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SOLIANO, Vitor. Ativismo judicial no Brasil: uma definio. Revista Eletrnica Direito e Poltica,Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica da UNIVALI, Itaja, v.8, n.1, 1quadrimestre de 2013. Disponvel em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791
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ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: UMA DEFINIO
JUDICIAL ACTIVISM IN BRAZIL: A DEFINITION
Vitor Soliano1
SUMRIO: Introduo; 1 Criatividade como fator inescapvel da atividadejudicante; 2 Normatividade constitucional e adoo do substancialismo: o papeldo poder judicirio no constitucionalismo contemporneo; 3 Ativismo judicial:
uma definio; Consideraes Finais; Referncias das Fontes Citadas.
RESUMO
O presente ensaio procura estabelecer uma delimitao conceitual de AtivismoJudicial no contexto do constitucionalismo contemporneo a partir de umaabordagem terica. Entendendo que essa conceituao passa pelo abandono deconcepes metodolgicas ingnuas ou ultrapassadas, pela adequao s opesinstitucionais feitas ao longo da histria e atual feio do constitucionalismo epela conscincia do quadro estrutural e normativo desenhado pelo ordenamentoptrio, conclui pelo carter prioritariamente epistmico da noo de AtivismoJudicial aduzindo que este envolve a ausncia de controle da criatividade domomento decisrio acarretando a perda de autonomia do sistema jurdico.
PALAVRAS-CHAVE: Ativismo Judicial. Hermenutica. Autonomia do sistema.
ABSTRACT
This essay aims to establish a conceptual delimitation of Judicial Activism in thecontext of contemporary constitutionalism and from a theoretical approach.Understanding that this concept needs the abandonment of naive or outdatedmethodological concepts, the adequacy of choices made throughout history andthe current feature of constitutionalism and the awareness of the structural andregulatory framework designed by the paternal order, the essay states that thecharacter of the notion of Judicial Activism has a epistemic priority adding thatthis involves the lack of control of the creativity of the moment decision resultingin the loss of autonomy of the legal system.
KEYWORDS: Judicial Activism. Hermeneutics. System autonomy.
1 Mestrando em Direito Pblico pela Universidade Federal da Bahia UFBA. Bolsista da Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES. Especialista em Direito Pblico peloJusPodivm/Faculdade Baiana de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Salvador UNIFACS.Advogado. Email: [email protected].
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INTRODUO
Nos ltimos anos uma temtica at ento estranha s preocupaes dos
constitucionalistas brasileiros passou a ser assunto fundamental. Trata-se do
Ativismo Judicial.
Atribui-se o surgimento da expresso (Judicial Activism) a um artigo da autoria
de um jornalista estadunidense chamado Arthur Schlesinger Jr. publicado em
janeiro de 1947 na revista Fortune. O autor, em seu texto, analisava a atuao
da Suprema Corte daquele pas em relao ao controle de constitucionalidade
das leis do New Dealdo Presidente Roosevelt. Segundo ele haviam dois grupos
de juzes: os ativistas e os que apregoavam a autoconteno judicial2. A
expresso, portanto, surge sem preocupaes cientficas e, desde ento, passou
a designar uma determinada forma de atuao judicial.
Parece incontroverso dizer que s possvel falar em Ativismo Judicial no Brasil a
partir da Constituio Cidad
3
. At ento a atuao do Poder Judicirio na defesae concretizao das normas constitucionais era altamente reduzida. S a partir
da que conceitos como Supremocracia passam a fazer sentido4.
Este texto constitucional colocou, portanto, uma srie de questes novas ao
constitucionalismo brasileiro. Dentre elas deve destaca-se a progressiva
judicializao da poltica e, principalmente, o Ativismo Judicial.
Luis Roberto Barroso faz uma conhecida distino entre as duas expresses. Para
o autor a judicializao uma consequncia inevitvel do modelo de constituio
e de Estado adotado pelo Brasil em 1988. Trata-se da transferncia, para o
Poder Judicirio, de diversas questes antes afeitas s instncias polticas. Afirma
que a redemocratizao, a constitucionalizao abrangente e o sistema de
2 LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou Altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte:Editora Forum, 2010, p. 24 e 32.
3 Nesse sentido STRECK, Lenio Luiz. O que isto decido conforme minha conscincia? Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010, p. 23-24.4 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito GV. So Paulo, 4(2), jul/dez 2008, p. 441-464.
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controle de constitucionalidade adotado por ns impulsionam para esse
fenmeno5.
O Ativismo, em outro giro, estaria relacionado a uma escolha, uma forma de
interpretar e aplicar a Constituio. Estaria marcado pela aplicao direta do
Texto Magno, pela declarao de inconstitucionalidade de leis com base em
critrios pouco rgidos e pela imposio de condutas ou de abstenes ao Poder
Pblico, notadamente em matria de polticas pblicas6
A obra monogrfica produzida no Brasil mais importante sobre o tema
certamente o livro do professor Elival da Silva Ramos7. No obstante noconcordarmos com alguns de seus pressupostos tericos, conforme ficar claro
ao final, parece imprescindvel trazer a conceituao de Ativismo Judicial do
renomado autor:
Ao se fazer meno ao ativismo judicial, o que se est areferir ultrapassagem das linhas demarcatrias da funo
jurisdicional, em detrimento principalmente da funolegislativa, mas, tambm, da funo administrativa e, atm
mesmo, da funo de governo. [...] da descaracterizao dafuno tpica do Poder Judicirio, com incurso insidiosasobre o ncleo essencial de funes constitucionalmenteatribudas a outros Poderes8.
E em outra passagem:
por ativismo judicial deve-se entender o exerccio da funojurisdicional para alm dos limites impostos pelo prprio
ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poderjudicirio fazer atuar, resolvendo litgios de feiessubjetivas (conflitos de interesse) e controvrsias jurdicasde natureza objetiva (conflito normativo). H, como visto,uma sinalizao claramente negativa no tocante s prticas
5 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica. In MIRANDACOUTINHO, Jacinto Nelson; FILHO, Roberto Fragale; LOBO, Ronaldo (org.). Consticuio & AtivismoJudicial. Limites e possibilidades da norma constitucional e da deciso judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p. 276-278.
6 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrtica, p. 279.
7 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010.8 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos, p. 116-117, destaque do original.
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ativistas, por importarem na desnaturao da atividadetpica do Poder Judicirio, em detrimento dos demaisPoderes9.
Parece-nos que esta conceituao, embora aparentemente correta, incompleta.
A nossa proposta demonstrar que a delimitao conceitual de Ativismo Judicial
possui um fundo muito mais terico do que emprico ou visvel e intimamente
ligado com o momento da deciso judicial10.
A busca pela delimitao conceitual do Ativismo Judicial ou pela caracterizao
de uma postura judicante ativista deve perpassar, em nosso sentir, por trs
questes: abandono de concepes metodolgicas ingnuas ou ultrapassadas;adequao s opes feitas ao longo da histria e atual feio do
constitucionalismo e; conscincia do quadro institucional e normativo desenhado
pelo ordenamento ptrio. O foco do presente estudo so as duas primeiras
questes. A terceira ser referida brevemente.
Quando falamos em cincia do quadro institucional e normativo queremos nos
referir cara que foi dada (e por quem foi dada) ao Poder Judicirio brasileiro
e, principalmente, ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja, se Ativismo Judicial
significa, mesmo em sentido amplo, interferncia do Poder Judicante em reas
reservadas tradicionalmente aos poderes representativos preciso averiguar
como, normativa e institucionalmente, isso foi possvel.
Um rpido exame na estrutura constitucional e legal revela que o aumento dos
poderes do Poder Judicirio no se deve exclusivamente a ele, mas,
principalmente quele que sofre mais com o Ativismo: o Poder Legislativo. Seno
vejamos.
No foi o Judicirio quem decidiu que cabe ao STF a guarda da Constituio. No
foi o STF que se atribuiu a competncia de julgar, originariamente, Ao Direta
de Inconstitucionalidade, Ao Declaratrias de Constitucionalidade, Ao de
Descumprimento de Preceito Fundamental e a Ao Direta de
9 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos, p. 129.
