Associação Nacional dos Cursos de
Graduação em Administração
Administração: Ensino e Pesquisa Volume 12
Número 4
Rio de Janeiro
Outubro/Novembro/Dezembro
2011
A Administração: Ensino e Pesquisa é um periódico trimestral da ANGRAD
(Associação Nacional dos cursos de Graduação em Administração) que tem
como missão difundir o estado da arte do ensino e pesquisa em Administração.
Administração: Ensino e Pesquisa, v. 12, n. 4, (Outubro/Novembro/Dezembro
2011) – Rio de Janeiro: ANGRAD, 2011 – trimestral.
1. Administração – Periódico
ISSN – 2177-6083
Publicada como Revista ANGRAD no período entre: v.1-10, 2000-2009 - (ISSN
– 1518-5532)
Publicada como Administração: Ensino e Pesquisa a partir de: v.11, 2010.
Projeto Gráfico: Bruno Gomes
Coordenação Editorial: Gabrielle Junqueira Hernandes
Tiragem: 1200
Impressão: Gráfica Vanesul
Data de Impressão: 30 de Dezembro de 2011
As opiniões emitidas nos textos publicados são de total responsabilidade dos
seus respectivos autores. Todos os direitos de reprodução, tradução e adaptação
estão reservados.
A Administração: Ensino e Pesquisa completa um volume a cada ano e é
distribuída gratuitamente aos seus associados. As associações podem ser feitas
por meio da homepage da ANGRAD (www.angrad.org.br). Os números
anteriores estarão disponíveis enquanto durarem os estoques.
Conselho Editorial
Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior
Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo/SP – Brasil
Profa. Dra. Maria da Graça Pitiá Barreto
Universidade Federal da Bahia
Salvador/BA – Brasil
Prof. Dr. Pedro Lincoln
Universidade Federal de Pernambuco
Recife/PE – Brasil
Prof. Dr. Roberto Costa Fachin
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre/RS – Brasil
Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade
Universidade do Grande Rio
Rio de Janeiro/RJ - Brasil
Profa. Dra. Sylvia Constant Vergara
Fundação Getúlio Vargas – Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Profa. Dra. Sylvia Maria Azevedo Roesch
Universidade de Caxias do Sul
Caxias do Sul/RS – Brasil
Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer
Universidade Federal da Bahia
Salvador/BA – Brasil
Editora Científica
Profa. Dra. Manolita Correia Lima
Escola Superior de Propaganda e Marketing
São Paulo/SP – Brasil
Corpo Editorial Científico
Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho
Universidade Federal do Ceará
Fortaleza/CE – Brasil
Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero
Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo
São Paulo/SP – Brasil
Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo/SP – Brasil
Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito
Fundação Getúlio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo
São Paulo/SP – Brasil
Profa. Dra. Manolita Correia Lima
Escola Superior de Propaganda e Marketing
São Paulo/SP – Brasil
Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre/RS – Brasil
Prof. Dr. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida
Universidade de São Paulo
São Paulo/SP – Brasil
Prof. Dr. Piotr Trzesniak
Universidade Federal de Itajubá
Itajubá/MG – Brasil
Profa. Dra. Sônia Maria Rodrigues Calado Dias
Faculdade Boa Viagem
Recife/PE – Brasil
Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães
Universidade de Brasília
Brasília/DF – Brasil
Gestão ANGRAD (2010/2011)
Conselho Diretor
Presidente: Prof. Dr. Mauro Kreuz
Faculdade Campo Limpo Paulista
Campo Limpo Paulista/SP – Brasil
Vice-Presidente: Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes
Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis/SC – Brasil
Diretor de Administração e Finanças: Prof. Dr. Francisco Marcelo Garritano
Barone do Nascimento
Universidade Federal Fluminense
Niterói/RJ – Brasil
Diretor de Ensino e Pesquisa: Prof. Ms. Antônio Gildo Paes Galindo
Faculdade Frassinetti do Recife
Recife/PE – Brasil
Diretor de Relações Institucionais: Prof. Ms. Antônio Carlos Dias Athayde
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Contagem/MG – Brasil
Diretor de Marketing: Profa. Dra. Cláudia de Salles Stadtlober
Instituto Superior de Educação do Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista
Porto Alegre/RS – Brasil
Diretor de Publicações: Profa. Dra. Tânia Maria da Cunha Dias
Faculdade Castro Alves
Salvador/BA – Brasil
Diretor de Relações Internacionais: Prof. Dr. Vicente Nogueira Filho
Associação Internacional de Educação Continuada
Brasília/DF – Brasil
Conselho Fiscal
Prof. Ms. Jorge Henrique Mariano Cavalcante
Faculdades Atenas Maranhenses
São Luís/MA – Brasil
Prof. Dr. Rogério Augusto Profeta
Universidade de Sorocaba
Sorocaba/SP – Brasil
Profa. Dra. Andréa Maria Accioly Minardi
Instituto de Ensino e Pesquisa
São Paulo/SP – Brasil
Suplente: Prof. Ms. José Carlos Pacheco Coimbra
Faculdade de Jaguariúna
Jaguariúna/SP – Brasil
Conselho Consultivo
Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade
Universidade do Grande Rio
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Prof. Dr. Alexander Berndt
Ad Homines Associação Educacional
São Paulo/SP – Brasil
Prof. Dr. Antonio de Araujo Freitas Junior
Fundação Getúlio Vargas - Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Equipe ANGRAD
Superintendente Executivo: Luiz Carlos da Silva
Assessora de Eventos: Helena Almeida
Auxiliar Administrativo: Bruno Gomes
Estagiário – Administração: Raphael Dias de Melo
Estagiária – Comunicação: Thamara Laila Macedo Souto
NOMINATA DE AVALIADORES – AD HOC
A lista a seguir apresenta o nome de professores e pesquisadores
integrantes da Consultoria Editorial, que atuaram como avaliadores ad
hoc durante o ano de 2011 de artigos submetidos à Administração:
Ensino e Pesquisa. A Editoria agradece a colaboração voluntária,
exercida com dedicação e empenho fundamentais para o aperfeiçoamento
da qualidade da revista, contribuindo para elevar sua posição como um
dos principais periódicos nacionais que tem como foco o ensino e a
metodologia de pesquisa aplicados à Administração com vistas a
melhorar o processo de ensino, aprendizagem e pesquisa nos cursos de
Administração.
Profa. Dra. Adelaide Maria Coelho Baêta UNIFEMM MG
Prof. Dr. Ademir Antonio Ferreira UNIP SP
Prof. Dr. Adilson Aderito da Silva UPM SP
Profa. Dra. Adriana Cristina Ferreira Caldana USP/RP SP
Profa. Dra. Adriana Roseli Wünsch Takahashi UFPR PR
Profa. Dra. Adriane Vieira UFMG MG
Prof. Dr. Adriano Leal Bruni UFBA BA
Prof. Dr. Adriel Rodrigues de Oliveira UFV MG
Prof. Dr. Afonso Henriques Borges Ferreira FJP MG
Prof. Dr. Afrânio Carvalho Aguiar FUMEC MG
Prof. Dr. Alberto Borges Matias USP SP
Prof. Ms. Alberto Carlos Teixeira Alvarães UNIABEU RJ
Prof. Dr. Alberto Luiz Albertin FGV/EAESP SP
Profa. Ms. Alessandra Costenaro Maciel UFSM RS
Profa. Ms. Alessandra Mello da Costa UFRRJ RJ
Prof. Dr. Alexandre Pignanelli FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Alipio Ramos Veiga Neto UnP RN
Profa. Dra. Alketa Peci FGV/EBAPE RJ
Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa UFMG MG
Prof. Dr. Amaury José Rezende USP/RP SP
Profa. Dra. Amélia Silveira FURB SC
Profa. Ms. Ana Carolina Peixoto Medeiros IFPE PE
Profa. Dra. Ana Cristina Fachinelli UCS RS
Profa. Dra. Ana Cristina Limongi-França USP SP
Profa. Dra. Ana Maria Roux Valentini Coelho Cesar UPM SP
Profa. Dra. Ana Paula Celso de Miranda UFPE PE
Prof. Dr. Anderson Luiz Rezende Mól UFRN RN
Prof. Dr. André Carlos Busanelli de Aquino USP/RP SP
Prof. Dr. André Luiz Fischer USP SP
Prof. Dr. André Luiz Maranhão de Souza Leão UFPE PE
Prof. Dr. Andre Luiz Silva Samartini FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Andre Torres Urdan FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Andson Braga de Aguiar FUCAPE ES
Profa. Dra. Angela Beatriz Scheffer Garay UFRGS RS
Prof. Dr. Anielson Barbosa da Silva UFPB PB
Profa. Ms. Anne Pinheiro Leal FURG RS
Prof. Dr. Anthero de Moraes Meirelles FNH MG
Profa. Dra. Antonia de Lourdes Colbari UFES ES
Prof. Dr. Antonio Carlos Aidar Sauaia USP SP
Prof. Dr. Antonio Isidro da Silva Filho UnB DF
Prof. Dr. Antônio Luiz Mattos de Souza Cardoso UFES ES
Prof. Dr. Antonio Vico Mañas PUC SP
Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy UPM SP
Prof. Dr. Ariston Azêvedo UFRGS RS
Prof. Dr. Arnaldo José França Mazzei Nogueira USP SP
Prof. Dr. Augusto de Oliveira Monteiro UNIFACS BA
Prof. Dr. Aurio Lucio Leocadio UFPR PR
Prof. Dr. Belmiro do Nascimento João PUC SP
Prof. Dr. Braulio Oliveira FEI SP
Prof. Ms. Breno de Paula Andrade Cruz UFRRJ RJ
Prof. Dr. Bruno Meirelles Salotti USP SP
Profa. Dra. Carla de Oliveira Buss
RS
Prof. Dr. Carlos Alberto Diehl UNISINOS RS
Prof. Dr. Carlos Alberto Gonçalves UFMG MG
Prof. Dr. Carlos Augusto Amaral Moreira FATEC SP
Prof. Dr. Carlos Osmar Bertero FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Carolina M. Saraiva de Albuquerque Maranhão UNA MG
Profa. Dra. Catarina Cecilia Odelius UnB DF
Profa. Ms. Célia Ottoboni UNIFEI MG
Prof. Dr. César Alexandre de Souza USP SP
Prof. Dr. Cesar Nazareno Caselani FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Charles Kirschbaum INSPER SP
Profa. Dra. Christiane Kleinübing Godoi UNIVALI SC
Profa. Ms. Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros UFU MG
Profa. Ms. Clarissa Daguer Braga UFMG MG
Profa. Dra. Cláudia Buhamra Abreu Romero UFC CE
Profa. Dra. Claudia Fernanda Franceschi Klement UPM SP
Profa. Dra. Cláudia Souza Passador USP/RP SP
Profa. Dra. Claudiani Waiandt UFBA BA
Prof. Dr. Cláudio Antônio Tordino PUC SP
Prof. Ms. Claudio de Souza Miranda USP/RP SP
Prof. Dr. Cláudio Hoffmann Sampaio PUC RS
Prof. Dr. Cláudio Parisi FECAP SP
Profa. Dra. Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues UFG GO
Profa. Dra. Clerilei Aparecida Bier UDESC SC
Prof. Dr. Cleverson Renan da Cunha UFPR PR
Prof. Dr. Clovis Luiz Machado-da-Silva UP PR
Profa. Dra. Cristiana Fernandes de Muÿlder FNH MG
Profa. Dra. Cristiana Maria de Abreu Checchia Saito UPM SP
Profa. Dra. Cristiane Vercesi UEL PR
Profa. Dra. Cristina Faria Fidelis Gonçalvez UEL PR
Profa. Dra. Dagmar Silva Pinto de Castro UMESP SP
Prof. Ms. Daniel Gomes dos Reis UPM SP
Prof. Dr. Daniel Jardim Pardini FUMEC MG
Prof. Dr. Dante Pinheiro Martinelli USP/RP SP
Prof. Dr. Delane Botelho FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Denis Donaire USCS SP
Profa. Dra. Denise de Castro Pereira PUC MG
Profa. Dra. Denise Del Prá Netto Machado FURB SC
Profa. Dra. Denise Maria Candiotto Caselani UNINOVE SP
Prof. Dr. Derly Jardim do Amaral UPM SP
Profa. Dra. Dimária Silva e Meirelles UPM SP
Prof. Dr. Diógenes de Souza Bido UPM SP
Profa. Dra. Dione Olesczuk Soutes UNIOESTE PR
Prof. Dr. Dirceu da Silva UNINOVE SP
Profa. Dra. Edimara Mezzomo Luciano PUC RS
Prof. Dr. Edison Mello Junior UFU MG
Profa. Dra. Edna Maria Querido de Oliveira Chamon UNITAU SP
Prof. Ms. Edson Coutinho da Silva FEI SP
Prof. Dr. Edson Luiz Riccio USP SP
Prof. Dr. Eduardo de Camargo Oliva USCS SP
Prof. Dr. Eduardo Loebel UMESP SP
Profa. Dra. Eliane P. Zamith Brito FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Eliane Salete Filippim UNOESC SC
Profa. Dra. Elisa Yoshie Ichikawa UEM PR
Profa. Ms. Elisabete Adami Pereira dos Santos PUC SP
Prof. Dr. Elmano Pontes Cavalcanti UFCG PB
Profa. Dra. Eloise Helena Livramento Dellagnelo UFSC SC
Prof. Dr. Ely Laureano Paiva FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Emanuel Junqueira UFES ES
Prof. Dr. Emerson Antonio Maccari UNINOVE SP
Prof. Dr. Eric David Cohen FUCAPE ES
Prof. Dr. Eric Dorion UCS RS
Profa. Dra. Ester Eliane Jeunon PUC MG
Profa. Dra. Eva Stal UNINOVE SP
Profa. Dra. Evelyn Maria Boia Baptista UFRGS RS
Prof. Dr. Fabiano Rodrigues ESPM SP
Prof. Dr. Fábio Ferreira Batista IPEA DF
Prof. Dr. Fabio Luiz Mariotto FGV/EAESP SP
Prof. Ms. Fabrício César Bastos PUC SP
Profa. Dra. Fanny Fanny Michaan Terepins BSP SP
Profa. Dra. Fátima Bayma de Oliveira FGV/EBAPE RJ
Profa. Dra. Fátima Cristina Trindade Bacellar IBMEC RJ
Profa. Dra. Fátima Regina Ney Matos UNIFOR CE
Prof. Dr. Felipe Mendes Borini ESPM SP
Prof. Dr. Felipe Zambaldi FEI SP
Prof. Dr. Fernando Antonio Prado Gimenez PUC PR
Prof. Dr. Fernando Caio Galdi FUCAPE ES
Prof. Dr. Fernando Coelho Martins Ferreira UPM SP
Prof. Dr. Fernando Coutinho Garcia FNH MG
Prof. Dr. Fernando Dal-Ri Murcia UFSC SC
Profa. Dra. Flávia de Souza Costa Neves Cavazotte IBMEC RJ
Profa. Dra. Flávia Zóboli Dalmácio USP SP
Prof. Ms. Flávio Batistella USP/RP SP
Prof. Dr. Flávio Romero Macau FGV/EAESP SP
Profa. Ms. Francielle Molon da Silva UFRGS RS
Prof. Dr. Francis Kanashiro Meneghetti UP PR
Prof. Dr. Francisco Antonio Serralvo PUC SP
Prof. Dr. Francisco Baccarin UNIMEP SP
Prof. Dr. Francisco Correia de Oliveira UNIFOR CE
Prof. Dr. Francisco Giovanni David Vieira UEM PR
Prof. Dr. Francisco Ilson Saraiva Junior FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Gabriela Cardozo Ferreira PUC RS
Prof. Dr. Gelson Silva Junquilho UFES ES
Prof. Dr. George Leal Jamil FUMEC MG
Prof. Ms. Geraldo Alemandro Leite Filho UNIMONTES MG
Prof. Dr. Gilberto de Andrade Martins USP SP
Prof. Ms. Gilberto José Miranda UFU MG
Prof. Dr. Gilberto Tadeu Shinyashiki USP/RP SP
Prof. Dr. Gilmar Masiero USP SP
Profa. Dra. Graziela Dias Alperstedt UDESC SC
Profa. Dra. Graziella Maria Comini USP SP
Prof. Dr. Guilherme Cunha Malafaia UCS RS
Prof. Ms. Guilherme Mirage Umeda ESPM SP
Prof. Dr. Gustavo Melo Silva UFSJ MG
Prof. Dr. Gustavo Quiroga Souki UNA MG
Prof. Dr. Haroldo Cristovam Teixeira Leite UNIR RO
Prof. Dr. Heitor José Pereira FIA SP
Prof. Dr. Heitor Takashi Kato PUC PR
Prof. Dr. Helder Pontes Régis UFRPE PE
Prof. Dr. Hélio Zanquetto Filho UFES ES
Prof. Dr. Henrique Cordeiro Martins FUMEC MG
Prof. Dr. Henrique Guilherme Carlos Heidtmann Neto UNAMA PA
Profa. Dra. Hilda Coutinho de Oliveira UFC CE
Profa. Dra. Hilka Vier Machado UEM PR
Prof. Dr. Hugo Osvaldo Acosta Reinaldo UFC CE
Profa. Dra. Inês Pereira FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Irene Kazumi Miura USP/RP SP
Profa. Dra. Íris Barbosa Goulart UNIPEL MG
Profa. Dra. Isabel de Sá Affonso da Costa UNESA RJ
Prof. Dr. Ivam Ricardo Peleias FECAP SP
Prof. Dr. Jaime Evaldo Fensterseifer UCS RS
Prof. Dr. James Anthony Falk FBV PE
Profa. Dra. Janete Lara de Oliveira UFMG MG
Profa. Dra. Janette Brunstein UPM SP
Prof. Dr. Jefferson Marçal da Rocha UNIPAMPA RS
Prof. Dr. Jessé Alves Amâncio UFMG MG
Profa. Dra. Joanília Neide Sales Cia USP SP
Prof. Dr. João Eduardo Prudêncio Tinoco UNISANTOS SP
Prof. Dr. João Gualberto Moreira Vasconcellos UFES ES
Prof. Dr. João Marcelo Crubellate UEM PR
Prof. Dr. João Mauricio Gama Boaventura FIA SP
Prof. Dr. João Paulo Lara de Siqueira UNIP SP
Prof. Dr. Joel Souza Dutra USP SP
Prof. Dr. Jorge Augusto de Sá Brito e Freitas UNESA RJ
Prof. Dr. Jorge Carneiro PUC RJ
Prof. Dr. Jorge de Souza Bispo FIPECAFI SP
Prof. Dr. Jorge Eduardo Scarpin FURB SC
Prof. Dr. Jorge Expedito de Gusmão Lopes UFPE PE
Prof. Dr. Jorge Katsumi Niyama UnB DF
Prof. Dr. Jorge Luiz Moraes Doval UNISC RS
Prof. Dr. José Alberto Carvalho dos Santos Claro UNISANTOS SP
Prof. Dr. José Alonso Borba UFSC SC
Prof. Dr. José Carlos Thomaz UPM SP
Prof. Dr. José da Cunha Tavares FEI SP
Prof. Dr. José Dutra de Oliveira Neto USP/RP SP
Prof. Ms. José Elias Feres de Almeida UFES ES
Prof. Dr. José Francisco Ribeiro Filho UFPE PE
Prof. Dr. José Geraldo Pereira Barbosa UNESA RJ
Prof. Dr. José Luiz Trinta IBMEC RJ
Prof. Dr. José Marcos Carvalho de Mesquita FUMEC MG
Prof. Dr. José Maria Dias Filho UFBA BA
Prof. Dr. José Mauro da Costa Hernandez FEI SP
Prof. Dr. José Nilson Reinert UFMS MS
Prof. Dr. José Osvaldo de Sordi FACCAMP SP
Prof. Dr. José Paulo de Souza UEM PR
Prof. Dr. José Roberto Gomes da Silva PUC RJ
Profa. Dra. Jouliana Jordan Nohara UNINOVE SP
Profa. Dra. Joyce Ajuz Coelho ESPM RJ
Prof. Dr. Jucimara Roeslen UNISUL SC
Profa. Dra. Juliana Barreiros Porto UnB DF
Prof. Dr. Júlio César Bastos de Figueiredo ESPM SP
Profa. Dra. Karen Perrotta Lopes de Almeida Prado UPM SP
Profa. Dra. Kely César Martins de Paiva FNH MG
Prof. Dr. Ladislau Dowbor PUC SP
Prof. Ms. Lauro César Vieira Filho FBV PE
Prof. Dr. Lélis Balestrin Espartel PUC RS
Prof. Dr. Leonardo Ensslin UFSC SC
Prof. Dr. Leonardo Nelmi Trevisan PUC SP
Prof. Dr. Leonardo Pereira Santiago UFMG MG
Prof. Dr. Leonardo Rocha de Oliveira PUC RS
Profa. Dra. Letícia Helena Medeiros Veloso UFF RJ
Profa. Dra. Lilian Aparecida Pasquini Miguel UPM SP
Profa. Dra. Lilian Soares Outtes Wanderley UFPE PE
Prof. Ms. Lindomar Pinto da Silva FAT BA
Profa. Dra. Lúcia Maria Barbosa de Oliveira FBV PE
Profa. Dra. Luciana Flores Battistella UFSM RS
Profa. Ms. Luciana Jacques Faria ESPM SP
Profa. Dra. Luciana Marques Vieira UNISINOS RS
Profa. Dra. Luciana Pucci Santos UFRRJ RJ
Prof. Dr. Luciano Rossoni UP PR
Prof. Dr. Luciano Thomé e Castro FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Lucio França Teles UnB DF
Prof. Dr. Luis Felipe Nascimento UFRGS RS
Prof. Dr. Luis Henrique Pereira FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Luís Paulo Bresciani USCS SP
Prof. Dr. Luiz Alberto Nascimento Campos Filho IBMEC RJ
Prof. Dr. Luiz Antônio Antunes Teixeira FUMEC MG
Prof. Ms. Luiz Antonio Teixeira Vasconcelos UNICAMP SP
Prof. Dr. Luiz Artur Ledur Brito FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Luiz Carlos Honório FNH MG
Prof. Dr. Luiz Carlos Jacob Perera UPM SP
Prof. Dr. Luiz Claudio Vieira de Oliveira FUMEC MG
Prof. Dr. Luiz Gonzaga de Castro Junior UFLA MG
Prof. Dr. Luiz Ojima Sakuda FEI SP
Prof. Dr. Luiz Tatto UEM PR
Prof. Dr. Magnus Luiz Emmendoerfer UFV MG
Profa. Dra. Manolita Correia Lima ESPM SP
Profa. Dra. Mara Jane Contrera Malacrida USP SP
Prof. Dr. Marcelo Afonso Ribeiro USP SP
Prof. Dr. Marcelo Alvaro da Silva Macedo UFRJ RJ
Prof. Dr. Marcelo Gattermann Perin PUC RS
Prof. Dr. Marcelo Pereira Binder UNINOVE SP
Profa. Dra. Márcia Athayde Matias UFMG MG
Profa. Dra. Márcia da Silva Costa UFPB PB
Profa. Dra. Marcia Dutra de Barcellos UFRGS RS
Profa. Dra. Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo UFPR PR
Profa. Dra. Márcia Martins Mendes de Luca UFC CE
Profa. Ms. Márcia Reis Machado UFPB PB
Prof. Dr. Márcio Coelho UAM SP
Profa. Ms. Marcleide Maria Macêdo Pederneiras UFPB PB
Prof. Dr. Marco Aurélio Marques Ferreira UFV MG
Prof. Dr. Marco Milani UPM SP
Prof. Dr. Marcos Amatucci ESPM SP
Prof. Dr. Marcos do Couto Bezerra Cavalcanti UFRJ RJ
Prof. Dr. Marcos Gilson Gomes Feitosa UFPE PE
Profa. Dra. Maria Aparecida Ferreira de Aguiar
SP
Profa. Ms. Maria Campos Lage UPM SP
Profa. Dra. Maria Ceci Misoczky UFRGS RS
Profa. Dra. Maria Cecilia Coutinho de Arruda FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Maria Célia Pacheco Lassance UFRGS RS
Profa. Dra. Maria Cristina Cacciamali USP SP
Profa. Dra. Maria do Carmo Fernandes Martins UMESP SP
Profa. Dra. Maria Elizabeth Barros de Barros UFES ES
Profa. Dra. Maria Ester Menegasso UDESC SC
Profa. Dra. Maria Iolanda Sachuk UEM PR
Profa. Dra. Maria Ivete Trevisan Fossá UFSM RS
Profa. Dra. Maria José Carvalho de Souza Domingues FURB SC
Profa. Dra. Maria Julia Pantoja UnB DF
Profa. Dra. Maria Luisa Mendes Teixeira UPM SP
Profa. Dra. Maria Nivalda de Carvalho-Freitas UFSJ MG
Profa. Dra. Maria Virginia Llatas UPM SP
Profa. Dra. Marialva Tomio Dreher FURB SC
Profa. Dra. Marília Novais da Mata Machado UFSJ MG
Profa. Dra. Mariluce Paes de Souza UNIR RO
Profa. Dra. Marina Keiko Nakayama UFSC SC
Prof. Dr. Mário Aquino Alves FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Mário César Barreto Moraes UDESC SC
Prof. Dr. Mário Teixeira Reis Neto UNA MG
Profa. Dra. Marisa Pereira Eboli USP SP
Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo FNH MG
Profa. Dra. Marta Fabiano Sambiase Lombardi UPM SP
Prof. Dr. Martinho Isnard Ribeiro de Almeida USP SP
Prof. Dr. Mateus Canniatti Ponchio ESPM SP
Prof. Dr. Mauri Leodir Löbler UFSM RS
Prof. Dr. Maurício Fernandes Pereira UFSC SC
Prof. Dr. Maurício Gregianin Testa PUC RS
Prof. Ms. Mauricio Henrique Benedetti UPM SP
Prof. Dr. Maurício Reinert do Nascimento UEM PR
Prof. Dr. Mauro Lemuel Alexandre UFRN RN
Prof. Dr. Milton Luiz Wittmann UFSM RS
Profa. Dra. Mírian Oliveira PUC RS
Prof. Dr. Moacir de Miranda Oliveira Junior USP SP
Profa. Dra. Mônica Carvalho Alves Cappelle UFLA MG
Profa. Dra. Mônica Sionara Schpallir Calijuri UPM SP
Prof. Dr. Murilo Alvarenga Oliveira UFF RJ
Prof. Dr. Nério Amboni UDESC SC
Prof. Dr. Nicolau André de Miguel FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Octavio Ribeiro de Mendonça Neto UPM SP
Prof. Dr. Oscar Dalfovo FURB SC
Profa. Dra. Patricia Morilha Muritiba UNINOVE SP
Profa. Ms. Patricia Regina Caldeira Daré Artoni UPM SP
Profa. Dra. Patrícia Siqueira Varela FURB SC
Profa. Dra. Patricia Vidal UPM SP
Profa. Dra. Patricia Whebber Souza de Oliveira UnP RN
Prof. Dr. Paulo Carlos Du Pin Calmon UnB DF
Prof. Dr. Paulo da Costa Lopes UEL PR
Prof. Dr. Paulo Henrique Muller Prado UFPR PR
Prof. Dr. Paulo Sabbag FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Pedro Bendassolli UFRN RN
Prof. Dr. Pedro José Steiner Neto UFPR PR
Prof. Dr. Pedro Lincoln UFPE PE
Prof. Dr. Pelayo Munhoz Olea UCS RS
Prof. Dr. Pierre Ohayon UFRJ RJ
Prof. Dr. Piotr Trzesniak UNIFEI MG
Prof. Dr. Rafael Alcadipani da Silveira FGV/EAESP SP
Prof. Ms. Rafael Lucian UFPE PE
Prof. Dr. Ramon Silva Leite PUC MG
Prof. Ms. Raniery Christiano de Queiroz Pimenta UnP RN
Profa. Dra. Raquel Cristina Radamés de Sá UFU MG
Profa. Dra. Raquel da Silva Pereira USCS SP
Profa. Ms. Renata Céli Moreira da Silva PUC RJ
Prof. Dr. Renato Ladeia de Oliveira FEI SP
Prof. Dr. Renê Coppe Pimentel FIPECAFI SP
Prof. Dr. Reynaldo Cavalheiro Marcondes UPM SP
Prof. Ms. Ricardo Ceneviva USP SP
Prof. Dr. Ricardo Quadros Gouvêa UPM SP
Prof. Dr. Ricardo Teixeira Veiga UFMG MG
Profa. Dra. Roberta Muramatsu UPM SP
Prof. Dr. Roberto Borges Kerr UPM SP
Prof. Dr. Roberto Coda USP SP
Prof. Dr. Roberto Costa Fachin UFRGS RS
Prof. Dr. Roberto Fava Scare USP/RP SP
Prof. Dr. Roberto Gardesani UPM SP
Prof. Dr. Roberto Gonzalez Duarte UFMG MG
Prof. Dr. Roberto Patrus-Pena PUC MG
Prof. Dr. Roberto Sérgio do Nascimento UFC CE
Prof. Dr. Rodrigo Bandeira-de-Mello FGV/EAESP SP
Prof. Dr. Rodrigo Baroni de Carvalho FUMEC MG
Prof. Dr. Rodrigo Ladeira UFBA BA
Prof. Dr. Romilson Marques Cabral UFRPE PE
Profa. Dra. Rosália Aldraci Barbosa Lavarda FURB SC
Profa. Dra. Rosane Rivera Torres USP SP
Profa. Dra. Rosânia Rodrigues de Sousa FJP MG
Profa. Dra. Roseli Morena Porto FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Rosinha Machado Carrion UFRGS RS
Prof. Dr. Rui Otávio Bernardes de Andrade UNIGRANRIO RJ
Prof. Dr. Salomão Alencar de Farias UFPE PE
Prof. Dr. Saulo Soares de Souza UPM SP
Prof. Dr. Sergio Bulgacov UFPR PR
Prof. Dr. Sergio Hage Fialho UNIFACS BA
Prof. Dr. Sergio Luiz Lessa de Gusmão PUC RS
Profa. Ms. Sheizi Calheira de Freitas UFBA BA
Profa. Dra. Silvia Generali da Costa UFRGS RS
Profa. Dra. Silvia Marcia Russi De Domenico UPM SP
Prof. Dr. Silvio Carvalho Neto FACEF SP
Prof. Dr. Silvio Popadiuk UPM SP
Profa. Dra. Simone Costa Nunes PUC MG
Profa. Dra. Simone Cristina Dufloth FJP MG
Profa. Dra. Simone da Costa Fernandes Behr UFES ES
Profa. Dra. Simone Ghisi Feuerschütte UDESC SC
Profa. Dra. Sonia Valle Walter Borges de Oliveira USP/RP SP
Profa. Dra. Stella Naomi Moriguchi UFU MG
Profa. Dra. Sueli Angelica do Amaral UnB DF
Profa. Ms. Susane Petinelli Souza UFES ES
Profa. Dra. Sylmara Lopes Francelino Gonçalves Dias UNINOVE SP
Profa. Dra. Sylvia Maria Azevedo Roesch UCS RS
Prof. Dr. Tales Andreassi FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Talita Ribeiro da Luz FNH MG
Profa. Dra. Tania Casado USP SP
Profa. Dra. Tânia Maria Diederichs Fischer UFBA BA
Profa. Dra. Tania Modesto Veludo de Oliveira FGV/EAESP SP
Profa. Dra. Tania Nobre Gonçalves Ferreira Amorim UFRPE PE
Profa. Ms. Tânia Regina Frota Vasconcellos Dias UFRRJ RJ
Profa. Dra. Tania Regina Sordi Relvas USP SP
Profa. Dra. Thelma Lucchese Cheung UFMS MS
Prof. Dr. Tomás de Aquino Guimarães UnB DF
Prof. Dr. Valdir Machado Valadão Júnior UFU MG
Profa. Dra. Valmíria Carolina Piccinini UFRGS RS
Profa. Dra. Valquiria Padilha USP/RP SP
Prof. Dr. Valter Afonso Vieira UFPR PR
Prof. Dr. Valter de Assis Moreno Junior IBMEC RJ
Profa. Dra. Vania de Fátima Barros Estivalete UFSM RS
Profa. Dra. Vânia Maria Jorge Nassif UPM SP
Profa. Dra. Vera Lúcia Cançado Lima FPL MG
Profa. Dra. Vera Maria Medina Simonetti UNESA RJ
Prof. Dr. Vicente Lima Crisóstomo UFC CE
Prof. Ms. Wagner Juniro Ladeira UNISINOS RS
Prof. Dr. Wanderley Ramalho UFMG MG
Prof. Dr. Washington José de Souza UFRN RN
Prof. Dr. Wendel Alex Castro Silva FNH MG
Prof. Ms. Willson Gerigk UNICENTRO PR
Prof. Ms. Zacarias Gonçalves de Oliveira Junior UNIMEP SP
Profa. Dra. Zélia Miranda Kilimnik FUMEC MG
EDITORIAL
As transformações em curso no universo acadêmico tem requerido crescente número de
professores que além de exímios docentes, orientadores, pesquisadores e autores,
destaquem-se na gestão acadêmica. A professora Eliane Pereira Zamith Brito é um
exemplo dessa geração de super profissionais. Em 2009 conciliou as atividades típicas
de professora, com as responsabilidades de Editora Científica do periódico editado pela
ANGRAD, ao ser convidada pelo professor Antonio Araújo Freitas Júnior, então
presidente da referida Associação. Esteve à frente da RAEP até 2011, quando assumiu a
coordenação da Área de Administração, Ciências Contábeis e Turismo na CAPES.
Pela exemplaridade do trabalho realizado na condução do periódico seria
impossível não externar a admiração pela pessoa, acadêmica e profissional na
expectativa de que concluída a sua passagem pela CAPES, ela possa se reaproximar da
RAEP, sem quaisquer conflitos éticos. Acreditando na singularidade das pessoas, não há
pretensão de substituir a professora Eliane Pereira Zamith Brito. Apenas realizar um
trabalho alinhado com o por ela conduzido, na expectativa de que o periódico se
consolide junto à comunidade acadêmica, e colabore sobremaneira para o fortalecimento
da Administração pela contribuição das reflexões em temas subordinados à produção
(metodologia de pesquisa) e difusão (ensino – aprendizagem) de conhecimento na Área.
Aproveito a oportunidade para agradecer aos dirigentes da ANGRAD, particularmente
aos professores Mauro Kreuz (presidente) e Mário César Barreto Moraes (vice-
presidade), pela confiança depositada em meu trabalho. Confiança externada por
confiarem (desde a origem) a coordenação da área de Ensino, Pesquisa e Formação
Docente no Enangrad, e acatarem a indicação da professora Eliane Pereira Zamith Brito
(em julho de 2011) para que eu assumisse a responsabilidade de Editora Científica da
RAEP, depois de sua retirada.
Destaco que a mudança ocorrida na condução da RAEP é apenas circunstancial,
por isso mesmo, reitero a ausência de motivação para promover mudanças radicais no
periódico. Para ser mais coerente com os termos da divulgação do periódico no sítio da
ANGRAD, uma proposta de ajustes foi encaminhada para os dirigentes da Associação e
aguardo uma posição institucional para gerar alguma comunicação com a comunidade
acadêmica. De toda forma, sugestões estão sendo encaminhadas e serão muito bem
vindas, não apenas agora. Afinal, a vitalidade de um periódico acadêmico depende do
envolvimento de autores, leitores, e pareceristas. Por isso mesmo, a aproximação
desejada com esses públicos parece essencial.
Esse número da RAEP ainda foi integralmente conduzido pela professora
Eliane Pereira Zamith Brito, com o suporte de Gabrielle Junqueira Hernandes. Na
trilha de que somos o que escrevemos e escrevemos o que somos, grande parte dos
autores e textos aqui reunidos é bastante conhecida pela contribuição que tem dado á
Área, apesar de alguns serem mais experientes do que outros. Com a preocupação de
imprimir certa organicidade e sequência lógica, os seis textos selecionados de acordo
com os procedimentos divulgados na política editorial encontrada ao final de cada
edição, o primeiro trabalho, intitulado Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-
Estruturalista: Recuperando o pragmatismo Foucaultiano-Deleuziano, de autoria de
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani, empreende uma reflexão de
natureza epistemológica ao investir na defesa da perspectiva crítica pós-estruturalista,
particularmente adotada nos estudos organizacionais críticos e, para tanto, os autores
resgatam elementos presentes no pensamento Foucaultiano e na filosofia Deleuziana.
O segundo texto, Interacionismo Simbólico: origens, pressupostos e
contribuições aos estudos organizacionais, de Virgínia Donizete de Carvalho, situa o
leitor acerca de aspectos estruturantes da abordagem sociológica nomeada
interacionismo simbólico. Com essa preocupação, a autora resgata as origens,
pressupostos e possibilidades de contribuição da referida abordagem aos estudos
organizacionais. Para tanto, examina concepções desta corrente teórica, abordada os
marcos iniciais da estruturação do movimento interacionista simbólico, as divergências
conceituais e metodológicas das Escolas de Chicago e Iowa, além das principais críticas
dirigidas a esta perspectiva teórica.
O terceiro texto, escrito por Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal
Jackson Filho, e Marcio Pascoal Cassandre, intitulado Change Laboratory: uma
proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da aprendizagem
organizacional, aprofunda aspectos pertinentes a uma metodologia de pesquisa
relativamente recente – estruturada no início da década de 1990 – reconhecidamente
intervencionista, e não por acaso nomeada laboratório de mudança. O quarto texto,
intitulado de O Uso da Internet em Surveys: oportunidades e desafios, de autoria dos
professores Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib discute o uso
da internet nas pesquisas de levantamento de dados alinhadas ao método survey,
aprofundando a discussão de questões que são exclusivas deste meio e daquelas comuns
a outros ambientes de pesquisa, mas que apresentam particularidades quando no
ambiente online.
Concentrando-se em uma reflexão crítica acerca da formação do Administrador
no contexto do neoliberalismo, o quinto texto, Universidade, Sociedade e Formação do
Administrador: uma reflexão necessária, de autoria de Rebeca de Moraes Ribeiro de
Barcellos, Eloise Helena do Livramento Dellagnelo, e Gabriel Portela Saliés, resgata a
função da universidade na sua relação com a sociedade como contexto para se
aprofundar na formação do Administrador. Para tanto, atem-se aos espaços onde o
trabalho do Administrador é pertinente, discute o tipo de conhecimento disponível e
disseminado sobre organizações e gestão, e sinaliza os limites da concepção de
organização predominante nos ensinamentos da Administração.
O sexto e último texto, de autoria dos professores Sônia Maria Rodrigues
Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães, Quem Ensina um Professor a
Ser Orientador? Proposta de um Modelo de Orientação de Monografias, Teses e
Dissertações, resulta de investigação em que os autores localizam as limitações da
atividade de orientação e propõem uma metodologia de orientação de pesquisas
orientadas para o desenvolvimento de trabalhos monográficos de natureza acadêmica,
com base no que nomeiam de “planilha didática”. Levando-se em conta o espaço
ocupado pela pesquisa, não apenas entre mestrados e doutorados, mas também no ensino
médio (com o PIBIC Júnior) e na graduação, particularmente com os programas de
iniciação científica e trabalho de conclusão de curso, certamente a discussão será
valiosa.
Além de excelente leitura, desejo que os textos aqui reunidos representem
particular fonte de reflexão para estudantes, professores, pesquisadores, orientadores, e
de inspiração para futuros autores.
Manolita Correia Lima
Editora Científica
SUMÁRIO
ARTIGOS
ARTICLES
557-582 EM DEFESA DE UMA CRÍTICA ORGANIZACIONAL PÓS-
ESTRUTURALISTA: RECUPERANDO O PRAGMATISMO
FOUCAULTIANO-DELEUZIANO
IN DEFENSE OF A POST-STRUCTURALIST ORGANIZATIONAL
CRITIQUE: RECOVERING THE FOUCALDIAN-DELEUZIAN
PRAGMATISM
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
583-607 INTERACIONISMO SIMBÓLICO: ORIGENS, PRESSUPOSTOS E
CONTRIBUIÇÕES AOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
SYMBOLIC INTERACTIONISM: ORIGINS, ASSUMPTIONS AND
CONTRIBUTIONS TO ORGANIZATIONAL STUDIES
Virgínia Donizete de Carvalho
609-638 CHANGE LABORATORY: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
PARA PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL
CHANGE LABORATORY: A METHODOLOGICAL APPROACH
FOR RESEARCH AND DEVELOPMENT OF ORGANIZATIONAL
LEARNING
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho
e Marcio Pascoal Cassandre
639-670 O USO DA INTERNET EM SURVEYS: OPORTUNIDADES E
DESAFIOS
INTERNET-BASED SURVEYS: OPPORTUNITIES AND
CHALLENGES
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha
Dib
671-696 UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E FORMAÇÃO DO
ADMINISTRADOR: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
UNIVERSITIES, SOCIETY AND THE EDUCATING OF
MANAGERS: A NECESSARY REFLECTION
Rebeca de Moraes Ribeiro de Barcellos, Eloise Helena do
Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
697-721 QUEM ENSINA UM PROFESSOR A SER ORIENTADOR?
PROPOSTA DE UM MODELO DE ORIENTAÇÃO DE
MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES
WHO TEACHES A TEACHER TO BE AN ADVISOR?
PROPOSING A MODEL OF GUIDANCE FOR MONOGRAPHS,
DISSERTATIONS AND THESES
Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e
Yana Torres de Magalhães
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 557
EM DEFESA DE UMA CRÍTICA ORGANIZACIONAL PÓS-ESTRUTURALISTA:
RECUPERANDO O PRAGMATISMO FOUCAULTIANO-DELEUZIANO
IN DEFENSE OF A POST-STRUCTURALIST ORGANIZATIONAL CRITIQUE:
RECOVERING THE FOUCALDIAN-DELEUZIAN PRAGMATISM
MARIA FERNANDA RIOS CAVALCANTI ([email protected])
RAFAEL ALCADIPANI
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE
SÃO PAULO
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo defender a perspectiva crítica pós-
estruturalista de algumas contestações recentes acerca de sua legitimidade, feitas
nos estudos organizacionais críticos contemporâneos. A proposta é seguir o fio
condutor da visão pragmática para resgatar elementos desta visão de mundo,
presentes no pensamento Foucaultiano e na filosofia Deleuziana, na tentativa de
tecer algumas possíveis respostas a tais contestações. Para atingir este objetivo,
primeiramente expõe-se a polaridade existente nos estudos organizacionais
críticos brasileiros entre adeptos da teoria crítica e pós-estruturalistas, que se
fazem transparecer em alguns debates recentes. Busca-se, desta forma, destacar
suas diferentes visões a respeito do que constitui uma abordagem crítica na
análise organizacional, bem como seus principais argumentos. Considera-se
importante dar continuidade a tais debates, uma vez que se enxergam alguns
mal-entendidos acerca da crítica pós-estruturalista que merecem ser esclarecidos.
Destaca-se como ponto importante presente nesta polaridade a disputa a respeito
das diferentes leituras de Foucault feitas pelas duas abordagens. Argumenta-se
que os elementos pragmáticos presentes em sua obra impossibilitam que seu
pensamento seja posto ao lado de teóricos crítico tendo em vista o seu
importante rompimento com o humanismo. Em seguida, inicia-se a análise da
filosofia da Diferença Deleuziana, seguindo também um fio condutor
pragmático, para responder as contestações, que se baseiam no fato de os pós-
estruturalistas abrirem mão de uma crítica dialética, ou do “trabalho dialético”,
em prol de um “jogo da diferença”. Será Indicado como a filosofia Deleuziana
aproxima-se de um posicionamento pragmático por meio de seu conceito de
Diferença, contrapondo-se também às vertentes filosóficas, que embasam a
teoria crítica. Finalmente, na conclusão, considera-se plausível afirmar a
possibilidade de uma crítica pós-estruturalista, que se constitui como uma
alternativa válida e digna de investigação perante uma abordagem crítica, que
ainda possui raízes teóricas modernistas.
Palavras-chave: Estudos Organizacionais Críticos; Pós-estruturalismo;
Pragmatismo; Foucault; Deleuze.
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
558 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011
ABSTRACT
This paper is aimed at defending the critical post-structuralist point of
view against recent claims regarding its legitimacy originating from
contemporary, critical organizational studies. It proposes to follow the
underlying thread of the pragmatic point of view to recover some of its
elements present in Foucaldian thought and Deleuzian philosophy and so
weave together possible replies to these claims. In order to do so, the two
poles of Brazil’s critical organizational studies – critical theory and post-
structuralism – that have appeared in recent debates, are first exposed.
This seeks to highlight their different points of views as regards what
constitutes a critical approach to organizational analysis, as well as their
main arguments. It is considered that continuing such debates is
important, as they have thrown up certain misunderstandings regarding
post-structuralist critique that deserve to be rectified. An important point
that is highlighted as being present in these opposing points of view
comprises the different interpretations of Foucault’s thoughts made by the
two approaches. It is argued that the pragmatic elements found in his
work make it impossible for his thinking to be placed alongside critical
theorists, especially given his significant break from humanism. The
paper then begins an analysis of Deleuze’s philosophy of difference, also
following the underlying thread of pragmatism, to reply to the claims
based on the fact that the post-structuralists abandoned the critical
dialectical method in favor of “the difference game”. The paper will show
how Deleuzian philosophy nears a pragmatic position through its concept
of Difference, standing in counterpoint to the philosophical branches that
serve as the basis for critical theory. It is concluded that affirming the
possibility of post-structuralist critique is plausible and constitutes a valid
and worthy alternative avenue of investigation for a critical approach
whilst also possessing modernist theoretical roots.
