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Referecircncia
VIANA Terezinha de Camargo et al Psicologia cliacutenica e cultura contemporacircnea Brasiacutelia Liber Livros 2012 555 p
Coleccedilatildeo Psicologia Cliacutenica e Cultura UnB
Organizadoras
Terezinha de Camargo VianaGlaacuteucia Starling DinizLiana Fortunato Costa
Valeska Zanello
Psicologia Cliacutenica eCultura Contemporacircnea
Volum
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Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo emPsicologia Cliacutenica e Cultura
Instituto de Psicologia
Volume I
P974 Psicologia cliacutenica e cultura contemporacircnea Terezinha de Camargo Viana et all (orga-nizadoras) -- Brasiacutelia Liber Livros 2012555p (Coleccedilatildeo Psicologia Cliacutenica e Cultura UnB 1)ISBN 978-85-7963-114-61 Psicologia cliacutenica 2 Psicanaacutelise 3 Psicoterapia e Tratamento 4 Saude Mental 5 Trans-tornos alimentares 7 Drogadiccedilatildeo Adolescecircncia 9 Gecircnero e violecircncia Avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica ITerezinha de Camargo Viana IIGlaacuteucia Starling Diniz III Liana Fortunato Costa IV Valeska ZanelloV TiacutetuloCDU ndash 1599364658=1331=1343
Iacutendices para cataacutelogo sistemaacutetico
1 Psicologia Psicoterapia Problemas sociais 15993646582 Problemas sociais Psicologia 3646581599
REITOR
Ivan Marques de Toledo Camargo
DECANO DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO
Jaime Martins de Santana
DIRETOR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Hartmut Gunther
CHEFE DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLIacuteNICA
Balsem Pinelli Junior
COORDENADORA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM PSICOLOGIA CLIacuteNICA E CULTURA
Terezinha de Camargo Viana
FUNDACcedilAtildeO UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
CONSELHO EDITORIAL
Bernadete A Gatti
Iria Brzezinski
Maria Ceacutelia de Abreu
Osmar Favero
Pedro Demo
Rogeacuterio de Andrade Coacuterdova
Sofia Lerche Vieira
PROJETO GRAacuteFICO CAPA E DIAGRAMACcedilAtildeO
Leandro Celes ltleandrocelesgmailcomgt
EDITORA
Liber Livro Editora Ltda
wwwliberlivrocombr
Organizaccedilatildeo
Terezinha de Camargo Viana
Glaacuteucia Starling Diniz
Liana Fortunato Costa
Valeska Zanello
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura
Universidade de Brasiacutelia
2012
Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea
Coleccedilatildeo Psicologia Cliacutenica e Cultura UnB - Volume I
Sumaacuterio
Sobre os autores 10
Apresentaccedilatildeo 26
Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida 32
Teresa Cristina O Carreteiro
Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual 47
Bruno NogueiraLiana Fortunato Costa
A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil 67
Maria Inecircs GandolfoRaquel Cairus
Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica 87
Elvia Taracena
Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo 141
Teresa Cristina O C CarreteiroAlan Teixeira LimaBianca Cauper BohnertClaacuteudia Valente Lopes Daniela Serrina de Lima RodriguesLeticia de Luna FreireLuciana Ribeiro BarbosaMarcos Ceacutesar da Rocha Salema
De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento 155
Luiz Felipe Castelo Branco da Silva Maria Faacutetima Olivier Sudbrack
Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila 171
Adriana Barbosa Soacutecrates Maria Faacutetima Olivier Sudbrack
Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees 193
Eugene Enriquez
Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea 204
Luiz Augusto Monnerat Celes
Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010 227
Christian Ingo Lenz Dunker
Corpo em psicanaacutelise e obesidade 242
Eliana Rigotto Lazzarini Carolina Franccedila Batista Terezinha de Camargo Viana
Corpo e dor na cliacutenica contemporacircnea 256
Maacutercia Cristina MaessoDaniela Scheinkman ChatelardAndrea Horteacutelio Fernandes
Narcisismo e estados limites 268
Maacutercia Teresa Portela de CarvalhoEliana Rigotto Lazzarini Terezinha de Camargo Viana
O Aleph a condensaccedilatildeo e o umbigo do sonho 281
Tainaacute Pinto Tania Rivera
A interaccedilatildeo alimentar matildee-bebecirc em crianccedilas com transtornos da alimentaccedilatildeo 297
Dione de Medeiros Lula ZavaroniTerezinha de Camargo VianaMassimo Ammaniti
O lugar do psicanalista com uma crianccedila autista estar laacute para ser encontrado 313
Maria Izabel TafuriGilberto Safra
Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias 330
Valeska ZanelloFrancisco Martins
Adolescecircncia na psicanaacutelise nascimento do conceito e perspectivas teoacutericas atuais 349
Laiacutes Macecircdo Vilas BoasDeise Matos do Amparo
Prevenccedilatildeo em perinatalidade uma pesquisa internacional 366
Maria Izabel TafuriDione Lula ZavaroniMaria do Rosaacuterio Dias VarelaMaria Cicilia de Carvalho RibasClaude Schauder Janaiacutena Franccedila
Dos proacutedromos da intervenccedilatildeo precoce nas psicoses agrave fenomenologia das primeiras crises psiacutequicas graves 380
Ileno Iziacutedio da CostaNeriacutecia Regina de Carvalho
Famiacutelia e sauacutede mental a percepccedilatildeo dos adolescentes e de seus paiscuidadores 414
Juacutelia Sursis Nobre Ferro Bucher-MaluschkeCamila de Aquino MoraisDeise Matos do AmparoMaria Aparecida PensoKarl Christoph Kaumlppler
8
Casamento e famiacutelia uma reflexatildeo sobre desafios da conjugalidade contemporacircnea 430
Glaacuteucia DinizTerezinha Feacuteres-Carneiro
Sexismo e heterossexismo do impacto sobre a sauacutede agraves possibilidades de prevenccedilatildeo 448
Sheila Giardini MurtaZilda A P Del Prette Almir Del Prette Valeska Zanello
O conceito de crise na Cliacutenica da Intervenccedilatildeo em Crise 470
Marcelo TavaresBlanca Susana Guevara Werlang
Hipnose espiritualidade amp cultura problemas de pesquisa cliacutenica 494
Mauricio S Neubern
Registro Cliacutenico funccedilotildees e benefiacutecios 514
Meirilane NavesMarcelo TavaresAlexandre DomanicoAnna Elisa de Villemor-Amaral
Uma visatildeo binocular sobre o sonho e o sonhar o encontro entre psicologia e antropologia 532
Roque GuiVera Lucia Decnop Coelho
9
10
Sobre os autoresAdrianaBarbosaSoacutecrates
Universidade de Brasiacutelia
Doutoranda em Psicologia Cliacutenica e Cultura - PPG PsiCCPCLIPUnB Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura PPGPsiCCPCLIPUnB Especialista em Teoria Psicanaliacutetica absocratesgmailcom
AlanTeixeiraLimaUniversidade Federal Fluminense - UFF
Atua como psicoacutelogo cliacutenico nos seguintes contextos chefe da Seccedilatildeo Psicossocial na UFF membro da Equipe de Referecircncia Infanto-juvenil para accedilotildees de atenccedilatildeo ao uso de Aacutelcool e outras Drogas (ERIJAD) e membro do Nuacutecleo de Apoio agrave Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Realiza pesquisas sobre as seguintes temaacuteticas atenccedilatildeo psicssocial trabalho drogas juventude violecircncia cidadania gestatildeo e poliacuteticas puacuteblicas
AlexandreDomanicoFaculdade de Ciecircncias Sociais e Tecnoloacutegicas ndash FACITEC
Escola Nacional de Administraccedilatildeo Puacuteblica ndash ENAP
Professor na graduaccedilatildeo em Administraccedilatildeo e na poacutes-graduaccedilatildeo em Gestatildeo de Pessoas FACITEC Professor na poacutes-graduaccedilatildeo em Gestatildeo de Pessoas ENAP Especialista em Administraccedilatildeo Estrateacutegica de Sistemas de Informaccedilotildees FGV Mestre em Psicologia Cliacutenica UnB Consultor organizacional desde 1996 Psicoacutelogo Atuaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica com abordagem psicodinacircmica (2000-2010) domanicoymailcom
11Sobre os autores
AlmirDelPretteUniversidade Federal de Satildeo Carlos
Professor Titular Orientador nos Programas de Educaccedilatildeo Especial e Psicologia Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Experiecircncia na aacuterea de Psicologia com ecircnfase em Processos Grupais e de Comunicaccedilatildeo Temas de pesquisa habilidades sociais competecircncia social assertividade intervenccedilatildeo em grupo e desenvolvimento interpessoal adpretteufscarbr
AndreaHorteacutelioFernandesUniversidade Federal da Bahia
Professora adjunta do Instituto de Psicologia da UFBA onde atua na graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo Poacutes-doutora em Psicologia Cliacutenica e Cultura PPGPsiCCPCLIPUnB Mestre em Psicanaacutelise Universiteacute de Paris VIII Doutora em Psicopatologia Fundamental e Psicanaacutelise Universiteacute de Paris VI Psicanalista ahfernandes03gmailcom
AnnaElisadeVillemor-AmaralUniversidade Satildeo Francisco - Faculdade de Psicologia da PUCSatildeo Paulo
Professora Associada Doutora do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Satildeo Francisco Professora da Faculdade de Psicologia da PUCSatildeo Paulo Graduaccedilatildeo em psicologia PUCSP Mestrado e doutorado em Ciecircncias UNIFESPEPM Poacutes-doutorado Universidade de Savoia Franccedila (2003) Liacuteder do grupo de pesquisa Avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica em Sauacutede Mental Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq Coordenadora do GT de Meacutetodos Projetivos da ANPEPP (2008 a 2012) Desenvolve pesquisas na aacuterea de psicologia da sauacutede e psicopatologia com Meacutetodos Projetivos annavillemorusfedubr
BiancaCauperBohnertUniversidade Federal Fluminense - UFF
Aluna de Graduaccedilatildeo do Curso de Psicologia UFF bolsista da UFF Estagiaacuteria da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
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BlancaSusanaGuevaraWerlangPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul
Diretora (2005 a 2009) e Professora Titular da Faculdade de Psicologia da PUCRGS Psicoloacuteloga Especializaccedilatildeo em Diagnoacutestico Psicoloacutegico Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade PUCRGS Doutorado em Ciecircncias MeacutedicasSauacutede Mental Universidade Estadual de Campinas Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq Membro do Grupo de Trabalho instituiacutedo para implantar a Estrateacutegia Nacional de Prevenccedilatildeo ao Suiciacutedio do Ministeacuterio da Sauacutede Brasil (2005- 2006) Membro da Comissatildeo Consultiva em Avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica do Conselho Federal de Psicologia bwerlangpucrsbr
BrunoNogueiradaSilvaCostaUniversidade de Brasiacutelia
Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura - PPG PsiCCPCLIPUnB Psicoacutelogo do Centro de Atenccedilatildeo e Estudos Psicoloacutegicos (CAEP) do Instituto de Psicologia da UnB psico_brunocostayahoocombr
CamiladeAquinoMoraisUniversidade de Brasiacutelia
Doutoranda em Psicologia Cliacutenica e Cultura - PPG PsiCCPCLIPUnB Bolsista do CNPqPsicoacuteloga Mestre em Psicologia do Desenvolvimento UFRGS camilasmoraisgmailcom
CarolinaFranccedilaBatistaUniversidade de Brasiacutelia
Mestranda do Programa Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura - Bolsista do CNPq Especializaccedilatildeo em Teoria Psicanaliacutetica UnB Psicoacuteloga Cliacutenica carolinapsifbgmailcom
13Sobre os autores
ChristianIngoLenzDunkerUniversidade de Satildeo Paulo
Professor Associado do Departamento de Psicologia Cliacutenica do Instituto de Psicologia da USP Poacutes-doutorado - Manchester Metropolitam University Livre Docecircncia - Instituto de Psicologia da USP Psicanalista Analista Membro da Escola de Psicanaacutelise do Forum do Campo Lacaniano Autor de Estrutura e constituiccedilatildeo da cliacutenica psicanalitica - Precircmio Jabuti 2012 ndash Melhor Livro de 2012 em Psicologia e Psicanaacutelise
ClaudeSchauderUniversidade de Strasbourg-Franccedila
Professor Associado da Faculdade de Psicologia da Universidade de Strasbourg-Franccedila Orientador de Mestrado e de Doutorado Psicoacutelogo Presidente da Associaccedilatildeo ldquoLire Dolto aujourdrsquohuirdquo-Paris-Franccedila Coordenador da Pesquisa Internacional sobre ldquoPrevenccedilatildeo em Parentalidade estudo comparativo inter-culturalrdquo e do Plano de Perinatalidade na Franccedila-2005-2007) ncschauderhotmailcom
ClaacuteudiaValenteLopesUniversidade Federal Fluminense - UFF
Psicoacuteloga
DanielaScheinkmanChatelardUniversidade de Brasiacutelia
Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Graduaccedilatildeo em Psicologia Universidade Santa Uacutersula Mestrado em Psicanalise Universite de Paris VIII Doutorado em Filosofia Universite de Paris VIII Autora do livro O Conceito de Objeto na Psicanaacutelise do fenocircmeno agrave escrita Ed Universidade de Brasiacutelia 2005 Membro fundador da Abebecirc - Associaccedilatildeo Brasileira de Estudos sobre o Bebecirc Temas de pesquisa transferecircncia constituiccedilatildeo subjetiva objeto sujeito gozo e desejo Analista membro da Escola dos Foacuteruns do Campo Lacaniano-IF dchatelardgmailcom
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DanielaSerrinadeLimaRodriguesUniversidade Federal Fluminense - UFF
Psicoacuteloga
DeiseMatosdoAmparoUniversidade de Brasiacutelia
Professora do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Doutora em Psicologia - UnB Poacutes-Doutorado - Laboratoacuterio de Psicopatologia Cliacutenica da Universidade Paris Descartes - Franccedila Bolsista de Produtividade do CNPq e pesquisadora da FAPDF Temas de pesquisa psicopatologia meacutetodo de Rorschach psicodiagnoacutestico risco psicossocial violecircncia adolescecircncia Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Rorschach e Meacutetodos Projetivos - ASBRO (20112014) deiseamparomatosgmailcom
DioneLulaZavaroniUniversidade de Brasiacutelia
Psicoacuteloga Doutora em Psicologia Cliacutenica e Cultura-UnB Pesquisadora do Laboratoacuterio de Psicanaacutelise e Subjetivaccedilatildeo e do PPGPsiCC Coordenadora do Grupo de Atendimento a Crianccedilas com Dificuldades e Transtornos da AlimentaccedilatildeoVice-coordenadora do Centro de Atendimento e Estudos Psicoloacutegicos CAEPIPUnB zavaroniunbbr
ElianaRigottoLazzariniUniversidade de Brasiacutelia
Professora Adjunto do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Doutorado em Psicologia e Mestrado em Psicologia Cliacutenica UnB Psicoacuteloga cliacutenica Especialista em Teoria Psicanaliacutetica - UnB e Psicodrama Terapecircutico - Federaccedilatildeo Brasileira de Psicodrama Temas de Pesquisa psicanaacutelise narcisismo e cultura contemporacircnea distuacuterbio alimentar (anorexia bulimia obesidade) e intervenccedilatildeo terapecircutica elianarlterracombr
15Sobre os autores
ElviaTaracenaUniversidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico
Profesora Investigadora de la Facultad de Estudios Superiores-Iztacala de la Universidad Nacional Autoacutenoma de Meacutexico etaracenaryahoocom
EugeneEnriquezUniversiteacute Paris VII ndash Denis Diderot
Professor emeacuterito do Laboratoire de Changement Social Redator chefe da ldquoNouvelle Revue de Psychosociologierdquo Fundador do CIRFIP ndash Centre International de Recherche Formation et Intervention Psychosociologiques
FranciscoMartinsUniversidade Catoacutelica de Brasiacutelia - Universidade de Brasiacutelia
Professor na Graduaccedilatildeo e na Poacutes-graduaccedilatildeo da Universidade Catoacutelica de Brasiacutelia Professor Titular aposentado da Universidade de Brasiacutelia e Pesquisador Colobaorador Senior doDepartamento de Psicologia Clinica e do PPG PsiCC Mestrado em Psicologia pela UnB (1982) Mestrado (1984) e Doutorado em Psicologia Universidade de Louvain (1986) Poacutes-doutorado na Universidade de Louvain (1998) e Kent University (Inglaterra) Temas de pesquisa psicopatologia psicoterapia sauacutede mental linguagem atos de fala metaacutefora placebo e processos de cura fmartinsunbbr
GilbertoSafraUniversidade de Satildeo Paulo
Professor Titular do Instituto de Psicologia (USP) Professor assistente doutor da PUCSP Graduaccedilatildeo em Psicologia (1976) mestrado em Psicologia Cliacutenica pela Universidade de Satildeo Paulo (1984) e doutorado em Psicologia Cliacutenica pela Universidade de Satildeo Paulo (1990) Coordenador do LET- Laboratoacuterio de Estudos da Transicionalidade e do Instituto Sobornost Temas de pesquisa psicanalise psicanalise-clinica-winnicott psicologia psicanalise-winnicott e pesquisa- poacutesgraduaccedilatildeo
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GlaacuteuciaRibeiroStarlingDinizUniversidade de Brasiacutelia - UnB
Professora do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Graduaccedilatildeo em Psicologia UFMG Especializaccedilatildeo em Sauacutede Coletiva pela Escola de Sauacutede de Minas GeraisUFMGFIOCRUZ Mestrado e Doutorado no Marriage And Family Therapy Program - United States International UniversityAlliant International University EUA Temas de pesquisa famiacutelia casamento contemporacircneo interaccedilatildeo gecircnero casamento e trabalho gecircnero e violecircncia gecircnero e sauacutede mental gdinizunbbr
IlenoIziacutediodaCostaUniversidade de Brasiacutelia - UnB
Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Coordenador do Grupo Personna - Estudos e Pesquisas sobre perversatildeo psicotia e criminalidade e do Grupo de Intervenccedilatildeo Precoce nas Psicoses - GIPSI Presidente da Associaccedilatildeo de Sauacutede Mental do Cerrado (ASCER) Temas de pesquisa psicoses esquizofrenia psicopatologia sauacutede mental psicoterapias psicanaacutelise famiacutelia casal teoria sistecircmica filosofia da mente e da linguagem intervenccedilatildeo precoce nas psicoses poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede mental aacutelcool e outras drogas luta antimanicomial e reforma psiquiaacutetrica ilenounbbr
JanaiacutenaFranccedilaUniversidade de Brasiacutelia - UnB
Doutoranda do Programa de Psicologia Cliacutenica e Cultura PCLIPUnB Pesquisadora do Laboratoacuterio de Psicopatologia e Psicanaacutelise Membro da equipe da pesquisa ldquoPrevenccedilatildeo em Parentalidade estudo comparativo interculturalrdquo Psicoacuteloga janainaffcyahoocomb
17Sobre os autores
JuacuteliaSursisNobreFerroBucher-MaluschkeUniversidade Catoacutelica de Brasiacutelia
Doutora em Psicologia e Sexologia pela Universidade Catoacutelica de Louvain Beacutelgica Fullbright Scholar na St Johnrsquos University New York EEUU Poacutes-doutorado na Universidade de Tuumlbigen Alemanha Professora Emeacuterita da Universidade de Brasiacutelia UNB Professora da Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia - UCB Docente colaboradora do PPGPsiCC Coordenadora do GT Famiacutelia Processos de Desenvolvimento e Promoccedilatildeo da Sauacutede da Associaccedilatildeo Nacional de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia ( ANPEPP) psibuchergmailcom
KarlChristophKaumlpplerTechnische Universitaumlt Dortmund
Psicoacutelogo Albert-Ludwigs-Universitaumlt Freiburg (1987) Mestrado Childrens Rights - Universite de Fribourg (2004) Mestrado Psicologia (1990) e Doutorado em Psicologia - Albert-Ludwigs-Universitaumlt Freiburg (1994) Diretor do Conruhr Ameacuterica-Latina - Universitaumltsallianz Metropole Ruhr Professor - Technische Universitaumlt Dortmund
LaiacutesMacecircdoVilasBoasUniversidade de Brasiacutelia
Mestranda do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura Bolsista de Mestrado - CNPq Psicoacuteloga
LeticiadeLunaFreireUniversidade Federal Fluminense - UFF
Psicoacuteloga Pesquisadora da UFF Doutorado em Antropologia UFF Mestrado em Psicologia Social UERJ
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LianaFortunatoCostaUniversidade de Brasiacutelia
Professora do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura - PPGPsiCCPCLIPUnB Psicoacuteloga Terapeuta Conjugal e Familiar Psicodramatista Doutora em Psicologia Cliacutenica pela USP Poacutes-doutorado em Psicossociologia ndash Histoacuteria de Vida UFF Temas de pesquisa relaccedilotildees interpessoais famiacutelia abuso sexual comunidade adolescecircncia exclusatildeo social e violecircncia sexual lianafterracombr
LucianaRibeiroBarbosaUniversidade Federal Fluminense - UFF
Psicoacuteloga Curso de Especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia pela ENSP - Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Seacutergio Arouca FIOCRUZ Trabalha no NASF-Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (Janauacuteba-MG)
LuizAugustoMonneratCeles Universidade de Brasiacutelia
Pesquisador Colaborador Senior Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura (IP-UnB) Professor Titular aposentado do Departamento de Psicologia Cliacutenica da UnB tendo atuado na graduaccedilatildeo poacutes-graduaccedilatildeo estrito senso e lato senso Doutor em Psicologia Cliacutenica - PUC-Rio Poacutes-doutorados - UCL Beacutelgica 1996 PUC-SP 2003 PUC-Rio 2010 Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Temas de pesquisa cliacutenica psicanaliacutetica temporalidade sexualidade pulsatildeo Freud e processos de subjetivaccedilatildeo lamcelesgmailcom
LuizFelipeCasteloBrancodaSilvaCentro de Atenccedilatildeo Psicossocial em Aacutelcool e outras Drogas - Sobradinho II DF
Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura (PPGPsiCCPCLIPUnB Terapeuta Familiar e de Casais (PUCGO) Especialista em Teoria e Praacutetica Junguiana (UVA-RJ) Gerente do CAPSad-Sobradinho II Distrito Federal Docente do Centro Regional de Referecircncia - Universidade de Brasiacutelia
19Sobre os autores
MarceloTavaresUniversidade de Brasiacutelia
Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPG PsiCC PCLIPUnB Graduaccedilatildeo em psicologia - UFMG Mestre e Doutor em Psicologia Cliacutenica - United States International University Especialista em Psicanaacutelise - Teorias das Relaccedilotildees Objetais Washington School of Psychiatry Coordenador do Nuacutecleo de Intervenccedilatildeo em Crise e Prevenccedilatildeo do Suiciacutedio desde 1995 Membro do Grupo de Trabalho para implantar a Estrateacutegia Nacional de Prevenccedilatildeo ao Suiciacutedio do Ministeacuterio da Sauacutede Brasil (2005- 2006) Membro da Comissatildeo Consultiva em Avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica do Conselho Federal de Psicologia Temas de pesquisa psicoterapia intervenccedilatildeo em crise e seus temas correlatos - a psicopatologia o psicodiagnoacutestico cliacutenico as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e a prevenccedilatildeo em Sauacutede Mental marsatavaresgmailcom
MaacuterciaCristinaMaessoUniversidade de Satildeo Paulo
Doutora em Psicologia Cliacutenica pelo Instituto de Psicologia da USP Psicanalista Poacutes-doutoranda do Programa de Psicologia Cliacutenica e Cultura IP UnB maessomterracombr
MaacuterciaTeresaPorteladeCarvalhoUniversidade de Brasiacutelia
Pesquisadora Colaboradora Plena do Laboratoacuterio de Subjetivaccedilatildeo e Psicanaacutelise Professora Substituta do Departamento de Psicologia Cliacutenica Doutora em Psicologia Cliacutenica e Cultura (UnB) Especialista em Teoria Psicanaliacutetica e Gestalt Terapia cptmarciabrturbocombr
MarcosCeacutesardaRochaSalemaUniversidade Federal Fluminense - UFF
Psicoacutelogo
20
MariaAparecidaPensoUniversidade Catoacutelica de Brasiacutelia
Professora do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia UCB Psicoacuteloga Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasiacutelia Poacutes-doutorado no Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Universidade Federal Fluminense Assessora Teacutecnica do Nuacutecleo de Sauacutede do Adolescente da Secretaria de Sauacutede do Distrito Federal pensoucbbr
MariaCiciliadeCarvalhoRibasUniversidade Federal de Pernambuco
Professora Adjunta de Psicologia do CAV-UFPEDoutora em Psicologia Clinica Universite Paris 5 Pesquisadora colaboradora do projeto de pesquisa ldquoPrevenccedilatildeo em Parentalidade estudo comparativo interculturalrdquo ciciribahotmailcom
MariadoRosaacuterioDiasVarelaUniversidade Paulista ndash Campus Brasiacutelia
Professora titular e coordenadora do Curso de PsicologiaUnipBrasiacutelia Psicoacuteloga e psicanalista Doutora em Psicologia Cliacutenica e Cultura Pesquisadora do Projeto ldquoPrevenccedilatildeo em Parentalidade estudo comparativo interculturalrdquo conjuntamente com o Laboratoacuterio de Psicopatologia do IPUnB mrvarellahotmailcom
MariaFaacutetimaOlivierSudbrackUniversidade de Brasiacutelia
Professora Titular do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCC PCLIPUnB Coordenadora do Programa de Estudos e Atenccedilatildeo agraves Dependecircncias Quiacutemicas ndash PRODEQUI Doutora- Psicologia Universiteacute de Paris XIII Poacutes-Doutora em Psicossociologia Universiteacute Paris VII Especialista - Terapia Familiar e Psicologia Juriacutedica CEFA- Centre drsquoEtudes de la FamilleParis) Coordenadora - Comitecirc Gestor do Programa de Proteccedilatildeo de Adolescentes Ameaccedilados de MortePPCAAM DF mfosudbrackgmailcom
21Sobre os autores
MariaInecircsGandolfoConceiccedilatildeoUniversidade de Brasiacutelia
Professora do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Psicoacuteloga Especialista em Psicologia Hospitalar Psicodramatista Doutora em Psicologia UnB Poacutes-doutorado UFF Bolsista de Estaacutegio Secircnior da CAPES-University of Toronto Coordenadora do Laboratoacuterio de Famiacutelia Grupos e Comunidades Pesquisadora do Programa de Estudo e Atenccedilatildeo agraves Dependecircncias Quiacutemicas Temas de pesquisa drogadiccedilatildeo adolescentes em conflito com a lei violecircncia meacutetodos qualitativos em pesquisa inclusatildeo social psicodrama e sociodrama fatores de risco sauacutede e reabilitaccedilatildeo inesgandolfogmailcom
MariaIzabelTafuriUniversidade de Brasiacutelia
Professora Adjunto - Departamento de Psicologia CliacutenicaIPUnB Doutora em Psicologia USP Psicoacuteloga e Psicanalista Coordenadora no Brasil da Pesquisa internacional ldquoPrevenccedilatildeo em Parentalidade estudo comparativo interculturalrdquo Pesquisadora do Laboratoacuterio de Psicopatologia e Psicanaacutelise IPUnB Membro Fundador da ABEBE - Associaccedilatildeo Brasileira de Estudos sobre o Bebecirc Membro Fundador da ABRAFIPP Presidente da ABENEPPIDF izabeltafurigmailcom
MassimoAmmanitiUniversidade de Roma La Sapienza
Professor de Psicopatologia do Desenvolvimento Membro do Board of Directors della World Association of Infant Mental Health (WAIMH) Presidente da Associazione Italiana per la Salute Mentale Infantile Psicanalista da International Psychoanalytical Association maammanitinit
MauricioSNeubern
Universidade de Brasiacutelia
Professor Adjunto do Departameto de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Doutor em Psicologia pela UnB com estaacutegio sanduiacuteche no Laboratoire de Changement Social Universiteacute Paris VII Temas de pesquisa
22
ldquoComplexidade das Relaccedilotildees Terapecircuticasrdquo hipnose dores crocircnicas epistemologia da cliacutenica psicoterapia religiatildeo sistemas culturais de cura e cuidado corpo subjetividade e cultura Vice-presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Hipnose Fundador do Instituto Milton Erickson de Brasiacutelia mneubernunbbr
MeirilaneNavesUniversidade de Brasiacutelia
Doutoranda em Psicologia Cliacutenica e Cultura Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura Membro do Nuacutecleo de Intervenccedilatildeo em Crise e Prevenccedilatildeo do Suiciacutedio Graduaccedilatildeo em psicologia UFU Integrante do Programa de Promoccedilatildeo da Sauacutede Integral da UnB Coordenadoria de Intervenccedilatildeo em Crise (desde 2003) ndash funccedilotildees Coordenadora Executiva (2003ndash2009) Coordenadora Cliacutenica (2010ndash2011) e Supervisora Institucional (2011-2012) Bolsista do Projeto REUNI (2009ndash2010) navesmeirilanegmailcom
NeriacuteciaReginadeCarvalho SilvaUniversidade Federal do Maranhatildeo
Psicoacuteloga Cliacutenica da UFMA Especialista em Bioeacutetica (UnB) Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura PPGPsiCCPCLIPUnB Ex-integrante do GIPSI - Grupo de Intervenccedilatildeo Precoce nas Psicoses
RaquelCairusSecretaria de Estado do Desenvolvimento Social - GDF
Psicoacuteloga da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social do Governo do Distrito Federal Mestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura raquelcairushotmailcom
RoqueTadeuGuiDoutor em Psicologia Cliacutenica e Cultura PPGPsiCCPCLIPUnB Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) Psicoacutelogo e psicoterapeuta junguiano roquetadeugmailcom
23Sobre os autores
SheilaGiardiniMurtaUniversidade de Brasiacutelia
Professora Adjunta e Orientadora no PPGPsiCCPCLIPUnB Doutora em Psicologia Social e do Trabalho UnB Estaacutegio de doutoramento na Queensland University of Technology - Brisbane Austraacutelia Poacutes-Doutorado UFSCar Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Temas de pesquisa desenvolvimento e avaliaccedilatildeo de programas de prevenccedilatildeo primaacuteria a riscos para transtornos mentais e promoccedilatildeo de competecircncias associadas agrave sauacutede mental giardiniunbbr
TainaacutePintoMestre em Psicologia Cliacutenica e Cultura PPGPsiCCPCLIPUnB Psicoacuteloga tainahopgmailcom
TaniaRiveraUniversidade Federal Fluminense ndash Universidade de Brasilia
Professora da UFF e Professora Colaboradora do PPGPsiCCPCLIPUnB Graduaccedilatildeo em Psicologia pela UnB Mestrado e Doutorado em Psicologia pela Universiteacute Catholique de Louvain Beacutelgica Poacutes-Doutorado em Artes Visuais na escola de Belas-Artes UFRJ (2006) Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Psicanalista Atua nas aacutereas de teoria e cliacutenica psicanaliacuteticas e fundamentos e criacutetica das taniariverauolcombr
TeresaCristinaOthenioCordeiroCarreteiroUniversidade Federal Fluminense - UFF
Professora titular do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Graduada em Psicologia PUCRJ Doutorado em Psicologia Social Cliacutenica - Universite de Paris VII Poacutes-doutorado em Sociologia Clinica Universiteacute de Paris VII Coordenadora do Laboratoacuterio NUPESV-UFF Associada ao Laboratoire de Changement Social e ao Institut Internacional de Sociologie Clinique Franccedila tecar2uolcombr
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TerezinhadeCamargoVianaUniversidade de Brasiacutelia
Professora Associada do Departamento de Psicologia Cliacutenica e Coordenadora do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Coordenadora do Curso de Especializaccedilatildeo em Teoria Psicanaliacutetica Psicoacuteloga Cliacutenica Doutorado (USP) Poacutes-doutorados Antropologia (UNICAMP) e Psicologia Cliacutenica - Instituto Superior de Psicologia Aplicada ISPA-Lisboa Temas de Pesquisa psicanaacutelise subjetivaccedilatildeo teoria psicanaliacutetica transtornos alimentares feminilidade cultura esteacutetica literatura arte e psicoterapia tcvianaunbbr
TerezinhaFeacuteres-CarneiroPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro
Professora Titular Graduaccedilatildeo em Psicologia PUCRJ Especializaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica - Intervenccedilatildeo Familiar PUCRJ Mestrado em Psicologia Cliacutenica pela PUCRJ Doutorado em Psicologia Cliacutenica pela PUCSP Poacutes-doutorado pela Universidade de Paris V-Sorbonne Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Tem experiecircncia na aacuterea de Psicologia com ecircnfase em Tratamento e Prevenccedilatildeo Psicoloacutegica Temas de pesquisa avaliaccedilatildeo familiar entrevista familiar pesquisa em psicologia tefercapuc-riobr
ValeskaZanelloUniversidade de Brasiacutelia
Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Graduaccedilatildeo em Psicologia (1997) graduaccedilatildeo em Filosofia (2005) e doutorado em Psicologia pela UnB (2005) com periacuteodo de doutorado-sanduiacuteche no Instituto Superior de Filosofia Universithe Catholique de LouvainBeacutelgica (2004) Especializaccedilatildeo em Psicopedagogia pela UFRJ (1999) e em Filosofia e Existecircncia pela UCB (2007) Temas de pesquisa Sauacutede mental Psicopatologia Gecircnero Psicanaacutelise e Filosofia da Linguagem valeskazanellouolcombr
25Sobre os autores
VeraLuciaDecnopCoelhoUniversidade de Brasiacutelia
Professora aposentada e Pesquisadora Colaboradora Plena do Departamento de Psicologia Cliacutenica e do PPGPsiCCPCLIPUnB Graduaccedilatildeo em Psicologia pela UFF Mestrado em Psicologia FGVRJ Mestrado e Doutorado em Psicologia - Case Western Reserve University Temas de pesquisa envelhecimento com ecircnfase em questotildees psiacutequicas e soacutecio-culturais da maturidade e da velhice estrateacutegias de prevenccedilatildeo promoccedilatildeo e tratamento em sauacutede mental de idosos e seus familiares no contexto do Sistema Puacuteblico de Sauacutede modalidades de intervenccedilatildeo grupal de caraacuteter multiinterdisciplinar veradecnopgmailcom
ZildaAPDelPretteUniversidade Federal de Satildeo Carlos
Professora Titular Orientadora nos Programas de Educaccedilatildeo Especial e Psicologia Departamento de Psicologia Graduaccedilatildeo em Psicologia UEL Mestrado em Psicologia Social UFPB Doutorado em Psicologia Experimental USP Poacutes-Doutorado em Psicologia das Habilidades Sociais Universidade da Califoacuternia Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Temas de pesquisa relaccedilotildees Interpessoais habilidades sociais competecircncia social assertividade praacutetica pedagoacutegica e desenvolvimento interpessoal zdpretteufscarbr
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Apresentaccedilatildeo
O seacuteculo XXI se inicia sob o signo de intensas mudanccedilas sociais e tecnoloacutegicas Giddens
em Mundo em descontrole o que a globalizaccedilatildeo estaacute fazendo de noacutes afirma que vivemos
em ldquoum mundo em descontrolerdquo e que tal descontrole eacute produto de dinacircmicas ligadas
agrave globalizaccedilatildeo e aos processos econocircmicos e sociais que lhe datildeo sustentaccedilatildeo Tais movi-
mentos influenciam profundamente a vida cotidiana mudam a vida social e as formas
de inserccedilatildeo no mundo do trabalho e transformam tambeacutem a vida privada e os proces-
sos afetivo-relacionais
A preocupaccedilatildeo com esse embate entre velhos e novos modelos e seu impacto sobre a
condiccedilatildeo humana e social marca a produccedilatildeo cientiacutefica em aacutereas como a psicologia a
sociologia a histoacuteria a literatura dentre outras Atravessa continentes e busca desnu-
dar a complexidade de fatores que afetam a vida contemporacircnea Reflexotildees de Giddens
(2005) e de Jablonski (19911998) ndash um inglecircs o outro brasileiro um escrevendo na
metade da primeira deacutecada do seacuteculo XXI e o outro problematizando processos que jaacute
anunciavam mudanccedilas e rupturas em nossa forma de viver ao longo da uacuteltima deacutecada
do seacuteculo XX constituem exemplos desse comprometimento Ambos os autores cha-
mam atenccedilatildeo para o fato que vivemos em um mundo que privilegia o instante a rup-
tura o descartaacutevel as novidades ou seja tudo que revele desapego e que se oponha a
qualquer ideia de permanecircncia O fato eacute que o acesso a formas de comunicaccedilatildeo raacutepidas
estaacute a alterar o modo de funcionar das pessoas e suas expectativas pessoais relacionais
e sociais (Diniz 2012)
27Apresentaccedilatildeo
Vivemos portanto em um novo tempo pautado pela secularizaccedilatildeo da vida pela minimi-
zaccedilatildeo dos preceitos e da moral religiosa pelo aumento da longevidade pelo surgimento
de novas tecnologias de fertilizaccedilatildeo e de controle da natalidade Tudo isso associado
agraves mudanccedilas nos eixos estruturantes das relaccedilotildees ou seja ao valor dado ao afeto e ao
amor agrave sexualidade agrave individualidade ao sucesso pessoal profissional e financeiro agrave
satisfaccedilatildeo obtida na relaccedilatildeo e no trabalho tem produzido impactos profundos em todas
as aacutereas da vida (Diniz 2012 Jablonski 19911998)
Ao revisitar e refletir sobre trabalhos que pautaram a construccedilatildeo de uma suposta identi-
dade cultural brasileira Rago (2006) aponta que esses tinham em comum a busca por
pontos fixos por uma ldquoldquo essenciardquo oculta nas profundezas da terra e da psiquerdquo (pg 4)
No entanto a autora eacute contundente ao afirmar que
ldquo() as constantes desterritorializaccedilotildees a que somos expostos cotidianamente tecircm abalado tatildeo profundamente o sentimento de pertencimento a um grupo fixo como a Naccedilatildeo que necessitamos de outros operadores conceituais para a compreensatildeo do presente para nos situarmos no mundo e tambeacutem para reorganizarmos nosso espaccedilo interno delimitando a constituiccedilatildeo de novas subjetividades fugazes e mutantes antes impensaacuteveis (pg 4)rdquo
Tais mudanccedilas colocam vaacuterios desafios para noacutes psicoacutelogos Koocher (2007) aponta
que um deles eacute (re) pensar o papel social da psicologia e sua missatildeo de contribuir para
a sauacutede e o bem estar das pessoas Outro desafio segundo o autor eacute considerar como
as novas tecnologias vatildeo afetar a forma de prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave distacircncia e por meios
eletrocircnicos E uma vez que esses dois processos nos colocam desafios eacuteticos o autor nos
convida a (re) ver nossas responsabilidades enquanto pessoas e profissionais
O Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura ao eleger o debate entre a
Cliacutenica e as vaacuterias dimensotildees da Cultura como o eixo articulador de sua estrutura de
ensino e pesquisa assume o compromisso claro de contribuir com essa reflexatildeo O
livro que ora apresentamos Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea tem a pretensatildeo
de lanccedilar luz sobre a multiplicidade de possibilidades de se pensar e fazer a psicologia
cliacutenica na atualidade
Falemos brevemente como estruturamos Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea
Como linhas a entrelaccedilar os discursos estatildeo os produtos do conhecimento gerado por
projetos de pesquisa abrigados nas quatro linhas de pesquisa do PPGPsiCC ndash 1 Pro-
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cessos Interacionais no Contexto do Casal da Famiacutelia do Grupo e da Comunidade 2
Psicanaacutelise Subjetivaccedilatildeo e Cultura 3 Psicopatologia Psicoterapia e Linguagem 4 Sauacute-
de Mental e Cultura Contudo tal disposiccedilatildeo primeira de organizaccedilatildeo natildeo se pretende
restrita ao nosso programa de poacutes-graduaccedilatildeo Temos que dizer que nossa produccedilatildeo eacute
construiacuteda num contexto de permanente de interlocuccedilatildeo e de estabelecimento de redes
e parcerias com colegas de outras universidades do paiacutes e do exterior ndash buscamos evi-
denciar esta faceta em diferentes trabalhos Dessa forma podemos dizer que o conjunto
dos trabalhos apresentados permite um debate significativo e ampliado e no cenaacuterio da
psicologia cliacutenica
As pesquisas psicocliacutenicas sobre a realidade brasileira contemporacircnea exigem atenccedilatildeo
especial Os dados censitaacuterios e dados referentes agraves poliacuteticas puacuteblicas e agraves diretrizes ju-
riacutedicas oferecem um paracircmetro importante de anaacutelise de mudanccedilas que vecircm ocorrendo
em diversas aacutereas da vida Resultados do Censo Brasileiro do ano de 2010 foram articu-
lados com resultados de outras pesquisas para apresentar desafios e dilemas que mar-
cam a conjugalidade contemporacircnea A situaccedilatildeo de crianccedilas e adolescentes eacute analisada
do ponto de vista de um aparato juriacutedico de acolhimento e prevenccedilatildeo de exclusatildeo social
Refletir sobre dispositivos poliacuteticos e examinar as proposiccedilotildees c diretrizes presentes
nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a proteccedilatildeo integral de crianccedilas de adolescentes da
mulher e das famiacutelias eacute uma tarefa presente em vaacuterios momentos de Psicologia Cliacutenica
e Cultura Contemporacircnea Aleacutem de problematizar aspectos das Poliacuteticas Nacionais vol-
tadas para esses grupos osas autoresas discutem as possibilidades de inserccedilatildeo e os
limites que essas poliacuteticas colocam para a atuaccedilatildeo de psicoacutelogos
Ainda com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de crianccedilas de adolescentes e de jovens configuram-se
importantes aacutereas de estudos os distuacuterbios alimentares presentes na primeira infacircncia
desafios do autismo infantil pesquisa internacional que explora a constituiccedilatildeo da pa-
rentalidade no mundo atual constituem algumas das temaacuteticas endereccediladas No texto
que abre Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea dados de pesquisa sobre a histoacuteria
laboral de jovens deixam claras as implicaccedilotildees de viver em um cenaacuterio de competiccedilatildeo
de dificuldade de acesso ao trabalho de instabilidade e precariedade que podem gerar o
medo constante do desemprego A vida nas ruas muacuteltiplas formas de trabalho infantil
assim como outras vaacuterias circunstacircncias que levam ao uso e ao traacutefico de drogas foram
temas objeto de pesquisas-intervenccedilotildees
29Apresentaccedilatildeo
As violecircncias dentre elas o abuso sexual ocupa um espaccedilo importante tanto na miacutedia
quanto na academia O estudo de dinacircmicas conjugais e familiares constitui uma ferra-
menta fundamental para a compreensatildeo das manifestaccedilotildees da sexualidade e da violecircn-
cia em especial de fatores que geram situaccedilotildees de abuso sexual de meninos e meninas
Pesquisa- intervenccedilatildeo realizada com adolescentes que cometeram abuso sexual e suas
famiacutelias aponta o uso do Grupo Multifamiliar como estrateacutegia eficaz para conhecer o
pensamento e a realidade de vida desses adolescentes e de suas famiacutelias Ao mesmo
tempo essa teacutecnica permite criar um contexto propiacutecio agrave revisatildeo dos paracircmetros fami-
liares sociais e culturais que permeiam a construccedilatildeo da identidade masculina para que
os jovens possam encontrar formas adequadas de exerciacutecio de sua sexualidade
Haacute que se dizer tambeacutem que sexualidade eacute pensada em perspectivas diversas em Psico-
logia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea A constituiccedilatildeo da sexualidade eacute problematizada
com diferentes ecircnfases em textos de orientaccedilatildeo psicanaliacutetica Outra vertente parte de
uma criacutetica aos modelos heteronormativos Com base em uma perspectiva de gecircnero
questiona-se as praacuteticas culturais que estabelecem modelos riacutegidos para os papeacuteis de
gecircnero que categorizam como desviante uma orientaccedilatildeo sexual que natildeo seja heteroafe-
tiva Interessa agrave psicologia cliacutenica em sua articulaccedilatildeo com uma criacutetica aos paracircmetros
culturais normativos e hegemocircnicos apontar os impactos do sexismo e do heterosse-
xismo da discriminaccedilatildeo e dos preconceitos sobre a sauacutede e em especial sobre a sauacutede
mental Um segundo passo eacute propor estrateacutegias de accedilotildees preventivas no contexto das
poliacuteticas puacuteblicas
O diaacutelogo criacutetico com as poliacuteticas puacuteblicas envolve tambeacutem pensar a questatildeo das psico-
patologias e consequentemente os desafios relacionados agrave avaliaccedilatildeo dos proacutedomos e a
oferta de tratamento diante das manifestaccedilotildees das primeiras crises psicoacuteticas Torna-se
fundamental entender o que constitui uma ldquocriserdquo e as dimensotildees que atestam sua gra-
vidade A maneira como oa profissional concebe a crise influencia o modo como elea
trata pessoas com sofrimento psiacutequico grave
Um nuacutemero expressivo de trabalhos de Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea rela-
cionam-se a questotildees especiacuteficas que comparecem no fazer cliacutenico e agraves demandas cliacuteni-
cas na atualidade ndash as novas patologias e tipos cliacutenicos a avaliaccedilatildeo das psicoterapias os
instrumentais de registros e avaliaccedilotildees cliacutenicas a discussatildeo quanto as diferentes moda-
lidades de intervenccedilatildeo cliacutenica (hipnose psicoterapias existenciais psicanaacutelise atendi-
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mento emergencial etc) a psicossomaacutetica e as questotildees da corporeidade o sonhar e a
cultura a discussatildeo sobre os diferentes espaccedilos de se fazer a clinica psi
Novos tipos cliacutenicos ou seja novas formas de subjetivaccedilatildeo e manifestaccedilotildees de adoeci-
mento satildeo pensadas a partir da interlocuccedilatildeosobreposiccedilatildeo entre modos de ser e estar no
mundo de personagens de mitos e textos claacutessicos e de personagens do agora produtos
de um cotidiano marcado por exigecircncias pressotildees e limitaccedilotildees de natureza diversa
Um conjunto de estudos propotildeem com base em uma leitura psicanaliacutetica reflexotildees
sobre a constituiccedilatildeo do sujeito como processual e imbricada de forma indissociaacutevel
agrave cultura A partir da pergunta ldquoPor que evocar o amorrdquo o papel central do amor na
dinacircmica entre o si mesmo e outro na produccedilatildeo da coesatildeo grupal na constituiccedilatildeo dos
laccedilos sociais assim como na prevenccedilatildeo das patologias narciacutesicas A psicanaacutelise tambeacutem
eacute problematizada tanto como praacutetica cliacutenica de subjetivaccedilatildeo na singularidade de cada
sujeito quanto como teoria e criacutetica da cultura Assim as divergecircncias presentes no inte-
rior da psicanaacutelise assim como as linhas da psicanaacutelise contemporacircnea satildeo exploradas
A riqueza de eixos teoacutericos e metodoloacutegicos marca a produccedilatildeo teoacuterica do PPGPsiCC
Em um dos capiacutetulos a hipnose eacute pensada como dispositivo metodoloacutegico em contextos
cliacutenicos onde as pessoas apresentam temaacuteticas de cunho espiritual Questotildees explo-
radas em Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea revelam que a pesquisa e o fa-
zer cliacutenico atravessam as vaacuterias fazes do ciclo vital e de desenvolvimento promovem
a articulaccedilatildeo entre diversas categorias ndash gecircnero raccedila classe idade niacutevel educacional
condiccedilotildees de vida de sauacutede e de acesso a bens serviccedilos ao trabalho lazer e agrave cultura
O pessoal o relacional e o poliacutetico satildeo vistos como indissociaacuteveis O texto mostra ainda
a importacircncia de entender especificidades da cultura brasileira em sua articulaccedilatildeo com
processos cliacutenicos
Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea evidencia com propriedade a imbricada tes-
situra entre a produccedilatildeo de conhecimento ndash a pesquisa e o compromisso da psicologia
cliacutenica com a construccedilatildeo e investigaccedilatildeo de estrateacutegias de atuaccedilatildeo Como bem aponta
Elvia Taracena uma das autoras deste livro aponta uma caracteriacutestica fundamental da
produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea cliacutenica em seus muacuteltiplos contextos ldquola necesidad
de hacer una investigacion ligada al campo de la intervencion que permita caracterizar la
complejidad del fenomeno de la vidardquo
31Apresentaccedilatildeo
Em Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea as coautorias ndash entre docentes e discen-
tes entre docentes do PPG PsiCC e de outros programas no paiacutes e no exterior assim
como as autorias nacionais e internacionais deixam claro que pensar as muacuteltiplas arti-
culaccedilotildees entre a cliacutenica e a cultura exige abertura para diaacutelogos que revelem o encontro
de distintas estrateacutegias metodoloacutegicas e perspectivas dentro do campo do saber e do
fazer cliacutenico Esperamos que os vaacuterios textos apresentados nesse livro fomentem re-
flexotildees que tenham o potencial de mobilizar novos diaacutelogos entre o grupo de autores e
outros colegas de diversos campos de produccedilatildeo do conhecimento e de atuaccedilatildeo Ousa-
mos desejar que o proacuteximo volume dessa coletacircnea que ora se inicia jaacute contenha frutos
desse diaacutelogo ampliado
Desejamos a todosas uma oacutetima leitura
Terezinha de Camargo Viana
Glaacuteucia Starling Diniz
Liana Costa Fortunato
Valeska Zanello
Referecircncias
Diniz G R S (2012) Ateacute que a vida - ou a morte - os separe anaacutelise de paradoxos das
relaccedilotildees violentas Em Terezinha Feacuteres-Carneiro (org) Capiacutetulo de livro no prelo Satildeo
Paulo Editora Casa do Psicoacutelogo
Giddens A (2005) Mundo em descontrole o que a globalizaccedilatildeo estaacute fazendo de noacutes Rio
de JaneiroSatildeo Paulo Editora Record
Jablonski (19911998) Ateacute que a vida nos separe a crise do casamento contemporacircneo
Rio de Janeiro Agir
Koocher Gerald P (2007) Twenty-first century ethical challenges for psychology
American Psychologist Vol 62(5) 375-384
Rago M (2006) Sexualidade e identidade na historiografia brasileira Revista Aulas