10 Importante dizer que o referido autor no ignora a questo terica e hermenutica de fundo. Contudo,parece no consider-la a mais importante.
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Inconstitucionalidade por Omisso. No foi o Supremo Tribunal Federal quem
ampliou o rol de legitimados para propor essas aes. No foi o STF quem
estabeleceu, expressamente, o efeito vinculante e a eficcia erga omnes para as
decises tomadas nos julgamentos dessas aes. No foi, ainda, o Poder
Judicirio que criou as smulas com efeito vinculante, o controle difuso de
constitucionalidade e o Mandado de Injuno. Todas essas competncias e
possibilidades (para ficar apenas em sede de controle de constitucionalidade)
que, inegavelmente, ampliam a fora e a importncia do poder jurisdicional,
foram criadas pelos poderes representativos em especial pelo Poder Legislativo,
seja como constituinte originrio, derivado ou legislador ordinrio11
.
O objetivo do presente estudo analisar a questo do Ativismo Judicial a partir
de um enfoque terico e voltado para o momento decisrio. Contudo, no
poderia deixar de mencionar e destacar que, de partida, o sistema jurdico
brasileiro, modelado pelos poderes representativos, coloca uma forte carga de
responsabilidade sob as costas do Poder Judicirio. Caracterizar decises ou
posturas como ativistas no podem, no Brasil, deixar este fator de lado.
Por fim, deve ser dito que a expresso Ativismo Judicial designa, para ns, uma
atuao ilegtima do Poder Judicirio. Ou seja, para ns no h bons ativismos.
1 CRIATIVIDADE COMO FATOR INESCAPVEL DA ATIVIDADE
JUDICANTE
Como se sabe, o constitucionalismo moderno12 marcado por duas
caractersticas bsicas: limitao do poder e garantia de um ncleo de direitos
11 Fundamental, portanto, a lio de Marcelo Neves ao afirmar que eventuais excessos de judicializao(Ativismo Judicial) ou o surgimento de uma politizao do judicirio devem ser compreendidos no marco dascompetncias constitucionais (e legais, acrescentaramos) atribudas ao Poder Judicirio (NEVES, Marcelo.Entre Tmis e Leviat: uma relao difcil. O Estado Democrtico de Direito a partir e alm de Luhmann eHabermas. 2.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 235-236).
12 J. J. Gomes Canotilho assevera que possvel distinguir o constitucionalismo moderno de um
constitucionalismo antigo, representado pelos tirocnios polticos do mundo da Antiguidade Clssicaprincipalmente os gregos e romanos (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria daConstituio. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 52).
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fundamentais13. A limitao do poder ficou, desde o princpio, a cargo da
separao de poderes estatais14. Tal entendimento restou positivado no art. 16
da Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado aprovada pela
Assembleia Nacional Constituinte francesa de 1789 ao afirmar que A sociedade
em que no esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a
separao dos poderes no tem Constituio. A separao de poderes, portanto,
uma das maiores expresses do constitucionalismo.
O conceito de separao de poderes no foi uma formulao inovadora e
espontnea dos primeiros constituintes modernos. A ideia foi gestada ao longo
dos sculos e recebeu influncia de grandes nomes da histria da cincia
poltica15. No obstante a importncia desses nomes indiscutvel que a frmula
mais acabada e que mais influenciou o Ocidente foi a produzida por Charles-
Louis de Secondat, o Baro de Montesquieu, na obra Do Esprito das Leis16.
A proposta de Montesquieu datada. Quer isto dizer que ela pretendia resolver
um problema do seu tempo e foi influenciada pelas concepes tericas e
polticas ento vigentes. A necessidade poltica maior era retirar fora poltica dosoberano e atribu-la ao povo, ainda que na forma do sistema representativo.
O contraponto ao Leviat, evidentemente, atribuir a maior responsabilidade do
Estado a um rgo que seja a encarnao da vontade popular, ou seja, o Poder
Legislativo. Abaixo dele encontram-se os outros poderes, assumindo o poder
Judicirio uma funo extremamente tmida, fato devido alta desconfiana com
13 O constitucionalismo, em seu ncleo, seria uma teoria (ou ideologia) que ergue o princpio do governolimitado indispensvel garantia dos direitos em dimenso estruturante da organizao poltico-social dacomunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representar uma tcnica especfica de limitaodo poder com fins garantsticos. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria daConstituio, p. 51, destaques do original.
14 VALDS, Roberto Luis Blanco. O valor da Constituio. Separao dos poderes, supremacia da lei econtrole de constitucionalidade nas origens do Estado liberal. Traduzido por Margarita Mara Furlong. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2011, p. 3: Desde o incio o conceito de Constituio aparecer, ento, vinculado afirmao da separao dos poderes do Estado.
15 Miguel Calmon Dantas faz referncia Aristteles, Kant, Rousseau, Locke e Montesquieu. CALMON DANTAS,Miguel. Poderes Separados ou Concentrados: Novos Sentidos da Vetusta Separao de Poderes. In Teses daFaculdade Baiana de Direito. Vol. 2. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 2010, p. 119-120.
16 MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Baron de. Do esprito das leis. Traduzido por Roberto LealFerreira. So Paulo: Martin Claret, 2010.
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a pessoa do juiz, antigamente ligado ao monarca. Como ensina Celso Fernandes
Campilongo
ao Legislativo era atribuda a verdadeira funo de governo.O Executivo e o Judicirio eram poderes coadjuvantes doprotagonismo poltico do Legislativo. No processo desuperao do antigo regime absolutista, a tese da divisodos poderes, com o destaque conferido ao Legislativo, surgecomo frmula capaz de atingir os seguintes objetivos:deslocar o centro da deciso poltica para uma arena na quala burguesia tinha assento (o Parlamento); impor limites atuao do monarca, isto , controlar o Executivo; dotar oJudicirio de uma posio institucional protegida das
interferncias do sistema poltico e orientada por critriosdecisrios transparentes e previamente conhecido17.
Parece no restarem dvidas quanto crena da tradicional teoria da separao
de poderes de que as trs funes do Estado so bem determinadas e de que
possvel estabelecer fronteiras definidas para a atuao de cada rgo na sua
respectiva funo18. Dito em outros termos, possvel concluir que a teoria
pressupe ser possvel uma clara separao entre atos polticos e atosjurdicos19.
Esse contexto, somado caracterstica menos complexa da sociedade de fins do
sculo XVIII, possibilita o surgimento da noo de legislador racional e, por via
de consequncia, um sistema jurdico racionalizado, completo, no contraditrio,
sem lacunas ou antinomias20. Atrelado ao legislador racional est o juiz boca
da lei a quem cabe somente a aplicao rgida e linear do fato norma (que
clarividente, lembre-se)21. Assim, perceptvel, e no poderia deixar de ser, aforte relao que h entre o pensamento de Montesquieu e a construo da
17 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Poltica, sistema jurdico e deciso judicial. 2.ed. So Paulo: Saraiva,2011, p. 31-32.
18 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3.ed.Traduzido por Luis Carlos Borges. So Paulo:Martins Fontes, 1998, p. 385.
19 CARNEIRO, Wlber Araujo. O novo Cdigo Civil e as polticas pblicas: uma anlise da desapropriaojudicial. Direito UNIFACS. v. 102, dez, 2008. Disponvel em http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/issue/view/73, acessado em 11/07/2011, p. 19.
20 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Poltica, sistema jurdico e deciso judicial, p. 34-35.21 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Poltica, sistema jurdico e deciso judicial, p. 35.
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Escola jurdica que balizar os primeiros passos do positivismo: a Escola de
Exegese.
A forma de aplicao do direito pelo poder Judicirio proposto e difundido pela
Escola de Exegese pretendia impedir que qualquer tipo de criao normativa
fosse dada a este poder, j que o papel de criao da norma era exclusividade
dos representantes do povo. Assim, o silogismo cientfico foi adequado ao direito,
criando-se a aplicao do direito por subsuno do fato norma22.