Keywords: Critical Organizational Analysis; Post-structuralism;
Pragmatism; Foucault; Deleuze.
INTRODUÇÃO
A inquietação primordial que move o presente artigo surgiu baseada na
constatação de que se vê emergirem nas organizações, e no contexto da
organização social de forma mais ampla, desafios à reflexão teórica cujos
subsídios críticos, muitas vezes, falham em dar conta. Autores como
Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 559
Hardt e Negri (2004) afirmam que alguns dos modelos fundamentais que
no passado moveram a crítica e o ativismo político tornaram-se hoje
“imprestáveis e superados”. Corroborando a visão de Hardt e Negri
(2004), Deleuze (1992) afirma que o pensamento crítico contemporâneo
já não teria à sua disposição a imagem de uma classe
proletariada/trabalhadora a quem bastaria “tomar consciência” para
oferecer resistência e, portanto, emancipar-se frente a determinados
malefícios do sistema. Segundo Bronzo e Garcia (2000), a partir da
década de 1970, ocorre um processo complexo de transformações sociais,
econômicas, institucionais e tecnológicas no desenvolvimento do
capitalismo global, cujas mudanças viriam a afetar profundamente a
dinâmica organizacional e exigiriam outras formas de expressão.
Alcadipani e Tureta (2009b) afirmam, também, que tais transformações
acabam por criar novas formas de dominação que precisariam ser
explicadas, ou problematizadas. Vè-se que alguns termos - tomada de
consciência, proletariado, emancipação, etc. – tão caros a uma
determinada concepção de crítica imbricada na modernidade, tendem a
parecer obsoletos quando confrontados com tais transformações.
Tendo em vista o contexto aqui colocado, busca-se defender a
legitimidade de uma perspectiva crítica pós-estruturalista, tomada como
uma alternativa válida, merecedora de investigação e que busca dar conta
de tal contexto social. Ao fazer frente a algumas contestações que vêm
sendo feitas a seu respeito, procura-se re-afirmar que tal perspectiva seria
um importante contraponto nos debates tecidos acerca da crítica e de seu
papel nos estudos organizacionais contemporâneos. Para alcançar tal
objetivo, primeiramente serão tratadas as diferenças entre duas
abordagens críticas existentes nos estudos organizacionais: a teoria crítica
e o pós-estruturalismo (ALVESSON; DEETZ, 1999). Vê-se, no Brasil,
uma série de debates recentes que evidenciam tal polaridade.
Será utilizada, principalmente, a edição especial dos Cadernos
EBAPE.BR como referência para trazer à tona uma amostra dos mesmos,
tendo como objetivo também dar continuidade ao debate iniciado no
EnEO 2008, que serviu de motivação para a confecção do número em
questão. Tal exercício torna-se relevante uma vez que visa a contribuir
para a continuidade deste debate nos estudos organizacionais brasileiros,
uma vez que há ainda a necessidade de se desfazerem alguns mal-
entendidos, que cercam uma perspectiva crítica pós-estruturalista.
Além de debater as principais divergências existentes entre as duas
abordagens, será dado prosseguimento ao artigo, elucidando o que seria
uma disputa, de acordo com Paula (2008), de possíveis leituras da obra de
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
560 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011
Foucault. Para defender um possível ponto de vista pós-estruturalista
(abordagem esta que estaria ao lado da pós-moderna, apesar de não
coincidir com a mesma), procura-se mostrar um Foucault pragmático,
buscando evidências de que esta característica subsidiaria uma postura
crítica, que se afasta da concepção mais tradicional, geralmente vinculada
à teoria crítica.
Em detrimento das convergências entre o pensamento Deleuziano
e Foucaultiano, enquanto o último passou a ser explorado de forma
relevante no campo dos estudos organizacionais, já a partir da década de
1980 (ALCADIPANI, 2005), o pensamento de Gilles Deleuze permanece
relativamente pouco explorado. A proposta é resgatar o conceito de
Diferença da filosofia de Gilles Deleuze como meio de trazer à superfície
a possibilidade de ultrapassar perspectivas filosóficas, que servem de
subsídio à crítica com raízes modernistas, alimentando nostalgias e
desgastando o papel do intelectual dito crítico na dinâmica da realidade
organizacional (abordagem que é tratada muitas vezes de modo
pejorativo, segundo MIZOCZKY e ANDRADE, 2005a). Finalmente, no
último tópico deste artigo, busca-se indicar como os elementos
pragmáticos presentes no pensamento Foucaultiano e na Filosofia da
Diferença Deleuziana não só servem de subsídio para uma defesa da
perspectiva crítica pós-estruturalista frente aos duros ataques que esta
vem recebendo, como têm em si a capacidade de levar a crítica a traçar
novos rumos e caminhos na contemporaneidade.
A CRÍTICA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS: EXPLORANDO AS
DIFERENÇAS
De acordo com Paula (2008), existiria um acordo precário sobre o que
seria a crítica e qual o seu papel no já marginalizado grupo de acadêmicos
que adotam uma visão crítica nos estudos organizacionais. Alcadipani e
Tureta (2009b) corroboram tal visão, afirmando a existência de uma
disputa acerca do que pode, ou não, ser considerado crítico neste campo.
Os debates que cercaram tal problemática durante o V Encontro de
Estudos Organizacionais, ocorrido na cidade de Belo Horizonte em 2008,
deram origem a um número temático dos Cadernos EBAPE.BR, onde
cinco professores com produção acadêmica relevante na área foram
convidados a expor seus pontos de vista divergentes acerca do estado
atual da crítica organizacional brasileira. Nesse tópico, serão enfocados os
artigos de Paula et al. (2009), Paula (2009) Alcadipani e Tureta (2009a,
Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:
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2009b), uma vez que tais trabalhos representam a polaridade que se
pretende explorar.
Num primeiro artigo, Paula et al. (2009) opõem-se ao que chamam
de fragmentação de um movimento intelectual que, por não pertencer ao
mainstream, deveria preocupar-se em fortalecer-se ao contrário de
fragmentar-se. Tal argumento pode ser interpretado como uma tendência
à abordagem totalizante, ou uma oposição ao pluralismo do movimento
crítico que, de acordo com o argumento das autoras. Paula et al. (2009)
justificam tal oposição por considerarem este pluralismo arriscado e
relativista.
Buscando propor uma maneira de fortalecer o movimento
intelectual crítico que as mesmas defendem, as autoras fazem duras
críticas à perspectiva pós-estruturalista, destacando que esta “descarta
qualquer tipo de razão, eliminando o critério de explicação que distingue
o nu e o mascarado [...] como tudo é relativo, tudo é justificável, não
sendo mais possível identificar o que pode ser considerado dominação ou
emancipação” (PAULA; MARANHÃO; BARROS, p. 396, 2009). Desta
forma, as autoras expõem que o pós-estruturalismo torna a crítica
impossível por abrir mão do sujeito autônomo; em outras palavras, do
sujeito transcendental. As autoras afirmam, assim, que os ditos pós-
estruturalistas contribuem para que se perca a fé na potencialidade do
sujeito, ou seja, em sua potência de agir. Uma vez que se trata de uma
perspectiva crítica, não seria preciso dizer que tal acontecimento teria
consequências desastrosas, como, por exemplo, a concepção de um
indivíduo incapaz de refletir de forma autônoma e de libertar-se de
determinadas amarras (PAULA, 2008).
Alcadipani e Tureta (2009a), por outro lado, acreditam que a
inserção de perspectivas críticas pós-estruturalistas no desenvolvimento
da crítica nacional favoreceria o engendramento de “novas óticas de
análise capazes de explorar nuanças não apreendidas pelas perspectivas
tradicionais” (ALCADIPANI; TURETA, 2009a, p. 411). Alcadipani e
Tureta (2009b) também não poupam críticas à perspectiva dita
tradicional, afirmando que tal abordagem parece basear-se no princípio de
que caberia a “poucos iluminados” (intelectuais) compreender melhor a
realidade do que os demais e que, portanto, haveria a insinuação de uma
espécie de missão que objetivaria “salvar as pessoas”. Os autores
destacam a arrogância de tal postura e também seu caráter perigoso, uma
vez que tende ao totalitarismo de ideias.
Se, por um lado, Alcadipani e Tureta (2009a) argumentam que
este embate em busca da legitimação de uma perspectiva crítica pareça
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
562 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011
caminhar para uma definição de que somente os filiados à tradição
marxista e à teoria crítica da Escola de Frankfurt possam ser vistos como
“críticos autênticos”, por outro lado, Paula et al. (2009) parecem crer que
o pós-estruturalismo possa integrar-se ao movimento crítico, desde que o
mesmo seja resgatado com maior seriedade. As autoras explicam que as
críticas direcionadas ao comprometimento desta perspectiva com “a
crítica” devem-se ao fato de que a mesma é apresentada, muitas vezes, de
forma caricatural, apontando que, para que tal integração torne-se
possível, “talvez seja necessário constituir um novo movimento teórico
para abrigar suas contribuições, preservando seu caráter crítico”
(PAULA; MARANHÃO; BARROS, 2009, p. 396).
Outro ponto de desacordo entre estas duas abordagens possíveis
estaria relacionado às leituras da obra de Foucault. De acordo com
Alcadipani (2005), uma abertura do campo dos estudos organizacionais a
perspectivas que se colocam como alternativas à funcionalista possibilitou
a inserção das ideias de Michel Foucault no mesmo. Esta quebra do
domínio hegemônico funcionalista, segundo o autor, sinalizou também o
desenvolvimento de abordagens críticas. Paula (2008), por outro lado,
afirma que a leitura teórico-crítica pressupõe que Foucault haveria feito
um “acerto de contas” com a questão do sujeito, acerto este que ainda não
teria sido feito pelos pós-estruturalistas. No próximo tópico, a
argumentação mostra não só que Foucault não teria retornado à noção de
sujeito adotada por teórico-críticos, que o mesmo sempre negou
(DELEUZE, 1996), mas também que esta “ausência” do sujeito não
significaria a morte de uma reflexão autônoma. É pelo viés do
pragmatismo que se procura indicar como seria possível pensar a crítica
sem retornar a tal noção. Outro ponto importante que será tratado no
tópico seguinte seria o não rompimento de Foucault com Kant, o que teria
um significado distinto do proposto por Paula (2008), que também será
abordado.
FOUCAULT: PRAGMÁTICO OU CRÍTICO?
A nós, que nos acreditamos ligados a uma finitude que só a nós
pertence e que nos abre, pelo conhecer, à verdade do mundo, não
deveria ser lembrado que estamos presos ao dorso de um tigre?
Michel Foucault (2007a, p. 444).
O título deste tópico foi colocado em formato de questão com o objetivo
de provocar um debate, já que, de acordo com Rajchman (2000), Foucault
nunca se autodenominou pragmático e, portanto, esta característica de sua
Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 563
filosofia estaria aberta a discussões. O fato é que tentar definir o que foi a
obra de Foucault em sua totalidade se mostra uma tarefa desafiadora.
Machado (2005) justifica tal afirmativa ressaltando que Foucault buscou
incessantemente distanciar-se de si próprio, e que seus escritos jamais
foram pontos finais, uma interpretação definitiva, mas pesquisas
provisórias, momentos a serem ultrapassados. Vale observar, contudo,
que o pensador em questão foi extremamente coerente com seu
pensamento heterotrópico (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, apud
ORLANDI, 2009), o que quer dizer que há um senso de obra nesta
heteretropia. Valendo-se das considerações feitas, cumpre esclarecer que
o objetivo não seria rotular o filósofo francês, mas sim tentar resgatar
elementos pragmáticos presentes em sua obra para que os mesmos sejam
debatidos.
O primeiro aspecto a ser abordado na obra de Michel Foucault
seria sua aproximação com Kant, já que este ponto causa divergências
importantes entre a leitura feita do que pode ser considerado crítico no
pensamento de Foucault por alguns teóricos-críticos e a leitura crítica
pragmática que buscaremos forjar no decorrer deste tópico, que buscará
defender uma perspectiva crítica pós-estruturalista.
Nosso primeiro argumento é o de que Paula (2008), demonstrando
que existe uma continuidade entre Foucault e Kant ao aproximar a
definição que seria a crítica para Foucault, proferida numa entrevista em
1978, à definição que Kant dá ao esclarecimento (ou seja, à razão
iluminista), pode induzir o leitor ao possível equívoco de revelar que
houve, também, um importante rompimento de Foucault com a filosofia
Kantiana. De acordo com Branco (2004), haveria uma considerável
distância entre ambos – de cunho de objetivo, estilo, finalidade – que faz
com que não valha a pena demarcar todas as fronteiras existentes entre o
pensador francês e o filósofo alemão. Contudo, ressalta-se, neste caso
específico, que, por meio de sua arqueologia e genealogia, o autor opõe-
se totalmente à disposição kantiana-antropológica do pensamento
moderno. Foucault é bastante enfático no que foi para ele, por um lado,
uma recusa da subjetividade transcendental e, por outro lado, uma
afirmação da dispersão histórica do sujeito (CASTRO, 2009). Deve-se
frisar, contudo, que a leitura feita por Foucault de Kant foi fundamental
para seu pensamento, mais especificamente para a elaboração de um livro
que, paradoxalmente, foi também o que levou mais longe a afirmação de
um anti-humanismo, tal livro foi As Palavras e as Coisas (ERIBON,
1990).
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
564 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.557-582 • Out/Nov/Dez 2011
De acordo com Eribon (1990), Foucault elaborou uma pequena
tese sobre a Antropologia de Kant, e foi em sua defesa que ele utilizou um
vocabulário que se tornaria célebre em sua arqueologia. O autor afirma
que talvez seja daí que se deva ver a origem de diversas passagens de As
Palavras e as Coisas. Contudo, neste livro, há um claro rompimento com
o pensamento humanista que, de acordo com Foucault (2007a), constituiu
a disposição que comandou e conduziu o pensamento filosófico desde
Kant até seu tempo presente. O autor afirma que esta disposição essencial
estaria:
[...] em via de se dissociar sob nossos olhos, pois começamos a nela
reconhecer, a nela denunciar de um modo crítico, a um tempo, o
esquecimento da abertura que a tornou possível e o obstáculo tenaz
que se opõe obstinadamente a um pensamento por vir
(FOUCAULT, 2007a, p. 473).
Numa entrevista concedida em 1966, logo após a publicação deste
livro, Foucault foi bastante enfático ao declarar o anti-humanismo que o
moveu; ele aproxima o humanismo do ranço moral (já que define o
mesmo como a figura gêmea da antropologia (FOUCAULT, 2007b),
afirmando que este, ao invés de formular problemas que pode resolver,
fingiria resolver problemas que não pode formular. A esta noção de
humanismo Foucault opõe a política, afirmando que: “[...] nossa tarefa
actualmente é libertarmo-nos definitivamente do humanismo, e nesse
sentido o nosso trabalho é um trabalho político” (FOUCAULT, 1987, p.
33). Explicando como poderia ser definindo este trabalho político, o autor
afirma:
Salvar o homem, redescobrir o homem no homem, etc., é o fim de
todas essas palavrosas, a um tempo teóricas e práticas, para
reconciliar, por exemplo, Marx e Teilhard de Chardin (tentativas
saturadas de humanismo que têm esterilizado desde há anos todo o
trabalho intelectual...). A nossa tarefa é a de nos libertarmos
definitivamente do humanismo, e é nesse sentido que nosso
trabalho é um trabalho político (FOUCAULT, 1987, p. 33-4).
Desta forma, argumenta-se que a definição da crítica como “a arte
da inservidão voluntária, da indocilidade refletida” (FOUCAULT, 1990
apud PAULA, 2008, p. XVI) não pode ser posta ao lado da razão
humanista, na qual se baseia a corrente crítica tradicional, já que o
pensamento de Foucault pode ser considerado primordialmente anti-
humanista. Contudo, é possível aproximar o teórico francês da postura
crítica de Kant, mas somente na medida em que foi o filósofo alemão
Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 557-582 • Out/Nov/Dez 2011 565
quem inseriu o tempo no pensamento e preocupou-se com uma ontologia
do presente – problematização filosófica presente no pensamento de
tantos importantes autores, como Hegel, pensadores da Escola de
Frankfurt, Nietzsche, etc. (CASTRO, 2009). Porém, a ontologia proposta
por Foucault não trata do homem propriamente dito, como figura traçada
no saber moderno, mas do ser do homem, ou seja, seu ser histórico. De
acordo com Chan (2000), tal “questão do presente”, que aproxima ambos
os filósofos, é de grande relevância para a análise organizacional pós-
moderna.
Recapitulando, Foucault (1991) procurou enfatizar como um
determinado tipo de problematização filosófica – aquela que problematiza
a relação do homem com o presente, como ser histórico e ao mesmo
tempo autônomo – tem suas raízes no Iluminismo, porém, ressaltou que
isso não significa que deva haver fidelidade a elementos doutrinais do
mesmo, mas sim a reativação permanente de uma atitude, que poderia ser
descrita como uma crítica permanente do presente histórico. É desta
forma que Foucault (1991) afasta o Iluminismo do humanismo,
classificando o primeiro como um conjunto de temas complexos e
refletidos em inúmeras correntes filosóficas.
Foucault (1991) afirma que a ontologia de nós mesmos, a tal
questão do presente, deve afastar-se de qualquer projeto que tenha a
pretensão de ser global, totalizante ou radical, o que caracteriza uma
diferença em relação ao ponto de vista de alguns adeptos da teoria crítica
(que também possui suas raízes no Iluminismo, porém buscando resgatar
o que há nele de antropocêntrico). O autor afirma que se sabe, por
experiência, que as tentativas de escapar do sistema hegemônico
contemporâneo – por meio da produção de um programa para construção
de uma nova sociedade, cultura, visão de mundo etc. – leva a retornar às
mais perniciosas tradições. Daí, portando, a justificação do “perigo”,
apontado por Alcadipani e Tureta (2009b), presente numa perspectiva
teórico-crítica, uma vez que esta se incumbe da missão de reproduzir
ideais de mudanças globais e totalizantes.
Como alternativa, a postura crítica adotada por Foucault teria dois
lados; o pensador propunha um tipo de pensamento que exigiria uma
crítica “genealógica” no seu desenho e “arqueológica” em seu método
(CHAN, 2000). Talvez seja possível clarificar tal afirmação com as
palavras do próprio Foucault (2006) acerca de seu método de
investigação: por um lado, aquele crítico, onde existiria uma desenvoltura
estudiosa que se apoia na teoria e em estudos de cunho histórico e, por
outro lado, ela haveria de ser acompanhado pelo humor genealógico de
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um positivismo feliz. É desta forma que Foucault (1984) expressa sua
preferência por transformações parciais que foram, e ainda têm sido
feitas, por meio da correlação entre análise histórica e atitude prática, ao
invés de carregar sobre os ombros a missão prepotente e perigosa de
mudar radicalmente a sociedade, atitude esta que reproduziu
historicamente os mais degradados sistemas políticos (FOUCAULT,
1991).
O pensamento de Foucault, e a maneira como “a crítica”
funcionaria nele, é um importante indicador de sua aproximação à
pragmática. De acordo com Ferreira et al. (2008), a última poderia ser
definida como uma dupla decisão: a de um deslocamento da ênfase no
transcendente em direção à ação, e a afirmação da imanência entre
conhecer, dizer e fazer. Vê-se um afastamento da transcendência na
medida em que Foucault renuncia o sujeito transcendente em prol de um
sujeito disperso na história, e também no fato de que conhecer (saber),
dizer e fazer comporiam três dimensões que seriam tratadas da mesma
forma pelo autor, sendo todas estas dimensões práticas. Segundo Deleuze
(1988a), esta ligação do “saber” arqueológico (método) com o “poder” da
crítica genealógica (desenho) seria a de que a determinação puramente
prática é irredutível a uma determinação teórica ou de conhecimento.
Portanto, para Foucault, tudo é prática, mas a prática do poder permanece
irredutível a toda prática do saber. Poder como exercício e saber como
regulamento. Eis o pragmatismo de Foucault conforme definido por
Deleuze (1988a).
Resumindo, um pensamento crítico para Foucault (histórico,
arqueológico) estaria imediatamente ligado às positividades, à postura
pragmática que abre as formações históricas, estratificadas e em aparente
imobilidade: toda a filosofia de Foucault seria pragmática do múltiplo.
Foucault (2007c) diz que “o sentimento histórico dá ao saber a
possibilidade de fazer, no movimento de seu conhecimento, sua
genealogia” (FOUCAULT, 2007c, p. 30). De acordo com Queiroz (2004),
fazer este movimento, esta genealogia, aproxima as saídas, fazendo com
que se transpareça a pouca rigidez dos estatutos múltiplos e mutáveis nos
quais permanece ancorado o presente; trata-se de uma crítica que coloca
em crise, ou desestabiliza o presente em prol de um por vir. Tais reflexões
histórico-criticas, segundo Foucault (1991), devem ser direcionadas às
práticas. Segundo tal perspectiva, o sujeito é sempre tratado como algo
em relação, como um ponto numa rede, mas que, em meio às estratégias
saber-poder, também haveria as estratégias dos jogos de liberdade. Sendo
assim, ao contrário do que afirma Paula (2008), ao rejeitar uma filosofia
da consciência, ao proclamar a morte do homem, Foucault (2007b) e os
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pós-estruturalistas não enxergariam nisso o fim da possibilidade de uma
reflexão autônoma. O francês chega a provocar, afirmando que os que
querem assim o enquadrar, numa perspectiva ainda estruturalista, o fazem
devido a uma lacuna de vocabulário (FOUCAULT, 2006). Deleuze
(1996) também afirma que foram muitos os contrassensos sobre o
pensamento de Foucault acerca desta proclamada morte do homem;
porém, de acordo com o filósofo, tais contrassensos nunca seriam
inocentes, haveria uma mistura de intenções nefastas que os produziriam.
Foucault buscou colocar fim em alguns deles, cujo exemplo encontra-se
na citação a seguir:
[...] não tomemos isso como um pretexto para denunciar um
pensamento impotente para manter-se de pé sozinho e sempre
constrangido a enrolar-se a um pensamento já realizado. Basta
reconhecer aí uma filosofia já desprendida de certa metafísica,
porque desligada do espaço da ordem, mas voltada ao Tempo, ao
seu fluxo, a seus retornos, porque presa ao modo de ser da História
(FOUCAULT, 2007b, p. 301).
Deleuze (1996) ajuda a clarear como se dão estes “jogos de
liberdade”, onde o sujeito pode refazer-se e superar o que lhe aprisiona.
Segundo o autor, para Foucault, a história não diria exatamente aquilo que
o ser humano é, mas aquilo que diferencia um ser do outro. Ela não
imporia uma dada ordem, estabelecendo, desta forma, a identidade, mas a
dissiparia em benefício dos mesmos seres: ela é o que separa o ser dele
próprio e o que, portanto, a pessoa deve atravessar e ultrapassar.
Considera-se válido colocar uma citação de Foucault (1990) que, apesar
de longa, explicita o movimento que seu pensamento fará da direção de
uma abertura que possibilitaria estes “jogos de liberdade”:
[...] No momento em que a interioridade é atraída para fora de si,
um exterior se submerge no lugar mesmo em que a interioridade
tem por costume encontrar seu recôndito e a possibilidade de seu
recôndito: surge uma forma – menos do que uma forma, uma
espécie de anonimato informe e obstinado – que desapossa o sujeito
de sua identidade simples, o esvazia e o divide em duas figuras
gêmeas embora não sobrepostas, o desapossa do seu direito
imediato, ou seja, EU e levanta contra seu discurso uma palavra que
é indissociavelmente eco e recusa. Dar ouvidos à voz argentina das
sereias, voltar-se em direção ao rosto proibido que desvia o olhar,
não unicamente evitar a lei para afrontar a morte, como tão pouco
abandonar o mundo nem o esquecimento da aparência, é sentir de
repente crescer em si mesmo um deserto, no outro extremo do qual
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(embora esta distância sem medida é tão fina como uma linha)
espelha uma linguagem sem sujeito atribuível, uma lei sem deus,
um pronome pessoal sem pessoa, um rosto sem expressão e sem
olhos, um outro que é ele mesmo [...] (FOUCAULT, 1990, p. 62).
Pode-se dizer que é com base nesse texto que se abre, para
Foucault, a possibilidade de pensar os processos de subjetivação, não
como um retorno à noção de sujeito que ele sempre negou, mas como a
necessidade de pensar nós, hoje: quais são as novas relações que o ser
humano tem com a vida? Com a linguagem? Quais as novas lutas com o
poder? (DELEUZE, 1996). Deleuze (1992) demonstra também haver uma
coesão entre as demais fases da obra deste teórico, pois a questão dos
processos de subjetivação demonstra a intenção de inventarem-se novos
modos de existência capazes tanto de apropriar-se do saber quanto de
resistir ao poder mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tente
dominá-los. Retornando a Queiroz (2004), o mesmo afirma que esta
postura crítica nunca veio embutida de promessas, Foucault apenas incita:
“Tentem, então!” Diz-se isso, faz-se aquilo, que modos de existência
estão sendo produzidos? Em seus últimos livros, foi esta a questão ética
que Foucault quis resgatar (DELEUZE, 1996).
Foucault (1981 apud SMART, 1983) afirma que a crítica, então,
não deve ser a premissa ou uma dedução do que conclui: então, é isto que
se deve fazer. Para o autor, ela deve ser um instrumento de luta, para
resistir ao que torna o ser humano o que ele é hoje. Aí enxerga-se o que
poderia ser um lado pragmático de sua crítica, uma vez que o mesmo
afirma que a crítica deve ser usada no conflito, não haveria manual ou
programa, ela seria o desafio dos que se insurgem contra as forças do
presente. Desta forma, pode concluir que a visão pragmática que se busca
resgatar do pensamento de Foucault está comprometida com a crítica,
porém, apesar deste comprometimento em comum (SMART, 1983), ele
parte de pressupostos diferentes dos teóricos-críticos.
Rajchman (2000) resume os pontos por meio dos quais se busca
demonstrar um pragmatismo em Foucault, imediatamente crítico,
sugerindo três características principais: (1) É um pragmatismo não de
consenso, mas de problematização e que assim se volta para os limites do
que se estuda, com a pretensão de ultrapassá-los e tornar possível pensar
de outro modo; (2) Tal problematização se relacionaria com um elemento
de ficção – no sentido de que se opõe à verdade o que, contudo, não
significaria que seus estudos não se baseassem em pesquisas rigorosas e
de imensa erudição; (3) A terceira característica repousaria na
problematização do que se é hoje. O autor coloca que este é o âmago do
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pragmatismo de Foucault, pois esta zona (que rompe com o poder e o
saber) só é alcançada na prática, no conflito com outras práticas.
No tópico a seguir, busca-se resgatar na filosofia Deleuziana, por
meio de seu conceito de Diferença, elementos para a defesa de uma
perspectiva crítica pós-estruturalista, procurando indicar como o fio
condutor da pragmática percorreu seu pensamento filosófico e como este
poderia levar a crítica para novos rumos.
DELEUZE E A FILOSOFIA: ‘NÃO BASTA LATIR, TEM QUE MORDER!’
Machado (2009) afirma que apesar da heterogeneidade presente nos
domínios ou objetos tratados por Deleuze – que abrangeram desde
monografias sobre filósofos, como Lucrécio, Leibniz, Espinosa, Hume,
Kant, Nietzsche, Bérgson, Foucault, etc., a pensamentos não filosóficos,
como as obras sobre escritores como Proust, Kafka, Sacher-Masoch, a até
mesmo o cinema – existe uma espantosa homogeneidade de
procedimentos que tornam possível definir seu pensamento filosófico e
sua importância para a filosofia. Ao explorar domínios tão diversificados,
o filósofo buscou demonstrar que a filosofia não seria uma “reflexão
sobre”, mas um processo de criação. A filosofia, para ele, não seria nem
mais abstrata nem mais difícil do que outros domínios, e, tampouco,
trataria de fazer uma reflexão sobre outra coisa; ao contrário, ela se
encontraria em estado de aliança ativa e interna entre os mais diversos
domínios (MACHADO, 2009).
Em busca desta homogeneidade filosófica presente no pensamento
de Deleuze, neste tópico, será tratado o conceito de Diferença buscando
indicar como ele pode ser visto como um exercício pragmático e
imediatamente crítico na história da filosofia. Enxerga-se que o
entendimento deste conceito, e sua ligação com uma postura pragmática,
tornam-se fundamentais na defesa de uma perspectiva crítica pós-
estruturalista, visto que existe, nos estudos organizacionais
contemporâneos, uma tentativa de invalidação desta perspectiva crítica
que se baseia em seus pressupostos filosóficos provenientes de um jogo
da diferença em oposição ao trabalho dialético.
Ao dedicar um texto aos livros Lógica do Sentido e Diferença e
Repetição de Deleuze (livros onde o mesmo disserta a sua filosofia),
Foucault (1987) é enfático ao considerá-los “grandes entre os maiores”,
demonstrando, portanto, a relevância dos mesmos no domínio filosófico
ocidental. Para tratar deste conceito de Diferença, recorre-se,
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principalmente, ao segundo livro citado. Foucault (1987) ressalta a
dificuldade que existe em se falar desta obra de Deleuze, tendo poucos,
até então, se arriscado nesta empreitada. O objetivo aqui não seria de
tratar da totalidade do conteúdo de Diferença e Repetição, mas de
resgatar o conceito de Diferença e suas implicações críticas; este seria
também seu resgate de um estado atual de enclausuramento dialético na
análise organizacional, conforme o descrito no texto de Paula (2008).
Segundo Alliez (2001, apud VARGAS, 2007) Deleuze
redescobriu, juntamente com Guattari, as intuições de Gabriel Tarde ao
elaborar seu conceito de Diferença. De fato, Deleuze e Guattari (1996),
prestam uma homenagem ao que seria, talvez, o mais filósofo dos
sociólogos, ou o mais sociólogo dos filósofos (VARGAS, 2007). Usa-se o
termo “re-descobrir” uma vez que o mesmo, segundo os autores, havia
sido esmagado por “aquele que talvez tenha sido o mais sociólogo dos
sociólogos” (VARGAS, 2006, p. 11): Èmile Durkheim. Segundo Deleuze
e Guattari (1996), enquanto Durkheim, por um lado, fazia de um objeto
privilegiado as grandes representações, binaridades, etc., Tarde, por outro,
interessava-se pelo mundo do detalhe, ou da diferença infinitesimal.
Existir é diferir, dizia Tarde (2006); isso é do domínio da psicologia ou
interpsicologia, responderam os durkheiminianos. Tarde (2006) seria o
inventor de uma microssociologia “à qual ele dá toda sua extensão e
alcance, denunciando por antecipação todos os contrassensos dos quais
será vítima” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 99).
No que diz respeito à história da filosofia, Foucault (1987) pontua
que o conceito de Diferença construído por Deleuze (2006b), perverte a
ruína moral a que teria chegado o pensamento como consequência da
ótica humanista que dominava o pensamento filosófico desde Kant e,
desta forma, foi capaz de deslocar toda a filosofia. Com a paciência de um
“genealogista nietzschiano” é que, de acordo com Foucault, Deleuze
assinala:
[...] toda uma multiplicidade de pequenas impurezas, de
mesquinhos compromissos. Acusa as minúsculas, as repetitivas
covardias, todos esses alinhamentos de tontices, de vaidade, de
complacência, que não cessam de alimentar, dia a dia, o cogumelo
da filosofia [...] (FOUCAULT, 1987, p. 63).
Seja a diferença, diz Foucault (1987), e Alliez (1996) coloca que
esta seria a primeira proposição do pensamento Deleuziano, e daí vê-se a
inspiração em Gabriel Tarde: a filosofia deve constituir-se como teoria do
que se faz, não teoria do que é – observa-se aqui um ponto de
convergência importante existente com o que se chama, no tópico
Em Defesa de uma Crítica Organizacional Pós-Estruturalista:
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anterior, do pragmatismo Foucaultiano, uma vez que tal filosofia coloca
em seu âmago a ontologia do presente em relação ao que se faz, ou seja,
as práticas do dia a dia.
A respeito do argumento de que a Diferença pressupõe e, portanto,
estaria presa à dialética (PAULA, 2008), Foucault (1987) afirma que, de
fato, isto nada mais seria do que uma miragem do próprio movimento
dialético, que é incapaz de libertar a Diferença e, ao contrário, sempre irá
buscar garantir que esta permaneça apanhada. O autor pontua também que
para libertar a Diferença precisa-se de um tipo de pensamento muito
distante da dialética, da contradição, um pensamento sem negação, “[...]
um pensamento que diga sim à divergência; um pensamento afirmativo
cujo instrumento seja a disjunção; um pensamento do múltiplo”
(FOUCAULT, 1987, p. 68). O autor é claro: seria preciso pensar
problematicamente ao invés de perguntar e responder dialeticamente.
Deleuze (2006b) subsidia tal argumento ao afirmar que haveria uma
“falsa profundidade” na zona de combate e das contradições dialéticas, e
que sob o combate haveria somente o espaço de jogo das diferenças. É
justamente assim que o pensamento de Deleuze busca acabar com o
sonho dialético de promessas não cumpridas, e que da diferença captaria
apenas uma caricatura invertida e de aspecto negativo.
Ao afirmar a Diferença, chega-se a um questionamento ao qual
sua filosofia estaria sujeita, que o próprio Deleuze (2006b) formula: não
estaria ela arriscada a aparecer como uma figura da bela alma? De acordo
com o autor seria, com efeito, a bela alma que veria diferenças por toda
parte, respeitáveis, federáveis, e até mesmo conciliáveis, no mesmo lugar
onde a história faz-se por contradições e sangue derramado. “A bela alma
se comporta como um juiz de paz lançado num campo de batalha e que
veria simples ‘diferendos’, talvez mal entendidos, em lutas inexpiáveis”
(DELEUZE, 2006b, p. 89).
Deleuze (2006b) afirma que haveria muitos perigos em se invocar:
as “diferenças puras” com as quais ele buscou trabalhar. Cair nas
representações da bela-alma seria o maior deles; somos diferentes,
mas não opostos... As diferenças puras subverteriam a dialética uma
vez que fariam com que os problemas atingissem um grau de
positividade que lhes seria próprio e quando a diferença torna-se
uma afirmação, desta forma tais problemas “liberam uma potência
de agressão e de seleção que destrói a bela-alma, destituindo-a de
sua própria identidade e aniquilando sua boa vontade [...]
(DELEUZE, 2006, p. 16).
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Ainda segundo o autor, o problemático e o diferencial, vistos desta
forma, determinariam lutas ou destruições em relação às quais o negativo
(da dialética) não passaria de aparência.
Deleuze (2006b) trata, portanto, de esclarecer que seu pensamento
não remete ao gosto pelas diferenças puras (conforme a figura da bela
alma), e nem mesmo quer tratar das diferenças reais como instâncias do
negativo e da contradição (conforme a dialética). Para explicar em termos
genéricos seu posicionamento, Deleuze (2006b) afirma que haveria duas
maneiras de invocar “destruições necessárias”, ou seja, duas posturas
críticas distintas: a primeira maneira seria a do poeta, que evocaria assim
uma potência criadora, apta a subverter ordens e representações para
afirmar a Diferença; a segunda maneira seria a do “político”, que antes de
tudo se preocuparia em negar e aprisionar o que “difere” para conservar
ou prolongar uma ordem histórica que já exige instâncias de
representação. O que se vê nestas maneiras de invocar uma destruição
necessária, portanto, seriam duas concepções da relação afirmação-
negação na crítica. Num caso, a negação é um motor e a potência, a
afirmação resultaria daí, mas ela é produzida somente para dizer “sim” a
tudo que é negativo e negador (é o “sim” do asno, ou do boi dialético:
animais que servem para carregar, como Nietzsche (2005) gostava de
dizer. Para Deleuze (2006b), haveria um gosto terrível pela
responsabilidade nesse asno ou boi dialético, um ranço moral, que diz que
somente é possível afirmar à custa de expiar, “como se fosse preciso
passar pelas infelicidades da cisão e do dilaceramento para chegar a dizer
sim; como se a Diferença fosse o mal e como se ela já fosse o negativo
que só poderia produzir a afirmação expiando” (DELEUZE, 2006b, p.
90).
O que se vê aqui seria, portanto, duas posições críticas bastante
distintas: um ponto de vista menor (de escravo), onde a diferença é vista
de baixo e, portanto, como negação; e um ponto de vista contrário (de
senhor) onde ela é vista de cima para baixo como uma afirmação. O ponto
de vista do senhor, desta forma, afirmaria a Diferença, a distância que
separa: “A diferença é leve, é aérea, afirmativa. Afirmar não é carregar,
mas, ao contrário, descarregar, aliviar” (DELEUZE, 2006b, p. 91). E,
nesta relação, o “não” seria o efeito de uma afirmação muito forte, “muito
diferente”. O autor chega a afirmar que talvez sejam necessárias duas
afirmações para que uma sombra de negação surja (a sombra vista
captada pela dialética), dois momentos: a Diferença como meia-noite e a
Diferença como meio-dia.
No que diz respeito ao funcionamento deste conceito, para
Cardoso (2005), a Diferença agiria em cinco elos: como método para o
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tratamento filosófico das multiplicidades; como operador conceitual da
multiplicidade; como componente do conceito de multiplicidade; como
agente de enunciação da questão ontológica das multiplicidades; e como
agenciamento pragmático da multiplicidade. Neste trabalho busca-se
evidenciar esta última relação, esclarecendo-se que Deleuze (2006a)
definia “multiplicidades” como a própria realidade, que não supõe
unidade, totalidade ou remete a um sujeito dotado de consciência
soberana.
Foucault (2005) afirma que a filosofia de Deleuze declara, ao
mesmo tempo, o fim da filosofia e seu início. Para ele, recusar o negativo
é rejeitar, a um só golpe, metafísicos e dialéticos, é rejeitar a filosofia da
evidência e da consciência, em suas palavras:
É tornar-se livre para pensar e amar o que, em nosso universo ruge
desde Nietzsche: diferenças insubmissas e repetições sem origem
que sacodem nosso velho vulcão extinto [...] que anunciam todas as
rupturas históricas de nosso mundo. Possibilidade finalmente
oferecida de pensar as diferenças de hoje, de pensar o hoje como
diferença das diferenças (FOUCAULT, 2005, p. 144).
Vê-se aqui outro ponto de convergência entre estes dois teóricos
(Foucault e Deleuze), que afirmam a necessidade de se pensar o presente.
Contudo, é preciso apontar que tal necessidade de pensar o presente seria
apenas o reflexo da necessidade de se resistir a ele , daí a preocupação
crítica fundamental desta visão (PAL PELBART, 1996). Desta forma
vemos, também em Deleuze, o filósofo-juíz ser substituído pelo filósofo-
experimentador. Aí estaria o reflexo também das lições de Nietzsche:
experimentar, “[...] inventar conceitos, criar noções, forjar ideias, é essa a
tarefa que o define [...]” (DROIT, 1996, p. 65). Ainda segundo Droit
(1996), ao formular o conceito de Diferença, Deleuze disse: “Não se trata
mais de falar do múltiplo, mas de praticá-lo”. E ele o fez, juntamente com
Guattari, em seu Anti-Édipo e em seus Mil Platôs. Para Foucault (1996), o
Anti-Édipo seria, acima de tudo, um livro de ética, onde os autores
espreitaram, com o humor que lhes é característico, os mais ínfimos
fascismos que atravessam o corpo. Porém, na verdade, o autor afirma que
ali onde aparentemente haveria apenas humor e jogo passar-se-ia algo da
maior seriedade: “o banimento de todas as formas de fascismo, desde
aquelas colossais, que nos envolvem e esmagam, até as formas miúdas
que fazem a amarga tirania de nossas vidas cotidianas” (FOUCAULT,
1996, p. 200). Vê-se nesta concepção de ética, portanto, uma aproximação
da decisão pragmática de se deslocar da transcendência para a ação.
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Vale salientar que não são explorados, em sua totalidade; os
conceitos funcionam juntamente com o conceito de Diferença de Deleuze,
pois a complexidade filosófica de Diferença e Repetição exigiria uma
abordagem mais ampla e minuciosa. Porém, para que se desfaçam alguns
mal entendidos já plantados na vertente crítica dos estudos
organizacionais acerca do mesmo, fez-se necessária esta pequena
explanação. Para concluir, basta que se compreenda, conforme as
palavras de Foucault:
[...] que de uma diferença sempre nómada, sempre anárquica, com o
símbolo sempre em excesso, sempre deslocado do volver, produziu-
se uma fulguração que terá o nome de Deleuze: um novo
pensamento é possível, o pensamento, de novo é possível
(FOUCAULT, 1987, p. 80).
A admiração mútua e sintonia entre estes dois autores são muito
claras e, portanto, não é de espantar que Deleuze (2006a) tenha feito uma
declaração similar acerca do livro As Palavras e as Coisas de Foucault,
afirmando que este foi um grande livro sobre novos pensamentos.
Explicando-se: ao conceber os acontecimentos do pensamento como o
que determina em tal época uma dada configuração do saber, ele
designou, por meio da história, um conjunto de condições das quais
devemos nos desviar para “devir”, ou seja, para fazer nascer um novo
pensamento (DELEUZE, 1992).
Alliez (1996) afirma que o Deleuzionismo pode ser visto pelo
ponto de vista prático, uma vez que, em nome da Diferença, a filosofia
empreenderia uma exclusão de todos os princípios transcendentais,
apoiando-se na imanência para conceber as próprias coisas em sua
singularidade. No pragmatismo recuperado em Foucault e Deleuze, que
possuem em comum o fato de terem prostrado todas as esperanças
metafísicas ou transcendentes, observa-se uma crítica que busca instalar-
se num plano de imanência. Para Deleuze (1998) este campo consiste
numa relação Potência-Ato:
[...] o abstrato não explicaria nada, ele é que deve ser explicado; o
universal não existe, só existe o singular, a singularidade [...] [tal
singularidade] não é o individual, é o caso, o acontecimento, o
potencial (DELEUZE, 1998 p. 42).
Assim como no pensamento Foucaultiano, vê-se que a filosofia da
diferença de Deleuze pode ser vista como pragmática já que se propõe a
abrir mão de pressupostos transcendentais e universalistas em prol de
singularidades, as mais ínfimas práticas de nosso dia a dia, ou seja, a
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filosofia como meio de ação, deslocando os conflitos, trazendo a crítica
para o campo da imanência.
(DES)CAMINHOS DA CRÍTICA SOB O PONTO DE VISTA PRAGMÁTICO:
AGITANDO SAÍDAS PARA UMA PRÁXIS TRANSFORMADORA
Ao defender uma perspectiva crítica pós-estruturalista, que resgata seu
olhar pragmático, deseja-se, sobretudo, fazer aparecer certas incertezas,
instabilidades, que emergem quando é problematizado o presente abrindo
mão da visão metafísica, racionalista ou transcendental e se passa para o
lado da lógica processual, do devir, da imanência, conforme é
característico nesta abordagem. Sujeito e objeto agora estão desfeitos de
suas armaduras: ambos constroem-se e reinventam-se em sua interação,
na sua processualidade. Alguns podem ainda perguntar-se: “e onde fica a
prática?” Bem, esta prática de que tanto se fala, de acordo com Veyne
(1978), não seria uma faculdade obscura, um motor misterioso, mas
simplesmente o que as pessoas fazem. Já se viu que este fazer seria um
produto de uma relação de forças, e configuraria as condições sócio-
históricas e sociopolíticas, que determinariam modos de agir e de pensar.
De acordo com Foucault (2004, p. 238), são estas práticas, concebidas
como modos de agir e de pensar, que dariam “a chave da inteligibilidade
para a constituição correlativa do sujeito e do objeto”.
De acordo com Lazzarato e Negri (2001), as intuições de Deleuze
e Foucault permitem distinguir três épocas diferentes da constituição da
política moderna, que exigiriam posturas críticas distintas: uma época
clássica, onde o poder era entendido como domínio (e da qual alguns
ainda falam com nostalgia); uma época da “representação política” e das
técnicas disciplinares; e, finalmente, o período da política da
comunicação. Para a primeira, “uma crítica radical era representada pela
revolta, na época da representação pela reapropriação, hoje, na época da
política comunicacional, ela se manifesta como potência autônoma e
constitutiva do sujeito” (LAZZARATTO; NEGRI, 2001, p. 41).
Ao se trazer à tona a questão da potência autônoma e constitutiva
do sujeito, levanta-se outro ponto de desacordo entre adeptos da teoria-
crítica e dos ditos pós-estruturalistas. Porém, ao contrário do que afirmam
os primeiros, uma leitura dita pós-estruturalista de autores como Foucault
e Deleuze, conforme argumentado nos tópicos anteriores, não anuncia a
morte de uma reflexão autônoma. A já anunciada “morte do homem”
seria apenas uma consequência da “morte de Deus” na constituição do
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
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saber, ou seja, acordar do sono antropológico não significa tornar-se
incapaz de re-inventar a si próprio todos os dias, “[...] o que
inevitavelmente arrastaria o mundo para novos sentidos” (FERRAZ,
2001, p. 70).