Dossiecirc Identidades Nacionais Glaydson Joseacute da Silva (Org) 2
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Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
TeresaCristinaOCarreteiro
Este texto eacute composto de duas partes que se articulam 1Na primeira parte seratildeo discuti-
das e problematizadas vaacuterias perspectivas que compotildeem o campo de estudo da histoacuteria
de vida O propoacutesito eacute traccedilar aproximaccedilotildees entre estas discussotildees com a perspectiva
teoacuterica e metodoloacutegica denominada ldquoRomance Familiar e Trajetoacuteria Socialrdquo A segunda
parte discorreraacute sobre uma pesquisa que teve por objeto a histoacuteria de vida laboral de jo-
vens Seratildeo debatidas duas zonas de sentido fruto da anaacutelise a obrigaccedilatildeo de se adquirir
muitas formaccedilotildees acadecircmicas e o serviccedilo puacuteblico como campo de projetos profissionais
Histoacuteriahistoacuteriadevidaenarraccedilatildeo
Todo indiviacuteduo participa da construccedilatildeo de uma pluralidade de campos histoacutericos do
grupo familiar comunitaacuterio social entre outros Aqui a referecircncia ao indiviacuteduo eacute con-
1 Conferecircncia dada como Aula Inaugural no Programa de Poacutes graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura Universidade de Brasilia em novembro de 2012
33Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
siderada de modo bastante amplo tanto aqueles que satildeo invisibilizados pela socieda-
de quanto os que satildeo visibilizados ou os que tecircm uma hiper visibilidade Pensamos
que a Histoacuteria natildeo eacute feita soacute pelos poderosos mas por todos os humanos Ela eacute uma
construccedilatildeo e enquanto tal ela se presta a muacuteltiplas interpretaccedilotildees e leituras A Histoacuteria
estaacute sempre sendo construiacuteda e reconstruiacuteda como qualquer outra disciplina social ou
humana recebe influencias da conjugaccedilatildeo de forccedilas que se apossam dela e de outras
forccedilas que lutam por fazecirc-lo (Deleuze 1962)
Se deslocarmos as ideias sobre as forccedilas histoacutericas e sociais para o plano dos sujeitos
diremos que elas tecircm influencias nas construccedilotildees das subjetividades No entanto exis-
tiraacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica continua entre ser influenciado pelas produccedilotildees da histoacuteria
e influenciar as mesmas Deste modo as vaacuterias modalidades interpretativas histoacutericas
e sociais e as construccedilotildees subjetivas estatildeo sempre podendo passar por reconstruccedilotildees
Uma das ideias exposta por Freud em ldquoPsicologia das Massas e anaacutelise do eurdquo eacute que as
relaccedilotildees que interferem no indiviacuteduo desde a sua infacircncia satildeo tambeacutem relaccedilotildees sociais
Ele diz a conhecida frase ldquoNa vida psiacutequica do indiviacuteduo considerado isoladamente o
outro interveacutem regularmente como modelo objeto suporte e adversaacuterio Por este fato
a psicologia individual eacute ao mesmo tempo e simultaneamente uma psicologia socialrdquo
(Freud 1981 p 123) Pode-se desmembrar esta ideia em outras (Carreteiro 1993) - a
identificaccedilatildeo qualquer que seja ela jaacute traz um social incorporado e as grandes noccedilotildees
do pensamento freudiano (pulsotildees fantasias projeccedilotildees etc) natildeo podem ser circunscri-
tas unicamente na perspectiva do pensamento individual agem igualmente no campo
social
A narrativa eacute uma modalidade de compreensatildeo das condiccedilotildees soacutecio histoacutericas de pro-
duccedilatildeo de vida dos sujeitos humanos Ela permite observar o conjunto de eixos que
intervecircm nas histoacuterias de vida (psiacutequicos familiares coletivos sociais econocircmicos e
tantos outros) Eacute atraveacutes da articulaccedilatildeo entre as diversas dimensotildees que atravessam o
indiviacuteduo que a construccedilatildeo subjetiva se faz mantendo sempre certo niacutevel de abertura
visto que a vida nas suas vaacuterias dimensotildees continua sempre pulsando
A narrativa oral ou escrita eacute um principio de expressatildeo do ser vivo que narra seus suces-
sos evoca suas experiecircncias sentimentos e emoccedilotildees sempre vinculados a seu universo
social (Enriquez 2002 p 36) A anaacutelise da histoacuteria de vida vai buscar compreender o
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trabalho da incorporaccedilatildeo da heranccedila ligada agraves origens sociais familiares e institucio-
nais Ela permite estudar as modalidades de como a histoacuteria coletiva tem influecircncia
sobre os destinos individuais (Gaulejac 2005)
Diversos campos teoacutericos estudam as narrativas de vida (Pineau amp Le Grand 1993) Nes-
te texto nos focalizaremos sobre o denominado ldquoRomance Familiar e Trajetoacuteria Socialrdquo
(Gaulejac amp Levy 2000) que faz uma vinculaccedilatildeo entre o que eacute da ordem do psiacutequico
e o que eacute da ordem do social Mas antes de abordaacute-lo percorreremos perspectivas que
tecircm proximidades teoacutericas e que auxiliam a melhor adentrar o campo de nosso estudo
A perspectiva etno socioloacutegica na qual se situa Bertaux (1971 1980) tem por objetivo
estudar um fragmento particular de realidade social histoacuterica compreender como ele
funciona e como se transforma enfocando as configuraccedilotildees das relaccedilotildees sociais os
mecanismos os processos as loacutegicas de accedilatildeo que o caracterizam Em sua obra Bertaux
propotildee chamar a histoacuteria de vida de abordagem biograacutefica (approche biographique)
Esta denominaccedilatildeo ressalta a construccedilatildeo progressiva de uma nova abordagem socioloacutegi-
ca a qual permite conciliar observaccedilatildeo e reflexatildeo Estudando as questotildees voltadas para
o trabalho propotildee denominar as narrativas de vida como narrativas de praacuteticas Sugere
que elas sejam compreendidas natildeo como um objeto uacutenico do qual se busca apreender o
sentido mas sim como um conjunto de relaccedilotildees pessoais e interpessoais As narrativas
de praacuteticas permitem a reconstruccedilatildeo da loacutegica de produccedilatildeo destas praacuteticas e sua vincula-
ccedilatildeo nas relaccedilotildees sociais Cada narrativa de praacutetica eacute concebida como a de um ser huma-
no que eacute influenciado sucessivamente por diferentes subconjuntos de relaccedilotildees sociais
A narrativa de praacutetica favorece a observaccedilatildeo do processo de distribuiccedilatildeo dos seres hu-
manos nas relaccedilotildees sociais o qual Bertaux denomina processo de antropo-distribuiccedilatildeo
Concebe a produccedilatildeo antroponocircmica como a produccedilatildeo da energia humana (Bertaux
1973) tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo (concretizaccedilatildeo na praacutexis
Ex energia do artesatildeo do homem de negoacutecios da dona de casa entre outros) A famiacute-
lia para o autor eacute o lugar principal de produccedilatildeo antroponocircmica Natildeo se refere agrave famiacute-
lia no sentido global mas especiacutefico operaacuteria burguesa camponesa entre outras As
relaccedilotildees que determinam as praacuteticas de cada uma delas satildeo diferentes O que vai ser
determinante eacute a vinculaccedilatildeo das famiacutelias nas relaccedilotildees de classe
35Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
O ser humano vai ser portador da maneira como ele eacute produzido Pode-se deste modo
afirmar que ele eacute portador de traccedilos de praacuteticas Esta questatildeo eacute importante pois toda
narrativa conteacutem elementos que se vinculam a forma como o narrador se insere no es-
paccedilo social do qual faz parte A ideia impliacutecita eacute que a perspectiva social tem uma forte
influecircncia na construccedilatildeo do humano e as modalidades de praacuteticas sociais satildeo incorpo-
radas ao sujeito
Eacute atraveacutes das narrativas que o sentido que os indiviacuteduos datildeo para suas accedilotildees vai poder
ser apreendido Toda narrativa faraacute referecircncias impliacutecitas ou expliacutecitas a diversos per-
tencimentos sociais a uma variedade de instituiccedilotildees grupos (famiacutelia escola trabalho
vida associativa amigos etc) e organizaccedilotildees Deste modo a dimensatildeo coletiva estaacute sem-
pre presente na narrativa Quando ela eacute oral se dirige sempre a um outro seja o ouvinte
uma pessoa um grupo ou ainda um pesquisador Quando eacute escrita pode ou natildeo ser
dirigida a um puacuteblico bem especifico como o citado acima
Quando estudamos a histoacuteria de vida podemos dizer que a narrativa autobiograacutefica eacute
uma praacutetica humana (Ferrarotti 1983) Ferrarotti considera se inspirando em Sartre
que toda praacutetica individual humana eacute uma atividade sinteacutetica uma totalizaccedilatildeo ativa do
conjunto do contexto social Uma vida eacute uma praacutetica que se apropria de relaccedilotildees sociais
as interiorizando e as retransformando em estruturas psicoloacutegicas atraveacutes da atividade
de desestruturaccedilatildeo-reestruturaccedilatildeo Em cada um de nossos atos sonhos deliacuterios e com-
portamentos encontramos o sistema social Para este autor todo indiviacuteduo eacute um poacutelo
ativo na rede de relaccedilotildees Quando afirma que ele tem uma praacutetica sinteacutetica quer signi-
ficar que ele se apropria do social o midiatizando o filtrando e o projetando em outra
dimensatildeo ou seja a dimensatildeo de sua subjetividade
Porque pensamos que a narraccedilatildeo da histoacuteria de vida permite conhecer natildeo soacute os in-
diviacuteduos mas ainda o contexto social no qual eles foram produzidos Pois ldquoSe cada
indiviacuteduo representa a reapropriaccedilatildeo singular do universo social e histoacuterico que o cerca
poderemos conhecer o social partindo da especificidade irredutiacutevel de uma praacutetica in-
dividualrdquo (Ferrarotti 1983 p 51) Por isto o autor considera ser possiacutevel conhecer ldquouma
sociedade atraveacutes de uma biografiardquo o que se desdobra na ideia de que uma biografia
natildeo eacute unicamente a narrativa de experiecircncias vividas por um indiviacuteduo mas ela se apre-
senta tambeacutem como uma microrrelaccedilatildeo social
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Consideramos que a escuta e a anaacutelise das narrativas biograacuteficas devem poder estar
atentas a vaacuterios aspectos as zonas cronificadas que se repetem assim como as sinaliza-
ccedilotildees de movimentos espontacircneos e novos que participam de sua construccedilatildeo A escuta
plural vai ser sensiacutevel agrave pluralidade de dimensotildees que compotildeem as narrativas Por elas
natildeo serem unificadas mas poliformes a escuta deve poder detectar as nuances que as
compotildeem Elas tecircm sincronias ambiguidades contradiccedilotildees e ainda vaacuterias oscilaccedilotildees
pulsatoacuterias mesmo que estas sejam difiacuteceis de serem apreendidas Eacute a escuta sensiacutevel
que vai poder detectar estas dimensotildees e buscar junto com o narrador construir sen-
tidos Estes natildeo devem ser postulados como fixos pois satildeo sempre passiacuteveis de serem
reconstruiacutedos Os sentidos natildeo satildeo visto como compondo verdades mas hipoacuteteses que
mudam segundo as forccedilas que as atravessam Aqui seguimos Morin (1990) para quem
os fenocircmenos satildeo sempre muito mais complexos do que podemos apreender Enriquez
(2002) tambeacutem ajuda a pensar esta questatildeo ao afirmar que todo fenocircmeno teraacute zonas
de desconhecimento Estes dois autores ajudam a se ter uma posiccedilatildeo de humildade na
elaboraccedilatildeo de sentidos
A narrativa teraacute sempre um interlocutor real ou imaginaacuterio (Rheacuteaume 2012) A dimen-
satildeo relacional funciona como um suporte de acolhimento da produccedilatildeo da narrativa
Deve-se considerar que lugar social e simboacutelico se estaacute ocupando e a quem se fala (tanto
a dimensatildeo psiacutequica quanto social) Enfim existe um conjunto de forccedilas que partici-
pam na construccedilatildeo narrativa
As formas e os conteuacutedos que se desenvolvem ao longo da narrativa tecircm uma relaccedilatildeo
com o interlocutor e com o tipo de viacutenculo estabelecido entre o que escuta e o que narra
sua vida No caso de uma pesquisa entre entrevistado e entrevistador se forma uma
espeacutecie de feedback circular
A histoacuteria soacute eacute acessiacutevel pela memoacuteria que eacute coletiva e simboacutelica A memoacuteria eacute sempre
percebida em uma perspectiva dinacircmica ela estaacute sempre sendo reconstruiacuteda seu senti-
do eacute buscado atraveacutes de um trabalho de interpretaccedilatildeo que eacute determinado pela situaccedilatildeo
atual daquele que narra sua histoacuteria e do conjunto de circunstacircncias presentes na qual
se inclui a relaccedilatildeo com o pesquisador Entre os elementos presentes estatildeo tambeacutem as
exigecircncias do inconsciente O trabalho da memoacuteria natildeo existe sem o do luto e da perda
Ricoeur nos diz que ldquoestes trabalhos afetam nossos esforccedilos para narrar de outros mo-
dos nossas histoacuterias de vida sejam elas individuais ou coletivasrdquo (Ricœur 2004 p 2)
37Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
Egrave neste ponto que podemos introduzir a perspectiva do ldquoRomance Familiar e Trajetoacuteria
Socialrdquo (RFTS) (Gaulejac 2002) Ao mesmo tempo em que ela tem proximidades com
as outras abordagens descritas ela articula as dimensotildees soacutecio histoacutericas agraves exigecircncias
do inconsciente Poder pensar no engendramento destas dimensotildees nos faz evitar cair
em posiccedilotildees extremas que satildeo de um lado o sociologismo e do outro o psicologismo
Trata-se de ter leituras muacuteltiplas que se vinculam e permitem anaacutelises transdisciplina-
res Uma das originalidades do meacutetodo ldquoRomance Familiar e Trajetoacuteria Socialrdquo eacute poder
vincular a realidade objetiva dos fatos sociais e a realidade da experiecircncia subjetiva A
hipoacutetese levantada eacute que a histoacuteria pessoal eacute produzida por uma multideterminaccedilatildeo
de fatores (psiacutequicos sociais ideoloacutegicos econocircmicos poliacuteticos entre outros) e que a
construccedilatildeo subjetiva vai depender da arte de cada sujeito de se construir em permanecircn-
cia a partir dos diferentes eixos que o atravessam (Carreteiro 2002)
Os estudos e pesquisa oriundos da abordagem RFTS mostram existir em toda narrativa
de vida uma forte tensatildeo entre o sujeito produto da histoacuteria (que sofre o peso da histoacute-
ria) e o sujeito agente de historicidade ou seja aquele que quer ser autor de sua histoacuteria
e ser reconhecido como construtor de histoacuteria
Perspectivasmetodoloacutegicas
Toda pesquisa na orientaccedilatildeo RFTS tem uma visatildeo de emancipaccedilatildeo ou seja considera
que os sujeitos natildeo satildeo informantes mas ativos no processo de pesquisa e capazes com
os recursos que lhes satildeo disponiacuteveis de traccedilarem hipoacuteteses sobre suas vidas refletindo
sobre as influecircncias que as determinam Isto abre brechas para o desenvolvimento da
funccedilatildeo de historicidade que remete a compreensatildeo por parte dos sujeitos dos modos
atraveacutes dos quais eles satildeo produzidos pela histoacuteria e das possiacuteveis opccedilotildees que tiveram
na construccedilatildeo de suas trajetoacuterias considerando as determinaccedilotildees sociais conscientes e
inconscientes Natildeo eacute possiacutevel transformar o passado mas sim mudar as relaccedilotildees que
se tecircm com ele Neste ponto voltamos agrave questatildeo da memoacuteria Ela eacute dinacircmica e pode
sempre ser mobilizada pelo presente
A visatildeo de emancipaccedilatildeo que existe nestas pesquisas nos remete a um outro elemento
as transformaccedilotildees que os narradores podem vivenciar decorrente do trabalho sobre
suas histoacuterias de vida Podem ocorrer efeitos de mudanccedilas mesmo quando estes natildeo
38
foram previstos na construccedilatildeo da pesquisa Outras vezes eles satildeo esperados quando se
trata de uma pesquisa- intervenccedilatildeo
As pesquisas sobre histoacuteria de vida tecircm vaacuterios objetivos Pode-se por exemplo realizar
o desenvolvimento do conjunto de uma histoacuteria de vida deixando que o narrador faccedila as
pontuaccedilotildees que julgar conveniente Outra possibilidade eacute pesquisar recortes precisos
Os exemplos satildeo inuacutemeros narrativas laborais escolares amorosas entre tantas ou-
tras Qualquer que seja a dimensatildeo analisada eacute importante o pesquisador ter claro que
toda narraccedilatildeo eacute uma produccedilatildeo Ela eacute sempre uma interpretaccedilatildeo como jaacute dissemos feita
pelo narrador de parte de sua vida que por sua vez teraacute elementos do grupo social no
qual aquela narrativa se constroacutei A escuta do pesquisador tambeacutem passaraacute por filtros
Eacute importante lembrar Bourdieu (2004) quando se diz que a histoacuteria eacute sempre narrada
em um momento diferente de quando ela foi vivida A narraccedilatildeo sempre ocorre a poste-
riori (apreacutes coup) e eacute ai entatildeo que lhe atribuiacutemos um sentido e uma ordenaccedilatildeo O autor
considera ser uma ilusatildeo atribuir agraves biografias uma loacutegica sequencial Neste sentido a
ordenaccedilatildeo biograacutefica seraacute sempre uma construccedilatildeo o que Bourdieu denomina de ilusatildeo
biograacutefica O mundo no qual a biografia foi construiacuteda eacute sem ordenaccedilatildeo
Na maioria das vezes a pesquisa em ciecircncias humanas natildeo faz parte de uma encomen-
da submetida ao pesquisador A questatildeo da demanda deve entatildeo ser considerada visto
natildeo ser o narrador que se dirige ao pesquisador com uma demanda de investigaccedilatildeo O
que ocorre eacute o inverso Nestes casos podemos dizer que a demanda eacute do pesquisador
Eacute ele que se voltaraacute a determinadas pessoas e solicitaraacute que narrem aspectos de suas
trajetoacuterias de vida Takeuti (2009) considera que os pesquisadores captam demandas da
sociedade ou seja de problemas que remetem a indiviacuteduos em situaccedilotildees reais tensas A
pesquisa soacute se realizaraacute em um solo profiacutecuo se dois aspectos forem respeitados
bull Se a temaacutetica trabalhada compuser um campo de interesse ou preocupaccedilatildeo ao nar-
rador Neste caso ao longo do desenvolvimento da(s) entrevista(s) podemos ver
que haacute um compartilhamento da demanda Se ela no iniacutecio pertencia ao pesqui-
sador agrave medida que avanccedila tambeacutem eacute apropriada pelo narrador
bull Se houver confianccedila da parte do narrador no pesquisador Ele sente isto de vaacuterias
maneiras Percebe que a escuta natildeo eacute unicamente em relaccedilatildeo ao que narra mas
que haacute um interesse nele enquanto sujeito Os narradores apreendem de algum
39Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
modo quando a escuta eacute instrumentalizada e a diferenciam de uma escuta da
pessoa
O pesquisador deve ter tanto uma atenccedilatildeo ao narrador quanto a sua proacutepria implicaccedilatildeo
na pesquisa No que se refere ao primeiro sua escuta se voltaraacute ao que este diz sente
as reflexotildees expostas e as formas de comunicaccedilatildeo Mas ao mesmo tempo estaraacute atento
agrave repercussatildeo que o narrador e a narrativa tecircm sobre ele Aqui retomamos os termos
psicanaliacuteticos de transferecircncia e contra transferecircncia na pesquisa levando tambeacutem em
consideraccedilatildeo os elementos soacutecio histoacutericos Os elementos transferecircncia e contra trans-
ferecircncia natildeo satildeo alvos diretos do trabalho de pesquisa mas podem orientar a elaboraccedilatildeo
reflexiva do pesquisador e o tipo de interaccedilatildeo que ele manteacutem com o narrador Dito de
outro modo o trabalho de pesquisa natildeo eacute feito sobre a transferecircncia e a contra transfe-
recircncia mas estes elementos devem ser considerados (Revault drsquoAllonnes 1989)
Entre os objetos metodoloacutegicos podem ser construiacutedos suportes mediadores que fa-
cilitam a produccedilatildeo da narratividade Alguns auxiliam a objetivaccedilatildeo da histoacuteria de vida
(aacutervore genealoacutegica fotos correspondecircncias entre outros) outros auxiliam a expressi-
vidade como os desenhos e as dramatizaccedilotildees (Penso Conceiccedilatildeo Costa amp Carreteiro
2012) Muitos destes mediadores em um primeiro tempo servem como tela objetiva ou
projetiva Eles satildeo executados em um momento e soacute posteriormente se solicita que se
comente sobre o que foi produzido Os suportes satildeo importantes pois criam uma dis-
tacircncia em relaccedilatildeo ao vivido Eacute soacute no segundo tempo quando a narratividade eacute solicitada
que uma reflexatildeo mais ativa eacute engendrada
A construccedilatildeo metodoloacutegica pode ser entatildeo bastante variada Ela vai depender do grupo
ou das pessoas que estatildeo participando da pesquisa e dos objetos de estudo do pesquisa-
dor A construccedilatildeo metodoloacutegica eacute feita em funccedilatildeo do objeto pesquisado
Umapesquisaemanaacutelise
Trata-se de uma pesquisa que focalizou a histoacuteria laboral O recorte aqui apresentado se
voltaraacute para o projeto profissional de jovens adultos onde este foi analisado a partir da
metodologia de historia de vida laboral Era solicitado aos entrevistados que narrassem
suas trajetoacuterias de trabalho a partir de eixos temaacuteticos que pudessem cobrir de modo
cronoloacutegico os estudos e as formaccedilotildees realizadas as influecircncias familiares e de contex-
40
to e as ideias referentes aos contextos empregatiacutecios atuais Antes de nos focarmos na
pesquisa propriamente dita abordaremos questotildees atuais relativas ao trabalho anali-
sando suas repercussotildees subjetivas
Axel Honnett (2000) afirma que tanto Hegel quanto Mead insistem sobre a necessida-
de que cada indiviacuteduo tem de ser reconhecido como um sujeito singular digno de amor
digno de ser considerado como um verdadeiro cidadatildeo reconhecido pelos outros e os
reconhecendo
Ter um trabalho se constitui como um dos siacutembolos da contribuiccedilatildeo do indiviacuteduo para
a sociedade em que se encontra Sem trabalho ou com trabalhos precaacuterios sem ser re-
conhecido como digno de estima o indiviacuteduo se qualifica como um cidadatildeo diminuiacutedo
(Carreteiro 1993) acendendo minimamente a estima de si Isto eacute gerador de sofrimen-
to pois ele se vecirc distanciado dos grandes projetos da sociedade se sente responsaacutevel
por seu fracasso e tem grande inseguranccedila em relaccedilatildeo ao futuro (Sennett 2004) Deste
modo inferimos que a precariedade e a instabilidade presentes no mercado de trabalho
satildeo geradoras de sofrimento pois os sujeitos temem se aproximar da figura de inuti-
lidade social (Carreteiro 1999) que os remete a ausecircncia de reconhecimento que os
alimenta narcisicamente
Ao mesmo tempo em que se refere a uma atividade econocircmica o trabalho eacute um aspecto
central na construccedilatildeo subjetiva (Carreteiro amp Barros 2011 Gaulejac 2011) O traba-
lho considerado na sua complexidade envolve vaacuterios campos da vida humana como
o fazer o ter e o ser enfim nada lhe escapa (Gaulejac 2011) Todo trabalhador atende
continuamente agraves demandas do psiquismo e do social o que remete a pensarmos em
uma perspectiva cliacutenica (Lhuilier 2006) As praacuteticas laborais produzem sentido se refe-
rindo por um lado agrave proacutepria atividade do trabalho (Clot 2011) e por outro permitindo
a construccedilatildeo progressiva dos sujeitos ao longo de suas vidas (Amado amp Enriquez 2011)
As grandes mudanccedilas ocorridas nesse uacuteltimo quarto de seacuteculo acarretaram um movi-
mento em que as pessoas se responsabilizam individualmente pela situaccedilatildeo contempo-
racircnea de desemprego trabalho informal e instabilidade empregatiacutecia Percebe-se que
se invertem cruelmente as loacutegicas de compreensatildeo da situaccedilatildeo se retira do mercado de
trabalho a causalidade e a localiza no indiviacuteduo lhe atribuindo a responsabilidade por
exemplo pelo desemprego Essa eacute uma das questotildees inerentes agrave proacutepria organizaccedilatildeo
41Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
neoliberal do trabalho As exigecircncias sobre as pessoas natildeo cessam de aumentar dando-
-lhes a sensaccedilatildeo de estarem sempre aqueacutem
Os cacircmbios acelerados nas atividades laborais tecircm atingido todo e qualquer trabalhador
Na pesquisa que mencionamos interrogamos sobre as diferenccedilas nas formas de socia-
lizaccedilatildeo referentes ao trabalho de duas geraccedilotildees (50-60 e 20-30) de uma mesma famiacutelia
que eixos as atravessam que representaccedilotildees constroem sobre os contextos de trabalho
que valores lhes associam e o que transmitem ou pretendem transmitir agraves proacuteximas
geraccedilotildees O recorte que fazemos neste texto nos faraacute abordar somente a geraccedilatildeo mais
nova e destacar duas zonas de sentido (Gonzaacutelez-Rey 2002) A obrigaccedilatildeo de se adquirir
muitas formaccedilotildees e O serviccedilo puacuteblico como campo de projetos profissionais
Aobrigaccedilatildeodeseadquirirmuitasformaccedilotildees
Sennett (2004) aponta como consequecircncia do ldquonovo capitalismordquo a sensaccedilatildeo de inse-
guranccedila Esta assola o conjunto da sociedade e natildeo oferece condiccedilotildees para se planejar o
futuro em longo prazo Em face desta realidade os jovens adultos pensam seguindo os
ditames do mercado que devem se equipar com cursos e formaccedilotildees diversas para poder
enfrentar o mercado de trabalho
Esta geraccedilatildeo vivecircncia a instabilidade empregatiacutecia e sente a obrigaccedilatildeo de adquirir qua-
lificaccedilotildees contiacutenuas para ingressar continuar ou evoluir no mercado de trabalho Haacute
o sentimento de estar sempre aqueacutem das exigecircncias demandadas Pode-se aproximar
este aspecto do que Erhenberg (1998) denomina ldquoindiviacuteduo insuficienterdquo aquele que
incorpora as exigecircncias sociais de se superar continuamente
Mas as formaccedilotildees tambeacutem tecircm efeitos paradoxais visto que haacute jovens que tecircm cursos
universitaacuterios e estatildeo exercendo empregos de niacutevel meacutedio Eles apesar da escolaridade
natildeo conseguiram encontrar empregos compatiacuteveis com suas formaccedilotildees Muitos deles
apoacutes a conclusatildeo dos estudos e um periacuteodo de desemprego assumem a estrateacutegia de
natildeo mencionar no curriacuteculo a escolaridade superior No entanto estas mesmas pessoas
natildeo abandonam o interesse de realizar cursos
Os jovens geralmente de extratos sociais meacutedios ou altos sabedores da grande compe-
ticcedilatildeo existente no mercado de trabalho sentem que devem estar sempre se atualizando
42
Este eacute um modo de se manterem competitivos e tentarem fazer face agraves exigecircncias sem-
pre maiores de seus trabalhos Vivem uma pressatildeo para natildeo se tornarem obsoletos em
suas formaccedilotildees e competecircncias Adquirir novos conhecimentos compotildee as diretrizes
que se obrigam a seguir A frase ldquodeve-se ter um diferencialrdquo eacute bastante comum entre os
jovens Haacute nesta ideia um quadro impliacutecito de competiccedilatildeo onde os mais qualificados
satildeo os que tecircm melhores postos
As anaacutelises apontaram que eacute presente entre muitos jovens com niacutevel de escolaridade
universitaacuterio o desejo de ter um emprego na funccedilatildeo puacuteblica
Oserviccedilopuacuteblicocomocampodeprojetosprofissionais
A instabilidade e os processos de intensificaccedilatildeo presentes no mundo do trabalho levam
muitos jovens a terem como projeto realizar concursos para se tornarem funcionaacuterios
puacuteblicos
Este dado em nossa pesquisa foi mais presente em pessoas que tinham niacutevel universitaacute-
rio Havia famiacutelias que tinham forte inscriccedilatildeo no puacuteblico Deste modo o puacuteblico era de
um lado um aspecto da heranccedila familiar e do outro era reforccedilado pelo difiacutecil contexto
empregatiacutecio atual onde a instabilidade adquire um peso determinante Para outras
pessoas o puacuteblico natildeo se inscrevia como heranccedila mas era mobilizado por questotildees de
contexto Para todos o puacuteblico era considerado como promotor de estabilidade Natildeo
eram as condiccedilotildees previdenciaacuterias que eram mobilizadas mas sim evitar um contexto
instaacutevel
Havia pessoas com niacutevel universitaacuterio que realizavam os concursos disponiacuteveis para
o niacutevel meacutedio O objetivo era ter um trabalho e posteriormente continuar realizando
concursos ateacute alcanccedilar a funccedilatildeo almejada Neste sentido se pode dizer que a maior parte
do cotidiano deles se concentra em estudar para concursos Podemos denominaacute-los
subjetividades concursantes (Oliveira 2010) No entanto estas pessoas constroem tra-
jetoacuterias mutantes quando almejam encontrar outro lugar profissional dentro do serviccedilo
puacuteblico
43Vidas fazendo histoacuteria e construindo histoacuterias de vida
Estudar e realizar concursos condensam aspectos que satildeo muito evidentes no mercado
de trabalho atual a exigecircncia de se estudar e a forte competiccedilatildeo O numero de vagas
nos concursos eacute pequeno face ao grande numero de candidatos daiacute os entrevistados
se sentirem obrigados a estudarem muito O cotidiano se concentra em torno de uma
riacutegida rotina de estudos Muitos se sentem culpados quando estatildeo realizando atividades
que lhes afastam dos estudos
Se fizermos uma vinculaccedilatildeo entre a primeira parte deste texto e esta segunda onde
citamos brevemente a pesquisa sobre histoacuteria de vida laboral podemos elaborar as se-
guintes construccedilotildees
bull As narrativas laborais dos jovens que almejam ter uma funccedilatildeo puacuteblica e os que jaacute
estatildeo no serviccedilo puacuteblico se apresentam como ldquotraccedilos de praacuteticas sociaisrdquo dos con-
curseiros Eles expotildeem suas ideias sobre o mercado de trabalho como compotildeem
os seus cotidianos e suas anguacutestias Os que ainda natildeo conseguiram ingressar nar-
ram seus sentimentos suas ansiedades e os medos de fracasso Outros estatildeo tatildeo
mobilizados que apresentam traccedilos depressivos bastante acentuados
bull Os que jaacute tecircm um trabalho puacuteblico querem alcanccedilar outra funccedilatildeo que corresponda
mais aos seus anseios e ambiccedilotildees profissionais Eles em vaacuterias ocasiotildees se sentem
desencorajados por estarem construindo suas vidas em torno de dois poacutelos traba-
lho e estudo Muitos parecem dilacerados entre continuar a riacutegida rotina estabele-
cida ou se acomodar em uma posiccedilatildeo jaacute conquistada
bull Muitas famiacutelias participam ativamente do processo de estudo dos filhos o que nos
leva a pensar em ldquofamiacutelias concursantesrdquo Satildeo aquelas que criam todas as condi-
ccedilotildees para facilitarem o estudo dos filhos Elas projetam neles seus ideais ou os
acompanham em seus ideais
Contratransferecircncianapesquisa
A equipe desta pesquisa eacute de jovens bolsistas que ainda natildeo concluiacuteram o curso de
Psicologia ou de jovens psicoacutelogas que tecircm pouco tempo de formadas e ainda vivem
uma indefiniccedilatildeo profissional Este fato muitas vezes cria uma grande identificaccedilatildeo com
os narradores Eacute necessaacuterio poder forjar condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo para estabelecer uma
distanciaccedilatildeo entre narrador e pesquisador para que uma escuta atenta agraves nuances da
44
narrativa possa ocorrer A possibilidade de ter um grupo de pesquisa permite este traba-
lho pois cada pesquisador contribui com visotildees diferentes da anaacutelise da situaccedilatildeo
Conclusatildeo
A pesquisa com a histoacuteria de vida laboral tem mostrado as grandes contradiccedilotildees exis-
tentes no mundo hiper moderno Ao mesmo tempo em que as referecircncias em todos os
campos satildeo volaacuteteis fluiacutedas (Bauman 2002) e os sujeitos sociais parecem se adequar
a esta fluidez existe o desejo de se ter referecircncias mais estaacuteveis Eacute isto que observamos
no campo empregatiacutecio quando muitos jovens optam pelo serviccedilo puacuteblico como lugar
de realizaccedilatildeo profissional No entanto para poderem tentar viabilizar este projeto em-
penham um tempo enorme e uma grande mobilizaccedilatildeo psiacutequica Surgem sentimentos
diversos frutos do desconhecimento de como seraacute o resultado do esforccedilo para a reali-
zaccedilatildeo dos concursos Os sujeitos concursantes se angustiam pois duvidam em muitos
momentos se poderatildeo construir um lugar social mais soacutelido pelo trabalho
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Sulina
47 Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
BrunoNogueira
LianaFortunatoCosta
Esse texto tem por objetivo apresentar uma metodologia de atendimento grupal a ado-
lescentes que cometeram ofensa sexual2 Desde 2001 autores vinculados ao Progra-
ma de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura da Universidade de Brasiacutelia e ao
Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Catoacutelica de Brasiacutelia em
pesquisa interinstitucional vecircm desenvolvendo adaptaccedilotildees da metodologia de Grupo
Multifamiliar para diferentes contextos de intervenccedilatildeo psicossocial (Costa Penso amp
Almeida 2005 Costa Almeida Ribeiro amp Penso 2009) A partir de 2009 iniciou-
-se mais uma experiecircncia em continuidade a essas adaptaccedilotildees desta vez em relaccedilatildeo a
2 Texto baseado em Nogueira B (2012) Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual Dissertaccedilatildeo de mestrado em Psicologia Cliacutenica e Cultura Universidade de Brasiacutelia Orientadora Liana Costa Fortunato
48
adolescentes que cometeram ofensa sexual e suas famiacutelias (Costa Ribeiro Junqueira
Meneses amp Stroher 2011) Em 2012 o primeiro autor desse texto buscou investigar so-
bre a expressatildeo da sexualidade envolvendo esses sujeitos ainda na perspectiva de cons-
truccedilatildeo de conhecimento no contexto do Grupo Multifamiliar Sendo assim o texto trata
principalmente da descriccedilatildeo desse meacutetodo de atendimento grupal a esses adolescentes
e suas famiacutelias
AdolescentesqueCometeramAbusoSexual
A definiccedilatildeo de cometimento de violecircncia sexual por adolescentes eacute muito ampla e natildeo
oferece a possibilidade de elaboraccedilatildeo de um perfil do agressor pois natildeo estamos falando
de pedofilia (Oliver 2007 Seto 2009) Nossa referecircncia para apontar a conduta do ado-
lescente que comete ofensa sexual baseia-se nas observaccedilotildees de Chagnon (2008) que
aponta esse ato violento como decorrecircncia de um acting out produzido pela constacircncia
de praacuteticas educativas familiares erradas ou seja violentas
A Vara da Infacircncia e da Juventude do Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios
identificou no periacuteodo de 2010 a 2011 uma incidecircncia maior de abuso sexual cometido
por adolescentes mais do que por adultos (VIJCEREVS 2011) resultado diferente do
que as pesquisas tradicionalmente apontam (Abrapia 2003 Aded Dalcin amp Cavalcanti
2007) O resultado da VIJDF nos interessa pois se trata de nosso contexto de estudo e
atuaccedilatildeo No entanto eacute necessaacuterio mais pesquisas para identificar se a maior incidecircncia
desses atos eacute cometida por adolescentes e eacute vaacutelido considerar pesquisas que afirmam
que as primeiras experiecircncias de abuso sexual de adultos foram no periacuteodo da adoles-
cecircncia (Oliver 2007)
A literatura internacional tem produzido ao longo de cinco deacutecadas muitas informaccedilotildees
sobre adolescentes que cometeram abuso sexual Worling e Langstroumlm (2003) identi-
ficaram que natildeo eacute o fato do adolescente ter sofrido abuso sexual na sua infacircncia que
configura um fator determinante para reproduzir a violecircncia As histoacuterias de violecircncia
entre pais e filhos e o isolamento social constituem para esses autores como os fatores
de risco para o desenvolvimento de uma sexualidade ofensiva nos adolescentes O uso
de uma pedagogia da violecircncia como recurso educativo dos pais e relaccedilotildees familiares ad-
jetivadas pela ausecircncia de trocas afetivas satildeo caracteriacutesticas geralmente encontradas em
49Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
famiacutelias de adolescentes que cometeram abuso sexual (Chagnon 2008 Costa 2012
Marshall 2001)
Para se obter o efeito esperado os fatores de proteccedilatildeo que auxiliam no combate a situ-
accedilotildees individuais familiares e sociais de riscos devem ser de natureza transversal Na
dimensatildeo individual as pesquisas identificaram que o desenvolvimento de orientaccedilatildeo
proacute-social a estimulaccedilatildeo da resiliecircncia o desenvolvimento para a autonomia autoesti-
ma e autoeficaacutecia representam objetivos a serem alcanccedilados no tratamento Na dimen-
satildeo familiar os fatores protetivos satildeo relaccedilotildees significativas e iacutentimas pelo menos com
um dos pais valores parentais proacute-sociais supervisatildeo monitoramento dos pais rela-
ccedilotildees de cuidado e proteccedilatildeo estaacuteveis No ambiente escolar as relaccedilotildees positivas entre pro-
fessores e adolescentes e o envolvimento destes uacuteltimos com as atividades escolares
configuram em importantes fatores de proteccedilatildeo Na dimensatildeo da comunidade alguns
dos fatores protetivos satildeo as atividades recreativas e o relacionamento com outros adul-
tos com valores proacute-sociais E por fim na relaccedilatildeo com os grupos de pares os fatores de
proteccedilatildeo satildeo relaccedilotildees positivas e iacutentimas e relaccedilotildees com amigos com valores proacute-sociais
(Rich 2009 Rogers 2000)
OsGruposMultifamiliaresemSituaccedilotildeesdeAbusoSexual
A proposta dos Grupos Multifamiliares (GM) possui sua gecircnese na Terapia Multifa-
miliar adotada por psicoacutelogos e assistentes sociais nos Estados Unidos e no Canadaacute
(Laquer 1976) Os fundamentos epistemoloacutegicos dessa metodologia satildeo a psicoterapia
de grupo e a terapia familiar (Narvaz 2010) O GM articula vaacuterios fatores facilitadores
identificados pela psicoterapia de grupo (vivecircncia comum do sofrimento reaccedilatildeo de es-
pelho pelas ressonacircncias e identificaccedilotildees experiecircncia emocional corretiva solidarieda-
de e oportunidade de troca e ajuda muacutetua entre outros) com as noccedilotildees sistecircmicas da
terapia familiar (circularidade criatividade espontaneidade)
A adaptaccedilatildeo do GM para situaccedilotildees de abuso sexual foi estudada extensamente por Cos-
ta et a 2005 Costa et al 2009 e Costa et al 2011 como jaacute apontado na introduccedilatildeo
desse texto O GM eacute considerado como um modelo de atendimento psicossocial que
se fundamenta em cinco aportes teoacutericos o da Psicologia Comunitaacuteria com a proposta
de Santos (1999) de articular diferentes saberes cientiacuteficos e populares o da Psicologia
Social Criacutetica e Histoacuterica a qual percebe o ser humano em uma relaccedilatildeo dialeacutetica com
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o seu meio (Lane amp Sawaia 1995) o da Terapia Familiar que concebe a famiacutelia como
um sistema e consequentemente a relaccedilatildeo familiar eacute o ponto focal do trabalho tera-
pecircutico (Minuchin Colapinto amp Minuchin 1999) Em outras palavras a valorizaccedilatildeo
maior eacute a da dimensatildeo interpsiacutequica O Sociodrama (Moreno 1993) eacute outro aporte que
fundamenta este GM ao conceber o grupo como protagonista e as famiacutelias possuindo
objetivos em comum E por fim o uacuteltimo marco teoacuterico eacute a Teoria das Redes Sociais
(Sluzki 1996) que enfoca a interaccedilatildeo humana como troca de experiecircncia desenvolven-
do a capacidade autorreflexiva e autocriacutetica
Essa articulaccedilatildeo busca atender ao puacuteblico alvo que satildeo famiacutelias pertencentes agraves classes
D (renda familiar de dois a quatro salaacuterios miacutenimos) e E (renda familiar ateacute dois salaacuterios
miacutenimos) e que pouco tecircm acesso aos profissionais da sauacutede mental e o atendimento
raramente eacute efetivado na perspectiva sistecircmica (a famiacutelia como cliente) Aleacutem disso o
modelo de atendimento deve considerar ainda as atribuiccedilotildees da interface Psicologia e
Direito (Costa et al 2005 Costa et al 2011) pois esses adolescentes satildeo muitas vezes
encaminhados pelo sistema justiccedila
O meacutetodo do GM apresenta vaacuterias vantagens principalmente no contexto da sauacutede puacute-
blica Narvaz (2010) lista estas vantagens o grupo possibilita aos participantes diminu-
iacuterem a intensidade do controle e das defesas de modo que permita o desenvolvimento
de uma discussatildeo livre os membros satildeo encorajados a responder uns aos outros espon-
taneamente o GM estimula as famiacutelias mutuamente de modo que aspectos saudaacuteveis e
criativos emerjam com a intenccedilatildeo de romper com os padrotildees disfuncionais mantenedo-
res do sistema (o grupo promove novas visotildees e narrativas sobre os problemas compar-
tilhados de modo que a famiacutelia construa novos significados sobre suas dificuldades) as
famiacutelias podem significar o grupo como uma comunidade empenhada na resoluccedilatildeo dos
problemas o GM promove a formaccedilatildeo de redes de apoio reciacuteproco entre os membros
o GM neutraliza o isolamento de famiacutelias (principalmente quando estas vivenciam si-
tuaccedilotildees de violecircncia) oferecendo forccedila objetividade e modelos de um grupo de iguais
o GM possibilita a construccedilatildeo de um espaccedilo de escuta diferenciado fundamentado em
relaccedilotildees de confianccedila de solidariedade e de accedilatildeo coletiva Aleacutem destes benefiacutecios o GM
eacute um modelo de terapia breve e com um investimento natildeo tatildeo oneroso para a sauacutede
puacuteblica Costa et al (2005) identificaram outro importante benefiacutecio do GM no contexto
juriacutedico Ele pode ocorrer enquanto o moroso processo judicial tramita de modo que
51Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
o atendimento do GM possa contribuir com a justiccedila na conclusatildeo dos casos de abuso
sexual
Como todo meacutetodo de intervenccedilatildeo o GM apresenta alguns limites O GM pode apre-
sentar um menor controle sobre os casos e dessa forma pode comprometer a eficaacutecia
da terapecircutica Identificou-se tambeacutem que haacute a possibilidade do terapeuta natildeo se en-
volver ativamente com alguma famiacutelia uma vez que o grupo que eacute o cliente e natildeo uma
famiacutelia especiacutefica O GM oferece perigo de uma identificaccedilatildeo predominantemente pro-
blemaacutetica com outras famiacutelias que tecircm funcionamento semelhante ao dele e permite
que a pressatildeo sobre os terapeutas para provocar mudanccedilas estenda-se a um grupo
mais numeroso de co terapeutas Aleacutem do exposto a proacutepria temaacutetica do abuso sexual
eacute um fator de complicaccedilatildeo por tocar numa dimensatildeo muito privada da experiecircncia hu-
mana ndash a intimidade ndash dificultando o conhecimento sobre os conflitos inerentes deste
tipo de violecircncia sexual (Narvaz 2010 Costa et al 2005)
ComosefazoGM
Eacute preciso informar que essa descriccedilatildeo aqui apresentada foi baseada em uma pesquisa
qualitativa cujo contexto de realizaccedilatildeo foi o Centro de Orientaccedilatildeo Meacutedico-Psico pedagoacute-
gica ndash COMPP oacutergatildeo pertencente agrave Secretaria de Estado de Sauacutede do Distrito Federal
(SES-DF) O objetivo do COMPP eacute prestar atendimentos de natureza multi e interdisci-
plinar em sauacutede mental (neuropediatras psiquiatras psicoacutelogos nutricionistas fono-
audioacutelogos pedagogos psicopedagogos assistentes sociais enfermeiros e professores
de educaccedilatildeo fiacutesica) agrave crianccedila ao adolescente e seus respectivos familiares do Distrito
Federal e do entorno em diferentes niacuteveis de prevenccedilatildeo (primaacuteria secundaacuteria e terciaacute-
ria) A Unidade acolhe tanto pacientes que apresentam sofrimento psiacutequico leve como
grave (neurose psicose transtornos invasivos do desenvolvimento entre outros) A meacute-
dia anual de atendimentos eacute de 34 mil A adoccedilatildeo de meacutetodos grupais visa maximizar
atendimentos e otimizar tanto filas de espera como encaminhamentos provenientes do
sistema de Justiccedila
Seleccedilatildeo das famiacutelias - Para a seleccedilatildeo das famiacutelias participantes utilizou-se como instru-
mento de apoio uma entrevista semiestruturada com a finalidade de obter informaccedilotildees
sobre a estrutura familiar as condiccedilotildees socioeconocircmicas as regras familiares caracte-
riacutesticas da violecircncia cometida pelo adolescente entre outras informaccedilotildees Essa entrevis-
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ta eacute realizada antes do iniacutecio do GM Os criteacuterios de inclusatildeo no GM satildeo adolescentes
do sexo masculino com idade entre 12 e 18 anos incompletos encaminhados pela rede
de proteccedilatildeo do Distrito Federal e do entorno (Conselho Tutelar ndash CT Centro de Referecircn-
cia de Assistecircncia Social ndash CRAS Ministeacuterio Puacuteblico do Distrito Federal e Territoacuterios
ndash MPDFT ndash e Vara da Infacircncia e da Juventude ndash V I J) que abusaram sexualmente de
alguma crianccedila da famiacutelia ou de alguma crianccedila de convivecircncia proacutexima Os criteacuterios de
exclusatildeo satildeo adolescentes com deficiecircncia mental que cometeram abuso sexual adoles-
centes sem viacutenculos familiares e adolescentes com 18 anos completos
Procedimentos - Apoacutes a seleccedilatildeo das famiacutelias o GM se iniciou com um planejamento de
sete encontros Cada encontro teve a duraccedilatildeo meacutedia de trecircs horas Em relaccedilatildeo agrave equipe
de atendimento esta foi composta por cinco psicoacutelogos (um do sexo masculino e qua-
tro do sexo feminino) uma assistente social dois estagiaacuterios de psicologia (um do sexo
masculino e uma do sexo feminino) e uma estagiaacuteria de pedagogia A infraestrutura foi
composta por uma sala grande o suficiente para reunir todos os membros de todas as
famiacutelias mais trecircs salas meacutedias para realizar atividades com grupos especiacuteficos
Os subgrupos eram de pais e matildees (alocados na sala grande e tiveram como profissio-
nais responsaacuteveis uma psicoacuteloga uma assistente social e o apoio de um estagiaacuterio de
psicologia que foi responsaacutevel pelo registro dos encontros) de adolescentes que come-
teram abuso sexual (alocados em uma das salas meacutedias e tiveram como profissionais
responsaacuteveis um psicoacutelogo uma psicoacuteloga e o apoio de uma estagiaacuteria de psicologia
quem foi responsaacutevel pelo registro dos encontros) de adolescentes do sexo feminino
(alocados em sala meacutedia e tiveram como profissional responsaacutevel uma psicoacuteloga e o
apoio de uma estagiaacuteria de pedagogia quem foi responsaacutevel pelo registro dos encon-
tros) e de crianccedilas (alocados na outra sala meacutedia com uma psicoacuteloga infantil) Antes
de prosseguir eacute importante fazer a seguinte nota O subgrupo de adolescentes do sexo
feminino foi estabelecido na medida da necessidade em funccedilatildeo desse grupo conter
muitas adolescentes meninas
Os temas dos encontros foram adaptados da proposta de Costa et al (2011) que contem-
pla a discussatildeo dos temas da proteccedilatildeo e do cuidado tanto de crianccedilas como de adoles-
centes que cometeram ofensas sexuais a sexualidade de todos os membros familiares
a responsabilizaccedilatildeo dos adolescentes que cometeram abuso sexual pelo ato cometido
assim como a responsabilidade dos pais e das matildees a transgeracionalidade da violecircncia
53Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
e um projeto de futuro das relaccedilotildees familiares Dessa forma os encontros foram assim
estabelecidos primeiro encontro ldquoProteccedilatildeo eu preciso proteger outras crianccedilas mas
ainda preciso de proteccedilatildeordquo segundo encontro ldquoSexualidade o que eacute e como expressordquo
terceiro encontro ldquoFantasias quebrando o tabu e compartilhando segredosrdquo quarto
encontro ldquoViolecircncia eacute um crime nenhum tipo de violecircncia tem justificativardquo quin-