Estaria salva, portanto, a legitimidade do direito. Nas palavras de Celso
Fernandes Campilongo a justificao normativa do Estado de Direito estvinculada a uma imagem bastante precisa da magistratura e da tarefa de
interpretao e aplicao do direito, possibilitada pela construo de uma teoria
da interpretao como atividade de conhecimento (e no de deciso, ou seja,
no poltica) e de descrio de normas (e no de criao). Nessa teoria
formalista da interpretao, o Judicirio no exerce poder normativo ou
poltico23. Wlber Araujo Carneiro arremata tal entendimento ao dizer que a
legitimao do Judicirio se edifica na modernidade burguesa sob o mito daaplicao mecnica do direito24.
Ou seja, a tenso existente entre a abstrao da legislao e a contingncia da
aplicao do direito era resolvida pelo mtodo da subsuno proposto pela Escola
de Exegese ao tentar garantir a legitimidade da atuao do poder Judicirio
frente a (evidente) legitimidade do legislativo. Portanto, o ncleo da tradicional
teoria da separao de poderes (de base eminentemente francesa),
principalmente no que diz respeito relao entre Legislativo e Judicirio, acrena na possibilidade de se enxergar uma verdade no texto emitido pelo poder
legislativo e a aplicao do direito via subsuno. H uma relao inquebrantvel
entre a tradicional teoria da separao dos poderes, a possibilidade de evitar a
criatividade judicial e a Escola de Exegese.
22 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurdico. Lies de filosofia do direito. Traduzido por Mrcio Pugliesi,Edson Bini e Carlos Rodrigues. So Paulo: cone, 1995, p. 67 e 80.
23 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Poltica, sistema jurdico e deciso judicial, p. 43.
24 CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 263.
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O mito da aplicao mecnica do direito, da possibilidade de barrar a criatividade
judicial e de funo a funo do intrprete apenas descreve significados no
resistiu ao passar dos anos. Sua refutao ocorre pelas mais diversas matrizes
tericas. Em verdade, esse mito comeou a soobrar diante do prprio
positivismo.
Hans Kelsen entende que todo e qualquer ato de deciso/aplicao na ordem
jurdica um ato de criao do direito. Da mesma forma que o legislador
ordinrio cria Direito quando legisla com base no contedo e na forma da
Constituio, o juiz (intrprete autntico) cria direito ao decidir um caso concreto
com base no procedimento e contedo da norma que lhe autoriza faz-lo. Essa
seria, em verdade, a caracterstica essencial do direito25. V-se, portanto, que
Kelsen (neopositivista) j havia demonstrado o erro da Escola de Exegese
(positivismo primitivo) no que diz respeito ao carter apenas declarativo da
deciso judicial26. Ao tratar especificamente da jurisdio constitucional27 o autor
assevera que, embora seja menos do que a atividade judicial comum, a
criatividade persiste28.
A discusso em torno da criatividade da interpretao/aplicao do direito est,
contudo, para ns, alm de uma caracterstica nsita ao sistema ou uma
necessidade sua. Entendemos que essa questo gira em torno de uma questo
existencial do prprio ato de compreender e interpretar (no apenas o Direito).
A hermenutica filosfica de Hans-Georg Gadamer, na esteira da filosofia
hermenutica de Martin Heidegger, nos demonstrou que a compreenso de
qualquer fenmeno, inclusive o jurdico, s ocorre por causa e na medida daspr-compreenses que carregamos conosco e pela nossa insero em uma
determinada tradio. A compreenso, portanto, uma antecipao de sentido
25 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7.ed. Traduzido por Joo Batista Machado. So Paulo: MartinsFontes, 2006, p. 260-273.
26 KELSEN, Hans.Teoria pura do direito, p. 387-397.
27 Importante destacar que Kelsen considera a jurisdio constitucional um ato de legislao negativa. Idem.Jurisdio Constitucional. In ______. Jurisdio Constitucional. Traduzido por Alexandre Krug, Eduardo
Brando e Maria Ermantina de Almeida Prado Galvo. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 151-152.28 KELSEN, Hans. Jurisdio Constitucional, p. 153.
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ou, nas palavras do prprio Gadamer a compreenso deve ser entendida como
um ato de existncia, e portanto um pro-jeto lanado29.
Como ato de existncia a compreenso no tem um incio determinado. Ela
ocorre a todo o tempo a partir do nosso contato com diferentes eventos/fatos. A
aplicao no um momento diverso ou secundrio compreenso. Somente
compreendemos algo porque estamos diante de um algo concreto. o que se
chama de applicatio. Na lio de Gadamer a aplicao
no pode jamais significar uma operao subsidiria, que
venha acrescentar-se posteriormente compreenso: oobjeto para o qual se dirige a nosso aplicao determina,desde o incio e em sua totalidade, o contedo efetivo econcreto da compreenso hermenutica. Aplicar no ajustar uma generalidade j dada antecipadamente paradesembaraar em seguida os fios de uma situaoparticular. Diante de um texto, por exemplo, o intrpreteno procura aplicar um critrio geral a um caso particular:ele se interessa, ao contrrio, pelo significadofundamentalmente original do escrito de que se ocupa30.
por isso que a hermenutica contempornea no mais pretende dividir o
momento compreensivo em trs: compreenso, interpretao e aplicao, como
se fossem instantes bem delimitados e delimitveis pelo intrprete. Todos esses
momentos ocorrem simultaneamente e so reciprocamente influenciados. Cada
compreenso acontece em uma determinada situao (aplicao) que exige
reflexo (interpretao) que, por sua vez, ocasiona novas compreenses e novas
possibilidades/necessidades aplicativas31.
Essa incindibilidade entre compreenso, interpretao e aplicao no observado pela clssica teoria da separao de poderes. Por isso ela acredita ser
possvel separar epistemologicamente as diversas facetas da atuao estatal.
Acredita, assim, que as dimenses de exerccio de poder podem ser
29 GADAMER, Hans-Georg. Esboo dos fundamentos de uma hermenutica. In ______; FRUCHON, Pierre (org.).O problema da conscincia histrica. 3.ed. Traduzido por Paulo Csar Duque Estrada. Rio de Janeiro:FGV, 2006, p. 57.
30 GADAMER, Hans-Georg. Esboo dos fundamentos de uma hermenutica, p. 57.
31
Cf. CARNEIRO, Wlber Araujo.Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito,p. 87 e STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica daconstruo do Direito. 10.ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 271-272.
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funcionalmente (e facilmente) distinguidas. Contudo, cada Poder ao atuar,
compreende, interpreta e aplica o direito.
A condio existencial da compreenso nos impulsiona a dizer que todo processo
hermenutico produtivo/criativo. Ora, se a compreenso ocorre diante de
eventos ela tem uma relao indissocivel com a faticidade e todo evento
irrepetvel. Assim, uma fico insustentvel a concepo de que possvel ao
intrprete equiparar-se ao leitor originrio32, ou, nos nossos termos, ao
legislador. O papel do intrprete/aplicador ser, sempre, atribuir sentido
(criativamente) lei e aos fatos que acontecem de forma indissocivel. A tarefa
da interpretao consiste em concretar a lei em cada caso, isto , na sua
aplicao33.
Independente da matriz terica/epistemolgica que se adote o certo que a
atividade judicante criativa. Desta forma, seria um equvoco afirmar que o
Ativismo Judicial, compreendido como excesso do Poder Judicirio na
concretizao da Constituio, ocorre quando este poder cria direito (novo). A
criatividade um fator inescapvel. Uma delimitao conceitual do Ativismo esua consequncia para a compreenso da separao dos poderes precisam,
portanto, ir alm.