O pensamento ocidental, durante muito tempo, e também uma
determinada vertente crítica nos estudos organizacionais, ainda,
pretendeconvencer a aceitar sua racionalidade ou estar condenado a cair
num fundo indiferenciado, informe, abismo sem diferenças que torna a
crítica impossível ao despir-se de sua capacidade combativa. Este
pensamento, segundo Deleuze (1998, p. 109): “Fora deste Ser ou desta
Forma, não tereis nada senão o caos...”. Deleuze (1998) coloca que os
momentos mais extraordinários da filosofia foram aqueles que fizeram
este sem-fundo falar, novamente aqui há destaque sobre a obra de
Nietzsche. Porém, o autor afirma que encontrar uma linguagem para este
sem-fundo ainda se mantém na alternativa imposta pelos principais vieses
do pensamento ocidental (a metafísica e a filosofia transcendental).
Contudo, afirma Deleuze (1998), Nietzsche encontrou algo de
fundamental, e que é fundamental para que um olhar crítico pragmático
seja possível: as singularidades.
Todavia, sabe-se que muitos cuidados devem envolver tal
abordagem, para Pal Pelbart (2003), por exemplo, uma postura dita pós-
moderna – muitas vezes colocada em relação de equivalência com o pós-
estruturalismo – estaria deleitando-se numa “volúpia niilista” donde a
dissolução generalizada é cultuada: [...] numa apologia do desfazimento e
do gozo apocalíptico – basta mencionar a insistência com o tema do fim,
fim do social, fim do político, fim da história, fim da arte, fim da filosofia,
etc.” (PAL PELBART, 2003, p. 213). Na opinião do autor, tal postura não
faria mais do que alimentar a máquina sombria, cuja realidade ter-se-ia
desvanecido; e, portanto, não viria acompanhada de uma potência crítica,
primordialmente combativa.
Souza (1999) corrobora tal visão de que esta postura pós-moderna,
que considera “celebratória”, não faz mais do que reduzir as
transformações sociais à repetição acelerada do presente. Tal visão opõe-
se, portanto, à postura crítica pós-estruturalista/pragmática que se busca
esgatar neste artigo, que tem por princípio resistir ao presente. Explica-se
que, ao defender o pluralismo numa visão crítica na análise
organizacional, não se defende tal postura celebratória ou apologética do
desfazimento apocalíptico; ao contrário, trata-se de problematizar o
presente, opor-se a uma postura totalizante que acabaria por sufocar as
singularidades deste campo.
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Ao resgatar esta postura pragmática, objetiva-se, então, defender
uma crítica pós-estruturalista que problematize o presente e que seja, ao
mesmo tempo, capaz de acolher suas singularidades, afastando-a também
de certos preconceitos vinculados ao pós-modernismo. Procura-se
responder a uma necessidade da crítica organizacional contemporânea,
uma vez que, de acordo com Alcadipani e Tureta (2009b), as
organizações observadas na atualidade são cada vez mais complexas e
multifacetadas, com formas de organizar diferentes, produzindo espaços
de trabalho altamente fragmentados. Desta maneira, torna-se relevante, no
mínimo, pensar em uma crítica diferente. Ao fazer uma crítica dentro
desta perspectiva, combate-se procurando, ao desnaturalizar o que era
aparentemente imutável, ao fazer aparecer suas zonas de indeterminação,
resistir ao presente, abrindo-o em linhas de fuga possíveis, pois somente
nestas linhas de fuga pode-se falar dignamente das singularidades que
cercam as pessoas. Este olhar crítico tem em si uma tendência combativa,
que consiste em criar e fazer aparecer os “verdadeiros problemas, fazer
com que se liberem gritos, dores e também cantos sufocados, agitando
saídas em meio à proliferação do intolerável” (ORLANDI, 1988, p.15).
Aceitar o desafio de manter-se nesta zona de instabilidade (que
acolhe a Diferença ao mesmo tempo em que se torna inteligível) é
formular uma teoria crítica, porém não no sentido dialético do termo, mas
no sentido proposto por Benevides e Passos (2003): tomá-la como um
subsídio teórico, que possibilite uma análise que coloca a própria prática
em estado de crise, estado este que seria experimentado pela
desestabilização/desnaturalização destas mesmas práticas, daí a
importância da visão pragmática da realidade organizacional. É a crítica
já fora da caverna de Platão, porém com as luzes do mundo apagadas em
benefício de sua mais solitária fagulha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo defende-se a perspectiva crítica pós-estruturalista, resgatando
e aproximando-a a elementos pragmáticos de dois autores, Foucault e
Deleuze, para desfazer alguns dos mal-entendidos levantados acerca desta
perspectiva em debates recentes. Vale esclarecer, finalmente, que não é
invalidada a perspectiva teórico-crítica, pois isto seria contraditório à
proposta de re-afirmar o pluralismo crítico e necessidade de que os
estudos críticos na análise organizacional não sejam tomados por uma
única voz. Contudo, talvez ambas as perspectivas concordem num ponto
Maria Fernanda Rios Cavalcanti e Rafael Alcadipani
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central: ser crítico é ser capaz de dizer “não” às forças que esmagam e
aprisionam; porém, observando que, segundo o próprio Deleuze (2006b)
tenta explicitar, ao adotar um ponto de vista que enxerga de cima (oposto,
portanto, ao ponto de vista do escravo), este “não” seria o efeito de uma
afirmação muito forte, “muito diferente”. Observou-se, por meio do
conceito de Diferença deste autor, que é possível adotar a postura crítica
que foge da ordem da dialética. Portanto, apesar de haver um
compromisso crítico em comum, afirma-se que não seria necessário ser
dialético para ser crítico.
A respeito do argumento de que, para ser levada em consideração,
a crítica pós-estruturalista deveria retomar sua análise com mais
“seriedade” reconhece-se, de fato, que tal perspectiva não é séria/sisuda,
como a crítica com raízes modernistas. Apesar disso, a abordagem crítica
aqui defendida não deixa de ser uma abordagem que se propõe severa,
ainda que menos “pesada”. Discutiu-se que o fato de esta abordagem
posicionar-se de tal forma não constitui um argumento válido para sua
deslegitimação, já que tal posição não acarreta numa irresponsabilidade
perante aquilo que se quer criticar. Conclui-se, por um lado, que ela não
tem a arrogância de atribuir para si a missão de salvação do mundo e
daqueles que seriam menos “esclarecidos”, mas, por outro lado, vê-se na
abordagem crítica pós-estruturalista uma alternativa interessante, uma
escolha de um ponto de vista pragmático, que procura não esmagar as
singularidades com as totalizações, ou sufocá-las com universalismos,
mas que é capaz de problematizar o presente e é o que de fato se faz no
dia-a-dia.
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DADOS DOS AUTORES
MARIA FERNANDA RIOS CAVALCANTI ([email protected])
Doutoranda em Administração de Empresas na FGV/EAESP
Instituição de vinculação: Fundação Getúlio Vargas – Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
São Paulo/SP – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estudos Organizacionais, Estudos
Críticos, Pós-Estruturalismo e Filosofia das Organizações.
RAFAEL ALCADIPANI ([email protected])
Doutor em Estudos Organizacionais pela University of Manchester
Instituição de vinculação: Fundação Getúlio Vargas – Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
São Paulo/SP – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Análise de Poder em Organizações,
Teoria ator Rede, Pós-estruturalismo e Masculinidades.
Recebido em: 29/10/2010 • Aprovado em: 12/11/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 583
INTERACIONISMO SIMBÓLICO: ORIGENS, PRESSUPOSTOS E
CONTRIBUIÇÕES AOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
SYMBOLIC INTERACTIONISM: ORIGINS, ASSUMPTIONS AND
CONTRIBUTIONS TO ORGANIZATIONAL STUDIES
VIRGÍNIA DONIZETE DE CARVALHO ([email protected])
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS
RESUMO
O artigo apresenta uma revisão acerca da perspectiva interacionista
simbólica, resgatando suas origens, pressupostos básicos e possibilidades
de contribuição aos estudos organizacionais. São examinadas algumas
concepções de precursores desta corrente, e abordados os marcos iniciais
da estruturação do movimento interacionista simbólico, bem como as
divergências conceituais e metodológicas das Escolas de Chicago e Iowa,
além das principais críticas apresentadas a esta perspectiva teórica.
Entende-se que o interacionismo simbólico apresenta um potencial para
compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,
complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas
neste campo de estudos. Num esforço de exemplificar tal potencialidade,
busca-se elucidar alguns temas em estudos organizacionais, que têm sido
abordados sob a perspectiva interacionista simbólica, bem como tecer
algumas considerações acerca dos aspectos metodológicos relacionados à
operacionalização de seus pressupostos. Salienta-se, por fim, que para a
utilização adequada de tal abordagem, os pesquisadores devem estar
conscientes de suas limitações.
Palavras-chave: interacionismo simbólico; pressupostos teóricos;
perspectivas metodológicas; estudos organizacionais.
Virgínia Donizete de Carvalho
584 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
ABSTRACT
This paper presents a theoretical review of the symbolic interactionist
perspective, revisiting its roots, consolidation, main assumptions and how
it can contribute to the field of organizational studies. The concepts from
some of acknowledged pioneers of this approach are examined and the
initial landmarks heralding the consolidation of the symbolic
interactionism movement are addressed. Furthermore, conceptual and
methodological divergences between the Chicago and Iowa schools are
discussed, as are the primary critiques of this theoretical perspective. It is
assumed that symbolic interactionism represents a potential to
understand different aspects of organizational life, complementing other
theoretical perspectives generally used in this field of studies. To
illustrate this potential, the paper cites a number of issues in
organizational studies that have been addressed from the symbolic
interactionist perspective, and comments on methodological aspects
related to the accomplishment of its main assumptions. Finally, it
emphasizes that researchers must be aware of the limitations of the
interactionist approach in order to use it appropriately.
Keywords: symbolic interactionism; theoretical assumptions;
methodological perspectives; organizational studies.
INTRODUÇÃO
As imagens, premissas e concepções que compõem uma perspectiva
teórica dão direção à investigação científica. Por esta razão, o
conhecimento das contribuições e limitações de dada perspectiva torna-se
importante por revelar as possibilidades de aplicação mesma (MORGAN,
1983). Com base nessas considerações, o presente estudo se propõe a
apresentar uma revisão acerca da perspectiva teórica denominada
interacionismo simbólico, resgatando suas origens, pressupostos centrais
e possibilidades de contribuição aos estudos organizacionais.
A perspectiva interacionista simbólica, que tem suas raízes na
sociologia e na psicologia social, possibilita a compreensão do modo
como os indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as
quais interagem e como tal processo de interpretação conduz o
comportamento individual em situações específicas. Autores como Kanter
(1972) e Hall (1987) apontam a utilidade e importância do interacionismo
simbólico no estudo da vida social, por apresentar uma percepção dos
Interacionismo Simbólico:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 585
indivíduos como capazes de utilizar seu raciocínio e poder de
simbolização para interpretar e adaptar-se flexivelmente às circunstâncias,
dependendo do modo como venham a definir a situação.
Ao estudar o comportamento humano, considerando sua interação
mediante comunicações simbólicas, em que os significados das ações
podem ser mantidos, modificados ou dados pelos atores, cujo self atua
como mediador entre estes e a organização social (BLANCO, 1988), o
interacionismo simbólico representa um potencial para compreensão de
diferentes aspectos da vida organizacional. Nesse sentido, complementa
outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas neste campo de
estudos.
Conforme salienta Coulon (1995), o interacionismo simbólico
trouxe às ciências sociais, um lugar teórico para o sujeito social como
intérprete do mundo, pondo em prática, com isso, métodos de pesquisa
que privilegiam o ponto de vista desses sujeitos. O objetivo do emprego
dessas abordagens é elucidar as significações que os próprios sujeitos
põem em prática para construir seu mundo social, o que torna o
interacionismo simbólico uma perspectiva teórica especialmente
adequada à condução de investigações qualitativas. Cumpre salientar,
todavia, que seus pressupostos são também compatíveis com métodos
quantitativos, favorecendo os desenhos de pesquisa que se caracterizem
pela combinação de múltiplos métodos (BENZIES; ALLEN, 2001).
Diante do exposto, o presente estudo teórico discute o surgimento,
a consolidação e os pressupostos centrais da perspectiva interacionista
simbólica, revisando as concepções teóricas dos estudiosos que mais
contribuíram para o seu desenvolvimento. Na sequência, busca identificar
as contribuições e potencialidades de utilização desta perspectiva teórica
nos estudos organizacionais, apresentando algumas reflexões finais acerca
das principais vantagens de seu emprego no referido campo de estudos e
salientando a importância de se reconhecer as suas limitações.
RAÍZES TEÓRICAS E CONSOLIDAÇÃO DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO
Os problemas sociais decorrentes da industrialização e urbanização do
início do século XX constituíram o contexto que serviu como uma das
fontes de estímulo aos estudiosos da época para desenvolver uma
perspectiva teórica distinta, voltada ao estudo sistemático do
comportamento social humano. As contribuições teóricas que vieram dar
origem a esta perspectiva, conhecida como interacionismo simbólico, são
Virgínia Donizete de Carvalho
586 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
advindas das obras de clássicos da Escola de Chicago como Charles
Cooley, John Dewey, William Thomas e, sobretudo, George Mead,
considerado como o principal precursor e inspirador do movimento
interacionista (HAGUETTE, 1995; JOAS, 1999; TREZZA, 2002;
ÁLVARO et al., 2007).
Destaca-se a influência da filosofia do pragmatismo¹ sobre os
estudiosos da Escola de Chicago. Esta teve início com os trabalhos de
Dewey e Mead, especialmente no que se refere à interpretação dos
processos e operações psíquicas, segundo sua eficácia para a solução dos
problemas encontrados pelas pessoas no curso de sua conduta. Nas
palavras de Joas (1999), “Cooley foi o primeiro a proclamar a
necessidade de um pragmatismo ‘social’ ou ‘sociológico’ e o primeiro a
desenvolver uma teoria do eu e sua dependência de grupos primários” (p.
138). Entretanto, a solução do problema de se chegar a uma análise
pragmática de situações de interação social e autorreflexão individual foi
creditada a Mead, por ter focado a ação interpessoal, indicando que o
modo de ação de um indivíduo suscita reações de seu parceiro, tornando-
se condição para a continuidade de suas próprias ações.
Sabendo-se que o pragmatismo foi um dos produtos das ideias
evolucionistas britânicas (ÁLVARO; GARRIDO, 2003) e que Mead, no
terreno filosófico, era um pragmatista (PORTUGAL, 2006), torna-se
perceptível que, em alguns aspectos, as ideias de Darwin tiveram impacto
sobre o pensamento de Mead. É observável também a atenção que
dedicou às elaborações de Wundt e às concepções behavioristas.
Entretanto, é fato inegável que em suas discussões sempre reconhecia as
limitações de cada uma das correntes de pensamento citadas,
apresentando críticas às mesmas. Assim, discutia a incapacidade do
pragmatismo de explicar as origens do indivíduo como ser social; a
explicação de Cooley sobre a natureza social do ser humano, baseada em
processos subjetivos; a aceitação de Wundt em relação ao fenômeno da
mente humana, sem se preocupar com sua emergência e a pretensão
reducionista do behaviorismo de explicar o comportamento humano por
meio do esquema E-R (Estímulo-Resposta) (BLANCO, 1988).
Mead (1934)reconhece que o ato possui tanto uma fase interna
quanto externa. Para ele, a questão surge no modo como essas duas fases
se relacionam. Portanto, critica Wundt por pressupor a mente em sua
psicologia fisiológica, e Watson por abandoná-la em seu behaviorismo.
Para Farr (1998, p. 80) “ambas as perspectivas são parciais e não há nada
de inerentemente social em nenhuma delas. O que Mead fez foi mostrar
como elas poderiam se relacionar”.
Interacionismo Simbólico:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 587
Estas considerações estão claras em sua obra, como é possível
constatar neste trecho em que esclarece, em termos de behaviorismo, qual
é o ângulo de seu enfoque:
O ato, e não o trajeto é o dado fundamental na psicologia social e na
psicologia individual, quando são concebidas na forma condutista, e
tem por sua vez uma fase interna e outra externa, um aspecto
interior e outro exterior. (...) nosso ângulo de enfoque é condutista,
mas diferentemente do condutismo watsoniano, reconhece as partes
do ato que não aparecem na observação externa e acentua o ato do
indivíduo humano em sua situação social natural (MEAD, 1934,
p.55).
Conforme se observa, no entendimento de Mead (1934), a
compreensão da conduta é incontestavelmente diferenciada de Watson.
Ele argumenta detalhadamente em sua obra que certas partes do ato se
convertem em um estímulo para que o outro indivíduo se adapte a tais
reações; e essa adaptação se converte, por sua vez, em estímulo para que
o primeiro modifique seu ato e inicie outro distinto.
Portanto, a descrição de Mead do comportamento humano tem
como dado principal o ato social, em termos não só de comportamento
externo observável, mas também de atividade encoberta do ato. Enquanto
Watson reduz o comportamento humano aos mesmos mecanismos
encontrados em nível infra-humano, em que a dimensão social é vista
como uma mera influência externa sobre o indivíduo, insistindo no estudo
estritamente científico do comportamento aparente; Mead permite uma
instintiva investigação compreensiva de aspectos do comportamento,
ausente na perspectiva de Watson (HAGUETTE, 1995).
Mead (1934) afirma que a mente é uma relação do organismo com
a situação, que se realiza por meio de uma série de símbolos. Quando um
determinado gesto representa a ideia que há por trás de si e provoca essa
ideia no outro indivíduo, tem-se um símbolo significante. No momento
em que tal gesto promove uma reação adequada do outro indivíduo, tem-
se um símbolo que responde a um significado na experiência do primeiro
indivíduo e que também evoca esse significado no segundo indivíduo.
Assim, a base da significação está presente na conduta social, em
que emergem os símbolos significantes. Só quando o indivíduo se
identifica com tais símbolos, se torna consciente a significação. Os
processos mentais têm relação com esta significação das coisas e a
mentalidade reside na capacidade do organismo para indicar aquele
elemento do ambiente que responde às suas reações, a fim de poder
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588 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
controlar tais reações de várias maneiras. Nas palavras do próprio Mead
(1934, p. 165), “o controle é possibilitado pela linguagem (...) e da
linguagem emerge o campo da mente”.
Conforme pontua Blanco (1988), o que Mead queria demonstrar
era que a ação de cada um só obteria seu sentido por meio da ação do
outro. Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente
percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a
interação simbólica, a qual não se dá por reação direta às ações e gestos
do outro, mas, mediante uma interpretação destas ações ou gestos com
base no significado que lhes é atribuído.
Para explicar este processo de interação que envolve definição e
redefinição de objetos do ambiente percebido, Mead introduz as noções
de Self, Eu e Mim. A característica da pessoa como objeto para si está
representada pelo termo Self (si mesmo), e este Self permite que o
indivíduo interaja socialmente consigo mesmo, da mesma forma que ele
interage socialmente em relação a outras pessoas. “Quando não só se
escuta a si, mas também se responde [...] tão realmente como se responde
a outra pessoa, então temos uma conduta em que os indivíduos se
convertem em objetos para si mesmos” (MEAD, 1934, p. 171).
Esta capacidade de refletir sobre si mesmo, que também permite o
processo de se perceber e/ou sentir-se no papel do outro, habilita o ser
humano a desenvolver o sentido de Self social. De acordo com Jeon
(2004), o Self precisa ser entendido de forma situada na interação com o
mundo social. A pessoa e o mundo não podem ser compreendidos de
forma isolada, porque o Self está sendo continuamente desenvolvido por
meio da interação com outros seres humanos. Isto explica a natureza do
Self, que é dinâmica e não fixa.
Portanto, a sociedade representa o contexto dentro do qual o Self
surge e se desenvolve. Haguette (1995) esclarece que o Self representa um
processo social no interior do indivíduo, que envolve duas fases analíticas
distintas: o “Eu”, que é a tendência impulsiva do indivíduo e o “Mim”,
que representa o outro generalizado. É na forma do outro generalizado
(MEAD, 1934) que os processos sociais influenciam a conduta dos
indivíduos envolvidos e a comunidade exerce controle sobre o
comportamento dos seus membros individuais. Quando as pessoas ficam
fora dessa classe de expressão organizada, surge uma situação em que o
controle está ausente. A reação do indivíduo ao outro generalizado
representa o Eu na experiência da pessoa. O pensamento seria o
raciocínio do indivíduo, uma conversação entre o que se denomina de
“Eu” e de “Mim”.
Interacionismo Simbólico:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 589
Nas palavras de Mead (1934, p. 222), é possível observar este
papel do “Eu” e do “Mim” num processo de interação contínua.
O Mim é um indivíduo convencional, habitual. Está sempre
presente. Tem que ter os hábitos, as reações que todos têm, ao
contrário, o indivíduo não poderia ser um membro da comunidade.
(...) A reação do Eu a uma atitude organizada transforma a mesma e
assim, ocorre certa proporção de adaptação e readaptação. Esta
reação do Eu pode ser um processo que envolve uma degradação do
estado social, como uma integração superior.
Acrescenta, ainda, que o progresso social humano implica o
emprego, por parte dos indivíduos, do seu mecanismo de consciência de
si, socialmente surgido. Este pode ser usado tanto para produzir as
transformações sociais progressivas, como para o desenvolvimento de si
mesmos ou de suas personalidades individuais, como forma de se manter
adaptativo a esse ritmo de reconstrução social.
Tais concepções apresentadas na teoria psicossociológica de Mead
são consideradas, em seu conjunto, como a fonte principal da qual se
derivaram as interpretações que deram origem ao interacionismo
simbólico. Este que começou a se delinear entre os anos de 1930 e 1940,
desenvolveu-se no transcurso das duas décadas seguintes e teve o seu
nome cunhado em 1937 por Herbert Blumer, que estabeleceu os
pressupostos da abordagem interacionista, por meio de seus escritos, cuja
maioria se encontra reproduzida em sua mais importante publicação –
Symbolic Interactionism: perspective and method.
Para os interacionistas simbólicos o significado é um dos mais
importantes elementos na compreensão do comportamento humano, das
interações e dos processos. Os interacionistas argumentam que, para
alcançar uma compreensão plena do processo social, o investigador
precisa se apoderar dos significados que são experienciados pelos
participantes em um contexto particular (JEON, 2004).
Sustentando-se nos preceitos teóricos de Mead, anteriormente
expostos, Blumer (1969, p. 2) reafirma, abaixo, a noção de que o
significado é um produto social, uma criação que emana das atividades
dos indivíduos, à medida que estes interagem. Conforme esclarece em sua
obra, a natureza do interacionismo simbólico tem como base a análise de
três premissas:
A primeira é que o ser humano orienta seus atos em direção às
coisas em função do que estas significam para ele (...). A segunda é
que o significado destas coisas surge como consequência da
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interação social que cada qual mantém com seu próximo. A terceira
é que os significados se manipulam e se modificam mediante um
processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se
com as coisas que vai encontrando em seu caminho.
Ao fundar-se nestas premissas, Blumer (1969) propõe o
desenvolvimento de um esquema analítico da sociedade e da conduta
humana. O tema central abordado são os processos de interação social –
ação social caracterizada por uma orientação imediatamente recíproca –
ao passo que o exame desses processos se baseia num conceito específico
de interação que privilegia o caráter simbólico da ação social. O caso
prototípico é o das relações sociais, em que a ação, ao invés de adotar a
forma de mera transferência de regras fixas, é definida nas relações de
forma recíproca e conjuntamente proposta e estabelecida. Assim, de
acordo com Blumer (1969), as relações sociais são vistas como algo
aberto e subordinado ao reconhecimento contínuo por parte dos membros
da comunidade e não como algo estabelecido de uma vez por todas
(JOAS, 1999).
De acordo com Haguette (1995), Blumer tenta ser fiel ao
pensamento de Mead, abordando, sobretudo, a natureza da interação
simbólica, da sociedade e da vida em grupo, dos objetos, da ação humana
e da ação conjunta. Entretanto, aponta Haguette (1995), alguns autores
consideram as noções de Blumer como uma interpretação errada das de
Mead e outros alegam que as ideias centrais do interacionismo simbólico
demonstram mais similaridade com as de outros pensadores do
pragmatismo do que com as de Mead. Joas (1999), por exemplo, descreve
a construção de Blumer como uma apropriação fragmentária do trabalho
de Mead e, segundo Farr (1998), o interacionismo simbólico deve ser
entendido como uma perspectiva teórica iniciada em Chicago por Blumer
e baseada em “sua interpretação” de Mead.
Além disso, cumpre salientar que, não obstante o fato de Blumer
(1969) ter sido, indubitavelmente, o mais influente entre os estudiosos a
modelar o sentido da perspectiva interacionista simbólica, ele não foi o
único a fazê-lo. As contribuições de Manford Kuhn também foram de
vital importância para o delineamento de tal perspectiva (STRYKER;
VRYAN, 2006). As diferentes concepções abraçadas por estes estudiosos,
bem como as estratégias metodológicas por eles propostas são, a seguir,
examinadas.
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PERSPECTIVAS CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS DAS ESCOLAS DE
CHICAGO E IOWA
As duas variantes mais proeminentes do interacionismo simbólico são
representadas pelas Escolas de Chicago e Iowa associadas,
respectivamente, às figuras de Herbert Blumer e Manford Kuhn. Os
pressupostos básicos do interacionismo simbólico, elaborados por
Blumer, são conhecidos como Interacionismo Clássico ou Interacionismo
da Escola de Chicago. A Escola de Iowa, por outro lado, desenvolveu-se
sob a orientação de Kuhn, o qual, fortemente influenciado pelo
positivismo lógico, defendia uma abordagem mais estruturada para o
interacionismo simbólico (BENZIES; ALLEN, 2001).
Observa-se, no geral, que ambas partem das concepções de Mead
e convergem no tocante aos aspectos que integram a essência do
interacionismo simbólico. Tais aspectos enfatizam que o mais
característico e singular do comportamento humano é o fato de interagir
mediante comunicações simbólicas, que requerem a definição da situação
na qual se atua, assim como atuar assumindo e tendo em conta os
comportamentos esperados pelos demais naquela situação. Os
significados das ações podem ser mantidos, modificados ou dados pelos
atores, os quais são assim, criadores ativos da vida social. Tudo isso
estrutura na pessoa um self ou mediador entre esta e a organização social
(BLANCO, 1988).
Quanto aos pontos de divergência entre estas duas escolas, cumpre
analisar suas concepções. Tomando-se as ideias de Blumer, nota-se que
seu entendimento é de que as pessoas constroem o próprio
comportamento de forma ativa e contínua, durante o curso de sua
interação. Para ele, essa incessante construção é uma característica de
toda a vida social.
Assim, os significados, definições e interpretações, que são
básicos para a interação social, passam por reformulações contínuas no
curso das interações. Eles são emergentes e sujeitos à mudança de
momento a momento e, portanto, não têm a generalização requerida pelos
conceitos teóricos, em termos dos quais as teorias são desenvolvidas.
Com base em tais concepções, conclui-se que os estudiosos podem
alcançar uma compreensão do comportamento social após sua ocorrência,
mas não é possível desenvolver explicações teóricas que visem a prever o
comportamento social, seja individual, seja coletivo (STRYKER;
VRYAN, 2006).
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No que tange ao desenvolvimento das pesquisas, Blumer (1969)
também critica a metodologia convencional por utilizar meios de
estabelecer a validade empírica de certos estudos por meio de esquemas,
que ele julga inadequados para captar o caráter específico do objeto de
estudo. Esse autor propõe, então, uma posição metodológica para o
interacionismo simbólico, na qual defende a noção de que para
compreender o mundo é necessário analisá-lo em termos das ações e
interações de seus participantes. “Para a ciência empírica a ‘realidade’ só
existe no mundo empírico, no qual se devem buscá-la e verificá-la”
(BLUMER, 1969, p. 16).
Como esclarece Jeon (2004), a concepção de Blumer é de que o
pesquisador deve ser capaz de interagir ativamente com as pessoas que
estão sendo pesquisadas, de modo a ver as coisas do ponto de vista destas
e no seu contexto natural. Por conseguinte, o autor entende que ao adotar
a abordagem interacionista, o pesquisador precisa estar ativamente
engajado no mundo em estudo e empreender uma análise de suas partes
fundamentais, para o que ele propõe as técnicas de exploração e inspeção
como métodos apropriados de pesquisa, conforme segue:
O estudo exploratório é o meio [...] para conseguir um
conhecimento extenso e profundo da esfera da vida social e de
desenvolver e acentuar a sua investigação. [...] Por seu caráter
reflexivo, não está sujeito a nenhum conjunto de técnicas em
particular, pode recorrer à observação direta, entrevistar pessoas,
obter informações sobre a vida real, utilizar cartas e diários,
consultar documentos públicos e organizar discussões de grupo. A
finalidade da investigação exploratória é traçar um quadro em
estudo, tão completo e preciso quanto permitem as condições
vigentes [...]. A inspeção consiste em examinar o elemento analítico
dado, considerando-o de diferentes ângulos, estabelecendo diversas
perguntas e examinando novamente à luz das mesmas; em outras
palavras, um exame detido e profundo [...]. A exploração e a
inspeção representam a descrição e a análise e correspondem ao que
se denomina investigação naturalista; um processo destinado a
abordar o mundo empírico em seu caráter natural e contínuo, em
lugar de se limitar a uma simulação do mesmo, uma abstração ou a
sua substituição por uma imagem pré-estabelecida (BLUMER,
1969, p. 33).
Stryker e Vryan (2006) alertam para as implicações metodológicas
derivadas de tais concepções, as quais, segundo os autores, envolvem as
noções de que: 1) um método de pesquisa que não envolve exame direto
do mundo empírico não pode gerar dados significativos e, portanto,
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carece de validade; 2) a manipulação matemática e estatística de dados
quantitativos não tem valor para os estudos sociais, uma vez que tais
dados são vazios de significados que constituem a essência do caráter do
fenômeno sociológico; e, 3) as pesquisas não devem basear-se em uma
teoria existente e dela derivarem hipóteses que antecipem resultados de
comportamento social.
Além disso, enfatizam Stryker e Vryan (2006), os impactos da
organização e das estruturas sociais sobre a ação social são minimizados
na concepção de Blumer (1969).. Isto porque o seu entendimento é de que
a busca por ligações entre o comportamento social e os elementos da
estrutura (requisições de papel, expectativas, demandas situacionais, entre
outros) é inconsistente com o reconhecimento de que o ser humano é uma
criatura em constante definição e interpretação.
A visão de Manford Kuhn, por sua vez, contrasta frontalmente
com a de Blumer, pois Kuhn aspirava a generalizações teóricas
articuladas e rigorosamente testadas. Partindo do ponto de vista dos
filósofos e sociólogos pragmatistas, que argumentavam que a estrutura
social é criada, mantida e alterada por meio da interação simbólica, ele
defendia que tal estrutura, uma vez criada, restringe novas interações.
Assim baseando-se no ponto de vista de que o Self apresenta relativa
estabilidade, Kuhn propõe instrumentos que permitiriam identificar e
mensurar seus atributos. Para implantar este ponto de vista, ele adota uma
concepção de estrutura social composta de redes de posições em relações
estruturadas entre pessoas e de expectativas de papel associadas com tais
posições (KUHN, 1964).
A proposta metodológica de Kuhn (1964) demanda o
desenvolvimento de proposições gerais, cujas hipóteses específicas
possam ser deduzidas e testadas. Se os testes corroboram as hipóteses,
tem-se uma teoria útil para explicar e prever o comportamento em
interação social. A construção de tais teorias deve ocorrer por meio de
uma sólida mensuração dos conceitos incorporados nas proposições
gerais do pesquisador, de forma que conceitos claros e precisos sejam
necessários para mensurações confiáveis. Conforme esclarecem Stryker
& Vryan (2006), Kuhn não via contradição entre os conceitos vinculados
ao interacionismo simbólico e o atendimento das exigências de uma
mensuração científica confiável, bem como o desenvolvimento de teorias
explicativas do comportamento social sujeitas ao teste empírico.
Observam-se, então, dois pontos centrais nas diferenças de
abordagem entre as duas escolas. Um deles é a questão que envolve a
natureza do comportamento humano em termos de liberdade ou
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determinação. Reconhecendo a tendência impulsiva e espontânea do “Eu”
que inicia o ato, o qual termina em forma de “Mim”, os seguidores da
Escola de Chicago atribuem uma dimensão imprevisível e indeterminada
ao comportamento (REYNOLDS; MELTZER, 1973). A perspectiva da
Escola de Iowa, ao contrário, sustenta que o comportamento é, em parte,
determinado pelas definições do ator, particularmente por seu Self,
considerando que o “Eu” nem sempre é decisivo na interação (BLANCO,
1988). Assim, enquanto para Blumer prevalece a concepção, tanto do Self
como da sociedade, mais dinâmica e orientada ao processo,
continuamente renegociada em interação com outros; por outro lado,
Kuhn entende que ambos representam estruturas cujos padrões são
relativamente estáveis e previsíveis (HAGUETTE, 1995).
Blumer (1969) compreende a interação como um processo por
meio do qual a vida grupal está em contínuo desenvolvimento, em
permanente mudança e depende dos diferentes esquemas de interpretação
de que utilizam os indivíduos participantes da mesma. Por outro lado,
Kuhn enfatiza os aspectos mais estruturais na determinação da conduta,
os quais dependem das definições sociais que são aprendidas sobre os
objetos. Isto é, as atitudes em relação aos objetos do meio, positivas ou
negativas, seriam uma consequência dos significados pelos quais as
pessoas aprendem a designá-los.
Outro ponto de divergência fundamental entre estas duas escolas
de pensamento situa-se no campo metodológico. Enquanto Blumer
insistia na necessidade de uma metodologia distinta no estudo do homem,
Kuhn enfatizava a comunalidade do método em todas as disciplinas
científicas e acreditava na possibilidade de transformar os conceitos
interacionistas em variáveis empregadas para testar proposições
empíricas. Os métodos na Escola de Iowa incluíam desenhos quase-
experimentais, análises estatísticas, questionários, escalas, testes e
procedimentos de laboratório – todos ligados a uma lógica de verificação.
Os seguidores da Escola de Chicago, por sua vez, tendiam a adotar a
observação participante, entrevistas, grupos focais e análise de
documentos – todos ligados a uma lógica de descoberta (REYNOLDS;
MELTZER, 1973).
Para Stryker e Vryan (2006), os elementos mais contrastantes das
Escolas de Chicago e Iowa, aqui enfatizados, referem-se antes à história
da perspectiva interacionista simbólica do que ao seu presente, reportam-
se mais aos polos extremos, característicos dos argumentos iniciais, do
que às posições tomadas por interacionistas contemporâneos. Por esta
razão, as classificações em relação às duas escolas são comumente
utilizadas na literatura para descrever abordagens dentro do
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interacionismo simbólico, as quais, embora tenham bases históricas,
representam posições extremas que não são usualmente adotadas pelos
interacionistas.
A PERSPECTIVA INTERACIONISTA SIMBÓLICA
Enquanto historicamente as predileções metodológicas têm sido, talvez,
de primeira importância para distinguir entre trabalhos realizados por
estudiosos que abraçam a perspectiva interacionista simbólica, Stryker e
Vryan (2006) apontam que isto parece se tornar menos importante com o
passar do tempo. De fato, a diversidade de interesses daqueles que se
identificam com a perspectiva contribuiu para o desenvolvimento de um
número de variantes (FINE, 1993), não discutidas aqui por motivos de
concisão, mas que sinalizam para as amplas possibilidades de aplicação
dos pressupostos interacionistas.
Nesse sentido, Stryker e Vryan (2006) refletem que é possível
encarar as diferentes possibilidades apresentadas por tais variantes como
tensões que requerem uma escolha excludente; ou reconhecer os
benefícios que derivam das diferentes variantes dentro de uma perspectiva
interacionista mais ampla. Esclarecem, ainda, as vantagens desta última
posição que, segundo os autores, vem sendo adotada por boa parte dos
interacionistas simbólicos contemporâneos.
Entretanto, apesar de que as ideias do interacionismo simbólico
não requeiram um comprometimento com estratégias qualitativas de
pesquisa, tal perspectiva teórica tem sido quase que exclusivamente
associada à utilização de métodos tais como a etnografia, observação
participante e entrevistas intensivas não estruturadas, entre outras; quando
é aceita a utilidade de uma variedade maior de métodos nas ciências
sociais (BENZIES; ALLEN, 2001).
Quanto aos aspectos conceituais, referentes às questões de
estabilidade ou mudança, construção social ou reprodução, criatividade
ou conformidade, Stryker e Vryan (2006) ponderam que não são
mutuamente excludentes, mas constituem características observáveis da
vida social. Dessa forma, embora o comportamento humano carregue um
elemento de imprevisibilidade, conserva também certa continuidade, dado
que não se pode ignorar o fato de que o mesmo é constrangido pela
estrutura social em que se encontra inserido.
Com base nesse entendimento e na posição de se trabalhar dentro
de uma perspectiva interacionista simbólica mais ampla, conceitos
generalizados podem ser potencialmente úteis, teorias podem ser
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formuladas e testadas e trabalhos utilizando métodos qualitativos ou
quantitativos podem ser estratégicos para os pesquisadores. E ainda,
considerando-se que um método não pode se adequar a todos os
problemas de pesquisa, a adesão absoluta a preferências metodológicas de
qualquer tipo limitaria o leque de problemas que podem ser abordados por
meio das lentes da referida perspectiva. Dessa forma, o interacionismo
simbólico, que tem uma extensa tradição no estudo da organização social
e dos processos sociais (HALL, 1987), continua oferecendo
possibilidades de contribuição em diversos campos de estudo.
Todavia, a despeito das inúmeras potencialidades relacionadas a
esta perspectiva teórica, importa mencionar que, ao longo dos anos, a
mesma também foi alvo de críticas, que se multiplicaram especialmente
durante a década de 1970. Meltzer, Petras e Reynolds (1975), por
exemplo, apontaram a minimização da estrutura social como a principal
fragilidade do interacionismo simbólico, a qual estaria relacionada a uma
subvalorização da estratificação social, assim como da distribuição
desigual de riqueza e poder.
Nessa vertente seguiram os demais críticos (WORSLEY, 1973;
COSER 1975; entre outros) ao entender o interacionismo simbólico como
uma perspectiva limitada por sua restrição aos “micro” aspectos da
organização social, que, como tal, seria incapaz de abordar
adequadamente os “macro” fenômenos, tais como estrutura social,
padrões de desigualdade e poder. De acordo com Joas (1999, p. 131), tais
críticas que tomam a perspectiva interacionista simbólica como limitada a
fenômenos de imediaticidade interpessoal, atribuem-lhe “a visão de que o
complexo das relações macrossociais não ultrapassa o horizonte da
sociabilidade mundana”.
Refutando, entretanto, a noção de que o interacionismo simbólico
nega ou exclui a existência de fenômenos como classes sociais,
instituições sociais, estruturas de poder e estratificação social, alguns
estudiosos (MAINES, 1977; DENNIS; MARTIN, 2005; SAUDER, 2005,
entre outros) alegam que este não ignora as considerações acerca da
estrutura social. Ademais, esses consideram que não há nada inerente a tal
perspectiva teórica que impeça a análise da organização e estrutura
sociais.
No que tange ao estudo da estratificação social, por exemplo,
Sauder (2005) argumenta que, ao examinar cuidadosamente como o status
tende a ser indicado, empregado, mantido ou alterado ao longo do tempo,
a abordagem interacionista simbólica proporciona uma explicação de
como este afeta tanto o comportamento individual quanto o social. Com
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base nestas noções, Sauder (2005) propõe um modelo para o estudo do
status com base nesta perspectiva.
Ainda, considerando as relações de poder, Dennis e Martin (2005)
sugerem que os estudos interacionistas têm contribuído para a
compreensão dos processos sociais, por intermédio dos quais, nas
situações cotidianas, o poder é desempenhado e institucionalizado. Desta
forma, tais estudos estariam propiciando explicações acerca dos meios
pelos quais os padrões culturais e restrições institucionais exercem
influência sobre os indivíduos.
Corroborando Maines (1977), estes autores buscam demonstrar
que uma abordagem interacionista simbólica não descarta as restrições
que organizações e estruturas sociais impõem aos atores individuais. Ao
contrário, examina estas estruturas, insistindo que os processos de
restrição e/ou coação são compostos e expressos por meio de interações
individuais.
As ideias centrais do interacionismo simbólico são de que,
individualmente e coletivamente, os seres humanos são ativos, criativos e
não somente respondentes às forças do ambiente externo. Os ambientes
nos quais eles agem e com os quais interagem são simbólicos; os
símbolos designados aos ambientes são produzidos em interação e podem
ser manipulados no curso da interação; o pensamento pode ser usado para
antecipar a efetividade de alternativas de ação planejadas para resolver
problemas e a escolha entre cursos de ação alternativos é uma
característica da conduta social (STRYKER; VRYAN, 2006). Dessa
forma, à medida que o interacionismo simbólico constitui-se em uma
perspectiva teórica que pode facilitar uma melhor compreensão, tanto das
relações entre indivíduos, quanto entre estes e as estruturas sociais,
identifica-se um significativo potencial de aplicabilidade de seus
pressupostos básicos na condução de estudos organizacionais.
O INTERACIONISMO SIMBÓLICO E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
Como enfatiza Morgan (1983), diferentes pressupostos dão lugar a
diferentes bases para o conhecimento sobre o mundo social. As imagens
de um fenômeno social, que ele aponta como usualmente expressas em
termos de metáforas, proporcionam um meio de se estruturar uma
investigação científica e favorecem dadas estâncias epistemológicas
particulares. Estas, por sua vez, geram conceitos e métodos específicos
por meio dos quais é possível obter o conhecimento de dado fenômeno.
Virgínia Donizete de Carvalho
598 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
Assim, as metodologias ligam o pesquisador à situação a ser
estudada em termos de regras, procedimentos e protocolos gerais que
operacionalizam o conjunto de pressupostos básicos presentes na estância
epistemológica adotada pelo pesquisador. Como existem várias
abordagens metodológicas disponíveis para investigar diferentes pontos
de vista metafóricos, torna-se relevante ter uma clara compreensão das
conexões entre perspectiva teórica e método (MORGAN, 1980).
Partindo de tais considerações, tem-se que a escolha pela estância
interacionista simbólica como perspectiva teórica a guiar a condução de
estudos organizacionais deve ser baseada em pressupostos que precisam
estar claros para o pesquisador. Ao estudar o comportamento humano,
considerando sua interação mediante comunicações simbólicas, em que os
significados das ações podem ser mantidos, modificados ou dados pelos
atores, cujo self atua como mediador entre estes e a organização social
(BLANCO, 1988), o interacionismo simbólico representa um potencial
para compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,
complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas
neste campo de estudos. Num esforço de exemplificar suas
potencialidades, busca-se elucidar alguns temas em estudos
organizacionais beneficiados pela abordagem interacionista simbólica e
tecer algumas considerações acerca dos aspectos metodológicos
relacionados à operacionalização de seus pressupostos básicos.
Perspectivas temáticas em estudos organizacionais
Considerando-se a complexidade e a pluralidade que são típicas da vida
organizacional, evidencia-se que a utilização de uma perspectiva
interacionista simbólica em estudos organizacionais apresenta uma
variedade de possibilidades. Nessa perspectiva podem ser exploradas, não
somente as ambiguidades e contradições, mas também os vários modos de
representações, os múltiplos valores e a construção das significações da
vida organizacional, pelos atores envolvidos. Apresentam-se, a seguir,
algumas temáticas nesse campo de estudos que têm sido abordadas sob a
perspectiva interacionista simbólica, cujas possibilidades de contribuição
seguem propiciando oportunidades ao desenvolvimento de novas
pesquisas.
Entre estas, encontra-se o estudo da linguagem nas organizações.
Cossette (1998) identifica a possibilidade de que a perspectiva
interacionista simbólica possa contribuir no sentido de compreender os
significados atribuídos e a construção da linguagem no contexto da
situação interativa em que esta ocorre. Dessa forma, o autor propõe um
Interacionismo Simbólico:
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modelo para o estudo da linguagem nas organizações e discute que,
baseado na perspectiva proposta, pode se abordar, por exemplo, a
extensão e o modo como a linguagem do gestor e do empregado são
determinadas por fatores específicos da situação interativa e,
principalmente, como o significado atribuído à linguagem é determinado
pela percepção de cada um deles a respeito das intenções do outro. De
forma geral, entende-se que a estância interacionista simbólica no estudo
da linguagem pode produzir a melhor compreensão acerca da dinâmica
organizacional. Isto se torna relevante dado que, conforme sugere
Cossette (1998), se a linguagem é modelada pela estrutura em que é
produzida, também contribui para modelar a mesma.
O interacionismo simbólico é também uma abordagem importante
para o estudo e compreensão da cultura organizacional. Conforme
Morgan (1996), falar sobre cultura refere-se ao processo de construção da
realidade que permite às pessoas ver e compreender eventos, ações,
objetos, expressões e situações particulares de maneiras distintas. A
construção e a manutenção da cultura pressupõem que existe um
determinado nível de compartilhamento da realidade social edificada
pelos membros de um grupo (BERGER; LUCKMAN, 1967/1985).