to encontro ldquoGenograma precisamos conhecer as histoacuterias de nossos antepassadosrdquo
sexto encontro ldquoApresentaccedilatildeo dos Genogramas Vamos compartilhar o que temos em
comum e o que temos de diferenterdquo seacutetimo encontro ldquoProjeto de futuro da Relaccedilotildees
Familiares organizar o presente para um futuro conscienterdquo Essa proposta possibilitou
oferecer aos participantes um espaccedilo de escuta para o sofrimento particular de cada
famiacutelia e de cada membro familiar assim como suas duacutevidas sentimentos e pensamen-
tos de modo a promover mudanccedilas na relaccedilatildeo intrafamiliar
Dinacircmica do GM - Cada encontro do GM se desenvolveu em trecircs etapas definidas A
primeira etapa foi o aquecimento na qual todas as famiacutelias foram reunidas com o obje-
tivo de promover a integraccedilatildeo do grupo bem como preparar todos os participantes para
a conversaccedilatildeo do tema especiacutefico do encontro A etapa seguinte ndash desenvolvimento ndash
aprofunda os objetivos do tema do dia Nessa etapa subdivide-se o grupo por criteacuterio de
idade adultos adolescentes e crianccedilas Essa subdivisatildeo permite a adequaccedilatildeo da conver-
saccedilatildeo referente a cada grupo etaacuterio jogos dramaacuteticos debates role playing desenhos
colagens Ao final desta etapa cada subgrupo elabora um informe do que foi produzido
em grupo E por fim o uacuteltimo momento ndash fechamento ndash consiste na reuniatildeo de todos
os presentes com o objetivo de compartilhar o informe elaborado na etapa anterior
PlanejamentodosEncontros
1ordmEncontroProteccedilatildeo eu preciso proteger outras crianccedilas mas ainda preciso de proteccedilatildeo
A escolha do tema proteccedilatildeo como ponto de partida para ao iniacutecio do trabalho se fun-
damenta nas orientaccedilotildees de Fishman (1996) que afirma que ao atender famiacutelias que
se comunicam por meio da violecircncia eacute necessaacuterio fazer uma rica e profunda reflexatildeo
sobre as consequecircncias negativas do uso da violecircncia nas relaccedilotildees e sobre a proteccedilatildeo
A proposta eacute que as famiacutelias atualizem o seu contrato relacional e que a regra de natildeo
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cometer mais violecircncia possa dirigir as accedilotildees entre os membros familiares Para atingir
este objetivo adotamos a estrateacutegia abaixo descrita
Momento Aquecimento - O primeiro momento do GM aconteceu com a apresentaccedilatildeo
da equipe de trabalho com a explanaccedilatildeo da proposta dos encontros e respectivos obje-
tivos do grupo Em seguida foi solicitado a cada participante que falasse brevemente
sobre si proacuteprio enquanto enrolava um pedaccedilo de barbante no dedo indicador de uma
das matildeos Apoacutes este momento foi proposto o jogo dramaacutetico ldquoO gato e o ratordquo Neste
jogo um participante por livre escolha fez o papel do gato e outros trecircs escolheram
fazer o papel do rato Os demais participantes do grupo fizeram uma grande roda com
as matildeos dadas O objetivo do gato eacute furar a roda e pegar os ratos que estatildeo dentro da
roda O objetivo do grupo eacute proteger o rato fazendo da uniatildeo dos corpos uma muralha
Apoacutes os comentaacuterios sobre essa brincadeira foi feita a divisatildeo do grupo em subgrupos
de pais adolescentes masculinos adolescentes femininos e crianccedilas
Momento Desenvolvimento Subgrupo de Adolescentes - O iniacutecio da atividade ocorreu
com o debate sobre o conceito da palavra proteccedilatildeo entre os adolescentes Apoacutes o debate
foi solicitado aos adolescentes que relatassem os momentos em que eles se sentiram
protegidos e os momentos que eles tiveram que proteger algueacutem E em seguida foi
solicitado que eles relatassem os momentos em que eles se sentiram desprotegidos ao
longo da vida Foi promovida uma reflexatildeo profunda isto eacute procurou-se saber quais
eram as implicaccedilotildees emocionais e comportamentais de estar em uma situaccedilatildeo de des-
proteccedilatildeo Por fim foi trabalhada a reflexatildeo com os adolescentes quando eles mesmos
se colocam em risco A intenccedilatildeo de aprofundar essas reflexotildees eacute instrumentalizar o
adolescente a procurar ajuda de poder analisar melhor as situaccedilotildees em que eles estatildeo
inseridos e de tomar decisotildees conscientes Ao final do debate os adolescentes elabora-
ram uma siacutentese do que foi discutido com a finalidade de apresentar para os demais
subgrupos no momento do fechamento
Momento Fechamento - Ao final do encontro cada subgrupo apresentou para os de-
mais participantes do GM o material produzido Apoacutes as apresentaccedilotildees foi solicitado agraves
famiacutelias que conversassem sobre o que foi discutido no encontro e que nova proposta de
relaccedilatildeo e organizaccedilatildeo familiar pudesse ser dialogada entre os membros de cada famiacutelia
Ao fim do encontro foi feita uma dinacircmica de grupo com o objetivo de avaliar como
55Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
foi o encontro Posicionou os participantes e terapeutas em roda e todos avaliaram o
encontro em uma palavra
2ordmEncontro Sexualidade o que eacute e como expresso
A razatildeo de se enfocar essa temaacutetica fundamenta-se em experiecircncias anteriores do proacute-
prio GM nas quais os adolescentes confundem os conceitos de sexo e sexualidade Ou-
tra razatildeo diz respeito aos adolescentes trazerem na proacutepria histoacuteria de expressatildeo de sua
sexualidade a associaccedilatildeo entre sexualidade e violecircncia e a dissociaccedilatildeo entre sexo e afeto
(Costa 2012) A utilizaccedilatildeo de um discurso de gecircnero como recurso de intervenccedilatildeo para
o desenvolvimento da associaccedilatildeo entre sexo e afeto e a dissociaccedilatildeo entre sexualidade e
violecircncia para o presente autor e a presente autora eacute a melhor estrateacutegia Nesse mo-
mento eacute fundamental a reflexatildeo com os adolescentes de como eacute a experiecircncia de ser
homem Nessa discussatildeo subtemas como a virilidade e as provas sexuais que os ado-
lescentes passam para provar a proacutepria masculinidade entra em reflexatildeo A justificativa
para refletir essas questotildees fundamenta-se na tese de Bourdieu (1998) que a virilidade
tem como objetivo a honra masculina que eacute realizada na exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo de
pessoas em desvantagem (mulheres e crianccedilas)
Momento Aquecimento ndash O encontro tem iniacutecio com a vivecircncia de uma dinacircmica de
integraccedilatildeo grupal A proposta do jogo foi com um pedaccedilo de barbante em uma das
matildeos o participante enrolava o fio no dedo indicador da outra matildeo enquanto ele falava
um pouco sobre o seu cotidiano Apoacutes enrolar todo o barbante no dedo o participante
parava de falar e entregava o barbante para outra pessoa
Momento Subgrupo com Adolescentes - A atividade iniciou com a apresentaccedilatildeo do
tema para os adolescentes e logo em seguida pediu-se que eles relatassem como com-
preendem sexualidade e quais palavras ou imagens poderiam estar relacionadas com
essa palavra Com base nas associaccedilotildees dos adolescentes propocircs-se uma discussatildeo so-
bre o tema do encontro Ao fim da atividade os adolescentes elaboraram uma siacutentese
do que foi discutido
Momento Fechamento - No final do encontro cada subgrupo apresentou suas produ-
ccedilotildees e compartilhou suas posiccedilotildees Esse momento possibilitou que pais e adolescentes
conversassem sobre sexualidade e negociassem regras intrafamiliares em relaccedilatildeo ao
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tema A intenccedilatildeo de promover esse diaacutelogo natildeo foi para facilitar a determinaccedilatildeo de
regras mas sim para enfocar o tema em pauta como tabu familiar
3ordmEncontroFantasias quebrando o tabu e compartilhando segredos
As fantasias eroacuteticas fazem parte dos scripts sexuais intrapsiacutequicos que ldquo utilizam
elementos simboacutelicos fragmentaacuterios cenaacuterios culturais mais amplamente compartilha-
dos e elementos de experiecircncia pessoal ndash que satildeo organizados em esquemas cognitivos
estruturados e tomam a forma de sequecircncias narrativas planos e fantasias sexuaisrdquo
(Bozon 2004 p 130) Este script coordena a vida mental e o comportamento social de
modo a discriminar situaccedilotildees sexuais e os estados corporais
Eacute importante frisar que estes scripts satildeo uma construccedilatildeo soacutecio-histoacuterica-cultural (Bozon
2004 Vance 1995 Weeks 2000) de modo que as fantasias sexuais (como tambeacutem os
outros atos sexuais) e os significados sexuais satildeo variaacuteveis (Heilborn 1999 Loyola
1999) ou seja a importacircncia social e o significado subjetivo dependem da definiccedilatildeo
e da compreensatildeo das diferentes culturas em seus diferentes periacuteodos histoacutericos Em
outras palavras essas construccedilotildees organizam e significam a experiecircncia sexual coletiva
por meio do impacto das identidades definiccedilotildees ideologias e regulaccedilotildees sexuais Dessa
forma compreende-se que as fantasias sexuais satildeo vivecircncias subjetivas derivadas de um
determinado momento histoacuterico
Com base nessa compreensatildeo sobre fantasias sexuais e fantasias eroacuteticas a razatildeo de
escolhermos essa temaacutetica para fazer parte dos conteuacutedos discutidos no GM funda-
menta-se na associaccedilatildeo entre sexo e violecircncia e na intenccedilatildeo de se promover reflexotildees
sobre como foram construiacutedas as fantasias que os adolescentes expressaram Aleacutem de
refletir sobre o que essas fantasias subjacentemente comunicam a respeito dos papeacuteis
masculinos e femininos e tentar promover fantasias sexuais cujas regras sejam a con-
sensualidade
Momento Aquecimento - No iniacutecio do encontro cada participante falou um pouco sobre
como foi a sua semana Em seguida foi proposto um jogo dramaacutetico para a integraccedilatildeo
das famiacutelias A intenccedilatildeo deste jogo foi para a construccedilatildeo de redes de apoio entre os
participantes do GM O jogo adotado para este fim foi a dinacircmica do cordatildeo O grupo
recebeu um rolo de barbante e cada membro tinha que pegar uma parte do barbante
57Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
enrolar no dedo e falar seu nome idade o que faz e caracteriacutesticas pessoais Em segui-
da a pessoa escolhia algueacutem aleatoriamente para dar prosseguimento com a dinacircmica
Apoacutes todos falarem mostrava ao grupo a figura que foi criada com o barbante eviden-
ciando que o grupo tinha histoacuterias e caracteriacutesticas em comum e que isso os ligava uns
aos outros
Momento Subgrupo com Adolescentes - Quando o grupo de adolescentes se reuniu foi
apresentado o tema do encontro Foi solicitado aos participantes que dissessem o que
eles compreendem como fantasias e quais fantasias sobre sexo eles tecircm Apoacutes essas
falas foi proposto aos adolescentes se dividirem em dois grupos e cada grupo deveria
criar uma histoacuteria por meio de colagens de revistas masculinas ou desenhos sobre
essas fantasias
Momento Fechamento - Cada subgrupo apresentou a sua siacutentese com exceccedilatildeo dos ado-
lescentes A decisatildeo de natildeo apresentarem o produto da discussatildeo (os cartazes) foi toma-
da pelo fato da natureza iacutentima dos cartazes e por se considerar que havia crianccedilas nes-
se momento final Contudo foi dito para as famiacutelias que poderiamdeveriam expressar
suas curiosidades sobre o tema do trabalhado em casa
4ordmEncontro Violecircncia eacute um crime nenhum tipo de violecircncia tem justificativa
Como relatado anteriormente os adolescentes que cometeram abuso sexual foram en-
caminhados pela rede proteccedilatildeo do DF e do entorno sendo que alguns adolescentes
estatildeo cumprindo atendimento sob obrigaccedilatildeo como parte da aplicaccedilatildeo de medida socio-
educativa (ECA 1990) Mas a medida ndash accedilatildeo do sistema legal ndash em si natildeo significa que
eles assumiram a autoria (fenocircmeno psicoloacutegico) da violecircncia cometida A admissatildeo
legal natildeo implica nem eacute sinocircnimo de responsabilizaccedilatildeo psicoloacutegica Por isso natildeo raro
encontra-se adolescentes que natildeo admitem o cometimento do abuso sexual Por isso
considera-se fundamental a inclusatildeo desse item de discussatildeo
Ao considerar o exposto o GM foi estruturado com a cautela de ser uma accedilatildeo afirmativa
e cooperadora com as intervenccedilotildees normativas e legais mas sem deixar de considerar os
princiacutepios e as diretrizes da sauacutede mental e dos direitos humanos Em outras palavras
afirma-se que a reflexatildeo da responsabilidade psicoloacutegica deve ser mediada por meio da
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empatia e da compreensatildeo (processos psicoloacutegicos) do profissional de modo que este
consiga identificar os processos mediadores que possibilitaram o desenvolvimento de
uma expressatildeo sexual ofensiva Alerta-se que a identificaccedilatildeo desses processos natildeo pode
ter o objetivo de desculpar o adolescente que cometeu o abuso sexual
Eacute importante considerar que um dos processos que contribuem no desenvolvimento de
uma sexualidade ofensiva eacute a violecircncia praticada por outros membros da famiacutelia prin-
cipalmente da parte dos pais e das matildees direcionada aos filhos (Costa 2012 Marshall
2001) Dessa forma a razatildeo de tratar este tema no GM eacute para promover a responsabi-
lizaccedilatildeo psicoloacutegica de todos os membros familiares que utilizaram da violecircncia para se
comunicar
Momento Aquecimento - Neste encontro houve atrasos da maioria dos participantes
que relataram dificuldades no tracircnsito Como o tempo do encontro foi reduzido a equi-
pe decidiu para a atividade do aquecimento realizar apenas a dinacircmica do barbante
que jaacute foi descrita no segundo encontro
Momento Subgrupo com Adolescentes - Para trabalhar o tema do encontro foi escolhi-
do um recorte de viacutedeo da novela Fina Estampa da Rede Globo que abordou o tema da
violecircncia intrafamiliar A partir daiacute foi proposto aos adolescentes um juacuteri simulado para
decidir se um dos protagonistas de uma cena de violecircncia era culpado ou natildeo
Momento Fechamento - Nesse momento cada subgrupo apresentou uma siacutentese do
que foi trabalhado Apoacutes a fala de cada representante do subgrupo os proacuteprios partici-
pantes comeccedilaram a negociar mudanccedilas nas regras familiares
5ordmEncontro Genograma precisamos conhecer as histoacuterias de nossos antepassados
Usamos o Genograma por representar graficamente a composiccedilatildeo da famiacutelia e dos re-
lacionamentos em pelo menos trecircs geraccedilotildees (Carter amp McGoldrick 1995) Por meio
desse diagrama estrutural eacute possiacutevel obter diferentes informes sobre a famiacutelia como a
estrutura familiar os viacutenculos a posiccedilatildeo de cada membro na estrutura familiar aspec-
tos importantes do relacionamento familiar em niacutevel intergeracional e transgeracional
conflitos padrotildees repetitivos ocorrecircncias importantes como doenccedilas alcoolismo uso
59Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
de drogas prisatildeo violecircncia separaccedilotildees nascimentos entre outras informaccedilotildees (Carter
amp McGoldrick 1995 McGoldrick Gerson amp Petry 2012 Penso Costa amp Ribeiro 2008)
Aleacutem disso a importacircncia da utilizaccedilatildeo do Genograma eacute que este instrumento daraacute
continuidade na proposta do tema anterior isto eacute a compreensatildeo dos processos psiacutequi-
cos repetitivos facilitaraacute que a famiacutelia desenvolva uma percepccedilatildeo sistecircmica da violecircncia
cometida pelo adolescente e dessa forma os pais e as matildees poderatildeo expressar empatia
e compreensatildeo ao filho
Ademais natildeo eacute incomum no puacuteblico estudado que as relaccedilotildees entre os filhos que
cometeram abuso sexual e os pais e as matildees sejam afetivamente instaacuteveis e com as
fronteiras difusas Os responsaacuteveis demonstram sentimentos ambiacuteguos como tristeza
raiva e maacutegoa como forma de expressar a decepccedilatildeo com a rejeiccedilatildeo dos filhos e ansieda-
de anguacutestia e tensatildeo como forma de expressar a preocupaccedilatildeo com o futuro deles Parte
dessa postura se fundamenta por uma compreensatildeo atomizada da violecircncia cometida
pelo adolescente e natildeo por uma compreensatildeo sistecircmica da atitude do filho
Procedimento ndash Neste encontro todo o tempo foi destinado exclusivamente para a cons-
truccedilatildeo do genograma de todas as famiacutelias Cada membro da equipe ficou como respon-
saacutevel por uma famiacutelia que estava participando tanto da pesquisa como do atendimento
Esse momento teve um criteacuterio diferente do ateacute entatildeo adotado que foi a reuniatildeo de
todos os membros de cada famiacutelia e natildeo o criteacuterio de subdivisatildeo por idade
6ordmEncontroApresentaccedilatildeo dos genogramas vamos compartilhar o que temos em comum e o que temos de diferente
Neste encontro assim como no anterior todo o tempo foi destinado exclusivamente agrave
apresentaccedilatildeo dos Genogramas de cada famiacutelia para os demais participantes As famiacute-
lias quando estavam na posiccedilatildeo de ouvintes compartilharam seus posicionamentos
diante dos conflitos da famiacutelia que apresentava o Genograma
Em experiecircncias anteriores percebemos que participantes do GM assume uma posiccedilatildeo
de co terapeutas apoacutes a apresentaccedilatildeo do Genograma de cada famiacutelia na medida em que
as caracteriacutesticas da presenccedila da violecircncia satildeo observadas percebidas e discutidas por
todos os presentes Eacute essa integraccedilatildeo entre os participantes que reforccedila a importacircncia
desse espaccedilo pois se identificou a solidificaccedilatildeo da construccedilatildeo de redes sociais de apoio
60
entre eles Muitas famiacutelias se identificam com as histoacuterias e as experiecircncias das outras
famiacutelias Apoacutes a revelaccedilatildeo do abuso sexual as famiacutelias tendem a se isolar socialmente
(Costa 2012) e consequentemente aumentam o risco de entrarem em outras situaccedilotildees
de vulnerabilidade (Sluzki 2006) A integraccedilatildeo obtida durante o GM possibilita o au-
mento da rede configurando em um espaccedilo de fator de proteccedilatildeo (Costa 2012 Penso
Conceiccedilatildeo Costa amp Carreteiro 2012)
7ordmEncontroProjeto de futuro das relaccedilotildees familiares organizar o presente para um futuro consciente
O uacuteltimo encontro considerou o fato de que algumas famiacutelias que passaram por situa-
ccedilotildees de estresse e conflito como o abuso sexual paralizam o seu projeto de vida familiar
(Carter amp McGoldrick 1995) A razatildeo deste encontro se fundamenta na importacircncia de
promover a reorganizaccedilatildeo das famiacutelias e a construccedilatildeo de novos projetos familiares e in-
dividuais Com os adolescentes eacute necessaacuterio refletir sobre a proacutepria expressatildeo sexual no
futuro por meio da reflexatildeo sobre um projeto de namoro Esse momento configura em
um espaccedilo proacuteprio para os adolescentes colocarem suas duacutevidas sobre namoro sexo
formas de abordar uma pessoa que tem interesse e como cuidar e construir a relaccedilatildeo
afetivo-sexual
Procedimento ndash Para o objetivo de reorganizar as famiacutelias e construir novos projetos fa-
miliares cada famiacutelia andou sobre uma fita adesiva a qual representava a linha do tem-
po O iniacutecio da linha representou o tempo atual e o fim da linha representou o tempo
da famiacutelia apoacutes 10 anos Ao longo da caminhada pais matildees e filhos relataram desejos
projetos e expectativas a serem alcanccedilados Com os adolescentes foi feito uma roda de
conversa onde os aspectos citados acima sobre namoro eram debatidos entre eles com
a mediaccedilatildeo dos terapeutas
PotencialidadesLimiteseDesafios
O meacutetodo do GM permite muitos avanccedilos no atendimento a essa populaccedilatildeo princi-
palmente no acircmbito das instituiccedilotildees puacuteblicas Mas o mais importante eacute que viabiliza
uma necessidade amplamente apoiada por estudiosos dos adolescentes que cometeram
ofensa sexual (Hengeller Chapman Borduin Schewe amp McCart 2009 Marshall 2001
61Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
Oliver 2007 Zankman amp Bonomo 2004) que eacute a atenccedilatildeo agrave famiacutelia desses sujeitos Es-
ses autores preconizam que o atendimento ao adolescente natildeo pode se dar dissociado
de sua famiacutelia sob pena do surgimento de recidivas do ato violento
O primeiro encontro com o tema da proteccedilatildeo ajudou a problematizar os modelos pa-
rentais de educaccedilatildeo facilitando a reconstruccedilatildeo familiar de novas regras como natildeo cau-
sar dano natildeo fazer o mal (Fishman 1996) O segundo e o terceiro encontros (sexu-
alidade e fantasias) ajudaram os pais a reconhecerem o desenvolvimento psicossexual
dos adolescentes e possibilitaram aos adolescentes a reflexatildeo de como eles expressam
a proacutepria sexualidade A partir dessa reflexatildeo foi possiacutevel direcionar o desenvolvimento
de uma expressatildeo sexual que respeite as crianccedilas e que busque momentos espaccedilos e
pessoas proacuteximas de sua idade e do seu desenvolvimento psiacutequico O quarto encontro
(violecircncia eacute um crime) ajudou os pais novamente a refletir sobre os instrumentos uti-
lizados para estabelecer hierarquia autoridade regras e valores Este encontro tambeacutem
possibilitou aos adolescentes tomarem consciecircncia de seus atos violentos e que estes
atos possuem raiacutezes em diversas origens (individual famiacutelia escola e sociedade) Aleacutem
disso foi possiacutevel mostrar a eles a importacircncia de se responsabilizarem pelas atitudes
cometidas diante da crianccedila e da famiacutelia O quinto e o sexto encontros destinados ao
procedimento do Genograma ajudaram as famiacutelias a compreenderem o ciclo familiar
a heranccedila familiar e fenocircmenos como a repeticcedilatildeo da violecircncia E o uacuteltimo encontro
ajudou as famiacutelias a projetarem um futuro consciente e planejado e cooperarem com
os adolescentes na expectativa de exercerem uma sexualidade satisfatoacuteria com namoros
futuros
O GM configurou-se como um espaccedilo no qual as crianccedilas tiveram voz para expressarem
seus sentimentos seus desejos de maior proteccedilatildeo e trocas de afeto os adolescentes
tiveram um momento legiacutetimo para expressarem suas necessidades seus arrependi-
mentos suas esperanccedilas e firmarem novos compromissos com as famiacutelias e os pais
e as matildees tiveram a oportunidade de expressarem seus sentimentos de amor de faze-
rem exigecircncias plausiacuteveis e de propor novas regras familiares Em outras palavras o
GM possibilitou novas organizaccedilotildees familiares com o compromisso de buscar relaccedilotildees
familiares saudaacuteveis e de evitar os padrotildees disfuncionais Mas o principal potencial do
GM eacute que esta proposta eacute condizente com o contexto e a dinacircmica da sauacutede puacuteblica
Em outras palavras o GM oferece uma praacutetica social de sauacutede para um problema legiacuteti-
62
mo de sauacutede puacuteblica (abuso sexual) produzindo respostas que toda uma coletividade eacute
atendida direta e indiretamente
Em relaccedilatildeo aos limites precisamos avanccedilar na avaliaccedilatildeo de risco de repeticcedilatildeo do com-
portamento violento de cada adolescente com o objetivo de identificar detalhes do de-
senvolvimento psicoloacutegico familiar e sexual Infere-se que uma avaliaccedilatildeo dessa natu-
reza pode apresentar outras informaccedilotildees relevantes e esclarecedoras da impulsividade
sexual dos adolescentes Essa avaliaccedilatildeo mais acurada vai permitir que ao final do GM
se tenha melhor noccedilatildeo da possibilidade de recidiva do ato violento e a necessidade de
encaminhamento para atendimento individualizado
Dois desafios aqui se colocam em relevo O primeiro eacute que uma boa parte dos ado-
lescentes enfocados no GM apresentou demandas de desenvolvimento de habilidades
sociais mais especificamente na aacuterea de relacionamentos afetivo-sexuais Sugere-se que
um momento para o desenvolvimento dessas habilidades no GM pode ajudar o ado-
lescente a direcionar a sua sexualidade de acordo com os padrotildees e regras sociais bem
como melhorar sua competecircncia social O outro desafio beneficia os pais A maioria
deles concordou que eacute necessaacuterio utilizar outros recursos para educar poreacutem natildeo sa-
bem como usar outros meacutetodos uma vez que eles tecircm domiacutenio apenas do recurso da
violecircncia Precisamos pensar em durante o atendimento a adoccedilatildeo de um momento
destinado aos pais para desenvolvimento de estrateacutegias educacionais construtivas
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67 A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
MariaInecircsGandolfo
RaquelCairus
Neste texto pretende-se discutir os marcos legais que subsidiam as poliacuteticas de assistecircn-
cia agrave infacircncia e adolescecircncia no Brasil e paralelamente descrever a execuccedilatildeo das poliacuteti-
cas puacuteblicas referentes agrave proteccedilatildeo integral no que concerne ao atendimento de crianccedilas
e adolescentes e suas famiacutelias sob a oacutetica do sistema de garantia primaacuterio (envolvendo
a proteccedilatildeo baacutesica prevista na poliacutetica de assistecircncia social) secundaacuterio (no referente agrave
proteccedilatildeo especial da referida poliacutetica) e o terciaacuterio (sobre as medidas soacutecioeducativas)
68
O Art 2273 da Carta Magna de 1988 introduz no Brasil a Doutrina da Proteccedilatildeo Integral
conforme pontua Saraiva (1998) O autor lembra que a Constituiccedilatildeo Federal Brasileira
se adianta agrave Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas na adoccedilatildeo da Proteccedilatildeo Integral sendo esta
uacuteltima aprovada pela Assembleacuteia-Geral das Naccedilotildees Unidas em 1989
Nesse contexto eacute criado o Estatuto da Crianccedila e do Adolescente ndash ECA (Lei nordm 80691990)
que representa um marco histoacuterico no Brasil quanto agrave atenccedilatildeo agrave infacircncia e a adolescecircn-
cia Portanto o ECA se coaduna tambeacutem com a convenccedilatildeo internacional colocando
o Brasil no status de um dos paiacuteses com sistema legal mais avanccedilado no que tange ao
direito de crianccedilas e adolescentes
Esse avanccedilo representa uma grande mudanccedila paradigmaacutetica A partir do reconheci-
mento da condiccedilatildeo inerente agrave infacircncia e adolescecircncia enquanto fase peculiar de desen-
volvimento exige-se do Estado e da famiacutelia cuidados que lhes garantam o desenvolvi-
mento pleno e saudaacutevel Desloca-se desse modo a indeterminaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo
irregular para a responsabilizaccedilatildeo do Estado e da famiacutelia quanto agrave proteccedilatildeo e cuidados
das crianccedilas e adolescentes sujeitos de direitos e deveres Mas o que de fato eacute a proteccedilatildeo
integral Como entendecirc-las a partir do ECA Como se concretiza a proteccedilatildeo integral a
partir das poliacuteticas E quem satildeo os responsaacuteveis por esta proteccedilatildeo
A importacircncia dessa mudanccedila paradigmaacutetica pode ser melhor compreendida a partir
do resgate histoacuterico das poliacuteticas voltadas para a infacircncia e juventude Conceiccedilatildeo Toma-
sello e Pereira (2003) analisam essa questatildeo e apontam que na histoacuteria do Brasil tais
poliacuteticas eram voltadas diferencialmente para o ldquomenor abandonadordquo ou ldquodelinquumlenterdquo
Em 1906 surgiu o primeiro projeto de lei de proteccedilatildeo agrave infacircncia com base na ordem e
na higiene promulgado em 1927 como o Coacutedigo de Menores Sob o regime militar em
1964 o Estado elabora uma poliacutetica unificada e cria a Poliacutetica Nacional do Bem-Estar do
Menor (PNBEM) que fundamenta a Fundaccedilatildeo do Bem-Estar do Menor (FUNABEM)
3 Art 227 Eacute dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente com absoluta prioridade o direito agrave vida agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo ao lazer agrave profissionalizaccedilatildeo agrave cultura agrave dignidade ao respeito agrave liberdade e agrave convivecircncia familiar e comunitaacuteria aleacutem de colocaacute-los a salvo de toda forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo (Constituiccedilatildeo Federal 1988)
69A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
Pautada por esta Fundaccedilatildeo surgem as FEBEMs instituiccedilotildees totais para internaccedilatildeo e
reclusatildeo de menores denominadas como unidades educacionais ou terapecircuticas mas
que escondiam o mesmo discurso moralista e conservador destinados tambeacutem a jovens
abandonados e infratores E ainda eram seguidos de abordagens assistencialistas para
os abandonados e repressoras para os infratores Aleacutem de considerar como publico-alvo
ldquoo menor em situaccedilatildeo irregular e de periculosidade () caindo nesse espectro toda crianccedila da
camada popular brasileirardquo (Cheniaux citado por Conceiccedilatildeo amp cols 2003)
A partir da deacutecada de 1980 com o fim desse regime totalitaacuterio uma revisatildeo criacutetica dos
procedimentos adotados frente agrave questatildeo da infacircncia e juventude brasileira ganha forccedila
e inicia-se uma mobilizaccedilatildeo social sem precedentes na histoacuteria que culminaram com o
ECA tal como eacute conhecido hoje Os autores ainda apontam a mudanccedila paradigmaacutetica
engendrada desde a implantaccedilatildeo desse estatuto ao natildeo considerar a crianccedila e o adoles-
cente enquanto menor destituiacutedo de direitos e deveres perceber que as condiccedilotildees de
vida do adolescente em conflito com a lei eacute que satildeo irregulares e natildeo o adolescente
Como enfatiza Carvalho (2001) ldquocom a instituiccedilatildeo do paradigma da proteccedilatildeo integral
crianccedilas e adolescentes passam a ser considerados seres humanos em condiccedilatildeo peculiar de de-
senvolvimento sujeitos de direitos que devem ser prioridade absoluta da famiacutelia da sociedade
e do Estadordquo (p 153) Acredita-se que reside aiacute a grande inovaccedilatildeo do Estatuto e com ela haacute
a implicaccedilatildeo de ldquoum reordenamento institucional da relaccedilatildeo entre a Uniatildeo e os Estados e os
Municiacutepiosrdquo (p 153) em torno das questotildees afetas a crianccedilas e adolescentes
No Estatuto da Crianccedila e do Adolescente a palavra proteccedilatildeo aparece 26 vezes que se
concentram principalmente na parte que trata dos direitos fundamentais De acordo
com Saraiva (2004) o ECA eacute organizado sob trecircs sistemas de garantia
a o Sistema Primaacuterio que daacute conta das Poliacuteticas Puacuteblicas de Atendimento a crianccedilas
e adolescentes (especialmente os arts 4ordm e 8587)
b o Sistema Secundaacuterio que trata das Medidas de Proteccedilatildeo dirigidas a crianccedilas e ado-
lescentes em situaccedilatildeo de risco pessoal ou social natildeo autores de atos infracionais
de natureza preventiva ou seja crianccedilas e adolescentes enquanto viacutetimas enquan-
to violados em seus direitos fundamentais (especialmente os arts 98 e 101)
70
c o Sistema Terciaacuterio que trata das medidas socioeducativas aplicaacuteveis a adolescen-
tes em conflito com a Lei autores de atos infracionais ou seja quando passam a
condiccedilatildeo de vitimizadores (especialmente os arts 103 e 112) (ECA 2004)
No sistema primaacuterio eacute contemplado o acesso das crianccedilas e adolescentes agraves poliacuteticas
sociais baacutesicas como sauacutede educaccedilatildeo seguranccedila assistecircncia social entre outros Jaacute o
sistema secundaacuterio envolve crianccedilas e adolescentes vitimizados por situaccedilotildees de risco
onde satildeo aplicadas as medidas protetivas E por fim o sistema terciaacuterio quando o ado-
lescente comete algum ato infracional e eacute submetido a alguma medida socioeducativa
Esses trecircs sistemas compotildeem uma teia de proteccedilatildeo para as crianccedilas e adolescentes
Nesse sentido mesmo que estes cometam algum ato infracional respondem pelo ato
em conformidade com o seu estaacutegio de desenvolvimento seguindo sistemas peculiares
no cumprimento das medidas Como pode ser observado na forma da lei ateacute mesmo
a legislaccedilatildeo prevecirc o mau funcionamento do sistema Isto eacute quando natildeo se garante o
cumprimento das poliacuteticas sociais baacutesicas recorre-se ao sistema secundaacuterio que por
sua vez quando inoperante desemboca em accedilotildees do sistema terciaacuterio
Contudo constata-se que a legislaccedilatildeo foi construiacuteda sob o novo paradigma de proteccedilatildeo
mas entre os proacuteprios operadores do direito existe ambiguidade ao pensar o adolescen-
te nesse contexto Saraiva (1998) pontua a condiccedilatildeo do adolescente que cometeu ato
infracional como vitimizador e natildeo mais como vitimizado Ora se o novo paradigma
pressupotildee que natildeo eacute o adolescente que eacute irregular e sim sua situaccedilatildeo dever-se-ia consi-
derar que no miacutenimo o adolescente que comete o ato infracional passa da condiccedilatildeo de
somente vitimizado para vitimizado e vitimizador Compreendendo que o cometimento
do ato infracional envolve tambeacutem outras questotildees para aleacutem da uacutenica responsabilidade
do adolescente ndash tais como as dinacircmicas psicossociais
71A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
Especificamente sobre o sistema secundaacuterio que trata das Medidas Protetivas o ECA
dispotildee no artigo 984 que estas satildeo aplicaacuteveis sempre que os direitos reconhecidos nes-
ta lei forem ameaccedilados ou violados prevendo medidas para esses casos em seu artigo
1015
Quanto ao que Saraiva (2004) denomina de Sistema Terciaacuterio ndash que trata das medidas
aplicadas quando o adolescente comete o ato infracional6 ndash o ECA no artigo 103 de-
termina que ato infracional eacute ldquoa conduta descrita como crime ou contravenccedilatildeo penalrdquo De
acordo com o estatuto adolescente eacute aquele entre 12 e 18 anos de idade Nessa condiccedilatildeo
o adolescente eacute inimputaacutevel (natildeo responde criminalmente) mas estaacute sujeito agraves medidas
socioeducativas Aqueles que tecircm menos de 12 anos satildeo considerados crianccedilas e quan-
do cometem ato infracional ficam subordinados agraves medidas protetivas
4 Art 98 - As medidas de proteccedilatildeo agrave crianccedila e ao adolescente satildeo aplicaacuteveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaccedilados ou violados I - por accedilatildeo ou omissatildeo da sociedade ou do Estado II - por falta omissatildeo ou abuso dos pais ou responsaacutevel III - em razatildeo de sua conduta (ECA 2004)
5 Verificada qualquer das hipoacuteteses previstas no art 98 autoridade competente poderaacute determinar dentre outras as seguintes medidas I ndash encaminhamento aos pais ou responsaacutevel mediante termo de responsabilidade II ndash orientaccedilatildeo apoio e acompanhamento temporaacuterios III ndash matriacutecula e frequumlecircncia obrigatoacuterias em estabelecimento oficial de ensino fundamental IV ndash inclusatildeo em programa comunitaacuterio ou oficial de auxiacutelio agrave famiacutelia agrave crianccedila e ao adolescente V ndash requisiccedilatildeo de tratamento meacutedico psicoloacutegico ou psiquiaacutetrico em regime hospitalar ou ambulatorial VI - inclusatildeo em programa oficial ou comunitaacuterio de auxiacutelio orientaccedilatildeo e tratamento a alcooacutelatras e toxicocircmanos VII ndash abrigo em entidade VIII - Colocaccedilatildeo em famiacutelia substituta Paraacutegrafo uacutenico O abrigo eacute medida provisoacuteria e excepcional utilizaacutevel como forma de transiccedilatildeo para a colocaccedilatildeo em famiacutelia substituta natildeo implicando privaccedilatildeo de liberdade (ECA 2004)
6 Art 112 Verificada a praacutetica de ato infracional a autoridade competente poderaacute aplicar ao adolescente as seguintes medidas I - advertecircncia II - obrigaccedilatildeo de reparar o dano III - prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave comunidade IV - liberdade assistida V - inserccedilatildeo em regime de semi-liberdade VI - internaccedilatildeo em estabelecimento educacional VII - qualquer uma das previstas no art 101 I a VI (ECA 2004)
72
AExecuccedilatildeodasMedidasdeProteccedilatildeo
O Conselho Tutelar eacute o principal agente operador das medidas protetivas eacute um ldquooacutergatildeo
permanente e autocircnomo natildeo jurisdicional encarregado pela sociedade de zelar pelo cum-
primento dos direitos da crianccedila e do adolescente definidos nesta Leirdquo (ECA 2004) Satildeo
previstos cinco conselheiros por municiacutepio escolhidos pela comunidade local por voto
direto cujo processo eleitoral eacute fiscalizado pelo Ministeacuterio Puacuteblico A lei municipal regu-
lamenta o local e horaacuterio de funcionamento bem como a remuneraccedilatildeo dos conselhei-
ros O ECA dispotildee que estes tenham idade superior a 21 anos residam no municiacutepio e
possuam reconhecida idoneidade moral
O papel do Conselho Tutelar postulado no ECA eacute entre outros aplicar as medidas pre-
vistas no artigo 101 (medidas protetivas) e requisitar os serviccedilos puacuteblicos nas diversas
aacutereas relacionadas a fim de assegurar o que o Estatuto prevecirc Cury Garrido e Marccedilura
(2000) lembram que cabe ao Conselho Tutelar somente a aplicaccedilatildeo dos incisos de I a
VII do artigo 101 do ECA Jaacute agrave autoridade judiciaacuteria cabe aplicar todos os incisos inclusi-
ve o inciso VIII do mesmo artigo e as medidas que tratam sobre o ato infracional entre
outros Atualmente existe um movimento de responsabilizaccedilatildeo e fortalecimento dos
Conselhos com o encaminhamento para estes oacutergatildeos dos casos envolvendo a aplicaccedilatildeo
das medidas protetivas que natildeo envolvam a guarda da crianccedila ou do adolescente
Liberati (1995) lembra que os incisos acima contemplam o exposto no art227 da Cons-
tituiccedilatildeo Federal abrangendo o atendimento agraves crianccedilas em seus direitos fundamentais
O que bem representa o paradigma da proteccedilatildeo integral em detrimento da ldquosituaccedilatildeo
irregularrdquo exposta no antigo Coacutedigo de Menores Ou seja ao compreender que os di-
reitos da crianccedila e do adolescente foram violados ou ameaccedilados se identifica o que o
autor chama de ldquosituaccedilatildeo de risco pessoal e social da crianccedila e do adolescenterdquo (p 64) que
se sobrepotildee a ldquofiguras casuiacutesticas tais como lsquomenor abandonadorsquo lsquodelinquentersquo etcrdquo (p 64)
Deste modo percebe-se o respeito ao estaacutegio de desenvolvimento peculiar das crianccedilas
e dos adolescentes quando se atribui responsabilidades a terceiros na proteccedilatildeo desses o
que se reflete nos incisos que remetem aos pais e ao Estado a competecircncia da proteccedilatildeo
Sobrepuja-se assim em termos legais a imaterialidade da responsabilidade bem como
a atribuiccedilatildeo desta somente aos ldquomenoresrdquo pela situaccedilatildeo em que vivenciam Inclusive
com a presenccedila de oacutergatildeos ligados ao Judiciaacuterio (como o Conselho Tutelar e a Vara da
Infacircncia) que exercem a funccedilatildeo mediadora no exerciacutecio dessas responsabilidades
73A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
No entanto o inciso II parece vago quando se refere ao tipo de acompanhamento a
ser realizado ldquo() A orientaccedilatildeo apoio e acompanhamento temporaacuterios que poderatildeo ser
realizada pelo Conselho Tutelar ou por serviccedilo de assistecircncia social ou ainda por serviccedilos
especializados do proacuteprio Poder Judiciaacuterio onde existam tem aplicaccedilatildeo em casos onde natildeo haacute
uma causa que possa ser incluiacuteda dentre as hipoacuteteses de tratamento meacutedico-psicoloacutegico e onde
natildeo exista omissatildeo imputaacutevel aos pais ou responsaacutevel a justificar a aplicaccedilatildeo das medidas dos
incisos VII ou VIII por exemplordquo (Mezzomo 2004 p 3)
Outros autores ponderam que o acompanhamento previsto no inciso II seja adminis-
trado pelo Conselho Tutelar que por sua vez deveraacute orientar seu desenvolvimento
execuccedilatildeo e conclusatildeo Liberati (1995) entende que o inciso II ldquoeacute o estudo social do caso
concreto que permitiraacute decidir se o acompanhamento da crianccedila ou adolescente seraacute feito na
famiacutelia ou em estabelecimento de educaccedilatildeo ou aprendizagem profissionalrdquo (p 67) Alberga-
ria (1991) pressupotildee a existecircncia de uma equipe interprofissional nessas instituiccedilotildees
que orientem ou ldquoassistamrdquo as crianccedilas e adolescentes Ele acrescenta que esta equipe
deveraacute enviar relatoacuterios ao Conselho Tutelar sobre o ldquotratamento educativo do menor e de
seu contexto familiarrdquo (p 73)
Todavia o inciso I parece ser mais claro ao tratar do encaminhamento aos pais Por
exemplo quando a crianccedila ou adolescente fogem de casa satildeo encaminhados aos pais
pelo Conselho Tutelar mediante termo de responsabilidade como pontua Liberati
(1995) Albergaria (1991) lembra que esse termo natildeo se restringe a uma formalidade
legal mais que isso deve ser apresentado aos pais diretrizes por parte da equipe inter-
disciplinar que o autor sugere ser da Vara da Infacircncia ou do Conselho Tutelar (p122)
Com relaccedilatildeo ao inciso IV Albegaria (1991) afirma que o programa comunitaacuterio eacute ldquodesti-
nado agrave promoccedilatildeo do bem-estar humano e social da populaccedilatildeo marginalizadardquo (p73) e prevecirc
a participaccedilatildeo da sociedade conjuntamente com o Estado na proteccedilatildeo social agraves crianccedilas
e adolescentes Este inciso tambeacutem parece vago embora Liberati (1995) enumere os
clubes oacutergatildeos de orientaccedilatildeo e aconselhamento familiar como recursos de execuccedilatildeo de
programas agrave famiacutelia agrave crianccedila e ao adolescente
Nota-se aqui que a histoacuteria da poliacutetica de assistecircncia social se entrelaccedila com o avanccedilo
sob o qual o ECA foi construiacutedo Pois assim como o estatuto a poliacutetica de assistecircncia
social tal como hoje eacute concebida eacute produto de uma mobilizaccedilatildeo histoacuterica Nogueira
74
(1994) acentua que a poliacutetica de assistecircncia social eacute sobretudo uma poliacutetica de in-
clusatildeo pois pretende alterar a situaccedilatildeo de exclusatildeo e para tanto deve ser alterativa e
alternativa ao inveacutes de ser simplesmente alternativa compensatoacuteria O autor coloca que
diferente da poliacutetica de assistecircncia social que eacute alternativa o assistencialismo pretende
manter o status quo como uma poliacutetica de anestesia ldquovocecirc anestesia aquela sociedade para
que ela suporte a dor para que natildeo se torne agudo o sofrimentordquo (p 17) O autor declara que
o sofrimento agudo suscita revolta e o crocircnico apatia
Alguns marcos legais representam bem essa mudanccedila Conforme disposto no artigo
203 da Constituiccedilatildeo Federal Brasileira a assistecircncia social eacute prestada a quem dela ne-
cessitar contrariamente agrave ideia de que a assistecircncia social seria somente para aqueles
empobrecidos economicamente Para tanto em 1993 foi publicada a Lei Orgacircnica da
Assistecircncia Social (LOAS) que regulamenta baseada nos princiacutepios da Carta Magna
Brasileira a assistecircncia social no paiacutes Em 2003 foi deliberada a construccedilatildeo do SUAS
(Sistema Uacutenico da Assistecircncia Social) enquanto um sistema que garante o que a LOAS
prevecirc integrando estados e municiacutepios na execuccedilatildeo dos direitos soacutecio-assistenciais
Por fim no ano de 2004 comeccedila a ser construiacuteda e implementada a Poliacutetica Nacional
de Assistecircncia Social (PNAS) com o objetivo de apontar ldquodiretrizes para a efetivaccedilatildeo da
assistecircncia social como direito de cidadania e responsabilidade do Estadordquo (PNAS 2004)
A PNAS entende a realidade entre outros olhares como ldquouma visatildeo social de proteccedilatildeordquo
(PNAS 2004) e aponta este conceito baseado em Di Giovanni
formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social tais como a velhice a doenccedila o infortuacutenio as privaccedilotildees () Neste conceito tambeacutem tanto as formas seletivas de distribuiccedilatildeo e redistribuiccedilatildeo de bens materiais (como comida e o dinheiro) quanto os bens culturais (como os saberes) que permitiratildeo a sobrevivecircncia e a integraccedilatildeo sob vaacuterias formas na vida social Ainda os princiacutepios reguladores e as normas que com intuito de proteccedilatildeo fazem parte da vida das coletividades (PNAS 2004)
A PNAS (2004) tem como diretrizes a descentralizaccedilatildeo administrativa ou seja a execu-
ccedilatildeo dos serviccedilos compete aos estados e municiacutepios ainda que as normas e coordenaccedilatildeo
geral sejam da esfera federal participaccedilatildeo popular por meio de organizaccedilotildees represen-
tativas e centralidade na famiacutelia na concepccedilatildeo e accedilatildeo dos serviccedilos Satildeo considerados
usuaacuterios da Poliacutetica de Assistecircncia Social famiacutelias e indiviacuteduos com perda ou fragilida-
75A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
de de viacutenculos de afetividade pertencimento e sociabilidade ciclos de vida identidades
estigmatizadas em termos eacutetnico cultural e sexual desvantagem pessoal resultante de
deficiecircncias exclusatildeo pela pobreza e ou no acesso agraves demais poliacuteticas puacuteblicas uso
de substacircncias psicoativas diferentes formas de violecircncia advinda do nuacutecleo familiar
grupos e indiviacuteduos inserccedilatildeo precaacuteria ou natildeo inserccedilatildeo no mercado de trabalho formal
e informal estrateacutegias e alternativas diferenciadas de sobrevivecircncia que podem repre-
sentar risco pessoal e social
Percebe-se que a PNAS abrange diversos segmentos no que se refere aos seus usuaacuterios
natildeo apenas agraves pessoas empobrecidas economicamente Com relaccedilatildeo agrave proteccedilatildeo social
a PNAS traz duas definiccedilotildees a proteccedilatildeo social baacutesica e a proteccedilatildeo social especial A pri-
meira voltada agrave prevenccedilatildeo dirige-se a desenvolver potencialidades e o fortalecimento
de viacutenculos familiares e comunitaacuterios Seu puacuteblico eacute a populaccedilatildeo que vive em situaccedilatildeo
de vulnerabilidade social decorrente da pobreza privaccedilatildeo (ausecircncia de renda precaacuterio
ou nulo acesso aos serviccedilos puacuteblicos dentre outros) e ou fragilizaccedilatildeo de viacutenculos afe-
tivos ndash relacionais e de pertencimento social (discriminaccedilotildees etaacuterias eacutetnicas de gecircnero
ou por deficiecircncias dentre outras)
As accedilotildees de proteccedilatildeo social baacutesica satildeo realizadas nos Centros de Referecircncia da Assis-
tecircncia Social (CRAS) Segundo a PNAS os centros devem desenvolver atividades de
convivecircncia e fortalecimento de viacutenculos para crianccedilas adolescentes jovens e idosos
bem como a execuccedilatildeo de programas de inclusatildeo produtiva e enfrentamento da pobreza
voltados para o trabalho e o Programa de Atenccedilatildeo Integral agraves Famiacutelias Este uacuteltimo con-
siste em ldquoum conjunto de accedilotildees relativas agrave acolhida informaccedilatildeo e orientaccedilatildeo inserccedilatildeo em
serviccedilos da assistecircncia social tais como socioeducativos e de convivecircncia encaminhamentos
a outras poliacuteticas promoccedilatildeo de acesso agrave renda e especialmente acompanhamento sociofami-
liarrdquo (Ministeacuterio do Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome Programa de Atenccedilatildeo
Integral agrave Famiacutelia sd)
Quanto agrave proteccedilatildeo social baacutesica conta-se tambeacutem com os Centros de Orientaccedilatildeo Socioe-
ducativos (COSEs) Nestes centros estatais assim como em entidades conveniadas com
o governo local satildeo realizadas as atividades de convivecircncia Tambeacutem satildeo os locais de
execuccedilatildeo do inciso IV do ECA referente a programas de auxiacutelio agrave famiacutelia a crianccedila e ao
