do filho de
Libório, e lhe fez as recomedações sobre o compor-
tamento a ser adotado em relação ao menino e aos
empregados da fazenda.
Os negócios de Libório Antunes se desenvolviam
muito bem, pois a região era propícia à criação extensiva
de gado. Uma área da fazenda, ele a reservara para
plantações de milho, feijão, batata, mandioca, trigo e
cevada, culturas que lhe davam boas colheitas. Com elas,
alimentava os numerosos empregados da fazenda e vendia
o excedente, auferindo um bom lucro, que a generosidade
da terra lhe proporcionava.
O fazendeiro sentia remorsos pelo descaso com que
tratara sua jovem esposa e pretendia compensar o pas-
sado, dando ao herdeiro de Pedras Negras uma educação
primorosa para que ele fosse digno de seu nome.
Os empregados da fazenda eram bem tratados,
pois Libório achava que um homem com saúde e bem
alimentado produzia mais. Seu homem de confiança era o
capataz, Justino Pires de Souza, nascido na fazenda. Ele
era um vigilante cão de guarda, que cumpria cegamente as
ordens do patrão, sem perguntar se o que fazia era certo
ou errado. Gravitava à volta do fazendeiro como uma
mariposa atraida pela luz, atento aos seus menores gestos.
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Às vezes, bastava um olhar de Libório e Justino entendia o
que devia fazer. Ninguém na fazenda desafiava os poderes
do capataz, pois a desobediência podia custar muito caro.
Isabel, a administradora da casa, também seguia à risca as
ordens do patrão e era de sua total confiança, tanto que
ele confiara a seus cuidados o filho pequeno. Sob seu
comando, ela tinha duas cozinheiras, uma arrumadeira e,
agora, Sofia, a jovem governanta de Júlio César.
Foi nesse ambiente que o menino Júlio César
cresceu e se desenvolveu sob os cuidados da jovem Sofia,
que lhe dedicava todo o carinho e atenção. Ele herdara a
inteligência e a sensibilidade da mãe, cujo temperamento
contrastava com o comportamento do marido, um homem
rude e desprovido de sentimentos e refinamento inte-
lectual.
Capítulo 2
Nove anos se passaram e as coisas na Fazenda Pedras
Negras seguiam sua rotina. Libório Antunes dos Santos
mandara cercar todas as suas terras e vaqueiros armados
com winchesters percorriam as dependências da
propriedade para que ninguém dela se aproximasse.
Dentro das cercas, o gado pastava, as lavouras produziam
muito e a fartura predominava.
Na época das colheitas, grandes carretas carre-
gadas de sacas de milho, trigo e cevada se dirigiam aos
povoados próximos para vender as colheitas. O gado da
propriedade tinha compradores certos e era levado até os
grandes centros do Estado de Santa Catarina e entregue
diretamente aos abatedouros.
O jovem Júlio César participava ativamente da vida
na fazenda. Era um menino esperto, de boa aparência,