Numerosas estruturas organizacionais e práticas incorporam padrões de
significado subjetivo que são cruciais para o entendimento de como
funciona a organização no dia a dia. Nesse sentido, Silva e Zanelli (2004)
salientam que a perspectiva interacionista simbólica no estudo da cultura
organizacional torna-se relevante, uma vez que enfatiza a recuperação do
processo de elaboração do universo simbólico ou da construção da
realidade de determinada organização social.
Estreitamente relacionado ao estudo da cultura, o tema da
socialização organizacional, o qual pode ser considerado como um dos
aspectos essenciais de preservação ou mudança da cultura organizacional,
também vem recebendo influência significativa da corrente do
interacionismo simbólico. Com base nos pressupostos interacionistas, de
que os indivíduos contribuem para os significados que surgem em dado
contexto social, os estudos em socialização organizacional passaram a
considerar o papel ativo dos iniciantes nesse processo, considerando que
atuam, ao mesmo tempo, como sujeito e objeto. Nas palavras de Borges e
Albuquerque (2004, p. 332), a compreensão do processo de socialização
organizacional, na perspectiva interacionista simbólica, é de que “não há
um espaço ilimitado de deliberação do sujeito, nem o indivíduo é um
mero produto do meio e, sim, fruto dessa dinâmica”. De acordo com essa
visão, a realidade e o significado seriam construções sociais (BERGER;
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600 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
LUCKMANN, 1967/1985) e, com base na mesma, busca-se compreender
a maneira como são construídas as atitudes, comportamentos e
conhecimentos necessários para que o iniciante possa participar como um
membro da organização.
Ainda, com respeito ao estudo do status nas organizações, alguns
estudiosos (PODOLNY, 1993; BENJAMIN; PODOLNY, 1999) têm
evidenciado como as questões relacionadas a este tema desempenham um
papel central nos processos organizacionais. Conforme Sauder (2005),
uma perspectiva interacionista oferece um meio de examinar como as
reputações que definem o status são construídas e institucionalizadas,
como mudam ao longo do tempo e como afetam as interações entre a
organização e seus membros. Pode, ainda, auxiliar a compreensão acerca
dos meios pelos quais os atores simbolizam o status, os processos por
meio dos quais esses símbolos são usados para criar e manter as
respectivas posições e a relação entre o status de uma organização e o
status de seus membros constituintes.
Cumpre considerar, ainda, as possibilidades de aplicação da
perspectiva interacionista simbólica no estudo dos processos de
aprendizagem organizacional, das questões relativas às percepções,
atitudes, crenças e valores construídos no ambiente de trabalho e também
da identidade e simbolismo nas organizações. Além das possibilidades de
contribuição derivadas da aplicação dos pressupostos interacionistas
simbólicos aos estudos organizacionais, ilustradas aqui por meio dos
exemplos apresentados, há que se considerar outro elemento relevante,
que diz respeito aos aspectos metodológicos de tais estudos.
Perspectivas metodológicas em estudos organizacionais
Uma vez que as metodologias ligam o pesquisador à situação a ser
estudada, operacionalizando o conjunto de pressupostos básicos presentes
na estância epistemológica adotada (MORGAN, 1980), torna-se relevante
tecer algumas considerações acerca das possibilidades metodológicas, que
se configuram para os estudos conduzidos à luz do interacionismo
simbólico.
Nesse sentido, importa salientar que o interacionismo simbólico,
embora conhecido e discutido como uma perspectiva teórica adequada à
condução de investigações qualitativas tem seus pressupostos também
compatíveis com métodos quantitativos (MELTZER; PETRAS;
REYNOLDS, 1975). Isto o torna uma estância epistemológica que
proporciona não somente a maior flexibilidade na escolha do método,
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 601
como também a adequação ao desenho de pesquisas que se caracterizem
pela adoção de múltiplos métodos.
Embora exista reconhecimento de que não há dicotomias entre
métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa, porquanto a realidade,
em sua complexidade, exige a ambos, persiste a noção de que métodos
qualitativos são concessivos e não podem disputar espaço com os
quantitativos. Muitas vezes, tal discussão é atrapalhada pelo próprio
abuso dos métodos qualitativos (DEMO, 2001); “o que não elide sua
necessidade por razão epistemológica precípua: a tamanha complexidade
da realidade [...], que não é devassável apenas quantitativamente”
(DEMO, 2005, p. 80).
Dados e análises qualitativas têm, não somente a virtude de
proporcionar informações ricas e em profundidade, quanto a compreensão
de situações que podem facilitar a geração de teorias, particularmente
com respeito a novas questões ou àquelas sobre as quais pouco se sabe.
Além disso, alguns aspectos da vida social, de interesse dos estudos
organizacionais, podem não ser acessíveis por meio de questionários
estruturados e outras formas não naturalistas de coleta de dados, ou
podem não ser apropriados à quantificação.
Ao mesmo tempo, dados qualitativos estão em desvantagem,
comparados aos quantitativos, quando o interesse está em testar a
generalidade de um argumento teórico. Além disso, levantamentos em
maior escala permitem a avaliação de modelos multivariados, envolvendo
conjuntos complexos de dados, baseados em amostras relativamente
representativas.
Nessa vertente, importa salientar a relevância de uma integração
de metodologias qualitativas e quantitativas nos estudos organizacionais,
dado que a combinação de métodos, além de contribuir para aumentar a
profundidade e a amplitude de conhecimento acerca de dado fenômeno,
pode compensar os vieses inerentes a cada método (BENZIES; ALLEN,
2001). Por essa razão, alguns interacionistas têm começado a incorporar
múltiplos métodos em seu trabalho, obtendo as contribuições únicas de
cada um deles (STRYKER; VRYAN, 2006). Pela mesma razão, entende-
se que essa pode ser uma estratégia potencialmente útil quando da adoção
de uma perspectiva interacionista simbólica nos estudos organizacionais.
Como enfatizam Stryker e Vryan (2006), uma vez que o
desenvolvimento de teorias envolve a exploração e a formulação de
proposições, que são construídas em esquemas teóricos, para então serem
inspecionadas e testadas por meio de validação no mundo empírico;
desenhos de pesquisa que façam uso de múltiplos métodos, dentro da
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602 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.583-607 • Out/Nov/Dez 2011
perspectiva interacionista simbólica, também podem permitir ao
pesquisador tanto formular quanto validar teorias, o que também se aplica
ao campo de estudo das organizações.
Cumpre considerar, por fim, que na escolha do método entram
tanto a preferência do pesquisador, quanto a avaliação da adequação do
método e das possibilidades de pesquisa, que variam em conformidade
com os objetivos estabelecidos. Tais aspectos deverão embasar a opção
pela adoção de análises qualitativas ou pela combinação de diferentes
estratégias metodológicas na operacionalização dos pressupostos
interacionistas, aplicados aos estudos organizacionais. Ademais, não
devem ser subestimados os desafios implicados tanto na condução de
pesquisas qualitativas, quanto na adoção de múltiplos métodos, haja vista
o tempo e domínio técnico requeridos à aplicação de ambas as estratégias.
REFLEXÕES FINAIS
O presente ensaio teve como intuito apresentar uma revisão acerca da
abordagem interacionista simbólica, resgatando suas origens,
pressupostos básicos e possibilidades de contribuição aos estudos
organizacionais. Embora, não tenham sido esgotados neste trabalho todos
os desdobramentos de tal perspectiva teórica, foi possível observar, no
cerne das discussões, que o interacionismo simbólico, em sua trajetória,
tem se constituído como objeto de reflexão de vários estudiosos; seja pelo
reconhecimento de suas possibilidades de aplicação, ou pela elucidação
de suas limitações. A despeito das críticas e de sua secundarização,
juntamente com outras tendências sociológicas, por um longo período
(ÁLVARO; GARRIDO, 2003), o interacionismo simbólico evoluiu e se
fortaleceu. Na compreensão de Blanco (1988), isso talvez se explique
pelo fato de os pressupostos teóricos defendidos pelos interacionistas
simbólicos conduzirem a atenção para uma temática ampla, com
aplicações em diversos campos de estudo.
Tal fortalecimento deve ser, contudo, compreendido tanto no
contexto de sua evolução conceitual e de abrangência, notadamente no
que se refere a abarcar melhor a dialética que articula aspectos estruturais
da sociedade e construção do sujeito singular, quanto no contexto do
desenvolvimento das ciências humanas e sociais (ÁLVARO; GARRIDO,
2003). Desta forma, o entendimento aqui é que o interacionismo
simbólico se fortaleceu num caminho que permite abordar os fenômenos,
aplicando uma dialética entre aspectos da estruturação social e a
construção das individualidades, entre o geral e o particular, entre o
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 603
cultural e o singular, entre sujeito e objeto; apreendendo as contradições
da vida contemporânea no contexto de sociedades plurais, bem como
refletindo sobre os fenômenos sociopsicológicos, sem ignorar o caráter
histórico dos mesmos.
Com base nestas considerações, é possível defender que o
interacionismo simbólico representa uma alternativa, a um só tempo
viável e sólida, para aprofundar a compreensão da realidade
organizacional. Dessa forma, buscou-se evidenciar as possibilidades que
se descortinam mediante a utilização de tal perspectiva nos estudos
organizacionais, citando como exemplos, suas contribuições e
potencialidades no desenvolvimento de estudos da linguagem, da cultura,
da socialização e do status nas organizações. Sabe-se que tais exemplos
não cobrem todos os temas que são e podem ser beneficiados pela adoção
de uma abordagem interacionista simbólica nos estudos organizacionais;
mas, espera-se que tenham podido ilustrar o potencial que representa para
compreensão de diferentes aspectos da vida organizacional,
complementando outras perspectivas teóricas normalmente utilizadas
neste campo de estudos.
Foram tecidas, ainda, algumas considerações acerca dos aspectos
metodológicos das pesquisas em organizações, desenvolvidas à luz do
interacionismo simbólico, o qual, embora seja conhecido e discutido
como uma perspectiva teórica adequada à condução de investigações
qualitativas, tem seus pressupostos também compatíveis com métodos
quantitativos. Entende-se que, ao oportunizar a adoção de abordagens
qualitativas e quantitativas, facilitando inclusive a conjugação de
múltiplos métodos de pesquisa, o interacionismo simbólico oferece a
possibilidade de uma compreensão mais rica e completa das questões
organizacionais. Nessa vertente, enfatizam-se os benefícios advindos de
uma integração de métodos qualitativos e quantitativos, considerando-se
que contribui não apenas para maior profundidade e amplitude de
conhecimento acerca de dado fenômeno, como também para compensar
os vieses inerentes a cada método (BENZIES; ALLEN, 2001).
Por fim, é importante salientar que a adoção do interacionismo
simbólico como perspectiva teórica não resolve todos os problemas
relacionados à escolha e utilização de métodos nas pesquisas. Não se
defende tampouco, a primazia de dada estratégia metodológica em
relação a outras, visto que, baseado nos objetivos do estudo, o
pesquisador deve tomar uma decisão sobre a prioridade e a sequência dos
métodos. Além disso, qualquer perspectiva teórica tem seu viés e é
limitada por natureza. Enquanto o interacionismo simbólico sensibiliza os
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pesquisadores para certas pressuposições, ele não poderá revelar
completamente tudo o que há para saber a respeito das questões
organizacionais. Para uma utilização adequada do mesmo, os
pesquisadores devem estar conscientes de suas limitações.
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práticas. Deste modo, a verdade é entendida não como uma propriedade essencial das coisas, mas
como uma possibilidade cuja efetividade irá depender de seus efeitos sobre a conduta. Nesta
perspectiva, uma crença ou ideia será verdadeira se puder servir de guia às ações dos indivíduos
(ÁLVARO; GARRIDO, 2003).
Interacionismo Simbólico:
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 583-607 • Out/Nov/Dez 2011 607
DADOS DOS AUTORES
VIRGÍNIA DONIZETE DE CARVALHO ([email protected])
Doutora em Psicologia Social pela UFRN
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Alfenas
Varginha/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Cultura, valores e organizações, Fatores
humanos no trabalho.
Recebido em: 03/09/2011 • Aprovado em: 14/12/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 609
CHANGE LABORATORY: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA PESQUISA
E DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL
CHANGE LABORATORY: A METHODOLOGICAL APPROACH FOR RESEARCH
AND DEVELOPMENT OF ORGANIZATIONAL LEARNING
MARCO ANTONIO PEREIRA QUEROL ([email protected])
UNIVERSIDADE DE HELSINKI
JOSÉ MARÇAL JACKSON FILHO FUNDACENTRO
MARCIO PASCOAL CASSANDRE FACULDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DE APUCARANA
RESUMO
O objetivo deste texto é apresentar a metodologia chamada Change
Laboratory® (em português, Laboratório de Mudança), que se insere na
perspectiva das metodologias intervencionistas. Desenvolvida na
Finlândia a partir dos anos 1990, baseia-se em referencial teórico e
metodológico oriundo da Teoria da Atividade russa. Após a descrição das
principais técnicas e métodos, apresenta-se um resumo de intervenções
utilizando essa metodologia com a finalidade de caracterizar algumas das
dimensões das pesquisas e intervenções conduzidas em diversas
atividades e países. Verifica-se que o LM tem sido aplicado em vários
países, tanto no setor público quanto no setor privado, em pesquisas em
escolas, hospitais, produção agrícola, mídia, telecomunicações entre
outras atividades produtivas. Uma possibilidade oferecida por essa
metodologia é usar o LM como uma meta-ferramenta para auxiliar os
praticantes a analisar e a desenvolver suas atividades baseadas em uma
perspectiva histórica e cultural. Sob esta ótica, crises, dilemas e conflitos
na atividade não são entendidos apenas em relação ao comportamento dos
indivíduos e aos recursos disponíveis, mas em relação a todo um sistema
de elementos da atividade.
Palavras-chave: Teoria da Atividade; Aprendizagem Organizacional;
Metodologias Intervencionistas; Laboratório de Mudança.
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
610 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011
ABSTRACT
The aim of this study is to present an interventionist methodology called
Change Laboratory ® (in Portuguese, Laboratório de Mudança). This
methodology was developed in Finland in the 1990s, and is based on an
Activity Theoretical approach originated in Russia. After the description
of the main techniques and methods, a summary of applications of this
methodology will be presented in order to characterize some of the
features of the research studies and interventions conducted in different
activities and countries. The LM has been applied in several countries,
both in the public and the private sector, in research studies at schools,
hospitals, agriculture, media and telecommunications, among other
productive activities. This methodology may be used as a meta-tool for
supporting practitioners in analysing and developing their activities from
a cultural and historical perspective. In this perspective, crisis, dilemmas
and conflicts are not understood only in relation to the behavior of
individuals and resources available, but rather in relation to all elements
of an activity system.
Keywords: Change Laboratory; Activity Theory; Organizational
Learning; Interventionist Methodologies.
INTRODUÇÃO
As demandas por mudanças no contexto atual da sociedade,
principalmente diante das situações da concorrência global, das crises
políticas e econômicas de países, além dos problemas ambientais e sociais
de toda ordem, têm influenciando sobremaneira o modo de condução das
organizações.
Para compreender a influência destas transformações sobre o rumo
das empresas, novos instrumentos e “lentes” são necessários para que
pesquisadores e gestores possam lançar outros “olhares” e assim,
contribuir para a produção de conhecimento e novas formas de agir diante
dos novos contextos e das novas problemáticas.
Nesse contexto, é fundamental ampliar o debate sobre os desafios
existentes nos estudos sobre Aprendizagem Organizacional (AO), entre
eles, as metodologias e métodos de pesquisa que levem em conta a
aprendizagem.
Para Bitencourt e Azevedo (2006, p.110-111), a Aprendizagem
Organizacional (AO) carece de “novas e diversas interpretações de
Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 611
eventos e situações”. Para tanto, sugerem a compreensão dos “processos
de aprendizagem”, construídos historicamente pelas experiências e
situações peculiares a cada organização em particular, implicando
repensar a AO apenas como um “modelo de gestão”. Dentro dessa linha
de raciocínio uma questão fundamental é como a gestão pode facilitar os
processos de aprendizagem nas organizações.
De modo simultâneo, a pesquisa em Administração no Brasil tem
procurado avançar na incorporação e no desenvolvimento das chamadas
Metodologias Intervencionistas, cujo princípio consiste em envolver os
profissionais das organizações, para participar no processo de mudança e
de resolução de problemas junto com pesquisadores.
Entre estas metodologias pode-se destacar, por exemplo, a
pesquisa-ação que já é utilizada nas pesquisas na área de Administração e
que se orienta ao estudo e à intervenção em situações reais. A pesquisa-
ação é reconhecida como um tipo de pesquisa social com base empírica,
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e, no qual, os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos
de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2009).
A metodologia de intervenção proposta nesse artigo possui
semelhanças com a pesquisa-ação no sentido de que em ambas o
pesquisador e os participantes se envolvem na busca de mudanças de um
dado problema coletivo, e, portanto, podem ser consideradas como modo
de pesquisa “engajada”, onde a produção de conhecimentos está
diretamente relacionada com a sua utilidade social.
Em contraste com a pesquisa-ação, a metodologia aqui proposta
oferece de forma explícita uma série de conceitos e métodos que guiam o
processo de pesquisa e permitem modelar o sistema em foco, por
exemplo, ao oferecer o modelo do Sistema de Atividade como unidade de
análise teórica. Na pesquisa-ação assume-se que as metas de mudança
emergem baseadas na comunidade que está sendo investigada
(ENGESTRÖM, 1994), enquanto na Aprendizagem Expansiva o
conteúdo do aprendizado ainda não existe, sendo criado de forma gradual,
um processo que não pode ser previamente planejado e pode levar anos
(ENGESTRÖM; SANNINO, 2010).
Por um lado, aprendizagem pode ser considerada simplesmente
como a assimilação de conhecimento já existente (teorias, modelos, etc.),
ou então a criação de novo conhecimento e elementos mediadores da
ação. Essas formas de aprendizagem não são consideradas expansivas,
pois não levam a um novo motivo da atividade coletiva. Aprendizagem
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
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Expansiva ocorre, por outro lado, quando se cria um novo motivo, ou
objeto em uma atividade coletiva (com um novo princípio de
funcionamento ou organização) mais ampla, de forma que possa resolver
uma contradição da atividade (ENGESTRÖM; SANNINO, 2010).
No contexto diário das organizações percebe-se um incentivo
crescente por parte dos gestores para que os próprios envolvidos nas
atividades participem no desenvolvimento de novas formas de trabalho,
na busca de melhorias das atividades, na resolução dos problemas
existentes, ou seja, para que possam trabalhar comprometidamente com
os seus pares, a fim de alcançar os objetivos organizacionais (FARIA,
2007).
Conforme apontado por Tapscot (1996), na nova era da “economia
digital” não é suficiente mudar apenas o processo de produção em
determinado negócio, mas, é necessário também mudar o modelo ou
conceito de negócio, ou seja, uma abstração do que o négocio é, ou o que
ele pode vir a ser. A essência do conceito de um negócio não se refere ao
produto ou serviço em si, mas ao valor gerado ao cliente, e aos métodos e
ferramentas utilizadas para produzir esse valor. Neste artigo utiliza-se o
Sistema de Atividade como “ferramenta para analisar, representar e
desenhar o conceito de um negócio como uma atividade de trabalho
coletivo” (VIRKKUNEN; AHONEN, 2004, p. 59).
A mudança do conceito de um sistema de atividade exige, todavia,
um tipo diferente de aprendizagem. Por isso, tal mudança pode ser
facilitada se os praticantes compreenderem a sua atividade como um
sistema de desenvolvimento histórico de produção de valores, além de
serem corresponsáveis na criação de novas formas da atividade. Esse tipo
de aprendizagem expansiva é centrado na colaboração, na pesquisa que
tem embasamento teórico e que permite a experimentação a fim de
transformar a atividade. Esse aprendizado inovativo e desenvolvimental
requer cooperação entre gestores estratégicos do negócio e entre os
sujeitos envolvidos na concretização da atividade (ENGESTRÖM, 2004).
O objetivo deste texto é apresentar a metodologia chamada
Change Laboratoryi (ENGESTRÖM, et al, 1996; ENGESTRÖM, 2007 e
2008), aqui traduzida para Laboratório de Mudança (LM), que se insere
no âmbito das metodologias intervencionistas como uma ferramenta
teórico-metodológica para ampliar as possibilidades de pesquisa em
Administração bem como no campo da Aprendizagem Organizacional
(ENGESTRÖM, 2008).
Assim, a intervenção incorporada por essa metodologia enseja a
possibilidade de se contribuir para o debate sobre o desenvolvimento e
implantação de instrumentos de pesquisa, que possibilitem não apenas
Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 613
produzir conhecimento, mas também contribuir para o desenvolvimento e
aprendizagem dos sujeitos envolvidos na redefinição e/ou melhoria da
atividade em que estão inseridos; não só isolar e resolver problemas na
gestão do negócio de uma organização, mas também contribuir para que
os próprios sujeitos desenvolvam outros entendimentos e compreensões
do objeto da atividade e suas modificações ao longo do processo histórico
aos quais estão submetidos.
Os processos de pesquisa participativos oferecidos pelo
Laboratório de Mudança, aqui defendidos, propiciam o desenvolvimento
tanto dos sujeitos como o da própria atividade. . Conforme explicado mais
adiante, o desenvolvimento de uma atividade é compreendido como a
resolução de contradições dentro e entre sistemas de atividade. Tal
desenvolvimento é baseado na construção conjunta fundada na concepção
teórica, na qual o desenvolvimento depende, em grande parte, dos
motivos, ideais e cooperação dos praticantes. Por praticantes entendem-se
todos os envolvidos numa determinada atividade, quer sejam os
trabalhadores, gerentes, consultores e todos os possíveis stakeholders de
uma organização que estejam de alguma forma implicados nessa
atividade. Dessa forma, o LM só pode ser implantado se houver o
envolvimento destes na análise da atividade e na construção de um
modelo futuro, apoiado por algumas técnicas e métodos específicos.
BREVE HISTÓRIA: DA METODOLOGIA DE PESQUISA PARA
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO AO LABORATÓRIO DE MUDANÇA
O Laboratório de Mudança é uma aplicação da proposta metodológica
chamada Developmental Work Research (Pesquisa para Desenvolvimento
do Trabalho). O Laboratório de Mudança (LM) foi desenvolvido na
década de 1990 por um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em
Atividade, Desenvolvimento e Aprendizado (CRADLE), da Universidade
Helsinque, Finlândia (ENGESTRÖM et al. 1996; VIRKKUNEN et al.
1997). Os conceitos que as fundamentam são baseados na Teoria da
Atividade: linha teórica e de pesquisa interdisciplinar proveniente das
ciências humanas na psicologia sócio-histórica e cultural da escola de
psicologia russa, iniciadas em 1920 e 1930 pela troika russa composta por
Lev Vygotsky, Alexander Luria e Alexei Leontiev (VYGOSTKY, 1978;
ENGESTRÖM, 1999a, CASSANDRE; BULGACOV; CAMARGO,
2011).
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
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A metodologia de Pesquisa para Desenvolvimento do Trabalho
(PDT) teve início no final da década de 1970, fruto da colaboração entre
um grupo de pesquisadores e profissionais finlandeses que trabalhavam
no desenvolvimento de um sistema de formação e treinamento de
trabalhadores, cujo desafio comum constituía-se em conciliar o número
crescente de pessoas trabalhando no planejamento de treinamentos, mas
que possuía pouco conhecimento do processo de ensino e aprendizagem.
Diante disso e da necessidade de uma nova abordagem didática,
desenvolveu-se uma formação profissional, chamada de “Didática para
Treinamento em Serviço”, que permitiu questionar as ideias sobre o
comportamento humano, vigentes na época, e fornecer um modelo de
atividade cognitiva, além de contribuir para a existência de um referencial
teórico para o planejamento de atividades de ensino.
O PDT não se constituiu apenas como uma metodologia que
fundou a colaboração entre investigadores e profissionais, mas foi,
sobretudo, o produto que dela resultou. Desde os primeiros projetos
(ENGESTRÖM; ENGESTRÖM, 1986; ENGESTRÖM, 1987), a PDT
tem sido aplicada em um número crescente de situações de trabalho (para
uma revisão de estudos baseados na PDT, (ENGESTRÖM et al. 2005a),
que serviram para o desenvolvimento dos seus princípios fundamentais e
dos seus conceitos teóricos (VIRKKUNEN, 2004).
A PDT é um instrumento de diálogo e de colaboração entre: 1)
pesquisadores que trabalham no desenvolvimento do aparato teórico e
metodológico (novas metodologias e teorias) com objetivos científicos; 2)
pesquisadores que trabalham para o desenvolvimento de determinadas
atividades (atividade de ensino, por exemplo); 3) profissionais de nível
técnico e gerencial envolvidos na execução das atividades, junto aos
trabalhadores das organizações.
A Figura 1 mostra o esquema básico da metodologia PDT, onde o
pesquisador ajuda os praticantes a conduzirem ações de análise das
necessidades e oportunidades de mudança. Para tanto, o pesquisador
fornece aos praticantes uma série de instrumentos.
Primeiramente, o pesquisador faz uso de dados que refletem as
práticas da atividade em foco, tais como dados sobre os problemas no dia
a dia da atividade e situações onde há necessidade de mudança. O
pesquisador fornece também conceitos mais teóricos, como por exemplo,
o Sistema de Atividade, o qual permite aos praticantes modelarem as
causas dos problemas analisados para, então, buscarem novas soluções ou
conceitos da atividade. O pesquisador também oferece aos praticantes
conceitos intermediários, tais como conceitos analíticos e outras formas
de representação, que possam ser usadas na análise dos dados do dia a dia
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da atividade, assim como desenhar soluções mais específicas à atividade
(ENGESTRÖM, 1991). Os conceitos intermédiarios funcionam como
uma ponte entre os dados do que ocorre no cotidiano da atividade e sua
representação mais abstrata. .
Figura 1: O esquema da metodologia de Pesquisa para Desenvolvimento
do Trabalho (PDT)
Fonte: Adaptado de Engeström (1991).
A despeito de sua capacidade de mudança nas situações, a PDT
exige quantidade considerável de recursos para coleta de dados e de
pessoas para analisá-los. Por isso, no início da década de 1990, surgiu a
necessidade de uma variação mais condensada da metodologia com uma
proposta de aplicação mais simplificada, tanto em termos de quantidade
de sessões como também em relação aos recursos necessários para a sua
condução em atividades reais de trabalho (ENGESTRÖM, 2011).ii
OS PRINCÍPIOS E CONCEITOS DO LABORATÓRIO DE MUDANÇA
O Laboratório de Mudança (LM) é o nome dado a um conjunto de
conceitos e princípios metodológicos, que podem ser utilizados em
colaboração entre pesquisadores e profissionais para transformações
profundas ou transformações superficiais incrementais no trabalho.
Para tanto, o método faz uso de uma série de ferramentas baseadas
em uma abordagem teórica e metodológica da Teoria da Atividade
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
616 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011
(ENGESTRÖM, 1987, 1999a, 2008b), entre elas: i) a Teoria de Mediação
Cultural de ações humanas, ii) o Método de Estimulação Dupla, iii), o
Modelo do Sistema de Atividade e iv) a Teoria da Aprendizagem
Expansiva.
Mediação Cultural de ações humanas
A teoria da ação culturalmente mediada sugere que ações são mediadas
por artefatos culturais criados durante a história da humanidade (COLE,
1996). O uso desses mediadores permite novas formas de aprendizado
baseado na sua assimilação e no seu desenvolvimento (VYGOTSKY,
1978; ENGESTRÖM, 1999a). Embora não determinem as ações dos
indivíduos, os mediadores fornecem meios para a construção de novas
formas de ações que possibilitem alcançar seus objetivos em dadas
situações.
Vygotsky (1978) estudou a mediação cultural de ações
individuais. Mediação cultural significa que a relação entre o sujeito e o
objeto é mediada por meios culturais ou artefatos usados como sinais e
ferramentas. De acordo com Cole (1996, p. 117), um artefato é definido
"como um aspecto do mundo material que tenha sido modificado ao longo
da história da sua constituição em ação humana direcionada a objetivos
ou metas.” Um artefato é algo tanto material quanto ideal (conceitual).
Por exemplo, uma tabela é tanto um objeto material e uma personificação
de uma ideia humana da função de uma tabela.
Wartofsky (1979, p. 202) classifica os mediadores de ações
humanas em três tipos de artefatos culturais. O primeiro grupo de
artefatos, os artefatos primários, são aqueles diretamente utilizados na
produção de produtos e serviços, tais como, ferramentas de trabalho ou
até mesmo palavras ou conceitos utilizados na comunicação durante o
trabalho. O segundo grupo de artefatos, os artefatos secundários, são
aqueles que representam os artefatos primários. Nesse grupo incluem-se
modelos, regras, guias e teorias que explicam como certas ações ou
atividades são ou devem ser conduzidas.
Além dos artefatos primários e secundários, que estão diretamente
relacionados com as atividades produtivas, Wartofsky (1979) também
propõe a existência de artefatos terciários, não diretamente conectados às
ações, mas que possam ser usados para conceber novas ações e para
desenvolver novas formas de produção.
O Laboratório de Mudança pode ser visto como um artefato
terciário, uma meta-ferramenta, que pode ser usada para gerar modelos e
conceitos a serem usados para representar e desenvolver atividades.
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O Método de Estimulação Dupla
O Método de Estimulação Dupla é um método proposto por Vygotsky
(1978, p. 74-75) para avaliar funções psicológicas como memória,
pensamento e agência. A principal ideia do método é que, ao se deparar
com situações problemáticas que não podem resolver com as ferramentas
e conhecimento que possuem, os indivíduos buscam novas ferramentas
psicológicas e práticas que os permitam resolvê-las. Quando encontrada a
ferramenta, ela é transformada em instrumento (LEKTORSKY, 2009).
O Método de Estimulação Dupla consiste na aplicação de dois
estímulos: o primeiro estímulo é uma tarefa a ser realizada ou um
problema a ser solucionado. Tal tarefa deve estar um pouco acima da
capacidade do indivíduo para resolvê-la; para tanto, o intervencionista
deve ter uma noção do nível de desenvolvimento do indivíduo e de seu
potencial. O segundo estímulo é um objeto neutro que tem o potencial de
ser usado como ferramenta para solucionar a tarefa proposta. Uma vez
que o indivíduo incorpora, ou usa o objeto na resolução da tarefa, a
estrutura da operação muda (VYGOTSKY, 1978). Por objeto neutro,
Vygotsky se refere a um artefato cultural que pode ser utilizado de forma
indeterminada, ou seja, o intervencionista não impõe, nem sugere, a
maneira como deve ser usado, deixando livre ao indivíduo recusar ou
reinventar esse artefato de acordo com as suas condições, conhecimento e
percepção. O Método de Estimulação Dupla é um exemplo de
remediação, onde o indivíduo incorpora e transforma novas ferramentas
(ENGESTRÖM, 2007). Em outras palavras, é um método para mudar a
mediação de ações e assim oferecer condições para que o sujeito consiga
conduzir novas ações, permitindo a ele superar situações problemáticas.
O Modelo de Sistema de Atividade
Apesar dos grandes avanços proporcionados pelo modelo de mediação
cultural de ações individuais, proposto por Vygotsky (1978),
principalmente no que se refere à noção de mediação no estudo da mente
humana e do comportamento, a limitação desse modelo é que a unidade
de análise é focada nos indivíduos (ENGESTRÖM, 2001, p. 134). A
“ação mediada” proposta por Vygotsky como unidade de análise de uma
atividade indica que a ação humana não é somente uma resposta (R) a um
estímulo (E), mas deve ser compreendida também por meio da mediação
da cultura (X). Essa unidade de análise é resultado da compreensão de
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618 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011
Vygotsky da tentativa de promover uma visão dialética materialista da
ação humana proposta por Marx.(SANNINO, 2011)
Essa limitação foi superada por A.N. Leontieviii
(1981), que, ao
diferenciar a ação individual da atividade coletiva (inserindo o
indivíduo dentro de uma comunidade), acaba por expadir a unidade de
análise de uma atividade. Tal diferenciação é fruto da crescente divisão
do trabalho e é regulamentada por meio de relações específicas para cada
forma histórica de produção. A distinção entre ação e atividade é de
crucial importância para compreender como uma ação emerge e em
direção a que ela é dirigida (ENGESTRÖM, 1987). O pressuposto básico
é que uma atividade é sempre dirigida a um objeto - não há atividade sem
objeto. Portanto o estudo de uma atividade pressupõe a identificação do
objeto, que direciona as ações dos sujeitos.
Na Teoria da Atividade, entende-se que os seres humanos estão
envolvidos em diversas atividades, que se distinguem uma das outras
pelos objetos aos quais elas estão orientadas (LEONTIEV, 1978). Ao
contrário do objetivo, que está ancorado a um determinado local e tempo,
o objeto de uma atividade é mais sustentado e aberto, e está relacionado a
uma necessidade humana. Por exemplo, a atividade de construção de
casas não termina quando uma casa é construída, mas continua, sendo que
as experiências adquiridas na construção de uma casa podem abrir novas
perspectivas para fazer outras casas melhores ou fazer mais casas de
forma mais econômica (LEONTIEV, 1978).
Engeström (1987) expandiu a compreensão anterior da Teoria da
Atividade de Leontiev (1978, 1981) por intermédio da criação da
representação gráfica triangular, demonstrando os relacionamentos
básicos em sistemas de mediação de uma atividade humana, propondo
assim o Sistema de Atividade como unidade básica de análise, o qual
incorpora a unidade para compreensão das ações humanas. Além da
compreensão de que o sujeito se utiliza de artefatos culturais na
transformação do objeto, incluem-se também os mediadores que não eram
previstos anteriormente, tais como elementos sociais, regras, divisão do
trabalho e comunidade (Figura 2).
Com base em Marx (SANINNO 2011), o modelo da atividade
humana desenvolvido por Engeström (1987, Figura 2) passa a contar com
os fatores Consumo, Produção, Distribuição e Troca, com vistas a
constituir a unidade de análise como um todo, ainda que seja possível
analisar relações específicas entre os componentes estruturais do modelo;
para esse autor, não existe atividade sem o componente da produção. Os
seres humanos produzem produtos para satisfazerem suas necessidades.
Esses produtos são distribuídos e/ou trocados de acordo com as normas da
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comunidade. Conforme Saninno (2011), além de demonstrar as
circunstâncias na qual os sujeitos atuam, a representação triangular do
Sistema de Atividades é também uma representação explanatória da
origem sistêmica e dinâmica do trabalho humano.
Figura 2: O modelo do Sistema de Atividade
Fonte: Engeström (1987, p. 78).
O modelo proposto por Engeström pode ser usado como um
artefato terciário - conforme indicado por Wartofsky (1979), pois pode ser
utilizado na simulação de atividades, que visam à criação de novas formas
de atividade, por exemplo: a) analisar o desenvolvimento e formação dos
elementos da atividade, b) revelar as contradições dentro e entre sistemas
de atividade, e c) modelar ou desenhar um novo conceito da atividade de
forma a resolver as contradições internas, mudando os elementos do
sistema. Os elementos apresentados nesse modelo podem ser assim
definidos:
Sujeito: o sujeito pode se referir tanto a um indivíduo como a um
subgrupo de pessoas, cujas posições e pontos de vista são escolhidos
como perspectiva de análise.
Objeto: compreendido como o significado, o motivo e a finalidade de um
sistema de atividade coletiva. O objeto é considerado por Engeström e
Blacker (2005 apud ENGESTRÖM; KEROSUO, 2007) como "matéria-
prima" para os sujeitos envolvidos em uma atividade, podendo estar
aberto a inúmeras e parciais interpretações. Essa matéria-prima, que
contém um determinado conflito ou problema a ser resolvido, é visto
Divisão do trabalho
Resultado
Instrumento
Objeto
Regras
Sujeito
Comunidade
Produção
Consumo
Distribuição Troca
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como decorrente de constantes interpretações, reconstruções e
modificações impelidas pela ação dos sujeitos, interessando revelar,
portanto, o caráter contraditório e historicamente mutável dos sistemas
envolvidos na produção da atividade.
Ferramentas: compreendem todos os instrumentos mediadores da ação
dos sujeitos de forma física ou simbólica, externas e internas tais como
objetos, mobiliário, texto e vídeo, aparelhos eletrônicos de som e vídeo,
espaço físico, modelos, planos, esquemas, layout, abstrações, imagens,
sinais e outros.
Comunidade: engloba todos os indivíduos ou subgrupos que possuem o
mesmo objeto da atividade em questão.
Divisão de Trabalho: é a divisão de tarefas entre os sujeitos, as relações
hierárquicas existentes, os arrolamentos de poder e submissão pertinentes
ao grupo, além dos conflitos, manifestações de resistência, de status e
outros.
Regras: referem-se aos regulamentos, às normas, às convenções
relacionadas ao contexto da atividade que se apresentem de forma tácita
ou explícita. Essas regras ao serem reveladas poderão informar sobre suas
vantagens, possibilidades, virtudes, etc., bem como os impedimentos,
obstáculos, empecilhos, barreiras e outros que condicionem e restrinjam
as ações e interações dos sujeitos da atividade dentro do sistema de
atividades a que estiverem submetidos.
Segundo Engeström (1987), os sistemas de atividade nunca estão
isolados, mas incorporados à rede de sistemas de atividade
interdependentes, que produzem os elementos do sistema e consomem os
seus produtos.
A Teoria da Aprendizagem Expansiva
O Laboratório de Mudança é baseado na Teoria da Atividade de
aprendizado desenvolvida por Davydov (1990). A Teoria da
Aprendizagem Expansiva é baseada no método dialético de “ascender do
abstrato para o concreto”. Esse método propõe compreender a essência de
um objeto ao localizar e reproduzir teoricamente a lógica do seu
desenvolvimento e de sua formação histórica, por meio do surgimento e
solução de contradições internas. Nesse sentido, uma nova ideia ou
conceito teórico é produzido de forma abstrata, um simples
relacionamento explanatório, uma célula germinal. Essa abstração inicial
é passo a passo enriquecida e transformada em um sistema concreto de
múltiplas e constantes manifestações de desenvolvimento. Na atividade
de aprendizado, uma idéia inicial simples é transformada em um objeto
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complexo, em uma nova forma de prática ou atividade (DAVYDOV e
KILPATRICK, 1990).
A fim de se reconstruir o desenvolvimento da estrutura de uma
atividade e suas contradições internas, a Teoria do Desenvolvimento da
Atividade é necessária. Engeström (1987, para uma revisão mais recente
ver ENGESTRÖM e SANNINO, 2010) propõe a Teoria da
Aprendizagem Expansiva, na qual assume que o desenvolvimento
histórico de um Sistema de Atividade – relativamente estável para outro
Sistema de Atividade qualitativamente diferente e mais avançado – ocorre
em cinco fases qualitativamente diferentes, conforme apresentado na
Figura 3. (ENGESTRÖM, 1987). Em cada fase, um tipo diferente de
contradição interna impulsiona o desenvolvimento.
Figura 3: Ciclo de Aprendizagem Expansiva
Fonte: Engeström (1987).
Durante o Ciclo de Aprendizagem Expansiva, a criação de novos
objetos inicia-se baseada em uma atividade já consolidada, que começa a
apresentar problemas. Esta fase, chamada de “estado de necessidade” é
caracterizada por uma situação de insatisfação com a situação atual, um
estado de crise e uma necessidade urgente de mudar algo. Com base
nisso, as contradições aparecem em sua forma básica, como “contradições
primárias” entre valor de uso e valor de troca (MARX, 1976). Essa
1. Situação atual:
necessidades
2.Vínculo-duplo:
análise e procura por
uma nova solução
3.Formação de um novo
objetivo e motivo: novo
modelo de atividade e
novas ferramentas
4.Aplicação e
generalização: mudança
do sistema de atividade
CONTRADIÇÕES
PRIMÁRIAS
CONTRADIÇÕES
SECUNDÁRIAS
CONTRADIÇÕES
QUATERNÁRIAS
5.Novo sistema de atividade:
consolidação e reflexão
CONTRADIÇÕES
TERCIÁRIAS
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contradição está relacionada ao fato de que no sistema capitalista o
produto do trabalho pode ser considerado uma mercadoria, que possui um
valor intrínseco contraditório, um valor de uso e um valor de troca. O
valor de uso significa que elas são úteis para satisfazer uma necessidade.
O valor de troca refere-se ao fato que elas podem ser trocadas. Esses dois
valores são contraditórios no sentido de serem mutuamente exclusivos. O
produtor de uma mercadoria visa a maximizar o valor de troca, enquanto
o consumidor visa a maximizar o valor de uso. Essa contradição se
expressa de forma diferente em diferentes atividades. Durante esta fase,
os praticantes começam a discutir e a questionar o motivo da atividade (o
objeto) e as formas atuais de como obtê-lo, tais como os métodos e
tecnologias (ENGESTRÖM, 1987).
A segunda fase é caracterizada pelo agravamento dos problemas
que já estavam sendo vivenciados na fase prévia. Nela, novos distúrbios
que ameaçam a produção dos resultados desejados começam a aparecer.
Esta fase é chamada de “vínculo duploiv
”. Nesta fase as contradições
evoluem e se desenvolvem em tensões e desajustes entre os elementos do
Sistema de Atividade, os quais são chamados de “contradições
secundárias”.
As pessoas que participam da atividade sentem que não é possível
continuar fazendo as coisas da mesma maneira que estavam fazendo
anteriormente, porém elas ainda não sabem o que deve ser feito para
resolver os problemas (ENGESTRÖM, 1987).
O agravamento dos problemas leva os praticantes a buscarem
soluções, que podem ou não se tratar de objetos mais expansivos, pois
podem ser apenas ajustes nos elementos já existentes no Sistema de
Atividade, tais como uma nova tecnologia ou um novo método de
produção. Um objeto pode ser considerado mais expansivo quando possui
características mais amplas e desejáveis do que o objeto anterior, e que
pode resolver as contradições que afetam o Sistema de Atividade. Se a
crise for suficientemente grave, as pessoas podem questionar o Sistema de
Atividade, incluindo o motivo da atividade como um todo (o objeto).
Se os sujeitos desafiam o objeto/motivo da atividade, e o
redesenham criando um novo objeto para a sua atividade, de forma mais
expansiva, então o ciclo é chamado de ciclo expansivo. Esta fase é
chamada de construção do objeto ou motivo. Nela a mudança proposta
pelo coletivo, cujo interesse é a superação de uma contradição que está
levando a atividade a uma situação de crise, pode impulsionar os
participantes a criarem novas ferramentas e outras formas de organização
social do trabalho em torno deste novo objeto..
Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 609-640 • Out/Nov/Dez 2011 623
Uma vez que a solução é concebida, a atividade idealizada começa
a ser implantada. Esta fase é chamada de aplicação e generalização,
consistindo na inserção da mudança no Sistema de Atividade. Nela os
praticantes começam a colocar os planos em prática a fim de conduzir
ações para transformar o novo objeto e assim produzir um resultado
desejado. Desajustes entre elementos da nova atividade mais expandida e
elementos da atividade prévia começam a aparecer, os quais são
chamados de “contradições terciárias”. Estes desajustes podem ser
causados pelo desenvolvimento insuficiente dos novos elementos
(ENGESTRÖM, 1987).
Durante a implantação do novo conceito da atividade é muito
provável que a nova atividade comece a colidir com as atividades
paralelas que ainda seguem a lógica de produção antiga. Portanto, antes
de ser possível a consolidação, a nova atividade deve resolver estas
tensões com as atividades paralelas, as quais são chamadas de
“contradições quaternárias”. Caso os praticantes consigam resolvê-las, a
atividade evoluirá para a fase de “consolidação da atividade”.
PLANEJAMENTO, FERRAMENTAS E CONTEÚDO DAS SESSÕES DO
LABORATÓRIO DE MUDANÇA
A intervenção proposta no LM fundamenta-se na organização, no próprio
local de trabalho, de um espaço onde sejam disponibilizadas ferramentas
de representação para análise de processos de distúrbios e para a
construção de novos modelos de atividade (ENGESTRÖM, et al. 1996).
O LM começa com uma análise de distúrbios, identificando as
causas sistêmicas dos problemas observados que são, como dito
anteriormente, expressões de contradições inerentes ou entre sistemas de
atividade.
Durante as sessões do LM, os participantes produzem visão futura
da atividade, que não é apenas baseada em uma classificação do que se
deseja e do que não se deseja. No LM, a visão é baseada em análise da
estrutura do sistema da atividade que poderia ajudar a resolver
contradições internas ao sistema em questão.
Planejamento e negociação da intervenção
Independentemente de como tenha sido originada, a intervenção deve ser
formalizada e detalhada em um plano de ação. Além de introduzir o
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
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objetivo e a estratégia da intervenção, o plano também tem a função de
situar à intervenção na política geral da organização (mudanças e
objetivos políticos), assim como inseri-la na estratégia sobre a atividade
em questão.
O plano resulta de negociação entre o intervencionista e os
representantes das organizações envolvidos na intervenção. Um dos
primeiros passos durante o planejamento do LM é definir a atividade a ser
desenvolvida durante a intervenção e delinear de forma preliminar o seu
Sistema de Atividade. O segundo passo é entender a problemática que
levou à necessidade da intervenção.
O novo conceito a ser produzido no LM não deve ser visto como
uma solução padrão, mas sim como um novo conceito a ser materializado
em um protótipo a ser testado e desenvolvido.