adolescente Embora natildeo haja regulamentaccedilatildeo sobre essa informaccedilatildeo na praacutetica esta
tem sido sua forma de funcionamento
76
Ao lembrar que a famiacutelia em medida protetiva eacute aquela cujo direito foi violado pode-
-se concluir que existe nesses centros uma interface tambeacutem com a proteccedilatildeo social
especial haja vista que baseado no exposto na PNAS a diferenccedila da proteccedilatildeo baacutesica e
da proteccedilatildeo especial eacute que esta uacuteltima trata de um atendimento dirigido a situaccedilotildees de
violaccedilotildees de direitos Haacute portanto uma relaccedilatildeo tecircnue de difiacutecil diferenciaccedilatildeo tendo em
vista a falta de definiccedilatildeo mais expliacutecita dos conceitos Seraacute que famiacutelias em vulnerabili-
dade em funccedilatildeo da situaccedilatildeo econocircmica jaacute natildeo tiveram seus direitos violados E seraacute que
famiacutelias em situaccedilatildeo de vulnerabilidade tecircm seus viacutenculos fragilizados
Assim eacute definida a proteccedilatildeo social especial eacute a modalidade de atendimento assistencial
destinada a famiacutelias e indiviacuteduos que se encontram em situaccedilatildeo de risco pessoal e so-
cial por ocorrecircncia de abandono maus tratos fiacutesicos e ou psiacutequicos abuso sexual uso
de substacircncias psicoativas cumprimento de medidas socioeducativas situaccedilatildeo de rua
situaccedilatildeo de trabalho infantil entre outras (PNAS 2004)
Nos Centros de Referecircncia Especial da Assistecircncia Social (CREAS) satildeo realizados entre
outros serviccedilos de orientaccedilatildeo e apoio sociofamiliar visando fortalecer o conviacutevio fami-
liar e comunitaacuterio A PNAS prevecirc que cabe ao CREAS o acompanhamento das medidas
socioeducativas em meio aberto
AsMedidasSocioeducativas
O objetivo preciacutepuo da medida socioeducativa eacute educar o adolescente para o conviacutevio so-
cial de forma que ele natildeo volte a cometer atos infracionais e aprenda a conviver em so-
ciedade sem quebrar normas Portanto o foco de intervenccedilatildeo do psicoacutelogo no contexto
da socioeducaccedilatildeo deve levar em consideraccedilatildeo os trecircs aspectos fundamentais referentes
agraves funccedilotildees da medida socioeducativa descritas por Selosse (1997) quais sejam 1) seu
caraacuteter sancionatoacuterio ou seja o aspecto coercitivo da medida face agrave transgressatildeo come-
tida isto eacute a relaccedilatildeo do adolescente com a lei 2) seu caraacuteter educativo ou reeducativo a
reconciliaccedilatildeo do adolescente com seu entorno social em outros padrotildees relacionais ou
seja a relaccedilatildeo do adolescente com a sociedade e 3) seu caraacuteter reparatoacuterio a reconcilia-
ccedilatildeo do adolescente consigo mesmo por meio de processo interno que favorece a resti-
tuiccedilatildeo de sua imagem pessoal que fora contaminada pelo ato infracional ou a relaccedilatildeo
do adolescente com ele mesmo
77A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
Apoacutes a verificaccedilatildeo do ato infracional as medidas socioeducativas satildeo aplicadas pelo
juiz que considera a capacidade do adolescente em cumpri-las (ECA 2004) Veronese
(2006) comenta que a gravidade da infraccedilatildeo tambeacutem eacute analisada para aplicaccedilatildeo das me-
didas e deve ser feito de maneira ponderada considerando as circunstacircncias O adoles-
cente responderaacute pelo ato a partir do processo legal O ato eacute investigado pela delegacia
especializada ndash a Delegacia da Crianccedila e do Adolescente (DCA) ndash e depois a notificaccedilatildeo
eacute remetida agrave Vara da Infacircncia e Juventude (VIJ) para a instauraccedilatildeo do processo
Entende-se que a DCA e a VIJ ainda que tratem do processo legal relacionado aos atos
infracionais exercem seu poder de proteccedilatildeo por assegurar o devido andamento a esse
processo Contudo para assegurar outros direitos de proteccedilatildeo agrave crianccedila e ao adolescen-
te a populaccedilatildeo em vulnerabilidade natildeo conta com oacutergatildeos que lhes sejam acessiacuteveis
quanto agrave localizaccedilatildeo
Apoacutes o julgamento do processo as medidas socioeducativas satildeo aplicadas
Advertecircncia censura verbal realizada pelo juiz seguida de um termo assinado Volpi
(2005) acredita que esta medida eacute coercitiva e possui caraacuteter intimidatoacuterio que deveraacute
contar com a presenccedila dos responsaacuteveis como um ato ritualiacutestico (p 25) Contudo Vero-
nese (2006) descreve a natureza pedagoacutegica desta medida e ressalta que a presenccedila dos
pais eacute importante em razatildeo da responsabilidade desses sobre os adolescentes
Obrigaccedilatildeo de reparar o dano o juiz determina que o adolescente restitua eou recom-
pense a viacutetima Volpi (2005) considera esta medida ldquocoercitiva e educativa levando o
adolescente a reconhecer o erro e a reparaacute-lordquo (p 23) Veronese (2006) complementa que o
autor do ato infracional tambeacutem pode responder civilmente dependendo da natureza
de sua accedilatildeo Liberati (1995) pondera que os pais respondem solidariamente no processo
pela obrigaccedilatildeo de ressarcir o dano se seus filhos tiverem entre 16 e 21 anos antes disso
somente os pais ou responsaacuteveis legais respondem civilmente Mezzomo (2004) ressal-
ta quanto a esta medida que ldquoobrigaccedilatildeo de reparar o dano por oacutebvio que pressupotildee infraccedilatildeo
compatiacutevel com a espeacutecie visto que nem toda infraccedilatildeo deixa um dano a repararrdquo (p 7)
A prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave comunidade com duraccedilatildeo maacutexima de seis meses o adoles-
cente realiza tarefas gratuitamente em instituiccedilotildees de interesse puacuteblico respeitando o
horaacuterio da escola e de trabalho (caso exerccedila) Atualmente esta medida assim como a
78
obrigaccedilatildeo de reparar o dano eacute acompanhada pela Seccedilatildeo de Medidas Socioeducativas da
1ordf Vara da Infacircncia e Juventude do Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios
(SEMSEVIJTJDFT) Veronese (2006) lembra que para a prestaccedilatildeo de serviccedilo eacute suge-
rido que haja uma relaccedilatildeo com o ato infracional mas que tal condiccedilatildeo natildeo eacute determi-
nada legalmente (p 100) Liberati (1995) acrescenta que ldquoas tarefas devem ser atribuiacutedas
conforme a aptidatildeo do adolescenterdquo (p 86) Esta medida evidencia a co-participaccedilatildeo social
no trato agraves questotildees da adolescecircncia tal qual previsto legalmente (Albergaria 1991)
uma vez que o adolescente presta serviccedilo em meio comunitaacuterio Por fim Volpi (2005)
ressalta que esta medida seraacute mais efetiva ldquona medida em que houver o adequado acompa-
nhamento do adolescente pelo oacutergatildeo executor o apoio da entidade que o recebe e a utilidade
real da dimensatildeo social do trabalho realizadordquo (p 24)
Liberdade Assistida (LA) adotada quando eacute a medida pertinente para ldquoacompanhar au-
xiliar e orientar o adolescenterdquo (ECA 2004) quando do cometimento de um ato infracio-
nal Volpi (2005) avalia a medida de LA como coercitiva por sua necessidade de acom-
panhamento da vida social do adolescente e educativa na garantia de ldquoproteccedilatildeo inserccedilatildeo
comunitaacuteria cotidiano manutenccedilatildeo de viacutenculos familiares frequumlecircncia agrave escola e inserccedilatildeo no
mercado de trabalho eou cursos profissionalizantes e formativosrdquo (p 24)
Esta medida tem a duraccedilatildeo miacutenima de seis meses podendo ser substituiacuteda prorrogada
ou revogada pelo oacutergatildeo de justiccedila Trata-se de um acompanhamento especial ao adoles-
cente em meio aberto supervisatildeo que inclusive Albergaria (1991) afirma depender o
cumprimento adequado da medida O autor acrescenta que agrave medida de LA o juiz pode
aplicar concomitantemente as outras duas medidas socioeducativas supracitadas bem
como realizar outros encaminhamentos como algum tratamento por exemplo
As medidas em meio aberto tem a vantagem de manter o adolescente em seu meio
natural natildeo o afastando de sua convivecircncia familiar e comunitaacuteria e portanto devem
ser acompanhadas e aplicadas preferencialmente nas localidades de moradia dos ado-
lescentes Neste sentido faz-se imprescindiacutevel um acompanhamento que propicie que
este adolescente ressignifique sua realidade ao estar nela inserido
Regime de semi-liberdade esta medida natildeo possui prazo normalmente sendo conce-
dida como transiccedilatildeo ao meio-aberto Assim como a medida de LA a medida de semi-
-liberdade eacute aplicada quando do cometimento de ato infracional e possui como eixo de
79A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
acompanhamento a obrigatoriedade escolar e a preocupaccedilatildeo com a inserccedilatildeo no merca-
do de trabalho Como lembra Veronese (2006) nesta medida o adolescente eacute recolhido
em um estabelecimento mas durante o dia pode realizar atividades externas A autora
acrescenta que esta medida pode ser determinada desde o inicio ou como relaxamento
do regime de internaccedilatildeo no caminho para a liberdade assistida
Internaccedilatildeo uacuteltima medida a ser aplicada quando todas as outras natildeo couberem mais
quando existe ameaccedila ou violecircncia agrave pessoa repeticcedilatildeo das infraccedilotildees ou descumprimen-
to injustificaacutevel da medida anterior A internaccedilatildeo dura no maacuteximo trecircs anos devendo
ser avaliada a cada seis meses Se o motivo da internaccedilatildeo for o descumprimento injus-
tificaacutevel da medida anterior o prazo de internaccedilatildeo natildeo poderaacute exceder trecircs meses Aos
21 anos a liberaccedilatildeo eacute compulsoacuteria ponderando que o limite maacuteximo de internaccedilatildeo eacute de
trecircs anos e caso o adolescente tenha cometido o ato infracional aos 17 anos ele poderaacute
ficar no regime de internaccedilatildeo somente ateacute esse prazo
Haacute duas modalidades de internaccedilatildeo a provisoacuteria de no maacuteximo 45 dias na qual o ado-
lescente aguarda o pronunciamento judicial e a estrita onde eacute cumprida essa medida
socioeducativa Posteriormente o adolescente eacute submetido agrave semi-liberdade ou agrave liber-
dade assistida como transiccedilatildeo agrave liberdade
Concomitante agraves medidas socioeducativas estaacute prevista a aplicaccedilatildeo de qualquer um
dos incisos previstos no artigo 101 Isto porque lembrando o inciso III do artigo 98 a
medida protetiva pode ser aplicada em funccedilatildeo da conduta do proacuteprio adolescente nesse
caso o ato infracional
Volpi (2005) ressalta que a medida de internaccedilatildeo limita ldquoo exerciacutecio pleno do direito e ir e
vir e natildeo de outros direitos constitucionaisrdquo (p 28) podendo sair acompanhado da equipe
teacutecnica para atividades externas salvo impedimento judicial (artigo 121 sect1 ECA) Outros
direitos satildeo assegurados no que concerne agrave internaccedilatildeo conforme artigo 123 do ECA a
saber a exclusividade do local de cumprimento da medida a separaccedilatildeo dos adolescentes
pela idade gravidade da infraccedilatildeo e porte fiacutesico No artigo 124 do ECA tambeacutem satildeo pre-
vistos o acesso dos adolescentes em internaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo processual escolarizaccedilatildeo
profissionalizaccedilatildeo atividades culturais esportivas meios de comunicaccedilatildeo contato com
familiares e amigos visitas semanais condiccedilotildees de higiene e salubridade entre outros
80
Eacute inequiacutevoca a constataccedilatildeo de que a pena de reclusatildeo eacute falha em seu aspecto correcional
da conduta social Tem sido sistematicamente observado que a sanccedilatildeo de restriccedilatildeo de
liberdade cria seacuterios obstaacuteculos agrave ressocializaccedilatildeo aleacutem de ferir direitos fundamentais
do cidadatildeo Por outro lado tal medida tem sido cada vez mais adotada em adolescentes
principalmente em se tratando daqueles que praticaram crimes contra o patrimocircnio
porte de armas e envolvimento com traacutefico de drogas
De fato na maioria dos casos o adolescente que comete um ato infracional de maior
gravidade acumula um histoacuterico de pequenas transgressotildees do que se pode deduzir
que as medidas anteriormente aplicadas natildeo foram eficazes pois natildeo preveniram a
reincidecircncia Assim a medida de internaccedilatildeo eacute a opccedilatildeo indicada quando todas as demais
medidas falharam em seu propoacutesito soacutecioeducativo Poreacutem natildeo se pode responsabili-
zar o Estatuto pelas falhas na aplicaccedilatildeo das medidas pois na realidade as medidas natildeo
estatildeo sendo aplicadas de acordo com o que estaacute previsto A responsabilidade natildeo eacute outra
senatildeo da proacutepria sociedade que fracassou na aplicaccedilatildeo dos mecanismos estabelecidos
mas que insiste na praacutetica estereotipada de travestir sua culpa e condenar os proacuteprios
adolescentes pela inobservacircncia da lei
Paralelamente ao movimento antimanicomial ndash que libertou os loucos da reclusatildeo dos
hospiacutecios ndash e na contramatildeo da humanizaccedilatildeo dos serviccedilos a histoacuteria tenta repetir o iso-
lamento social dos jovens indesejaacuteveis trancafiando-os em verdadeiras prisotildees
Vaacutelido lembrar como exposto por Volpi (2005) que as medidas soacutecioeducativas devem
garantir ao adolescente as ldquooportunidades de superaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de exclusatildeordquo (p 21)
com a participaccedilatildeo da famiacutelia e da comunidade
Mesmo com os direitos previstos no ECA em 2004 foi sistematizada e organizada a
proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) Pretende-se
que este sistema guie a implementaccedilatildeo das medidas soicoeducativas Nele satildeo contem-
plados desde paracircmetros pedagoacutegicos ateacute questotildees de financiamento e responsabilida-
de de gestatildeo avaliaccedilatildeo e monitoramento perpassando tambeacutem por normas e defini-
ccedilotildees teacutecnicas relacionadas ao aspecto arquitetocircnico das unidades aleacutem de princiacutepios
e marcos legais que norteiam esse sistema com o conceito de integraccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas
81A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
Muito se fala dos direitos expostos no ECA Secircda (1993) recorda que o conceito de ci-
dadania aplicado a crianccedilas e adolescentes enquanto sujeito de direitos foi difundido
inicialmente como se estes soacute tivessem direitos questatildeo que foi disseminada nos meios
de comunicaccedilatildeo aos pais passando por educadores e liacutederes comunitaacuterios
Comeccedilaram assim a se formar novos usos e costumes em que pessoas mal informadas
ou mal informadoras induzem a desvios ao afirmarem que o Estatuto enfraqueceu o po-
der dos pais na educaccedilatildeo dos filhos que crianccedilas e adolescentes tecircm o direito (ilimitado)
de ir e vir natildeo podendo ser molestados que a poliacutecia estaacute impedida de cumprir suas
funccedilotildees quando depara no mundo do crime com crianccedilas e adolescentes que crianccedilas
e adolescentes natildeo podem ser punidos quando se desviam das normas e assim por
diante (Secircda 1993 p 24)
O autor membro da comissatildeo redatora do Estatuto lembra que o ECA eacute um instrumen-
to ldquoa favor da sociedaderdquo (p 25) e que a todos crianccedilas adultos adolescentes e idosos
satildeo determinados direitos e responsabilidades Secircda (1993) descreve que ldquoo direito de
cada um se inicia com o seu dever Dever de respeitar o direito do outro Esse eacute o mundo da
eacutetica da responsabilidade socialrdquo (p 26) O autor tambeacutem pontua a diferenccedila de adultos
adolescentes e crianccedilas com relaccedilatildeo ao Direito assinalando que os primeiros tecircm ldquoo po-
der de se autodeterminarem em suas relaccedilotildees sociaisrdquo (p 31) Por exemplo conforme a legis-
laccedilatildeo brasileira a partir dos 12 anos o adolescente tem a capacidade de discernimento
para fazer ou natildeo atos que a lei define como crimes e contravenccedilotildees sendo portanto
autodeterminado para esse fim especiacutefico e natildeo para outros Jaacute no caso de crianccedilas ateacute
12 anos quando da praacutetica de tais atos ficam submetidas (conforme jaacute mencionado) agraves
medidas de proteccedilatildeo
Nesse sentido Veronese (2006) ressalta que
O Estatuto obriga sim ele responsabiliza condutas compreendidas como atos infracionais atraveacutes das medidas socioeducativas portanto servindo-se de mecanismos instrumentos de caraacuteter social e educacional pretende-se a real inserccedilatildeo do adolescente que praticou o suposto ato sem discriminaccedilotildees sem roacutetulos sem a perversidade da exclusatildeo social (p 110)
Saraiva (1998) lembra que a ldquoinimputabilidade natildeo implica impunidade uma que estabele-
ce medidas de responsabilizaccedilatildeo compatiacuteveis com a condiccedilatildeo peculiar de pessoa em desenvol-
vimento destes agentesrdquo (p 15) Diante do exposto observa-se que o ECA eacute um potencial
82
instrumento de direitos e deveres e sobretudo de proteccedilatildeo que se coaduna sincronica-
mente com os princiacutepios constitucionais e que envolve uma ampla rede de atendimen-
to
Contudo o Estatuto da Crianccedila e do Adolescente tambeacutem eacute alvo de controveacutersias tanto
referente aos seus fundamentos que em geral natildeo satildeo bem interpretados ou possui
equiacutevocos juriacutedicos (Cavallieri 1995) quanto agrave sua execuccedilatildeo responsabilidade dos Po-
deres Legislativo Executivo e Judiciaacuterio e dos demais atores e agentes da sociedade civil
organizada e natildeo organizada
Pereira (2006) ao analisar o ECA e os comportamentos de diversos aplicadores e exe-
cutores da lei esclarece que o ECA eacute balizado na atenccedilatildeo prioritaacuteria e garante a imple-
mentaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para crianccedilas e adolescentes proporcionando ldquoo
efetivo caraacuteter de promoccedilatildeo de mudanccedilas nas praacuteticas culturais existentesrdquo (p 12) Poreacutem
o comportamento dos executores natildeo corresponde ainda a tais mudanccedilas Vaacuterias pes-
quisas que permeiam o direito das crianccedilas e adolescentes possuem essa criacutetica Nessa
direccedilatildeo Fucks (2004) apresenta as contradiccedilotildees entre o direito real e o direito legal e
mostra a natildeo prioridade do adolescente autor de ato infracional nas poliacuteticas puacuteblicas
refletida na morosidade insuficiecircncia e ineficaacutecia dos serviccedilos prestados aos adolescen-
tes Nogueira (1994) pontua que o anuacutencio dos direitos de crianccedilas e adolescentes agraves
vezes se transforma em uma ironia diante da realidade de natildeo acesso a esses direitos
por alguns deles tal qual acena Dimenstein (1998) em Cidadatildeo de Papel
ConsideraccedilotildeesFinais
Percebe-se que o paradigma da proteccedilatildeo integral e o estatuto que o alicerccedila representam
uma notaacutevel mudanccedila na compreensatildeo dos cuidados com a infacircncia e a adolescecircn-
cia no Brasil Sob essa perspectiva a proteccedilatildeo aplica-se prioritariamente agrave crianccedila e ao
adolescente com a integraccedilatildeo da famiacutelia da sociedade e do Estado em detrimento de
uma poliacutetica que buscava defender muitas vezes a famiacutelia a sociedade e o Estado dos
ldquomenores perigososrdquo Em vista disso eacute o princiacutepio do melhor interesse que prevalece cuja
primazia se faz em torno dos interesses e necessidades das crianccedilas e adolescentes E
como lembra Amin (2008) ldquomaterializaacute-lo eacute dever de todosrdquo (p 29)
83A proteccedilatildeo integral no sistema de garantia de direitos agrave crianccedila e ao adolescente no Brasil
Nesse sentido Mioto (2006) aponta duas questotildees relevantes para a consolidaccedilatildeo da
proteccedilatildeo integral uma nova concepccedilatildeo de assistecircncia agraves famiacutelias e por conseguinte
outra postura diante destas A primeira diz respeito agrave compreensatildeo de que proteger as
famiacutelias implica em proteccedilatildeo agraves crianccedilas e aos adolescentes ldquodessa forma ela (a famiacutelia)
tem o direito de ser assistida para que possa desenvolver com tranquumlilidade suas tarefas de
proteccedilatildeo e socializaccedilatildeo das novas geraccedilotildees e natildeo penalizada pelas suas impossibilidadesrdquo (p
57) Para tanto a sociedade e especialmente os teacutecnicos dos programas de atendimento
agraves famiacutelias tecircm agrave sua frente o desafio de sobrepujar a conceituaccedilatildeo dicotocircmica entre
ldquofamiacutelias capazes e incapazes normais ou patoloacutegicas e os estereoacutetipos e preconceitos delas
decorrentesrdquo (p 57)
Por uacuteltimo conveacutem refletir sobre as reais possibilidades do alcance do trabalho da psi-
cologia nesses contextos e compreender que assim como o SINASE preconiza a in-
completude das instituiccedilotildees e a necessidade da integraccedilatildeo de diferentes atores institu-
cionais tambeacutem o psicoacutelogo precisa reconhecer a incompletude de sua atuaccedilatildeo isolada
Por isso mesmo deve nutrir-se das forccedilas de suas redes de apoio social para que suas
accedilotildees natildeo pareccedilam apenas uma gota no oceano Trabalhar em rede eacute tambeacutem exercitar
a humildade o trabalho do psicoacutelogo pode muito mas natildeo pode tudo
A pesquisa de avaliaccedilatildeo dos 10 anos do ECA jaacute apontava como ldquoo grande desafio a efetiva
implementaccedilatildeo do paradigma da proteccedilatildeo integralrdquo (p 195) para a qual o clientelismo e a
repressatildeo no acircmbito das poliacuteticas sociais representavam fortes obstaacuteculos Entre outros
aspectos a pesquisa aponta a atuaccedilatildeo em redes e o protagonismo juvenil como itens
importantes para a consolidaccedilatildeo do ECA Ainda hoje remanesce tal desafio de garantia
da proteccedilatildeo integral e do papel protagocircnico do adolescente Passados quase duas deacuteca-
das da implementaccedilatildeo do Estatuto da Crianccedila e do Adolescente o cenaacuterio das poliacuteticas
de atenccedilatildeo agrave infacircncia e juventude brasileiras em situaccedilatildeo de vulnerabilidade continua
refletindo o discurso e a praacutetica das abordagens estigmatizantes do velho paradigma mi-
norista Continuamos distantes do ideal de garantir a proteccedilatildeo integral preconizada pelo
estatuto Ainda que as concepccedilotildees oriundas dos antigos coacutedigos devessem ser ldquocoisa do
passadordquo seus ldquofantasmasrdquo se manifestam de forma contundente principalmente no
discurso e na praacutetica do atendimento ao adolescente em cumprimento de medida de in-
ternaccedilatildeo dos quais ressalta o aspecto punitivo da medida em detrimento de seu aspecto
socioeducativo Resta agrave sociedade civil e ao Estado a tarefa peremptoacuteria de vigilacircncia e
observacircncia do cumprimento da lei
84
O mais importante eacute que devemos reafirmar o compromisso eacutetico profissional defen-
der os direitos humanos a garantia da humanizaccedilatildeo destes serviccedilos e criar propostas
ousadas de atendimento principalmente aos adolescentes em conflito com a lei para
que se viabilize a emergecircncia do protagonismo juvenil longe das paacuteginas policiais Eacute
importante a presenccedila atuante do psicoacutelogo nesses contextos para fazer valer os direitos
do adolescente A privaccedilatildeo de liberdade deve se restringir apenas ao direito de ir e vir
Devem-se garantir a proteccedilatildeo integral a crianccedilas e adolescente aleacutem de seus direitos agrave
liberdade de expressatildeo de comunicaccedilatildeo de criaccedilatildeo de manifestaccedilatildeo da espontaneida-
de de dar e receber afeto de poder acreditar
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87 Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
ElviaTaracena
En este artiacuteculo se presenta una siacutentesis de los trabajos de investigacioacuten realizados des-
de una perspectiva socio-cliacutenica a lo largo de 15 antildeos en torno al programa Subjetivi-
dad y Sociedad de la FES-Iztacala Retomamos tambieacuten algunos otros estudios que son
acordes a la perspectiva que manejamos para ampliar la mirada y enriquecer nuestros
trabajos
Hemos defendido en todos estos antildeos la necesidad de hacer una investigacioacuten ligada al
campo de la intervencioacuten que permita caracterizar la complejidad del fenoacutemeno de la
vida en la calle En cada uno de los acercamientos a nintildeos y joacutevenes en riesgo o en situa-
cioacuten de calle hemos propuesto actividades que les sean uacutetiles y que puedan interesarles
a traveacutes de eacutestas hemos podido observar el fenoacutemeno de la vida en la calle y los aspectos
de su vida personal o su entorno social que los pone en riesgo asiacute como los procesos de
adaptacioacuten a la calle y su forma de responder a los conflictos Tomar en cuenta la posibi-
88
lidad de devolver a los nintildeos y joacutevenes y a las Asociaciones u organizaciones que trabajan
con ellos algo a cambio de aceptar dialogar con nosotros ha permitido equilibrar los
teacuterminos de la relacioacuten
En el mismo sentido un aspecto sumamente importante es el anaacutelisis de la implicacioacuten
del investigador en un proceso de intervencioacuten-investigacioacuten Ya que los sentimientos
las emociones las representaciones influyen las hipoacutetesis de trabajo y la relacioacuten con
los joacutevenes
Privilegiamos una perspectiva cualitativa de investigacioacuten ya que en nuestra opinioacuten
posibilita estudiar de manera fina los procesos implicados en los fenoacutemenos de margi-
nalizacioacuten y estigmatizacioacuten que se manifiestan en la vida en la calle En esta trayectoria
de investigacioacuten-intervencioacuten han participado la autora de este artiacuteculo investigadores
de este programa y estudiantes de Psicologiacutea quienes han realizado sus tesis mismas
que se citan en sus aportaciones
A traveacutes de estos trabajos se intenta dar cuenta de la realidad psicosocial del joven en si-
tuacioacuten de calle7 de su relacioacuten con el espacio de su relacioacuten con la economiacutea informal
y con las relaciones de poder Se han realizado estudios de caso individuales o de grupo
auxiliaacutendose con entrevistas cliacutenicas en profundidad y utilizando a menudo el dibujo
para explorar la realidad psiacutequica del nintildeo y del joven (Taracena y Tavera 1992 1996
1998 2001 Martiacutenez y Melgarejo 1996 Maacuterquez y Ordoacutentildeez 1996 Taracena Tavera y
Castillo 1993) En cada caso se pretende articular los aspectos sociales que caracterizan
la vida en la calle con las formas de expresioacuten singular de grupos o individuos con los
que hemos estado en relacioacuten para comprender mejor lo que significa la experiencia de
vivir y trabajar en la calle
El intereacutes de los estudios realizados ha sido tambieacuten explorar el caraacutecter psicosocial de
los fenoacutemenos de la salida a la calle de nintildeos y joacutevenes y resaltar la imposibilidad de la
familia y las instituciones como espacios previstos por la sociedad para la crianza del
7 A lo largo de nuestro trabajo hemos observado que el numero de nintildeos solos en las calles ha disminuido y ha aumentado el de adolescentes o joacutevenes adultas es por esta razoacuten que ha menudo utilizamos en este artiacuteculo el teacutermino joven para designar de forma geneacuterica los nintildeos y los adolescentes que se encuentran en la calle por otro lado el teacutermino en situacioacuten de calle designa los nintildeos que trabajan y los que viven en la calle
89Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
pequentildeo para funcionar como lugares de contencioacuten Por ello pensamos que es necesa-
rio mostrar que este fenoacutemeno estaacute ligado al sistema de inequidad en el cual estaacute basada
la sociedad mexicana actual En Meacutexico encontramos contradicciones tales como el he-
cho de que un hombre pueda acumular una riqueza imposible de gastaacutersela en su vida
y tampoco en la de varias generaciones de sus descendientes y que al mismo tiempo
haya millones de mexicanos que viven en una situacioacuten de pobreza extrema
La vida en la calle es una expresioacuten de esa inequidad y se va matizando por las historias
particulares de familias y de personas Especialmente en las grandes urbes la calle
ofrece espacios donde se pueden obtener beneficios materiales y formas de subsisten-
cia pero donde tambieacuten se roza la miseria el abuso del poder y la violencia Es por
esto que en nuestro trabajo vamos siempre de las condiciones sociales a las historias
individuales y viceversa en un movimiento recursivo que intenta dar cuenta de la com-
plejidad del fenoacutemeno
Los objetivos de estos estudios han sido
bull Conocer las representaciones que tienen los diferentes sectores sociales del fenoacute-
meno del trabajo y la vida de los nintildeos en la calle
bull Conocer las condiciones de vida y de trabajo de los nintildeos y joacutevenes de la calle para
sentildealar los riesgos que enfrentan pero tambieacuten sus posibilidades de aprendizaje
bull Conocer la representacioacuten que tiene la prensa de los joacutevenes de la calle
bull Conocer las caracteriacutesticas y la relacioacuten que establecen con sus familias asiacute como
la representacioacuten que tienen ellas
bull Realizar una reflexioacuten teoacuterica sobre la constitucioacuten de la identidad en condiciones
de marginalidad y sobre los mecanismos psico-sociales implicados en el grupo
como forma de organizacioacuten de la vida en la calle
Con base en dichos estudios planteamos hipoacutetesis sobre las condiciones de vida de
los joacutevenes de la calle Hemos puesto atencioacuten al anaacutelisis de los procesos sociales que
influyen en las trayectorias personales sin restarles importancia a las mismas Nos ha
interesado tambieacuten abordar el fenoacutemeno de la vida en la calle desde varias disciplinas
articulando conceptos que nos permitan tener una mejor comprensioacuten de la compleji-
dad del problema
90
Laeconomiacuteadelasupervivencia
De acuerdo con los datos del Banco Mundial sobre Meacutexico en el antildeo 2007 el ingreso Per
capita estimado es de 10108 doacutelares sin embargo tambieacuten sentildealan que de una pobla-
cioacuten total de 1074 millones el 45 gana menos de un doacutelar al diacutea y el 204 menos
de dos doacutelares esto significa que casi 25 millones de mexicanos estaacuten muy lejos de ac-
ceder al salario miacutenimo Por otro lado de acuerdo con los datos del CONEVAL (Consejo
Nacional de la Evaluacioacuten de la Poliacutetica de Desarrollo Social) en el 2007 se plantea que
A pesar de la tendencia a la reduccioacuten de la pobreza en los uacuteltimos antildeos se aprecia que este indicador se encuentra hoy en diacutea en niveles similares a los de 1992 47 por ciento de la poblacioacuten del paiacutes estaacute en situacioacuten de pobreza patrimonial y 182 por ciento en pobreza alimentaria De no incrementarse de manera acelerada los salarios reales y el empleo en el paiacutes los cuales son los principales motores del ingreso la pobreza no podraacute reducirse de manera sustantiva en el mediano y largo plazo
Esto significa que las estimaciones inducen a errores si se piensa que la calidad de
vida ha aumentado en Meacutexico ya que un sector importante de la poblacioacuten enfrenta
problemas de pobreza y en consecuencia desnutricioacuten y dificultades en atencioacuten a la
salud De acuerdo con el estudio realizado por el Dr Abelardo Aacutevila Curiel del Instituto
Nacional de Ciencias Meacutedicas y Nutricioacuten ldquoSalvador Zubiraacutenrdquo (INNSZ) sobre el estado
de la desnutricioacuten en Meacutexico se reporta que hay 972534 nintildeos desnutridos has el 18 de
septiembre del 2008
A consecuencia de la crisis econoacutemica y alimentaria el INNSZ estima un probable
aumento en la desnutricioacuten infantil en el 20 por ciento de la poblacioacuten maacutes pobre del
paiacutes y que se detenga el descenso de la mortalidad infantil que se habiacutea logrado en la
uacuteltima deacutecada8
8 httporganicconsumersorgACOartiacuteculos_15620cfm
91Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
La diferencia entre los niveles de vida y los ingresos entre las diferentes poblaciones en
Meacutexico ha sido muy marcada La distancia entre los pobres y los ricos se hace cada diacutea
mayor Ya en 1995 Julieta Campos observaba que la distancia entre los ricos y los po-
bres aumentoacute como resultado de los movimientos poliacuteticos y de adaptacioacuten del modelo
econoacutemico neoliberal La autora sentildeala que ya desde el noventa y cinco el ingreso de las
24 familias maacutes ricas de Meacutexico es equivalente al de 25 millones de los mexicanos maacutes
pobres
En un periodo de la historia reciente del paiacutes se creyoacute en un milagro econoacutemico Entre
los antildeos 30 y los 70 Meacutexico obtuvo un crecimiento espectacular de su PIB duplicaacutendolo
praacutecticamente9 lo que produjo una migracioacuten hacia las ciudades en particular hacia
la ciudad de Meacutexico que en 40 antildeos ha quintuplicado su poblacioacuten10 Un crecimiento
tan raacutepido ha impedido la absorcioacuten de estas poblaciones y con ello asistimos a la pro-
liferacioacuten de cinturones de miseria Estas nuevas entidades han alterado las formas de
organizacioacuten de la ciudad en particular el cambio de los barrios populares en el des-
plazamiento de poblaciones Las personas que llegan a Meacutexico desarrollan estrategias
de apropiacioacuten de la tierra de demanda de servicios y crean nuevas formas de acultu-
racioacuten11
Sin embargo las diversas crisis econoacutemicas que han golpeado al paiacutes desde los antildeos 80
no han hecho maacutes que aumentar la tasa de pobreza el nuacutemero de personas que viven
en un estado extremo de pobreza ha aumentado constantemente12 La crisis econoacutemica
y la migracioacuten en las zonas urbanas han contribuido al aumento del nuacutemero de perso-
nas que subsisten gracias al comercio ambulante Podemos distinguir varias categoriacuteas
de vendedores algunos de ellos teniendo un papel importante en la economiacutea informal
otros situaacutendose en el liacutemite de la mendicidad disfrazada
9 Seguacuten numerosos estudios el PIB pasoacute del 36 al 67 en ese periacuteodo
10 Meacutexico teniacutea en 1960 54 millones de habitantes y actualmente cuenta con maacutes de 25 millones
11 Un ejemplo interesante es el de Ciudad Netzahualcoacuteyotl que pasa de ser un gran cinturoacuten de miseria a ser un barrio popular con servicios y con una identidad propia en un periodo de 20 antildeos
12 Seguacuten Pieck y Aguado (1995) entre 1984 y 1989 la poblacioacuten en situacioacuten de pobreza extrema pasoacute de 11 millones a 149 millones Ademaacutes de acuerdo con los autores este porcentaje deberaacute incrementarse dado que el modelo de desarrollo y las poliacuteticas de modernizacioacuten e industrializacioacuten no benefician maacutes que a los exportadores
92
Los vendedores ambulantes son una institucioacuten en Meacutexico cuentan con una compleja
organizacioacuten y participan a traveacutes de sus liacutederes en la vida poliacutetica y social de los barrios
Estos mismos liacutederes aseguran los lazos entre los sectores formales e informales de la
economiacutea de un barrio y poseen a traveacutes de actividades como la negociacioacuten de permi-
sos y de espacios una forma importante de poder (Castro 1990)13
Otro caso es el de los vendedores de las esquinas o de semaacuteforos en alto quienes de-
ben negociar tambieacuten su lugar de venta pero participan mucho menos en las redes de
poder Estos vendedores ofrecen productos de moda o de uso corriente a bajos precios
Se trata de un mercado muy dinaacutemico pues los objetos deben ser renovados perioacutedica-
mente Este trabajo requiere ciertas habilidades el vendedor debe negociar raacutepidamen-
te convencer al cliente y buscar el beneficio mayor debe poder tambieacuten resistir a las
inclemencias del clima sol y lluvia y de la contaminacioacuten de la ciudad
Otra categoriacutea de vendedores es la que se define por las caracteriacutesticas de las personas
maacutes que por los productos vendidos Se trata de los nintildeos las mujeres de origen indiacute-
gena que a menudo llevan un nintildeo en brazos los ancianos o los discapacitados Estas
personas venden en general productos de bajo costo como dulces o chicles La relacioacuten
de venta se hace la mayoriacutea de las veces apoyada en una relacioacuten de ayuda ademaacutes del
intercambio mercantil
Los joacutevenes que lavan los parabrisas los tragafuegos o los pequentildeos payasos cuya ac-
tividad se encuentra maacutes proacutexima a la mendicidad son a menudo joacutevenes que viven en
la calle
En la Ciudad de Meacutexico hay familias enteras que sobreviven gracias a las diferentes
formas de comercio descritas A menudo toda la familia participa esto constituye una
especie de modelo familiar para asegurar los recursos econoacutemicos Las investigaciones
realizadas (Taracena 1995 Bueno 1990) muestran que ciertos joacutevenes vendedores en
la calle o aquellos que lavan los parabrisas pueden tener mayores ganancias que ciertos
obreros en una faacutebrica en ese contexto la importancia de la cantidad de dinero aportada
13 Castro Nieto (1990) estudioacute el papel de los liacutederes de los vendedores ambulantes en el Barrio de Tepito El autor pone en evidencia en su estudio la funcioacuten de control poliacutetico y social que pueden ejercer
93Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
por cada miembro de la familia puede introducir tensiones que transforman algunas
veces los lazos familiares (Taracena y Tavera 1996) Las relaciones de autoridad pueden
verse trastocadas ya que algunas veces un nintildeo pequentildeo puede aportar maacutes dinero a la
familia que alguno de los padres A menudo la consecuencia de este hecho es que el
nintildeo acepta mucho maacutes difiacutecilmente las reglas planteadas por la familia y se encuentra
seducido por el ambiente de la calle dejando de lado la escuela
En la economiacutea de la supervivencia encontramos entonces diferentes posiciones y es-
tatus desde los vendedores ambulantes organizados hasta los joacutevenes callejeros que
trabajan en situaciones maacutes o menos estructuradas hasta llegar a veces a situaciones
proacuteximas a la mendicidad
Los conceptos teoacutericos que nos pueden ayudar a dar cuenta de esta realidad no son
faacuteciles de elegir En los esfuerzos de los intelectuales mexicanos por dar cuenta de la
pobreza y de las formas de la sobrevivencia en los medios populares se escribioacute mucho
en los antildeos setenta sobre la nocioacuten de marginalidad un ejemplo de ello es el trabajo de
Lomnitz (1978) Este concepto fue abandonado en beneficio del de mercado informal
que implica una comprensioacuten populista (Fassin 1996) En esa liacutenea antropoacutelogos y so-
cioacutelogos se interesaron por el estudio de la cultura popular como una manera de conocer
los aspectos identitarios de las clases populares Las criacuteticas a esta posicioacuten mostraron
que la idea de cultura popular es un terreno de produccioacuten de discursos de estado o folk-
loacutericos que buscan definir los lazos de identidad
De acuerdo con Fassin (1996) la nocioacuten de exclusioacuten es otra propuesta para pensar la
posicioacuten de aquellos que no acceden a los derechos sociales fundamentales y deberiacutea
ser puesta en tela de juicio en ciertos paiacuteses en particular en Ameacuterica Latina donde la
poblacioacuten llamada excluida nunca ha sido incluida en una situacioacuten de empleo formal
Tal es el caso de Meacutexico en donde una parte importante de la poblacioacuten mexicana vive
de su participacioacuten en el sector informal y soacutelo una pequentildea parte de la poblacioacuten tiene
una seguridad en el empleo
De acuerdo con el observatorio de la economiacutea informal en su publicacioacuten del 9 de
Mayo del 2009 ldquoDevereux pone en primer teacutermino el hecho de que el ser humano
Los Vendedores callejeros son la cara visible de una economiacutea sumergida que no figura en las
94
estadiacutesticas oficiales pero que seguacuten el Fondo Monetario Internacional representa hasta el 30
por ciento del Producto Interno Bruto (PIB) de Meacutexico
La economiacutea informal emplea a unos 12 millones de mexicanos o la tercera parte de la poblaci-
oacuten ocupada del paiacutes seguacuten datos de la Caacutemara Nacional de la Industria de Transformacioacuten14
Quizaacute el teacutermino que maacutes se acercariacutea a la posibilidad de dar cuenta del fenoacutemeno de
los nintildeos y joacutevenes en situacioacuten de calle es el desafiliacioacuten social (Castel 1995) pues los
joacutevenes de la calle son excluidos de los sistemas de educacioacuten y salud Aunque lo ante-
rior no significa que ellos no tengan sus mecanismos de auto-adscripcioacuten a grupos de
joacutevenes que les permiten un sentimiento de pertenencia y que definen formas diferen-
tes de socializacioacuten que los impuestos por la cultura dominante
La pregunta que surge a menudo cuando se realizan acciones institucionales para tra-
bajar con esta poblacioacuten es iquestPor queacute esos joacutevenes se encuentran en la calle A menudo
la explicacioacuten que proponen los servicios sociales es maacutes bien de iacutendole psicoloacutegica ya
que tiende a responsabilizar al joven o a su familia de la expulsioacuten del nintildeo a la calle Asiacute
se insiste en constatar las fallas o faltas individuales o del grupo familiar
La descripcioacuten y anaacutelisis de la situacioacuten socio-econoacutemica y poliacutetica que subyace al incre-
mento de la poblacioacuten en situacioacuten de supervivencia es importante porque ante todo
el problema de los joacutevenes de la calle es resultado de una situacioacuten social El tratar de
explicar el fenoacutemeno de callejerizacioacuten soacutelo a partir de un marco psicoloacutegico contribui-
riacutea a des-responsabilizar al Estado y a la sociedad en su conjunto de un hecho que no
es maacutes que la expresioacuten de la sociedad en la que vivimos que se concretiza en personas
particulares
Tenemos la hipoacutetesis de que los joacutevenes que se encuentran ahora en la calle provienen
de familias que migraron del campo a la ciudad hace dos o tres generaciones y que en
el proceso de adaptacioacuten a la Ciudad de Meacutexico perdieron sus referentes culturales sin
adquirir otros Es innegable que el porcentaje mayor de joacutevenes de la calle se encuentra
en las zonas urbanas ya que en las comunidades pequentildeas los nintildeos que deben trabajar
conservan en general sus lazos con la familia y la comunidad
14 httpeconomia-informalblogspotcom
95Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Algunos estudios realizados en la Ciudad de Meacutexico van en ese sentido Un estudio
realizado por Ekstein (1999) de 1967 a 1997 muestra la evolucioacuten de poblaciones que
participan en la economiacutea informal y en la economiacutea de la supervivencia La autora es-
tudioacute tres barrios de la Ciudad de Meacutexico en donde se realizan actividades de comercio
y donde se encuentra un gran nuacutemero de talleres y de micro-empresas familiares Uno
en el centro de la ciudad y otros dos en la periferia
En el curso de los treinta antildeos en el que Ekstein realizoacute su estudio observoacute una pauperi-
zacioacuten de las poblaciones estudiadas que los obliga a cambiarse de barrio en la buacutesque-
da de espacios y mano de obra maacutes baratos Esta movilidad ha roto a menudo el espiacuteritu
comunitario el modo de organizacioacuten y los haacutebitos de solidaridad La autora subraya
que se ha producido un incremento en las actividades del comercio ligadas a la droga
Se trata de un mercado domeacutestico secundario de drogas poco caras principalmente
marihuana e inhalantes Los habitantes de estos barrios estaacuten entrampados en una eco-
nomiacutea en la que juegan un doble papel como consumidores y como distribuidores
particularmente las generaciones joacutevenes La autora piensa que la peacuterdida de espiacuteritu
comunitario cobra un papel importante en la dificultad para luchar con este fenoacutemeno
Ciertos haacutebitos culturales y familiares de organizacioacuten y de solidaridad permiten ―en
ocasiones― a las familias maacutes pobres hacer frente a la falta de empleo y a las condicio-
nes de precariedad de la vida cotidiana Los cambios econoacutemicos producen migracio-
nes modos de urbanizacioacuten que rompen a menudo con estas cadenas de solidaridad el
sujeto se encuentra de maacutes en maacutes aislado de su grupo de referencia y debe hacer frente
solo o en el mejor de los casos en el seno de una familia mono-nuclear a las dificultades
para encontrar formas de supervivencia
En ese sentido es interesante el trabajo de Bronfman (1993) quien ha estudiado las
familias que muestran un porcentaje elevado de mortalidad infantil en las colonias po-
bres de la ciudad de Meacutexico El autor comparoacute 74 familias y encontroacute que en condi-
ciones sociodemograacuteficas equivalentes la tasa de mortalidad infantil estaacute ligada a la
ausencia de relaciones sociales que les ayudan a hacer frente a las urgencias en caso de
enfermedad o accidente
Es innegable entonces que la peacuterdida del lazo social se encuentra en la base del fenoacute-
meno que queremos estudiar pero queda por responder por queacute algunos joacutevenes en
96
particular Mediante una investigacioacuten de campo sustentada en maacutes de 100 joacutevenes en
situacioacuten de calle entrevistados (Taracena y Tavera 1996) encontramos que algunos
se encuentran en la calle cuando sus hermanos permanecieron en casa a pesar de vivir
condiciones similares de pobreza o de violencia por lo que se plantea que no se pueden
establecer lazos directos yo lineales entre pobreza violencia y situacioacuten de calle En
muchas de las historias de los nintildeos que se encuentran en la calle hay testimonios de
violencia pero lo que llama la atencioacuten es que encuentran en la calle tanta o maacutes violen-
cia que en su casa queda entonces la pregunta por responder en cuanto a las razones
por las cuales el nintildeo permanece en la calle y del poco arraigo que tiene a las Institucio-
nes que le ofrecen proteccioacuten
En la primera parte de nuestras investigaciones hemos realizado un diagnoacutestico de las
condiciones de vida de varios sectores de los joacutevenes que trabajan y de los que permane-
cen en la calle de manera constante o durante el diacutea Siempre nos ha interesado en los
estudios realizados no insistir solamente en sus dificultades y carencias sino tambieacuten
conocer sus capacidades en particular para subsistir en condiciones difiacuteciles Hemos
buscado conocer sus condiciones de vida sus modos de estructuracioacuten y la construcci-
oacuten de su identidad asiacute como su realidad psiacutequica
Asiacute en un estudio que llevamos a cabo (Taracena Tavera y Castillo 1993) hemos obser-
vado las diferencias entre cuatro categoriacuteas de nintildeos que trabajan tratando de describir
diferentes situaciones y tomando en cuenta la desarticulacioacuten o no de su familia y la
realizacioacuten de un proyecto escolar
a Nintildeos empacadores en los supermercados
b Nintildeos vendedores
c Nintildeos que prestan servicios
d Nintildeos que hacen diversos trabajos o realizan espectaacuteculos en la calle
97Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
a) Los nintildeos que empacan en los supermercados
Se trataba de chicos entre trece y diez y seis antildeos que trabajaban en los supermercados
ayudando a la gente a meter sus compras en las bolsas de plaacutestico y a llevarlas hasta su
automoacutevil a cambio de una propina
La mayoriacutea de estos joacutevenes trabajaban entre cuatro o cinco horas por diacutea y realizaban
esta actividad ademaacutes de sus estudios No teniacutean un salario pero como la mayoriacutea de la
gente les daba una propina percibiacutean una cantidad maacutes o menos regular por diacutea Por
esta razoacuten los supermercados les plantean un cierto nuacutemero de exigencias Por ejem-
plo los chicos debiacutean tener una autorizacioacuten por escrito de sus padres debiacutean mostrar
que estaban inscritos a la escuela y que compraban ellos mismos su uniforme Estar
siempre limpios ser puntuales y disciplinados en la organizacioacuten de su trabajo
Entrevistamos a doce joacutevenes empacadores entre los cuales habiacutea dos chicas La mayo-