2 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E ADOO DO
SUBSTANCIALISMO: O PAPEL DO PODER JUDICIRIO NO
CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORNEO34
Os eventos da Segunda Guerra Mundial marcaram profundamente o Direito, o
constitucionalismo e o prprio Estado, promovendo uma sensvel alterao na
forma como encaramos esses trs elementos. A partir deste marco as normas
constitucionais passam a ser dotadas de imperatividade, caracterstica atribuda
32 STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo doDireito, p. 272.
33 STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo doDireito, p. 274.
34 Cf. SOLIANO, Vitor. Procedimentalismo e Substancialismo: propostas ps-positivistas para oconstitucionalismo contemporneo. Revista do curso de Direito da UNIFACS. v. 11, 2011, p. 209-220.
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a todas as normas jurdicas e cujo descumprimento possibilita a deflagrao de
mecanismos prprios para garantir a sua observncia35. Konrad Hesse, em obra
fundamental sobre o tema, ensina que a Constituio e sua pretenso de eficcia
procuram imprimir ordem e conformao realidade social36. Ou seja, a
Constituio no pode ser entendida como uma carta de recomendaes37. Seus
preceitos exigem cumprimento mesmo quando da ausncia de regra (produzida
pelo legislador infraconstitucional) regulamentadora.
A normatividade da Constituio coloca uma nova problemtica para o controle
de constitucionalidade. Surge, devido s influncias tericas advindas dos
Estados Unidos da Amrica e da Alemanha, uma discusso sobre sua (nova)
funo e legitimidade de atuao. Trata-se do debate envolvendo as teses
procedimentalistas e substancialistas. No obstante se possa indicar diferenas
internas s duas perspectivas, elas so razoavelmente claras no que diz respeito
ao modo como o Poder Judicirio atua legitimamente.
Assim, conforme lio de Lenio Luiz Streck podemos dizer que
Contemporaneamente, o papel da Constituio, sua foranormativa e o seu grau de dirigismo vo depender daassuno de uma das teses (eixos temticos) que balizam adiscusso: de um lado, as teorias procedimentais, e, deoutro, as teorias materiais-substanciais. Parece no haverdvidas de que esse debate de fundamental importnciapara a definio do papel a ser exercido pela jurisdioconstitucional38.
35 BARROSO, Lus Roberto.Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e aconstruo do novo modelo. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 262.
36 HESSE, Konrad. A fora normativa da Constituio. Traduzido por Gilmar Mendes. Porto Alegre: SergioAntonio Fabres Editor, 1991, p. 15.
37 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 295: A Constituioapresenta-se como a instncia bsica de autofundamentao normativa do Estado como organizao poltico-jurdica territorial. Enquanto critrio bsico de autocompreenso da ordem jurdica estatal, a Constituio nodeve ser posta de lado pelos intrpretes-aplicadores do ordenamento constitucional, ou melhor, por aquelesincumbidos de concretiz-lo como ordem com fora normativa, especialmente pelos juzes e tribunaisconstitucionais. Nesse sentido, ela constitui um nvel inviolvel da ordem jurdica do Estado constitucional(destaques nossos).
38 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituio, hermenutica e teorias discursivas. 4.ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2011, p. 80-81.
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Podem-se entender esses dois eixos temticos como as matrizes epistemolgicas
que garantiram o como agir do Poder Judicirio. A matriz substancialista defende
um papel destacado do rgo judicial na concretizao e defesa dos direitos
estabelecidos pela Constituio. A matriz procedimentalista39, por outro lado,
estabelece como papel preponderante do Judicirio a garantia e proteo do jogo
democrtico. Ambas, contudo, exigem uma presena ativa dos juzes e tribunais
para a afirmao e proteo do Estado Democrtico de Direito40. Ou seja,
atualmente no h como negar o importante papel desempenhado pelas Cortes.
Fugiria aos objetivos deste trabalho tecer crticas minuciosas perspectiva
procedimentalista. Adotamos a corrente substancialista por quatro motivos. Em
primeiro lugar o Brasil no conseguiu, ainda, instaurar um ambiente
efetivamente democrtico, seja pelo seu passado autoritrio, seja pelo intenso
constitucionalismo simblico por ns experimentado41. A instaurao de um tal
regime indispensvel para que se possa falar de procedimentalismo, mormente
no modelo habermasiano42-43. Alm disso, retirar um papel do Poder Judicirio na
concretizao constitucional-normativa (desjuridificao) no significa,
necessariamente, um incremento cidadania. Como bem nos lembrar GilbertoBercovici no Brasil a desjuridificao, bem como a desconstitucionalizao,
favorecem a manuteno dos privilgios e das desigualdades44 o que anda na
contramo de um pleno exerccio da cidadania. Por fim, a proposta
39 A matriz procedimentalista tem como seus principais defensores Jrgen Habermas (HABERMAS, Jrgen.Direito e democracia: entre faticidade e validade. vol. 1. Traduzido por Flvio Beno Siebeneichler. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1997) e John Hart Ely (ELY, John Hart. Democracia e desconfiana: uma teoriado controle judicial de constitucionalidade. Traduzido por Juliana Lemos. So Paulo: WMF Martins Fontes,2010).
40
Cf. LEAL, Mnia Clarissa Henning. Jurisdio Constitucional Aberta. Reflexes sobre a Legitimidade e osLimites da Jurisdio Constitucional na Ordem Democrtica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 94-96.
41 NEVES, Marcelo. A Constitucionalizao Simblica. 2.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 177-189.
42 LEAL, Mnia Clarissa Henning. Jurisdio Constitucional Aberta. Reflexes sobre a Legitimidade e osLimites da Jurisdio Constitucional na Ordem Democrtica, p. 139-140.
43 Marcelo Neves, alertando para a dificuldade brasileira em alcanar o modelo habermasiano afirma que namedida em que os direitos humanos constitucionalmente estabelecidos como fundamentais no seconcretizam, fortifica-se o significado dos favores e do clientelismo. Com esse problema relaciona-se afragilidade dos procedimentos constitucionais de legitimao das decises polticas e da produo normativo-jurdica. No lugar da legitimao por procedimentos democrticos, em torno dos quais se estruturaria umaesfera pluralista, verifica-se uma tendncia privatizao do Estrado (NEVES, Marcelo. Entre Tmis eLeviat: uma relao difcil. O Estado Democrtico de Direito a partir e alm de Luhmann e Habermas. 2.ed.So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 247).
44
BERCOVICI, Gilberto. Constituio e poltica: uma relao difcil. Lua Nova. Revista de Cultura e Poltica. v.61, 2004, p. 18. No mesmo sentido NEVES, Marcelo. A Constitucionalizao Simblica, p. 188-189 eSTRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituio, hermenutica e teorias discursivas, p. 90.
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procedimentalista parece no reconhecer normatividade imediata (aplicao
direta) aos princpios constitucionais o que traz conseqncias significativas
para sistemas jurdicos que assumem direitos fundamentais substanciais sob a
forma de princpios45, como o brasileiro.
Como j antecipado, a perspectiva substancialista confere maior nfase ao papel
do Poder Judicirio da concretizao direta dos direitos e garantias expressados
na Constituio. Na lio de Wlber Araujo Carneiro as concepes
substancialistas sugerem a existncia de referenciais denticos capazes de dirigir
a efetiva constituio da sociedade, especialmente as aes do Estado
necessrias concretizao desses objetivos46.
Essa forma de encarar o papel da jurisdio constitucional est fortemente
relacionada com as funes que o Estado passou a desempenhar a partir,
principalmente, da segunda metade do sculo XX. Aps a passagem pelo Estado
Social que no Brasil no ultrapassou o simbolismo/simulacro e o ingresso no
Estado Democrtico de Direito plus normativo-transformador tambm a
jurisdio, e no s os demais poderes, passou a ser chamada a concretizar aConstituio.
Nesse sentido, Mauro Cappelletti aduz que os juzes e tribunais devem incorporar
essa nova funo do Estado pois, afinal, constituem parte dele. Assim, parece
para o autor difcil que o Judicirio no contribua com a efetivao dos princpios,
finalidades e programas traados no texto constitucional, o que eles podem
fazer controlando e exigindo o cumprimento do dever do estado de intervir
ativamente na esfera social, um dever que, por ser prescrito legislativamente,cabe exatamente aos juzes fazer respeitar47.