A tarefa de modelagem e implantação de um novo conceito é mais
bem realizada nas unidades produtivas que primeiro experimentam as
mudanças e/ou vivenciem mais fortemente as contradições. O protótipo
deve ser desenhado e inserido preferencialmente em uma unidade que
tenha a capacidade e o interesse em desenvolver um novo modelo para
sua atividade. Geralmente, a existência e a gravidade do problema a ser
resolvido pela intervenção afetam o interesse dos participantes em
desenvolverem soluções.
Como usualmente há pressão por parte da gerência das
organizações em reduzir ao máximo o número e a duração das
intervenções, é importante discutir e negociar, durante a fase de
planejamento, a duração e o ritmo da intervenção. Sabendo que o
processo de aprendizado expansivo consome tempo, deve-se negociar
desde o início da intervenção o número, a duração e a sequência das
intervenções. Essa seleção é feita pelo pesquisador intervencionista junto
com um representante local da atividade a ser desenvolvida (gerente e/ou
trabalhador). A ideia é encontrar pessoas cujo conhecimento e recursos
sejam necessários para a análise dos problemas e design da solução. Essas
pessoas devem representar diferentes perspectivas e contribuir com
recursos e conhecimento complementares. Se possível deve-se escolher
pessoas que estejam altamente motivadas em participar e contribuir no
processo. Geralmente, o processo consome de 10 a 12 sessões de 2 a 3
horas cada. Além disso, é importante que as sessões sejam sequenciais, ou
seja, sem intervalos longos entre elas (máximo de uma semana).
Para que uma intervenção seja bem sucedida é crucial o apoio da
gerência da organização. O processo de aprendizado deve estar conectado
com a gerência da atividade a ser desenvolvida. Os participantes da
intervenção devem poder atuar durante o LM sem interferência da
Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.
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gerência, porém, por outro lado, a gerência e outras partes interessadas
devem ser informadas sobre os seus progressos e resultados
intermediários.
Modelo metodológico do Laboratório de Mudança
No Laboratório de Mudança, os modelos gerais de um Sistema de
Atividade e o Ciclo de Aprendizagem Expansiva são utilizados como
ferramentas de nível psicológico terciário (WARTOFSKY, 1979), ou
seja, meta-ferramentas que possibilitem aos profissionais refletir de forma
colaborativa sobre o sistema da sua atividade. O LM pode ser entendido
como uma atividade de aprendizado, ou seja, uma atividade cujo objeto é
ao mesmo tempo a análise e o desenvolvimento de uma atividade
produtiva.
O método é composto por seis fases, as quais são baseadas no
Ciclo de Aprendizado Expansivo e consiste em seis ações de aprendizado
expansivo: questionamento, análise, desenho, teste do novo modelo,
implantação do novo modelo, reflexão sob o processo e consolidação das
novas ações (Figura 4).
As intervenções são compostas por um número limitado de
participantes, entre 12 a 15 representantes das atividades além do
intervencionista e de um assistente. O papel do intervencionista é
apresentar o material a ser discutido e facilitar as discussões. O assistente
ajuda durante a intervenção, por exemplo, na coleta de dados e na
utilização de equipamento de vídeo e projeção. Entre os participantes
escolhe-se um relator responsável por tomar notas durante as seções do
conteúdo das discussões e possíveis conclusões. O objetivo dessas
anotações é servir como um segundo estímulo para as sessões posteriores.
O processo começa com a coleta de dados sobre 1) a situação da
atividade, tais como, dados históricos sobre eventos importantes, 2) as
práticas atuais (a forma como a atividade é conduzida), 3) os principais
problemas enfrentados e 4) os principais conceitos e ferramentas
utilizados na atividade.
A função destes dados é dupla: servir de dados a serem usados
durante as sessões como espelho (mirror no original em inglês) da
atividade, e ajudar o intervencionista e os participantes a modelarem e
analisarem a atividade passada, atual e futura. As sessões começam com
uma análise de dados sobre os problemas enfrentados no dia a dia.
Uma vez que os participantes analisaram o problema, o
intervencionista os ajuda a modelar novas soluções. Novamente o
Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
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intervencionista oferece ferramentas para ajudar nesse processo. Logo que
os novos modelos são implantados e testados, as sessões são organizadas
para avaliar e refletir sobre as novas soluções e potenciais problemas que
venham a surgir durante a implantação das soluções. Ajustes e mudanças
no modelo são comuns para adaptá-lo às condições locais.
Figura 4: Fases do processo de desenvolvimento expansivo durante o
Laboratório de Mudança
O LM é um espaço rico em instrumentos para que os participantes
analisem e desenvolvam suas atividades. Um instrumento fundamental é
o Painel de Múltiplas Camadas (Figura 5), que se divide horizontalmente
em três colunas a fim de representar os diferentes níveis de abstração e
generalização. Na posição horizontal, o painel é dividido em três camadas
representando o passado, o presente e o futuro da atividade que está sendo
desenvolvida (ENGESTRÖM et al., 1996; VIRKKUNEN et al., 1997;
ENGESTRÖM, 2007).
ANÁLISE DA SITUAÇÃO - Como é que nós trabalhávamos no
passado?
- Quais são os nossos atuais
problemas e contradições?
CRIAÇÃO DE UM NOVO
MODELO - Como nós queremos
trabalhar no futuro?
APLICAÇÃO DO NOVO MODELO
DE ATIVIDADE - Colocar em prática os primeiros passos
- Implantar as próximas etapas
DIFUNDIR E CONSOLIDAR - Ensinar aos outros o que aprendemos
- Codificação das novas regras, etc.
CONCRETIZAÇÃO E TESTE
DO NOVO MODELO - Quais são as mudanças que
queremos tentar no próximo mês / ano?
MAPEAMENTO DA
SITUAÇÃO
- Reconhecer que algo deve ser
feito para a situação
problemática - Estabelecer compromisso com
o desenvolvimento
Change Laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da gestão org.
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Figura 5: Configuração ideal do espaço em um Laboratório de Mudança
Os painéis do espaço “Imagem da Atividade” são usados para
representar e examinar casos concretos da atividade. A “imagem do
presente” pode incluir casos que mostram problemas que permitam a
colaboração entre os praticantes, assim como desafios e soluções
inovadoras. A “imagem do passado” pode ser usada para relacionar os
problemas atuais com mudanças históricas na atividade. A “imagem do
futuro” é usada para representar dados sobre o experimento que será
empregado no desenho da nova atividade (ENGESTRÖM et al, 1996).
Os painéis intitulados Modelos e Visões são utilizados como uma
representação gráfica que retrata o passado, o presente e o futuro da
atividade que se pretende desenvolver. Geralmente utilizam-se modelos
de Sistema de Atividade e o Ciclo de Aprendizado Expansivo como
ferramentas de análise dessa etapa. O painel “Ideias e Ferramentas” é
empregado para representar ferramentas a serem testadas e usadas como
componentes na construção do novo modelo da atividade. Aqui também
podem ser usadas ferramentas analíticas para compreender elementos
específicos, tais como o objeto da atividade, as ferramentas que os
próprios praticantes utilizam no seu dia a dia, divisão do trabalho e as
formas de colaboração (ENGESTRÖM et al., 1996). O LM oferece
alguns exemplos de ferramentas analíticas, que podem vir a ser utilizadas
PASSADO
PRESENTE
IDEIAS E
FERRAMENTAS
FUTURO
PASSADO
PRESENTE
IMAGEM DA
ATIVIDADE Problemas do dia a dia,
Casos problemáticos,
Estatísticas, relatórios, etc.
FUTURO
PASSADO
PASSADO
PRESENTE
Intervencionista
Relator
Assistente Vídeo projetor
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para conduzir as análises necessárias, por exemplo, método de análise
histórica (PEREIRA-QUEROL; SEPPÄNEN, 2009; PEREIRA-QUEROL
et al., 2010) e análise de distúrbios (PEREIRA-QUEROL, 2011). Porém,
tais ferramentas não impedem que os praticantes usem suas ferramentas,
ou outras mais adaptadas à realidade da atividade e dos praticantes.
APLICAÇÕES E VARIAÇÕES DO LABORATÓRIO DE MUDANÇA
Para melhor ilustração das aplicações dessa metodologia de pesquisa e de
intervenção, procedeu-se à revisão bibliográfica baseada em artigos
oferecidos na internet pelo “Google Scholar” no mês de março de 2011.
As palavras-chave eleitas para essa pesquisa foram: “Change Laboratory”
e “Engeström”. Como resultados foram encontrados 209 artigos, dos
quais foram selecionados somente aqueles publicados em inglês e que
indicassem em sua metodologia ou em seus resultados a aplicação do LM.
Incluíram-se nessa análise artigos publicados em congressos e
publicados em periódicos. As categorias que balizaram a análise da
pesquisa foram: ramo de atividade, país de aplicação, contexto de
aplicação, setor (público ou privado) e objetivo da intervenção.
Apesar de a maioria das intervenções concentrarem-se no setor
educacional, foram encontradas aplicações em mais de 13 atividades
produtivas (Quadro 2), tais como: agricultura, telecomunicações, serviços
bancários e serviços postais. A maioria das intervenções usando o LM
ocorreu na Finlândia, no entanto, há casos em outros países como, por
exemplo, Nova Zelandia (HILL et al. 2007), Reino Unido (DANIELS et
al., 2007), Estados Unidos (GUTIÉRREZ; VOSSOUGHI, 2010), Japão
(YAMAZUMI et al., 2006), Espanha (GUILE, 2003), Itália (SANNINO,
2010), África do Sul (MUKUTE, 2010), Zimbawe (MUKUTE, 2009) e
Lesoto (MUKUTE, 2010). Alguns casos serão analisados mais adiante, a
fim de exemplificar que tipos de resultados podem ser obtidos.
Com base na leitura dos artigos analisados (Quadro 2), foi
possível perceber que as intervenções ocorreram em contextosv
caracterizados por mudanças no mercado, na legislação ou mudanças
qualitativas no objeto da atividade (por ex.: gravidade das doenças,
aumento número de imigrantes), que provocaram o surgimento de
contradições no Sistema de Atividade.
O LM pode ser ou não antecipado pela presença de distúrbios em
uma atividade. Na maioria dos casos, a solução para os distúrbios ou
problemas não é conhecida de antemão, embora, em alguns casos
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(HELLE et al. 2010), o LM tenha sido utilizado para facilitar a
implantação de novo conceito de produção.
Quadro 2: Aplicações do Laboratório de Mudança por ramo de atividade Ramo de atividade produtiva Referências
Agricultura Mukute (2009, 2010)
Construção de estradas Shaupp (2011)
Educação (escolas de ensino médio e
escolas técnicas)
Engeström et al. (2002a, 2002b); Daniels
(2007); Ellis (2010); Gutiérrez e Vossoughi
(2009); Mäkinen (2010); Sannino (2008,
2010); Teräs (2007); Virkkunen e Tenhunen
(2010); Yamazumi et al. (2006)
Horticultura Hill et al. (2007)
Mídia (Jornal e revistas) Virkkunen et al. (1997); Helle (2000); Helle
et al. (2010)
Produção de Madeira Kariniemi et al. (2010)
Regulamentação governamental Hill et al. (2007)
Serviços de alimentação Kronqvist e Korhonen (2009)
Serviços bancários Engeström et al. (2005b)
Serviço Postal Engeström et al. (1996); Virkkunen et al.
(1997); Pihlaja (2005); Engeström (2007)
Serviços hospitalares
Engeström (1999b, 2001); Engeström
(2010); Engeström et al. (1999); Engeström
et al. (2003); Engeström et al. (2010);
Kerosuo (2001, 2004); Kerosuo e Engeström
(2003); Kerosuo (2007); Kerosuo et al.
(2010)
Treinamento de mão de obra e
creches Pirkkalainen e Kaatrakoski (2007)
Telecomunicações
Ahonen et al. (2000); Ahonen and
Virkkunen (2003); Virkkunen e Ahonen
(2004); Virkkunen e Ahonen (2011)
Foi também possível notar, com base na análise, que as
intervenções foram realizadas tanto em empresas privadas (ex:
telecomunicações e bancos), quanto nos serviços públicos (ex: hospitais,
escolas e serviço sociais). Os objetivos explicitados visaram a atender
desde exigências econômicas – redução de custos e competitividade – ao
desenvolvimento de aspectos qualitativos como, por exemplo, a
capacidade de inovação ou as condições de trabalho e de saúde dos
trabalhadores.
As intervenções no âmbito privado são condicionadas pelo
aumento de competição, o que aumenta a pressão para reduzir custos de
produção e aumentar a produtividade, inovar, ou seja, aumentar a
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competitividade da empresa. No setor público, mudanças governamentais
e a implantação de políticas estão na base das intervenções.
EXEMPLOS DE RESULTADOS POSSÍVEIS COM A UTILIZAÇÃO DO LM
As soluções criadas durante o LM variam de acordo com a natureza da
contradição e podem consistir em mudanças nos elementos de um ou
vários Sistema de Atividade (por exemplo, o desenvolvimento de uma
nova ferramenta e/ou então uma nova divisão do trabalho) assim como a
expansão do objeto de uma atividade (por exemplo, a criação de um novo
modelo de negócio com maior valor aos clientes).
Um exemplo de mudança dos elementos do Sistema de Atividade
é a reorganização da divisão do trabalho no caso da intervenção no
serviço postal da Finlândia (ENGESTRÖM et al., 1996). Com base na
aplicação do LM nessa organização, o trabalho de distribuição de cartas
passou de individual a um trabalho em equipe.
Outro exemplo é o caso da intervenção nos serviços de
telecomunicações (AHONEN et al. 2000) onde houve uma reorganização
do trabalho em direção a uma especialização em áreas de acordo com
tecnologias, a criação de novos métodos de desenvolvimento da qualidade
e instalação dos serviços, a criação de uma nova forma de documentar e
desenvolver soluções aos problemas de campo, e a estandardização de
ferramentas e serviços.
Outra intervenção interessante ocorreu na Nova Zelândia, com o
objetivo de facilitar a colaboração entre o governo e a indústria macieira,
na região (HILL et al., 2007). O contexto dessa intervenção foi o aumento
significativo dos custos relacionados à regulamentação, o que aumentou
os encargos para as pequenas e médias empresas do país, levando ao
descumprimento da legislação, especialmente em relação a impostos,
imigração e leis trabalhistas. O resultado da intervenção foi a criação de
grupos comprometidos a testar novas formas de trabalho nas próximas
colheitas, com amplo suporte do governo. O foco principal da solução
desenvolvida foi melhorar a qualidade tanto do serviço prestado como do
produto acabado. Foi desenvolvido também um novo contrato e uma nova
estrutura de pagamento que visava a estimular a qualidade durante a
colheita. Em relação às políticas trabalhistas, o governo e líderes da
indústria estabeleceram um grupo de trabalho para desenvolverem uma
estratégia nacional para trabalho sazonal voltado à horticultura e
viticultura.
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Outra ilustração dos possíveis resultados de intervenções
utilizando o LM é a criação dos chamados objetos-fronteira, (boundary-
objects), que permitem uma melhor visualização da interdependência
existente entre as atividades que compartilham o mesmo objeto, com o
objetivo de facilitar a colaboração entre elas. Por exemplo, em uma
intervenção feita no hospital da criança, em Helsinki, Finlândia foi criado
um documento escrito chamado “care agremment” o qual consistia em
um plano de cuidados de um paciente e a divisão de trabalho entre os
diferentes prestadores de serviços médicos hospitalares. Esse artefato
tinha como objetivo ajudar os médicos e enfermeiras a visualizarem a
trajetória dos pacientes em diferentes unidades do hospital e, dessa forma,
melhorarem a colaboração e os serviços hospitalares (ENGESTRÖM,
1999b, 2001).
Aplicações do LM voltadas a aspectos específicos da atividade,
como a necessidade de aprendizagem, (HELLE et al., 2010), levaram a
desenvolvimentos específicos da metodologia (chamadas variações do
Laboratório de Mudanças), entre elas o Laboratório de Competência e o
Laboratório Conceito-mídia.
Os exemplos também mostram que o LM pode ser usado para
implantar ideias desenvolvidas pelos próprios praticantes. Com a ajuda do
pesquisador os praticantes aprendem a usar meta-ferramentas que os
permitem redesenhar e inserir novas práticas, tanto por meio de melhorias
incrementais como de transformações mais profundas no objeto da
atividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme já salientado, existe espaço no campo da pesquisa científica
para a inserção de novas metodologias, que propiciem o desenvolvimento
dos sujeitos e de suas atividades, como no caso das potencialidades das
metodologias intervencionistas.
Esse artigo apresentou o Laboratório de Mudança como uma
metodologia para pesquisa e desenvolvimento de atividades, que reúne,
num mesmo esforço, pesquisa e intervenção em atividades.
Foram apresentados também exemplos de resultados, que podem
ser obtidos com o uso do LM e, dessa maneira, sugerir a ampliação das
metodologias e métodos de pesquisa dentro das demandas da
Aprendizagem Organizacional, abordadas pelos estudiosos da área
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632 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011
Conforme demonstrado, o LM pode ser utilizado como uma meta-
ferramenta para analisar problemas a nível sistêmico baseado em uma
perspectiva histórica e cultural. Dentro desse escopo, problemas não são
entendidos apenas em relação ao comportamento dos indivíduos e
recursos disponíveis, mas em relação a todo um sistema de elementos da
atividade analisada.
Do ponto de vista da pesquisa, o LM pode ser utilizado tanto para
elaborar e desenvolver, teorias, modelos e conceitos em diversas áreas de
conhecimento, como para a coleta de dados sobre processos de
aprendizagem e desenvolvimento na gestão organizacional.
Do ponto de vista da Aprendizagem Organizacional, o LM pode
ser utilizado para ajudar não só os gestores a favorecer a aprendizagem e
a mudança nas atividades – conforme sugerido por Bitencourt e Azevedo
(2006) - mas também os próprios praticantes a avaliarem o conteúdo do
seu trabalho e a expandirem o objeto de sua atividade (aquilo que está
sendo produzido), podendo compreender os problemas enfrentados em
relação às mudanças históricas na atividade e/ou o conceito do negócio no
qual a atividade é baseada. Por meio dos exemplos trazidos aqui foi
possível conhecer como os praticantes têm desenvolvido novas formas de
organização da produção, novas ferramentas de trabalho, nova
distribuição de tarefas e também novos serviços e produtos baseados
nessa proposta metodológica já aplicada em outros países.
O LM não visa a impor soluções prontas para os problemas
enfrentados pelas organizações, mas sim oferecer meta-ferramentas (tais
como, o modelo Sistema de Atividade, Ciclo de Aprendizagem Expansiva
e métodos de análise histórica e de distúrbio), na qual os praticantes junto
com os pesquisadores são capazes de analisar os problemas enfrentados
no desenvolvimento das atividades e buscar os seus próprios caminhos e
soluções mais adequados.
A maior contribuição do Laboratório de Mudança não se resume
somente à produção de conhecimentos sobre as atividades realizadas,
mas, sobretudo ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento dos
sujeitos envolvidos. Dessa forma, considera-se fundamental introduzir o
debate sobre o LM e sua contribuição no campo da Administração,
principalmente com base em aplicações no próprio contexto brasileiro,
não apenas permitindo aprimorá-lo, mas também consolidar suas
possibilidades, alcances e potencialidades como modo de pesquisa
intervencionista em nosso país.
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Marco Antonio Pereira Querol, José Marçal Jackson Filho e Marcio Pascoal Cassandre
640 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.609-640 • Out/Nov/Dez 2011
i O nome em inglês “Change Laboratory” tem sido conhecido em vários países graças à grande
quantidade de publicações decorrentes de sua utilização e de discussões teóricas a seu respeito,
porém aqui será chamado de Laboratório da Mudança para melhor familiarização do termo para os
falantes da língua portuguesa. ii Visando suprir essa necessidade, no livro chamado “Kehittävä työntutkimus: perusteita, tuloksia
ja haasteita”, Engeström (1995) explica a metodologia PDT e os avanços metodológicos obtidos a
partir dos estudos feitos até então. Neste mesmo livro, ele apresenta os conceitos produzidos
nesses estudos, que mais tarde foram utilizados no Change Laboratory, apresentado pela primeira
vez por Engeström et al. (1996) no artigo “The Change Laboratory as a Tool for Transforming
Work”. iii A grafia do sobrenome de Alexei Nikolaevich tem sido apresentada de diferentes maneiras a
partir do russo “Леонтьев”: Leont'ev, Leontyev e Leontiev. Para os fins propostos nesse artigo
considera-se a palavra “Leontiev” contendo o mesmo significado das demais variações. iv A expressão popular “estar de mãos e pés atados” pode auxiliar no entendimento do termo em
inglês “double-blind”. v O termo contexto é entendido aqui como as mudanças ocorridas, nas organizações e seu
ambiente, que justificaram a necessidade de uma intervenção.
* O presente trabalho foi realizado com o apoio da Acadêmia da Finlândia (Academy of
Finland) e da CAPES.
DADOS DOS AUTORES
MARCO ANTONIO PEREIRA QUEROL ([email protected])
Doutor em Educação de Adultos pela Universidade de Helsinki
Instituição de vinculação: Universidade de Helsinki
Helsinki – Finlândia
Áreas de interesse em pesquisa: Inovações, sustentabilidade e
aprendizagem organizacional.
JOSÉ MARÇAL JACKSON FILHO ([email protected])
Doutor em Ergonomia pela CNAM/Paris
Instituição de vinculação: Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Saúde e segurança do trabalhador,
Análise Ergonômica do Trabalho, políticas públicas e Ação pública.
MARCIO PASCOAL CASSANDRE ([email protected])
Doutorando em Administração pela Universidade Positivo
Instituição de vinculação: Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de
Apucarana
Apucarana/PR – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Pesquisa em Administração e
Administração de Recursos Humanos.
Recebido em: 20/10/2010 • Aprovado em: 30/12/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 641
O USO DA INTERNET EM SURVEYS: OPORTUNIDADES E DESAFIOS
INTERNET-BASED SURVEYS: OPPORTUNITIES AND CHALLENGES
JORGE MANOEL TEIXEIRA CARNEIRO ([email protected])
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO/IAG
LUÍS ANTÔNIO DA ROCHA DIB COPPEAD/UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
RESUMO
Este artigo discute o uso da Internet nas pesquisas de levantamento de
dados (surveys), tratando das questões que são exclusivas deste meio e
daquelas comuns a outros ambientes de pesquisa, mas que apresentam
particularidades quando no ambiente online. Inicialmente discutem-se
quatro tipos de erros, que costumam estar presentes em surveys – erros de
cobertura, amostragem, não resposta e mensuração – e quais as causas e
manifestações específicas destes no ambiente online, bem como as formas
de se lidar com eles. Em seguida, discute-se o impacto do formato do
questionário sobre a qualidade das respostas. Questões éticas como a
garantia de confidencialidade e de anonimato são abordadas. Este
material poderá ser útil a pesquisadores brasileiros – que poderão tirar
proveito das potencialidades do novo meio ao mesmo tempo em que
evitam suas “armadilhas” – uma vez que reúne um conjunto de
orientações conceituais e práticas para o uso de web surveys que, de outra
forma, somente se encontram disponíveis em diversos trabalhos isolados
ou em extensos textos.
Palavras chave: pesquisas online; web surveys; coleta de dados.
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
642 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
ABSTRACT
This paper addresses the use of the Internet in surveys, including issues
specific to the medium, as well as those common to other research
mediums that feature specific characteristics when online. The paper
begins with the presentation of four types of errors that are frequently
found in surveys: coverage, sampling, non-response, and measurement
errors. The specificities of the Internet – in terms of the causes and
manifestations of these errors and ways of dealing with them – are
discussed. The impact of the online questionnaire’s format on the quality
of the answers is also addressed and ethical concerns, such as
confidentiality and anonymity, are looked at. This paper can help
Brazilian researchers to make the most of this new medium while
avoiding its methodological pitfalls. Its main contribution lies in the fact
that it consolidates several conceptual and practical recommendations
that are otherwise only found scattered across multiple works or long
texts.
Keywords: online research; web surveys; data collection.
INTRODUÇÃO
A metodologia de coleta de dados em levantamentos (surveys) tem se
modificado nos últimos tempos. O ritmo da vida moderna e o rápido
desenvolvimento de novas tecnologias tiveram grande impacto sobre as
maneiras de conduzir pesquisas. As pesquisas por telefone se tornaram
mais difíceis de administrar, devido ao uso crescente de aparelhos
celulares e ao menor uso de telefones fixos. Em muitos países, já está se
consolidando uma cultura de inclusão de números residenciais ou
comerciais em listas do tipo “do-not-call”, que vedam seu uso por
empresas de pesquisa ou para a venda de produtos ou serviços. A
alternativa das pesquisas por e-mail também pode ser pouco efetiva,
devido ao excesso de apelos de vendas feitos por este meio. Já o alcance
da World Wide Web e o crescimento na disponibilidade de softwares
específicos e de web hosts para questionários e bases de dados fazem do
ambiente online um meio promissor para pesquisas.
Diversos cuidados são relevantes a todos ambientes de pesquisa e
também são aplicáveis ao ambiente online, tais como motivação aos
respondentes, criação de questões válidas e a definição de procedimentos
apropriados de análise dos dados. Mas o ambiente online e suas
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 643
ferramentas permitem facilidades não disponíveis em outros métodos de
coleta de dados, tais como interatividade e fluxo dinâmico das questões
baseadas em respostas providas pelo usuário. Contudo, o uso da Internet
como meio para coleta de dados apresenta também diversos desafios.
Albaum, Roster, Wiley, Rossiter e Smith, (2010) argumentam que,
embora muito já tenha sido debatido sobre as vantagens e desvantagens
do uso de web surveys em comparação com outros formatos tradicionais
de condução de surveys, ainda há muito a se investigar sobre a
multiplicidade de opções para a preparação e aplicação de questionários
online. São as vantagens e os desafios de coleta de dados que sejam
específicos da Internet, bem como as formas de se lidar com eles, que
serão aqui abordados.
O presente estudo se constitui em uma revisão organizada da
literatura sobre web surveys (também designadas por online surveys). A
contribuição principal deste artigo é a consolidação da discussão sobre o
uso da Internet na coleta de dados para estudos científicos, uma vez que
tal literatura se encontra espalhada por múltiplos trabalhos ou exposta em
extensos textos. Acredita-se, assim, que esteja sendo oferecido material
útil a pesquisadores brasileiros interessados em se valer deste
relativamente novo e promissor meio de pesquisa.
Os tópicos aqui abordados estão circunscritos ao ambiente de
pesquisas científicas e não a outros tipos de pesquisa (por ex. para fins de
entretenimento ou pesquisas abertas à participação livre e voluntária,
COUPER, 2000), que também são frequentemente realizadas na Internet.
Além disso, somente são tratadas pesquisas de cunho quantitativo
(especificamente, surveys; vide BEST; KRUEGER, 2004.), não se tendo
abordado as diversas formas de pesquisa qualitativa (por ex. fóruns,
grupos de discussão etc.), que também podem ser conduzidas via Internet.
Este artigo está organizado em seis partes. Após a introdução, são
apresentados os principais tipos de erros usualmente presentes em
surveys, inclusive com o uso de meios tradicionais – erros de cobertura,
de amostragem, de não resposta e de mensuração – com destaque para
suas causas e as formas como tais erros se manifestam na Internet, bem
como as estratégias para se lidar com eles nesse novo meio. Na terceira
parte, são discutidas opções de formato do questionário online e seus
efeitos sobre a qualidade dos dados obtidos. Em seguida, é apresentada
uma discussão sobre ética em pesquisas online. Uma seção de
considerações finais e o apêndice A com informações sobre ferramentas
de pesquisa online fecham o artigo.
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
644 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
PRINCIPAIS TIPOS DE ERROS EM SURVEYS E SUAS PARTICULARIDADES NO
AMBIENTE ONLINE
Pesquisas quantitativas estão sujeitas, de forma geral, a diversos tipos de
erro, entre os quais os seguintes quatro: erro de cobertura, erro de
amostragem, erro de não resposta e erro de mensuração. De forma a ser
possível fazer-se uma generalização dos resultados de uma pesquisa para
a população-alvo, é necessário que cada um dos erros a seguir detalhados
seja mantido em nível razoavelmente baixo (DILLMAN; BOWKER,
2001). Nesta seção são discutidas as manifestações desses erros e o
respectivo tratamento recomendado no caso particular de pesquisas
online.
Antes da discussão sobre os quatro tipos de erro, é conveniente
recordar-se as distinções entre população, quadro amostral e amostra. A
população de interesse (população-alvo) de um estudo envolve todos
aqueles elementos sobre os quais se deseja obter informações e para os
quais seria desejável traçar inferências baseadas nos resultados da
pesquisa, ou seja, é a coleção completa de todas as unidades de análise
relevantes para a pesquisa em pauta (MALHOTRA, 2006).
Figura 1: Relação entre população de interesse e quadro amostral
população
coberta
população
não-coberta
popula
ção
não
-cobert
a
unid
ades
não
-ele
gív
eis
unidades
não-elegíveis
População-alvo
Quadro
am
ost
ral O quadro amostral representa o
conjunto efetivo de unidades a
partir do qual será selecionada a
amostra para a pesquisa, o qual
pode ser diferente (embora tal não
seja desejável) da lista de todos os
elementos da população-alvo
A população de interesse (população-avo) representa os elementos
que o pesquisador deseja estudar e para os quais ele desejaria poder
generalizar os resultados da pesquisa. Fonte: Enanoria (s/d).
Quadro amostral (sampling frame ou frame population) é a lista de
potenciais participantes, que pode ou não coincidir com a população-alvo,
de onde serão efetivamente selecionados elementos para compor a
amostra do estudo; nas palavras de Enanoria (s/d), trata-se da definição
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 645
operacional da população-alvo. Amostra é o efetivo conjunto de
elementos selecionados (com base no quadro amostral e não
necessariamente na população, como seria desejado), sobre os quais se
obtiveram os dados para um determinado estudo (MALHOTRA, 2006). A
Figura 1 ilustra a relação entre população e quadro amostral.
Erro de cobertura (coverage error). Ocorre quando os membros da
população não têm uma probabilidade conhecida e maior do que zero de
serem selecionados para participação na pesquisa, o que significa que
alguns membros da população não têm chance de ser selecionados,
enquanto outros podem ter múltiplas chances (por ex. por aparecem
múltiplas vezes na lista) e alguns membros do quadro amostral podem a
rigor não atender aos requisitos da população-alvo, devendo, portanto, ser
considerados inelegíveis para a pesquisa. Ou seja, erro de cobertura é o
resultado de desajuste entre a população-alvo da pesquisa e o quadro
amostral (Figura 1). O erro de cobertura resulta de uma combinação da
proporção da população não coberta (e também aquela indevidamente
coberta) pelo quadro amostral e da diferença entre membros cobertos e
aqueles não cobertos (e também os inelegíveis), no que tange aos valores
das variáveis relevantes para o estudo e sua distribuição estatística.
Erro de amostragem (sampling error). Resulta de se colherem dados
somente junto a um subgrupo da população de interesse (na prática, do
quadro amostral), ao invés de junto a todos os membros desta população.
A questão então passa a ser o grau em que a amostra poderia ser
considerada ou não representativa da população.
Erro de não resposta (nonresponse error). Ocorre devido ao fato de
alguns membros selecionados para comporem a amostra não terem
respondido à pesquisa (ou ao menos não terem respondido a todas as
questões). O erro de não resposta é função da taxa de não resposta bem
como da diferença entre respondentes vs. não respondentes em relação às
suas respostas a variáveis focais da pesquisa. Neste caso é importante
verificar se poderia ser esperado que os não respondentes teriam exibido
um padrão de respostas que seria distinto do daqueles que efetivamente
participaram da pesquisa. Se for julgado que o perfil dos não
respondentes é diferente do dos respondentes em variáveis que poderiam
ter relação com as variáveis de interesse da pesquisa, então o conjunto de
respondentes não poderia ser considerado representativo da população-
alvo.
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
646 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
Erro de mensuração (measurement error). É o resultado de respostas
“incorretas” ou “imprecisas”, ou seja, desvios entre a resposta dada e o
valor “verdadeiro” (HAIR; BLACK; BABIN; ANDERSON; TATHAM,
2006) e pode ser randômico ou sistemático. Usualmente, tal tipo de erro é
decorrente de diferenças (entre pesquisador e respondente) de
interpretação das perguntas ou do significado das opções de resposta,
intervenção indevida do pesquisador ou do instrumento de pesquisa, viés
de método (ou seja, o próprio instrumento de pesquisa induz ou influencia
o tipo de resposta) ou deturpação intencional da resposta por parte do
respondente.
A seguir, mostram-se como estes quatro tipos principais de erros
se manifestam mais frequentemente em pesquisas online.
Erros de cobertura em pesquisas online
Erros de cobertura podem ocorrer porque alguns membros da população
de interesse podem não ter acesso à Internet (resultando em um conjunto
de unidades não coberto pela pesquisa, SUE; RITTER, 2007), enquanto
outras pessoas que não seriam alvo da pesquisa podem acabar
respondendo à mesma. Mesmo que todos os membros da população-alvo
tenham acesso à Internet, ainda assim, erros de cobertura na Internet
podem ocorrer em função de nem sempre ser possível obter uma lista de
endereços (eletrônicos) de toda a população de interesse (COUPER,
2000), o que obriga o pesquisador a trabalhar com um quadro amostral
(de onde serão, posteriormente, selecionados os elementos para compor a
amostra), que incluiria apenas uma parte da população-alvo.
Ademais, haveria um erro de cobertura se fosse permitido a um
dado respondente participar da pesquisa mais de uma vez. O envio de
múltiplos questionários respondidos pelo mesmo respondente pode
ocorrer de maneira acidental (por ex. quando o usuário aciona não
intencionalmente o botão de <enviar> ou o programa não tem controle
sobre o envio de questionários incompletos e o usuário resolve continuar
respondendo e enviar novamente), inadvertida (quando o usuário, por
demora do programa em enviar confirmação do envio ou por ausência
desta, clica mais de uma vez na opção de <enviar>) ou maliciosa (quando
o usuário tentar burlar o sistema) (STANTON; ROGELBERG, 2001).
Tais ocorrências de múltiplos questionários respondidos podem
ser minimizadas por meio de orientação aos respondentes de que a
pesquisa somente deve ser respondida uma única vez e o questionário
enviado somente quando estiver completo, sendo permitido ao usuário
salvar suas respostas parciais a qualquer momento para continuar depois.
Além disso, se o usuário tentar enviar um questionário incompleto, ele
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 647
deve ser informado sobre as perguntas que ainda não foram respondidas,
mas deve-lhe ser dada a possibilidade de confirmar a submissão do
questionário ainda assim. Já para evitar tentativas maliciosas de múltiplas
respostas, podem ser utilizados cookies (pequenos arquivos que são
gravados no computador do usuário), de forma que um computador com o
respectivo cookie da pesquisa já gravada não poderia ser utilizado para
responder novamente à pesquisa (COUPER, 2000). No entanto, o mesmo
usuário poderia se utilizar de outro computador ou poderia, se for
razoavelmente proficiente na Internet, simplesmente apagar o arquivo do
cookie. Nestes casos, o uso de senhas ou de identificações pessoais
embutidas no endereço (link) da pesquisa (distribuídas previamente por e-
mail, por ex.) pode ser a solução (COUPER, 2000). Vale ressaltar, ainda,
que o uso de cookies, como forma de coibir múltiplas respostas, torna-se
inadequado nos casos em que dois ou mais diferentes integrantes do
quadro amostral poderiam compartilhar o mesmo computador (por ex. em
escolas ou em algumas organizações).
Uma forma de evitar acessos múltiplos ou por elementos não
autorizados a participar da pesquisa, diminuindo assim erros de cobertura,
é enviar-se uma carta-convite via e-mail com o link para a página da
pesquisa e informações de login e senha – uma tendência de pesquisas
online mais recentes (por ex. DIB; ROCHA; SILVA, 2010).
Em pesquisas que empregam amostragem sistemática, onde um
em cada n elementos da população (a rigor, do quadro amostral) é
“convidado” a participar, uma técnica usualmente empregada é de
interrupção/interceptação, onde o n-ésimo visitante a um dado site é
apresentado à pesquisa (por meio de uma janela pop-up, por ex.,) e assim
por diante, de n em n visitantes ao site (BRADLEY, 1999). Há aqui um
problema de definição do quadro amostral e, portanto, um possível erro
de cobertura, pois somente estariam nele incluídos visitantes ao referido
site, mas não necessariamente todos os membros da população-alvo.
Além disso, ao contrário do processo de seleção sistemática em pesquisas
tradicionais, em que o pesquisador pode usar de sua persuasão para
incentivar a pessoa a participar, numa pesquisa na Internet é mais
provável que somente aqueles usuários mais motivados com o tema
venham efetivamente a participar (COUPER, 2000), o que tenderia a
aumentar a taxa de não resposta e eventualmente resultar em viés de não
resposta, dado o caráter voluntário da participação.
Por outro lado, quando a pesquisa envolve apenas membros de
uma dada organização, então pode ser possível não apenas definir-se
claramente a população de interesse, como também construir-se um
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
648 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
quadro amostral que reflita com bastante precisão a população-alvo,
minimizando-se assim o erro de cobertura.
Erros de amostragem em pesquisas online
Em uma pesquisa na Internet, raramente é possível calcular a
probabilidade de seleção de cada unidade da população-alvo. Em
consequência, também não há condições para se calcular o erro de
amostragem. Deve ser enfatizado que o simples fato de que pesquisa por
meio da Internet permitir acesso (em tempo mais curto e com menos
gastos) a um maior número de respondentes, não corresponde
necessariamente a uma diminuição do erro de amostragem (COUPER,
2000), uma vez que, sem um mecanismo probabilístico de amostragem,
não é possível calcular intervalos de confiança e fazer inferências para a
população de interesse. Bradley (1999) sugere, inclusive, que o próprio
horário de liberação de uma pesquisa (por ex. por meio do envio de e-
mails para potenciais respondentes) pode ter influência sobre a
composição da amostra.
Uma forma de se estimar os erros de amostragem em uma
pesquisa online é a realização da mesma pesquisa com uma amostra
selecionada por meios tradicionais, conforme sugerido por Simsek e
Veiga (2001). O pesquisador poderia, então, comparar se há diferenças
nos padrões de resposta (por ex. distribuição estatística, estrutura fatorial
ou viés de não resposta). Se os padrões de resposta dos dois grupos forem
similares, e desde que a amostra online tenha características
probabilísticas, então se poderia argumentar que a amostra online seria
razoavelmente representativa da população em geral. Mais ainda, se
houver dados sobre o perfil “demográfico” da população, então pode ser
realizada uma estratificação dos respondentes online (SINSEK; VEIGA,
2001), atribuindo-se pesos e proporções de repostas conforme a
distribuição populacional (por ex. gênero, idade etc.).
Embora este mecanismo de controle aumente o esforço de
pesquisa, pelo fato de se utilizarem dois métodos de coleta, ainda assim é
preservada a vantagem da Internet de acessar a um custo mais baixo e de
forma mais rápida um número maior de potenciais respondentes.
Valendo-se do fato de que tende a ser relativamente barato
contatar muitas pessoas pela Internet, Chipp, Goldman e Kleyn (2007)
sugerem que se empregue a técnica de saturação (proposta por Turner,
1989, para pesquisas tradicionais), ou seja, de se selecionarem para
participar da pesquisa todos os membros do quadro amostral, tornando,
assim, irrelevante a discussão sobre amostragem probabilística versus não
probabilística. Como argumentado pelos autores, o foco deixa de ser a
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 649
adequada seleção dos respondentes, baseada no quadro amostral e passa a
ser o aprimoramento da definição do próprio quadro amostral.
A saturação, contudo, não resolve o problema do grau de
representatividade dos internautas em relação à população-alvo, em geral,
(nos casos em que há diferenças entre população e quadro amostral por
alguns membros daquela não terem acesso à Internet), mas apenas evita
os erros adicionais de a amostra selecionada poder ter um perfil de
respostas diferente do dos membros do quadro amostral.
A possibilidade de generalização para a população em geral –
incluindo-se aqueles membros desta que não têm acesso à Internet –
depende da verificação sobre se o padrão de respostas de não usuários
seria similar a (ou não estatisticamente diferente de) aquele de usuários da
Internet e também do grau de representatividade da amostra selecionada
em relação à totalidade de internautas (tanto acessíveis quanto não
acessíveis), que comporiam a população-alvo da pesquisa (BEST;
KRUEGER; HUBBARD; SMITH, 2001).
Vale mencionar que a composição gradual de amostras, em que
novos elementos vão sendo adicionados até que a distribuição de
determinadas variáveis (por ex. demográficas) da amostra de internautas
colhida se assemelhe à distribuição já conhecida de amostras coletadas
probabilisticamente por outros meios (por ex. telefone), assumindo assim
que a amostra poderia ser considerada representativa da população em
geral, que vem sendo utilizada por muitos autores (BEST et al., 2001)
como forma de gerar amostras “representativas”, pode ser criticada. Além
das variáveis utilizadas para comparação entre as amostras, pode haver
outras que estariam diferentemente associadas a internautas versus não
internautas e que poderiam também estar associadas às variáveis de
interesse da pesquisa, o que violaria a possibilidade de generalização
imediata para a população.
Schillewaert, Langerak e Duhamel (1998) avaliaram o impacto de
quatro diferentes métodos de amostragem não probabilística para
pesquisas online: anúncio de uma página em um periódico semanal de
negócios, chamada colocada em uma comunidade da rede, hyperlinks
apresentados em websites que não o da pesquisa, e e-mail, não
encontrando nenhum efeito estatisticamente significativo sobre a taxa de
resposta. Entretanto, os autores identificaram importantes diferenças na
composição das amostras em termos do padrão de distribuição das
variáveis demográficas ou webográficas (como se o tipo de canal de
recrutamento atraísse um determinado perfil específico de usuário),
embora não tenham encontrado diferenças em termos das variáveis
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
650 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
atitudinais (relativas ao uso da Internet) dos componentes de cada tipo de
amostra.
Erros de não resposta em pesquisas online
Uma das principais causas de frustração de respondentes, ao participarem
de pesquisa via webpage, reside numa apresentação ruim do questionário
online (SUE; RITTER, 2007), o que pode levar ao aumento das taxas de
não resposta.
Dillman e Bowker (2001) sugerem que dificuldades para o usuário
responder à pesquisa podem levar à desistência. Os autores reportaram
terem observado diversos tipos de frustração por parte dos respondentes,
entre os quais: falta de experiência com computadores e com Internet, o
que dificulta o entendimento do uso de radio buttons (que exigem que se
clique em outra resposta, caso se queira trocar de resposta, mas que não
permitem simplesmente apagarem-se todas as respostas após uma ter sido
selecionada) e de menus drop-down (que apresentam apenas uma caixa
com uma breve orientação para o usuário (por ex. “escolha uma opção”),
devendo o usuário clicar no lado direito da caixa para abrir as diversas
opções disponíveis para resposta, das quais deve ser escolhida apenas
uma); dificuldade para enxergar todas as opções de resposta sem rolar a
tela; obrigação de responder a todas as perguntas, mesmo quando alguma
delas não apresente opções de resposta que pareçam apropriadas;
desconhecimento de quanto ainda falta para completar o questionário;
obrigação de tomar múltiplas ações para se responder a uma pergunta (por
ex. clicar numa opção de resposta, deslocar-se para a barra de rolamento
para se poder enxergar um botão de “próxima página”, o qual deve ser
clicado para o acesso às perguntas na página seguinte).
O erro de não resposta ocorre porque alguns dos membros
selecionados para compor a amostra podem não estar dispostos ou podem
não ser capazes de responder à pesquisa. No caso de pesquisas na
Internet, nas quais não se defina claramente o quadro amostral (por ex.
em pesquisas acessadas por meio de um convite aberto em um portal) ou
a probabilidade de seleção, não é possível estimar o viés de não resposta
(COUPER, 2000). No entanto, se forem solicitadas no início da pesquisa
informações “demográficas”, que permitam classificar os participantes,
seria possível, ao menos, verificar se haveria diferenças estatisticamente
significativas nestas variáveis entre aqueles que responderam a pesquisa
até o fim versus aqueles que desistiram no meio (dropouts), mas não
versus aqueles que nem iniciaram a resposta (COUPER, 2000). Por outro
lado, Dillman (2006) recomenda que tais tipos de perguntas sejam
realizados somente ao final da pesquisa, uma vez que elas tendem a não
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 651
despertar o interesse dos potenciais respondentes e, em consequência,
podem levar ao aumento da desistência se forem colocadas no início –
este artifício impediria, no entanto, a comparação entre respondentes e
desistentes.
Como recurso para diminuir a taxa de desistência, Dillman,
Tortora e Bowker (1998) sugerem que se permita ao respondente
prosseguir com as perguntas, mesmo que ele não tenha respondido a todas
as perguntas antecedentes, mas, naturalmente, o respondente deve ser
alertado, ao tentar submeter o questionário, sobre a eventual existência de
perguntas ainda não respondidas. Como mecanismo adicional para manter
a disposição para continuar respondendo, os autores sugerem que seja
apresentado ao respondente o seu estágio proporcional de completude do
questionário, algo que já é atributo implícito nos questionários em papel,
mas que também é uma preocupação em outros métodos de pesquisa, tais
como entrevistas pessoais ou por telefone.