riacutea de ellos teniacutean entre catorce y quince antildeos y estaban en segundo o tercero de secun-
daria Solamente dos de los joacutevenes habiacutea abandonado la escuela De acuerdo con las
entrevistas y la opinioacuten de los mismos joacutevenes el trabajo no implicaba ninguacuten riesgo
importante Encontramos que para los doce joacutevenes el trabajo era formativo y completa-
ba la experiencia de la escuela y de la familia en el proceso de socializacioacuten
El motivo por el cual trabajaban de acuerdo con la mayoriacutea de los entrevistados era
el de tener un dinero personal Sin embargo solamente cuatro lo guardaban soacutelo para
ellos y los ocho restantes compartiacutean su dinero con la familia
En cuanto a su proyecto personal cinco dijeron tener deseos de hacer estudios univer-
sitarios tres de hacer estudios teacutecnicos uno de ser empleado y tres no hablaron de un
proyecto particular
b) Los nintildeos vendedores
Se trataba de nintildeos que vendiacutean diversos objetos en las calles por ejemplo chicles dul-
ces fruta bebidas antojitos juguetes globos artiacuteculos de decoracioacuten etceacutetera
Entrevistamos a catorce nintildeos vendedores la mayoriacutea entre ocho y quince antildeos encon-
tramos uno solo de siete y tres de diez y seis antildeos entre quienes dos eran chicas La
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mayoriacutea de estos nintildeos estudiaban entre el tercer antildeo de la escuela primaria y el primero
de secundaria Una de las muchachas llegoacute hasta la preparatoria pero debioacute interrum-
pirla para dedicarle maacutes tiempo a su trabajo De acuerdo con las entrevistas y a juzgar
por el lugar donde el nintildeo realizaba las ventas los riesgos maacutes claros eran para tres de
ellos la exposicioacuten demasiado directa a la contaminacioacuten para ocho el riesgo de acci-
dentes y para dos la incompatibilidad con la escuela por el nuacutemero de horas dedicadas
al trabajo Nueve trabajaban todos los diacuteas tres solamente los fines de semana Uno de
manera irregular y uno de ellos una vez por semana
En lo que concierne a la elaboracioacuten de un proyecto personal cinco expresaron un
deseo de hacer estudios universitarios entre ellos la joven que interrumpioacute su prepa-
ratoria manifestando al mismo tiempo el sentimiento de que seguramente no llegariacutea
a hacerlo porque era prioritario ayudar a su familia tres expresaron su deseo de tener
un comercio propio dos de ser artistas y cuatro no expresaron un proyecto particular
El motivo por el cual estos nintildeos trabajaban de acuerdo con ellos mismos es el de
la necesidad de subsistir Cuatro de ellos hablaban de la falta de dinero en su familia
como una situacioacuten que produciacutea conflictos tres perteneciacutean a familias que inmigraron
a la ciudad de Meacutexico en busca de trabajo Diez de estos nintildeos daban todo el dinero que
ganaban a su familia tres se quedaban con una parte para ellos mismos y solamente
uno dijo no dar dinero a su familia y reservarlo soacutelo para sus gastos personales
De acuerdo con la entrevista consideramos que para nueve nintildeos el trabajo podiacutea con-
siderarse como una situacioacuten formativa que completaba su proceso de socializacioacuten
Para cinco de ellos no lo era ya sea porque eran demasiado joacutevenes o porque su trabajo
resultaba incompatible con la escuela
c) Los nintildeos que prestan servicios
En esta categoriacutea encontramos joacutevenes entre doce y quince antildeos todos del sexo mas-
culino con una escolaridad promedio entre el sexto de primaria y el primero de secun-
daria Se trataba de joacutevenes que realizaban trabajos tales como limpiar zapatos lavar
carros cargar bultos u objetos pesados o hacer quehaceres domeacutesticos lavar parabrisas
entre otros
99Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Solamente pudimos entrevistar cuatro joacutevenes que realizaban este tipo de trabajo Uno
que limpiaba parabrisas que lo haciacutea todos los diacuteas uno que lavaba coches solamente
los fines de semana uno que haciacutea quehaceres domeacutesticos de manera irregular y uno
que cargaba los instrumentos de muacutesica de los integrantes de un grupo de rock los fines
de semana Los cuatro joacutevenes hablaban de riesgos de violencia con sus compantildeeros
quienes intentaban quitarles su dinero dos estaban muy expuestos a la contaminacioacuten
y uno a riesgos de accidentes por la naturaleza de su trabajo
Uno de estos nintildeos daba todo el dinero que ganaba a su familia dos les daba la mitad y
la otra mitad lo reservaban para ellos mismos y uno lo conservaba todo para siacute mismo
El motivo que enunciaron de por queacute trabajaban era el de tener dinero sin que el he-
cho de que no lo obtuvieran pareciera producir conflictos en su familia Consideramos
que para estos cuatro chicos la experiencia de trabajo era formativa y les ayudaba en su
desarrollo
Concerniendo la posibilidad de enunciar un proyecto en particular uno de ellos habloacute
de su deseo de hacer estudios profesionales uno de ser muacutesico y los dos restantes no
hablaron de ello
d) Los nintildeos que hacen trabajos diversos o realizan espectaacuteculos
En esta categoriacutea se encontraban los nintildeos menos estructurados y que tienen menos
lazos con sus familias Entrevistamos seis nintildeos que realizaban este tipo de actividad
La edad promedio de los chicos era de doce antildeos
Fue necesario analizar separadamente las entrevistas de cinco de ellos pues perteneciacute-
an a un grupo de nintildeos que viviacutean completamente en la calle cerca de los respiraderos
del metro que producen calor y debajo de un puente que les brindaba un poco de protec-
cioacuten Estos nintildeos no teniacutean ninguacuten lazo con su familia trabajaban de manera irregular
algunos de ellos limpiando parabrisas a veces otros ayudando en los mercados algunos
otros de tragafuegos en los semaacuteforos Deciacutean trabajar soacutelo el tiempo indispensable
para juntar dinero para sus necesidades maacutes importantes que ellos mismos enuncia-
ban en el orden siguiente comida droga (cemento y alcohol) y la posibilidad de pagar
por utilizar los videojuegos El otro nintildeo que perteneciacutea a esta categoriacutea era cantante en
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la calle y los autobuses conservaba lazos deacutebiles y conflictivos con su familia pero no
habiacutea roto totalmente con ella
Los nintildeos de esta categoriacutea deciacutean tener la posibilidad de reunir entre veinte y treinta
pesos por diacutea Para todos ellos los riesgos encontrados en su trabajo fueron el contacto
con la contaminacioacuten y sobre todo para cinco de ellos los que viviacutean solos la violencia
de la policiacutea y la violencia del contacto con sus propios compantildeeros o con otros grupos
que viviacutean como ellos Ninguno hablaba de un proyecto social Todos referiacutean la nece-
sidad de trabajar para subsistir y tres de ellos de la violencia familiar como motivo de
separacioacuten de sus familias
El grado de escolaridad era mayor en los nintildeos que ayudaban en los supermercados (en
general secundaria) el de los vendedores y de los servicios era equivalente (primaria
incompleta) mientras que el de trabajos diversos y espectaacuteculos era muy bajo (2o de
primaria)
Los riesgos van en aumento de ninguno en el grupo 1 hasta riesgos importantes como
violencia y droga en el grupo 4 Hay un mayor nuacutemero de nintildeos en el grupo 1 que utili-
zaba su dinero para siacute mismo en los grupos 2 y 3 habiacutea un mayor nuacutemero de nintildeos que
dan todo su dinero a la familia
Los proyectos sociales eran maacutes ambiciosos para el caso de los joacutevenes del grupo 1 esto
coincide con el grado de escolaridad de los hermanos que era maacutes elevado y la ocupa-
cioacuten de los padres con mayor estatus y posiblemente mayor estabilidad de hecho en
ese grupo habiacutea tambieacuten un mayor nuacutemero de madres que se quedaban en casa esto
hablariacutea quizaacute de una situacioacuten econoacutemica mejor de la familia en donde no se requeriacutea
necesariamente que las madres trabajasen No es asiacute para el caso del grupo de vendedo-
res en donde diez de catorce madres trabajaban
Una vez maacutes confirmamos las hipoacutetesis de Bourdieu y Passeron (1970) en lo que con-
cierne a la reproduccioacuten de la situacioacuten social de los padres y la escolaridad de los nintildeos
Es claro en el caso del grupo 2 en donde habiacutea una perfecta coherencia entre la activi-
dad que realizaban los nintildeos las de los padres y las ambiciones de los nintildeos
En general pudimos observar que en el grupo 2 y 3 las condiciones materiales de la fa-
milia eran maacutes precarias habiacutea un mayor nuacutemero de hijos que trabajaban habiacutea mayor
101Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
ausencia de los padres y por consecuencia mayor nuacutemero de madres que debiacutean hacer
de jefe de familia y atender al mismo tiempo los aspectos materiales que los relacionales
en la familia No pensamos que las condiciones de precariedad o de pobreza sean las
responsables directamente de los problemas de relacioacuten de una familia pero pueden en
un momento actuar como catalizador para aumentar la dimensioacuten del problema Fue
de hecho el caso del grupo 2 donde habiacutea maacutes nintildeos que percibiacutean a sus padres como
poco atentos o disponibles
Encontramos tres tipos de situacioacuten para los chicos que participaron en este estudio la
primera representada por el grupo 1 donde encontramos en general condiciones fami-
liares favorables Para este grupo el trabajo era maacutes formativo y agradable a causa de
varios factores la mayor parte de ellos decidioacute trabajar por su propia iniciativa aunque
con el consentimiento de sus padres la mayoriacutea de los joacutevenes se encontraban alrede-
dor de los quince antildeos lo que les permitiacutea aprovechar la experiencia teniacutean mejores
condiciones en su trabajo y se confrontaban a una situacioacuten maacutes estructurada que sig-
nificaba un mayor aprendizaje de las reglas Los conflictos encontrados en este grupo
fueron en general los propios de su edad
La segunda es una situacioacuten que nosotros llamariacuteamos de riesgo representada por los
grupos 2 y 3 Las condiciones que acompantildeaban el trabajo del nintildeo eran maacutes difiacuteci-
les En estos grupos eran maacutes joacutevenes doce antildeos en promedio muchos de ellos con
una experiencia de trabajo de varios antildeos A menudo estos nintildeos mostraban un cierto
cansancio o desaacutenimo El dinero que ganaban era importante y necesario para el sus-
tento familiar situacioacuten que produce en algunos casos una cierta tensioacuten en la relacioacuten
padres- hijos sobre todo en el caso de que el dinero pudiera faltar Percibimos maacutes
riesgos de abandono escolar La familia aparece menos estructurada y aparentemente
teniacutea mayores dificultades de cumplir con su funcioacuten de contencioacuten y de apoyo En este
grupo percibiacuteamos mayores problemas de inseguridad en los nintildeos
La tercera situacioacuten la representaban los nintildeos del grupo 4 en la que se encontraba una
situacioacuten francamente de desarticulacioacuten familiar y de desadaptacioacuten social expresada
en el uso frecuente de drogas y un comportamiento sexual correspondiente a joacutevenes
de mayor edad Estos nintildeos teniacutean problemas en su capacidad de establecer lazos afec-
tivos y en su auto-estima Los resultados obtenidos a lo largo de entrevistas de las ob-
servaciones y del anaacutelisis de los dibujos confirma la observacioacuten de Taboada-Leonetti
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(1990) en cuanto a que en algunos casos el nintildeo o el adolescente tiende a afirmarse en
la imagen estigmatizada que se le presenta de siacute mismo encontramos tambieacuten muchas
coincidencias con el trabajo de Aacutengel Botbol y Facy (1987) sobre los procesos implica-
dos en el uso de inhalantes Podemos considerar que la utilizacioacuten de esta droga es un
siacutentoma que se encuentra entre una problemaacutetica social y los conflictos intra-psiacutequicos
del individuo A menudo el chico que inhala inviste su cuerpo a defecto de una funcioacuten
psiacutequica maacutes elaborada y de una posibilidad de simbolizacioacuten La primaciacutea de las sensa-
ciones corporales ocupa tambieacuten un lugar importante en su vida en el ejercicio precoz
de su sexualidad
Elprocesodecallejerizacioacuten
El estudio de la marginalidad permite la reflexioacuten y la elaboracioacuten de conceptos teoacutericos
alrededor de la funcioacuten social de los grupos minoritarios sobre la funcioacuten que cumplen
como depositarios de la diferencia del no ser del no saber del no tener Las formas de
referirse en los estudios de investigadores y educadores a los joacutevenes cuyas vidas trans-
curren mayoritariamente en la calle ha cambiado por un lado por que se trata de un
proceso dinaacutemico y no estaacutetico De las clasificaciones propuestas por UNICEF que se
abordan de manera detallada en el primer capiacutetulo de este libro al concepto de nintildeos y
joacutevenes en situacioacuten de calle o en proceso de callejerizacioacuten se encuentran tambieacuten las
preocupaciones de las organizaciones que trabajan con ellos de no contribuir a su estig-
matizacioacuten En todo caso nos parece importante insistir que se trata de un proceso de
una suerte de trayectoria que sigue el nintildeo en su relacioacuten con la calle y que da como re-
sultado diferentes posiciones existenciales Nos parecioacute importante darle la voz a nintildeos
y joacutevenes que se encontraban en diversas posiciones en cuanto a su relacioacuten con la calle
y la actividad que desempentildean en ella pero tambieacuten quisimos darle la voz a los transe-
uacutentes a los ciudadanos que diacutea con diacutea recorren la Ciudad de Meacutexico y miran a estos
nintildeos con una mezcla de indiferencia compasioacuten y a veces rechazo para saber cuaacuteles
eran sus representaciones con respecto de estos nintildeos Por uacuteltimo quisimos tambieacuten
conocer la imagen que la prensa da de ellos y la consecuencia que eacutesta puede tener en el
fenoacutemeno de callejerizacioacuten Sabemos que la mirada del otro construye al sujeto y que
en algunos casos eacuteste se siente atrapada por ella Los nintildeos y joacutevenes que subsisten en la
calle diariamente se cruzan con miles de miradas y a su vez las imaacutegenes de los medios
y de la prensa construyen nuestra mirada
103Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
A traveacutes de entrevistas semi-directivas con una orientacioacuten cliacutenica en donde se ha pues-
to el eacutenfasis en el anaacutelisis de los procesos de transferencia y contra-transferencia se
intentoacute aprehender la representacioacuten del problema de diferentes sectores sociales en la
Ciudad de Meacutexico
Un anaacutelisis de contenido permitioacute tener una visioacuten global en relacioacuten a la imagen del
problema que tiene cada sector entrevistado Las entrevistas fueron divididas en dife-
rentes categoriacuteas de acuerdo al tipo de trabajo realizado por el nintildeo vendedores servi-
cios espectaacuteculos y limpiador de parabrisas Este uacuteltimo fue motivo de una categoriacutea
aparte de la de servicios (boleros lava carros o cargadores) pues observamos que los
limpia parabrisas son percibidos de una manera particular por la gente ya que son los
que tienen mayor contacto con la poblacioacuten en la ciudad
Se observoacute que el nivel de estudios del nintildeo es diferente dependiendo del trabajo re-
alizado la mayoriacutea de los vendedores terminaron la primaria y el 37 continuaban
asistiendo a la escuela Los nintildeos que se dedicaban a servicios en su mayoriacutea la inter-
rumpieron alrededor del tercer antildeo de primaria y los que realizaban espectaacuteculos eran
casi todos analfabetos funcionales Esta diversidad contrastaba con la imagen que da la
prensa unificada alrededor del nintildeo que trabaja en la calle como casi sin escolarizacioacuten
La opinioacuten de la prensa la de los transeuacutentes y la informacioacuten de los nintildeos coincidiacutean
en los horarios de trabajo La mayoriacutea de los nintildeos trabajaban entre 6 y 10 horas por diacutea
y durante 6 diacuteas o maacutes Nuestras observaciones nos permiten hablar de una categoriacutea
particular de nintildeos vendedores que representa el 32 de ellos y que trabajaban sola-
mente el fin de semana muchos de ellos en compantildeiacutea de otros miembros de la familia
Eran seguramente los mismos que continuaban su escolarizacioacuten
Por su parte los transeuacutentes y los nintildeos a traveacutes de las entrevistas percibiacutean como acti-
vidad principal la del comercio dato confirmado por COESNICA (1992) que reportaba
un 699 de nintildeos que realizaban esta actividad
En lo que concierne a la imagen del nintildeo en relacioacuten con la actividad realizada los nintildeos
afirmaban que la gente aceptaba sus servicios cuando eacutesta los necesitaba Los transeuacuten-
tes confirmaban generalmente la misma idea pero el 30 de los entrevistados situaba
a los nintildeos en la mendicidad Por su parte la prensa los colocaba francamente en la
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mendicidad como individuos inuacutetiles para la sociedad Esta imagen no era reconocida
por los propios nintildeos quienes en su mayoriacutea consideraban realizar un trabajo
Los nintildeos hablaban de su trabajo como una actividad faacutecil los limpiaparabrisas y los
de servicios deciacutean realizar una actividad cansada Los transeuacutentes pensaban tambieacuten
que esta actividad era cansada pero ademaacutes agregaban la dimensioacuten de peligro que en
general no era reconocida como tal por los propios nintildeos
En relacioacuten a la percepcioacuten de los nintildeos en lo que se refiere a la actitud de la gente eacutesta
variaba de acuerdo a la categoriacutea de los nintildeos entrevistados los limpiaparabrisas y los de
servicios sentiacutean la actitud de la gente mucho maacutes hostil que los vendedores Los transe-
uacutentes percibiacutean la actitud de la gente hacia los nintildeos como hostil La prensa la describiacutea
maacutes en teacuterminos de agresividad
En lo que concierne a la actitud de los propios nintildeos a la gente solamente los vendedo-
res en un 33 hablaban de ser amables con el puacuteblico la mayoriacutea de los nintildeos deciacutean
reaccionar de la misma manera en que eran tratados Los transeuacutentes pensaban lo mis-
mo La prensa poniacutea el eacutenfasis en la agresividad explicando que como son a menudo
maltratados por el puacuteblico ellos tambieacuten reaccionan de una manera agresiva
En cuanto al origen del problema las tres categoriacuteas analizadas los nintildeos los transeuacuten-
tes y la prensa estaban de acuerdo en el hecho de que es la pobreza en primer lugar y la
desintegracioacuten familiar en segundo lugar los motivos principales de este problema La
prensa y los transeuacutentes pensaban tambieacuten que la inmigracioacuten campo-ciudad era una
causa importante sin embargo en nuestras entrevistas hay pocos casos de nintildeos que
proveniacutean de la provincia
En la categoriacutea riesgos de la actividad los nintildeos y los transeuacutentes reconociacutean la enferme-
dad como el riesgo maacutes importante seguida por la violencia por parte de la policiacutea Los
nintildeos que realizaban espectaacuteculos los de servicios y los limpiaparabrisas en un 26
hablaban de la droga como un riesgo importante Los transeuacutentes lo pensaban tambieacuten
en su mayoriacutea La prensa hablaba de la adiccioacuten a los inhalantes no como un riesgo sino
como un hecho afirmando que el 80 o 90 de los nintildeos que estaban en la calle en ese
entonces se drogaban La delincuencia y la homosexualidad eran reconocidas por los
nintildeos como un riesgo La prensa hablaba de la homosexualidad en algunos nintildeos como
105Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
un problema que atantildee a todos La prensa y los transeuacutentes tendiacutean en lo general a aso-
ciar mecaacutenicamente y muy directamente el hecho de estar en la calle y el de convertirse
en delincuente
Sobre las posibilidades de aprendizaje y de construccioacuten en tanto individuo el resultado
de las entrevistas hace pensar que los aprendizajes maacutes importantes estaacuten alrededor de
la posibilidad de organizar su tiempo y su dinero tambieacuten en la capacidad de tomar de-
cisiones y de evaluar los riesgos y sobre todo de ser independiente y autosuficiente Por
uacuteltimo de ganar dinero para eacutel y su familia Los transeuacutentes no reconociacutean en general
la experiencia de la calle como una experiencia que pudiera ser constructiva en algunos
aspectos En este caso por el contrario la prensa coincidiacutea con nosotros reconociendo
el desarrollo de las mismas habilidades que observamos pero agregando ademaacutes la ca-
pacidad de organizarse en grupos de compantildeeros y de crear lazos de solidaridad entre
ellos
En relacioacuten a la representacioacuten de sus relaciones familiares la categoriacutea de vendedores
es diferente a las de otras actividades realizada por los nintildeos el 47 hablaban de su
familia como una familia constituida solamente el 21 de los nintildeos vendedores reco-
nociacutean conflictos familiares importantes Los que realizaban servicios deciacutean tener una
familia constituida en un 29 y los limpiadores de parabrisas hablaban mucho maacutes en
teacuterminos de una familia incompleta siendo eacutestos el 67 de los nintildeos entrevistados La
prensa presentaba la imagen del nintildeo en la calle viviendo con otros nintildeos con una idea
de libertad y de proteccioacuten entre ellos tambieacuten hablaba de los nintildeos en relacioacuten con un
adulto que pueda brindarles proteccioacuten Los transeuacutentes imaginaban la familia del nintildeo
como una familia desintegrada o bien como la imagen de la prensa en un grupo de
iguales Tambieacuten expresaban la idea del nintildeo en relacioacuten con un adulto en una relacioacuten
de proteccioacuten o a menudo en una relacioacuten de explotacioacuten
En el campo de la salud las enfermedades maacutes a menudo reportadas por los nintildeos
fueron las enfermedades respiratorias y gastrointestinales en segundo lugar los acci-
dentes y en tercero la utilizacioacuten de inhalantes y las complicaciones fiacutesicas y psicoloacute-
gicas que se derivan Tanto la prensa como los transeuacutentes coincidiacutean en los mismos
problemas de salud pero la prensa exageraba especialmente el problema de la droga
hablando algunas veces de un 90 de nintildeos que se drogaban Soacutelo el 15 de los nintildeos
entrevistados reconociacutean haberse drogado alguna vez Un dato importante es que de
106
la categoriacutea de vendedores ninguno de los nintildeos entrevistados se drogaba En esta ca-
tegoriacutea la enfermedad maacutes importante fue la de viacuteas respiratorias seguramente por el
contacto prolongado con la contaminacioacuten
En la relacioacuten con sus compantildeeros se encontroacute coincidencia de parte de la prensa los
transeuacutentes y los nintildeos en pensar que lo que prevaleciacutea entre estos uacuteltimos eran las re-
laciones de ayuda y complicidad aunque los nintildeos sobre todo los de espectaacuteculos y de
servicios hablaban tambieacuten de manera importante de la violencia existente entre ellos y
de algunos casos de abuso fiacutesico y de robo de dinero
En lo que se refiere a la relacioacuten con las Instituciones se encontroacute que el problema maacutes
importante para los nintildeos era el contacto con la policiacutea a menudo en el registro del
abuso fiacutesico y el de la explotacioacuten en lo que se refiere al dinero Los nintildeos que hablaron
de su experiencia con organismos gubernamentales los cuales fueron pocos narraron
malas experiencias los transeuacutentes en su mayoriacutea dijeron ignorar la existencia de or-
ganismos de proteccioacuten para ese tipo de nintildeo La prensa por su cuenta criticoacute las insti-
tuciones del gobierno describieacutendolas como ineficientes y calificaacutendolas de escuelas de
delincuencia y de vicios por el contrario hablaba en buenos teacuterminos de las institucio-
nes no gubernamentales
En lo que se refiere a la religioacuten la mayoriacutea de los nintildeos deciacutean ser catoacutelicos y un buen
nuacutemero de ellos asistir a misa regularmente Los transeuacutentes pensaban que los nintildeos
que trabajaban en la calle creiacutean seguramente en Dios pero que no participaban mucho
en actos religiosos La prensa no abordaba este aspecto de su vida
El anaacutelisis de los datos expuestos anteriormente permite hacer las siguientes observa-
ciones la prensa tendiacutea a unificar la imagen del nintildeo que trabaja en la calle alrededor de
un nintildeo casi no escolarizado o en todo caso plantear como incompatible la escolarizaci-
oacuten con el trabajo Tambieacuten exageraba la dimensioacuten de la droga y de la homosexualidad
De la misma manera los situaba maacutes cerca de la mendicidad y habiendo perdido los
lazos con su familia pues la imagen maacutes frecuente en la prensa fue la del nintildeo viviendo
en grupo con otros nintildeos que viviacutean en la calle
Sin embargo nuestro estudio coincide con el de COESNICA en varios puntos la mayo-
riacutea de los nintildeos que se encuentran en la calle se dedican al comercio es en esta categoriacutea
107Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
que se encuentran los maacutes escolarizados y los que continuacutean la escuela auacuten trabajando
Si la mayoriacutea ejercen el comercio hay muchos menos que mendigan o se dedican a una
actividad que se encuentra cercana a eacutesta La mayor parte de los nintildeos no ha perdido los
lazos con su familia soacutelo el 93 para COESNICA (1992)
Los resultados nos permiten pensar que la imagen que los transeuacutentes entrevistados
teniacutean del nintildeo que trabaja en la calle estaacute maacutes cerca de la imagen que da la prensa
que lo que piensa el nintildeo o del resultado de nuestras observaciones o las de COESNICA
(1992 1995)
Quisieacuteramos suponer que la exageracioacuten de ciertos rasgos destructivos de los nintildeos que
se encuentran en la calle por la prensa y la generalizacioacuten abusiva de las caracteriacutesticas
de los nintildeos de la calle a los nintildeos en la calle estaacute relacionada con un cierto deseo de los
periodistas de influir en la opinioacuten puacuteblica para crear una cierta conciencia en la gente
aunque desafortunadamente corremos el riesgo de crear una imagen estigmatizada y
caricatural del nintildeo que agrave el problema en lugar de ayudar a resolverlo
LasformasdeorganizacioacutenengrupoenlosnintildeosyjoacutevenesdelacalleenlaCiudaddeMeacutexico
Habiendo realizado observaciones regulares durante casi ocho antildeos de investigacioacuten
con nintildeos y joacutevenes en situacioacuten de calle llevamos a cabo un estudio comparativo de
dos grupos ubicados en los parques de Tacuba y de Indios Verdes en el Distrito Federal
con el fin de comprender la funcioacuten del grupo en sus formas de organizacioacuten y en su
estructura psiacutequica (Taracena y Tavera 2001) Para hacer este estudio se utilizoacute una
caacutemara de foto en la que los propios joacutevenes tomaron las fotos de ellos mismos de su
grupo y de nosotros como investigadores ya que nos interesaba saber la imagen que
ellos teniacutean de siacute mismos de su relacioacuten con sus compantildeeros y con nosotros
Objetivos
I Enriquecer la caracterizacioacuten de los modos de vida de los joacutevenes de la calle de la
zona de Tacuba y de Indios Verdes
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II Comprender la funcioacuten del grupo dentro de la organizacioacuten de los joacutevenes de la
calle asiacute como el papel que juega en su estructura psiacutequica
Hipoacutetesis
El trabajo realizado con anterioridad con estos grupos de joacutevenes nos permite formular
las siguientes hipoacutetesis
a El grupo para los joacutevenes de la calle tiene un papel preponderante en su funciona-
miento psiacutequico
b EL grupo en los joacutevenes de la calle tiene un papel de sustitucioacuten familiar
c El grupo cumple para estos joacutevenes un papel protector en su relacioacuten con la calle
d Hay una relacioacuten entre la manera en que los joacutevenes de la calle representan al gru-
po en los dibujos y en las fotos con la funcioacuten psiacutequica que tiene para ellos
Espacio de Trabajo
El trabajo se realizoacute en dos parques
El de Tacuba ubicado a un costado de la estacioacuten del metro del mismo nombre Se trata
de un parque pequentildeo de estructura redonda con bancas de concreto y algunas aacutereas
verdes Cuando realizamos el estudio el parque era ocupado por grupos de alcohoacutelicos
viejos sin hogar y joacutevenes de la calle En una parte relativamente protegida del parque
estos joacutevenes acondicionaron un espacio con viejos sillones colchones y algunas co-
bijas donde conviviacutean y dormiacutean con una docena de perros Durante el diacutea jugaban
conversaban y se drogaban en el parque pediacutean dinero en los alrededores o limpiaban
parabrisas iban al mercado maacutes cercano en busca de comida y eventualmente haciacutean
pequentildeos trabajos que les aportaban dinero Los joacutevenes casi nunca saliacutean de la zona
de Tacuba en donde eran conocidos y relativamente protegidos por los comerciantes
trabajadores y personas que ejerciacutean la prostitucioacuten en la zona con quienes algunas
ocasiones teniacutean tambieacuten conflictos El trabajo se realizoacute en una de las pequentildeas zonas
verdes a un lado de donde soliacutean dormir dentro de las condiciones naturales de paso y
109Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
convivencia con los demaacutes intentando sin embargo contar con un espacio particular
para las actividades
El parque de Indios Verdes se encuentra entre un gran puente y frente a un Centro
Comercial es una zona verde aproximadamente de 500 metros que no es accesible a
los peatones protegida con alambre en el que los joacutevenes hicieron un hoyo para entrar
y salir Durante la noche dormiacutean en las coladeras en desuso En el diacutea utilizaban el
parque para descansar jugar fuacutetbol conversar y drogarse Como en el caso de Tacuba
los joacutevenes conviviacutean tambieacuten con grupos grandes de perros teniacutean relaciones con los
comerciantes con otros joacutevenes que acudiacutean a drogarse con ellos y personas que ejerciacute-
an la prostitucioacuten pediacutean dinero en los alrededores limpiaban parabrisas y acudiacutean al
mercado cercano en busca de comida El trabajo se realizoacute en el pasto de este parque
tratando tambieacuten de dedicar un espacio para la actividad realizada
Caracterizacioacuten de la poblacioacuten
Previo a este estudio se trabajoacute durante tres antildeos en estas dos colonias Tacuba e Indios
Verdes se efectuaron intervenciones con diversos temas por ejemplo ldquoLa utilizacioacuten
del teatro como una forma de educacioacuten para la prevencioacuten del SIDArdquo (Jayme y Juaacute-
rez 1995) ldquoLa cultura popular y los nintildeos de la callerdquo (Martiacutenez y Melgarejo 1996) el
trabajo con grupos utilizando las teacutecnicas propuestas por Pichoacuten Riviere (Maacuterquez y
Ordoacutentildeez 1996) Estas intervenciones fueron realizadas en periodos de seis meses a un
antildeo efectuando tres sesiones a la semana para trabajar con los nintildeos y joacutevenes en activi-
dades educativas luacutedicas y de expresioacuten Esto nos permitioacute conocer observar y realizar
entrevistas con los joacutevenes de los dos grupos
Caracterizacioacuten del grupo Tacuba
El lugar donde habitaban estos nintildeos estaba situado en una de las demarcaciones maacutes
pobladas y concurridas de la Ciudad Este punto fue catalogado como uno de los maacutes
frecuentados por los joacutevenes de la calle ya que les facilita la satisfaccioacuten de sus necesida-
des baacutesicas un parque varias salidas del Metro espacios sin habitar sitios en donde los
muchachos podiacutean dormir dos mercados y diversos puestos ambulantes de comida que
les facilitaba el acceso a eacutesta La estacioacuten del Metro y los diversos paraderos ocasionaban
mucho traacutensito de automoacuteviles y personas posibilitando oportunidades de trabajo yo
mendicidad ademaacutes existiacutea una gran cantidad de vendedores semifijos y ambulantes
110
quienes empleaban a algunos de estos nintildeos para ayudarles en mandados yo la limpie-
za de sus puestos
Sobre la base de los testimonios de los nintildeos calculamos que en este sitio se habiacutean es-
tablecido grupos de nintildeos de la calle desde hace aproximadamente diez antildeos La pobla-
cioacuten era flotante muchos de sus integrantes regresaron a este mismo punto despueacutes de
temporadas en Instituciones de cuidado de permanencia en otros puntos de la Ciudad
o de estancias con sus familias
Condiciones de vida
Entre veinte y cuarenta joacutevenes conformaban el grupo Tacuba ellos viviacutean cerca de la
zona del mercado y soacutelo habiacutean cambiado de lugar para dormir a pesar de que eran
corridos frecuentemente por la policiacutea o por los propietarios de los terrenos asiacute habiacutean
permanecido alguacuten tiempo a la salida del Metro en un estacionamiento en una casa
abandonada o en un jardiacuten este uacuteltimo es en el que pudieron permanecer maacutes tiempo
sin ser corridos y por lo tanto el que les proporcionoacute mayor tranquilidad
Los joacutevenes casi nunca abandonaban la zona del mercado y menos el aacuterea de Tacuba
Utilizaban las instalaciones sanitarias destinadas al personal de limpieza del Departa-
mento del Distrito Federal (DDF) en donde eventualmente se bantildeaban o se aseaban
Nosotros tuvimos contacto maacutes regularmente con veintitreacutes joacutevenes de entre doce y
veintidoacutes antildeos En el grupo habiacutea un hombre de treinta y ocho antildeos al que reconociacutean
como el fundador del grupo pero la mayor parte de los miembros teniacutean entre catorce y
veintiuacuten antildeos Su nivel de escolaridad era muy bajo el 27 analfabeto el 60 asistioacute a
dos o tres antildeos de primaria y solamente el 13 realizoacute un antildeo de secundaria
Entre los motivos por los cuales dejaron su casa destacan los siguientes la ausencia o
muerte de la madre (en general en forma violenta por ejemplo suicidio o asesinato)
por problemas de alcoholismo y la mayor parte por violencia familiar El tiempo prome-
dio de estancia en la calle era de siete antildeos y los rangos fluctuaban entre dos y veinte
antildeos El 36 habiacutea permanecido entre dos y cinco antildeos otro 36 entre seis y diez y el
28 entre diez y quince antildeos Lo anterior significa que la mayor parte de estos joacutevenes
habiacutea pasado maacutes de la mitad de su vida en la calle
111Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Las actividades que realizaban para obtener dinero dependiacutean en gran medida de la
edad ya que los maacutes pequentildeos se dedicaban a pedir dinero y en ocasiones ayudaban a
vender los maacutes grandes tambieacuten pediacutean dinero pero se dedicaban maacutes a hacer man-
dados a los comerciantes o a ayudar a lavar los puestos Tambieacuten algunos se dedicaban
a robar y a prostituirse es interesante notar que estos uacuteltimos eran chicos que teniacutean
maacutes de diez antildeos de vivir en la calle y tambieacuten mucho tiempo de consumir alguacuten tipo
de droga El dinero que ganaban lo destinaban generalmente a comprar droga comida
y para jugar en los videojuegos
Estos joacutevenes inhalaban cemento regularmente y ocasionalmente fumaban marihua-
na Practicaban relaciones homosexuales entre ellos pero al exterior del grupo teniacutean
relaciones heterosexuales salvo algunos que se prostituiacutean ocasionalmente con homo-
sexuales
El 68 de estos joacutevenes habiacutea estado en Instituciones para menores centros de desin-
toxicacioacuten llevados por la policiacutea centros de readaptacioacuten o caacuterceles dependiendo de la
edad o cargo por el que fueron remitidos El 12 solamente habiacutea estado en casas para
menores y el 30 no habloacute de experiencias en instituciones
En general ellos teniacutean opiniones negativas sobre los centros de reeducacioacuten ya que
desde su punto de vista existiacutea mucho abuso y represioacuten Su opinioacuten de las Organiza-
ciones civiles ya sea centros de diacutea o casas para nintildeos de la calle era mejor ya que refi-
rieron que alliacute les ofreciacutean comida servicio meacutedico y a veces ropa Por otro lado estos
muchachos algunas veces iban a visitar a su familia sin embargo siempre regresaban
a Tacuba ya sea porque sus familiares les manifiestan que no habiacutea maacutes espacio para
ellos o porque ellos mismos se sentiacutean fuera de lugar De la misma manera que en In-
dios Verdes en Tacuba existiacutea una gran movilidad en los integrantes que conformaban
el grupo sin embargo siempre permaneciacutea un nuacutecleo que lo manteniacutea
Los muchachos de Tacuba no se preocupan por la limpieza ni en su ropa ni en su perso-
na salvo algunos muchachos del grupo la mayoriacutea rara vez se bantildeaban
Conformacioacuten del grupo
Observamos la existencia de reglas impliacutecitas en el grupo no robarse entre ellos mis-
mos no hablar de cosas que comprometiacutean a los demaacutes no denunciar a nadie prote-
112
gerse mutuamente de la agresioacuten externa ocuparse de los maacutes joacutevenes compartir la
comida la ropa y la droga con los maacutes necesitados no intervenir en las peleas de los
demaacutes compantildeeros cuando existiacutea un motivo justificado para la rintildea
Estos joacutevenes inhalaban cemento regularmente y ocasionalmente fumaban marihua-
na Practicaban relaciones homosexuales entre ellos pero al exterior del grupo teniacutean
relaciones heterosexuales salvo algunos que se prostituiacutean ocasionalmente con homo-
sexuales
Se agrupaban faacutecilmente en pequentildeos subgrupos dependiendo de la actividad que rea-
lizaban y en esos casos aceptaban momentaacuteneamente la direccioacuten de alguno de ellos
A diferencia del grupo de Indios Verdes en Tacuba no aceptaban mujeres entre sus
miembros ya que las ocasiones en que lo permitieron se generaron varios problemas y
peleas Durante el periodo en que trabajamos con ellos una jovencita de dieciseacuteis antildeos
se incorporoacute al grupo durante dos meses ella mantuvo relaciones con varios de los mu-
chachos del grupo y esto ocasionoacute varios pleitos entre ellos incluso uno de los joacutevenes
terminoacute en un hospital en vista de esto le pidieron a la joven que abandonara el grupo
Algunos muchachos manteniacutean relaciones con mujeres fuera del grupo de manera re-
gular y ocasionalmente con prostitutas de la colonia
Caracterizacioacuten del grupo Indios Verdes
En la delegacioacuten poliacutetica Gustavo A Madero localizada al norte de la ciudad se encuen-
tra el paradero del Metro Indios Verdes ademaacutes existe tambieacuten una gran cantidad de
paraderos de autobuses y microbuses lo que hace de esta zona un punto clave donde la
gente puede transportarse a diferentes puntos de la ciudad y zona metropolitana Por lo
tanto este lugar es visto por las posibilidades de trabajo que suscita para obtener una re-
muneracioacuten econoacutemica asiacute podemos encontrar una gran cantidad de comercios entre
ellos el mercado de Indios Verdes junto a eacuteste un pequentildeo parque con varios puestos
semi-fijos y con muchos vendedores ambulantes Cerca de alliacute varias viacuteas raacutepidas y un
gran puente peatonal con algunas aacutereas verdes Es en este punto donde se ubicaba un
grupo de nintildeos de la calle ya que las caracteriacutesticas del lugar resultaban muy apropiadas
para sus necesidades por una parte teniacutean lugares para dormir debajo del puente en
las aacutereas verdes y en un canal del desaguumle en desuso ahiacute tambieacuten podiacutean guardar sus
escasas pertenencias debido al gran traacutefico y a la cercaniacutea del mercado las posibilidades
113Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
de trabajo eran frecuentes de acuerdo con algunos testimonios el grupo habiacutea perma-
necido en este lugar desde aproximadamente cinco antildeos
Condiciones de vida
Este grupo estaba formado por nintildeos y joacutevenes de entre 7 y 23 antildeos aproximadamente
Se reuniacutean maacutes o menos entre 25 y 40 joacutevenes dentro del grupo existiacutean varias mu-
jeres de entre 14 y 16 antildeos Ellos pasaban la mayor parte del tiempo en el lugar donde
habitaban y se desplazaban rara vez a otras partes de la ciudad Muchos de estos joacutevenes
sabiacutean leer y escribir un 75 asistioacute a maacutes de tres antildeos de educacioacuten primaria algunos
terminaron la primaria y otros asistieron a la secundaria
Los motivos maacutes frecuentes que fueron referidos para estar en la calle violencia fami-
liar problemas econoacutemicos y el alcoholismo de uno o ambos padres La mayor parte
de estos joacutevenes habiacutea permanecido en la calle entre 2 y 4 antildeos pero hubo quien teniacutea
viviendo en la viacutea puacuteblica 12 antildeos o maacutes en cambio existiacutean otros que soacutelo teniacutean un
antildeo o menos Habiacutea un grupo de adolescentes que compartiacutean con los otros miembros
del grupo todas las actividades de la mantildeana y en las tardes regresaban a sus casas Apa-
rentemente soacutelo se ligaban al grupo a traveacutes de las drogas
Para conseguir dinero se dedicaban a mendigar a los transeuacutentes y tambieacuten realizaban
pequentildeos trabajos para los comerciantes de la zona ocasionalmente robaban El dinero
lo destinaban para comprar comida y droga
Todos los integrantes del grupo inhalaban cemento con regularidad el primero de ellos
que conseguiacutea dinero compraba un bote de inhalante y despueacutes eacutel vendiacutea o regalaba
a los otros pedazos de estopa impregnados de la sustancia En el grupo se hablaba de
ciertos casos de relaciones homosexuales sin embargo se privilegiaban las de iacutendole
heterosexual los casos de prostitucioacuten eran raros eventualmente vendiacutean droga para
completar sus ingresos
Todas sus redes sociales se desarrollaban en el mercado ahiacute manteniacutean relaciones im-
portantes con los comerciantes que les daban de comer a cambio de pequentildeos trabajos
Estos joacutevenes teniacutean una relacioacuten muy importante con los perros habiacutean adoptado a
cuando menos una docena y jugaban y conviviacutean con ellos de una manera muy estre-
cha ademaacutes compartiacutean con los animales su comida e inhalantes
114
Casi todos ellos habiacutean estado en instituciones para menores pero no quisieron hablar
sobre ellas Aunque no con frecuencia algunas veces iban a visitar a sus familias
Conformacioacuten del grupo
El grupo era movible en su composicioacuten podiacutea aumentar o disminuir coyunturalmente
tampoco existiacutea un liacuteder fijo los joacutevenes podiacutean aceptar ser dirigidos momentaacuteneamen-
te por uno u otro de los miembros del grupo en funcioacuten de la actividad que realizaban
Estos joacutevenes se protegiacutean entre ellos de las agresiones externas y trataban de regular
las internas tomando en consideracioacuten la edad de los contrincantes y las razones de
la pelea Los maacutes grandes protegiacutean y corregiacutean a los maacutes pequentildeos cuando alguacuten
integrante del grupo estaba herido o enfermo entre todos trataban de cuidarlo pro-
porcionarle comida y si era posible medicinas Tambieacuten eran capaces de respetar las
parejas sexuales de los integrantes del grupo Pareciacutean estar de acuerdo con las reglas
de funcionamiento grupal y con las condiciones de pertenencia Tambieacuten manifestaban
solidaridad respeto y amistad entre sus integrantes igualmente observaacutebamos situa-
ciones de mucha agresividad de manera frecuente
Para ser aceptado por el grupo existiacutea una prueba inicial que consistiacutea en embarrar al
aspirante con aceite sucio y despueacutes le pediacutean que inhalara cemento el mayor tiempo
posible quien lograba aguantar mucho tiempo podiacutea incorporarse
Las mujeres del grupo generalmente teniacutean un compantildeero fijo dentro del mismo y
jugaban en cierto sentido un rol materno por ejemplo los hombres les confiaban su
dinero para que lo distribuyeran en lo que se fuera necesitando y guardaran el resto
La funcioacuten del grupo
Indudablemente la organizacioacuten en grupo de las personas que sobreviven en la calle tie-
ne una funcioacuten de proteccioacuten y de racionalizacioacuten de los recursos A menudo encontra-
mos un nuacutecleo maacutes o menos fijo sobre el que vienen a agregarse otros personajes que
tienen una presencia irregular pero que buscan al grupo para satisfacer sus necesidades
afectivas y a menudo de obtencioacuten de drogas Podemos reconocer una funcioacuten psiacutequica
que se va entrelazando con una funcioacuten social
115Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Nuestro trabajo permitioacute destacar que los nintildeos y joacutevenes de Tacuba teniacutean dificultades
para reconocer al grupo como algo exterior a ellos con frecuencia encontramos a traveacutes
de las fotos que ellos tomaron la disposicioacuten corporal de los miembros del grupo como
un conjunto de individuos amontonados aglutinados y traslapados dando la impresi-
oacuten ndashparadoacutejicamente- de que la piel del otro en tanto que presencia constituye en un
mismo tiempo tanto unidad como liacutemite reencontrado un deseo de fusioacuten que evoca
a la madre
Podriacuteamos recordar ciertas representaciones del grupo propuestas por Kaumles (1977) en
donde plantea al grupo como un organismo como un cuerpo en particular con el cuer-
po de la madre ldquotodas las representaciones del grupo como un cuerpo o como parte del cuerpo
se hallan conectadas a un escenario fantasmaacutetico a traveacutes del cual el sujeto se representa el ori-
gen y el destino de su concepcioacuten de su nacimiento de la sexualidad y de la diferencia entre los
sexos Estos fantasmas originarios tienen propiedades grupales en el sentido de que articulan y
representan de manera a la vez individual y colectiva personalizada y anoacutenima un conjunto
coherente y escenarizado de vinculaciones y procesos entre los objetos psiacutequicosrdquo (p110)
En cuanto a la fantasmaacutetica del origen podriacuteamos recordar el deseo de regresar al vientre
materno y los fantasmas de la escena primitiva con las imaacutegenes del grupo en posicioacuten de
fusioacuten-confusioacuten Este tipo de organizacioacuten nos devuelve a la imagen de la madre ldquoun lugar
materno bueno que escapa al orden de la sociedad mala en rigor un lugar de autarquiacutea y
autogeneracioacuten ya que se trataraacute de vivir por siacute mismo y para siacute mismo y de escapar gracias
a ello a la ley del trabajo y de la realidad social exteriorrdquo (Kaumles 1977 p 135)
El grupo constituido de esta manera tiene una funcioacuten contra las angustias psicoacuteticas
de fragmentacioacuten persecucioacuten y depresioacuten el objeto-grupo asegura un lazo preobjetal
de narcisismo funcional y una posibilidad de identificacioacuten en espejo al objeto comuacuten
lazo que cubre la funcioacuten de proteccioacuten de barrera y de defensa contra las angustias de
la separacioacuten y el ataque
Al mismo tiempo se constatoacute que en este caso los muchachos se apoyaban en los ima-
gos familiares en busca de apoyos de identificacioacuten que les permitiacutea escapar de la fami-
lia ldquo y transformar al grupo en otra familia en la que pareciacutea predominar el principio
del placer entre iguales y la realidad modelarse por el suentildeo El grupo es un conjunto
unido prieto homogeacuteneo cerrado en el que nos entendemos bien en el que se dibuja un deseo
116
insatisfecho en la familiahellip (p126) El grupo es un campo cerrado es el cierre del campo de
las relaciones con respecto a un exterior decepcionante que frustra y amenaza en su interior
se resuelven en lo imaginario las mayores insatisfacciones infligidas por la debilidad de los
otros -especialmente de la familia- para recibir y dar amor Al grupo se le fantasea como repre-
sentacioacuten plena en el pecho- falo materno o como agregacioacuten a la fratriacutea narcisista todopode-
rosa El grupo es ademaacutes encierro en un cerco que protege contra el exterior contra la salida
hacia una historia se le quiere precisamente sin historia(s) sin conflictos pero tambieacuten sin
devenir estacionario intemporalrdquo (Kaumles 1977 p130)
Con base en nuestros hallazgos podemos sentildealar que los nintildeos de la calle tienden a de-
positar la imagen de buen grupo en el que tienen en la calle y la imagen de mal grupo