45 CARNEIRO, Wlber Araujo.Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito, p.201.
46 CARNEIRO, Wlber Araujo. As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro: o desacoplamentoentre as perspectivas funcional e epistmica da constituio. 2011, p. 11 (texto indito cedido pelo autor).Em linha similar BARROSO, Lus Roberto.Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitosfundamentais e a construo do novo modelo, p. 92.
47 CAPPELLETTI, Mauro. Juzes legisladores? Traduzido por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre:Srgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 42.
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No h dvidas de que o papel da jurisdio constitucional para o
substancialismo em muito se diferencia do que as formulaes iniciais sobre o
controle de constitucionalidade propunham. Esse giro, alm de ser uma
decorrncia das mudanas das funes do Estado, tem uma relao direta com
uma valorizao da Constituio e da fora normativa de seus preceitos. J. J.
Gomes Canotilho, aps afirmar que a concepo clssica do controle de
constitucionalidade negativa, aduz que nem por isso se pode deixar de
reconhecer constituir tarefa de controlo tambm uma tarefa de concretizao e
desenvolvimento do direito constitucional, ou seja, a fora normativa das
regras e princpios constitucionais vincula todos os poderes pblicos (mesmo osde controlo), obrigando-os a uma tarefa positiva de concretizao e
desenvolvimento do direito constitucional48.
Ora, se o Brasil insere-se no paradigma do Estado Democrtico de Direito e
parece no haver dvidas quanto normatividade dos dispositivos da nossa
Constituio a sua concretizao tarefa de todos os Poderes do Estado,
inclusive o Judicirio. Sendo assim, possvel dizer que no nos basta uma
Constituio garantidora e protetiva, mas tambm e principalmente umadisposio do Estado para a sua defesa49.
Por tudo isso resta claro que a perspectiva substancialista assume como
pressuposto da prpria validade da Constituio naquilo que ela representa de
elo conteudsitico que une poltica e direito a implementao dos direitos
fundamentais-sociais. Exatamente por isso, no cabem dvidas quanto ao
48 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 891 (destaque do original).
49 HESSE, Konrad. A fora normativa da Constituio, p. 19-20: embora a Constituio no possa, por sis, impor nada, ela pode impor tarefas. A constituio transforma-se em fora ativa se essas tarefas foremefetivamente realizadas, se existir a disposio de orientar a prpria conduta segundo a ordem nelaestabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juzos de convenincia,se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. E continua o autor: essa vontade de Constituioorigina-se de trs vertentes diversas. Baseia-se na compreenso da necessidade e do valor de uma ordemnormativa inquebrantvel, que proteja o Estado contra o arbtrio desmedido e disforme. Reside, igualmente,na compreenso de que essa ordem constituda mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por
isso, necessita de estar em constante processo de legitimao). Assenta-se tambm na conscincia de que,ao contrrio do que se d com uma lei do pensamento, essa ordem no logra ser eficaz sem o concurso davontade humana.
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carter de reforo da Constituio enquanto norma (fora normativa,
normatividade) defendido por essa matriz50.
A realidade social brasileira ainda encontra-se distante da possibilidade de
confiarmos apenas no procedimento para a garantia da Constituio. Se ainda
estamos buscando uma ampliao da incluso social e o resgate das promessas
no cumpridas da modernidade o Poder Judicirio aparenta ser um locus
privilegiado para tanto. Se o Estado Democrtico de Direito pretende efetivar
uma transformao social e Constituio entendida como norma, ocorrer
uma sobrevalorizao da funo de controle jurisdicional das constituies, no
que ficou reconhecido como judicializao da poltica51.
Por bvio essa perspectiva de jurisdio constitucional promover uma
necessria releitura da tradicional tenso entre legislao e jurisdio e das
funes de cheks and balances j que o Pode Judicirio intervir em reas antes
destinadas apenas aos demais poderes52.
Ao adotar a matriz substancialista preciso estar atento s condies de
possibilidade de um substancialismo que se compatibilize s exigncias de um
Estado democrtico e verdadeiramente constitucional, ou seja, preocupado com
a concretizao e defesa dos direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, com o
controle do poder. Como se sabe o constitucionalismo exige limitao de poder,
inclusive do Poder Judicirio.
Dito isso, foroso reconhecer que o aparato terico que guiar a atuao
judicante tem uma prevalncia na compatibilizao entre
constitucionalismo/democracia e o substancialismo. a partir do modelo terico
utilizado para fundamentar e guiar a ao do Poder Judicirio que poderemos
50 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituio, hermenutica e teorias discursivas, p. 82
51 BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis. Crises do Estado, democracia poltica e possibilidades de consolidao daproposta constitucional. In MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson; BARRETO LIMA, Martonio MontAlverne(Org.). Dilogos Constitucionais. Direito, Neoliberalismo e Desenvolvimento em Pases Perifricos. Rio deJaneiro: Renovar, 2006, p. 237.
52 BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis. Crises do Estado, democracia poltica e possibilidades de consolidao daproposta constitucional, p. 86. E arremata o autor: a corrente substancialista entende que, mais do que
equilibrar e harmonizar os demais Poderes, o Judicirio deveria assumir o papel de um intrprete que pe emevidncia, inclusive contra maiorias eventuais, o direito produzido democraticamente, especialmente o dostextos constitucionais.
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falar em mais de um tipo de substancialismo. Ou seja, fundamental que o
debate sobre o substancialismo e, especialmente, seus limites e possibilidades
em um contexto social e democrtico, seja corretamente situado53.
O que deve restar claro, por ora, que o Poder Judicirio tem (e deve ter), na
atualidade, um papel fundamental na concretizao e defesa da Constituio.
Parece altamente majoritrio o entendimento de que este Poder no deve mais,
no exerccio do controle de constitucionalidade, ser, apenas, um legislador
negativo.
3 ATIVISMO JUDICIAL: UMA DEFINIO
Apresentados os argumentos iniciais preciso, neste espao, cumprir o objetivo
central do presente estudo e definir Ativismo Judicial. Deve-se ter em mente,
como ficou claro ao longo dos dois ltimos itens, que o Ativismo entendido
como um mal, uma atuao ilegtima do Poder Judicirio. Ao mesmo tempo,
tomamos como premissas tericas a inevitabilidade da criatividade judicial eassumimos uma postura no sentido de que o poder judicante tem, sim, um papel
na concretizao dos direitos albergados na Constituio.
O ponto de estofo para diferenciarmos, dentro de uma teoria voltada para o
Judicirio, concepes ativistas e no-ativistas de jurisdio constitucional reside
no como se compreende/interpreta/realiza a concretizao da Constituio. A
ocorrncia de um deslocamento do polo de tenso entre os poderes do Estado
em direo ao Poder Judicirio54
consequncia da insero no paradigma doEstado Democrtico de Direito e da adoo do substancialismo aumentar o
53 CARNEIRO, Wlber Araujo. As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro: o desacoplamentoentre as perspectivas funcional e epistmica da constituio. 2011, p. 13.
54 Sabe-se que no quadro da tripartio de funes quando qualquer deles no cumpre, com eficincia, seupapel institucional, ocorre uma compensao sistmica que em nosso pas se costuma se atribuir ao
Judicirio. NUNES, Dierle. Politizao do judicirio no direito comparado: algumas consideraes. In:MACHADO, Felipe; CATTONI, Marcelo (Coord.). Constituio e processo: entre o direito e a poltica. BeloHorizonte: Frum, 2011, p. 35.
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carter hermenutico-interpretativo do Direito e a sua consequente necessidade
de limitao55.
Ora, se at o contexto da Constituio de 1988 boa parte da responsabilidade
pela inefetividade do texto magno residia em uma precria teoria da Constituio
e do Direito positivismo, sistema de regras, racionalidade instrumental e
descritiva , um eventual excesso na concretizao (Ativismo Judicial) tambm
ocorrer por razes epistmicas. Conforme assevera Andr Ramos Tavares a
consistncia e o refinamento dos mtodos de trabalho da Justia Constitucional
[...] so parte integrante da discusso acerca de sua legitimidade de atuao no
mbito dos direitos fundamentais56.