Erros de mensuração em pesquisas online
Erros de mensuração podem resultar, entre outras causas, do uso de
designs de questionários online que confundam os respondentes, que os
induzam a marcar determinadas opções de resposta, ou que tomem muito
tempo para serem carregados na tela – o que aumentaria a fadiga e
diminuiria a disposição para continuar respondendo. Portanto,
questionários simples aumentariam a probabilidade de que todos os
“acessados” pela pesquisa tivessem igual chance de responder e
oferecessem respostas mais “corretas”. Recomenda-se, portanto, o uso de
layouts fáceis de serem interpretados e carregados na tela e que produzam
o mesmo visual independentemente do equipamento e do browser do
respondente ou de seus recursos de telecomunicações (DILLMAN;
TORTORA; BOWKER, 1998).
Galesic e Bosnjak (2009) verificaram que perguntas localizadas
mais para o final do questionário eram respondidas de forma mais rápida,
mais curta e mais uniforme (isto é, respostas semelhantes para perguntas
diferentes) do que perguntas colocadas no início, possivelmente afetando,
portanto, a validade das respostas. Além disso, perguntas mais ao final
exibiam maior taxa de respostas em branco.
É preciso levar em conta também que a maioria dos respondentes
está acostumada a certa lógica de resposta presente nos questionários em
papel. Portanto, algumas particularidades da Internet tais como clicar no
botão de “enviar” após ter terminado de responder, podem não ser
intuitivas para algumas pessoas, o que aumentaria a taxa de não resposta.
Por esta razão, Dillman, Tortora e Bowker (1998) recomendam que o
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design leve em conta tanto a lógica de operação de computadores quanto
a lógica de como as pessoas esperam que os questionários “funcionem” e
que, na medida do possível, as perguntas e respostas sejam apresentadas
em formato similar aos dos tradicionais questionários em papel e que
instruções específicas sobre as ações esperadas sejam clara e
explicitamente apresentadas aos respondentes e devem estar próximas à
parte da tela onde a ação deve ser tomada.
Um tipo particular de pergunta, aquela em que é solicitado ao
respondente que marque todas as respostas que se aplicam com base em
uma lista pré-definida de opções, pode levar a um problema de satisficing
(KROSNICK, 1991), que resulta de o respondente ler e marcar até um
determinado número de opções que ele julga que já “seriam suficientes
para as necessidades do pesquisador”, tendo como consequência que as
opções mais acima na lista teriam maior probabilidade de serem marcadas
que aquelas mais abaixo. Tal problema pode ser parcialmente contornado
por meio de um rodízio automatizado da posição das opções de resposta.
O satisficing não é um problema específico somente da Internet, mas
pode ser agravado em especial se o número de opções (estejam expostas
numa lista de radio buttons ou em um menu drop-down) não aparecerem
de forma completa na mesma tela ou exigirem uma ação de scroll
(rolamento) da tela. Isto seria mais crítico, ainda, quando se tratasse da
primeira pergunta, a qual deveria estar sempre completamente visível na
primeira tela (DILLMAN; TORTORA; BOWKER, 1998). Mais ainda, se
a mesma pesquisa se utilizar de diferentes métodos de coleta de dados,
uma pergunta deste tipo pode não ser facilmente replicável num formato
de entrevista. Por esta razão, Dillman, Tortora e Bowker (1998)
recomendam que os questionários na Internet levem em conta a
possibilidade de uso das perguntas em múltiplos métodos de coleta de
dados.
Uma das causas de ocorrência de erros de mensuração é que, em
função de diferenças em equipamentos, navegadores e conexões de
acesso, é possível que diferentes respondentes vejam o layout do
questionário de forma diferente, sendo que muitos poderão ver um
formato ou uma disposição visual distintos daqueles imaginados pelo
pesquisador (DILLMAN; BOWKER, 2001). Por ex. as distâncias entre
pontos de uma escala de respostas podem mudar em função da resolução
da tela ou parecerem diferentes em função da cor de fundo; e a quantidade
de perguntas e de opções de resposta que são mostradas em cada tela
também variam conforme a resolução da tela no computador do usuário.
Esta situação ficou ainda mais agravada com a rápida penetração de
novos dispositivos de acesso à Internet, tais como telefones de terceira e
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 653
quarta geração, como os iPhones, e tablets, como os iPads, com telas
menores e com sistemas operacionais específicos.
Quanto ao erro de mensuração decorrente de respostas indevidas,
este pode por vezes ser reduzido se for possível incluir verificação das
respostas, de forma a informar ao respondente caso estas estejam fora dos
valores admissíveis para a respectiva variável. Existe outro tipo de erro de
mensuração em pesquisas pela Internet quando se utilizam painéis ou
pesquisas longitudinais (COUPER, 2000), que é o fato de que, por sua
experiência com o instrumento e as questões da pesquisa, os participantes
do painel possam ter um padrão de respostas consistentemente distinto
daquele de novos (ou menos experientes) participantes (tal problema
também ocorre em pesquisas longitudinais tradicionais, mas pode ser
agravado na Internet pelo fato de que a mudança no endereço eletrônico
e, em consequência na composição do painel, é mais frequente do que a
do endereço físico).
Dillman e Bowker (2001) alertam para o fato de que, se os
respondentes forem obrigados a responder a todas as perguntas anteriores
antes de poderem prosseguir para as seguintes, estes podem se sentir
desestimulados e virem a desistir – aumentando o viés de não resposta –
ou simplesmente proverem uma resposta qualquer – aumentando o erro
de mensuração – apenas para conquistarem o direito de seguir adiante.
Uma forma de se identificar um possível tipo de respondente que
forneceria respostas “incorretas” é o registro automático, na base de
dados, de informação sobre do horário de início e término do
questionário. Esta informação permitiria identificar os questionários que
foram preenchidos em tempo muito inferior ao padrão da amostra, o que
poderia indicar a falta de comprometimento dos entrevistados no
preenchimento das respostas, cabendo ao pesquisador decisão de expurgá-
los da amostra final. O estudo de Malhotra (2008) indicou que aqueles
respondentes que terminaram de responder em um tempo
consideravelmente abaixo do dos demais (mais de 1.5 desvios padrão
abaixo da média) apresentavam um maior efeito de precedência (primacy
effect, ou seja, a tendência a selecionar opções de resposta que apareçam
primeiro) ou de satisficing. Malhotra (2008), contudo, adverte que o
pesquisador não deve considerar apressadamente remover estes
respondentes “rápidos”, posto que a magnitude do efeito de precedência
que ele observou em seu estudo era moderada por outras variáveis, tais
como habilidades cognitivas do respondente e tipo de escala de resposta
(ordinal vs. categórica). Além disso, pode-se usar a randomização das
opções de resposta entre respondentes para minimizar este tipo de efeito.
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654 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
Dillman e Bowker (2001) resumem uma série de princípios que
deveriam ser seguidos em pesquisas online bem como os tipos de erros
usuais em surveys que tais princípios procurariam minimizar (vide
Quadro 1).
Quadro 1: Princípios de projeto de pesquisas online e sua relação com
fontes de erros em surveys Tipo de erro
Erro de
cobertura
Erro de
amostragem
Erro de
não resposta
Erro de
mensuração
1. Apresentar o questionário
com uma tela de boas-vindas que
motive e dê instruções aos
respondentes sobre como
proceder
X
2. Prover um código de
identificação para limitar o acesso
apenas a membros da amostra
selecionada
X X
3. Escolher como primeira
pergunta uma que desperte o
interesse dos respondentes e seja
facilmente respondida,
colocando-a bem visível na
primeira tela do questionário
X
4. Apresentar todas as questões
em um formato que seja similar
ao que costuma ser usado em
pesquisas em papel
X X
5. Restringir o uso de cores de
forma a preservar a legibilidade, o
fluxo navegacional e as
propriedades de mensuração das
opções de resposta
X
6. Evitar diferenças na
aparência visual resultante de
diferentes configurações de tela,
sistemas operacionais,
navegadores, telas parciais e
quebra de texto
X X X
7. Oferecer, no exato ponto em
que forem necessárias, instruções
claras sobre como executar cada
ação no computador para
responder às perguntas
X
8. Minimizar o uso de menus
drop-down e identificá-los
claramente com uma instrução de
“clique aqui para selecionar sua
resposta”
X
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 655
9. Não exigir dos respondentes
que todas as perguntas anteriores
tenham sido respondidas antes de
se poder prosseguir para as
seguintes
X X
10. Oferecer orientações sobre
eventual “pulo” de questões que
não se apliquem
X
11. Construir o questionário
online de forma que seja possível
paginar de uma pergunta para
outra, a menos que uma estrita
exigência de ordem seja
necessária ou que sejam
paralelamente utilizados outros
métodos de coleta (por ex.
telefone)
X X X
12. Nos casos em que o número
de opções de resposta exceda o
tamanho de uma tela, se
apresentadas em uma única
coluna, considerar o uso de duas
colunas ou outra forma
apropriada de agrupamento e
encadeamento entre pergunta e
opções de resposta
X
13. Utilizar símbolos gráficos ou
frases que explicitem o ponto em
que o usuário se encontra no
progresso em direção à conclusão,
evitando, contudo, os recursos
que tomem muito tempo para
carregamento
X X
14. Utilizar símbolos gráficos ou
frases que explicitem o ponto em
que o usuário se encontra no
progresso em direção à conclusão,
evitando, contudo, os recursos
que tomem muito tempo para
carregamento
X X
15. Evitar formatos de questões
sabidamente problemáticas em
pesquisas tradicionais, tais como
“marque todas as opções que se
aplicam” ou perguntas com
respostas abertas
X X
Fonte: Dillman e Bowker (2001).
As orientações #8 e #10 referem-se a questões específicas de
pesquisas na Internet, enquanto os aspectos relacionados a erros de
mensuração abordados nas orientações #4, #12 e #14 se referem a
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potenciais problemas de compatibilidade quando a pesquisa se vale de
múltiplos métodos de coleta de dados.
IMPACTO DO FORMATO DO QUESTIONÁRIO SOBRE A QUALIDADE DAS
RESPOSTAS
O formato do questionário, seu design, bem como a organização e
sequenciamento das perguntas e das opções de resposta podem levar a
erros sistemáticos de mensuração, os chamados vieses de método.
Embora o viés de método (PODSAKOFF; MACKENZIE; LEE, 2003)
possa ocorrer também em pesquisas tradicionais, algumas decisões sobre
o formato do questionário, que sejam especificas de pesquisas online,
podem ter influência sobre o padrão de respostas, em especial pelo fato de
que, na ausência de um entrevistador para motivar e esclarecer dúvidas, o
respondente busca auxílio nas próprias “pistas” providas pelo
instrumento, tais como seus elementos verbais e visuais (SCHWARZ,
1995).
Entre os diversos aspectos relacionados ao formato e design de
questionários online, os seguintes serão aqui discutidos: a) uso de
respostas forçadas; b) vantagens e desvantagens de três tipos específicos
de formatos para registro das respostas, especificamente radio buttons,
menus drop-down e caixas de entrada (entry boxes); c) a influência do uso
de palavras, símbolos ou itens gráficos em web surveys; d) tamanho do
questionário e apresentação de indicador de progresso; e e) proximidade e
agrupamento das questões.
Uso de respostas forçadas
Respostas “forçadas” obrigam o usuário a selecionar uma das opções de
resposta oferecidas no questionário de forma a permitir que se avance
para a próxima pergunta (ou a responder a todas as perguntas de uma
dada página antes de prosseguir para a página seguinte). Esta exigência
tem por objetivo evitar dados ausentes, mas pode acarretar a desistência
de alguns respondentes – com o correspondente possível aumento do viés
de não resposta – ou forçar outros a darem uma resposta que eles não
julgariam como a mais apropriada – aumentando, assim, o erro de
mensuração. Uma opção para minimizar esta fonte de erro de mensuração
é oferecer uma opção de resposta do tipo “não sei” ou “não se aplica” ou
“prefiro não responder”. Assim, garante-se que a resposta à pergunta não
teria sido deixada em branco por esquecimento, mas não se força uma
resposta incorreta. Albaum et al. (2010) investigaram o impacto sobre a
taxa de completude (completion rate) dos questionários e a taxa de
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respostas em branco decorrentes do uso, isolado ou em conjunto, de
respostas forçadas ou da opção “prefiro não responder”. Seus resultados
sugerem que o emprego de respostas forçadas parece não ter relação com
a taxa de completude dos questionários online. Similarmente, não foi
encontrada evidência de que o uso da opção “prefiro não responder”
afetaria a taxa de completude, independentemente de o questionário
conter ou não algumas perguntas com resposta forçada. Nesse estudo, em
particular, a opção “prefiro não responder” foi utilizada em volume
suficiente a ponto de indicar que, no caso de serem usadas respostas
forçadas, os usuários teriam registrado, em várias perguntas, uma opção
de resposta que não corresponderia à realidade. Embora a escolha
(forçada) de uma opção de resposta diminua a taxa de resposta em branco,
por outro lado, de nada adianta a presença de uma resposta se esta não é
válida, levando, assim, a erro de mensuração. Conforme argumentado por
Albaum et al. (2010), o uso de opções de resposta do tipo “não sei”, “não
se aplica” ou “prefiro não responder” representa um trade-off entre
quantidade versus qualidade dos dados.
O estudo de Heerwegh e Loosveldt (2002) indicou que a oferta de
uma opção de resposta em branco (que eles esperavam que reduzisse a
frustração dos respondentes, levando a menores taxas de desistência) não
mostrou efeito estatisticamente significativo sobre esta.
Uso de radio buttons, menus drop-down e caixas para digitação de texto
(entry boxes)
Radio buttons se apresentam em um formato semelhante ao que as
pessoas estão acostumadas a ver em perguntas com opções fechadas de
respostas em questionários tradicionais e só permitem que se escolha uma
única opção de resposta; contudo, uma vez marcada uma opção de
resposta, esta pode ser trocada por outra, mas não é mais possível apagar
todas as opções e fornecer uma resposta em branco, a menos que o
pesquisador tenha incluído explicitamente uma opção de resposta “em
branco” (ex: “não sei” ou “não se aplica”). Vale ressaltar que a opção de
resposta em branco deve ser permitida sempre que houver a possibilidade
de os respondentes não possuírem ou não desejarem fornecer a
informação solicitada na pergunta.
Menus drop-down, por seu turno, apresentam apenas uma caixa com uma
breve orientação (por ex. “escolha uma opção”), devendo o usuário clicar
no lado direito da caixa para abrir as diversas opções disponíveis para
resposta; pode ser selecionada apenas uma única opção, mas, em geral, o
usuário pode optar por uma resposta em branco, mesmo após ter
selecionado previamente outra opção (basta que ele clique novamente na
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frase com a orientação geral, desde que esta não tenha sido,
indevidamente, definida como uma das opções de resposta; neste caso,
esta se tornaria a opção default de resposta, o que poderia enviesar a
resposta e levar a erro de mensuração).
Já entry boxes ou caixas de entrada são espaços na tela para que usuário
digite em texto livre sua resposta.
Heerwegh e Loosveldt (2002) notaram que, uma vez que menus
drop-down ocupam menos espaço na tela do que opções (se verticalmente
alinhadas) de resposta em formato radio button, o primeiro formato
permitiria apresentar mais perguntas numa mesma tela. Por seu turno,
Dillman (2006) observou que menus drop-down podem desorientar os
respondentes, em especial quando se escolhe uma opção de resposta que
esteja na parte inferior da lista, uma vez que, ao se fechar
automaticamente o menu drop-down, o ponteiro do mouse estará
posicionado várias linhas abaixo da pergunta respectiva, podendo o
respondente, inadvertidamente, pular as perguntas localizadas entre
aquela recém-respondida e a atual localização do ponteiro do mouse.
Heerwegh e Loosveldt (2002) verificaram que os usuários
levavam mais tempo para responder se o formato era um menu drop-
down, o qual também se mostrou associado a uma maior taxa de
desistência. Contudo, não houve diferença estatisticamente significativa
na taxa de respostas em branco associadas com menus drop down ou
radio buttons. Com base em seus resultados, os autores sugerem que se
utilizem radio buttons, em especial no caso de usuários menos
proficientes com o meio online.
Couper, Traugott e Lamias (2001) verificaram se o uso de radio
buttons ou entry boxes afetaria o tempo para completar a pesquisa, a taxa
de dados ausentes e taxa de respostas inválidas. Os autores testaram
também o efeito do comprimento da caixa de entrada. Nos questionários
com caixa de entrada, os autores davam a opção de os respondentes
deixarem a caixa de entrada em branco ou marcarem a respectiva opção
de “não sei”, enquanto que nos questionários com radio buttons os
respondentes teriam que selecionar obrigatoriamente uma opção (ainda
que fosse a “não sei”). Os autores não observaram diferença
estatisticamente significativa no tempo total para preenchimento dos
questionários. Por seu turno, a taxa de dados ausentes foi estatisticamente
maior quando do uso de caixa de entrada, mas não se observaram
diferenças associadas ao tamanho ou à forma da caixa de entrada. Quanto
às respostas inválidas, por definição, elas não são possíveis quando do uso
de radio buttons, mas o estudo mostrou que uma caixa de entrada mais
longa tendia a levar os respondentes a digitarem respostas inválidas (ou
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seja, não aceitáveis, dado o tipo de pergunta e as possibilidades esperadas
de resposta) que uma caixa de entrada mais curta, sugerindo que o
tamanho da caixa para digitação influencia a quantidade de informação
que os respondentes julgam que o pesquisador espera.
Smyth, Dillman, Christian e McBride (2009) investigaram se a
qualidade das respostas, fornecidas a perguntas abertas, dependeria das
características da caixa de entrada destinada à resposta – especificamente,
o tamanho da caixa ou a inclusão ou não de explicações de que a
respostas poderiam exceder o tamanho original da caixa – ou da
apresentação de uma introdução explicativa e motivadora na pergunta.
Seus resultados indicam que o tamanho da caixa de resposta parece não
influenciar a qualidade das respostas dos respondentes iniciais (early
respondents), mas aumentaria significativa a qualidade das respostas
fornecidas pelos respondentes tardios (late respondents), que seriam, em
princípio, aqueles menos motivados a responder. Contudo, a instrução de
que a extensão da resposta não precisaria se limitar ao tamanho original
da caixa, bem como a inclusão de uma introdução que enfatizasse a
importância da qualidade e do tamanho da resposta se mostraram
associadas ao aumento da qualidade das respostas (em termos de extensão
das mesmas, quantidade de temas abordados, tempo dedicado à resposta e
redução de respostas em branco), tanto de respondentes iniciais quanto de
respondentes tardios.
Influência do uso de palavras, símbolos ou itens gráficos em web surveys
Assim como em pesquisas tradicionais em papel, também nas pesquisas
online a qualidade das respostas pode ser afetada pelo uso de números,
símbolos e sinais gráficos em complemento às palavras (CHRISTIAN;
DILLMAN, 2004; TOURANGEAU; COUPER; CONRAD, 2004).
Christian, Dillman e Smyth (2007) investigaram se diferentes
aspectos visuais do questionário – em particular, tamanho dos espaços
destinados às opções de resposta, uso de símbolos ao invés de palavras,
tipo de linguagem verbal empregada na pergunta e localização da
instrução aos respondentes – estariam associados ao aumento da
probabilidade de que os respondentes fornecessem respostas em um
formato que seria desejado pelo pesquisador (por ex. dois dígitos para o
mês e quatro dígitos para o ano), evitando-se a necessidade de emissão de
mensagens de erro ou de solicitação de correção aos respondentes. Dessa
forma, poderia ser reduzida a frustração e possível abandono do
questionário por parte dos respondentes (BEST; KRUEGER, 2004). O
estudo de Christian, Dillman e Smyth (2007) indicou que os respondentes
apresentavam maior probabilidade de registrar a informação no formato
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desejado pelo pesquisador (neste caso, dois dígitos para o mês e quatro
dígitos para o ano) nas seguintes condições: espaço menor para o mês e
maior para o ano, uso de símbolos (MM e YYYY) ao invés de palavras
(“Month” e “Year”), maior proximidade de símbolo em relação ao espaço
para preenchimento da respectiva informação. Por outro lado, a
localização específica do símbolo (por ex. à esquerda, à direita, abaixo ou
acima da caixa para resposta) não pareceu exercer impacto significativo
sobre a probabilidade de o respondente usar o formato desejado e a forma
e detalhamento da linguagem verbal empregada na pergunta não
apresentaram efeito significativo ao menos naqueles casos em que o
questionário já apresentava instruções apropriadas de preenchimento (tal
como discutido anteriormente) junto aos espaços de resposta. Os
resultados do estudo sugerem que, além dos cuidados usuais com a
linguagem da pergunta, os pesquisadores que se valem de web surveys
devem também ficar atentos para a apresentação visual e as orientações
relativas às opções de resposta. Christian, Dillman e Smyth (2007)
ponderaram também sobre a possibilidade de menus drop down ou de
calendários – em que o respondente clicaria sobre a opção de resposta –
serem inapropriados, posto que alguns respondentes podem não ter
familiaridade com este tipo de interface gráfica, além do fato de que este
formato apresenta um número grande de opções para escolha (por ex. de
1900 a 2000 para o ano).
Tamanho do questionário e apresentação de indicador de progresso
Meta-análises sobre o efeito do tamanho do questionário em papel na
propensão a responder indicam que, quanto maior o tamanho, em geral,
menor a taxa de resposta (YAMMARINO; SKINNER; CHILDERS,
1991).
Contudo, ainda há poucos estudos que avaliaram este efeito em
web surveys (GALESIC e BOSNJAK, 2009). O impacto do tamanho
pode depender de como os participantes são informados a respeito: se
previamente ao início das respostas ou se “descobrem esta informação”
diretamente somente à medida que vão avançando no questionário.
Embora a meta-análise de Cook, Heath e Thompson (2000) tenha
indicado que o tamanho do questionário não afetaria a taxa de resposta,
alguns estudos indicaram que quanto maior o tempo para preenchimento
anunciado a priori (CRAWFORD; COUPER; LAMIAS, 2001;
GALESIC; BOSNJAK, 2009; MARCUS et al., 2007) ou inferido /
observado pelos respondentes (DEUTSKENS et al., 2004), menor a taxa
de resposta (ou seja, a percentagem daqueles que efetivamente iniciam as
respostas). Galesic e Bosnjak (2009) observaram também que, quanto
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menor o tamanho, menor a taxa de abandono daqueles que iniciaram o
processo de respostas.
Couper, Traugott e Lamias (2001) investigaram se a presença de
um indicador de progresso teria impacto sobre a taxa de desistência, o
tempo médio para completar o questionário e a taxa de dados ausentes
(que, em conjunto com a taxa de completude, está relacionado ao viés de
nãoresposta). Ao contrário do esperado pelos autores, a inclusão de um
indicador de progresso não mostrou ter impacto estatisticamente
significativo sobre o percentual de questionários completados. Já o tempo
médio para completar a pesquisa foi maior no caso de questionários com
o indicador de progresso, o que foi atribuído pelos autores ao tempo
adicional necessário para carregar os elementos gráficos associados a tal
indicador (naturalmente, à medida que mais usuários vão tendo acesso à
banda larga, tal tempo tende a ter seu impacto reduzido). O indicador de
progresso também não se mostrou associado à presença de dados ausentes
nessa pesquisa específica, em que sempre era exigido que os participantes
escolhessem uma opção de resposta para cada pergunta, ainda que fosse
marcando a opção “não sei”, o que significa que eles teriam o mesmo
“trabalho” quer marcassem esta opção quer marcassem outra.
Proximidade e agrupamento das questões
Com relação ao agrupamento ou não em uma mesma tela de todas as
questões relacionadas entre si (por ex. indicadores de um mesmo
construto), Couper, Traugott e Lamias (2001) investigaram se haveria
impacto sobre as correlações observadas, o tempo para completar o
questionário e a taxa de dados ausentes. Como esperado por eles, as
correlações entre os itens (medidos pelo alfa de Cronbach) foram maiores
quando do agrupamento em uma mesma tela, o que sugere que o arranjo
físico do questionário afeta o padrão de respostas. O tempo total médio
para completar o questionário foi estatisticamente menor quando do
agrupamento, embora não fosse possível observar diferenças
estatisticamente significativas nos tempos de resposta a cada um dos
subconjuntos de itens agrupados em uma mesma tela versus desagregados
em telas sequenciais. Já o agrupamento se mostrou associado a uma taxa
estatisticamente menor de dados ausentes (respostas do tipo “não sei” ou
“não se aplica”). Os autores haviam especulado, contudo, que poderiam
ser esperados dois efeitos de impacto contrário do agrupamento: se, por
um lado, o agrupamento tenderia a reduzir o esforço de tempo, o que
tenderia a aumentar o índice de respostas substantivas (em detrimento de
“não sei”), por outro lado o agrupamento poderia induzir ao uso de um
mesmo padrão de respostas para todas as perguntas em uma mesma tela
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de tal sorte que, se fosse escolhida uma resposta “não sei”, poderia haver
uma tendência a escolher outras respostas “não sei” para as demais
perguntas na mesma tela. Os autores alertam, ainda, que o efetivo
agrupamento de perguntas em uma mesma tela depende da configuração
do computador do respondente e pode ser-lhe necessário rolar a tela
mesmo que o pesquisador tenha projetado as perguntas para aparecem
juntas na mesma tela.
QUESTÕES ÉTICAS EM PESQUISAS COM O USO DA INTERNET
Não é possível garantir total anonimato em pesquisas por meio da
Internet. Se a resposta for encaminhada por meio de um e-mail, o
respondente estará sendo implicitamente identificado. Mesmo que o
questionário seja preenchido em um website, ainda assim é possível ter
informação ao menos sobre o computador do respondente, por meio de
seu IP (Internet Protocol). Claramente, alguns dos cuidados sugeridos
para se evitarem múltiplas respostas por um mesmo respondente (tais
como senha ou identificação embutida no link) podem tornar a
identificação do respondente ainda mais transparente. Esta situação pode
levar ao aumento da taxa de não resposta, se os potenciais respondentes se
sentirem desconfortáveis ou intimidados, ou a aumento do erro de
mensuração, em especial em situações que envolvam viés de
conveniência social (social desirability bias), isto é, o registro de uma
resposta que seria considerada “apropriada” ou “socialmente correta”, em
lugar da resposta verdadeira.
Torna-se, portanto, relevante informar aos potenciais respondentes
que medidas foram tomadas para evitar o acesso inadvertido de terceiros
aos dados da pesquisa (por ex. com o uso de conexões SSL – secure
sockets layer) (STANTON; ROGELBERG, 2001), que as respostas
individuais serão mantidas confidenciais e que serão reportados somente
resultados agregados. Contudo, não deve ser feita qualquer promessa de
total anonimato (SIMSEK; VEIGA, 2001), uma vez que tal não pode ser
garantido em pesquisas online.
Por questões éticas, sempre que uma pesquisa for deixar gravado
um cookie no computador do usuário, tal fato deveria ser deixado claro ao
usuário e deveria ser-lhe explicado por que a gravação do cookie seria
necessária como forma de garantir a “confiabilidade” da pesquisa
(SIMSEK; VEIGA, 2001).
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 663
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Internet, como meio de coleta de dados, oferece uma série de recursos
que podem ser úteis em surveys, ao mesmo tempo em que também traz
desafios que lhe são peculiares (SCHONLAU; FRICKER JR.; ELLIOT,
2002). Pode haver relevantes diferenças entre membros da população-
alvo, tanto no efetivo acesso à Internet quanto em sua proficiência com o
uso de recursos desse meio, como também diferenças na infraestrutura
(hardware e software) dos respondentes (BRADLEY, 1999), o que pode
levar a erros de cobertura, de não resposta e de mensuração.
Decisões relativas à definição do quadro amostral, às técnicas de
amostragem, ao formato dos questionários e ao tratamento de questões
éticas podem ter importantes implicações sobre a qualidade dos dados
coletados, em particular sobre o tamanho da amostra, seu grau de
representatividade, o erro de mensuração, a taxa de resposta, a presença
de dados ausentes ou o padrão de distribuição das respostas. Entre aquelas
pessoas que possuem acesso à Internet, é necessário encontrar um
mecanismo que garanta a probabilidade conhecida de se selecionar cada
respondente potencial (DILLMAN; TORTORA; BOWKER, 1998).
Conforme alertado por Dillman e Bowker (2001), a simples
obtenção de uma amostra grande não é por si só garantia de “qualidade”
dos dados, em especial se os respondentes tiverem caráter voluntário. Os
autores complementam afirmando que ignorar a necessidade de se definir
a população de interesse à pesquisa, de se selecionar uma amostra
aleatória e de se obter altas taxas de respostas (sobre a amostra
selecionada) representa uma grave ameaça à validade de pesquisas online.
Alguns dos problemas de pesquisas com o uso da Internet, como
os relacionados a erros de cobertura por falta de acesso ou por ausência de
uma lista de todos os membros da população-alvo, podem ser
minimizados quando tais pesquisas ocorrem dentro de uma dada
organização. Contudo, o viés de não resposta continua merecendo
cuidados conforme apontado neste estudo.
A habilidade de cativar o potencial respondente de forma a
convencê-lo a participar da pesquisa, que é um aspecto importante em
diversos métodos de coleta de dados, torna-se crítico em pesquisas online,
uma vez que o internauta tem sua atenção atraída por muitos outros
estímulos e pode muito facilmente desviar seu interesse para outro site ou
tarefa em seu computador (SIMSEK; VEIGA, 2001). Portanto, a forma
como o pesquisador se apresenta, bem como o tema de sua pesquisa e a
entidade patrocinadora é de extrema importância para aumentar a taxa de
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
664 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.641-670 • Out/Nov/Dez 2011
resposta.
As particularidades da Internet e as dúvidas quanto à sua
adequabilidade (ainda manifestadas por alguns acadêmicos) podem exigir
do pesquisador um esforço adicional para demonstrar o rigor de seu
método de coleta de dados, que pode ser conseguido, ainda que a um
custo extra, por meio do emprego de validação cruzada com uma amostra
tradicional (STANTON; ROGELBERG, 2001).
Vale dizer que, para a elaboração do questionário online, devem
ser observadas algumas das mesmas recomendações da sua contraparte
em papel: deve ter aparência profissional e estimulante, ser de fácil
compreensão e não intimidar os respondentes, tornar claro e fácil o
processo de responder às questões e ser acessível a todos na população-
alvo ou no quadro amostral considerado adequado pelo pesquisador.
O instrumento online pode ser até mesmo o mais apropriado
quando a pesquisa tiver algumas características: (1) se a amostra for
relativamente grande e estiver bastante distribuída geograficamente; (2)
se existir a necessidade de resultados rápidos; (3) quando a questão do
anonimato não for tão relevante, podendo ser melhor tratada via webpage
do que por e-mail; e (4) quando os respondentes tiverem acesso à Internet
e, nestes casos, a taxa de respostas puder tornar-se maior quando os
respondentes forem contatados antes por e-mail (SUE; RITTER, 2007).
Afinal, como Dillman (2006) afirmou, tanto o correio quanto o
telefone foram considerados inicialmente pobres alternativas para a
entrevista pessoal, sendo o mesmo dito mais recentemente sobre as
ferramentas de pesquisa via Internet. Acredita-se que é preciso não
assumir a Internet como solução geral para surveys, mas sim tomar os
devidos cuidados para avaliar a aplicabilidade do meio online e suas
particularidades, vantagens e limitações. Espera-se que a discussão aqui
apresentada sobre particularidades das pesquisas via webpage e os
problemas enfrentados e as soluções adotadas nos estudos analisados
sirvam de orientação e incentivo para que pesquisadores brasileiros se
sintam mais confiantes quanto ao uso apropriado da coleta de dados
online em suas próprias pesquisas.
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APÊNDICE A – FERRAMENTAS PARA CONFECÇÃO DE QUESTIONÁRIOS ONLINE
A título de complemento a este artigo, vale ressaltar que existem diversas
ferramentas disponíveis na internet para a confecção de questionários
online e a condução de web surveys, tais como: eSurveysPro, Google
Docs, kiwksurveys, MakeSurvey, Opinio Survey, QuestionPro,
SpeedSurvey, SurveyGizmo, SurveyGold, SurveyMonkey, ZipSurvey,
Zoomerang, entre outras.
Os interessados podem consultar uma lista de mais de 300
ferramentas em:
http://www.websm.org/dbarchive/18/Software/?&p1=1123&p2=82&p3=
85&type=0.
Tais ferramentas costumam ter versões pagas (que oferecem maior
variedade de opções e permitem um uso mais intenso da ferramenta), bem
como versões gratuitas (as quais, porém, são em geral suficientes para
atender a boa parte das necessidades dos pesquisadores).
A maioria destas ferramentas oferece facilidades de apresentação
online dos resultados, acesso a tutoriais e a FAQ (frequently asked
questions). Contudo, tais ferramentas podem variar consideravelmente
entre si (conforme ilustrado por Toledano, 2008) em termos de:
Número máximo de questionários que podem ser administrados;
Número máximo de questões ou de opções de repostas por questionário;
Prazo em que os resultados ficam disponíveis para consulta pelo criador
da survey;
Preços, políticas de desconto (ex: indivíduos vs. empresas),
periodicidade de renovação;
Variedade de diferentes tipos de questões;
Oferta de questionários padrão versus possibilidade de criação de
questionários customizados;
Permissão para inclusão de imagens ou logos;
Possibilidade de randomização da ordem das perguntas e das opções de
resposta;
Possibilidade de verificação (validação) online das respostas;
Possibilidade de salto lógico entre questões conforme resposta dada a
questões anteriores;
O uso da internet em surveys: Oportunidades e desafios
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 641-670 • Out/Nov/Dez 2011 669
Possibilidade de uso de piping (propagação), ou seja, carregar a resposta
a uma questão ou algum parâmetro da pesquisa para outra questão
seguinte ou outra parte do questionário, o que poder tornar a pesquisa
mais dinâmica, ágil e personalizada;
Recursos para salvar, copiar ou editar questionários anteriormente
criados;
Possibilidade de personalizar a página de agradecimentos;
Suporte a múltiplos idiomas;
Ocultação do nome da ferramenta de administração de web surveys;
Aderência ao padrão 508 dos EUA (http://www.section508.gov/),
referente a requisitos e normas para facilitar o acesso de pessoas
portadoras de deficiência;
Possibilidade de uso de listas de e-mails do criador da survey;
Grau de personalização dos convites por e-mail;
Envio de lembretes aos potenciais respondentes;
Agendamento da disponibilização do questionário;
Tabulação das respostas;
Filtragem e segmentação dos respondentes;
Exportação para formato Excel, Word, PowerPoint ou CSV;
Geração de apresentações em PowerPoint;
Formas de suporte técnico (ex: via e-mail, fóruns, chats ou telefone).
Os interessados em aspectos metodológicos atinentes a pesquisas
com auxílio da internet poderão encontrar muitas informações e
orientações interessantes em: www.websm.org.
Jorge Manoel Teixeira Carneiro e Luís Antônio da Rocha Dib
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DADOS DOS AUTORES
JORGE MANOEL TEIXEIRA CARNEIRO ([email protected])
Doutor em Administração de Empresas pela Coppead/UFRJ
Instituição de vinculação: Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro/IAG
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Estratégia de Empresas e Negócios
Internacionais.
LUÍS ANTÔNIO DA ROCHA DIB ([email protected])
Doutor em Administração de Empresas pela Coppead/UFRJ
Instituição de vinculação: Coppead/Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Rio de Janeiro/RJ – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Negócios Internacionais e Estratégia de
Empresas.
Recebido em: 04/09/2010 • Aprovado em: 10/11/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 671
UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR: UMA
REFLEXÃO NECESSÁRIA
UNIVERSITIES, SOCIETY AND THE EDUCATING OF MANAGERS: A
NECESSARY REFLECTION
REBECA DE MORAES RIBEIRO DE BARCELLOS ([email protected])
ELOISE HELENA DO LIVRAMENTO DELLAGNELO
GABRIEL PORTELA SALIÉS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
RESUMO
O papel da universidade no mundo moderno e no contexto atual de
sociedade vem sendo discutido por diversos autores e sujeitos atuantes
neste campo, primordialmente na área da Educação. A pressão das
políticas estatais no sentido de uma aproximação da universidade com o
mercado e as mudanças internas, tendo como base o padrão oriundo desse
mercado, têm levantado questionamentos, que precisam ser discutidos.
Estas discussões abrangem as mais diversas formações profissionais
proporcionadas pela universidade; e o curso de Administração,
historicamente construído com base em uma visão dominante da realidade
social centrada no mercado, não pode se eximir deste processo de
reflexão. Neste contexto, o objetivo deste artigo, um ensaio teórico, é
refletir acerca da função da universidade na sua relação com a sociedade,
especificamente acerca da formação do administrador, apontando os
espaços onde o trabalho do administrador é pertinente e refletindo sobre o
conhecimento disponível e disseminado sobre organizações e gestão,
apontando os limites da concepção de organização predominante nos
ensinamentos da administração. As conclusões apontam para a realidade
de um curso fortemente alicerçado em uma visão hegemônica da área,
voltado para o mercado, porém insuficiente para dar conta das
necessidades dele. Subjacente a esta questão está a literatura utilizada na
formação dos administradores no Brasil, a qual reforça a ausência de
perspectiva crítica, quer pelo uso de manuais, quer pelo emprego da
chamada literatura pop management.
Palavras-chave: universidade; sociedade; formação profissional;
Administração.
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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ABSTRACT
The role of the university in the modern world and in the current context
of society has been discussed by several authors and persons active in
this field, mainly in the area of Education. The pressure exerted by state
policies in forcing universities towards the market and the internal
changes based on the resulting pattern have raised questions that must be
addressed. These discussions cover all professional degrees offered by
universities; whilst the Management course, historically based on a
dominant view of a market-centric social reality, cannot be exempt from
this thought process. Within this context, this paper, itself a theoretical
essay, aims to reflect on the role of the university in its relationship with
society: specifically the formation of the manager. It points out the places
where the role is relevant and reflecting on the knowledge available
regarding organizations and management, as well as the limits of the
prevalent concept of organization in administration. Our findings indicate
the reality of a course strongly rooted in a hegemonic vision of the field,
focused on the market, yet unable to cater to its needs. Underlying this
issue is the literature used for educating managers in Brazil that
reinforces the lack of critical perspective, either through the use of
manuals or that of so-called pop management literature.
Keywords: universities; society; professional education; management.
INTRODUÇÃO
A relação entre a universidade e a sociedade tem sido historicamente
assunto de reflexão de diversos autores, em especial na área da educação.
A atenção dada ao tema assume contornos diferenciados a partir da
década de 1990, com a introdução de políticas de cunho neoliberal na
educação por parte do Estado, levando ao questionamento, entre outros
aspectos, da validade e da eficiência da universidade pública e gratuita
(SANTOS, 2008; CULLEN, 2008; CHAUI, 2003; PIRES, 1996).
A habilitação para o exercício profissional, a formação para o
mercado e a formação para a construção de uma sociedade mais justa e
igualitária são argumentos defendidos como funções da universidade. No
entanto, tais argumentos se mostram conflitivos em determinados
aspectos e a universidade é chamada a fazer opções, mesmo que isso não
transpareça de forma explícita.
Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 673
Seja nas definições de investimentos, nas prioridades de pesquisa,
nos projetos de extensão, na alocação de carga horária docente, seja na
estrutura de currículos e nas definições de conteúdos a serem trabalhados
em sala de aula, a instituição universitária, por meio da atuação de seus
participantes, está continuamente fazendo opções e definindo a formação
de indivíduos com base em valores e alternativas pré-estabelecidas, quer
sejam elas decididas conscientemente ou não. Constata-se cada vez mais
que tais opções se refletem na orientação para o mercado, que pressiona a
formação de estudantes das mais diversas áreas do conhecimento.
A questão se aprofunda quando se passa a discutir a temática sob a
ótica da formação do administrador. A dicotomia sociedade-mercado
parece se intensificar quando se trata de uma profissão cuja tarefa tem
sido fundamentar e reproduzir o sistema econômico vigente e o
paradigma de atuação dominante, embasado numa concepção hegemônica
de organização que abre, historicamente, poucos espaços para discussão
de possibilidades alternativas, além de estar fundamentada numa visão
limitada do ser humano como operacional ou reativo (BÖHM, 2006;
PARKER, 2002; SCHREVEN; SPOELSTRA; SVENSSON, 2008;
MISOCZKI, 2008; RAMOS, 1989).
Os espaços onde o trabalho do administrador é pertinente na
sociedade são diversos e demandam capacitações e racionalidades
próprias, as quais eventualmente coincidem com a perspectiva
hegemônica do organizar sob a ótica gerencialista, dominante na teoria
organizacional. A preocupação concerne ao fato de que, refletindo esta
hegemonia, a formação do administrador esteja ocorrendo de forma
circunscrita ao paradigma dominante, deixando de abordar e, portanto de
formar para possibilidades e realidades sociais diferentes da organização
empresarial, as quais também necessitam de saberes e práticas voltados
especificamente para organizar, que lhes permita alcançar seus objetivos.
(ANDION, 2005; SERVA, 1993; MISOCZKI, 2008 BALBINOT;
PEREIRA, 2009).
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo refletir sobre
a função da universidade na sua relação com a sociedade, especificamente
acerca da formação do administrador, apontando os espaços onde o
trabalho do administrador é necessário e, portanto, para os quais deveria
ser preparado para a atuação profissional e reflexão crítica. Assim, o
trabalho visa a contribuir com uma discussão que, embora venha se
desenvolvendo de forma significativa em torno da relação entre a
universidade com a sociedade (CHAUÍ, 2003; SANTOS, 2008;
ALCADIPANI, 2011), ainda é incipiente no campo da administração,
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
674 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011
tendo em vista as disputas que são travadas, em alguns espaços, contra
uma produção hegemônica do saber em organizações (MICSOZKY;
GOULART, 2011). Além disto, os resultados destas reflexões pouco têm
se materializado nos programas dos cursos de administração brasileiros,
levando a crer que a discussão, além de relevante, é necessária.
Visando ir além das discussões até então desenvolvidas sobre o
tema, pretende-se também refletir sobre o conhecimento disponível e
disseminado sobre organizações e gestão. Destacam-se, neste sentido, as
restrições impostas sobre o conceito de organização predominante na
área, o qual impossibilita enxergar evidências que se distanciam ou estão
em desacordo com este modelo. O propósito consiste assim, em avançar
no desenvolvimento de uma sociologia das ausências apontada por Santos
(2002) e contribuir com a provocação a respeito da necessidade de
construção de novos conhecimentos na área que enunciem possibilidades
que tenham como horizonte práticas alternativas de organização e gestão
mais coerentes com as necessidades da sociedade.
Para tanto, o trabalho está estruturado da seguinte forma: a
primeira parte discute a relação entre a universidade, a sociedade e um de
seus enclaves específicos, o mercado. Na segunda parte, abordam-se os
aspectos relacionados à formação do administrador face a uma concepção
hegemônica de organização e os espaços negligenciados por esta visão,
bem como se discute a literatura que dá suporte a este processo no Brasil.
Finalmente, argumenta-se a pertinência de uma concepção de
universidade que vise a formar sujeitos autônomos e atuantes na
sociedade, e por uma sociologia das emergências (SANTOS, 2002) nos
estudos organizacionais que permita enunciar práticas alternativas ao
modelo dominante de organização.
UNIVERSIDADE, SOCIEDADE E MERCADO: RELAÇÕES E CONTRADIÇÕES
Quando se trata universidade, sociedade e mercado como categorias
analíticas distintas, parece haver uma clara delimitação entre estas
instituições na vida social, como se fora possível isolá-las umas das outras
num método cartesiano de análise. Cabe esclarecer que que as três
categorias são aproximações meramente abstratas e que as relações
existentes na prática social tornam as fronteiras entre elas fluidas e em
constante processo de formatação, aproximação e distanciamento. São
usadas, portanto, para facilitar a discussão, no entanto, sem perder de
vista a dinamicidade que é característica ao seu inter-relacionamento.
Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 675
Para Oda et al. (2007), as universidades vivem o dilema das
relações entre a defesa de sua instituição e as demandas da sociedade que
vive ao seu redor, numa relação altamente conflitiva. O caráter conflitivo
desta relação se expressa no interior da própria universidade, na
concepção de Chaui (2003, p.5), para quem a universidade não é um
reflexo da sociedade e do Estado, pois sua autonomia intelectual lhe
permite relacionar-se com o Estado e a sociedade:
De maneira conflituosa, dividindo-se internamente entre os que são
favoráveis e os que são contrários à maneira como a sociedade de
classes e o Estado reforçam a divisão e a exclusão sociais, impedem
a concretização republicana da instituição universitária e suas
possibilidades democráticas.
Para Santos (2008), a demarcação das fronteiras entre
universidade e sociedade pode ser vista na lógica da produção do
conhecimento universitário, onde a distinção entre conhecimento
científico e outros conhecimentos é absoluta, tal como é a relação entre
ciência e sociedade. Neste contexto, a universidade produz conhecimento
que a sociedade aplica ou não, uma alternativa que “apesar de
socialmente relevante, é indiferente ou irrelevante para o conhecimento
produzido.” (SANTOS, 2008, p. 41).