a su grupo familiar O a veces ocurre que juegan alternativamente con estas dos imaacute-
genes a veces idealizando el recuerdo de la familia sobre todo cuando los padres han
desaparecido y a veces depositando el lado malo en el grupo de la calle En todo caso lo
que llama la atencioacuten es que la circulacioacuten de la violencia es importante y sin embargo
hay un apego importante al grupo
Una de las cosas que maacutes observamos en los nintildeos y joacutevenes que viven en la calle es la
manera en que establecen contacto fiacutesico A menudo manifestaban la sensacioacuten de re-
querir con urgencia establecer contacto con ellos Las sensaciones producidas por esos
contactos se encuentran entre la demanda afectiva y una maacutes ligada a la sensualidad
ya que por un lado existe un componente manifestado de una manera muy primaria
como lo realizariacutea cualquier nintildeo pequentildeo pero al mismo tiempo se establece un con-
tacto erotizado que estaacute presente y que se manifiesta principalmente en las sensaciones
olfativas Esta sensacioacuten la hemos podido percibir tanto con los grupos de nintildeos de la
calle como con nintildeos que son abandonados en Instituciones de cuidado de menores y
que despueacutes se instalan en la calle
Retomando los elementos propuestos por Winnicott (1984) y por Aulagnier (1979) po-
driacuteamos decir que esta necesidad de contacto se asemeja a reacciones regresivas ligadas
a fases de relacioacuten muy primarias con la madre
Winnicott (op cit) habla de esos movimientos regresivos que son a menudo asociados
con periodos muy satisfactorios en donde el yo estaacute constituido como una forma de
defensa por el nintildeo con carencias emocionales Aulagnier (op cit) enuncia la relacioacuten
117Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
del nintildeo con su cuerpo y con las sensaciones ligadas a la oralidad y con el placer como
esenciales en la constitucioacuten del yo en el nintildeo
No podemos pasar por alto la observacioacuten de los gestos de los nintildeos cuando inhalan la
droga en donde la sensacioacuten de placer se centra en la oralidad y en la funcioacuten gustativa
De manera evidente podemos reconocer una erotizacioacuten en la funcioacuten respiratoria De
acuerdo con Aulagnier (op cit) en la toxicomaniacutea la droga es una fuente de placer que
despueacutes se convierte en una necesidad
Otro elemento para discutir es el relativo a la promiscuidad homosexual de los mucha-
chos de los grupos callejeros No podriacutea asegurarse que en sentido estricto ese tipo de
relaciones debieran ser denominadas como homosexuales ya que aparentemente no
existe una relacioacuten de objeto tampoco hay un participante privilegiado ni existen celos
cuando alguno de esos mismos joacutevenes establece relaciones heterosexuales buscan es-
tablecer un compantildeero uacutenico y los problemas de celos pueden terminar en pleitos muy
serios Aquiacute maacutes bien aparece como un elemento muy importante en las relaciones en-
tre los hombres la nocioacuten de dominante-dominado No es el caso para aquellos quienes
reconocen su homosexualidad y eligen una pareja del mismo sexo En este caso la dinaacute-
mica afectiva es muy similar a la de las parejas heterosexuales En cualquier forma nos
parece que la promiscuidad sexual a una edad precoz y la utilizacioacuten de drogas (Angel
P Botbol M y Facy F 1987) son elementos importantes para bloquear la posibilidad
de pensar y simbolizar A menudo los dibujos de estos nintildeos muestran una gran canti-
dad de imaacutegenes ligadas a la sexualidad genital
Retomando el trabajo de Kaumles (1977) podriacuteamos decir que la relacioacuten en algunos gru-
pos corresponde a la imagen de grupo-objeto en su forma maacutes primitiva de preobjeto
maternal faacutelico y en otros a una forma maacutes secundaria que se refiere a una organizaci-
oacuten ediacutepica o a un modelo familiar
Todo grupo tiene la funcioacuten de proteccioacuten sin embargo ciertos grupos son maacutes abier-
tos que otros y permiten al nintildeo situaciones de socializacioacuten diferentes Las situacio-
nes regresivas la falta de posibilidad de simbolizacioacuten y elaboracioacuten de los joacutevenes asiacute
como el funcionamiento del grupo se retroalimentan ya que las primeras determinan
la estructura del grupo y al mismo tiempo el grupo favorece las situaciones y las activi-
dades que refuerzan esa falta
118
Por su parte las relaciones sexuales precoces y el consumo de drogas impiden la capa-
cidad de simbolizacioacuten y de elaboracioacuten al mismo tiempo mantienen las formas de
relacioacuten y de dependencia con el grupo lo cual disminuye las posibilidades de hacer
actividades de manera independiente y de desarrollar la autonomiacutea
Las posiciones maacutes abiertas en cuanto al funcionamiento grupal como es el caso de
Indios Verdes favorecen a los nintildeos la expresioacuten de su creatividad en la formulacioacuten de
reglas la creacioacuten de espacios luacutedicos y la negociacioacuten de relaciones con los adultos y
las autoridades
A menudo se tiene la impresioacuten de que las enormes posibilidades de adaptacioacuten que
tienen los nintildeos de la calle hacen que puedan pasar de una situacioacuten afectiva a una situ-
acioacuten social muy raacutepidamente y en forma aparentemente contradictoria Podriacutea decirse
que hay momentos en que aparentan ser muy autoacutenomos y otros muy dependientes
con algunos momentos en que aparecen como muy haacutebiles y otros en gran dificultad
En este sentido el anaacutelisis psicoloacutegico en relacioacuten a la funcioacuten del grupo puede ser
enriquecido por los trabajos de Lucchini (1995) en particular la nocioacuten del funciona-
miento del grupo de los joacutevenes que viven en la calle en forma de red y no de banda en
donde no hay un liacuteder fijo en el grupo sino que esa funcioacuten se comparte y se distribuye
coyunturalmente En lo que concierne a nuestras observaciones el liderazgo se plantea
en funcioacuten de las actividades o de las relaciones de poder en el espacio donde se en-
cuentra el grupo Este modo de funcionamiento requiere un entorno social particular y
una gran flexibilidad en la organizacioacuten En la dimensioacuten social encontramos tambieacuten
que el grupo ofrece posibilidades de identificacioacuten con los pares que entre otras cosas
significa una lucha contra la sensacioacuten de soledad y de desproteccioacuten La vida en la calle
es una forma de resistencia colectiva a la injusticia al abuso del poder a la miseria
Para disentildear una forma de trabajo con estos nintildeos y joacutevenes es necesario realizar un
diagnoacutestico maacutes preciso del modo de funcionamiento interno de cada grupo Sin em-
bargo este trabajo permite hacer una serie de reflexiones en cuanto al encuentro ―a me-
nudo difiacutecil y desfasado― con las Instituciones de Asistencia Social sean casas hogares
o centros de reeducacioacuten
En primera instancia aparece el problema de los liacutemites Se trata de un problema de
liacutemites externos y de liacutemites internos La funcioacuten del grupo que viene a cubrir reparar
119Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
una falla interna o encontrar fantasmaacuteticamente el cuerpo de la madre implica una ma-
nera de tomar al otro para poder sentir los liacutemites de siacute mismo Hay un problema con
la expresioacuten de la individualidad es como si la sensacioacuten de seguridad en este tipo de
estructura proviniera del yo grupal en donde el yo de cada quien estaacute un poco perdido
es decir con-fundido
El grupo tal como es descrito por Kaumles (1977) como teatro de manifestaciones pulsio-
nales y soporte proyectivo de deseos muy arcaicos favorece en los joacutevenes la transicioacuten
de pasajes al acto como la drogadiccioacuten y las relaciones sexuales precoces que implican
una confusioacuten en la construccioacuten de liacutemites internos Asiacute las manifestaciones del deseo
de fusioacuten y de borrar los liacutemites externos tiene su equivalente en los liacutemites internos y
se expresa en la incapacidad de simbolizacioacuten de los joacutevenes y en la utilizacioacuten del inha-
lante que produce un material sensorial que ocupa su pensamiento
Respecto a la funcioacuten de las reglas construidas por ellos mismos la existencia de estas
reglas puede significar la presencia de una estructura efectivamente auacuten si el grupo
representa un lugar fusional y regresivo las reglas tienen que ver con las relaciones
en el grupo y con la necesidad de garantizar la calidad y la duracioacuten de los lazos para
proteger la propia estructura grupal al mismo tiempo que cubren la funcioacuten de barrera
protectora del grupo frente al exterior
Es necesario sentildealar que estos joacutevenes son capaces de negociar con el exterior una serie
de comportamientos sociales con la policiacutea los comerciantes los transeuacutentes para
utilizar los espacios hacer trabajos eventuales para ser aceptados en lugares puacuteblicos
etceacutetera Este aprendizaje social parece estar desfasado del funcionamiento afectivo Es
por eso quizaacute que a menudo se tiene la sensacioacuten de que esos joacutevenes pueden pasar de
posiciones infantiles a posiciones adultas y que en su comportamiento hay un desfase
constante entre el saber praacutectico sus demandas afectivas y su adscripcioacuten en las rela-
ciones
El problema del encuentro de estos joacutevenes con las Instituciones es la diferencia del
grupo como lugar de vida y de la institucioacuten que implica una nocioacuten de sujeto comple-
tamente diferente La institucioacuten parte de la idea de un sujeto responsable deseoso con
un proyecto personal y ninguno de esos joacutevenes puede corresponder a ese perfil
120
El modo de funcionamiento del grupo produce una gran dificultad de ruptura sobre
todo porque aparentemente vienen a buscar en el grupo y en el consumo de la droga
disminuir las angustias de separacioacuten de una madre ausente La separacioacuten del grupo
produce al momento de tratar de integrarse a una institucioacuten una gran depresioacuten que
para algunos es irresoluble por la que recurrentemente vuelven al grupo
Finalmente hay un problema de lugar Estos joacutevenes tienen un lugar en su grupo un
lugar creado por ellos y que aparentemente nadie maacutes les puede quitar siendo la calle
un lugar de todos auacuten si la sociedad puede expresar que no es un buen lugar para un
nintildeo es el lugar creado imaginado vivido e investido por ellos El problema de las Ins-
tituciones es que en el mejor de los casos en las mejores concepciones de Institucioacuten
hay una especie de anonimato y de indiferencia afectiva inevitable a la nocioacuten de Insti-
tucioacuten Se puede intentar disminuir esta dificultad mejorar las propuestas psicopeda-
goacutegicas tratar de manifestar sentimientos de afeccioacuten pero finalmente no deja de ser
una Institucioacuten con una loacutegica propia En el grupo creado por los nintildeos ellos tienen el
sentimiento de que es un grupo escogido por ellos para sustituir a su familia y tienen
una calidad de lazos y de solidaridad que difiacutecilmente pueden encontrar en una Institu-
cioacuten sensacioacuten exacerbada por la corta duracioacuten de sus estancias
Aunado a esto muchas Instituciones tienen una racionalidad guiada por los proyectos
pedagoacutegicos o de socializacioacuten y cambian a los nintildeos frecuentemente de grupo o de es-
pacio fiacutesico aludiendo a etapas por las que debe pasar el nintildeo ignorando muchas veces
las cuestionas afectivas que los ligan a los grupos En nuestra opinioacuten esto produce una
reedicioacuten de los procesos traumaacuteticos de separacioacuten vividos por el nintildeo y en consecuen-
cia muchas veces una huiacuteda a la calle
Laconstruccioacutendelaidentidaddelosnintildeosyjoacutevenesensituacioacutendecalle
Camilleri y cols (1990) consideran que para explicar la identidad hay que tomar en
cuenta primero los procesos de identificacioacuten y de apego afectivo el acento debe po-
nerse en la percepcioacuten que tiene de siacute mismo el sujeto y finalmente se debe tomar en
consideracioacuten el peso del inconsciente sobre los deseos y elecciones del sujeto Estos
autores resumen los trabajos sobre la identidad en tres corrientes 1) Los de la antropo-
121Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
logiacutea psicoanaliacutetica que basaacutendose en los trabajos de Freud proponen categoriacuteas para
entender el proceso de construccioacuten de la identidad como autores representantes de
esta corriente abordan a Erikson y Devereux 2) Los de la psicologiacutea social con el con-
cepto de self desarrollado por autores como Mead Heider Festinger y Goffman y 3) La
de la sociologiacutea con conceptos tales como identidad social como una representacioacuten de
siacute mismo propuestos por Lavov Bernstein Ziegler y Wood
En lo que se refiere a la corriente de antropologiacutea psicoanaliacutetica la identificacioacuten fue
definida por Freud como un proceso mientras que la identidad fue planteada como un
producto La identidad aparece como la resultante de diferentes identificaciones del
sujeto pero de acuerdo con Erikson no puede ser concebida como la simple adicioacuten de
identificaciones pasadas Surge de la seleccioacuten y de la asimilacioacuten de identificaciones de
la nintildeez asiacute como de la integracioacuten de una nueva configuracioacuten que a su vez depende
de un proceso gracias al que una sociedad (a menudo a traveacutes de los grupos interme-
dios) identifica al individuo joven reconocieacutendolo de acuerdo a un deber ser La aceptaci-
oacuten de la comunidad termina esta construccioacuten de manera tal que la identidad final que
se fija al teacutermino de la adolescencia encierra todas las identificaciones significativas
pero las transforma tambieacuten para hacer un todo razonable coherente y especiacutefico La
identidad para Erikson tiene que ver con 1) Un sentimiento de especificidad individual
2) Un esfuerzo inconsciente de establecer una continuidad de la experiencia vivida (maacutes
allaacute de la diversidad de roles y de discontinuidades temporales) y de la participacioacuten del
individuo de los ideales culturales del grupo
Otro elemento que ha sido abordado por Erikson es que lejos de tratarse de una conste-
lacioacuten estaacutetica de rasgos y de roles la identidad es un fenoacutemeno dinaacutemico y conflictivo
Hay una tensioacuten en ella entre un polo positivo y uno negativo La identidad psico-social
encierra una jerarquiacutea de elementos positivos y negativos que resultan de los prototipos
ideales a los que se confronta el nintildeo Estos prototipos representan modelos que es ne-
cesario copiar pero tambieacuten representan otros modelos que es necesario evitar
ldquoDevereux pone en primer teacutermino el hecho de que el ser humano es socializado seguacuten
un modelo sexuado que encuentra su sentido y su complementariedad definieacutendose en
relacioacuten al otro sexo Tanto la masculinidad como la feminidad y esto no importa en
que cultura presuponen la existencia del otro sexo y representan respuestas significati-
vas a su existenciardquo Es asiacute que seguacuten Devereux no se puede ser humano sin ser hombre
122
o mujer y de la misma manera el modelamiento sexual determina una manera par-
ticular de existir El modelamiento imprime una coloracioacuten particular al inconsciente
individual puesto que el inconsciente idiosincraacutesico tiene sus raiacuteces en el inconsciente
eacutetnico al que se relaciona
En este marco teoacuterico las diversas facetas de la identidad no son solamente una repre-
sentacioacuten de siacute mismo sino llegan al conjunto de lo que es el individuo las modalida-
des de su existencia las interpretaciones que hace y auacuten las desviaciones de la norma
que se expresan de acuerdo a un conjunto de posibilidades propuestas por la cultura
(Camilleri y Cols 1992)
En cuanto a la aproximacioacuten de la psicologiacutea social de acuerdo con Lipiansky (1990)
Mead es uno de los primeros autores que plantean la conciencia de siacute el self como una
entidad en estrecha relacioacuten con los procesos sociales donde el sujeto se encuentra in-
merso Seguacuten Mead se prueba a siacute mismo no directamente sino solamente adoptando
el punto de vista de los otros o del grupo social al cual pertenece Esta aproximacioacuten
lleva a Mead a asegurar que el siacute en tanto que objeto para siacute es esencialmente una estruc-
tura social que nace en la experiencia social Es entonces el proceso ce comunicacioacuten
social que produce el siacute y las diversas facetas del siacute que reflejan los diversos aspectos de
ese proceso
Lipiansky ( Op cit) retoma a Tajfel para explicar la influencia del otro sobre la elabora-
cioacuten de las percepciones del sujeto de acuerdo con eacutel los dos determinantes principales
de la seleccioacuten y organizacioacuten social son los valores sociales y el consenso social Los va-
lores se refieren a intereses placeres gustos preferencias deseos necesidades recha-
zos y atracciones mientras que el consenso social influye sobre la actividad cognitiva
determinando las modalidades de la percepcioacuten social
Por su cuenta los trabajos de Goffman (1993) reconocen la relatividad de las normas y
el dinamismo de las identidades Basando sus reflexiones en las identidades estigmati-
zadas o negativas el autor pone el acento en la facultad que tiene el individuo como ac-
tor de verse como si viera una peliacutecula de su vida actuando un papel (o una identidad)
es decir sentildealando la distancia entre el YO y la identidad Esta aproximacioacuten supone
una cierta distancia entre las identidades del actor social y la esencia de su YO o si se
quiere la existencia de dos clases de identidades la identidad existencial y profunda que
123Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
representa la continuidad de la persona y el conjunto de identidades que hace suyas a lo
largo de su vida Esta es una de las razones quizaacute de la dificultad de precisar las historias
de los joacutevenes de calle ademaacutes de las resistencias propias a la evocacioacuten de situaciones
dolorosas existen tambieacuten las muacuteltiples facetas e identidades con las que juega el joven
en situacioacuten de calle desde la adopcioacuten de diferentes nombres o sobrenombres hasta
la invencioacuten de diferentes historias de acuerdo con el interlocutor que tiene y lo que eacutel
imagina que aquel quiere escuchar El autor pone tambieacuten el acento en la incertidumbre
del estigmatizado sobre en queacute categoriacutea puede ser ubicado de ahiacute que muchos joacutevenes
hagan preguntas sobre coacutemo se les percibe
Goffman (Opcit) hace notar que el individuo estigmatizado vacila a menudo entre la
actitud de retraimiento y actitudes agresivas y de bravata pasando faacutecilmente de una a
otra Por su parte De Gaulejac (2008) retomando a Taboada-Leonetti habla del comple-
jo del Ave Feacutenix para explicar la necesidad de tocar fondo y de recurrir a la exageracioacuten
destructiva en la abyeccioacuten como forma de posicionarse como sujeto A menudo en
nuestro encuentro con los joacutevenes de calle sentimos que hay cierto goce en ponerse en
situaciones de peligro y de liacutemite El sentimiento de omnipotencia del sujeto resulta
fortalecido en esta lucha cotidiana para sobrevivir A veces nos parece que la situacioacuten
de supervivencia y de jugar con el peligro es del mismo orden de aquellos que buscan
los deportes de alto riesgo para sentirse fortalecidos en su capacidad de mantenerse en
vida soacutelo que la vida en la calle no es una eleccioacuten conciente sino el uacuteltimo eslaboacuten de
elecciones no siempre realizadas por el propio sujeto
El punto de vista socioloacutegico de acuerdo con Lipiansky Taboada- Leonetti y Vaacutezquez
(1990) se ha desarrollado igualmente a partir de estudios sobre la identidad social con-
cebida como una representacioacuten de siacute en tanto que individuo pero sobre todo en tanto
grupo moldeado por la ideologiacutea dominante en una sociedad dada Lavov a partir de
investigaciones sobre la clase obrera o grupos minoritarios muestra como los grupos
sociales interiorizan una cierta interpretacioacuten del lugar que ocupan en las relaciones de
produccioacuten y las relaciones de poder de manera tal que no perciben la influencia de los
determinismos sociales sobre su destino individual Bernstein agrega que en este caso
la identidad impuesta equivale a un tipo de alienacioacuten de siacute porque ese tipo de grupos
sociales no pueden tomar conciencia de su identidad a partir de lo que poseen sino a
partir de lo que han estado privados Hoogart en la misma liacutenea de reflexioacuten agrega
que la identidad alienada no es maacutes que una ilusioacuten de identidad puesto que implica
124
el repliegue sobre siacute mismo la marginalidad y la no percepcioacuten de contradicciones y de
relaciones de poder
Retomando nuestro trabajo con los nintildeos que trabajan en la calle y la representacioacuten
que de eacutestos tienen los diferentes sectores parece que el resumen presentado anterior-
mente confirma la importancia que puede tener la imagen del otro en la construccioacuten
psiacutequica del individuo Algunos autores ponen el acento maacutes en las estructuras y en la
historia del sujeto otros en las experiencias del aquiacute y ahora algunos maacutes en la elabo-
racioacuten racional del individuo de su identidad otros maacutes en los procesos inconscientes
algunos maacutes en el grupo mientras que otros en el individuo pero lo que es innegable es
que todos coinciden en la importancia de la imagen que los otros proyectan al individuo
de siacute mismo
El trabajo de Taboada-Leonneti (1990) sobre las estrategias de construccioacuten en los
individuos pertenecientes a grupos minoritarios nos permite pensar que cada nintildeo
puede asumir estrategias diferentes para internalizar y ulteriormente convivir con la
imagen que se proyecta de eacutel Para algunos la viacutea es afirmaacutendola de manera exagerada
y proyectaacutendola de manera agresiva al grupo y a la sociedad asumieacutendose drogadictos
o delincuentes por ejemplo otros negaacutendola y reafirmaacutendose en la identidad contraria
algunos aceptaacutendola y con ello permitieacutendose el construir algo con ella Este podriacutea
ser el caso de los nintildeos de la calle que siendo adultos se convierten en educadores de
la calle para ayudar a otros nintildeos que se encontraban en sus mismas condiciones Esto
dependeraacute seguramente de la propia estructura del nintildeo y del trabajo que pueda reali-
zarse con eacutel
Si retomamos la importancia de la mirada del otro en la construccioacuten de la identidad
adquiere mucha relevancia el anaacutelisis de la imagen que proyecta la prensa del nintildeo en
la construccioacuten social que se estaacute haciendo de eacutesta asiacute como en el sentimiento de ex-
terioridad con que la gente vive este proceso Sabemos que toda situacioacuten que produce
angustia genera mecanismos de defensa para poder soportarlos la sola presencia de
los nintildeos en las calles en situaciones difiacuteciles tiende a generar mecanismos de toma de
distancia La fabricacioacuten de una imagen a partir de la prensa como futuro delincuente
del nintildeo y como drogadicto genera una actitud de rechazo y de hostilidad hacia eacutel
acentuando el proceso de toma de distancia y de sentimiento de exterioridad en relacioacuten
este fenoacutemeno Ha sido frecuente en nuestro trabajo el estar con joacutevenes de la calle y ob-
125Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
servar las miradas las actitudes de aquellos que se consideran dentro de la norma esta
mirada no soacutelo responde a los propios miedos de la mayoriacutea frente a la marginalidad
sino tambieacuten a la imagen que los medios masivos van construyendo de la misma como
un peligro para la sociedad Difiacutecilmente la gente puede pensar que tambieacuten la sociedad
ha puesto en peligro a estos joacutevenes
En nuestros estudios sobre el impacto de la representacioacuten social del fenoacutemeno de la
vida en la calle en gran parte producida por los medios de informacioacuten observamos
que partes del discurso de los nintildeos (de la calle y de las escuelas) coinciden con los pro-
ducidos por la clase media y por las Instituciones Por otro lado de cuarenta y nueve ar-
tiacuteculos analizados en seis perioacutedicos y tres revistas de difusioacuten nacional sobre los nintildeos
de la calle se concluyoacute que la primera causa que provoca la salida de los nintildeos a la calle
es la pobreza y la segunda la violencia familiar
Lucchini (1993) ha encontrado en diversos paiacuteses de Ameacuterica Latina que los nintildeos de
la calle responden muy faacutecilmente a las expectativas de sus interlocutores periodistas
educadores de calle turistas investigadores entre otros Se ha observado que los nintildeos
utilizan con frecuencia su marginalidad como una carta de presentacioacuten para establecer
una forma de relacioacuten basada en la seduccioacuten Ellos juegan con su marginalidad pero
tambieacuten con el deseo del otro de hacerlos salir de esa marginalidad
Un estudio realizado sobre la participacioacuten de los joacutevenes de la calle en el teatro (Tara-
cena y Tavera 2002) nos permitioacute acceder a las representaciones que ellos tienen de siacute
mismos Eacutestas a menudo son una re-elaboracioacuten de las representaciones que diversos
sectores sociales tienen de ellos
Se trabajoacute la relacioacuten identidad-cuerpo a traveacutes de un video de una puesta en escena que
se realizoacute en una plaza puacuteblica donde una organizacioacuten civil que trabaja con joacutevenes de
calle utilizoacute el teatro como una viacutea de educacioacuten sexual y en particular de la prevencioacuten
de enfermedades sexualmente transmisibles con el fin de producir en el infante de la
calle una especie de conciencia sobre el siacute mismo que le permita construir proyectos
alternativos
Posteriormente se invitoacute a los joacutevenes a ver el video de la obra de teatro realizada por
ellos mismos y se registraron todos los comentarios relacionados a su imagen Se les
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pidioacute tambieacuten que dibujaran para tener acceso al imaginario que se puso en marcha con
su propia imagen Este dispositivo nos permitioacute profundizar el estudio de la conforma-
cioacuten de su identidad y del discurso que producen de la misma
De acuerdo con Linard y Prax (1980) al mirar su imagen puede ser llevado al fenoacuteme-
no de inquietante extrantildeeza a las viejas heridas narcisistas que marcaron su renuncia
al Yo ideal y su pasaje al estado de signo diferente El individuo es confrontado a una
doble imagen de siacute mismo la perceptiva y la interiorizada desdoblaacutendose en su Yo piel
y abandonado a la captura visual de la mirada del otro el signo que pareciacutea estable y que
se desbarata dentro de su liacutemites y sus barreras proyectado algunas veces por su propio
debilitamiento lejos en la historia de sus identificaciones y de sus relaciones con el otro
El caso de un nintildeo de la calle confrontando a su propia imagen es particular debido a su
propia historia de rupturas su fragilidad narcisista y tambieacuten porque eacutel no estaacute habitua-
do a verse dentro de una peliacutecula para todos estos joacutevenes era la primera experiencia de
este tipo Esta podriacutea ayudarnos a comprender por queacute ellos insistieron en mostrar una
identificacioacuten con su toxicomaniacutea apoyaacutendose en el hecho de que la droga les permite
enfrentar su cotidianeidad yendo a veces hasta substituirse por el bote de cemento esto
se encuentra tambieacuten en sus comentarios en los dibujos que realizaron ltsolamente
cuando estoy hasta atraacutes no me da penagt lttuacute estabas tambieacuten bien hasta atraacutesgt ltiexclMiacute-
ralo con su bote (risas)gt Es evidente que en el discurso de los nintildeos hay una alusioacuten a
la problemaacutetica narcisista y a la mirada del otro
Una problemaacutetica importante a reflexionar de esta experiencia es aquella que se relacio-
na con el cuerpo y la identidad de los nintildeos Relacionando estas observaciones con las
de Aacutengel P Botbol M y Facy F (1987) sobre los adolescentes inhaladores de Pariacutes
se puede decir que el deseo de drogarse no se situacutea en un nivel mental sino maacutes bien a
nivel corporal Ellos tambieacuten consideran a la inhalacioacuten como una traba para la menta-
lizacioacuten
En palabras de un nintildeo de la calle la relacioacuten entre el cuerpo y la droga es explicada asiacute
ltAlgunas veces nuestro cuerpo nos lo pide la droga nos llamagt Los autores antes men-
cionados citan la investidura libidinal de la funcioacuten respiratoria el apoyo sobre la fun-
cioacuten respiratoria de una libidinizacioacuten de la respiracioacuten o de la erotizacioacuten respiratoria
como un elemento importante en la toxicomaniacutea de los inhalantes Ellos citan tambieacuten
127Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
las imaacutegenes de satisfaccioacuten de las primeras experiencias respiratorias y alimenticias
ldquoComo el espasmo del primer llanto la inhalacioacuten voluntaria de solventes podriacutea ser
definida como el pasaje al acto para realizar esos fantasmas de satisfaccioacuten ligadas a
trazos mneacutesicos de imaacutegenes dejadas por las verdaderas satisfaccionesrdquo (p115)
Ellos subrayan la significacioacuten del inhalar ya que conduce al pasaje al acto y tambieacuten
al riesgo en caso de los nintildeos de la calle esos componentes se encuentran reforzados
constantemente por la presencia misma del nintildeo en la calle en donde estaacute obligado a
convivir con la muerte y el peligro esto aumenta su sensacioacuten de omnipotencia cada
vez que sale ileso de esas experiencias
Diversas investigaciones permiten constatar que estos nintildeos son incapaces de estable-
cer un lazo entre las enfermedades y los riesgos de contraerlas Citaremos en particular
el caso del SIDA y la rabia Tratando de hacerles comprender los mecanismos del con-
tagio a menudo ellos no fueron capaces de tomar las precauciones necesarias (Jayme
y Juaacuterez 1995) Ellos seguramente establecen una relacioacuten entre la muerte y un senti-
miento de invulnerabilidad parecida a la ya citada en los inhaladores (Angel P Botbol
M y Facy F 1987)
El video de la obra de teatro regresa a los joacutevenes al problema de su identidad ltEstaacute
bien estar en una casa porque tenemos una familia quien nos cuide quien nos veagt
ltHacemos teatro porque nos sentimos bien para que las personas nos mirengt ltEn
la calle la gente nos trata bien yo me siento bien ahiacute ellos no te critican Bueno hay
algunos que siacute lo hacen Hay personas que nos ayudan y otras que nos miran como si
fueacuteramos basura como un animal No seacute por queacute puede ser porque estamos suciosgt
Todas las anteriores intervenciones de diferentes nintildeos evidencian la importancia de
la mirada del otro la imagen que el otro puede devolverles de siacute mismos Lo mismo Za-
zzo que Lacan ha hablado de la experiencia especular como un momento decisivo de la
construccioacuten del sujeto El problema de la mirada del otro nos remite a las dificultades
narcisistas y al problema de la identidad
De acuerdo con Lipiansky (1992) se puede considerar a la identidad como un proceso
cognoscitivo que incluye componentes afectivos y que se apoya en la identificacioacuten de
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proyecciones e introyecciones que pueden ser cambiadas o ajustadas a lo largo de la vida
del sujeto
A menudo se ha encontrado en los nintildeos de la calle una dificultad para decir su nombre
y apellidos Ellos se presentan siempre con un apodo y prefieren conocer tambieacuten a sus
compantildeeros por su apodo Una de las primeras tareas de las Instituciones que actual-
mente se acercan a los nintildeos es el tratar de convencerlos para que acepten la utilizacioacuten
de sus nombres En una de ellas se realizoacute una dinaacutemica de grupo para favorecer la uti-
lizacioacuten de sus nombres los nintildeos se sientan alrededor de una mesa y cada uno repite
el nombre de sus compantildeeros Cuando se llevoacute a cabo lo anterior los nintildeos mostraron
una gran dificultad para lograrlo dejando ver un cierto nerviosismo
Una gran parte del grupo se levantoacute y se salioacute de la sala un nintildeo mostroacute la tensioacuten que
le produciacutea el ejercicio y se levantoacute diciendo ltYo no quiero saber el nombre de nadie
yo no quiero que sepan el miacuteogt Sucede lo mismo cuando se le pregunta a un nintildeo su
apellido ltYo no seacute Peacuterez Saacutenchez oacute Loacutepez es lo mismogt o bien ltYo soy nadiegt o ltYo
soy nadagt
En este contexto las alusiones a la mirada del otro nos llevan a pensar en los primeros
estadios arcaicos de la infancia en la relacioacuten dual de la madre y en la problemaacutetica nar-
cisista reactualizada por algunos joacutevenes en la toxicomaniacutea la inhalacioacuten revive visual
y sensorialmente la imagen del pecho materno
Por su parte Lucchini (1993) enfatiza el problema del reconocimiento de la madre una
vez que el nintildeo ha abandonado su hogar como un elemento importante de su buacutesqueda
identitaria particularmente al entrar a la adolescencia De esta manera para construir
su realidad el nintildeo de la calle se apoya en su grupo de compantildeeros en el espacio fiacutesico
que le rodea y sobre sus relaciones con los diferentes actores sociales que estaacuten en la
calle
Para finalizar resulta importante subrayar que al igual que otros autores como Erikson
Devereux Wallon y Zazzo se puede pensar que el desarrollo de la identidad implica un
lazo constante entre lo subjetivo y lo social Los problemas manifestados por los nintildeos
de la calle a partir de su experiencia en el teatro nos hacen reconocer la importancia
129Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
que tiene para la construccioacuten del sujeto el encuentro entre los factores psiacutequicos y los
sociales
Dentro de la construccioacuten de su identidad y de la relacioacuten con su cuerpo hay una refe-
rencia constante a sus primeras experiencias personales en la relacioacuten con la madre
aunque tambieacuten en las referencias al espacio a la situacioacuten social a la violencia que
caracteriza ciertos medios sociales e incluso al rol de la madre y del padre determinado
por esta pertenencia en donde con frecuencia hay una presencia mucho mayor de la
madre y mucho menor del padre Si el joven conserva algunas imaacutegenes difusas en ge-
neral sensoriales de la primera relacioacuten con la madre en el nivel consciente lo que re-
salta maacutes a menudo es el sentimiento de ausencia abandono y a menudo de violencia
Esta violencia de su primera historia se re-edita en su vida en la calle Violencia concreta
en sus lazos con las personas que encuentra en su entorno inmediato La relacioacuten con
la policiacutea es ambivalente por un lado a veces se le extorsiona y se le utiliza como chivo
expiatorio y algunas otras se le permite la trasgresioacuten con cierta complicidad Lo mismo
sucede con la gente que por un lado los discrimina y por el otro les proporciona dinero
y comida Por uacuteltimo con las instituciones establecen una complicidad y algunas veces
no los reconocen Violencia simboacutelica de la sociedad que no encuentra otro lugar que
darles que la calle que no los protege y que a menudo soacutelo los reconoce en lo negativo
Esta violencia es revertida en sus relaciones y en los grupos en los que se encuentra aun
en los casos de relaciones de ayuda y de apoyo
Dentro de esta dialeacutectica se tejen las historias de los nintildeos de la calle los cuales sorpren-
den por su capacidad para resolver los problemas praacutecticos por su inteligencia y por su
forma de vivir y de enfrentar continuamente a la muerte pero tambieacuten con sus enor-
mes fragilidades sus desfases su capacidad de pasar raacutepidamente de adultos a nintildeos
en actitudes y comportamientos
Otrasinvestigacionessobreelfenoacutemenodelavidaenlacalle
Desde la antropologiacutea social el trabajo de Sara Makowski (2004) representa una mi-
rada original desde una propuesta antropoloacutegica para el anaacutelisis de las condiciones so-
ciales de produccioacuten del fenoacutemeno de los joacutevenes de la calle una propuesta que intenta
130
rescatar la mirada y la memoria de los joacutevenes esa memoria de la exclusioacuten de la que
la sociedad quiere saber poco o quiere ignorar Esta investigacioacuten ofrece tambieacuten un
material inapreciable para reflexionar sobre los modos de vida de los joacutevenes la relacioacuten
con la calle y con los objetos que en ella existen como uacutenico modo de recrear algo que
sientan suyo Dicha investigacioacuten coincide con las realizadas por nuestro equipo de tra-
bajo en el deseo de comprender y de escapar a los marcos normalizantes de las ciencias
sociales y de las instituciones que pretenden a menudo patologizar todo aquello que se
aleja del comportamiento de la mayoriacutea
La autora trabajoacute con joacutevenes que teniacutean maacutes de diez antildeos en la calle en lugares del cen-
tro de la ciudad que en cierto sentido son emblemaacuteticos de la presencia de los joacutevenes
callejeros La autora misma describioacute los lugares y su carga simboacutelica y afectiva la in-
vestigacioacuten transcurrioacute por muacuteltiples espacios puacuteblicos muy cercanos unos de otros y
que conformaban el repertorio de lugares del grupo de joacutevenes de la calle La etnografiacutea
―itinerante como la experiencia de los propios chavos de la calle― se escribioacute con partes
de las coladeras del Museo Franz Mayer de las aceras de la iglesia de la Santa Veracruz
de la explanada de la Plaza de Zarco de las escaleras de las estaciones del metro Hidal-
go y Bellas Artes de la esquina de Balderas y Av Juaacuterez del kiosco de la Alameda y del
campamento montado en la Plaza de la Solidaridad Todos estos lugares fueron a su
manera fragmentos de un hogar
Esta investigacioacuten utilizoacute como herramientas las entrevistas las fotos y los videos reali-
zados por los propios chavos y por la autora La historia oral de los grupos y los dibujos
y croquis de sus espacios y circuitos de itinerancia De este modo Makowski planteoacute
tres ejes para analizar los datos recolectados el de la experiencia el de los lugares y el
de la memoria
En cuanto al de la experiencia de acuerdo con la autora la calle representa polos opues-
tos y contradictorios en sus palabras ldquoLa calle condensa todos los paisajes de la peacuter-
dida La calle es abandono desproteccioacuten muerte olvido evaporacioacuten del tiempo y
del sentido La intemperie social es soacuterdida y aacuterida al igual que la propia intemperie
biograacutefica de cada uno de los chavos de la calle Pero a contraluz de esa densidad la calle
representa un juego de existencia irradia autonomiacutea libertad y atraccioacuten vitalrdquo (Mako-
wski 2004 p4) Lugar de visibilidad e invisibilidad los somete a la indiferencia a la que
ellos se rebelan con actos de acuerdo con sus propias reglas y formas de socializacioacuten
131Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
Por su parte el eje de los lugares del estudio tambieacuten estaacute lleno de paradojas los joacute-
venes de la calle no tienen un lugar reconocido socialmente pero al mismo tiempo se
mueven en un deseo de encontrar un lugar que sin embargo estaacute poblado de rupturas
y sin lugares En cuanto al eje de la memoria Makowski lo analiza desde la perspectiva
de la relacioacuten entre la memoria social y la individual en donde la segunda hace eco a
la primera en las memorias de los chavos de la calle hay algo que siempre persiste La
desinscripcioacuten la violencia los huecos en la transmisioacuten familiar la no herencia todo
esto insiste en la fragilidad de esas memorias iquestMemorias de una cataacutestrofe De la ca-
taacutestrofe individual y colectiva del rompimiento del lazo social Un quiebre que en pocos
casos tendraacute alguna posibilidad de sutura
Otro eco de las memorias de la exclusioacuten proviene de la propia grupalidad Un complejo
ensamblaje de fragmentos de memorias propias y de otros conforman las memorias de
los chavos de la calle Recuerdos de aventuras compartidas de actos heroicos contra la
violencia policial de eventos traumaacuteticos colectivos como la clausura de las coladeras
de afectividades que penetraron muy profundamente de solidaridades indisolubles
de ausencia de compantildeeros de risas de verguumlenzas todos estos materiales arman el
patchwork de las memorias de los chavos de la calle
Cuando el afluente de la grupalidad irriga activamente la memoria colectiva se reeditan
en forma paralela las memorias individuales Zonas de olvido y episodios desdibuja-
dos en las biografiacuteas encuentran otro orden y otra escena para recrearse La memoria
colectiva opera a veces como una barrera que detiene las disoluciones de la memoria
individual (Op Cit p8)
La autora encontroacute asiacute una manera de relacionar la historia de la ciudad de los lugares
habitados por los joacutevenes en el Centro Histoacuterico la historia colectiva de los grupos cre-
ados por los mismos y la historia individual de cada uno de ellos Aunado a ello una
dimensioacuten de la memoria particularmente interesante es la memoria corporal que el
trabajo de Makowski muestra de manera graacutefica las huellas en la piel de los joacutevenes de
la vida en la calle que en una suerte de mimetizacioacuten replican las figuras las texturas
las cicatrices de la calle
Por su parte los trabajos de Steacutephane Tessier en el Centro Internacional de la Infancia
(Tessier 1994 1995 y 1998) reunieron a investigadores de diferentes continentes que
132
constataron muacuteltiples coincidencias en el fenoacutemeno de la vida de los joacutevenes en la calle
Una de ellas es la utilizacioacuten de los inhalantes como forma de resistir a la vida en la
calle y de olvidar Pareciera que la utilizacioacuten del inhalante forma parte de la identidad
del nintildeo y el joven de la calle tanto es asiacute que muchas veces aquellos que consumen
esa droga y no viven en la calle niegan utilizarla pues dicen que es propia de los maacutes
desheredados
La relacioacuten con el espacio constituyoacute tambieacuten uno de los ejes de reflexioacuten la manera en
que cada sociedad va definiendo lo privado y lo puacuteblico y coacutemo las sociedades actuales
principalmente en la urbes preocupadas por la seguridad se ha ido construyendo el
espacio de la calle como un lugar de paso de traslado de un lugar a otro perdieacutendose
asiacute la concepcioacuten de la calle como espacio de aprendizaje asiacute quien permanece hoy en
la calle se considera ocioso o delincuente cuando en generaciones anteriores muchos
joacutevenes se constituyeron como adultos en referencia a los grupos que utilizaban la calle
como espacio de socializacioacuten
Otro aspecto discutido en estos trabajos es el del trastrocamiento de las relaciones fami-
liares por el hecho de que el nintildeo puede aportar a veces mayor cantidad de dinero que
los padres Hemos encontrado muchas veces el testimonio de madres de familia que
dicen no poder poner reglas a sus hijos por el hecho de que ellos tienen conciencia de
aportar una buena parte del ingreso familiar tal es el caso de las familias de origen in-
diacutegena que migran a la Ciudad de Meacutexico Este problema y el de la ausencia de la figura
paterna son frecuentes en los paiacuteses de Ameacuterica Latina como pudimos constatar en las
reuniones del Centro Internacional de la Infancia
Una preocupacioacuten importante del Centro Internacional de la Infancia fue el de analizar
las herramientas mediante las cuales podriacutea trabajarse con las poblaciones callejeras
asiacute se llevaron a cabo reuniones en el espacio de la Villette en Paris donde se encon-
traron alrededor de la muacutesica poblaciones callejeras de diferentes paiacuteses tambieacuten se
exploroacute el teatro como forma de expresioacuten para estos grupos
Otra referencia sobre el trabajo con los joacutevenes de la calle es la de las investigaciones re-
alizadas por Lucchini en Brasil Uruguay y Meacutexico El autor muestra que en las familias
maacutes pobres de la ciudad todos los miembros deben colaborar con el presupuesto fami-
liar y tambieacuten son las mujeres y los nintildeos los que deben trabajar El bajo nivel educativo
133Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
y la escasez de oportunidades impiden a algunos padres incorporarse al ambiente labo-
ral satisfactorio haciendo que las familia se quede a veces sin los ingresos suficientes
para subsistir hecho que obliga a los nintildeos a participar en las actividades generadoras
de ingresos a traveacutes de sus trabajos en la calle y reducen poco a poco su adscripcioacuten
escolar Muchas de estas familias ademaacutes son numerosas viven generalmente en zonas
marginadas o barrios populares que se caracterizan por tener elevados iacutendices de vio-
lencia intrafamiliar asiacute como un nivel de bienestar miacutenimo La pertenencia a estratos
populares con tales caracteriacutesticas de pobreza y marginalidad modela e influye sobre las
formas de relacioacuten el comportamiento las praacutecticas los valores las metas culturales y
la educacioacuten que se da a menores Seguacuten el autor se estima que el 30 de las familias
pobres de las regiones urbanas no reciben contribucioacuten alguna de los hombres y el 20
de ellas sobrevive gracias al trabajo de los nintildeos
Casi toda la totalidad de los nintildeos de la calle con los que Lucchini (1996) realizoacute su
estudio procediacutean de familias monoparentales o de familias en las que la madre viviacutea
con una pareja que no era el padre de todos los hijos y en algunos casos no era el padre
de ninguno de ellos Las condiciones econoacutemicas desastrosas la falta de empleo que
impide pensar en un futuro prometedor la promiscuidad de uno o de ambos coacutenyuges
vivida como un problema entre la pareja y la falta de un bienestar estructural aumentan
la presioacuten y deterioran las relaciones familiares que en la mayoriacutea de los casos se es-
cinden yo fragmentan Las frecuentes separaciones o los divorcios resultantes de este
deterioro son perjudiciales para todos los miembros de la familia particularmente para
los nintildeos quienes no reciben la atencioacuten necesaria e incluso en muchos casos reciben
maltrato por parte de la nueva pareja del padre o la madre La falta de comunicacioacuten
la escasez de respeto de solidaridad y de convivencia provoca un distanciamiento que
puede terminar en su expulsioacuten a la calle
El concepto que hemos retomado del autor es el de carrera del nintildeo de la calle el cual
surge a partir de una criacutetica realizada a las definiciones planteadas por las organizacio-
nes internacionales y los organismos que se ocupan de los joacutevenes de la calle15 El autor
considera que estas definiciones son demasiado estaacuteticas en cambio lsquocarrera de nintildeo
15 Muchas de las discusiones que llevaron a Lucchini a proponer el concepto de carrera del nintildeo de la calle provienen de las reuniones que se realizaron en el Centre International de lrsquoenfance dirigido por Steacutephane Tessier en los antildeos 90-95 (comunicacioacuten personal con Steacutephane Tesssier)
134
de la callersquo implica una visioacuten dinaacutemica del proceso en el cual el nintildeo pasa un tiempo
largo entre la calle y su casa con idas y vueltas entre una y la otra asiacute mismo sentildeala
que dependiendo del momento en que se encuentra el nintildeo la intervencioacuten debe ser
diferente (Lucchini 1996)
Para Lucchini (1998) es importante la imagen que tienen los educadores y los trabaja-
dores sociales de los nintildeos de la calle en la forma de intervencioacuten El autor advierte que
las imaacutegenes del nintildeo viacutectima y el nintildeo asocial son muy reductoras de la realidad vivida
por el nintildeo de la calle y que estas imaacutegenes tienden a borrar la cultura del nintildeo de su
familia y de los grupos a los que pertenece
Conclusiones
La vida en la calle es un universo complejo y ninguna historia de quienes la habitan es
igual Nos hemos esforzado por dar una imagen de esta diversidad y de crear meacutetodos
de estudio que respetando la singularidad puedan tambieacuten profundizar en los procesos
que nos permitan comprender el fenoacutemeno en su conjunto
Los joacutevenes de la calle se encuentran en una situacioacuten de supervivencia posiblemente
la salida de sus familias fue necesaria para resguardar su deseo de vivir por las condicio-
nes de violencia fiacutesica y psicoloacutegica el quedarse en sus familias quizaacute significariacutea una
situacioacuten maacutes amenazante Es la ausencia de padres o de alguna figura de substitucioacuten