Parece ser este, tambm, o entendimento de Joo Maurcio Adeodato ao afirmar
que
O debate sobre a funo do judicirio tambm est por trsde toda a discusso hermenutica, a questo fundamentalsobre como os paradigmas de racionalidade podem construira vlvula de escape e calibrao da legitimidade ou verem-
se inutilizados pelo casusmo trazido por uma exacerbaoda discricionariedade dos julgadores e da importncia dosparticipantes na lide concreta57
Ou seja, h uma relao ntima entre racionalidade do discurso (e da
interpretao, acrescentaramos) e a (i)legitimidade da atuao do Poder
Judicirio.
Se verdade que os dficits de modernizao vividos em sociedades perifricas esemiperifricas acaba tornado o Poder Judicirio no ltimo dos moicanos para
defesa e garantia das promessas modernas, no menos verdade que o
compromisso com o constitucionalismo, com a democracia e com a autonomia do
55 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituio, hermenutica e teorias discursivas. 4.ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2011, p. 59. No mesmo sentido, cf. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Deciso judicial e oconceito de princpio: a hermenutica e a (in)determinao do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2008, p. 66-74.
56 TAVARES, Andr Ramos. O juiz ativista: concretizao dos direitos fundamentais. In ______. Paradigmasdo judicialismo constitucional. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 66.
57 ADEODATO, Joo Maurcio. Adeus separao de poderes?. In ______. A retrica constitucional. Sobretolerncia, direitos humanos e outros fundamentos do direito positivo. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 164-165.
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Direito possa ser esquecida58. E o desequilbrio excessivo nesse projeto (Ativismo
Judicial) tem, repita-se, em primeiro lugar, uma justificativa epistemolgica.
A identificao do Ativismo Judicial passa, prioritariamente, no por uma atitude
de interferncia do Judicirio em reas tradicionalmente deixadas aos Poderes
Representativos, mas sim pelo modo, pelo como, essa interferncia ocorre. Ou
seja, o Ativismo Judicial caracterizado por uma forma inadequada/equivocada
de se lidar com a inevitabilidade da criatividade da atuao judicial59. Ele (o
Ativismo) encontra-se relacionado a um carter no democrtico e, por isso, no
legtimo da carga criativa que se encontra em todas as manifestaes de criao
e aplicao do direito60.
J dissemos que a teoria hermenutica contempornea estabeleceu que o
fenmeno compreensivo no est cindido da aplicao e acontece mediante uma
antecipao de sentido j carregado pelo intrprete61. Esta caracterstica da
compreenso demonstra que no existem mtodos de interpretao capazes de
constituir, eles mesmos, os sentidos. A ideia de que a verdade ou o acerto
podem ser alcanados mediante a utilizao de mtodos (no sentido clssico)no possui mais sustentao.
Contudo, isso no acarreta a abertura interpretativa e a ausncia de qualquer
controle nem que no haja espao, dentro do paradigma hermenutico atual,
para se pensar em epistemologia62. A epistemologia, ou seja, o controle
epistmico da compreenso, deve transitar em um nvel secundrio. Como
assevera Wlber Araujo Carneiro:
58 CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva. Uma teoria Dialgica do Direito, p.25-26.
59 Fundamental, nesse sentido, a advertncia de Lenio Streck: h de ser ter o devido cuidado: a afirmao deque o intrprete sempre atribui sentido (Sinngebung) ao texto nem de longe pode significar a possibilidadede este estar autorizado a dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, atribuindo sentidos de forma arbitrriaaos textos, como se texto e norma estivessem separados (e, portanto, tivessem existncia autnoma). (...)Portanto, todas as formas de decisionismos e discricionariedades devem ser afastadas (STRECK, Lenio Luiz.Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do Direito, p. 142-143).
60 CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva. Uma teoria Dialgica do Direito, p.180.
61 GADAMER, Hans-Georg. Esboo dos fundamentos de uma hermenutica, p. 57.
62 STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica e deciso jurdica: questes epistemolgicas. In ______; STEIN, Ernildo.Hermenutica e epistemologia. 50 anos de Verdade e Mtodo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011,p. 153-172.
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Essa proposta epistemolgica deve, portanto, atender a doisvetores. Primeiro, transitar em um espao existencial, isto ,deve obedecer aos limites e possibilidades da nossacompreenso, razo pela qual a propomos em um espaoreflexivo. Segundo, deve ser compatvel com esse projetoregulatrio (direito) e, para tanto, proporcionar anormatividade da compreenso jurdica. Quanto a estesegundo verto, no fazemos aqui referncia a umacompreenso controlada por mtodos, mas umacompreenso que esteja voltada para uma resposta corretaconforme ao direito, caso contrrio, no compatibilizaremossua aplicao ao modelo democrtico63
H, portanto, um espao para que a criatividade inerente compreenso e
aplicao do direito seja epistemicamente controlada. No estar atento esta
possibilidade ou no buscar os parmetros para este controle acarreta na
abertura para que a criatividade se transforme em discricionariedade e,
consequentemente, a existncia de mltiplas respostas. O Ativismo Judicial
isto: a ausncia de controle reflexivo do momento criativo da aplicao da
Constituio. Dito de outra forma, o excesso ou descontrole da concretizao da
Constituio advm da delegao discricionariedade subjetiva do julgador.
evidente que os parmetros reflexivos devem possibilitar que a deciso no
seja dada por uma escolha do operador. A deciso judicial que aplica a
Constituio deve se pautar pelos referencias sistmicos j disponveis
compreenso. Doutrina e jurisprudncia, portanto, desempenho um papel
altamente relevante para a desubjetivizao da deciso64. Aqui possvel
tambm falar que a coerncia e a integridade65 tem a potencialidade de retirar
do decisum um alto ndice de opo do intrprete.
No obstante a existncia de um espao de controle epistmico da deciso
judicial bem como de referncias sistmicos para a consecuo desse controle,
sua realizao tima altamente improvvel. Pensamos isso principalmente por
63 CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva. Uma teoria Dialgica do Direito, p.234 (destaque do original).
64 CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva. Uma teoria Dialgica do Direito, p.258-260, 263-264 277-278.
65 DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. 2.ed. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. So Paulo: MartinsFontes, 2007.
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causa da alta complexidade que o sistema jurdico assumiu e pelas enormes
dificuldades encontradas pela prtica judiciria. Assim, mais correto afirmar
que existem nveis maiores e menores de controle epistmico da deciso judicial.
Uma deciso pode ser mais ou menos epistemicamente controlada, quer dizer, a
discricionariedade pode ser mais ou menos reduzida. Desta forma, entendemos
parecer ser possvel falar em nveis de Ativismo Judicial. Ou seja, uma deciso
que aplica/concretiza a Constituio pode ser mais ou menos ativista a depender
do nvel de controle epistmico que ela sofra.
Marcelo Neves, valendo-se de outros pressupostos tericos afirma que a
transversalidade entre direito e poltica atravs da Constituio do Estado
constitucional, embora seja capaz de resultados produtivos, est em constante
paradoxo uma vez que no existe soluo definitiva para o problema da
politizao do direito e da juridificao da poltica. Isso quer dizer o judicirio
mantm a pretenso de ocupar o espao da legitimidade democrtica enquanto
legislativo e governo tentam influenciar as solues de casos jurdicos. A
mediao desse cenrio s pode ocorrer diante de casos constitucionais
concretos decididos, principalmente, pelas cortes constitucionais. Contudo, aformao de transversalidade entre direito e poltica (pontes de transio) em
nvel timo necessita de amplos pressupostos sociais e estruturais66, ou seja, sua
consecuo extremamente difcil.