No entanto, por mais que a relevância social do conhecimento
produzido pela universidade não seja o principal direcionador das
pesquisas realizadas, é necessário reconhecer que a universidade possui
também funções sociais, simbólicas e culturais, além da dimensão
econômica (BOURDIEU, 1996; PIRES, 1996). Para Almeida Filho
(2008, p.177), por exemplo, “a educação universitária cultiva, porta e
transmite valores ideológicos, científicos, estéticos e culturais que não se
subordinam aos processos de estandardização típicos de bens e produtos
industriais.” Chaui (2003) vai além ao afirmar que a função da
universidade é a formação:
é introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido
antropológico do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação
com o ausente), é despertar alguém para as questões que esse
passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do
instituído ao instituinte. (...) há formação quando há obra de
pensamento e que há obra de pensamento quando o presente é
apreendido como aquilo que exige de nós o trabalho da
interrogação, da reflexão e da crítica, de tal maneira que nos
tornamos capazes de elevar ao plano do conceito o que foi
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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experimentado como questão, pergunta, problema, dificuldade
(CHAUI, 2003, p.12).
Quando se acrescenta a instituição mercado à discussão sobre o
papel da universidade, verifica-se que esta se encontra hoje em uma das
margens da dicotomia entre autonomia e produção de conhecimento como
bem público por um lado e as amarras e vinculações com o capital por
outro. Neste sentido, Santos (2008) relata que a universidade passou, na
década de 1990, por dois processos que ele considera faces da mesma
moeda: o desinvestimento do Estado na universidade pública e a
globalização mercantil da universidade, alterando profundamente o modo
como o bem público da universidade é produzido, transformando-o num
campo de valorização do capitalismo educacional. De acordo com o
autor, isso ocorre em dois níveis de “mercadorização”: o primeiro
induzindo a universidade pública à geração de receitas próprias,
notadamente por meio de relações com o capital, privatizando parte de
seus serviços; e o segundo, dissolvendo tendencialmente a distinção entre
universidade pública e privada:
(...) transformando a universidade, no seu conjunto, numa empresa,
uma entidade que não produz apenas para o mercado, mas que se
produz a si mesma como mercado, como mercado de gestão
universitária, de planos de estudo, de certificação, de formação de
docentes, de avaliação de docentes e estudantes (SANTOS, 2008,
p. 21).
Santos (2008) identifica ainda que a universidade tem sido exposta
a pressões contrapostas. Por um lado, a pressão da mercantilização do
conhecimento, das empresas consumidoras, utilizadoras e até mesmo
coprodutoras do conhecimento científico. Esta pressão, argumenta o
autor, visa reduzir a responsabilidade social da universidade à sua
capacidade para produzir conhecimento economicamente útil, isto é,
comercializável. Por outro lado, existe também uma pressão
hiperpublicista que busca a expansão do espaço restrito da universidade
em nome de um espaço público mais amplo e com concepções de
responsabilização social muito mais abrangentes. Esta contraposição tem
desestabilizado a institucionalidade da universidade, sua identidade social
e cultural, causando-lhe desorientação e traduzindo-se em paralisia
“disfarçada por uma atitude defensiva, resistente à mudança em nome da
autonomia universitária e da liberdade acadêmica” (SANTOS, 2008, p.
44).
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Chaui (2003) argumenta que os processos de incorporação da
visão liberal da educação na década de 1990 culminaram no entendimento
da universidade como organização (na concepção hegemônica do termo,
aspecto que será mais bem detalhado adiante) e que a visão
organizacional da universidade produziu a universidade operacional:
estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e,
portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos
objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente
alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada
em microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus
estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual (CHAUI,
2003, p.7).
A autora também ressalta que, quando reduzida a uma
organização, a universidade deixa em segundo plano a formação e a
pesquisa para privilegiar a competição, já que a maior parte de suas
pesquisas é determinada pelas exigências do mercado. “Isso significa que
a universidade pública produz um conhecimento destinado à apropriação
privada. Essa apropriação, aliás, é inseparável da mudança profunda
sofrida pelas ciências em sua relação com a prática.” (CHAUI, 2003, p.
8).
De acordo com Cullen (2008), o que se observa é que se está
utilizando a ideia de autonomia universitária como “carta branca” para
converter universidades e institutos universitários em empresas que
competem no mercado, com lógicas estranhas às da universidade e com
um gerenciamento cada vez mais distante dos controles naturais e
equilíbrios próprios dos sistemas de governo instaurados nas
universidades latino-americanas desde a reforma de Córdoba em 1918.
A pressão produtivista, consequência do mercado concorrencial ao
qual se submete a universidade, acaba, na visão de Santos (2008, p.25)
por desvirtuá-la, “até porque certos objetivos que lhe poderiam estar bem
mais próximos têm sido esvaziados de qualquer preocupação humanista
ou cultural.’’
Uma das formas que a apropriação privada do conhecimento
produzido pela universidade assume está muitas vezes vinculada ao tipo
de sujeito cuja formação ela dissemina, tendo em vista que, conforme
afirma Goergen (1998), com o aumento constante da competitividade, a
educação tem sido vista como uma forma de desenvolver competências
para o mundo do trabalho, o qual não implica espaço para reflexão. Neste
contexto, “a racionalidade e a lógica próprias do mundo da produção, do
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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mercado e da geração de lucros expande-se para as outras esferas da vida,
de modo que tudo começa a ser medido por tais parâmetros.”
(GOERGEN, 1998, p.9).
No entanto, paradoxalmente, em muitos casos, a universidade é
lenta demais para o ritmo do mundo empresarial que prefere optar pela
compra de pacotes tecnológicos prontos, que têm aplicações imediatas
(GOERGEN, 1998). No mesmo sentido, os empregadores argumentam
que o sistema educativo não forma os recursos humanos dos quais as
empresas necessitam atualmente. Para Cullen (2008), esta afirmação leva
à aceitação de que atores externos indiquem aos educadores o que eles
devem fazer e até como fazê-lo, com o sistema educativo desenvolvendo
um complexo de culpa, buscando cada vez mais responder a estas
demandas, desenhando currículos em conformidade com elas. Na visão
do autor, os sistemas universitários empenham-se em responder com
prontidão às demandas do mercado de trabalho com enfoques e currículos
sempre desatualizados, já que não é possível seguir o ritmo das mudanças
com a velocidade de adaptação dos espaços de produção.
Esta relação com o mercado de trabalho é pensada também por
Chaui (2003), para quem as novas formas assumidas pelo capital levam à
obsolescência cada vez mais rápida da mão de obra, abrindo espaço para
uma confusão entre educação e reciclagem. Esta última é entendida pela
autora como “aquisições de técnicas por meio de processos de
adestramento e treinamento para saber empregá-las de acordo com as
finalidades das empresas.” (CHAUI, 2003. p.11) Ou seja, conforme a
autora, é preciso distinguir o que a universidade deve fazer em termos de
educação, sendo a formação o seu papel primordial, e não a reciclagem.
Pires (1996) discorre no mesmo sentido, afirmando que a
universidade é guardiã por excelência da produção científica e cultural da
sociedade e, portanto, não pode ter o seu papel limitado apenas às regras
de adequação ao mercado, típicas de sua função econômica. Para o autor,
“a produção universitária não pode ser convertida à lógica do fetichismo
da mercadoria, na qual o produto do sistema universitário atende mais às
regras de simulação da produção global de mercadorias do que às
necessidades da sociedade.” (PIRES, 1996. p.3)
Além da inadequação na formação exigida pelo mercado, Goergen
(1998) alerta que a universidade despende um enorme esforço para
formar empregáveis que jamais serão empregados. Para o autor,
atualmente não se gera nem se cria empregos, apenas os empregos são
disputados e, assim, o emprego que a universidade ajuda alguém a
conquistar representa necessariamente o sacrifício de outro empregado.
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Por isso há que ter cuidado quando se imagina, nas condições
atuais, que a formação profissional é o pleno exercício da função
social da universidade. O auxílio é prestado àqueles que conseguem
vencer as barreiras de acesso dos famigerados exames de ingresso,
o que geralmente está reservado aos filhos já privilegiados da
sociedade. Estes então terão, ao final de sua formação, mais
condições de vencer a luta. Mas esta luta não é a luta por mais um
lugar de trabalho, mas pelo lugar de trabalho de outro (GOERGEN,
1998, p.8).
Pires (1996) mostra que para alguns defensores do ideário do
discurso neoliberal as universidades devem, entre outras coisas, estar
voltadas para o mercado e para a promoção do desenvolvimento de
inovações tecnológicas, direcionadas para o aprimoramento da
competitividade do sistema produtivo nacional. Sem desconsiderar a
validade destas afirmações, o autor argumenta que tais funções não são
suficientes para orientar e tornar consistente o verdadeiro papel que a
universidade deve cumprir na formação profissional, na resolução dos
problemas sociais e, finalmente, na promoção do desenvolvimento social,
Conforme salienta Goergen (1998, p.78), a popularidade de
conceitos como sociedade de conhecimento e de economia baseada no
conhecimento, em especial nos países centrais, revela a pressão que tem
sido exercida sobre a universidade “para produzir o conhecimento
necessário ao desenvolvimento tecnológico que torne possível os ganhos
de produtividade e de competitividade das empresas”, sendo a
universidade pressionada “para transformar o conhecimento e os seus
recursos humanos em produtos que devem ser explorados
comercialmente” (GOERGEN, 1998, p.78). Ao encontro deste
pensamento, Chaui (2003, p.8), complementa que a noção de sociedade
do conhecimento está plenamente alinhada às demandas de informação
advindas do mercado e, portanto, é regida por sua lógica, não sendo
“propícia nem favorável à ação política da sociedade civil e ao
desenvolvimento efetivo de informações e conhecimentos necessários à
vida social e cultural.” De acordo com a autora:
A noção de sociedade do conhecimento, longe de indicar uma
possibilidade de grande avanço e desenvolvimento autônomo das
universidades enquanto instituições sociais comprometidas com a
vida de suas sociedades e articuladas a poderes e direitos
democráticos, indica o contrário; isto é, tanto a heteronomia
universitária (quando a universidade produz conhecimentos
destinados ao aumento de informações para o capital financeiro,
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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submetendo-se às suas necessidades e à sua lógica) como a
irrelevância da atividade universitária (quando suas pesquisas são
autonomamente definidas ou quando procuram responder às
demandas sociais e políticas de suas sociedades) (CHAUI, 2003,
p.8).
Para Goergen (1998), o sentido social da universidade está sendo
abreviado e reduzido à função de prestar serviços e cooperar com
empresas. Sem negar que isto possa também ser socialmente relevante, o
autor acredita que o sentido social da universidade vai muito além disso.
Neste mesmo sentido, Chaui (2003) afirma também que é necessário
focar a universidade com base em sua autonomia e em sua expressão
social e política, com o cuidado de não torná-la acessório da ideia de
modernização que, no Brasil, está relacionada à submissão da sociedade e
das universidades a modelos e critérios que servem aos interesses do
capital, e não aos direitos dos cidadãos.
De acordo com Cullen (2008), a universidade não pode ser refém
do mercado de trabalho, ela deve formar profissionais para novos
trabalhos demandados pelos tempos atuais, e não apenas para servir ao
paradigma do eficientismo econômico. A formação universitária, na visão
do autor, deve se desenvolver focada na mudança tecnológica e não no
mercado de trabalho. O objetivo é transformar a sociedade, gerando
processos de melhora política e de compreensão das novas realidades
diante da globalização, induzindo processos de modificação destas
realidades que não são satisfatórias, principalmente para os países
periféricos, e coordenando esforços para dar resposta aos novos
problemas e desafios que embasam o desenvolvimento para a
sustentabilidade ética, humana e ambiental. Neste sentido, conforme o
autor:
la universidad debe plantearse la necesidad de formar
profesionales para que sean agentes vectores de cambios en los
estudios jurídicos y contables, en la gestión de los gobiernos y de
las empresas, en los consultorios, en los medios de comunicación,
en la generación de ONG, en las usinas intelectuales, en lãs artes,
en las PYME, en las fábricas y talleres, en las consultorías, en
la gestión de actividades recreativas y deportivas. Nuestros
profesionales están destinados a ser líderes sociales y hay que
formarlos para que sean fermento de modificación de lãs tendencias
que han generado un progreso que acrecienta las
desigualdades y La exclusión. Si no hay masa crítica de líderes
sociales formados en valores éticos y ciudadanos, solidarios,
con visión crítica y autonomía cultural para ejercer el poder de
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discriminar imposiciones injustas de los sectores más fuertes, no se
van a poder vencer las tendencias dominantes, porque es muy
grande la fortaleza de esos sectores (CULLEN, 2008, p. 4).
A universidade, afirma Goergen (1998), deve ir além de seus
deveres no campo da ciência e tecnologia, assumindo também a
responsabilidade pela emergência de um comprometimento com a
reconstrução de uma sociedade que seja capaz de reinventar uma cultura
mais humana. Para o autor, é preciso encontrar um novo equilíbrio entre a
formação técnico/profissional e a formação humanista/cultural, não
apenas abrindo espaços no currículo para a abordagem de temas
humanísticos ou de artes, mas de ampliar com todo o rigor o conceito de
formação acadêmica, o que implica uma revisão profunda da prática
acadêmica à qual estamos acostumados atualmente. Cullen (2008)
acrescenta que todo egresso deve ter as condições para desempenhar sua
profissão específica, mas também adquirir ferramentas para contribuir, ao
exercer seu trabalho, com a mudança da sociedade.
Neste processo, Goergen (1998) lembra que a legitimação e
responsabilização da universidade em relação a certos interesses e aos
grupos sociais que os sustentam pode significar sua deslegitimação e
desresponsabilização em relação a outros interesses e a outros grupos
sociais subalternos, populares. Portanto, é preciso que “a universidade
possa desenvolver espaços de intervenção que, de algum modo,
equilibrem os interesses múltiplos e mesmo contraditórios que circulam
na sociedade e que, com maior ou menor poder de convocação,
interpelam a universidade.” (GOERGEN, 1998. p.79) Santos (2008, p.82)
argumenta na mesma direção, afirmando que “a responsabilidade social
da universidade tem de ser assumida pela universidade, aceitando ser
permeável às demandas sociais, sobretudo àquelas oriundas de grupos
sociais que não têm poder para as impor.”
A reflexão de Severino (2002, p.10) põe ainda em questão o
aspecto ético intrínseco ao processo educacional. Para ele, “construir o
futuro implica investir na educação, na perspectiva de uma política
educacional intrinsecamente voltada para os interesses humanos da
sociedade, visando à superação intencional e planejada de suas forças de
exclusão social.’’
Partindo destas reflexões, a questão que segue é onde se situa o
curso de Administração na formação de profissionais e também de
indivíduos que sejam capazes de começar a se interrogar, como afirma
Enriquez (2006). Para o autor, “é necessário que haja pessoas que possam
ajudá-los a analisar o que estão fazendo, a fim de que possam pensar
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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novos projetos, construir novas instituições, (...) e, talvez, um dia, formar
um novo paradigma social e humano” (ENRIQUEZ, 2006. p.11)
O ADMINISTRADOR, A SOCIEDADE E A FORMAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
A definição de administrador dada pelo dicionário é aquele “Que
administra. Concernente ou pertencente à administração pública ou
particular. O que tem a seu cargo a administração pública total ou parcial.
O que dirige ou superintende estabelecimento público ou particular.”
(MICHAELIS on line, 2010) Este “estabelecimento” público ou particular
ao qual se refere a definição trata-se de uma organização social. A palavra
organização, por sua vez, pode designar uma série de diferentes espaços
sociais: empresas, corporações, associação, clubes, escolas, hospitais,
organizações de base comunitária, cooperativas, sindicatos, ONG´s,
partidos políticos entre tantas outras. O próprio dicionário mostra diversas
possibilidades de aplicação do termo: empresa, indústria, conjunto de leis,
organização não governamental, organização social (MICHAELIS on
line, 2010).
No entanto, esta múltipla interpretação da palavra organização não
é assim tão clara ou frequente no campo dos estudos organizacionais ou
mesmo da administração; comumente, ela está associada à ideia de
empresa. Para Solé (2004), a primeira utilização do termo organização
como sinônimo de empresa aparece no artigo “The nature of the firm”,
escrito em 1937, por Ronald Coase. A partir dos anos de 1950 esta
linguagem se impõe nos Estados Unidos e, por mimetismo, em toda a
parte. Conforme percebe Böhm (2006), há uma noção hegemômica do
termo, segundo a qual organização está restrita ao conjunto de entidades
formais e instituições onde a organização social parece sempre formada,
pré-determinada e dada.
De acordo com esta noção, afirma Böhm (2006, p.5):
“organização diz respeito à administração e manutenção de um mundo
técnico, ordenado, caracterizado por divisões claras do trabalho,
profissionalismo, burocracia e corpos racionais que podem ser situados,
medidos e representados”. Neste sentido, Costa e Carrion (2009, p.73)
afirmam que “sob o abrigo da ciência normal os modelos de
desenvolvimento se fortaleceram como modelos únicos de organização
social, econômica, política e cultural, pretendendo-se assim hegemônicos
e totalitários”. Para Parker (2002 apud CLEGG, 1998, p.4):
Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária
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As organizações, enquanto tipo ideal de burocracia, constituem uma
representação modernista de práticas modernistas arquetípicas,
esboçando ‘’um único conjunto de tendências empíricas,
consideradas irresistíveis e inevitáveis, as quais constituíam a
famosa racionalização do mundo, cujo sucesso seria atribuído à
burocracia enquanto mecanismo principal da sua conquista.’’
Neste contexto, o debate de grande parte da teoria organizacional,
a qual busca desenvolver conhecimentos sobre as práticas de gestão
correntes, está fundamentalmente centrado em diferentes modelos de
“como organizar organizações formais de forma mais eficiente e eficaz”
(BÖHM, 2006. p.6).
Outro aspecto importante é destacado por Ramos (1989), para
quem a teoria administrativa, ao fazer considerações acríticas sobre a
natureza humana, acaba por entendê-la sob as perspectivas operacional e
reativa. Para Ramos (1989, p.2), na perspectiva operacional a
Administração vê o homem como um “recurso organizacional a ser
maximizado em termos de produto físico mensurável.” Já sob a ótica
reativa, o homem é visto pela administração como uma variável
interdependente dentro do sistema empresarial, havendo, portanto a
necessidade de reforçar nele aqueles comportamentos que apoiem a
racionalidade específica da empresa, ajustando o indivíduo ao contexto de
trabalho.
Misoczki e Vecchio (2006) constatam que a maioria dos
personagens do campo da administração sequer aceita pensar na
possibilidade de existência de arranjos organizacionais e políticos
diferentes dos atuais, devido, principalmente, à aceitação acrítica de
discursos e recomendações que compõem a tradição teórica dos estudos
organizacionais. Neste sentido, Tenório (1998) afirma que grande parte da
pesquisa social empírica realizada no campo da gestão organizacional está
ligada ao pragmatismo e ao sucesso do mercado.
A sociedade não é constituída por um único tipo de sistema social,
tampouco se caracteriza pela homogeneidade. Pelo contrário, caracteriza-
se por uma diversidade de instituições e espaços, formas e arranjos
organizacionais que permeiam a atividade humana, havendo muitas
formas de organizar a vida social diferentes das baseadas e ditadas pelo
tipo de livre mercado que reina em grande parte do mundo (SCHREVEN;
SPOELSTRA; SVENSSON, 2008). Costa e Carrion (2009) afirmam que
a mesma pluralidade de comportamentos econômicos que se verifica na
sociedade deveria estar refletida nos estudos organizacionais, de forma a
permitir o diálogo, a negociação e a troca entre diferentes saberes e
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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disciplinas, voltados para diferentes modos de pensar e construir o
mundo.
As características da gestão dos empreendimentos da economia
solidária ou autogestionários, por exemplo, são diferentes daquelas da
gestão empresarial, incluindo, entre outros, aspectos como administração
participativa, tomada de decisão coletiva, mecanismos de controle
definidos pelos membros, assembleia como instância maior de tomada de
decisão (ANDION, 2005; BALBINOT E PEREIRA, 2009; MISOCZKI,
2008). No entanto, para Misoczki (2008, p.1), “o tema da autogestão e da
auto-organização tem sido consistentemente marginal(izado) no campo
dos estudos organizacionais”. Ao encontro da afirmação da autora,
Balbinot e Pereira (2009) argumentam que as particularidades da gestão
de empreendimentos da economia solidária não são consideradas na
maioria dos trabalhos sobre estas organizações, desconsiderando suas
características específicas, analisando-as por meio de uma abordagem
funcionalista, baseada nos mesmos instrumentos utilizados no estudo das
organizações empresariais.
Constatando-se que a sociedade é plural e que assim o são também
as alternativas de organização humana, quer em nome de objetivos
econômicos, quer em nome de objetivos políticos e sociais, afirma-se que
a formação do administrador deveria refletir esta pluralidade,
capacitando-o para atuar nos diferentes espaços, cuja organização é
necessária, é necessário, com base em um conjunto de conhecimentos
que abrangesse as diferentes formas organizacionais, não apenas no
sentido modernista do termo.
No Brasil, no entanto, a legislação que define os campos de
atuação do administrador estabelece que a atividade profissional de
administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante o
desempenho de uma série de atividades técnicas relacionadas ao
“exercício de funções e cargos de Administrador do Serviço Público
Federal, Estadual, Municipal, Autárquico, Sociedades de Economia
Mista, empresas estatais, paraestatais e privadas” (CONSELHO
FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2010).
Ao que se pode perceber, tal definição é circunscrita à definição
dominante de organização. Apesar de ser um pouco mais abrangente,
incluindo o espaço da administração pública, sequer se menciona a
atuação em organizações como terceiro setor, economia solidária,
autogestão, cooperativas, organizações da sociedade civil. Para que se
compreendam as particularidades da formação dos administradores no
Brasil, é necessária uma breve explicação sobre as origens e a
Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária
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contextualização histórica e suas influências no ensino de administração
no país.
De acordo com Covre (1981), o processo de desenvolvimento dos
cursos de administração no Brasil está diretamente relacionado à política
e à ideologia desenvolvimentistas, aplicadas inicialmente por Getúlio
Vargas na década de 1930 e, posteriormente, por Juscelino Kubtischeck
na década de 1950. Vargas apresentava um modelo desenvolvimentista de
caráter nacionalista e principalmente “autônomo”, enquanto Kubtischeck
apresentava uma política de desenvolvimento “associado”, caracterizado
pela abertura econômica de caráter internacionalista (COVRE, 1981).
Covre (1981), também aponta que esta política adotada por esses
presidentes, estava diretamente relacionada à formação de uma burocracia
nos países periféricos, assim como a sua vinculação à técnica como
solução aos problemas sócio-econômico-políticos:
O processo de “modernização” que se instaura nestes países
pressupõe que haja uma solução universal e objetiva para os
problemas dos mesmos e, em nome de uma racionalidade
ahistórica e apolítica, propõe-se resolver problemas mais profundos,
que são de origem histórica e política.” (COVRE, 1981, p. 58).
Este modelo de desenvolvimento baseado na grande empresa,
equipada com tecnologia complexa, acaba requerendo maior
burocratização e, consequentemente, demandando mão de obra
especializada, principalmente de nível superior, com competências de
análise, controle e planejamento das atividades empresariais, donde surge
a necessidade de capacitação na área de administração (SERVA, 1990;
COVRE, 1981). Interessante notar que a própria fundação das bases do
curso de Administração no Brasil já apresentava vínculos estreitos com as
necessidades do mercado e os interesses do capital privado.
Outro fator importante na formação dos primeiros (e por muito
tempo, principais) cursos de administração brasileiros, foi a atuação direta
da burguesia nacional e entidades internacionais. Estas classes, segundo
Covre (1981), não se organizam apenas para fins empresariais, mas
defendem seus interesses corporativos por meio de órgãos como:
Federação das Indústrias, associações comerciais e câmaras de comércio.
É dentro deste contexto histórico que, em 1954, é criada a EAESP,
a escola de administração de empresas da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), localizada em São Paulo, seio empresarial brasileiro, sendo assim,
o local mais favorável para a implantação da escola, em termos do
favorecimento dos interesses empresariais. (SERVA, 1990). Para iniciar
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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as suas atividades, a FGV firma convênio com o governo americano, que
se comprometeria a enviar professores e especialistas em administração
de empresas, principalmente da universidade de Michigan. E, em
contrapartida, a FGV enviaria docentes para pós-graduação nos EUA
(SERVA, 1990; CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO).
Serva (1990) também aponta que outro importante impulso para o
desenvolvimento dos cursos de administração no Brasil foi o novo
acordo, firmado com os EUA, em março de 1959, cujo principal objetivo
era a criação de novos cursos de administração, tendo como suporte para
tal o apoio dos EUA na assistência técnica para elaboração de currículos,
métodos e técnicas de ensino, instalação de bibliotecas e formação de
professores:
A formação de professores foi um aspecto de grande relevância. A
assistência técnica era prestada diretamente por professores
americanos que também participavam na seleção de candidatos
oriundos de áreas correlatas como direito, economia, contabilidade,
engenharia, etc. Após selecionados, esses profissionais eram
enviados aos EUA na categoria de bolsistas, onde realizavam
cursos de mestrado em administração...aqueles destinados à
docência em administração de empresas foram conduzidos à
Universidade de Michigan, sendo que alguns destes receberam
treinamento em Harvard (SERVA, 1990, p. 11).
Estas missões universitárias perduraram na EAESP até 1965,
deixando evidente a influência do ensino de Administração norte-
americano no futuro do ensino de administração brasileiro.
No entanto, é no marco do movimento de 1964, com a
concretização do projeto de desenvolvimento capitalista “associado”,
ensaiado no governo de JK, que o administrador começa a ganhar espaço,
e o desenvolvimento e crescimento dos cursos de administração
expandem-se, pois com a política internacionalizante adotada pelos
militares, as grandes empresas que aportaram no Brasil acabaram
impondo sua visão e interesse. Para reforçar este fato, logo após o
movimento de 1964, é regulamentada a profissão de administrador, pela
lei nº 4760, de 8 de Setembro de 1965, a qual dispõe sobre o exercício do
técnico em administração (SERVA, 1990).
Os cursos de administração no Brasil têm uma história muito
curta, principalmente se comparados aos cursos estadunidenses, os quais
foram inaugurados no final do século XIX, com a criação da Wharton
School, em 1881. Em 1952, ano em que se iniciava o ensino de
administração no Brasil, os EUA já formavam em torno de 50 mil
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bacharéis, quatro mil mestres e cem doutores por ano em Administração
(CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO, 2010)
Considerando as influências na história da instalação dos cursos de
Administração no Brasil, Serva (1990) reflete a respeito dos campos nos
quais o administrador é requisitado a oferecer seus conhecimentos,
tomando por base a classificação de Guerreiro Ramos sobre os sistemas
produtivos brasileiros que indicam possíveis espaços de atuação do
administrador. Para Ramos (1989 apud SERVA, 1990. p.12), estes
sistemas produtivos seriam os seguintes:
I) Sistema Oligopolizado: Composto por empresas que se dedicam
à produção de bens e/ou prestação de serviço de alta sofisticação
tecnológica e mercadológica. Estas empresas dominam amplamente
o mercado em que atuam e são essencialmente cosmopolitas, pois
estão funcionalmente articuladas (quando não subordinadas) a
empresas e instituições que operam nos centros mais
desenvolvidos;
II) Sistema de Produção de Relativa Competitividade: Composto
por empresas que atuam em ambientes competitivos, aproximando-
as dos modelos clássicos de economia de mercado.
Predominantemente (embora não exclusivamente), é representado
por médias e pequenas empresas.
III) Sistema Fronteiriço: composto por organizações que se
encontram em uma das duas situações extremas: ou adquirem certas
características que as aproximam dos oligopólios, ou, ao contrário,
estão sendo excluídas do mercado por força de fatores tecnológicos
e mercadológicos.
IV) Sistema Quase formal de microprodução: onde certos aspectos
da lógica inerente à teoria do mercado se aplicam, embora de forma
flexível, instável e episódica. O artesão, o profissional liberal, o
intermediário de negócios, etc. são exemplos desta categoria.
V) Sistemas Conviviais e Comunitários de Produção: incluem as
associações de pequenos grupos para a produção de bens e serviços.
É o caso, por exemplo, da comunidade social que organiza
pequenas creches, da prestação de serviços comunitários, de certos
tipos de cooperativas da pequena agricultura de hortigranjeiros, etc;
Guerreiro Ramos (1989) também inclui no VI sistema produtivo,
todo o aparelho estatal em todas suas esferas (federal, estadual e
municipal).
Serva (1990) complementa a análise, indicando que o ator que
teria condições de transformar e, consequentemente, criar novos sistemas
produtivos, seria o empreendedor, principalmente destacando o seu papel
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
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nos sistemas produtivos de relativa competitividade, como quase formal
de microprodução e conviviais comunitários.
No entanto, mesmo diante da pluralidade de possibilidades de
atuação, Serva (1990) constata que o suporte teórico oferecido pelas
escolas de administração se destina quase que exclusivamente ao sistema
oligopolizado de produção, mesmo que apenas 10% das unidades
empresariais brasileiras estivessem contidas neste sistema. Este fato faz
com que se aprofunde a distância entre teoria e prática quando observado
o aporte teórico oferecido em face aos demais sistemas produtivos.
Acrescenta-se a isso o fato de que as práticas gerenciais, ideologias,
técnicas e paradigmas adequados ao sistema oligopolizado de produção,
em sua maioria, não podem ser transferidas aos demais sistemas.
Para Serva (1990), isto acaba por gerar a impressão de que o que
se aprende na prática cotidiana do trabalho é o que realmente será útil e
válido para o desenvolvimento profissional, e não o ensino na
universidade que, devido à defasagem e inabilidade de oferecer respostas
às complexidades impostas à realidade do profissional de administração, é
interpretado como “apenas o caminho para o alcance do bacharelado
ritual formalístico institucionalmente exigido para o acesso ao campo
profissional.” (SERVA, 1990, p.15).
Mesmo enfocando apenas um sistema na formação profissional, o
curso de administração, em geral, ainda apresenta deficiências, as quais
são apontadas pelo próprio mercado. Neste sentido, Tachizawa, Cruz
Junior, e Rocha (2001) fazem alguns apontamentos acerca do ensino de
administração com base na pesquisa desenvolvida em 1999 pelo Conselho
Federal de Administração. De acordo com os autores, os resultados
demonstraram que o ensino de Administração no país “é teórico, não é
prático, não proporciona visão geral da organização empresarial, há um
aprendizado de matérias inúteis e currículos não adaptados.”
(TACHIZAWA; CRUZ JUNIOR; ROCHA, 2001, p.23).
Neste contexto, Serva (1990) afirma que o suporte teórico que os
estudantes de administração recebem nas universidades brasileiras é
inadequado face às complexidades e à abrangência do seu campo de
atuação. Um olhar atento às referências utilizadas pelos cursos de
Administração no Brasil permite constatar a tendência a uma visão
simplificadora e harmoniosa da realidade, levando Maranhão e Motta
(2007) a concluírem que a educação não é neutra e que o discurso
presente na mídia de massa e nas principais fontes de pesquisa utilizadas
pelos alunos dos cursos de administração é persuasivo, tentando
convencer o leitor de uma determinada visão das organizações e do
universo no qual estão inseridas.
Universidade, sociedade e formação do administrador: Uma reflexão necessária
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 671-696 • Out/Nov/Dez 2011 689
O uso da literatura pop management também é um aspecto
ilustrativo desta problemática. Paes de Paula e Wood Jr (2002) mostram
que textos de autoajuda são adaptados ao contexto corporativo e são
fortemente presentes neste tipo de literatura, assumindo caráter
eminentemente prescritivo, além de atuar de forma integrada,
similarmente ao que ocorre com os contos infantis sobre as crianças,
podendo afetar o desenvolvimento da identidade dos indivíduos. Estudos
como o de Carvalho, J. Carvalho e Bezerra (2010) evidenciam que os
estudantes de administração são relativamente incapazes de fazer
distinção entre livros pop management, livros esotéricos e aqueles de
autoajuda, alertando para a gravidade da utilização deste tipo de
referencial nos cursos de administração.
Nos livros considerados didáticos, também se percebem
dificuldades em uma contextualização mais ampla na formação do
administrador. Em sua análise, Morais (2007) demonstra que os manuais
de administração apresentam um conjunto de doutrinas que tratam de
forma metodológica e ideológica profundamente idêntica os diferentes
temas abordados nas teorias em organizações. A história do pensamento
administrativo é tratada com base em uma visão evolucionista, sem a
preocupação em se estabelecer qualquer tipo de relação entre as ideias
apresentadas e a doutrina histórica sobre a administração e o contexto
mais amplo no qual se insere.
A ênfase na dimensão econômica em detrimento das dimensões
cultural e organizacional dos conteúdos e a ética restrita ao mundo do
trabalho e dos negócios são também características dos cursos de
administração (ARAÚJO; CORREIA, 2001; SOUZA; CARVALHO;
XAVIER, 2003). Ituassu e Fontanelle (2009) denunciam o ensino em
administração como uma educação escrava de interesses gerenciais,
reforçando a necessidade de se discutirem alternativas para colocá-la a
serviço do homem.
A limitação dos cursos de administração ao ensino das
perspectivas gerencialistas encontra respaldo nas ideias apresentadas
inicialmente neste texto, como a de empresarização do mundo, discutidas
por Solé (2004) e também de visão dominante do que deve ser organizado
como prática exclusivamente empresarial (PARKER, 2002; BOHM,
2006; MISOCZKY; VECCHIO, 2006). Neste contexto, parece não haver
interesse político e social para formar um administrador dentro de uma
perspectiva crítica, na medida em que ele é formado como sujeito
operacional, implicando a introjeção, na sua formação, dos fundamentos
de uma ideologia gerencialista. Tal ideologia tem por pressuposto a noção
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
690 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011
de que a ação de compreender significa medir, ela transmuta a economia
em matemáticas, analisa a organização sob uma ótica funcionalista, faz
predominar a discussão dos meios sobre as finalidades, considera a
pesquisa e o conhecimento válidos apenas na medida em que levam a
soluções operacionais e entende o ser humano como um fator da empresa
(GOULEJAC, 2007). As bases paradigmáticas destes fundamentos
impedem um aprofundamento crítico e reflexivo, politicamente situado,
do papel do administrador em seu contexto social.
É oportuno enfatizar também que, embora haja discussões em
torno do surgimento de novas formas organizacionais, as quais estariam
demandando novas posturas por parte dos administradores, estas formas
continuam reféns de uma racionalidade instrumental (DELLAGNELO;
MACHADO-DA-SILVA, 2000), reforçam e sofisticam os mecanismos de
controle sobre os indivíduos (SILVA, 2003), mantendo os princípios
fundantes da burocracia, inaugurando, assim, a chamada “burocracia
flexível” (PAES DE PAULA, 2002). Diante deste cenário, surgem muitos
questionamentos acerca do processo de formação do administrador no
Brasil. Os autores compartilham a visão de Paes de Paula e Rodrigues
(2006), Maranhão e Motta (2007), Maranhão e Paes de Paula (2008)
como possível de vislumbrar um projeto político pedagógico para o curso
de Administração que, mesmo com limitações no sentido de abranger o
objetivo da emancipação humana, possa ao menos ser mais esclarecido,
menos limitado, a fim de que, com base em uma consciência crítica
historicamente situada, o processo de aprendizagem se concretize em todo
seu potencial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho mostra a reflexão a respeito da responsabilidade da
universidade como formadora de indivíduos atuantes na sociedade, de
acordo com as suas necessidades em sentido amplo, extrapolando sua
relação com o mercado, segundo a qual a universidade seria fonte de
capacitação para o mercado de trabalho. Muito, além disso, argumenta-se
que é preciso que a universidade se configure como um espaço que
viabilize e estimule a emancipação humana, baseado em uma visão crítica
da história, da realidade e da possibilidade de construção de futuros
alternativos, numa verdadeira sociologia das emergências, como propõe
Santos (2002) e não linearmente concebidos como inevitáveis.
Diante das transformações que vêm ocorrendo no contexto
universitário, como a pressão pela mercantilização do conhecimento
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(SANTOS, 2008), a incorporação da visão liberal (CHAUI, 2003), a
pretensa autonomia universitária (CULLEN, 2008), a apropriação da
racionalidade própria do mercado (GOERGEN, 1998) e a formação que
objetiva a produção (PIRES, 1996), o papel da universidade na sociedade
precisa ser refletido, discutido e repensado, no sentido de definir de forma
mais clara a função que se espera dela, em especial da universidade
pública, em um contexto político, econômico e social como o dos países
periféricos, marcado pelo desenvolvimento dependente e pelas inúmeras
desigualdades sociais.
O curso de Administração enfrenta, neste sentido, o desafio de
definir autonomia e identidade em um contexto no qual a universidade
encontra-se vinculada fortemente às demandas do mercado e à formação
de pessoas para servir aos objetivos do capital privado. Para isso, será
preciso reconhecer que existem diferentes espaços constituídos por
diferentes organizações e que organizar não é uma prática circunscrita à
noção dominante daquela que atua no mercado com predominância da
racionalidade instrumental e objetivo de lucro econômico. Nestes
diferentes espaços, há diferentes necessidades com relação ao papel
desempenhado pelo administrador, o que requer que este desenvolva
posturas diversas para atuar nas várias formas de organização social
presentes em nossa sociedade.
O enfoque curricular e a literatura predominantemente utilizada
nos estudos organizacionais e nos cursos de Administração aparecem
como fontes reprodutoras da lógica dominante, dando ênfase ao caráter
utilitário e à razão instrumental, esvaziando a concepção de possibilidades
alternativas a este modelo. Importa refletir que o fato de existir uma
concepção hegemônica de organização não significa que não existam
outras possibilidades que precisam, primeiramente, ser reconhecidas pelos
estudos organizacionais e, baseadas neles, estudadas e analisadas nas
escolas de Administração que pretendam cumprir seu papel de formação
de sujeitos atuantes na transformação da sociedade.
O exercício de reflexão proposto por este artigo sugere ampliar as
pesquisas no sentido de compreender os caminhos que vêm trilhando a
formação do administrador no Brasil, no intuito de, ao desenvolver uma
sociologia das ausências (SANTOS, 2002), identificar as práticas que se
distanciam do modelo dominante, construindo uma sociologia das
emergências (SANTOS, 2002), a qual enuncie possibilidades que tenham
como horizonte práticas alternativas mais coerentes com as necessidades
da sociedade, considerando diferentes espaços e diferentes momentos
históricos.
Rebeca de M. Ribeiro de Barcellos, Eloise H. do Livramento Dellagnelo e Gabriel Portela Saliés
692 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011
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696 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.671-696 • Out/Nov/Dez 2011
DADOS DOS AUTORES
REBECA DE MORAES RIBEIRO DE BARCELLOS ([email protected])
Mestre em Administração pela ESAG/UDESC
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis/SC – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Novas formas organizacionais;
organização da resistência; produção cultural independente e teoria
política do discurso.
ELOISE HELENA DO LIVRAMENTO DELLAGNELO ([email protected])
Doutora em Engenharia de Produção pela UFSC
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis/SC – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Novas formas organizacionais; novas
práticas de organização; resistência; Ongs; Análise Crítica do Discurso e
Pesquisa em Administração.
GABRIEL PORTELA SALIÉS ([email protected])
Graduando em Administração pela UFSC
Instituição de vinculação: Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis/SC – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Ensino em Administração; produção
cultural independente e música independente.
Recebido em: 24/08/2011 • Aprovado em: 18/11/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 697
QUEM ENSINA UM PROFESSOR A SER ORIENTADOR? PROPOSTA DE UM
MODELO DE ORIENTAÇÃO DE MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES
WHO TEACHES A TEACHER TO BE AN ADVISOR? PROPOSING A MODEL OF
GUIDANCE FOR MONOGRAPHS, DISSERTATIONS AND THESES
SÔNIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS ([email protected])
FACULDADE BOA VIAGEM
ROBERTO PATRUS
YANA TORRES DE MAGALHÃES
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
RESUMO
Este artigo apresenta uma proposta metodológica de orientação de
trabalhos monográficos. Constitui-se na descrição de um modelo de
orientação que vem sendo utilizado pelos autores com êxito. A função de
orientar trabalhos acadêmicos não costuma ser objeto de aprendizagem na
formação dos professores. Aprende-se na prática. Para os alunos, escrever
a monografia é desgastante. Tendo em vista essa lacuna, o texto oferece
ao meio acadêmico uma alternativa de orientação de trabalhos
acadêmicos, por meio de uma planilha didática. Espera-se assim,
minimizar a lacuna presente na literatura, que aponta a ausência de
parâmetros de orientação.
Palavras-chave: orientação de trabalhos acadêmicos; formação do
professor; ensino em Administração.
Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães
698 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
ABSTRACT
This paper presents a methodological proposal for offering guidance in
the field of academic works. It comprises a description of a template that
has been successfully used by the authors. Generally, providing guidance
for academic works is not included in the curriculum for teaching
courses. Teachers learn how to give guidance on the job. Writing
monographs represents difficult work for the majority of students and,
due to this gap, this paper offers teachers an alternative methodology for
providing guidance through the use of a didactic worksheet. It is hoped
that this will help fill the gap present in the literature, which points to an
absence of guidance parameters.
Keywords: academic guidance; educating teachers; teaching in Business
Administration.
INTRODUÇÃO
Tenho um casal de amigos que há uns dez anos preparam suas teses. Cada
um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:
- Não vou mais estudar! Não vou mais à escola.
Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses.
- O quê? Pirou?
- Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na
vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A
gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a
tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero
estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês
acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?
Mario Prata
(O Estado de S. Paulo, 07/10/1998).
Não é raro que, entre os colegas, um aluno de mestrado ou
doutorado se refira ao seu orientador como o seu desorientador. O
sofrimento do aluno no processo de elaboração de sua monografia,
dissertação ou tese é testemunhado por todos aqueles que estão presentes
no meio acadêmico.
A crônica de Mario Prata, de onde foi retirada a epígrafe deste
artigo, é vivida por muitos doutorandos. Freitas (2001; 2002) apresenta
um “guia de sobrevivência” para superar as “aventuras e desventuras”
desta tarefa acadêmica. Sternberg (1981) também usa o verbo sobreviver
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 699
(survive) para se referir à dificuldade de conclusão de uma tese de
doutorado. De fato, a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso
por um graduando, de uma monografia por um pós-graduando lato sensu,
de uma dissertação por um mestrando e de uma tese por um doutorando é
uma das fases mais difíceis para os alunos (LEITE FILHO; MARTINS,
2006).
Uma das causas para a dificuldade deste processo é o despreparo
do professor orientador (CASTRO, 1979; MARTINS, 1997; ECO, 1998;
BIANCHETTI; MACHADO, 2002; BERNT, 2003; MOSES, 1984;
RUDD; 1984; LUNA, 1983; CARVALHO, 1994; REIS, 2009;
PICCININ, 2003; WARDE. 1997; HAGUETTE, 1994; COSTA, 2004;
SANTOS FILHO; CARVALHO, 1991). A dificuldade de acesso ao
orientador também é atribuída como problema para a orientação dos
alunos e, consequentemente, para a realização da defesa da dissertação ou
tese (FRAME; ALLEN, 2002). Bianchetti e Machado (2009; p.52)
constataram por meio de pesquisa o fato de que “não há, formalmente, um
curso ou disciplina para formar orientadores”. É como se o fato de ter
sido orientado o tornasse apto a orientar e ensinar habilidades de pesquisa
e redação de relatórios, teses e dissertações (SANTOS FILHO;
CARVALHO, 1991; MARTINS, 1997; KNIGTH; ZUBER-SKERRITT,
1986). Estratégias de orientação coletivas são inclusive apontadas como
espaço privilegiado para este tipo de aprendizagem, (MACHADO;
BIANCHETTI, 2006), mas de maneira informal.
As metas da pós-graduação brasileira até meados da década de
1990 focavam a formação de professores para o ensino superior. O foco
atual da pós-graduação stricto sensu é a formação do pesquisador
(BIANCHETTI; MACHADO, 2009; p.59). A política de avaliação da
Capes para o ensino superior, ao associar avaliação e financiamento,
incentiva o incremento da competitividade na pós-graduação e uma
expansão sem precedentes da produtividade, com grande pressão por
publicação, de preferência em canais de alto impacto (SGUISSARDI,
2006; BAÍA HORTA, 2006; BIANCHETTI; MACHADO, 2009).
Uma dissertação ou tese não deve dar trabalho ao avaliador, além
daquele que a sua criteriosa avaliação exige. Dada a intensificação cada
vez maior do trabalho docente (FIDALGO; OLIVEIRA; FIDALGO,
2009), não é inteligente da parte do candidato a mestre ou a doutor tomar
o tempo do avaliador em questões de forma ou de estrutura. Em tese, a
estrela do trabalho deve ser o conteúdo, não a forma. De acordo com
Feofiloff (2010), toda vez que desrespeita uma regra de gramática, usa
uma palavra inadequada ou atropela uma convenção tipográfica, o autor
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700 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
“atrai a atenção do leitor para a forma”. Toda vez que arranha a forma, o
autor “impede que o leitor concentre sua atenção sobre o conteúdo”. Por
isso, e só por isso, uma boa forma é tão importante. Quanto melhor a
forma, mais ela é transparente e imperceptível, da mesma forma que um
bom juiz de futebol é aquele que não se faz perceber durante a partida.
Quanto melhor a forma, mais fácil é concentrar a atenção sobre o
conteúdo. A forma é secundária em um texto; o importante é o conteúdo.