la que contribuye a definirlo como perteneciente a la calle La ley y la autoridad son en
general representadas por la represioacuten y el maltrato en la figura de la policiacutea ante la
cual el joven se situacutea a menudo en la trasgresioacuten y en el sentimiento de ser abusado
La violencia fiacutesica y simboacutelica es el eje principal en la vida de estos joacutevenes paradoacutejica-
mente salen des sus casas muchas veces para evitar la violencia y la reproducen ellos
mismos con sus pares y hacia ellos mismos Asiacute la relacioacuten con su cuerpo refleja esta
violencia a menudo en el consumo de la droga aunque en el consumo de la misma se
mezcla tambieacuten una buena dosis de placer elemento que hay que reconocer como uno
de los motores del consumo
A traveacutes de estos textos podemos sentir las texturas de la calle y lo que implica vivir en
ella podemos apreciar las formas diferentes de socializacioacuten que plantean los joacutevenes
135Investigacioacuten-intervencioacuten sobre la vida en la calle desde una perspectiva socio-cliacutenica
de la calle con sus reglas en sus espacios aunque a la vez sean espacios de todos y de
nadie Los grupos se apropian de ella a tal grado que muchas veces los transeuacutentes evi-
tan pasar por sus puntos de reunioacuten Podemos pensar que la calle no es un lugar propio
para el desarrollo de los nintildeos o de las familias o de los joacutevenes y sin embargo cada diacutea
hay maacutes personas que dependen de la calle para su supervivencia
Las reflexiones realizadas a partir de las investigaciones psicosociales nos sirven tambi-
eacuten para dimensionar la fuerza de la calle como un polo de atraccioacuten inevitable que resul-
ta difiacutecil de dejar La calle impone sus reglas la loacutegica del aquiacute y el ahora la sensacioacuten
de libertad y de falta de ataduras aunque la calle constituya una atadura en siacute misma
Significa entonces todo un reto pensar en plantear un proyecto educativo para estos joacute-
venes indudablemente en este proyecto deberaacute incluirse un trabajo sobre la memoria
sobre la pertenencia sobre las reglas y los liacutemites partiendo de lo que es su realidad
Estos textos nos permiten tambieacuten medir las distancias que puede haber entre la vida
en la calle y las demandas o exigencias de las instituciones que trabajan con los joacutevenes
de la calle Podemos entender con mayor facilidad por queacute la mayoriacutea de los joacutevenes
tienen una relacioacuten instrumental con las instituciones de las que entran y salen regular-
mente Esta relacioacuten les permite aliviar un poco la dureza de la vida en la calle y a veces
les permite sontildear que alguacuten diacutea su vida podriacutea cambiar sin embargo no se produce el
arraigo suficiente para renunciar a la vida en la calle posiblemente porque es la uacutenica
manera de sentir que ellos son sujetos de su existencia El asistencialismo que domina
en la mayoriacutea de las Instituciones contribuye a crear una identidad de viacutectimas y no
favorece la posibilidad de visualizarse como actores de su propio destino Es entonces
que en la lucha cotidiana por la supervivencia en la calle ellos tienen la sensacioacuten de
ser independientes
Las investigaciones realizadas por nuestro equipo y por otros investigadores Boudjemai
(1998) nos llevan a evaluar la importancia de trabajar con los joacutevenes en situacioacuten de
calle a traveacutes de actividades de expresioacuten corporal artiacutesticas luacutedicas y educativas para
favorecer los procesos de elaboracioacuten reflexioacuten y creatividad que les permita visualizar-
se de manera diferente A menudo hemos encontrado reticencias de las Instituciones
para abordar las historias de vida de estos joacutevenes pensamos que esto tiene que ver con
la misma reticencia que los mismos joacutevenes muestran entre otras cosas por el mal uso
que se ha hecho de sus historias en la mediatizacioacuten de la miseria Sin embargo esta-
136
mos convencidos que para que un sujeto pueda elaborar un proyecto a futuro tiene que
dimensionar y elaborar su pasado Es necesario elaborar poliacuteticas puacuteblicas que apunten
a mejorar la calidad de vida de las poblaciones callejeras y a disminuir el riesgo de conta-
gio de enfermedades sexuales transmisibles y del consumo de drogas poniendo eacutenfasis
en la capacidad de ellos de convertirse en actores y dejando de lado el asistencialismo
que funda muchas de las intervenciones
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141 Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
TeresaCristinaOCCarreteiro
AlanTeixeiraLima
BiancaCauperBohnert
ClaacuteudiaValenteLopes
DanielaSerrinadeLimaRodrigues
LeticiadeLunaFreire
LucianaRibeiroBarbosa
MarcosCeacutesardaRochaSalema
A juventude residente em localidades socialmente desfavorecidas tem recebido atenccedilatildeo
de inuacutemeros projetos de assistecircncia pesquisa e intervenccedilatildeo em sua maioria indepen-
142
dentes do Estado 16Em geral a preocupaccedilatildeo que norteia esses projetos eacute o fato de serem
os jovens das favelas e periferias os mais afetados diretamente pela falta de oportunida-
des de trabalho e pelo natildeo provimento de direitos baacutesicos como sauacutede e educaccedilatildeo o que
lhes concede uma dupla vulnerabilidade agrave violecircncia ndash como agentes e como viacutetimas17
Essa questatildeo poreacutem natildeo deve ser entendida de maneira simplista ou reducionista
Trata-se de um fenocircmeno muito mais complexo pois haacute uma seacuterie de fatores que atra-
vessam a vida destes jovens e que no entanto nenhuma teoria ou abordagem daacute conta
de sua totalidade
A relaccedilatildeo do jovem com o trabalho (ou a sua ausecircncia) por exemplo eacute uma problemaacute-
tica que natildeo pode ser pensada isolada de um contexto mais amplo e dinacircmico Nesse
sentido este artigo natildeo tem a pretensatildeo de esgotar a discussatildeo a respeito do binocircmio
juventude-trabalho mas busca apenas compartilhar e discutir uma experiecircncia singu-
lar contribuindo assim para o debate acerca desta temaacutetica Este trabalho eacute um desdo-
bramento da pesquisa-accedilatildeo ldquoDrogas e Complexidade a ressonacircncia do fenocircmeno das
drogas nas redes sociais de jovens de contextos desfavorecidos e a construccedilatildeo de meto-
dologias de intervenccedilatildeo preventivardquo
Desenvolvida na localidade de Acari zona norte do municiacutepio do Rio de Janeiro esta
pesquisa teve como objetivos principais investigar de que maneira a presenccedila das dro-
gas (tanto o consumo quanto o traacutefico) atua no estabelecimento ou na ruptura de viacuten-
culos afetivos e sociais para os jovens desta localidade analisar como esta questatildeo eacute
enfrentada nos seus diferentes niacuteveis de expressatildeo (individual grupal familiar e insti-
tucional) e construir metodologias de intervenccedilatildeo comunitaacuteria preventivas agrave drogadi-
ccedilatildeo e agrave marginalizaccedilatildeo desses jovens
16 Este trabalho eacute um desdobramento da pesquisa-accedilatildeo ldquoDrogas e Complexidade a ressonacircncia do fenocircmeno das drogas nas redes sociais de jovens de contextos desfavorecidos e a construccedilatildeo de metodologias de intervenccedilatildeo preventivardquo A pesquisa foi vinculada ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenada pela professora Teresa Cristina Carreteiro
17 Natildeo se trata de ratificar a relaccedilatildeo entre favela e violecircncia como uma relaccedilatildeo intriacutenseca como o faz muitas vezes a miacutedia mas de constatar que por diversos aspectos ldquoa violecircncia eacute em grande parte produzida na favela e natildeo pela favela e seus moradoresrdquo como afirma Rumba Gabriel membro do Movimento Popular de Favelas) Quanto aos jovens segundo pesquisa feita em 2000 eacute na faixa de 15 aos 24 anos que os homiciacutedios atingem sua maior incidecircncia chegando a ser no Rio de Janeiro a causa de mais da metade dos oacutebitos juvenis (Waiselfisg Julio Jacobo Mapa da Violecircncia III Brasiacutelia UNESCO Instituto Ayrton Senna Ministeacuterio da JusticcedilaSEDH 2002)
143Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
Seguindo o enfoque teoacuterico da psicossociologia francesa e a perspectiva da complexida-
de proposta por Edgard Morin (1996) consideramos que o fenocircmeno das drogas eacute mui-
to dinacircmico Ele eacute diretamente conectado com inuacutemeros outros fenocircmenos devendo-se
sempre considerar as dimensotildees micro e macro sociais Na perspectiva singular enten-
demos que todo sujeito eacute um sujeito social ou seja que o indiviacuteduo e a sociedade natildeo
satildeo categorias que se encontram isoladas nem tampouco opostas mas em constante e
imbricada relaccedilatildeo
Nesse sentido diante de todas as questotildees que nos defrontamos em Acari buscamos
considerar tanto o niacutevel individual quanto o coletivo o afetivo e o institucional os pro-
cessos inconscientes e os processos sociais (Gaulejac 2001) que ali se apresentam de
forma indissociaacutevel Inicialmente desenvolviacuteamos grupos semanais com os jovens
de duas instituiccedilotildees locais Denominados ldquoOficinas da Conversardquo esta atividade tinha
como objetivo criar espaccedilos de circulaccedilatildeo da palavra favorecer o diaacutelogo e a expressatildeo
dos jovens a respeito de temas pregnantes em seu cotidiano tais como famiacutelia escola
lazer trabalho drogas e violecircncia Para adquirir a confianccedila dos jovens e contrapor-se
agrave chamada ldquolei do silecircnciordquo que vigorava imperiosa nas localidades marcadas pela pre-
senccedila do traacutefico de drogas estabeleciacuteamos nos grupos um pacto de sigilo entre seus in-
tegrantes e utilizaacutevamos recursos luacutedicos plaacutesticos e dinacircmicos que pudessem facilitar
a ldquosubstituiccedilatildeo do combate pelo exerciacutecio do debaterdquo (Carreteiro 1993)
Iniciamos nossas atividades em campo apenas com os jovens e percebemos que estaacute-
vamos privilegiando apenas este segmento Atentos a esta questatildeo buscamos construir
coletivamente dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo sobre os projetos profissionais dos
jovens em Acari de modo que envolvessem a participaccedilatildeo de outros atores sociais Para
isso realizamos cinco encontros na localidade com a presenccedila de jovens familiares
liacutederes locais e educadores Esses encontros intitulados ldquoFoacuterum Trabalho e Juventude
em Acarirdquo tinham como objetivo proporcionar um espaccedilo de debate sobre as perspec-
tivas e possibilidades de trabalho da juventude local Pretendiacuteamos ainda discutir os
projetos existentes na localidade para os jovens possibilitando a troca de experiecircncias
entre seus representantes e o estabelecimento de parcerias
Os encontros se desenvolveram de maneira dinacircmica e descontiacutenua jaacute que o grupo
nunca se mantinha o mesmo (oscilava entre seis e doze pessoas aleacutem de nossa equipe)
144
assim como o local onde era realizado 18 Alguns encontros foram gravados e filmados
de maneira que houvesse um registro das imagens e falas sobre os temas abordados
Embora cada encontro tenha se caracterizado de modo particular foi possiacutevel mapear
alguns discursos predominantes Os principais discursos que destacamos foram em
relaccedilatildeo agrave famiacutelia educaccedilatildeo poliacutetica estigma e traacutefico de drogas
Odiscursofamiliarista
Um discurso bastante recorrente entre os participantes foi aquele no qual a famiacutelia apa-
rece como a grande responsaacutevel pelo sucesso ou fracasso de seus filhos Ressaltou-se
a atenccedilatildeo e dedicaccedilatildeo que os pais devem ter com seus filhos oferecendo ldquobons exem-
plosrdquo mantendo uma vida honesta e digna
ldquoNosso filho vai trabalhar de acordo com o que a gente daacute pra ele Apoiar o filho no que eacute bom eacute importantiacutessimordquo (fala do pai de um jovem)
Apesar disso eacute interessante notar que ao perguntarmos a uma matildee sobre o seu projeto
para seus filhos esta nos respondeu relatando o amor que sente por eles Tal fato denota
algo jaacute observado em outras ocasiotildees em Acari de que os pais frequumlentemente natildeo tecircm
um projeto definido para seus filhos Pensamos que isto pode estar relacionado com
dois aspectos Primeiramente por viverem uma temporalidade imediatista que pelas
proacuteprias condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem fazer planos ou pensar no futuro e em
segundo lugar por seus projetos se constituiacuterem natildeo a partir de uma afirmativa mas
de uma negaccedilatildeo ou seja do que natildeo desejam para seus filhos em geral que se tornem
ldquobandidos e marginaisrdquo
A autoridade e o controle sobre a vida e as amizades dos filhos tambeacutem foram aponta-
dos como uma maneira de tentar lhes garantir um ldquobom caminhordquo o que conforme
observamos em outras situaccedilotildees faz com que muitos pais eduquem seus filhos para
18 Sendo os participantes de diferentes aacutereas de Acari e tendo estas aacutereas simbologias diversas tal como demonstra Alvito (2001) dificultando a circulaccedilatildeo dos moradores tivemos o cuidado de realizar os encontros em locais que fossem vistos com ldquobons olhosrdquo pela comunidade como uma creche comunitaacuteria e uma das Associaccedilotildees de Moradores Pensamos que o conhecimento dessas representaccedilotildees eacute crucial para o desenvolvimento de quaisquer atividades que requeiram a participaccedilatildeo dos moradores dessas localidades
145Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
ficarem em casa e terem poucos amigos em contrapartida o ldquomundo da ruardquo eacute visto
como perigoso lugar de movimento surpresas e tentaccedilotildees (Da Matta 1984)
ldquoTem que ir atraacutes tomar conta dar conselho se dependesse da gente o filho natildeo entrava para o mau caminhordquo (fala da matildee de uma jovem)
ldquoMatildee tem que exigir controlar olhar a caderneta da escola todo diardquo
(fala do pai de um jovem)
ldquoEle [o jovem] tem que ser dominado ter respeito pela matildee e pelo pairdquo
(fala da matildee de duas jovens)
Ao mesmo tempo que esta visatildeo atribui agrave famiacutelia um papel importante sobre o futuro
dos jovens atraveacutes da educaccedilatildeo e da transmissatildeo de valores esta influecircncia na medida
que eacute vista como uacutenico elemento determinante de que os filhos seratildeo ldquotrabalhadoresrdquo
ou ldquocairatildeo na vidardquo (do crime) passa a refletir um sentimento de culpa e fracasso fa-
miliar Percebemos neste discurso familiarista uma falta de criacutetica em relaccedilatildeo a uma
menor participaccedilatildeo do Estado e da sociedade em geral Assumindo para si uma respon-
sabilidade que natildeo eacute meramente individual mas tambeacutem social a famiacutelia despolitiza os
acontecimentos e assim se despotencializa
Aeducaccedilatildeocomoocupaccedilatildeo
A educaccedilatildeo tambeacutem eacute apontada como um elemento importante para o futuro profissio-
nal dos jovens possibilitando-os ldquoser algueacutem na vidardquo poreacutem eacute mais valorizada como
apenas uma opccedilatildeo frente ao oacutecio Este por sua vez eacute visto como algo que predispotildee o
jovem ao mundo das drogas e da criminalidade O discurso predominante eacute ldquoocupar
os jovens para que natildeo fiquem agrave toa e faccedilam coisas erradasrdquo natildeo importando muito a
qualidade da ocupaccedilatildeo como podemos verificar nessas falas
ldquoO estudo e o trabalho andam juntos mas a maioria dos jovens vecirc o estudo para preencher um vazio fazer a vontade dos paisrdquo (fala de uma jovem)
ldquoA mente desocupada fica poluiacutedardquo (fala do pai de um jovem)
A ociosidade nas camadas pobres da sociedade eacute vista pelo discurso dominante como uma ldquobomba reloacutegiordquo pois aquele que natildeo estaacute integrado no ldquomundo do trabalhordquo eacute suscetiacutevel de integrar a ldquobandidagemrdquo como
146
nos aponta a pesquisadora Irma Rizzini (1997) em estudo realizado sobre as poliacuteticas puacuteblicas para a infacircncia no Brasil Ela constatou que satildeo dispensadas posturas diferentes para aqueles identificados como ldquopobres dignosrdquo e ldquopobres viciososrdquo Aos primeiros satildeo destinadas intervenccedilotildees que ldquofortalecem os valores morais e preceitos religiosos por pertenceram a uma classe mais vulneraacutevel aos viacutecios e as doenccedilasrdquo Jaacute para os segundos por natildeo pertencerem ao ldquomundo do trabalhordquo satildeo vistos como ldquoportadores de delinquumlecircncia libertinos maus pais e vadiosrdquo
Essa ideologia natildeo se encontra somente no discurso do poder puacuteblico sobre as classes
populares mas tambeacutem na forma como esses indiviacuteduos se reconhecem frente ao so-
cial No ldquoFoacuterum Trabalho e Juventude em Acarirdquo percebemos grande frequecircncia desse
discurso na fala de educadores lideranccedilas comunitaacuterias e familiares no que tange o
lugar que o trabalho ocupa na vida dos jovens O trabalho por diversas vezes eacute citado
como um artifiacutecio de dignificaccedilatildeo humana capaz de elevar a autoestima e de impedir o
jovem de ldquose misturarrdquo agraves maacutes companhias
Quanto agrave educaccedilatildeo formal cabe dizer que as escolas puacuteblicas no entorno de Acari se-
gundo as famiacutelias e os proacuteprios jovens funcionavam de modo bastante precaacuterio tanto
em termos de infraestrutura quanto da qualidade do ensino Aleacutem disso era comum
fazerem referecircncia agrave presenccedila de drogas e violecircncia nesses espaccedilos reforccedilando o sen-
timento de inseguranccedila dos moradores Esse esvaziamento da instituiccedilatildeo escolar pode
ser exemplificado com a fala de uma jovem ldquona escola vocecirc entra burro e sai bandidordquo
Desse modo a escassez de outras instituiccedilotildees que possam ldquoocuparrdquo e oferecer algum
aprendizado aos jovens na localidade eacute frequumlentemente enunciada pelos moradores
ldquoOs jovens que procuram ocupaccedilatildeo [cursos em Acari] tem que pagar e a maioria natildeo tem condiccedilatildeordquo (fala da matildee de duas jovens)
ldquoAqui na redondeza natildeo tem trabalho para os jovens a uacutenica coisa que tem pra eles aqui eacute forroacuterdquo (fala da avoacute de uma jovem)
Odiscursopoliacutetico
Embora em menor proporccedilatildeo um discurso mais politizado tambeacutem pocircde aparecer
principalmente nas falas daqueles mais articulados e que exerciam participaccedilatildeo poliacutetica
direta em Acari como os liacutederes comunitaacuterios Este discurso versava sobre os niacuteveis
econocircmicos sociais e poliacuteticos buscando sempre marcar o dever e a participaccedilatildeo (ou
147Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
ausecircncia) do Estado e da sociedade nas problemaacuteticas atuais Sobrepotildee-se ao discurso
familiarista uma vez que relacionava as questotildees do campo pessoal com o campo so-
cial Nesse sentido favorecia a organizaccedilatildeo coletiva e a luta pela cidadania
ldquoOs jovens natildeo estatildeo trabalhando porque os oacutergatildeos de alto niacutevel natildeo datildeo oportunidadesrdquo (fala do pai de um jovem)
ldquoSe a gente se organizar pra mudar a gente muda O direito era para ser igual mas natildeo eacuterdquo (fala de uma liacuteder comunitaacuteria)
Oestigmacomoobstaacuteculoagraveprocuradetrabalho
Historicamente as favelas tecircm sido consideradas espaccedilos tiacutepicos de concentraccedilatildeo da
pobreza da violecircncia e da criminalidade Esta representaccedilatildeo embora desmistificada nos
trabalhos de Valladares (1991 1999 2005) vem sendo reforccedilada pela miacutedia contri-
buindo assim para a construccedilatildeo de uma visatildeo preconceituosa acerca destes espaccedilos e
seus respectivos moradores vistos como perigo social ameaccedila agrave ordem e agraves normas
vigentes
Segundo Goffman (1982) a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas fa-
zendo com que os ambientes sociais determinem quais indiviacuteduos podem ser encontra-
dos nos respectivos espaccedilos Nesse sentido os que residem nessas localidades passam
a ser vistos socialmente como uma grande massa homogecircnea O que ocorre portanto
eacute que apesar de uma parcela iacutenfima da populaccedilatildeo local atuar em atividades ilegais e cri-
minosas todo o conjunto dos moradores eacute afetado pelo preconceito social pois como
nos relatou uma moradora ldquoas pessoas de fora acham que aqui na favela soacute mora bandidordquo
De acordo com o discurso dos moradores essa estigmatizaccedilatildeo interfere diretamente
nas relaccedilotildees dos jovens com o ldquomundo do trabalhordquo apresentando-se como mais um
obstaacuteculo a ser vencido
ldquoOs jovens satildeo discriminados pelo endereccedilo no curriacuteculordquo (fala de uma educadora)
ldquoSe vocecirc mora na favela as pessoas te pichamrdquo (fala da matildee de duas jovens)
ldquoEu falo pro meu filho natildeo eacute porque a gente mora na favela que vocecirc eacute pior que o jovem da zona sulrdquo (fala da matildee de duas jovens)
148
Para fazer face ao estigma na procura de trabalho os moradores criam diversas taacuteticas de defesa tais como omitir seu endereccedilo em curriacuteculo ou fichas de emprego substituindo-o pelo endereccedilo de amigos ou parentes que residam fora da favela A identificaccedilatildeo de Acari como aacuterea sob o domiacutenio de uma determinada facccedilatildeo criminosa ndash no caso o Terceiro Comando ndash tambeacutem eacute algo que interfere na busca dos jovens por oportunidades de trabalho fora da favela
ldquoPor causa do comando o jovem tem medo de sair da favela arrumar estaacutegio forardquo
(fala de uma educadora)
Aleacutem do estigma de ldquoser faveladordquo haacute o preconceito racial que acaba contribuindo para uma baixa auto-estima dos jovens Vejamos como uma senhora tenta lidar com o racismo sofrido por seu neto que natildeo consegue trabalho fora de Acari
ldquoO importante eacute ser preto e direito Natildeo eacute porque vocecirc eacute pretinho natildeo mas vocecirc tem que estudarrdquo (fala da avoacute de um jovem)
Eacute importante assinalar que os jovens muitas vezes satildeo estigmatizados dentro da proacutepria
localidade fundamentalmente pela atuaccedilatildeo arbitraacuteria da poliacutecia Uma educadora que
trabalha num projeto com jovens da comunidade nos relata indignada o discurso de um
policial posicionado na entrada do estabelecimento Em tom de deboche o policial re-
ferindo-se aos jovens do projeto lhe perguntou ldquoQuantos desses aiacute satildeo infratores Essa
instituiccedilatildeo soacute trabalha com infratorrdquo Este fato vem de encontro com uma pesquisa19 re-
alizada sobre a juventude carioca que demonstrou que as relaccedilotildees dos policiais com os
jovens pobres satildeo vistas por estes como relaccedilotildees de desrespeito agressatildeo e humilhaccedilatildeo
ldquoSorte do jovem se o policial for com a cara delerdquo (fala da matildee de duas jovens)
Situaccedilotildees que exemplifiquem esta loacutegica satildeo frequumlentes em Acari evidenciando uma
inversatildeo no papel que em tese deveria ter a instituiccedilatildeo policial Enquanto agente do
19 Esta pesquisa - intitulada ldquoJuventude violecircncia e cidadania no municiacutepio do Rio de Janeirordquo e publicada em livro sob o tiacutetulo ldquoFala Galerardquo - eacute uma parceria entre UNESCO FIOCRUZ Instituto Ayrton Senna e Fundaccedilatildeo Ford e teve como objetivo central analisar o sentido que os jovens cariocas pertencentes a distintos estratos socio-econocircmicos atribuem agrave juventude agrave violecircncia e agrave cidadania especialmente no acircmbito de seu cotidiano familiar escolar e de sociabilidade
6 R
149Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
Estado a poliacutecia ao inveacutes de proteger os moradores comuns abusa de sua autoridade
praticando accedilotildees de violecircncia e humilhaccedilatildeo que atingem em especial os jovens Con-
forme afirmam os moradores os policiais natildeo sabem diferenciar ldquobandidordquo e ldquotraba-
lhadorrdquo tratando todos como marginais em potencial Em livro que mistura realidade
e ficccedilatildeo Ronaldo Alves escritor nascido e criado na Rocinha relata que para a poliacutecia
nas favelas ldquotodos os pobres os negros e os que satildeo encontrados sem carteira profissio-
nal ldquoassinadardquo- prova irrefutaacutevel de homem decente ndash seratildeo eternamente suspeitosrdquo 20
Diante de sua vulnerabilidade acrescida do medo de represaacutelias muitos moradores
aconselham seus filhos a natildeo saiacuterem de casa sem o documento de identidade ou a car-
teira escolar na esperanccedila que estes possam lhes conferir alguma proteccedilatildeo no caso de
serem abordados por policiais evitando assim as possiacuteveis agressotildees e humilhaccedilotildees
Portanto percebemos que a estigmatizaccedilatildeo eacute um problema de muitas faces com efeitos
muacuteltiplos no campo social poliacutetico e cultural Por um lado vimos que o estigma age
diretamente na vida desses jovens produzindo efeitos de reclusatildeo e isolamento tornan-
do-os receosos muitas vezes de ldquosair da favelardquo em busca de outras oportunidades de
trabalho e estilos de vida Por outro lado este processo implica num reconhecimento
social negativo destes jovens Na medida em que satildeo reconhecidos na categoria de sus-
peitos esse reconhecimento os invalida envergonha e humilha (Carreteiro 2001)
Otraacuteficodedrogascomoldquoopccedilatildeordquo
Para os moradores trabalhar para o traacutefico de drogas surge como uma alternativa muito
atraente para os jovens de Acari que por diversos fatores se sentem solitaacuterios e impo-
tentes na tentativa de dirimir esse poder de atraccedilatildeo Entretanto como podemos verifi-
car satildeo bastante distintas as motivaccedilotildees desses jovens assim como as accedilotildees referidas
como preventivas agrave sua entrada para o ldquomovimentordquo
ldquoOs jovens entram pro traacutefico por causa das condiccedilotildees financeiras da famiacuteliardquo
(fala de um educador)
20 Referimo-nos ao livro O bandido e outras histoacuterias da Rocinha publicado pela Editora Sette Letras 1997
150
ldquoFome e desemprego satildeo as causas principais Viver com dignidade evita a entrada do jovem no traacuteficordquo (fala de uma liacuteder comunitaacuteria)
ldquoAs crianccedilas natildeo tecircm uns trocados os outros vatildeo ver ele chegar com uns trocados e vatildeo querer tambeacutemrdquo (fala da avoacute de um jovem)
ldquoA uacutenica condiccedilatildeo de lutar contra o traacutefico de drogas eacute investir nos jovens dentro das comunidadesrdquo (fala de um educador)
ldquoEles entram [para o traacutefico] pra ter famardquo (fala de uma liacuteder comunitaacuteria)
ldquoO trabalho deles [os policiais] hoje aqui eacute ateacute levar esses garotos pro traacuteficordquo
(fala da matildee de duas jovens)
De modo geral as principais motivaccedilotildees dos jovens a participarem das atividades do
traacutefico relatadas foram 1)- a possibilidade de ganho financeiro ldquoalto raacutepido e faacutecilrdquo
reforccedilada pelo desemprego generalizado e as dificuldades de inserccedilatildeo no mercado de
trabalho formal 2)- o sentimento de pertenccedila a um grupo com coacutedigos proacuteprios e 3)-
uma manifestaccedilatildeo de revolta diante do preconceito social e da accedilatildeo violenta e arbitraacuteria
da poliacutecia na favela Mesmo sabendo que como nos disse um morador ldquoquem entra
natildeo sai soacute pra morrerrdquo parece-nos que os riscos reais natildeo satildeo ao menos de forma cons-
ciente muito considerados pelos jovens no momento de sua entrada no traacutefico
Conforme podemos notar o ingresso dos jovens no traacutefico de drogas pode ser analisado
por muacuteltiplos aspectos Destacaremos nesse trabalho um duplo aspecto Em primeiro
lugar a desvalorizaccedilatildeo do trabalho honesto como via de ascensatildeo social pois como
diz Cenoura personagem do romance ldquoCidade de Deusrdquo de Paulo Lins ldquosoacute os otaacuterios
trabalham com a certeza de que nunca vatildeo desfrutar das coisas boas da vidardquo Como aponta
Zaluar (1994) os jovens explicitam uma rejeiccedilatildeo ao tipo de vida dos pais e avoacutes vistos
entatildeo como ldquootaacuteriosrdquo e passam a negar e evitar seguir a mesma trajetoacuteria Em segun-
do lugar o reconhecimento que os traficantes adquirem na comunidade tanto pelo
poder que dispotildeem quanto pela forccedila que impotildeem atraveacutes de execuccedilotildees exemplares
do inimigo Natildeo eacute agrave toa que o traficante chefe do comeacutercio local de drogas eacute chamado
pelos moradores de ldquoo dono da favelardquo Afinal como afirma Alvito (2001 p 219) ldquosua
importacircncia natildeo deriva apenas do poder que ele deteacutem por vezes superestimado mas
daquilo que sintetiza que simbolizardquo
151Trabalho e juventude em Acari criando dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo
Expressando um certo fasciacutenio com a figura do traficante os meninos demonstram de
diversas formas o desejo de serem reconhecidos socialmente Pela ausecircncia ou presen-
ccedila enfraquecida de instituiccedilotildees sociais em Acari que lhe confiram o reconhecimento de
sua alteridade este desejo acaba encontrando mais facilmente respaldo nas malhas do
traacutefico de drogas local De acordo com Carreteiro (2002) ldquoignorar os sujeitos significa
ausecircncia de reconhecimento uma vez que eles se sentem deixados de lado abandona-
dos agrave proacutepria sorte Associado agrave reestruturaccedilatildeo econocircmica esse sentimento de desam-
paro favoreceu o estabelecimento de atores alternativos que se fortaleceram nas aacutereas
em que ocorreu debilitaccedilatildeo do poder do Estado Nos territoacuterios esquecidos em seus
direitos de cidadania o traacutefico de drogas () ganhou amplitude significativardquo
No que tange as accedilotildees preventivas agrave inserccedilatildeo desses jovens nas malhas tatildeo proacuteximas do
traacutefico de drogas e agrave sua marginalizaccedilatildeo Zaluar (1996 p 55) traz agrave luz uma importante
reflexatildeo
ldquoA imagem do menino favelado que com uma Ar-15 ou metralhadora UZI na matildeo as quais considera como siacutembolos de sua virilidade e fonte de grande poder local com um boneacute inspirado no movimento negro da Ameacuterica do Norte ouvindo muacutesica funk cheirando cocaiacutena produzida na Colocircmbia ansiando por um tecircnis Nike do uacuteltimo tipo e um carro do ano natildeo pode ser explicada para simplificar a questatildeo pelo niacutevel do salaacuterio miacutenimo ou pelo desemprego crescente no Brasil nem tampouco pela violecircncia costumeira do sertatildeo nordestinordquo
Atraveacutes das temaacuteticas aqui explicitadas concluiacutemos que o ldquoFoacuterum Trabalho e Juventude
em Acarirdquo possibilitou uma ampla discussatildeo entre os diversos segmentos da comuni-
dade local familiares jovens educadores e liacutederes comunitaacuterios Muitos projetos des-
tinados aos jovens desenvolvidos na localidade foram divulgados e debatidos por todos
que estavam presentes multiplicando a rede de informaccedilotildees num local em que a ldquolei
do silecircnciordquo imperava Aleacutem disso pessoas que natildeo se falavam por desavenccedilas poliacuteticas
e histoacutericas dentro da comunidade puderam estabelecer maiores contatos e expor seus
pontos de vista sobre as temaacuteticas que foram relatadas
Outro aspecto relevante que podemos destacar no que tange a relaccedilatildeo entre juventude e
trabalho eacute o lugar que o trabalho ocupava para esses indiviacuteduos Nos segmentos sociais
menos favorecidos o trabalho representa muito mais do que a possibilidade de prover o
sustento familiar Ele confere uma identidade social de pertencimento e reconhecimen-
152
to institucional conforme nos relata um jovem ldquoDeveria ter mais instituiccedilotildees para acolher
os jovens que ficam sem fazer nada e sem ter outros deveresrdquo
Essas questotildees nos possibilitou criar novos dispositivos de reflexatildeo e intervenccedilatildeo junto
aos moradores da localidade Como um prosseguimento deste Foacuterum nos aprofunda-
mos no tema da relaccedilatildeo entre trabalho e juventude em Acari com a criaccedilatildeo de um outro
projeto - intitulado ldquoOficina de Viacutedeordquo - direcionado aos jovens e utilizando o recurso au-
diovisual como disparador de discussotildees Os jovens aleacutem de aprenderem a filmar criar
cenografia e atuar trazendo sempre a realidade e o cotidiano na qual estatildeo inseridos
puderam refletir de modo mais concreto sobre seus projetos e suas histoacuterias de vida
Consideramos que a utilizaccedilatildeo de equipamentos audiovisuais pode ser um importante
instrumento para a criaccedilatildeo de novos espaccedilos de sociabilidade em locais desfavorecidos
socialmente pois conforme relatamos estas pessoas tinham pouco espaccedilo e oportuni-
dade de refletir sobre seus projetos de vida incluindo o projeto profissional
Para concluir o dispositivo do Foacuterum permitiu envolver vaacuterios segmentos da localidade
para debater questotildees relativas a juventude junto com os jovens Ele permitiu confron-
tar ideacuteias mobilizar estereoacutetipos buscar potencializar novas parcerias entre os diversos
atores para pensar imaginar e projetar novos horizontes para os jovens que levassem
em conta os recursos nas dimensotildees institucionais poliacuteticas familiares
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154
155 De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
LuizFelipeCasteloBrancodaSilva
MariaFaacutetimaOlivierSudbrack
Nesta pesquisa21 objetivou-se estudar a expressatildeo da demanda espontacircnea para tratamen-
to em sujeitos abusadores e dependentes de aacutelcool no contexto do acolhimento
de um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e outras Drogas em Brasiacutelia A opccedilatildeo
epistemoloacutegica se fundou na Epistemologia Qualitativa de Gonzaacutelez Rey Como re-
ferencial teoacuterico adotou-se a Teoria Sistecircmica complementada pelos pressupostos
da Entrevista Motivacional e o modelo Transteoacuterico dos Estaacutegios da Mudanccedila Uti-
lizou-se a metodologia da pesquisa qualitativa de Gonzaacutelez Rey Como instrumento
21 Texto baseado em Silva L F C B (2009) Do caacutelice que cala agrave escuta que liberta as expressotildees da demanda de abusadores e dependentes de aacutelcool no contexto do acolhimento em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e outras Drogas no Distrito Federal Dissertaccedilatildeo de mestrado em Psicologia Cliacutenica e Cultura Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia Orientadora Maria Fatima Olivier Sudbrack
2
156
utilizado optou-se pela entrevista semi-estruturada aplicada em nove sujeitos do sexo
masculino entre 30 e 51 anos de idade e de distintas classes soacutecio- econocircmicas Como
parte dos resultados verificou-se a demanda pela interrupccedilatildeo do ciclo de violecircncia
intrafamiliar mimetizado na dimensatildeo intergeracional e relacionado com o abuso ou
dependecircncia de bebidas alcooacutelicas dos pais
Introduccedilatildeo
A compreensatildeo da drogadiccedilatildeo enquanto fenocircmeno sustenta-se na consideraccedilatildeo da triacute-
ade na qual se tem um sujeito consumidor uma droga eleita que eacute consumida e um
contexto no qual o uso da mesma eacute realizado (Colle 2001 Kalina amp Kovadloff 1983
Olievestein 1985) No consumo de bebidas alcooacutelicas esta configuraccedilatildeo natildeo se revela
diferente exigindo-se a profunda compreensatildeo de cada um desses elementos em relaccedilatildeo
entre em si Quando se busca ampliar a consideraccedilatildeo do comportamento etilista para
aleacutem da diacuteade sujeito-bebida possibilita-se a contemplaccedilatildeo da dimensatildeo contextual
que pode estar situada no eixo horizontal ou vertical do sistema soacutecio-familiar Como
eixo horizontal pode-se compreender o contexto atual da famiacutelia enquanto o eixo ver-
tical refere-se agrave dimensatildeo histoacuterica das geraccedilotildees familiares (Penso Costa amp Ribeiro
2008)
A coesatildeo familiar eacute em parte mantida pela transmissatildeo de regras de valores e
de expectativas que podem ter diversos niacuteveis de visibilidade e que moldam formas de se
comportar de se situar no mundo e na vida Recebe-se em heranccedila tudo o que as
geraccedilotildees precedentes adquiriram fazendo de cada ser humano natildeo mais do que
um elo numa longa cadeia de transmissotildees que datam do primoacuterdio da humanida-
de (Prieur 1999) Natildeo obstante nesta heranccedila podem ser transmitidos padrotildees disfun-
cionais e nem sempre claramente perceptiacuteveis capazes de imprimir exigecircncias sutis e
dificilmente recusaacuteveis Como destacaram Nichols e Schwartz (1998) carrega-se onde
quer que se esteja a reatividade emocional natildeo resolvida com os pais sob a forma de
vulnerabilidades para mimetizar os mesmos antigos padrotildees em todo relacionamento
novo e intenso que se inicia
Diante de inuacutemeras evidecircncias em torno das influecircncias dos legados familiares de ou-
tras geraccedilotildees na famiacutelia atual constatou-se a fecundidade de estudos que exploraram
157De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
a dimensatildeo multigeracional - diversidade de geraccedilotildees anteriores - e intergeracional
- influecircncias entre geraccedilotildees familiares (Bowen 1991 Bucher-Maluschke 2008 Penso
amp Costa 2008) Destarte verificou-se coexistir um mimetismo do problema em geraccedilotildees
distintas o que ampliou o olhar em direccedilatildeo agrave verticalidade da presenccedila dos problemas
associados ao consumo de aacutelcool verificando-se a presenccedila de padrotildees transmitidos trans-
geracionalmente (Krestan amp Bepko 1995 Silva 2009 Steinglass 1997 Trindade 2007)
Entende-se que uma heranccedila pode se tornar uma escravidatildeo quando os padrotildees exigem
sacrifiacutecios capazes de comprometer a sauacutede mental dos herdeiros mesmo que estes
natildeo tenham consciecircncia disso No complexo movimento dialeacutetico de pertencimento e
separaccedilatildeo ampliado para o processo de transmissatildeo multigeracional estabelece-se a exis-
tecircncia de padrotildees herdados de geraccedilotildees anteriores para as seguintes que transferem
expectativas por meio de delegaccedilotildees e exigem lealdades no cumprimento das mesmas
A assimilaccedilatildeo das delegaccedilotildees desta heranccedila e lealdade na continuidade das mesmas
oferece elementos para a constituiccedilatildeo e manutenccedilatildeo da identidade individual e cole-
tiva dos membros familiares assim como podem gerar aprisionamentos em torno
de padrotildees que solapam a possibilidade de renovaccedilatildeo do funcionamento familiar Deste
modo a demanda percebida em alguns colaboradores da pesquisa revela-se no sentido
de buscar romper com padrotildees insalubres e promover possibilidades de novos niacuteveis
de autonomia
Meacutetodo
Este estudo apoiou-se na Epistemologia Qualitativa defendida por Gonzaacutelez Rey (2005)
que se funda em torno de trecircs princiacutepios 1) o conhecimento eacute uma produccedilatildeo
construtivo- interpretativa o que significa afirmar que o conhecimento natildeo traduz
a somatoacuteria de fatos definidos por constataccedilotildees imediatas do momento empiacuterico
A interpretaccedilatildeo se caracteriza enquanto um processo no qual o pesquisador integra
reconstroacutei e apresenta em construccedilotildees interpretativas indicadores obtidos no decor-
rer da pesquisa que natildeo possuiriam sentido se fossem tomados isoladamente como
constataccedilotildees empiacutericas 2) o caraacuteter interativo do processo de produccedilatildeo do conhe-
cimento que aponta que as relaccedilotildees pesquisador-pesquisado satildeo uma condiccedilatildeo para o
desenvolvimento das pesquisas nas ciecircncias humanas A dimensatildeo interativa eacute essencial
no processo de produccedilatildeo de conhecimentos revelando-se as relaccedilotildees entre os envolvidos
no processo de construccedilatildeo da informaccedilatildeo o principal cenaacuterio da pesquisa e 3) a signifi-
158
caccedilatildeo da singularidade como niacutevel legiacutetimo da produccedilatildeo do conhecimento Este
aspecto ressalta um resgate da singularidade enquanto fonte legiacutetima de conhecimen-
to cientiacutefico Dessa maneira o conhecimento cientiacutefico diante da perspectiva qualitativa
natildeo se destaca pela quantidade de sujeitos a serem estudados mas pela qualidade de
sua expressatildeo
A pesquisa aconteceu em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial Aacutelcool e outras Drogas
do Distrito Federal no contexto do acolhimento deste serviccedilo Utilizou-se uma en-
trevista semi- estruturada com nove homens de idades entre 30 e 51 anos que buscaram
o serviccedilo volitivamente em decorrecircncia do alcoolismo As entrevistas foram gravadas e
degravadas mediante autorizaccedilatildeo por escrito dos participantes A discussatildeo dos dados
baseou-se na anaacutelise de discurso advogada por Gonzaacutelez Rey (2005) resultando portan-
to na construccedilatildeo de indicadores e zonas de sentido
Os participantes da pesquisa foram selecionados entre os usuaacuterios que chegaram ao
serviccedilo pela primeira vez a partir de demanda espontacircnea com histoacuterico de abuso e
dependecircncia de bebidas alcooacutelicas nos uacuteltimos 2 anos natildeo ter associado ao problema
com o aacutelcool consumo de drogas iliacutecitas nos uacuteltimos 10 anos e ter assinado o termo de
consentimento livre e esclarecido
Discussatildeodosresultados
Da anaacutelise dos achados percebeu-se existir o pedido pela interrupccedilatildeo de ciclos de
violecircncia intrafamiliar que se reproduziram em distintas geraccedilotildees familiares provocan-
do lembranccedilas dolorosas como a brutalidade do paipadrasto ser receptaacuteculo da violecircncia
materna e tornar-se reprodutor da violecircncia sofrida poreacutem sem desejaacute-lo As discussotildees
das informaccedilotildees obtidas nesta pesquisa estatildeo dispostas na sequecircncia
1) ldquoO que me machuca mais eacute a lembranccedilardquo trajetoacuteria de vida marcada pela violecircncia intrafamiliar pela negligecircncia e pelo desamparo
Nas histoacuterias reconstituiacutedas a partir das narrativas dos participantes da pesquisa perce-
beu- se a presenccedila do consumo de bebidas alcooacutelicas (BA) no subsistema parental
Notou-se a existecircncia de pais e matildees habituados com padrotildees de consumo suficientes
159De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
para a produccedilatildeo no miacutenimo de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica O padratildeo abusivo ou dependente
do consumo de BA feita por estes pais natildeo apenas foi apontado como fator influencia-
dor do iniacutecio do consumo dos filhos Tambeacutem revelou indiacutecios de repercussotildees negativas
no acircmbito familiar no qual os participantes da pesquisa foram criados uma vez que os
pais alcoolistas natildeo puderam cumprir com seus papeacuteis para com os filhos
Para Minuchin e Fishman (1985) a famiacutelia representa o contexto natural para crescer
e para receber auxiacutelio Caracteriza-se tambeacutem pelo locus no qual os indiviacuteduos receberatildeo
apoio para a individuaccedilatildeo sem perda do sentimento de pertencimento Na famiacutelia os
filhos tecircm o direito de serem cuidados protegidos e socializados internalizando regras e
valores assim como estilos de enfrentamento de conflitos e de negociaccedilatildeo dos mesmos
As famiacutelias assumem ou renunciam suas funccedilotildees de acordo com as necessidades cultu-
ras ou conforme a capacidade psiacutequica e maturidade de seus membros
Para Krestan e Bepko (1995) o nascimento de um primeiro filho pode despertar antigos
conflitos conjugais ou mais antigos do que o advento do matrimocircnio e ainda natildeo resolvi-
dos Essa sensaccedilatildeo de inabilitaccedilatildeo para lidar com as responsabilidades pela criaccedilatildeo
dos filhos pode desencadear um quadro de futuro alcoolismo como forma de lidar com
a erupccedilatildeo dessas questotildees conflituosas Considerando-se a presenccedila de pais alcoolistas
as funccedilotildees dos mesmos para com os filhos ficam prejudicadas De acordo com Gomes
Deslandes e Veiga (2002) os problemas associados ao consumo de BA podem pro-
vocar comportamentos agressivos negligecircncia e abandono dos cuidados com os proacute-
prios filhos Tambeacutem representa fator de risco para maus-tratos contra crianccedilas (Ramos amp
Oliveira 2008) Diversas evidecircncias empiacutericas apontam para o fato que o consumo de
BA no acircmbito familiar potencializa a ocorrecircncia de conflitos interpessoais desen-
tendimentos familiares e afetivos separaccedilatildeo de casais abuso fiacutesico e sexual homiciacutedio
suiciacutedio e envolvimento em manifestaccedilotildees de violecircncia no acircmbito intrafamiliar (Peluso
amp Blay 2008)
Das narrativas apresentadas pelos participantes destacou-se a trajetoacuteria de vida na qual
a violecircncia se revelou recorrente Natildeo raramente a cultura do beber associada agrave violecircncia
vitimou matildees irmatildeos e os proacuteprios sujeitos Embora a ecircnfase na modalidade de violecircncia
fiacutesica tenha sido destaque na fala dos colaboradores natildeo significa afirmar que outros tipos
de violecircncia natildeo tenham ocorrido ldquo() problema mesmo assim familiar neacute () soacute mes-
160
mo que meu pai me batia em mim e na minha matildee eacute soacute isso ai (JEOVAacute) na metodologia eacute
preciso dizer se os nomes satildeo fictiacutecios ou natildeo
De acordo com Guerra (2001) reconhecem-se quatro tipos de violecircncia domeacutestica
violecircncia sexual violecircncia fiacutesica violecircncia psicoloacutegica e negligecircncia A primeira caracteri-
zar-se- ia como toda accedilatildeo ou jogo sexual relaccedilatildeo hetero ou homossexual entre um ou mais
adultos e uma crianccedila ou adolescente tendo por objetivo estimular sexualmente esta
crianccedila ou adolescente ou utilizaacute-lo para lograr estimulaccedilatildeo sexual sobre sua pessoa
ou de terceiro Embora esta manifestaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica natildeo tenha sido ver-
balizada deve-se considerar que por sua natureza normalmente assume a dimensatildeo
de segredo familiar expressando-se de forma camuflada (Ramos amp Oliveira 2008)
Adicionalmente existem correlaccedilotildees significativas entre o histoacuterico de abuso sexual e o
consumo posterior de drogas e aacutelcool (Bastos Bertoni amp Hacker 2005) assim como o
consumo de BA atua como fator de risco para abuso sexual (Chavez Ayala et al 2009)
A violecircncia fiacutesica de acordo com Guerra (2001) revela-se enquanto conceito controver-
so Existem segmentos que afirmam tratar-se de atos que resultam em danos fiacutesicos agraves
viacutetimas Outras correntes a definem como todo ato capaz de causar no miacutenimo dor
fiacutesica nas viacutetimas Sem embargos esta praacutetica constitui-se como uma das principais
causas de mortalidade de crianccedilas e adolescentes em todo mundo (Gomes et al 2002)
Em situaccedilotildees nas quais a praacutetica de violecircncia fiacutesica natildeo resulta em oacutebito ela produz
marcas no corpo que se tornam registros eternizados na pele dos vitimados que po-
deratildeo ativar lembranccedilas e o sofrimento vivenciado configurando-se em uma contiacutenua
tortura psiacutequica que poderaacute solapar as potencialidades de realizaccedilatildeo dessas viacutetimas na
vida Essas consequumlecircncias danosas se amplificam quando existe a presenccedila da violecircncia
psicoloacutegica e a negligecircncia associada agrave anterior Para Ballone e Ortolani (2002) e Guerra
(2001) a violecircncia psicoloacutegica se caracterizaria pelos atos de depreciaccedilatildeo de hu-
milhaccedilatildeo de discriminaccedilatildeo de chantagens e xingamentos cujos efeitos podem causar
danos emocionais para o resto da vida Enquanto a negligecircncia se define como atos de
omissatildeo dos pais agraves necessidades dos filhos quanto agrave alimentaccedilatildeo condiccedilotildees de vida
educaccedilatildeo carinho (Lippi 1985) Essas desassistecircncias satildeo capazes de provocar danos du-
radouros no psiquismo das viacutetimas
Em uma das narrativas apresentou-se o histoacuterico de um dos participantes que quase
teve seu braccedilo decepado pelo padrasto quando crianccedila Olhar para a marca no braccedilo
161De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
feita por um padrasto alcoolizado ativava a memoacuteria de cenas doloridas e recalcitrantes