O controle da criatividade judicial atravs de aparatos epistmicos tem uma
relao direta com a autonomia do sistema jurdico. Quando nos referimos acima
sobre a existncia de referenciais sistmicos para a operacionalizao do controle
da deciso em nvel hermenutico estvamos falando do sistema jurdico. Ou
seja, os demais sistemas sociais no podem determinar a deciso judicial.
Em verdade, o grande objetivo do referido controle preservar a autonomia do
sistema. A contrario sensu a ausncia de controle acarreta, invariavelmente, a
perda de autonomia do sistema. Dito isso, possvel acrescentar que o Ativismo
Judicial, alm de ser marcado pela adoo da discricionariedade como parmetro
decisrio na concretizao da Constituio, representa a perda de autonomia do
66 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 77.
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sistema jurdico em favor de opes polticas, econmicas e morais do julgador.
Ou seja, a substituio dos referenciais sistmicos do direito por referenciais de
outros sistemas.
Concordamos com Anderson Vichinkeski Teixeira quando afirma que o Ativismo
Judicial est diretamente relacionado com os limites possveis entre o Direito e a
Poltica67. Segundo o autor a nocividade maior do ativismo judicial ocorre
quando a deciso judicial tem um fim poltico e depende da negao tutela de
interesses legtimos de alguma parte da ao, fundamentando-se em
argumentos que transcendem a racionalidade jurdica68 Complementaramos
dizendo que o Ativismo tambm nos coloca diante dos limites possveis entre o
Direito e a Moral e entre o Direito e a Economia. Enfim, a problemtica da
autonomia dos sistemas sociais. Este cenrio, como destacado, possibilitado
pela falta de uma racionalidade consistente no momento da
interpretao/aplicao do direito causada pela utilizao de modelos tericos
inadequados.
Ora, se aduzimos que possvel falar em nveis de controle e,consequentemente, em nveis de Ativismo Judicial, parece mais do que lgico ser
possvel falar, tambm, em nveis de perda de autonomia do sistema. O sistema
jurdico, portanto, sofrer mais ou menos perda de autonomia de acordo com o
nvel de controle da deciso judicial (de acordo com a existncia de mais ou
menos Ativismo, portanto).
Tudo que se disse sobre o controle da criatividade e sobre a preservao da
autonomia do sistema tem efeito imediato sobre a sobrevivncia do binmioconstitucionalismo-democracia. Se o constitucionalismo marcado pela garantia
de direitos fundamentais e pela limitao do poder e a democracia
(constitucionalizada) marcada pela prevalncia das opes polticas feitas pelos
cidados (diretamente ou mediante seus representantes) indispensvel, para a
existncia de ambos, que haja um nvel tanto maior quanto possvel de controle
67 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurdica e decisopoltica. Revista Direito GV. v. 8. jan./jun, 2012, p. 42.
68 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurdica e decisopoltica, p. 48.
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das decises judiciais e que esse controle se d mediante a referncia ao prprio
sistema. A marca do Ativismo (a discricionariedade) deve ser repudiada ao
mximo69.
Cremos ter estabelecido aqui o ncleo fundamental do Ativismo Judicial: uma
atuao discricionria do Poder Judicante sob o pretexto de estar dando
concretude ao texto constitucional acarretando, paradoxalmente, a distoro da
prpria autonomia do sistema jurdico e, portanto, do constitucionalismo e da
democracia. Cabe agora tentar demonstrar, ainda que brevemente, porque o
Ativismo, na nossa conceituao, tem se tornado uma realidade em terras
brasileiras.
A forma de lidar com a atuao judicial no Brasil tem recebido fortes influncias
do movimento que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo. No
obstante a importncia que esse movimento teve para que o nosso pas
comeasse a levar o seu direito constitucional a srio, parece-nos que sua
recepo tambm tem trazido questes e problemas mal resolvidos no que diz
respeito ao controle e estabelecimento de limites atividade jurisdicional deconcretizao da Constituio. Parece-nos, enfim, que o neoconstitucionalismo70
no apresenta mecanismos tericos suficientemente adequados para lidar com a
criatividade judicial e com um substancialismo democrtico. Isso ocorre, assim
sentimos, pela incapacidade do seu pacote terico em lidar com a
discricionariedade judicial.
Este movimento preconiza a superao de modelos clssicos e que no
conferiam Constituio plena aplicabilidade principalmente pela ausncia denormatividade dos princpios eparece tentar recuperar algo que se perdeu na
aurora do constitucionalismo moderno (a racionalidade moral-prtica) e legitimar
69 neste ponto que nos afastamos totalmente dos pressupostos tericos utilizados pelo professor Elival daSilva Ramos. O autor, embora afirme que seu modelo absorve as inovaes da hermenutica contempornea,continua a apostar na discricionariedade da deciso judicial. Para ns, impossvel compatibilizar ideias comoescolha, opo, sentimento de justia e conscincia tica do julgador com uma crtica ou um bloqueioao Ativismo Judicial. Cf. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos, p. 97-103.
70 Para um olhar amplo sobre o tema cf. CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2.ed. Madrid:Trotta, 2005 e; CARBONELL, Miguel (org.). Teora del neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos. Madrid:Trotta, 2007. Para uma anlise crtica da incorporao do movimento no Brasil cf. SARMENTO, Daniel. O
Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. In. ______. Por um ConstitucionalismoInclusivo: Histria Constitucional Brasileira, Teoria da Constituio e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 233-272, 2010.
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uma atuao substancial do Poder Judicirio. Enfim, trata-se do movimento
terico/ideolgico que operacionalizou e continua a embalar as construes
doutrinrias e jurisprudenciais desde o estabelecimento do Estado Democrtico
de Direito no Segundo ps-guerra.
No necessrio muito esforo para perceber que a variedade de autores
incorporados pelo movimento neoconstitucionalista acarreta, fatalmente, em
uma diversidade de concepes acerca do tema (funes, objetivos, limites,
etc.). Contudo, no mar de concepes e teorias em torno do tema possvel
apontar para elementos comuns que aproximam os autores tornando possvel
falar em um ncleo do neoconstitucionalismo (ainda que no seja possvel
identific-lo como uma escola de pensamento).
Cremos no haver dvidas de que a adoo do neoconstitucionalismo no Brasil
possibilitou uma forte valorizao do nosso texto constitucional e, em alguma
medida, uma constitucionalizao do Direito. Esse movimento exigiu dos atores
jurdicos (tericos e operadoresstrictu sensu) uma nova forma de lidar com o
fenmeno jurdico e de conceber o papel do Poder Judicirio na preservao econcretizao da Carta Magna. Em um pas de fraca histria democrtica e de
baixa defesa de direitos fundamentais, a recepo do neoconstitucionalismo
parece ter sido (estrategicamente) necessria para a consolidao de uma ordem
constitucional e democrtica adequada aos tempos de constitucionalismo ps-
guerra.
A questo principal do neoconstitucionalismo para nossa investigao o aparato
metodolgico que, graas a ele, ingressou e passou a fazer parte da teoria dainterpretao no Brasil. Esses modelos de interpretao e aplicao de normas
constitucionais que acabam por sobrevalorizar a subjetividade do julgador.
O mais importante deles foi o construdo por Robert Alexy: o sopesamento de
princpios71. Esse sopesamento seria uma decorrncia lgica e necessria do
trato com princpios constitucionais. A ponderao, para que seja um
71 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduzido por Virglio Afonso da Silva. 2.ed. So Paulo:Malheiros, 2009.
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procedimento racional, ser guiada pela mxima da proporcionalidade e suas
sub-regras (adequao, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
O exame desse procedimento nos mostrou como ele se aproxima de uma
avaliao poltica das medidas a serem adotadas pelo Estado no intuito de
promover a concretizao de uma norma constitucional.
Alm disso, a teoria de Alexy no determina como se faz a escolha dos
princpios colidentes nem explica porque so apenas dois os princpios. Esse fato
aponta para uma dose de discricionariedade nsita ao mtodo proposto. A teoria
em questo est mais preocupada com a justificao de uma deciso do quecomo ela, de fato, ocorre, o que possibilita a fundamentao de decises
discricionrias. Ainda, no h como escapar do entendimento de que a
ponderao sempre acarreta uma escolha do julgador.