Mas uma forma defeituosa distrai a atenção que deveria estar concentrada
no conteúdo. Feofiloff (2010) ilustra suas ideias com a seguinte história:
Antonio oferece um copo de leite a José:
— Você vai gostar desse leite, José. Fresquinho. Direto da fazenda do
meu avô.
— Mas esse copo está sujo…
— Pare de prestar atenção no copo, Zé! O leite é excelente!
— Mas o copo está sujo por dentro…
— Eu sei que está sujo. Mas o copo não importa. Eu estou falando do
leite!
Quem dos dois está certo? Antonio cometeu o erro de desviar a atenção
do José do leite para o copo. Se tivesse usado um copo limpo, o José nem notaria
que o leite estava dentro de um copo.
Há uma relação inextrincável entre forma e conteúdo. Entretanto,
é possível se valer dessas categorias, de modo independente, para fins de
análise. Para fins deste artigo, é importante perceber que um texto pode
ser avaliado sob a forma e sob o conteúdo, separadamente. Em um texto
científico, a forma deve ser válida e o conteúdo deve ser verdadeiro. Mas
ambos podem ser analisados separadamente. É claro que o conteúdo deve
ser verdadeiro, mas aqui o que mais interessa são os cuidados formais que
se deve ter com o texto.
A motivação para a redação desse artigo reside na constatação de
uma lacuna na formação de nossos mestres e doutores, reféns, na maioria
das vezes, das suas bem ou mal sucedidas experiências como orientandos.
Não há um ensino formal aos futuros orientadores acerca do processo de
orientação de alunos para elaboração de trabalhos monográficos. Os
orientadores se tornam orientadores na prática. Nosso objetivo é
compartilhar uma experiência que vem obtendo êxito no processo de
orientação de trabalhos acadêmicos, nos níveis de mestrado e doutorado.
Trata-se de uma proposta de método de orientação, cuja origem remete à
experiência acumulada na vida universitária de uma das autoras deste
trabalho. Depois de se aposentar em uma universidade federal, o trabalho
de orientação de alunos de um mestrado profissional em uma instituição
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 701
privada instigou-a a colocar no papel a essência do que ela sempre disse a
seus orientandos: a dissertação deve estar “amarrada”, cada capítulo
costurado por um fio condutor que amarre o texto e dê a ele organicidade,
clareza e uma estrutura visível que facilite a vida do leitor. Atualmente,
essa autora participa, com os coautores deste artigo, de um projeto que
visa à formação de professores de Administração na rede formada pelas
respectivas instituições de pós-graduação participantes. Um dos focos da
formação almejada é a preparação de melhores orientadores. Cursos e
seminários com este tema têm sido realizados com alunos dos programas
e com os professores da graduação das instituições parceiras do projeto,
financiado pela Capes.
Procura-se, assim, com este artigo, oferecer uma alternativa de
orientação de trabalhos acadêmicos, por meio de parâmetros claros sobre
as características que o trabalho a ser executado pelo aluno deve ter.
Espera-se assim, minimizar a lacuna apontada por Sanches (1992), que
afirma que a ausência de parâmetros de orientação é um dos fatores que
afetam os prazos para a conclusão de dissertações.
Com este propósito, o texto se divide em seis partes, incluindo
essa introdução. A seção a seguir faz um breve posicionamento teórico
acerca da proposição de um método que para alguns teóricos da Didática
pode ser considerado cartesiano. Em seguida, apresenta-se a planilha e se
detalha o seu uso como ferramenta para a elaboração do trabalho de
monografia, dissertação ou tese. Finalmente, conclui-se o artigo e
apresentam-se as referências.
POSICIONAMENTO TEÓRICO
Todos sabem que o conhecimento do professor não é condição suficiente
para que ele seja um bom orientador, embora seja condição necessária. A
capacidade de orientar a pesquisa do aluno e a sua escrita é também
fundamental. Conhecimento de metodologia científica não implica
necessariamente competência para orientar alunos. O saber orientar está
associado a uma competência didática do professor orientador, que exige,
inclusive, capacidade de relacionamento com o aluno orientando.
Entretanto, a ideia de que didática é saber ensinar a fazer a dissertação ou
tese não é consenso entre os educadores que estudam este campo da
pedagogia. A Didática em suas origens foi identificada com uma
perspectiva normativa e prescritiva de métodos e técnicas de ensinar, mas
a história da Didática já contestou a sua universalidade. Em épocas do
predomínio dos saberes pedagógicos, a Didática preconizou o valor do
Sônia Maria Rodrigues Calado Dias, Roberto Patrus e Yana Torres de Magalhães
702 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
relacionamento entre o professor/orientador e os alunos como
determinante do sucesso da aprendizagem/orientação, constituindo-se,
assim, em uma psicopedagogia. Quando as técnicas de ensinar passaram a
ser o foco da didática, ela se idealizou como uma tecnologia. A
contestação do tecnicismo e a convicção de que as técnicas serviam a
interesses ideológicos de uma classe dominante converteram a didática
em uma sociologia, que passou a se preocupar com as concepções de
educação, suas finalidades e seus usos (PIMENTA; ANASTASIOU,
2008).
Por detrás destas diferentes perspectivas de se ver a didática,
observa-se uma polaridade nas lógicas subjacentes de raciocínio acerca da
educação, cujo debate se fez histórico (ANDRÉ, 1992; ANDRÉ;
CANDAU, 1984; CANDAU, 1991; CANDAU; LELLIS, 1983;
LIBÂNEO, 1983; MARTINS, 1989; OLIVEIRA, 1988; SILVA, 1983;
SOARES, 1985). De um lado, há uma razão instrumental, preocupada em
adaptar os meios ao fim particular a que visa, que “tem compromisso com
o saber-fazer instrumental e o resultado prático [...] para o qual contam
prioritariamente a gestão, a planificação, a eficácia, o sucesso.”
(SGUISSARDI, 2006, p. 52). Essa lógica, fortemente associada às
organizações capitalistas é identificada com a lógica do capital. De outro
lado, há uma razão substantiva, que se caracteriza por estar comprometida
com os fins coletivamente reconhecidos e os valores que os sustentam.
Ao contrário da preocupação com o controle e a regulação, essa lógica
promove a reflexão e o questionamento, ou seja, a produção de sentidos
(SGUISSARDI, 2006). Pensar na didática como uma técnica parece, à luz
da razão substantiva, conceber a educação como um produto, uma
semimercadoria, própria dos modelos de gestão do sistema capitalista.
Pensar em didática apenas como reflexão sobre a prática docente, por
outro lado, parece, à luz da razão instrumental, um procedimento pouco
eficaz para formar professores que, na sua prática, precisarão organizar o
seu fazer docente, preparar as suas aulas, elaborar as provas e avaliações,
escrever seus planos de ensino, e promover o clima de aprendizagem em
sala.
A perspectiva teórica que embasa a iniciativa dos autores deste
artigo e do grupo de pesquisa ao qual pertencem considera que é falsa a
dicotomia entre as perspectivas instrumental e substantiva. Essa
polaridade acompanha as ciências humanas desde sua origem, vacilando
entre a concretização e a abstração, sob diferentes formas, seja
empirismo/racionalismo, seja funcionalismo/estruturalismo, seja
realismo/ idealismo. No âmbito da Didática, há, de um lado, a valorização
dos meios e estratégias de aprendizagem. De outro lado, como antítese, a
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 703
crítica à aparente neutralidade dessa posição apontou a sua dimensão
política. Urge a elaboração de uma síntese que concilie a importância da
competência didática do professor com a compreensão da Didática
engajada no contexto sócio-histórico-cultural. Considera-se, assim, que
não se pode pensar em Didática sem levar em conta as concepções de
educação e seus fins, assim como parece algo reducionista, desprezar a
importância do preparo técnico do professor para lidar com o cotidiano da
escola. Considerar o processo educacional não implica o desprezo pelos
resultados e a sua avaliação.
Enfim, o grupo de pesquisa está empenhado em posicionar-se
teoricamente, a fim de estabelecer os parâmetros epistemológicos de suas
investigações, atividades e projetos. Postula-se a necessidade de
articulação dialética entre a razão instrumental e a razão substantiva,
presentes na história da Didática, a fim de reconhecer a importância de
ambas em favor da melhor formação dos professores de ensino superior.
Defende-se a ideia de que a denúncia da aparente neutralidade da técnica
não deve significar o abandono do seu uso. Com base nesse
posicionamento teórico, dedica-se este artigo à proposta de estruturação
do processo de orientação de monografias, dissertações e teses, um dos
temas contemplados pelo projeto de pesquisa em andamento. A proposta
apresenta-se por meio de uma planilha, cujas células devem ser
elaboradas pelo aluno orientando. É o que será visto a seguir.
A PLANILHA
Um projeto de pesquisa na área de Administração é composto,
fundamentalmente, de Introdução (I), Fundamentação Teórica (II) e
Metodologia (III). A dissertação ou tese é complementada com a Análise
dos Dados (IV) e as Conclusões (V). No modelo aqui apresentado, a
Introdução (I) é composta dos seguintes itens: contextualização (a),
pergunta de pesquisa (b), objetivo geral (c), objetivos específicos (d),
justificativas práticas (e) e justificativas teóricas (f). A fundamentação
teórica (II) deve realizar a revisão da literatura (g) e apontar as questões
norteadoras e/ ou as hipóteses de pesquisa (h). A metodologia (III) deve
fazer um delineamento da pesquisa (i), apontar a população e a amostra
(j), indicar a instrumentação das variáveis (k), caracterizar a coleta de
dados [instrumento utilizado (l) e processo de coleta (m)], indicar os
métodos de análise (n) e os limites e limitações da pesquisa (o). A Análise
dos Dados (IV) deve apresentá-los (p), analisá-los (q) e discutir os
achados (r).
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As Conclusões (s) devem se reportar aos objetivos específicos e
fazer as sugestões, tanto em termos de recomendações práticas - ação(t) -
como em termos de novas pesquisas (u). As partes finais da dissertação
ou tese são as referências (v), os apêndices (w) e os anexos (x).
A forma de cada um desses itens será tratada, tendo em vista os
seguintes usos do modelo:
- servir de guia para a orientação de alunos na graduação, no Mestrado e
no Doutorado;
- servir de guia para elaboração do projeto de pesquisa e do trabalho
monográfico (trabalho de conclusão de curso, dissertação ou tese);
- servir de guia para a redação do trabalho ou artigo científico.
A planilha que é a base desta proposta está apresentada na Figura 1.
Figura 1: Estrutura básica para orientação de teses e dissertações
PROJETO
I INTRODUÇÃO
Contextualização
(a)
Pergunta de
Pesquisa
(b)
Objetivo
Geral
(c)
Objetivos
Específicos
(d)
Justificativas
Práticas
(e)
Justificativas
Teóricas
(f)
1
d1 e1
2 d2 e2
3 d3 e3
4 d4 e4
n d5 e5
II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Revisão da literatura (g) Questões Norteadoras e/ou Hipóteses (h)
III METODOLOGIA
Delineamento
da Pesquisa
(i)
População
e Amostra
(j)
Instrumentação
das
Variáveis (k)
Coleta de Dados Métodos de
Análise (n)
Limites e
Limitações
(o) Instrumento
(l)
Processo
(m)
DEFESA DO PROJETO
COLETA DOS DADOS
COMPLEMENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
IV ANÁLISE E DISCUSSÃO V CONCLUSÕES E SUGESTÕES
Apresentação
dos Dados (p)
Análise
dos Dados (q)
Discussão
dos
Achados (r)
Conclusões
(s)
Sugestões
Ação
(t)
Pesquisa
(u)
1
2
3
4
n
Pergunta de Pesquisa / Objetivo Geral (y)
Referências (v) Apêndices (w) e Anexos (x)
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 705
Introdução
A introdução deve abordar, inicialmente, a contextualização da pesquisa,
que prepara a colocação da pergunta de pesquisa. Da pergunta de
pesquisa, decorre o seu objetivo geral, que contempla os objetivos
específicos, fios condutores da redação. Cada objetivo específico deve ter
justificativa teórica e prática.
Na contextualização, o seu propósito é conduzir o leitor à
compreensão e à aceitação da Pergunta de Pesquisa, a “rainha” da
Introdução. A contextualização não é um subtítulo, mas apenas a
descrição de uma parte que necessariamente a Introdução deve conter.
Toda pesquisa está inserida em um contexto. Apresentar esse contexto é
fundamental para que o problema de pesquisa se apresente como o
resultado de uma reflexão realizada pela literatura, pelo autor e pela
realidade a ser investigada. Não é raro que as introduções de projetos e
dissertações falem do cenário de globalização e do ambiente de forte
competitividade. Descrições do contexto quando muito genéricas pouco
contribuem para situar a pesquisa para o leitor. O importante é, baseado
do geral para o particular, posicionar o leitor diante do contexto da
pesquisa. De onde surgiu a pergunta da pesquisa? Como ela foi
desenvolvida? Do ponto de vista acadêmico, uma contextualização da
pesquisa deve indicar de onde ela nasce, em que linha de pesquisa ela se
insere e qual a sua relação com outras pesquisas já desenvolvidas.
Metaforicamente, o contexto é a apresentação da floresta na qual se insere
uma árvore especial: a pergunta de pesquisa. A redação dessa parte da
Introdução deve, portanto, descrever a floresta (contexto) para chegar à
pergunta de pesquisa (a árvore principal).
A pergunta de pesquisa é a questão maior do estudo em questão.
Deve conter clara e objetivamente: as variáveis do estudo, a relação entre
elas que se pretende investigar ou testar e a delimitação da população.
Perguntas que podem ser respondidas com Sim ou Não devem ser
evitadas. Exemplos de perguntas de pesquisa, de duas dissertações, são
dadas abaixo:
A- Como se processam as relações de mentoria dentro da empresa
familiar Ferreira Costa?
B- Qual a relação entre certificação em conformidade com a norma
OHSAS 18001 com as taxas de acidentes de trabalho em empresas que
possuem unidades no Brasil?
A pergunta de pesquisa e o objetivo geral têm uma íntima relação
entre si. A pergunta de pesquisa dá origem ao objetivo geral, que deve ser
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706 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
redigido com as mesmas palavras da pergunta de pesquisa, porém de
forma afirmativa. Deve-se ter especial atenção aos verbos utilizados, tanto
no problema de pesquisa quando no objetivo geral. Os objetivos gerais
abaixo indicados correspondem aos exemplos de pergunta de pesquisa:
A- Analisar como se processam as relações de mentoria dentro da
empresa familiar Ferreira Costa.
B- Analisar a relação entre certificação em conformidade com a norma
OHSAS 18001 com as taxas de acidentes de trabalho em empresas que
possuem unidades no Brasil.
Os objetivos específicos são fundamentais para uma apresentação
formalmente correta de um projeto, de uma dissertação ou de uma tese.
Eles podem ser considerados, metaforicamente, uma dobradiça, pontos
cardeais, cujas bases originam os outros tópicos que darão organicidade e
coerência ao texto. A correta elaboração dos objetivos de pesquisa e a sua
articulação com as outras seções da Introdução, com a Metodologia, com
a Análise dos Dados e com a Conclusão permitirá uma adequada
avaliação da forma do texto, condição básica para que o leitor não se
distraia do conteúdo em questão. No caso da defesa de uma dissertação de
mestrado ou de uma tese de Doutorado, é importante não dar trabalho aos
avaliadores. A banca examinadora não quer ter trabalho com a forma de
um texto. O convite aos examinadores é como a oferta de um copo de
leite. Se o examinador se preocupar com o copo em que o leite for
servido, ele vai desviar a atenção do conteúdo.
Na planilha, os objetivos específicos desenham as linhas
horizontais da tabela, que vão garantir a organização formal do texto. Os
objetivos específicos devem estar contidos no objetivo geral, isto é, eles
não devem abordar nada que não esteja abordado, direta ou indiretamente,
no objetivo geral. Como eles são passos estratégicos para que o objetivo
geral seja alcançado, este deve contemplar todos os objetivos específicos,
mesmo que indiretamente.
Abaixo, apresentamos os objetivos estratégicos de uma
dissertação de mestrado, que corresponde ao exemplo B:
d1- Mapear as empresas certificadas em conformidade com a norma
OHSAS 18001;
d2- Identificar as empresas certificadas em conformidade com a norma
OHSAS 18001 que disponibilizam, publicamente, dados sobre as taxas de
acidentes do trabalho antes e depois da certificação;
d3- Localizar e comparar a forma de divulgação das taxas de acidentes
do trabalho das empresas que disponibilizam os dados antes e depois da
certificação;
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 707
d4- Comparar as taxas de acidentes de trabalho das empresas que
disponibilizam os dados antes e depois da certificação.
Pode-se sugerir uma forma para a redação dos objetivos, que, de
um modo ou de outro deve estar presente na redação de um projeto de
pesquisa.
1º §: Introdução: o que vai falar a seção (objetivos).
2º §: O objetivo geral
3º §: Objetivo específico 1
Para alcançar este objetivo, alguns passos estratégicos são
necessários. Em primeiro lugar, é preciso (objetivo específico 1).
4º §: Objetivo específico 2
Em segundo lugar.... (objetivo específico 2).
5º §: Último objetivo
Finalmente, (último objetivo).
6º §: Conclusão (Enfim, pretende-se com esta pesquisa....).
Para cada objetivo específico, o autor deve explicitar a sua
justificativa teórica e prática. A justificativa teórica aponta a lacuna
presente na literatura sobre o tema. É neste espaço que o autor procura
demonstrar a contribuição que a sua pesquisa oferece ao campo teórico,
no sentido no minimizar a lacuna presente, seja em relação ao tema, à
abordagem, à forma de tratamento dos dados, etc. As justificativas
práticas indicam a relevância da pesquisa para os stakeholders no
trabalho, isto é, para os públicos que podem se favorecer do conteúdo e
das descobertas realizadas pela investigação. Para a elaboração da seção
justificativa, a forma pode ser a seguinte:
1º §: Introdução: o que vai falar a seção (justificativa teórica e prática).
A pesquisa sobre (tema) tem justificativa teóricas e práticas. Do
ponto de vista teórico.... Do ponto de vista prático....
2º §: O (objetivo específico 1) justifica-se na medida em que (justificativa
teórica). Na prática...
3º §: O (objetivo específico 2) justifica-se na medida em que (justificativa
teórica). Na prática...
4º §: O (objetivo específico 3) justifica-se na medida em que (justificativa
teórica). Na prática...
5º §: Conclusão (Enfim....)
A apresentação de um conteúdo deve, pois, obedecer a uma forma
que facilite a sua compreensão. Do ponto de vista formal, pode-se
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prescindir dos conteúdos de uma seção, representando-os por meio dos
símbolos abaixo, que pode ser chamada de fórmula de texto.
Título: A
§: A: a, b, c.
§: a
§: b
§: c
§: A*
Observando a fórmula de texto apresentada, verifica-se que, logo
após o título da seção, os conteúdos nela tratados devem ser apresentados
na introdução. Em seguida, cada um dos conteúdos deve ser objeto de um
ou mais parágrafos para que, em seguida, seja feita a conclusão dos
tópicos discutidos. Eventualmente, como um subitem pode exigir um
desenvolvimento maior, aparecerá:
Título: A
§: A: a, b, c.
§: a: a1, a2, a3, a4
§: a1
§: a2
§: a3
§: a4
§: a*
§: b
§: c
§: A*
Aqui, pode-se abrir parênteses para dizer que uma dissertação
estruturada com base na planilha proposta organiza a elaboração de
artigos científicos para publicação em revistas especializadas. A linha de
corte deve ser o objetivo específico. Em tese, é possível elaborar um
artigo para cada objetivo específico ou par de objetivos específicos,
conforme o caso. Por isso é importante que haja justificativa teórica para
cada um dos objetivos específicos. Para ter um artigo aprovado em um
periódico de forte impacto no meio científico e acadêmico, o artigo deve
deixar claro a sua contribuição para a literatura ou para o estado da arte
do conhecimento da área. Em outras palavras, o artigo deve rever a
literatura e apontar a lacuna presente na mesma, que o seu trabalho
pretende minimizar. Daí duas constatações podem ser deduzidas: para
escrever uma justificativa, já é preciso ter lido muito sobre o assunto. Não
existe output se não houver input. Não existe redação de texto científico
(output), sem muita leitura (input). Sem esse preparo, é impossível
Quem ensina um professor a ser orientador?
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identificar uma lacuna que o artigo ou a pesquisa possa de alguma forma
ajudar a suprir.
Fundamentação teórica
As seções do capítulo da Fundamentação Teórica contemplam as ideias e
achados na literatura que conduzem a cada uma das questões norteadoras
ou hipóteses. Nessa parte, o trabalho do orientador diz respeito à escrita,
ou seja, à forma de o aluno organizar as ideias, com clareza. A elaboração
da fundamentação teórica exige leitura prévia e organização da leitura
prévia. Só existe output se houver input, ou seja, o aluno só vai ser capaz
de produzir um texto se tiver lido e organizado o conteúdo da sua leitura.
Para a elaboração do referencial teórico, será apresentado um
roteiro formal, cujos símbolos devem ser substituídos por palavras-chave.
Essas palavras-chave são descobertas com base na leitura, pois ninguém
consegue elaborar um roteiro sobre um tema sem conhecer o tema do qual
pretende falar ou escrever. Baseadas no momento em que um primeiro
roteiro é criado, as leituras passam a ter foco, isto é, o leitor sabe o que
deve retirar de cada texto. Isso é útil, porque indica o que não deve ser
lido, ou seja, que partes de um artigo ou livro são dispensáveis tendo-se
em mente o objetivo da leitura.
Tome-se o exemplo de um pesquisador da área de Ética nos
Negócios. Ele tem lido sobre o assunto e pretende escrever o referencial
teórico de uma pesquisa, baseado em um modelo que integra a ética da
convicção, a ética da responsabilidade e a ética da virtude. Grosso modo,
o seu roteiro prévio poderia sugerir a seguinte organização:
Título da seção: Um modelo de Ética nos Negócios (EN).
Introdução: O modelo de EN e seus três componentes: a ética da
convicção, a ética da responsabilidade e a ética da virtude.
A ética da convicção: definição, fundamentos filosóficos (teorias
deontológicas), aplicação na empresa (código de ética empresarial).
A ética da responsabilidade: definição, fundamentos filosóficos (teorias
teleológicas), aplicação na empresa (stakeholders afetados pela atuação
da empresa, sustentabilidade, planejamento estratégico).
A ética da virtude: definição, fundamentos filosóficos (teoria da virtude),
aplicação na empresa (comportamento organizacional, do indivíduo, do
grupo, da empresa; cultura organizacional; processos administrativos e
tecnológicos como a materialização do valor em práticas cotidianas).
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Conclusão
As expressões que estão entre parêntesis vão sendo acrescidas na medida
em que o volume de leitura aumenta. Outras expressões podem ser
retiradas. Mas as expressões em negrito, que são constitutivas do modelo,
são essenciais. O indivíduo que pretende escrever o seu texto deve ter em
mente as expressões essenciais e, em seguida, ir acrescentando os temas
que compõem cada um destes eixos temáticos. É desse modo que o
conteúdo vai substituindo os símbolos da forma (fórmula) de um texto.
Mais uma vez, vale a pena salientar que um projeto ou uma
monografia só se materializa depois de muita leitura e estudo. Organizar
essa leitura é, portanto, fundamental. Uma vez apresentadas as ideias
gerais sobre forma e conteúdo e sua aplicação na estrutura de um texto,
abrem-se parêntesis para tratar de um método de leitura que pode ser útil
para a elaboração do referencial teórico de projeto, de uma dissertação de
mestrado ou de uma tese de doutorado.
O processo de redação de um texto científico, seja um artigo, seja
um projeto de pesquisa, seja uma monografia, seja uma dissertação, está
intrinsecamente ligado às leituras de textos científicos. Só é possível a
elaboração de um texto quando baseado na organização de ideias. Essas
ideias, mesmo que tenham origem na inspiração do autor, precisam ser
fundamentadas pelo pensamento de outros autores. Daí a impossibilidade
de separar redação e leitura.
A leitura é fundamental no processo de aprendizagem acadêmica.
Professores de pós-graduação costumam exigir dos alunos resenhas dos
textos de leitura obrigatória. De qualquer forma, o registro da leitura é um
procedimento de estudo muito interessante para quem trabalha com
pesquisa. A sua grande vantagem é permitir encontrar um pensamento,
uma definição, uma passagem de um texto sem maiores dificuldades. Não
é raro um aluno dizer que leu uma determinada passagem em um texto,
mas já não se recorda em qual. O registro de leitura será chamado de
fichamento. Serão abordados dois tipos de fichamento: a ficha-resumo e a
ficha temática.
O fichamento-resumo
O fichamento-resumo é o registro dos principais pensamentos de um
artigo, capítulo ou livro. É uma espécie de resumo do texto. Deve indicar,
em primeiro lugar, a sua referência bibliográfica. Para a sua correta
elaboração, recomenda-se o site: http://www.rexlab.ufsc.br:8080/more/.
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 711
Trata-se de um Mecanismo On Line para Referências, denominado
MORE.
Mas, como selecionar o que deve ser resumido em um texto? A
resposta não é tão simples. Depende do objetivo do leitor. Quando um
aluno não sabe para quê está lendo um texto, ele resume tudo. É
inevitável que os primeiros fichamentos sejam mais completos e
abrangentes. Mas à medida que o aluno vai elaborando o roteiro do texto
que pretende redigir, ele vai priorizando determinadas passagens e sendo
mais breve em outras. Esse processo exige amadurecimento do
pesquisador. Como sugestão, recomenda-se fazer uma primeira leitura de
todo o texto ou parte dele. Na segunda leitura, recomenda-se dar um título
(palavra-chave) para cada parágrafo ou seção do texto e, também,
sublinhar as passagens consideradas mais importantes e que representam
a palavra-chave escolhida. São essas passagens que vão compor o
fichamento-resumo. Elas devem ser acompanhadas de aspas quando
transcritas literalmente e seguidas do número da página entre parêntesis.
Quando o leitor escreve a passagem com as suas próprias palavras, ele
não deve usar as aspas, mas convém continuar indicando a página de onde
ele retirou as ideias.
A cópia dessas passagens deve ser antecedida da palavra-chave
que ela representa. Em consultas futuras, o pesquisador poderá passar
rapidamente pelo resumo, conferindo apenas as palavras-chave.
O fichamento temático
Depois de ter feito fichamentos-resumo de vários textos, é possível
organizá-los de acordo com as palavras-chave, montando novos arquivos.
Cada novo arquivo terá o nome de uma palavra-chave e recolherá
contribuições de diferentes referências bibliográficas. Neste caso, o
trabalho do pesquisador é de copiar e colar, a fim de reunir todas as
contribuições de diferentes autores sobre o mesmo tema. Ao fim de cada
passagem copiada no fichamento temático, recomenda-se colocar entre
parêntesis o autor, o ano da obra e a página, de acordo com as normas
acadêmicas utilizadas para citações.
Cada tema de pesquisa contemplará palavras-chave diferentes e
específicas, mas há pelo menos duas delas que devem estar presentes em
todos os tipos de pesquisa: a definição dos termos presentes no problema
de pesquisa e a justificativa (teórica e prática) para a sua realização.
O processo de definição dos termos é fundamental para que a
comunicação entre os autores seja profícua. Existem muitos conceitos
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712 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
polissêmicos, que têm significados diferentes e orientação teórica diversa.
Conceituar os termos é fundamental. Em cada texto lido, deve-se buscar a
definição do(s) construto(s)-chave presente(s) no tema da pesquisa. A
ficha temática sobre o conceito reunirá todas as definições encontradas e
será o material de base e apoio para a construção do texto da seção que
definirá o conceito.
Na maior parte dos artigos científicos, é comum o autor
demonstrar a importância da sua pesquisa ou a contribuição e relevância
do seu texto. O leitor ativo deve estar atento a essas justificativas, para
sublinhá-las nos textos lidos e indicar a palavra-chave “justificativa” na
parte do texto em que aparecem. Ao reunir as passagens de diversos
artigos sob este título, o pesquisador construirá a ficha-resumo
denominada Justificativa. Ela servirá de base teórica para a elaboração da
justificativa da sua pesquisa ou ensaio teórico.
À medida que os fichamentos-resumo e temáticos vão se
avolumando, já é possível construir um roteiro do referencial teórico. O
roteiro é a organização prévia do texto. O roteiro preliminar vai sendo
modificado à medida que as leituras vão sendo feitas e os fichamentos
vão sendo realizados. O roteiro deve ser elaborado a fim de orientar o
processo de redação do texto. Mas ele também tem outro papel: ele
orienta a leitura. Um roteiro bem feito, elaborado com o auxílio do
orientador, pode indicar que partes de um texto não precisam ser
resumidas ou, até, sequer lidas. A dificuldade de elaborar o roteiro pode
indicar a necessidade de novas leituras. Novas leituras podem contribuir
para a reformulação do roteiro.
Uma boa ideia para economizar o tempo do orientador e do seu
orientando é exigir, antes que o aluno escreva um texto, que ele elabore o
esquema do texto que pretende escrever.
A elaboração do roteiro deve seguir os procedimentos indicados
quando da apresentação da fórmula de texto, feita anteriormente. A
orientação de estudo pode ser resumida nos seguintes itens:
a) fazer a leitura geral do texto;
b) fazer o fichamento-resumo (do texto), indicando as palavras-chave e
copiando as partes do texto que as representam. Coloque a referência
bibliográfica no início do fichamento e as páginas do texto copiado. Se
copiado literalmente, coloque aspas. Se houver mudança em relação ao
texto original, não coloque aspas;
c) fazer o fichamento temático, reunindo todas as passagens sob uma
mesma palavra-chave;
d) construir o roteiro do seu texto;
Quem ensina um professor a ser orientador?
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 713
e) elaborar o texto, valendo-se das contribuições dos autores citados nos
fichamentos temáticos. Lembre-se que a introdução e a conclusão de uma
seção do texto devem ser redigidas por último.
Metodologia
A metodologia se ocupa do “como” a pesquisa será realizada. Na seção de
“Delineamento da Pesquisa”, o objetivo é explicar e justificar as escolhas
de paradigma e de método, em função da Pergunta de Pesquisa.
População e amostra devem ser indicadas, de acordo com os
procedimentos de metodologia científica que não cabem aqui detalhar. A
instrumentação das variáveis diz respeito a como será medida a questão
norteadora, ou seja, quais as questões de um questionário ou de um
roteiro de entrevista que operacionalizarão a questão norteadora da
pesquisa. Nessa seção, deve ser dito se a medida já foi validada e se foi
feito algum pré-teste.
Na seção sobre o instrumento, deve(m) ser definido(s) e
descrito(s) o(s) instrumento(s) de coleta dos dados referentes a cada
questão norteadora. Como exemplos, podem ser citados o questionário
(seções, escalas etc.), a entrevista (roteiro), ou documentos (código de
ética, jornais etc).
Na seção sobre o processo, deve-se descrever como serão
coletados os dados referentes à questão norteadora. Essa parte é
importante e deve ser detalhada para antecipar as dificuldades
encontradas (no caso de um projeto de pesquisa) ou para descrevê-las, no
caso de uma dissertação ou tese. Os métodos de análise dizem respeito a
como serão analisados os dados referentes à questão norteadora, isto é, a
forma de tratamento dos dados, como análise de conteúdo, estatística
descritiva, análise fatorial, etc.
Ainda na seção da Metodologia, sugere-se que sejam apontados os
limites e as limitações. Os limites são decisões metodológicas que
requerem justificativas. As limitações são acontecimentos não
programados que requerem esforço de minimização. Essa sugestão parte
do princípio de que as conclusões do trabalho é o lugar em que o novo
mestre ou novo doutor deve brilhar. Mas não há impedimento para que
elas sejam apontadas nas considerações finais, como de costume.
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714 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p.697-721 • Out/Nov/Dez 2011
Análise e discussão dos dados
A apresentação dos dados deve ser feita conforme prometido na
metodologia. Cada uma de suas seções deve responder a um objetivo
específico. Tomando como exemplo a pesquisa B, apresentada
anteriormente, descrevem-se abaixo as seções do capítulo da Análise dos
Dados:
- Mapeando as empresas certificadas em conformidade com a norma
OHSAS 18001
- Identificando as empresas certificadas em conformidade com a norma
OHSAS 18001 que disponibilizam publicamente dados sobre as taxas de
acidentes do trabalho antes e depois da certificação
- Localizando e comparando a forma de divulgação das taxas de acidentes
do trabalho das empresas que disponibilizam os dados antes e depois da
certificação
- Comparando os valores das taxas de acidentes do trabalho das empresas
que disponibilizam os dados antes e depois da certificação
Na discussão dos dados, devem ser feitas as conexões com a
fundamentação teórica. Após a discussão de cada questão norteadora, é
fundamental resgatar a pergunta de pesquisa. Essa parte do trabalho é
muito importante. É quando o(a) autor(a) brilha e mostra que tem a
competência de um pesquisador.
Conclusões e sugestões
O capítulo da conclusão constitui o ponto de chegada e apresenta a
resposta ao problema de pesquisa definido na introdução. Recomenda-se
que a conclusão seja redigida com base em uma ou duas frases lapidares
da discussão dos achados. É fundamentado nessas frases que o autor deve
organizar a sua redação. Por ser o final da pesquisa, a conclusão deverá
frisar o alcance dos objetivos específicos e do objetivo geral e a
adequação (ou não) dos procedimentos metodológicos.
Além de apresentar e discutir a resposta do problema de pesquisa,
o autor deve apresentar, na conclusão, sugestões de ação e sugestões de
novas pesquisas. As sugestões de ação devem ter conexão com as
justificativas práticas do capítulo I. As sugestões de pesquisa devem ter
conexão com as justificativas teóricas.
A conclusão é, portanto, uma síntese marcante dos principais
argumentos que se encontram dispersos pelo trabalho, com ênfase nos
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resultados obtidos com a finalização da pesquisa. Caso o trabalho não seja
conclusivo, recomenda-se denominar o capítulo de Considerações Finais.
Referências, apêndices e anexos
As referências bibliográficas e de internet devem ser indicadas em ordem
alfabética de acordo com as normas técnicas, mas somente aquelas citadas
ao longo do texto. Os apêndices são materiais construídos pelo autor,
como, por exemplo, um roteiro de pesquisa. Os anexos são materiais
produzidos por outras pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho busca oferecer uma estratégia de orientação de
trabalhos monográficos que materializa a tão desejada organização de
uma monografia, dissertação ou tese. Para a produção de artigos, a
seleção de células da planilha, no sentido horizontal facilita o trabalho.
Um artigo pode ter como objeto apenas um objetivo específico da
monografia. O uso da planilha exigirá a articulação de todas as partes do
artigo com o objetivo específico escolhido.
Pretende-se com este artigo, contribuir para minimizar a lacuna
presente na literatura e na prática acadêmica acerca da didática da
orientação de trabalhos monográficos. Costumam, professores e
pesquisadores, aprender com a prática. Sem dúvida, a experiência tem
sido a grande mestra de professores e orientadores. Quando essa
experiência pode ser transmitida, renova-se a esperança de que o
aprendizado possa ser mais rápido, mais efetivo e sem o sofrimento
decorrente de experiências negativas. A resposta para o título deste artigo
- quem ensina um professor a ser orientador? – tem sido, pois, a prática.
Manuais de metodologia ensinam como uma monografia deve ser, mas
não ensinam como o professor deve orientar o aluno para que ela tenha a
coerência interna e articulação requisitadas por um trabalho científico. Ao
apresentar um artigo dessa natureza, espera-se que os colegas da
comunidade acadêmica contribuam com sugestões, experiências e
críticas. Outros modelos são possíveis. Pensar a respeito da orientação e
da didática é função urgente da academia.
No lugar de um copo sujo que desvia a atenção que a pessoa devia
ter para o leite que está dentro dele, propõe-se outra história, em que a
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forma não macule o conteúdo, mas, ao contrário, valorize o conteúdo.
Assim:
Pierre oferece uma taça de vinho a Catherine
- Você vai gostar deste vinho, Catherine.
- Um brinde!
- Saúde!
Depois do tim-tim, Catherine exclamou:
- Hum, me pareceu muito bom!
- É de uma safra especial!
- E essa taça ajuda a valorizar o vinho.
- É um cristal muito antigo, herdado dos meus avós.
Moral da história: a forma é secundária, o conteúdo é que é
importante. Mas quando a forma é adequada, ela valoriza o conteúdo.
Assim, considera-se que é necessário universalizar os critérios de
orientação utilizados pelos professores, a fim de minimizar o tempo e o
sofrimento de alunos de graduação, mestrado e doutorado. Os autores
concordam com Castro (2006) quando afirma que a inexperiência do
orientando na escrita seja fonte de cansaço e frustração para o orientador.
É possível minimizar esse desgaste.
A título de conclusão, apresentam-se abaixo dez recomendações
para o orientando, seja de graduação, mestrado, seja de doutorado:
1- Não dê trabalho ao seu orientador. Evite que ele desvie o tema da
leitura do conteúdo do texto para detalhes da forma. Ele não conseguirá
degustar um bom vinho se uma sujeira no copo distrair a sua atenção.
2- Apontar no seu trabalho a lacuna teórica e a lacuna prática para as
quais o seu trabalho pretende ser útil. O referencial teórico deve deixar
claro o estado da arte da literatura e a lacuna teórica para a qual seu
trabalho pretende trazer luz.
3- O problema de pesquisa é a forma interrogativa do mesmo texto do
objetivo geral.
4- Os objetivos específicos do trabalho devem estar contidos no objetivo
geral. Lembre-se que nenhum objetivo específico deve extrapolar o que o
objetivo geral circunscreve.
5- Evitar o apud. Mesmo quando usá-lo, não se esqueça de indicar a
referência bibliográfica da obra que foi citada pelo autor lido.
6- Os quadros, tabelas, figuras devem ser citados no decorrer do texto, o
mais próximo possível de onde estão inscritos. Isso economiza o tempo
do leitor.
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7- Todas as referências bibliográficas citadas no texto devem constar da
seção de Referências. Todas as referências bibliográficas presentes nas
Referências devem estar citadas no texto.
8- Observar o uso de adjetivos, advérbios e adjetivos. Eles podem revelar
de forma não intencional o ponto de vista do pesquisador. Redobrar a
atenção caso a unidade a ser investigada seja o seu local de trabalho.
9- Ao reler o seu projeto, observar se o título do trabalho está coerente
com as seções do referencial teórico (conceitos-chave) e os dados da
unidade pesquisada.
10- Reler o seu trabalho e procurardar um título para cada parágrafo.
Confira se existe articulação entre os parágrafos e, também, entre os
capítulos. Verificar se a conclusão responde a pergunta de pesquisa.
Tais recomendações são ouvidas repetidamente dos examinadores
em bancas de dissertação e tese. E costumam constar dos pareceres na
avaliação de artigos para congressos e periódicos. Reunidas nesse artigo,
elas podem facilitar o trabalho de orientação de alunos e permitir ao
professor, ao avaliar um trabalho, que ele se ocupe e se preocupe apenas
com o conteúdo sem que a forma o distraia dessa tarefa.
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Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 697-721 • Out/Nov/Dez 2011 721
* O presente trabalho foi beneficiário de auxílio financeiro da CAPES, por meio do
Edital Pró-Administração.
DADOS DOS AUTORES
SÔNIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS ([email protected])
Doutora em Comportamento Organizacional pela Georgia State
University
Instituição de vinculação: Faculdade Boa Viagem
Recife/PE – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Ensino e Pesquisa em Administração e
Mentoria.
ROBERTO PATRUS ([email protected])
Doutor em Filosofia/Administração pela Universidad Complutense de
Madrid com validação na UFRGS
Instituição de vinculação: Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais/PPGA
Belo Horizonte/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Ensino e Pesquisa em Administração –
Ética nos Negócios.
YANA TORRES DE MAGALHÃES ([email protected])
Doutoranda em Administração pela PUC Minas
Instituição de vinculação atual: Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Belo Horizonte/MG – Brasil
Áreas de interesse em pesquisa: Formação de professores; Gestão de
Pessoas e Relações de Trabalho.
Recebido em: 26/08/2010 • Aprovado em: 26/11/2011
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n. 4 • p. 723-726 • Out/Nov/Dez 2011 723
POLÍTICA EDITORIAL
FOCO
A revista Administração: Ensino e Pesquisa é uma publicação que busca
difundir o estado da arte do ensino e da pesquisa em Administração,
oportunizando a apresentação em forma de artigos, teorias, modelos,
pesquisas e retrospectivas que abordem o processo de ensino-
aprendizagem e intensifiquem o aprendizado dos alunos em disciplinas
dos cursos de Administração.
ESTILO
Os trabalhos enviados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa
devem ser inéditos nacional e internacionalmente e demonstrar uma
linguagem clara e objetiva, não podendo estar em avaliação paralela em
outros veículos de divulgação. Recomenda-se atenção especial com a
estrutura geral do artigo e com o contexto lógico dos argumentos.
Os artigos encaminhados para a revista Administração: Ensino e Pesquisa
deverão ser apresentados no seguinte formato: Editor de texto: Word for
Windows 6.0 ou posterior. 1
• Configuração das páginas
o Tamanho do papel: A4 (29,7 x 21 cm)
o Margens: superior 3cm, inferior 2cm, esquerda 3cm e direita 2 cm;
o Espaçamento: Simples (entre caracteres, palavras e linhas);
o Número de palavras: O artigo deve conter entre 5.000 e 10.000
palavras, excluindo-se o resumo e o abstract, as ilustrações, as referências
e as notas de final de texto.
OBSERVAÇÕES
• Conteúdo da primeira página
o Título do trabalho centralizado, em português e inglês.
o Resumo em português e inglês, contendo o objetivo do trabalho, o
método utilizado, os resultados obtidos e as conclusões com no mínimo
10 (dez) e no máximo 15 (quinze) linhas; seguido de palavras-chave e
keywords (no mínimo três e no máximo cinco palavras-chave).
724 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p.723-726 • Out/Nov/Dez 2011
o As ilustrações, tabelas, quadros e gráficos não poderão ser coloridos e
deverão ser enviados em formato editável (Word, Power Point ou Excel)
com fonte tamanho 10.
• As referências completas deverão ser apresentadas em ordem alfabétical
ao final do texto, de acordo com as normas da ABNT.
• As notas devem ser reduzidas ao mínimo necessário e serem
apresentadas ao final do texto sequencialmente depois das referências.
• Trabalhos publicados em decorrência de atividades financiadas por
quaisquer órgãos de fomento, por exemplo, CNPq, CAPES, dentre outros,
deverão, necessariamente, fazer menção ao apoio recebido, após as
referências, com as seguintes notas:
a) se publicado individualmente: “O presente trabalho foi realizado com
o apoio da (Nome da Instituição)’’;
b) se publicado em co-autoria: “Beneficiário de auxílio financeiro da
(Nome da Instituição)’’.
Os artigos que não estiverem dentro de tais parâmetros serão
remetidos aos autores solicitando que os envie novamente em formato
adequado.
ENVIO DO TRABALHO
Os artigos podem ser enviados em português, espanhol, inglês ou francês
e deverão ser encaminhados por meio da homepage da ANGRAD
(www.angrad.org.br/revista/artigos/insert/)
Os artigos submetidos à Administração: Ensino e Pesquisa com
identificação dos autores no corpo do texto serão automaticamente
desconsiderados, tendo em vista que as informações para identificação dos
autores são solicitadas na página para submissão do artigo, além de levar
em consideração que a revista segue o processo de blind review na avaliação
dos trabalhos.
PROCESSO DE AVALIAÇÃO
Os artigos enviados para publicação na revista Administração: Ensino e
Pesquisa são submetidos a um processo de avaliação, objetivando
divulgar as melhores contribuições recebidas e avaliadas até o momento
da finalização do exemplar.
Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p. 723-726 • Out/Nov/Dez 2010 725
O processo de avaliação da revista Administração: Ensino e Pesquisa
inicia com uma avaliação do editor que observará a adequação do artigo à
política editorial da revista. O editor encaminhará os artigos para
avaliadores seguindo um processo de revisão sem identificação de autor e
revisor, no qual os avaliadores recebem um relatório com aspectos a
serem observados no artigo. Os critérios analisados estão listados abaixo e
são aplicados com base na natureza e no tipo do compuscrito.
Originalidade e importância das principais ideias;
Qualidade do tratamento e relevância da literatura existente;
Qualidade de apresentação das ideias;
Concepção e execução dos métodos de pesquisa;
Contribuição do artigo para o avanço do conhecimento.
Na análise, destacam pontos importantes que justificam a sua
avaliação, contribuindo para o aperfeiçoamento do trabalho do autor.
Os comentários dos avaliadores são enviados ao autor para que
realize as sugestões recebidas. Feitas as melhorias, o artigo retorna aos
avaliadores que farão nova avaliação, indicando ou não a publicação do
trabalho.
Após ser aceito para publicação, o artigo passa por uma revisão
ortográfica e estilística profissional. É por tudo isso fortemente
recomendado que os autores solicitem a opinião crítica de algum colega
antes do envio do artigo.
O editor poderá rejeitar artigos que não apresentem condições
mínimas ou que não estejam alinhados com a política da revista sem a
necessidade de apresentar pareceres de modo a agilizar a submissão do
trabalho em outros periódicos.
PROCESSO DE ESCOLHA
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726 Administração: Ensino e Pesquisa • Rio de Janeiro • v. 12 • n.4 • p.723-726 • Out/Nov/Dez 2011
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