O reforo argumentativo72 proposto por Alexy para garantir a representatividade
argumentativa do cidado tambm no garante, assim como a ponderao, o
bloqueio da discricionariedade. Dessa forma, atravs dessa ideia respostas
diametralmente opostas podem ser entendidas como vlidas. Ou seja, seu nvel
de controle epistmico baixssimo. Sob o pretexto de se estar concretizando o
texto constitucional, autoriza-se as mais amplas incurses do Poder Judicirio
guiando-se por critrios polticos e morais dos julgadores. H, portanto, uma
forte relao entre a ponderao e o Ativismo Judicial73.
Ao lado da ponderao, a recepo do neoconstitucionalismo no Brasil trouxe o
que se convencionou chamar de Nova Hermenutica Constitucional. Presente e
defendida em quase todos os Cursos de Direito Constitucional, trata-se do fruto
da unio acrtica de teses concebidas separadamente, com intuito unitrio e
visando muito mais a descrio de modelos do que suas defesas, acaba por
reduzir a nova hermenutica constitucional a um mecanismo retrico apto a
72 ALEXY, Robert. Teoria da argumentao jurdica: a teoria do discurso racional como teoria dafundamentao jurdica. Traduzido por Claudia Toledo. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
73 CANOTILHO, J. J. Gomes. Judicialismo e poltica: tpicos para uma interveno, p. 141-142. Para uma crticapormenorizada da teoria de Robert Alexy cf. CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica
Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito, p. 202-233; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisojudicial e o conceito de princpio: a hermenutica e a (in)determinao do Direito, p. 170-217 e; STRECK,Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituio, hermenutica e teorias discursivas,passim.
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camuflar o arbtrio da deciso sob o pretexto de se estar controlando a
criatividade do intrprete/aplicador.
Essa metodologia mal/indevidamente incorporada no promove uma reflexo
para alm de uma mera subjetividade do julgador. Ainda mais desatenta
alteridade e intersubjetividade (pelo menos da forma que foi/tem sido
incorporada no Brasil) do que a ponderao, os mtodos e princpios de
interpretao constitucional servem, no mximo, para promover uma
autorreflexo sobre o que e como se est decidindo. Continua, contudo,
amarrada s possibilidades/limites compreensivos da subjetividade e, por isso,
incapaz de ser uma barreira discricionariedades74.
Dessa maneira, o neoconstitucionalismo peca por no oferecer modelos para
lidar com o Direito (constitucional) que visem bloquear decises discricionrias o
que nos faz relacion-lo com o positivismo jurdico. No limite, o movimento
neoconstitucionalista inicia a reaproximao do Direito com a racionalidade
moral-prtica, mas no consegue lidar com isso de forma adequada. Assim, anda
na contramo da autonomia do sistema jurdico e no promove um espao paraque a alteridade (intersubjetividade) compreensiva se desenvolva.
CONSIDERAES FINAIS
O Ativismo Judicial ingressou na gramtica constitucionalista brasileira e, tal qual
aconteceu nos EUA, ser uma questo a ser trabalhada e (re)discutida pelas
prximas dcadas (ou sculos).
A conceituao ampla e mais aceita pela doutrina de Ativismo Judicial de fato
tem o seu mrito. Podemos entend-lo como uma interferncia excessiva do
Poder Judicirio em reas tradicionalmente de responsabilidade dos demais
Poderes do Estado (representativos). Contudo, na atualidade foroso buscar
uma delimitao conceitual mais adequada nossa realidade.
74
Cf. SILVA, Virglio Afonso da. Interpretao constitucional e sincretismo metodolgico. In ______ (org.).Interpretao constitucional. So Paulo: Malheiros, p. 115-143, 2007 e Wlber Araujo.HermenuticaJurdica Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito, p. 189-192.
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Esta nova delimitao precisa estar atenta aos avanos trazidos pela filosofia e,
principalmente, pela teoria hermenutica contempornea. Neste passo,
impossvel no considerar a atividade judicante como essencialmente criativa.
Todo ato de deciso judicial traz consigo uma carga de criao do direito.
Ao mesmo tempo preciso ter em mente que o Poder Judicirio assume nova
face com o constitucionalismo forjado na segunda metade do sculo XX. No
mais entendido como simples aplicador mecnico da lei nem como um simples
legislador negativo no que diz respeito ao controle de constitucionalidade. De
fato, assume um papel fundamental na concretizao dos preceitos fundamentais
estabelecidos pela Constituio. Essa postura denominada de substancialismo
constitucional.
O longo caminho trilhado nessa investigao pde concluir que a legitimidade da
atuao do Poder Judicirio e, assim, a diferena entre Ativismo Judicial e
Judicializao Responsvel, possui um primado epistmico. Antes de qualquer
perquirio nos mbitos funcionais da diviso entre os poderes, antes de
qualquer delimitao a prioride reas em que o Judicirio pode intervir e antesde qualquer construo dogmtica que sirva de auxlio analtico, o Ativismo
Judicial marcado pela utilizao de modelos epistmicos eivados ou no
bloqueadores de carga subjetivista (e, por isso, discricionria) da criatividade
judicial.
Em decorrncia desse descontrole ocorre a quebra de autonomia do sistema
jurdico em favor de preferncias ou opes polticas, econmicas ou morais dos
julgadores.
A enorme complexidade do sistema atrelada s dificuldades cotidianas no
Judicirio no colaboram com a realizao tima de um tal controle epistmico.
Nessa toada, parece mais razovel afirmar que a criatividade e consequente
deciso judicial pode sofrer nveis maiores ou menos de controle por parte do
intrprete. Disso resulta pode-se inferir que mais apropriado falar em nveis de
Ativismo e, assim, nveis de preservao ou perda da autonomia do sistema
jurdico.
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Nossa posio, portanto, de que algum nvel de Ativismo vai sempre (ou quase
sempre) ocorrer quando da interpretao e aplicao da Constituio. Isso no
quer dizer, contudo, que o intrprete-aplicador esteja desincumbido de atentar
para este problema. Seu norte deve ser sempre se guiar pela reduo de sua
carga discricionria valendo-se, no espao secundrio do fenmeno da
compreenso (reflexividade), dos referenciais sistmicos j presentes no
ordenamento e no seu entorno (doutrina e jurisprudncia). Deve tomar a
resposta certa como uma metfora75, um motor imvel que o empurra para o
acerto ainda que nunca venha a ter certeza de ter acertado76.
Se verdade que o Poder Judicirio tem um papel importante na defesa e
garantia dos direitos fundamentais elencados na Constituio no menos
verdade que essa atuao tenha que ser feita de forma responsvel e atravs de
modelos de racionalidade comprometidos com a alteridade, intersubjetividade,
reflexividade, coerncia e integridade. A concretizao do texto constitucional
no pode ficar a merc dos sujeitos legitimados em aplic-la. Depositar a
confiana no sujeito , paradoxalmente, corromper o prprio constitucionalismo
e a democracia.
Enfim, criticamos o Ativismo sem abrir mo de algum nvel de judicializao. Esta
judicializao que no pode, entretanto, ocorrer atravs do aparato
neoconstitucionalista. No se pretende desmerecer por completo a importncia
que o neoconstitucionalismo teve e tem para o direito constitucional brasileiro.
Se hoje temos mais Constituio e constitucionalismo do que tnhamos em
198877 um dos grandes responsveis este movimento terico-ideolgico.
Contudo, chegada a hora de realizarmos uma parada terica para que
possamos defender a Constituio com mais serenidade e coerncia. A defesa da
Constituio no pode significar um agir irresponsvel na sua concretizao,
ainda que esta irresponsabilidade seja camuflada por aparatos tericos e
metodolgicos convincentes.
75 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso.Constituio, hermenutica e teorias discursivas, p. 387-394
76 Wlber Araujo.Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva: uma teoria dialgica do direito, p. 272.
77
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