em desaparecer Esta reiteradamente comparecia no relato da histoacuteria da marca no
braccedilo como se a reproduccedilatildeo do contar e recontar o ocorrido pudesse estar promovendo
alguma cicatrizaccedilatildeo em feridas natildeo mais no braccedilo mas enraizadas na interioridade da-
quele ser humano ldquoEsse corte aqui eu devia ter uns 10 ou 11 anos Viu Esse corte aqui
degolou meu braccedilo assim e eu dei sorte que num cortou num num num decepou o
nervo () o tamanho disso maior que os peacutes () E aiacute eu o que me machuca mais eacute a
lembranccedilardquo (SOacuteCRATES)
2) Receptaacuteculo da violecircncia materna
Em outras situaccedilotildees os participantes revelaram situaccedilotildees na infacircncia nas quais servi-
ram como receptaacuteculo no qual as matildees descontentes com a vida ou com os maridos
violentos e alcoolistas descarregavam seu sofrimento em forma de violecircncia fiacutesica ou
verbal Eles assumiam esse papel de aliviar a tensatildeo dessas matildees aceitando a violecircncia
depositada neles ldquo() eu sofri muito apanhei muito ela me bateu muito mas eu natildeo
culpo ela de nada ()batia batia de fio eleacutetrico batia de cinto ()Eu acho que ela
me batia mais sem necessidade Me bateu muitas das vezes sem precisatildeo Sem
precisatildeo mas eu tambeacutem natildeo culpo ela natildeo porque porque tenho que pensar o
seguinte minha matildee era soacute cheio de fiacute tinha um marido becircbado desgramado
dentro de casa Que soacute vivia judiando dela que soacute dava pra pinga que soacute dava pra
Caracu que soacute dava pra jogo entendeu Eacute E ela e ela era bem pobrezinha
do Maranhatildeo gente pobre vocecirc sabe como eacute A pessoa se esquentura (SOacuteCRATES)
Ao inveacutes dos pais cumprirem as tarefas de proteccedilatildeo e cuidados dos filhos estes assumiam
o lugar daqueles que passavam a servir como amortecedores da tensatildeo intrafamiliar Esta
inversatildeo passa a ser a regra Os filhos ficam sobrecarregados ao ponto de tornarem-se
impedidos de ser crianccedila Tornam-se crianccedilas com responsabilidades adultas (Krestan amp
Bepko 1995) cuidando de pais pueris e imaturos que possivelmente natildeo receberam
os devidos cuidados quando crianccedilas fenocircmeno este denominado parentalizaccedilatildeo ou
papel de filho parental (Boszormenyi-Nagy amp Spark 2008 Penso 2003) A possibili-
dade de ruptura da famiacutelia (separaccedilatildeo dos pais em virtude dos problemas associados ao
consumo de BA e agrave violecircncia por exemplo) mobiliza algo ou algueacutem que promova um
adiamento dessa desconstituiccedilatildeo familiar Assim um dos filhos eacute eleito como aquele
que assumiraacute essa tarefa Esta situaccedilatildeo evoca o conceito de triangulaccedilatildeo de Bowen (1976)
162
que se refere a um sistema de interaccedilatildeo entre trecircs pessoas Segundo ele quando um par
apresenta um niacutevel de ansiedade proacuteximo ao insuportaacutevel um dos membros da diacuteade
elege um terceiro como reforccedilo
A diacuteade original passa a se constituir como triacuteade a qual natildeo raramente deixa um dos
componentes originais do par do lado de fora da nova configuraccedilatildeo Natildeo obstante
Guerin Fay Burden e Kauto (1987) destacam que a formaccedilatildeo de triacircngulos pode ocor-
rer natildeo apenas da maneira anteriormente destacada Eles apontam adicionalmente
a possibilidade de uma terceira pessoa sensibilizada com a ansiedade de um dos
membros da diacuteade ou com o conflito neste sistema mover-se em direccedilatildeo aos envolvi-
dos para oferecer-se como apaziguador ou aliado de uma das partes Independentemente
da maneira como as relaccedilotildees triangulares se formam todas tecircm o objetivo de reduzir ou
aplacar a ansiedade inicial
No entanto embora haja uma reduccedilatildeo nos sentimentos desestabilizadores do sistema
o conflito permanece congelado sem atingir uma resoluccedilatildeo efetiva (Nichols Schwartz
1998) Nos casos onde um dos filhos eacute envolvido na triangulaccedilatildeo o processo de diferen-
ciaccedilatildeo deste membro fica prejudicado Uma vez fusionado com a matildee por exemplo um
filho que procure se emancipar de sua famiacutelia sem deixar de pertencer agrave mesma
vecirc-se em um conflito de lealdade A desvinculaccedilatildeo do triacircngulo e a busca por au-
tonomia significaria trair os pactos acordados sutilmente no seio familiar Desse
modo existe o sacrifiacutecio da proacutepria vida em nome das expectativas depositadas ou
ldquovolitivamenterdquo assumidas por este membro familiar para que haja minimizaccedilatildeo da
ansiedade no sistema familiar e se mantenha a coesatildeo deste
3) Tornar-se reprodutor da violecircncia sofrida mas sem desejaacute-lo
Quando a triangulaccedilatildeo constituiacuteda natildeo se revela com capacidade suficiente para lidar com
a ansiedade presente no intuito de abrangecirc-la ou dissipaacute-la haacute o aparecimento de
formaccedilotildees triangulares adicionais denominados como triacircngulos imbricados (Bowen
1976) ou triacircngulos justapostos (Andres 1971 citado por Nichols amp Schwartz 1998)
De acordo com esses autores a inserccedilatildeo contiacutenua de novas pessoas na triangulaccedilatildeo
inicial produz muacuteltiplas triangulaccedilotildees que formam uma tessitura caoacutetica e caracte-
rizada por sobreposiccedilotildees de triacircngulos de difiacutecil observaccedilatildeo A meta deste muacuteltiplo
envolvimento se inscreveria com o mesmo objetivo de apartar a ansiedade familiar A
163De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
imaturidade dos filhos em terem que assumir o papel de continecircncia aos anseios dos
pais imaturos associada agrave insustentabilidade de ser receptaacuteculo amortecedor da
violecircncia intrafamiliar e o lidar com as questotildees edipianas produzidas pela intensa fusatildeo
entre matildee e filho resultaria na necessidade de inclusatildeo de um novo elemento na triangu-
laccedilatildeo inicial
Nestes termos pode-se dizer que a nova inserccedilatildeo natildeo se restringiria necessariamente a
uma nova pessoa podendo se direcionar para outros elementos Desta maneira com-
preendeu-se do empiacuterico que o consumo de BA disponibilizou-se como elemento de uma
nova triangulaccedilatildeo O ato de beber excessivamente compreendido enquanto sintoma fa-
miliar instalar-se-ia em situaccedilotildees nas quais a ansiedade familiar se encontrasse elevada
excedendo-se a capacidade do sistema familiar de ligaacute-lo ou neutralizaacute-lo (Bowen 1974)
O esquecimento provocado pela BA seria uma forma apresentada de lidar com o in-
suportaacutevel da relaccedilatildeo familiar ldquoQuando quando eu bebo eu natildeo lembro de nada A
minha bebida eacute uma bebida que eu esqueccedilo de tudordquo (TESEU) ldquoAh a gente a
gente esquece das coisas neacute A gente esquece dos problemas se tu tiver algum
problema tu esquece vocecirc se sente mais animado pra fazer alguma coisa eacute diferente
demaisrdquo (AKHENATOacuteN)
Durante anos o beber serviu ou serve como um regulador auxiliar ateacute que os filhos se tor-
nam como os pais atores reprodutores de violecircncia natildeo tendo mais no beber um aliado
mas um gatilho para a repeticcedilatildeo do ciclo de violecircncia vivenciado durante anos Este
padratildeo se reproduz na proacutepria famiacutelia e aquele que era viacutetima se transparece em al-
goz e fiel cumpridor dos padrotildees vividos e condenados no passado A teoria sistecircmica
contribuiu para o pensamento humano no sentido de direcionar o foco para aleacutem das
personalidades individuais redescobrindo a interconectividade fundamental da condi-
ccedilatildeo humana Neste sentindo algumas perspectivas contribuiacuteram para a teoria e a praacute-
tica do trabalho com os sistemas soacutecio-familiares Conhecidas como terapias familiares
intergeracionais (Elkaiumlm 1998) as propostas contidas nesses modelos compreensivos
e interventivos pressupotildeem que as famiacutelias possuem uma histoacuteria que extrapola a fa-
miacutelia nuclear e envolve a famiacutelia extensa (Penso Costa amp Ribeiro 2008) As questotildees
que aparecem em uma geraccedilatildeo podem passar para uma geraccedilatildeo seguinte de outra forma
mas mantendo-se um padratildeo das famiacutelias repetirem a si mesmas (Carter amp McGoldrick
2007) Estas heranccedilas recebidas contemplam tanto aspectos positivos quanto negativos
(Boszormenyi-Nagy 1986) O patrimocircnio herdado em sua vertente positiva serviria para
164
assegurar a sobrevivecircncia transgeracional assim como facilitar a sobrevivecircncia huma-
na Em sua dimensatildeo negativa caracterizar-se-ia pela heranccedila de padrotildees disfuncionais
(Bucher-Maluschke 2008) Dessa maneira o patrimocircnio dos problemas associados ao
consumo de aacutelcool e da violecircncia seriam exemplos de padrotildees transferiacuteveis ao longo
das geraccedilotildees
Na busca de compreender este fenocircmeno de mimetismo de padrotildees intergeracio-
nais Bowen (1974) desenvolveu o conceito de processo de transmissatildeo multigeracional
Segundo ele a famiacutelia eacute uma unidade emocional portanto um sistema cujo funciona-
mento afeta e eacute afetado por todos seus membros O padratildeo emocional da famiacutelia eacute trans-
mitido atraveacutes de muacuteltiplas geraccedilotildees onde todos os membros satildeo agentes e reagentes
dos problemas que surgem Para este autor todas as famiacutelias possuem dois processos
basilares que se influenciam mutuamente de maneira dialeacutetica Uma das forccedilas se
direciona para a uniatildeo das personalidades individuais no seio familiar enquanto a outra
visa o logro da individualidade e separaccedilatildeo da famiacutelia O desequiliacutebrio pendente para a
uniatildeo denominou ldquofusatildeordquo ldquoaglutinaccedilatildeordquo ou ldquoindiferenciaccedilatildeo do selfrdquo enquanto a capacida-
de de funcionamento autocircnomo estaria relacionada agrave maior diferenciaccedilatildeo do self
Quando essa indiferenciaccedilatildeo ocorre nas famiacutelias de origem - conceito de massa egoacuteico-
familiar indiferenciada - as relaccedilotildees se caracterizam pelo fusionamento emocional
destacada dificuldade de diferenciaccedilatildeo dos membros caos cognitivo coletivo e exces-
sivo apego (Bucher Maluschke 2008) Nestes termos os pais transmitiriam aos
filhos o equivalente ao niacutevel de maturidade ou imaturidade que alcanccedilaram por
meio de um processo denominado de projeccedilatildeo familiar sendo que o filho que eacute o
alvo do processo de projeccedilatildeo torna-se mais ligado aos pais e menos diferenciado em
termos de self enquanto os filhos menos envolvidos tenderiam a lograr niacuteveis mais
altos de diferenciaccedilatildeo (Bowen 1974)
De acordo com Boszormenyi-Nagy e Spark (2008) a manutenccedilatildeo dessas heranccedilas
recebidas por diversas geraccedilotildees ocorre por meio de lealdades invisiacuteveis compreendidas
como a existecircncia de um conjunto de expectativas familiares em torno da adesatildeo a certas
regras e padrotildees e orquestradas em torno de distribuiccedilatildeo de compromissos entre
todos os membros Esta distribuiccedilatildeo tambeacutem conhecida por delegaccedilatildeo2 implica na
execuccedilatildeo de tarefas missotildees encomendadas de forma inconsciente que estatildeo vincula-
das aos anseios do grupo familiar Seu cumprimento fiel defere prova de solidariedade e
165De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
compromisso agraves expectativas familiares aleacutem de conferir status de pertencimento agravequele
que se revela leal O seu contraacuterio se concentra naqueles que transgridem ao que foi dele-
gado podendo ocasionar a expulsatildeo do membro traidor (Simon Stierlin amp Wynne 1988)
Nestes termos o ciclo de violecircncia descrito pode ser pensado enquanto produto de redes
complexas de delegaccedilotildees lealdades invisiacuteveis projeccedilotildees familiares que exigem uma ma-
nutenccedilatildeo da tradiccedilatildeo familiar em seu eixo vertical (relativo agraves muacuteltiplas geraccedilotildees) Natildeo
obstante no niacutevel horizontal esta continuidade do ciclo de violecircncia pode encontrar ex-
pectativas natildeo condizentes com aquelas transmitidas transgeracionalmente Esta situa-
ccedilatildeo pode gerar conflitos de lealdade ocasionando percepccedilotildees estranhas sobre si mesmo
Em um dos participantes esta situaccedilatildeo revelou- se exemplar quando o mesmo destacou
existir uma espeacutecie de duplo dentro de si Um almeja mudar a relaccedilatildeo com o beber
e aquilo que o padratildeo abusivo ou dependente acarreta enquanto o outro parece servir
aos propoacutesitos de outra entidade ldquoE eu sei laacute a gente eu faccedilo forccedila aiacute pra natildeo ver
se natildeo daacute vontade gente parece que tem duas pessoas mas tem hora que daacute um
trem uma coisa esquisita dentro da gente a parece eacute duas duas pessoas dentro
de mim Uma hora eu falo que natildeo vou beber () Aiacute quando daacute quando eu penso que
natildeo jaacute taacute com um cigarro no dedo uma bebida na boca E isso que eacute chato demais ()rdquo
(AKHENATOacuteN)
Esta manifestaccedilatildeo de uma espeacutecie de duplo parece apontar para aspectos que falam
tanto de uma atualidade sofrida descrita pelos sujeitos mas tambeacutem parece enunciar
uma verdade encoberta Este duplo ldquoesquisitordquo dentro dessas pessoas adotando-se a
cosmovisatildeo sistecircmica aponta para realidades aleacutem do sujeito singular Esta realidade
traduz-se em uma constituiccedilatildeo interna que se manteacutem fiel aos padrotildees herdados na
contiacutenua verticalidade transgeracional que rivaliza com outra vertente que almeja a
possibilidade da mudanccedila A consideraccedilatildeo desta perspectiva amplia o conceito de
ambivalecircncia destacado por Miller e Rollnick (2001) descrito pelos mesmos enquanto
conflito de vontades entre a mudanccedila e a manutenccedilatildeo do comportamento disfuncional
No alcoolismo a pessoa deseja mudar sua relaccedilatildeo com o aacutelcool mas concomitan-
temente revela existirem fatores mantedores do comportamento ndash que geramcul-
minam (n)a ambivalecircncia Nestes termos entende-se que este fenocircmeno pode estar
vinculado a um conflito de lealdades visiacuteveis e portanto verbalizaacuteveis quanto invisiacuteveis
e perceptiacuteveis de forma indireta o que exige uma melhor consideraccedilatildeo deste fenocircmeno
no contexto terapecircutico
166
Diante do exposto o pedido em torno da questatildeo do ciclo de violecircncias se associa com a
preocupaccedilatildeo em torno da continuidade dos possiacuteveis prejuiacutezos para as novas geraccedilotildees
Existe o conhecimento sobre as perturbaccedilotildees advindas da experiecircncia trazida pelo ciclo
violento vivido com o padrasto que se encontra atuante no presente podendo afetar
negativamente as novas geraccedilotildees O pedido de ajuda parece se direcionar para o logro
de um barramento ou ruptura do ciclo violento com a finalidade de garantir uma vida
diferente para os filhos ldquoEle ganhava bem Ele fazia soacute feirinha e levava pra casa O
resto ele perdia tudo na sinuca e na bebida neacute () aquela onda de violecircncia dentro
de casa Eu acho que isso ajuda muito na destruiccedilatildeo da gente e dos filho da gente
sabia Que eacute o meu medo laacute dentro de casa Eacute por isso que eu procurei aqui ()
Eacute Porque eu fui criado com um padrasto que natildeo me dava nada soacute violecircncia
dentro de casa () Poxa eu eu num lugar que natildeo sou (referindo-se ao seu pai3
alcoolista e violento) padrasto sou pai e ficar dando lugar pra futuramente meus
filho ficar com o juiacutezo perturbado tambeacutemrdquo (SOacuteCRATES)
A busca por ruptura com aspectos de uma heranccedila transgeracional escravizante
e disfuncionalizante natildeo objetiva contudo o despertencimento o deixar de ser herdeiro
Implica na possibilidade de promoccedilatildeo de mudanccedilas produtoras de novas possibilidades
relacionais entre as geraccedilotildees e seus membros
Consideraccedilotildeesfinais
A busca volitiva por serviccedilos de CAPSad revelam demandas que natildeo se restringem agrave
simples mudanccedila da relaccedilatildeo do sujeito com a bebida alcooacutelica Nesses pedidos subjazem
diversos niacuteveis de solicitaccedilotildees que nem sempre satildeo compreendidas pelos profissionais de
sauacutede mental que atuam nesses serviccedilos A consideraccedilatildeo da dimensatildeo transgeracio-
nal oportuniza identificar a miriacuteade de disposiccedilotildees disfuncionais na forma como as
famiacutelias em que se tem um ou mais membros alcoolistas Possibilita perceber que
podem coexistir agrave dificuldade de mudanccedila do comportamento de beber abusivo ou
dependente a transmissatildeo e manutenccedilatildeo de padrotildees comportamentais que enges-
sam a possibilidade de novas formas de funcionamento familiar
Nestes termos entende-se que o processo de acolhimento deve almejar uma escuta que
natildeo se restrinja agrave descriccedilatildeo do sintoma do beber ou que tenha como uacutenico foco o bene-
167De escravo a herdeiro o pedido silencioso de alcoolistas no contexto do acolhimento
ficiaacuterio dos serviccedilos dos CAPS ad o sujeito singular Este deve ser compreendido como
um ser em relaccedilatildeo natildeo podendo seu sistema soacutecio-familiar ser excluiacutedo do processo de
compreensatildeo de suas questotildees e demandas no contexto do acolhimento A exemplo
disso se a violecircncia intrafamiliar pode ser compreendida enquanto resultante do be-
ber problemaacutetico o beber abusivo ou dependente pode servir como alternativa de para
lidar com feridas provocadas por histoacutericos de violecircncia posteriores e cuja dinacircmica eacute
transmitida para outras geraccedilotildees como uacutenica forma aprendida de lidar com situa-
ccedilotildees problema
Entende-se das falas dos participantes da pesquisa que existe o pedido para a interrup-
ccedilatildeo da atividade de padrotildees escravizantes transmitidos e mantidos atraveacutes das geraccedilotildees
familiares e pela construccedilatildeo de heranccedilas benfazejas para as proacuteximas geraccedilotildees na
linhagem familiar A consideraccedilatildeo desses aspectos poderaacute promover uma escuta
mais integralizadora e capaz de permitir que novas formas de vinculaccedilatildeo e relacio-
namento inter e intrafamiliar se dinamizem natildeo tendo no alcoolismo e nos padrotildees
violentos respostas de lidar com os desafios da vida
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171 Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
AdrianaBarbosaSoacutecrates
MariaFaacutetimaOlivierSudbrack
Introduccedilatildeo
A definiccedilatildeo do local de realizaccedilatildeo da pesquisa assunto do presente artigo ocorreu em
funccedilatildeo de uma parceria entre o Programa de Estudos e Atenccedilatildeo agraves Dependecircncias Quiacute-
micas - PRODEQUI do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura do
Departamento de Psicologia Cliacutenica da Universidade de Brasiacutelia e a Promotoria Espe-
cial Criminal do Ministeacuterio Puacuteblico do Distrito Federal e Territoacuterios do Juizado Especial
172
Criminal 22 E teve como propoacutesito a implementaccedilatildeo de um Projeto que previa a exe-
cuccedilatildeo de Grupos de Intervenccedilatildeo Psicossocial para usuaacuterios de drogas enquadrados no
Artigo 28 Lei 1134306 situados nos crimes de menor potencial ofensivo conforme a
Lei 909995 dos Juizados Especiais Criminais
Tratou-se portanto da execuccedilatildeo de um projeto piloto intitulado Intervenccedilatildeo Psicosso-
cial para jurisdicionados do MPDFT em cumprimento de medida de pena alternativa
pelo uso de drogas que previu em suas diretrizes accedilotildees mais eficazes de conscientiza-
ccedilatildeo acerca dos prejuiacutezos pessoais e sociais do uso de drogas por meio de medidas de
educaccedilatildeo e informaccedilatildeo operacionalizadas em dois momentos distintos Acolhimento
Psicossocial ndash AP e Grupos de Intervenccedilatildeo Psicossocial - GIP
Este artigo aborda o estudo no momento do Acolhimento Psicossocial do referido Pro-
jeto das experiecircncias subjetivas reveladas no envolvimento com a Justiccedila por uso de
drogas levando em consideraccedilatildeo o sujeito deste envolvimento e suas experiecircncias sub-
jetivas aqui consideradas como pessoal singular e com o social pelos caminhos possiacute-
veis E teve como objetivo verificar a hipoacutetese de que o envolvimento com a Justiccedila pode
ser um caminho capaz de propiciar experiecircncias subjetivas e o Acolhimento Psicosso-
cial pode ser uma possibilidade para esse caminho no contexto da Justiccedila
As informaccedilotildees relatadas neste estudo se legitimam pela capacidade dialoacutegica intriacutense-
ca neste contexto mesmo quando se verifica pouco ou nenhum espaccedilo no acircmbito da
Justiccedila para os envolvidos em processos serem ouvidos em seus discursos e razotildees E
certamente este foi um dos aspectos motivadores para a realizaccedilatildeo deste estudo jaacute que
a presenccedila da pesquisadora ocorreu em diferentes momentos na execuccedilatildeo do Projeto
designado como campo de pesquisa favorecendo inevitavelmente a existecircncia de um
espaccedilo de escuta e observaccedilatildeo
22 Texto baseado em Socrates A S (2008) Do sujeito agrave lei da lei ao sujeito- o revelar das experiecircncias subjetivas de envolvimento com a justiccedila por uso de drogas no contexto do acolhimento psicossocial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Psicologia Cliacutenica e CullturaUniversidade de Bras[ilia Orientadora Mara Fatima Olivier Sudbrcak
173Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
A definiccedilatildeo dos procedimentos para apreensatildeo e elaboraccedilatildeo das informaccedilotildees nesta
pesquisa representando os procedimentos de coleta e anaacutelise dos dados em pesqui-
sa qualitativa viabilizou a revelaccedilatildeo de experiecircncias dos sujeitos usuaacuterios de drogas
considerados como colaboradores deste estudo que obteve um espaccedilo de fala e de voz
para relatarem e significarem suas experiecircncias Nesse intuito elegeu-se como fonte
primaacuteria das informaccedilotildees as entrevistas semi-estruturadas realizadas no decorrer do
Acolhimento Psicossocial
Neste estudo o Serviccedilo Psicossocial no contexto da Justiccedila foi considerado como um
lugar de possibilidades para intervenccedilotildees que convocam o sujeito para aleacutem de seus
atos capturados pela Justiccedila As questotildees de investigaccedilatildeo perpassaram o propoacutesito de
conhecer as experiecircncias de envolvimento com a Justiccedila com vistas a verificar como os
usuaacuterios de drogas vivenciavam a experiecircncia de apreensatildeo pela Justiccedila o que a situaccedilatildeo
de apreensatildeo judicial mobilizou enquanto reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo com as drogas como
os usuaacuterios de drogas significavam e re-significavam suas experiecircncias judiciais no
mundo das drogas quais possibilidades a apreensatildeo judicial permitiu que vislumbras-
sem e quais desdobramentos ela representou em suas vidas como entendiam a nova
lei sobre drogas quais suas reflexotildees criacuteticas e suas experiecircncias em torno das situaccedilotildees
desta e de outras apreensotildees pela poliacutecia como se percebiam simbolicamente nesta
intervenccedilatildeo psicossocial como avaliavam sua relaccedilatildeo consigo mesmo com as drogas
e suas relaccedilotildees com o social famiacutelia trabalho apoacutes este e envolvimento com a Justiccedila
Neste sentido o AP representou um lugar de convocaccedilatildeo do sujeito e o ponto de partida
deste estudo que teve como objetivo geral fornecer subsiacutedios teoacutericos e metodoloacutegicos
aos profissionais psicossociais do acircmbito juriacutedico em razatildeo da promulgaccedilatildeo da Lei nordm 1134306 Os objetivos especiacuteficos consistiram na investigaccedilatildeo psicossocial e psicanaliacute-
tica das experiecircncias subjetivas de envolvimento com a Justiccedila por uso de drogas Neste
cenaacuterio subjetivo os colaboradores foram descritos por fotografias simboacutelicas a partir
da forma como se simbolizaram nesta experiecircncia
Este estudo retratou o lugar ofertado pelo Acolhimento Psicossocial aos colaboradores
que em suas vozes relatam suas experiecircncias subjetivas a partir do envolvimento com
a Justiccedila por uso de drogas Percebemos a riqueza das possibilidades concentradas na
oferta deste lugar que foram percebidas nos indicadores de sentido que permitiram um
174
tracircnsito psiacutequico e emocional para produccedilatildeo de quatro zonas de sentidos como alterna-
tiva para a construccedilatildeo de inteligibilidade e de conhecimento cientiacutefico
Trata-se portanto de acordo com Fernando Gonzalez Rey (2005) do princiacutepio inter-
pretativo-construtivo como possibilitador dos processos de construccedilatildeo da informaccedilatildeo
a partir da expressatildeo subjetiva muito mais metafoacuterica do que descritiva e passiacutevel
de ser construiacuteda somente no estudo singular dos diferentes sujeitos ou nos espaccedilos
concretos da subjetividade social a serem estudados Assim o tracircnsito das direccedilotildees nos
movimentos e nos caminhos que foram trilhados neste estudo sugere o magniacutefico do
ser humano ou seja sua singularidade
Este artigo situa-se ainda na interface entre a psicologia e o direito o ser humano e a
Justiccedila em busca da emancipaccedilatildeo do sujeito como construtor de sua proacutepria histoacuteria A
Justiccedila parece estar entre o sujeito e suas accedilotildees e com a possibilidade de tornaacute-lo cons-
ciente das mesmas ou alienaacute-lo ainda mais Acredita-se que a conscientizaccedilatildeo de suas
accedilotildees por meio de espaccedilos de escuta e fala oportunos podem tornar dinacircmica a relaccedilatildeo
do sujeito consigo mesmo a partir dos sentidos subjetivos atribuiacutedos e incorporados por
eles agraves suas experiecircncias de envolvimento com a Justiccedila por uso de drogas
Este estudo teve como base teoacuterica a psicossociologia e a teoria psicanaliacutetica que com-
preendem o sujeito para aleacutem de seu envolvimento com a Justiccedila E que possibilita a
denuacutencia de diferentes significados no entrelaccedilamento entre o sujeito e a Lei como
uma busca reciacuteproca da subjetividade revelada nas experiecircncias de envolvimento com a
Justiccedila por uso de drogas
Meacutetodo
Trata-se de um estudo orientado pela epistemologia qualitativa proposta por Rey (2005)
no qual se buscou privilegiar o estudo das experiecircncias subjetivas de envolvimento com
a Justiccedila por uso de drogas reveladas no Acolhimento Psicossocial
Neste estudo buscaram-se infinitamente no discurso dos sujeitos as possibilidades
para promover a construccedilatildeo de zonas de sentido como marco de novas linhas de in-
teligibilidade aglomeradas ao que se pensou previamente nos objetivos e ao que foi
apreendido e apropriado no decorrer do processo de construccedilatildeo das informaccedilotildees Como
175Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
aponta Rey (2005) a epistemologia qualitativa como orientaccedilatildeo metodoloacutegica promo-
ve o caraacuteter construtivo-interpretativo da produccedilatildeo cientiacutefica considerando o conheci-
mento um processo permanente de produccedilatildeo de inteligibilidade mediante a construccedilatildeo
de novas zonas de sentido sobre o problema estudado
De acordo com Rey (2005) a pesquisa qualitativa emergiu como uma forma de romper
com o ponto de vista estreito e opressivo do positivismo Este autor propotildee um processo
de pesquisa qualitativa apoiada na epistemologia qualitativa amplamente utilizada em
estudos complexos sobre a construccedilatildeo de modelos compreensivos e que necessitam
de uma metodologia capaz de interagir e fazer sentindo para as ciecircncias afins e natildeo
apenas para a psicologia e que ainda tenha um valor heuriacutestico para a construccedilatildeo do
conhecimento dentro do campo de pesquisa Ou seja a realidade como um domiacutenio
infinito de campos inter-relacionados e o conhecimento como imbuiacutedo de um caraacuteter
construtivo-interpretativo
Os colaboradores consistiram em 24 sujeitos usuaacuterios de drogas apreendidos usando
ou portando drogas pela Poliacutecia Militar ou Civil e enquadrados no Artigo 28 da Lei
1134306 tendo participado de audiecircncias realizadas no decorrer dos meses de setem-
bro e outubro do ano de 2007 no 1deg Juizado Especial Criminal do Distrito Federal
Para uma melhor compreensatildeo e retrataccedilatildeo das experiecircncias subjetivas expressadas pe-
los 24 (vinte e quatro) colaboradores deste estudo entendeu-se necessaacuterio descrevecirc-los
um a um a partir de trecircs aspectos em contiacutenua articulaccedilatildeo quais sejam forma como se
representaram nas entrevistas por meio de siacutembolos informaccedilotildees contidas nos proces-
sos judiciais sobre as apreensotildees e a interpretaccedilatildeo e compreensatildeo da pesquisadora Tais
fotografias simboacutelicas foram retiradas pela maacutequina fotograacutefica lsquocapacidade de pensar
os pensamentosrsquo da pesquisadora e reveladas pelo entrelaccedilamento entre o teoacuterico e o
empiacuterico no decorrer da pesquisa Esta metodologia de descriccedilatildeo dos colaboradores foi
proposta pela pesquisadora e teve o objetivo de aproximar o leitor dos sujeitos impres-
sos nos colaboradores pela forma que se permitiram ser fotografados Dessa forma os
sujeitos foram fotografados simbolicamente e nomeados de O tatuado O self O praiano
O poeta O definido O forasteiro O militar O pastor O cego A guerreira O pombo branco
O lento A muacutesica O resolvido O competidor O profeta O filho O cantor O metamorfose
O deus O indefinido O famiacutelia O sensaccedilatildeo O (sem) vergonha
176
Dos 24 colaboradores 22 eram homens e 2 mulheres com idade meacutedia entre 25 e 26
anos sendo a miacutenima 19 e a maacutexima 40 anos Quanto agrave escolaridade a maioria dos
colaboradores cursavam niacutevel meacutedio 6 cursavam niacutevel superior e 2 eram formados
Em relaccedilatildeo ao trabalho 15 colaboradores estavam empregados 3 desempregados 3 re-
alizavam atividades informais e 2 estaacutegio de niacutevel superior A renda alcanccedilava uma me-
dia de R$ 49500 variando de R$ 150000 a R$ 27000 sendo que 5 colaboradores natildeo
possuiacuteam renda Tais informaccedilotildees coadunam com a explanaccedilatildeo de muitos colaborado-
res acerca do valor gasto com as drogas exceder o planejamento financeiro e prejudicar
os gastos essenciais apresentando de uma forma geral condiccedilatildeo soacutecio-econocircmica baixa
Quanto ao estado civil a maioria eram solteiros 15 sendo que 5 estavam casados 3
conviventes e 1 divorciado Quanto agrave residecircncia 12 residiam com a famiacutelia sendo que
5 residiam com a matildee 2 residiam com o pai 5 residiam com os pais 7 residiam com a
esposa 3 residiam com o cocircnjuge e familiares e 2 (dois) residiam sozinhos Apesar de
haver 15 colaboradores solteiros muitos ainda residiam com os pais ou com um deles e
apenas 2 deles residiam sozinhos o que reforccedila a concepccedilatildeo de que haacute pouca autono-
mia e individuaccedilatildeo dos mesmos frente agrave vida (Bulacci 1992)
A religiatildeo mais seguida pelos colaboradores era a catoacutelica com 12 seguidores sendo
que 2 eram espiacuteritas 1 evangeacutelico 1 do cristianismo 1 agnoacutestico 2 ateus 1 kardesista 2
sem religiatildeo e 2 que apenas acreditavam em Deus Estas informaccedilotildees trazem um inte-
ressante dado em relaccedilatildeo agrave crenccedila social de que o usuaacuterio de drogas natildeo possui religiatildeo
e que possuir uma religiatildeo seria um caminho para a cura Talvez com base na ideacuteia da
busca eterna da cura do sentimento de ter que lidar com a condiccedilatildeo ontoloacutegica do ser
humano como ser finito (Safra 2006)
Em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees obtidas a partir da Ficha de Acolhimento entendemos rele-
vante haver uma busca por informaccedilotildees sobre a trajetoacuteria da sauacutede e de envolvimento
com a Justiccedila dos colaboradores Portanto 17 deles nunca realizaram algum tratamento
psicoloacutegico ou psiquiaacutetrico em funccedilatildeo das drogas ou por outra razatildeo e 6 realizaram
tratamento psicoloacutegico ou psiquiaacutetrico Destes 2 compareceram ao NUPS na eacutepoca
Nuacutecleo Psicossocial Forense do Tribunal de Justiccedila e atual Serviccedilo de Atendimento a
Usuaacuterios de Substacircncias Quiacutemicas - SERUQ para atendimento psicoloacutegico em razatildeo
do cumprimento de medida de pena alternativa 2 permaneceram internados em clini-
177Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
cas por mais de 6 meses 1 frequumlentou o atendimento ambulatorial do Hospital de Base
1 foi atendido pelo serviccedilo de psicologia e psiquiatria do HUB por 2 anos e 1 estava sen-
do atendido no CAPSad do Guaraacute-DF na ocasiatildeo do Acolhimento Psicossocial
Mesmo havendo um nuacutemero maior de colaboradores que natildeo realizaram tratamento
algum muitos deles possuiacuteam certo grau de comprometimento da sauacutede em funccedilatildeo do
uso de drogas bem como possuiacuteam outros envolvimentos com a Justiccedila Por essa razatildeo
persiste a percepccedilatildeo acerca do envolvimento com a Justiccedila possuir vaacuterios e diferentes
desdobramentos e significados para os colaboradores o que instigou ainda mais a ouvir
suas histoacuterias acerca de suas experiecircncias neste contexto
A trajetoacuteria de envolvimento com a Justiccedila dos colaboradores se mostrou similar agrave da
sauacutede talvez pelos mesmos motivos Dentre os 24 colaboradores 16 puderam optar
pela transaccedilatildeo penal23 agrave tramitaccedilatildeo processual e mesmo 2 deles possuiacuterem anteceden-
tes criminais ambos tiveram as exigecircncias legais de 5 anos para nova transaccedilatildeo penal
atendidas E 8 deles foram contemplados pela suspensatildeo condicional do processo por
possuiacuterem antecedentes variando entre um ou mais de um acumulados dos artigos
do Coacutedigo Penal Brasileiro A transaccedilatildeo penal agrave tramitaccedilatildeo processual impotildee o cumpri-
mento de medida de pena alternativa que pode ser a aplicaccedilatildeo de um dos Incisos do
Artigo 28 da Lei 1134306 I ndash advertecircncia II ndash prestaccedilatildeo de serviccedilo agrave comunidade e
III ndash participaccedilatildeo em grupos educativos
Em relaccedilatildeo ao uso de drogas verificou-se que 23 dos colaboradores faziam uso de maco-
nha sendo que 14 faziam uso soacute de maconha e 9 utilizavam a maconha concomitante-
mente agrave outras drogas E 7 deles consumiam tambeacutem aacutelcool juntamente com as outras
drogas como cocaiacutena merla aacutelcool LSD rupinol Apenas 1 (um) colaborador fazia uso
apenas de crack cocaiacutena e aacutelcool
Os procedimentos para apreensatildeo dos processos de construccedilatildeo da informaccedilatildeo foram
realizados por diferentes fontes de informaccedilatildeo tendo em vista ampliar a apreensatildeo da
realidade em foco Definiu-se como fonte primaacuteria de informaccedilatildeo as entrevistas semi-
-estruturadas realizadas no Acolhimento Psicossocial e como fonte secundaacuteria os dife-
23 Opccedilatildeo dada ao envolvido com a Justiccedila que natildeo tenha transaccedilatildeo penal nos uacuteltimos 5 anos para cumprir medidas alternativas em lugar da tramitaccedilatildeo do Processo podendo culminar na condenaccedilatildeo
178
rentes registros provenientes da observaccedilatildeo participante no Juizado Especial Criminal
e no Grupo de Intervenccedilatildeo Psicossocial nas supervisotildees e discussotildees da equipe acerca
dos temas relevantes agrave execuccedilatildeo do Projeto e na anaacutelise de documentos dos Processos
Judiciais dos colaboradores entrevistados
A busca das informaccedilotildees ocorreu durante a execuccedilatildeo do primeiro momento do Projeto
Piloto de Intervenccedilatildeo psicossocial para jurisdicionados do MPDFT em cumprimento
de medida de pena alternativa pelo uso de drogas Neste primeiro momento ocorreu
a entrevista semi-estruturada no Acolhimento Psicossocial que se caracterizou pela
oferta de um espaccedilo de escuta e pelo encaminhamento dos sujeitos colaboradores para
o segundo momento o Grupo de Intervenccedilatildeo Psicossocial
Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas no Acolhimento Psicossocial foram preenchidas
as Fichas de Acolhimento para o Grupo de Intervenccedilatildeo Psicossocial com o objetivo de
registrar dados pessoais e sociais dos colaboradores tanto para a pesquisa como para
o Projeto fornecidos por eles mesmos fator considerado tambeacutem importante em um
estudo sobre as experiecircncias subjetivas ou seja o fato de proporcionar o falar de si e
o fornecer dados pessoais na voz e comando de quem os possui Aleacutem da assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apoacutes a explicaccedilatildeo sobre os objetivos
riscos e benefiacutecios da pesquisa As entrevistas foram realizadas logo apoacutes a ocorrecircncia
das audiecircncias no Juizado Especial Criminal pelo fato de ser este momento oportuno
jaacute que todos os colaboradores receberam o mesmo tratamento pela Justiccedila encaminha-
mento ao Grupo de Intervenccedilatildeo Psicossocial apoacutes tendo em vista o cumprimento de
medida alternativa Os colaboradores logo apoacutes a realizaccedilatildeo de suas audiecircncias eram
entatildeo conduzidos a uma sala privada disponibilizada no local onde ocorreram as 24
entrevistas de acolhimento
Apenas uma das 24 entrevistas realizadas natildeo pocircde ocorrer conforme o descrito pelo
fato do colaborador natildeo estar se sentindo bem na audiecircncia No entanto foi realizada
a entrevista um pouco antes do horaacuterio de iniacutecio do primeiro encontro do Grupo de
Intervenccedilatildeo Psicossocial
De uma forma geral nas Entrevistas de Acolhimento Psicossocial parece ter havido
um lsquovoltar-se a si mesmorsquo e um lsquopoder refletir sobre o que estava acontecendorsquo talvez
de forma imediata e instantacircnea por terem sido realizadas logo apoacutes a audiecircncia in-
179Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
tenccedilatildeo primordial do estudo deste artigo Verificou-se que a Entrevista de Acolhimento
Psicossocial tenha funcionado como integradora das experiecircncias subjetivas e de seus
desdobramentos no envolvimento com a Justiccedila pelo uso de drogas
A elaboraccedilatildeo dos processos de construccedilatildeo da informaccedilatildeo ocorreu a partir da abertura de
possibilidades para construir novas articulaccedilotildees e aumentar a sensibilidade do modelo
teoacuterico em desenvolvimento avanccedilar na criaccedilatildeo de novos momentos de inteligibilidade
e elaborar novas zonas de sentido a partir de indicadores de sentido
Trata-se portanto do procedimento investigativo-interpretativo e de acordo com Rey
(2005) no qual as informaccedilotildees que as entrevistas nos reportam satildeo suscetiacuteveis de estra-
teacutegias diferentes de construccedilatildeo as quais natildeo estatildeo limitadas agrave uma anaacutelise fragmentada
feita por perguntas
Na elaboraccedilatildeo dos processos de construccedilatildeo da informaccedilatildeo realizou-se inicialmente
uma leitura flutuante do conteuacutedo das 24 (vinte e quatro) entrevistas com o objetivo
de elencar os indicadores de sentido mais significativos em articulaccedilatildeo com o modelo
teoacuterico adotado que orienta a seleccedilatildeo dessas informaccedilotildees E posteriormente a anaacutelise
interpretativo-construtivo com vistas a estabelecer conexotildees interpretaccedilotildees acerca das
experiecircncias subjetivas de envolvimento com a Justiccedila por uso de drogas reveladas nas
entrevistas
ResultadoseDiscussatildeo
Deste niacutevel de anaacutelise resultou a construccedilatildeo de 2 (duas) dimensotildees de anaacutelise em 4
(quatro) zonas de sentido A primeira dimensatildeo contemplou as experiecircncias do sujeito
com o pessoal singular atraveacutes das zonas de sentido Mobilidade do sujeito agrave droga e da
droga ao sujeito e O movimento do sujeito entre os altos e baixos da vida A segunda di-
mensatildeo consistiu nas experiecircncias do sujeito com o social a partir das zonas de sentido
O creacutedito do descreacutedito e o descreacutedito do creacutedito as vaacuterias faces da Justiccedila e O tracircnsito
de significaccedilotildees entre a Justiccedila o sujeito e suas relaccedilotildees sociais afetivas
Este artigo abordaraacute apenas a dimensatildeo das experiecircncias subjetivas de envolvimento
com a Justiccedila com o pessoal singular Nesta dimensatildeo verificou-se uma Mobilidade do
sujeito agrave droga e da droga ao sujeito e um Movimento do sujeito entre os altos e baixos
180
da vida Dessa forma esses movimentos foram retratados nas experiecircncias dos sujeitos
tanto com a droga como consigo mesmos e com a vida Recorreu-se ainda com vistas a
retratar esses movimentos agrave hermenecircutica do revelar do idioma pessoal proposta por
Safra (2006)
Notou-se prevalecer esta mobilidade uma vez que as experiecircncias primordiais do su-
jeito com a droga muitas vezes representam este movimento E assim justificou-se o
nome dado agrave zona de sentido Tal constataccedilatildeo vai de encontro ao que se tem na literatura
acerca da busca da droga se movimentar em prol do retorno agrave uma experiecircncia originaacute-
ria como repeticcedilatildeo ou como recuperaccedilatildeo de algo tido como natildeo vivenciado
Noutro giro a experiecircncia de uso de drogas se apresentou para cada sujeito de forma
singular No caso do uso de maconha a droga mais utilizada pelos colaboradores deste
estudo verificou-se que um nuacutemero significativo de colaboradores expressaram atingir
sensaccedilotildees relaxantes e de aliacutevio mental Nesse sentido Martins (2003) afirma que a
maconha funciona em muitas situaccedilotildees como ansioliacutetico ou analgeacutesico sendo que o
efeito mais importante incorre em atos sobre o pensamento facilitando a imaginaccedilatildeo
por um lado e impregnando uma motivaccedilatildeo diminuiacuteda por outro
A relaccedilatildeo do sujeito com a droga eacute complexa e pode compreender vaacuterias categorias
como uso recreativo abusivo e adicccedilatildeo Esta uacuteltima pode ainda atingir uma situaccedilatildeo
limite que implica a lsquoescravidatildeorsquo do indiviacuteduo diante da droga que se torna o objeto
de um prazer sentido como necessidade e que assume o comando das accedilotildees do sujei-
to Considerou-se para o presente estudo conforme aponta Martins (2003) ao citar a
trilogia de Olievenstein (1989) ser necessaacuterio para compreender o uso de drogas nos
inclinarmos agrave um sujeito em relaccedilatildeo com uma substacircncia inserido em um determinado
contexto
Situamos os sujeitos colaboradores em relaccedilatildeo com as drogas como o abordado pela
psicanaacutelise e que por essa via como nos aponta Santos (2007) visa estabelecer uma
relaccedilatildeo intersubjetiva um novo laccedilo social capaz de possibilitar o transcender da mobi-
lidade das experiecircncias com as drogas para as experiecircncias do sujeito com ele mesmo
Ao longo dos processos de construccedilatildeo da informaccedilatildeo houve a constataccedilatildeo de uma mo-
bilidade na relaccedilatildeo do sujeito com a droga que traduz algo moacutevel do sujeito agrave droga e
181Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
da droga ao sujeito Apesar de ter havido discrepacircncias de envolvimento com as drogas
entre os colaboradores as muitas dimensotildees dessa relaccedilatildeo reveladas retrataram um
movimento pendular amparado nos seguintes indicadores de sentido que sustentaram
esta zona de sentido as vivecircncias em relaccedilatildeo agraves drogas e as drogas em relaccedilatildeo agraves vivecircn-
cias a dependecircncia do uso e o uso da dependecircncia a consciecircncia do risco e o risco da
consciecircncia as consequumlecircncias do uso e o uso das consequumlecircncias a pessoa da droga e a
droga da pessoa aleacutem das oscilaccedilotildees entre os pensamentos e os sentimentos em relaccedilatildeo
ao uso de drogas
Considerou-se importante indicar a evidecircncia de vivecircncias diversificadas sobre os efeitos
das drogas pelos colaboradores Sentir animado estar de bem com a vida aliviar a mente
da tensatildeo o pensamento fica mais raacutepido foram expressotildees que delinearam essas vivecircn-
cias demarcadas pela motivaccedilatildeo para o uso Por outro lado essas vivecircncias alcanccedilaram
extremos indesejados como sinaliza O definido ldquoE dependendo da pessoa a percepccedilatildeo fica
tatildeo grande que acaba fazendo mal como agraves vezes faz para mim Vocecirc estaacute conversando e sua
percepccedilatildeo fica tatildeo grande que vocecirc acaba criando as coisas natildeo eacute mais uma percepccedilatildeordquo Po-
reacutem ao diminuiacuterem a frequumlecircncia do uso vivenciavam melhoras tanto na sauacutede como
no humor Assim como um aumento dessa frequumlecircncia representa pioras significativas
Percebe-se portanto um movimento nessas vivecircncias como nos mostra O forasteiro
ldquoDe certa forma a droga ajuda a pensar mas atrapalha o pensamento desconcentrardquo
O uso de drogas parece estar livre da dependecircncia quando realizado sem prejudicar as
atividades cotidianas numa baixa frequumlecircncia sem adquirir a droga comprando como
a busca de algo Como exemplo o que apontou A muacutesica ldquo a maconha abre a minha
cabeccedila agraves vezes ateacute pra tocar eu consigo pensar em arranjos em coisas diferentes
que eu tenho uma concentraccedilatildeo que vocecirc pode ter tambeacutem mas que eacute uma abertura
Eacute a abertura da minha mente assim sabe Ateacute no momento que natildeo me cause essa
dependecircnciardquo Este uso da dependecircncia consiste na forma encontrada para lsquomanipularrsquo
e lsquocontrolarrsquo o uso em uma crenccedila onipotente Apesar dos efeitos das drogas depen-
derem do organismo e do psiquismo de quem as consome este territoacuterio de uso de
drogas parece ser aacuterido de vivecircncias emocionais e construtivas pelo fato de ser a via
que impossibilita o experimentar de vivecircncias em suas condiccedilotildees naturais em lugar de
experiecircncias artificiais No entanto parece ser a via eleita para lidar consigo e com o
mundo mesmo engendrando necessidades orgacircnicas e psiacutequicas em decorrecircncia das
vivecircncias em torno desse uso
182
Nesse sentido O filho relatou ldquoHoje eu fumo maconha natildeo fumo mais cigarro Jaacute fu-
mei muito cigarro Fumo maconha Hoje eu digo que abre o apetite daacute uma sensaccedilatildeo
de libertar natildeo eacute Hoje eu uso cada vez mais como uma necessidaderdquo
Algumas expressotildees dos colaboradores escapam ao uso que relatam fazer da consciecircn-
cia e dos riscos das drogas Como foi possiacutevel verificar nas palavras de O forasteiro ldquoA
droga para mim hoje em dia eu vejo que estaacute me trazendo mais riscos que benefiacutecios
Eu vejo que tenho a consciecircncia mas eu tenho que ter a vontade de parar de ter aquele
estopim parou Ter um ponto de partida vai vocecirc vai conseguir Entendeu Eacute isso que
eu penso Eu quero parar eu tenho a pretensatildeo de parar e minha pretensatildeo de parar eacute
porque sei que eacute a coisa que me atrapalha a estudarrdquo
Convocando o dinamismo psiacutequico inerente a todos os seres humanos foi possiacutevel
perceber que os colaboradores conhecem os riscos do uso de drogas e mesmo assim
as utilizam Os riscos advindos dos relatos dos mesmos em relaccedilatildeo ao uso de drogas
alertam para o fato de natildeo considerarem adequado um uso compulsivo mas um uso
aleatoacuterio e de acordo com o ambiente pois relacionam o uso ao contexto que o incita
O uso do risco perpassa as possibilidades de escolha da droga de uso ou seja a droga
eleita por um sujeito depende do sujeito que a escolhe bem como do ambiente em que
a utiliza e dos efeitos advindos (Olievenstein 1989)
Os colaboradores mencionaram em seus relatos sobre suas experiecircncias com o pessoal
singular as consequumlecircncias do uso que remontam ao uso das consequumlecircncias em prol de
um aprendizado nesse vivenciar em diferentes niacuteveis Quanto a isso O definido apon-
tou ldquo as consequumlecircncias ajudam a gente a tomar um rumo diferente caso isso natildeo tivesse
acontecidordquo Ou seja o envolvimento com a Justiccedila por uso de drogas reverencia o limite
e a contenccedilatildeo
De acordo com o que expressaram os colaboradores acerca do uso das consequumlecircncias
parecem estar tateando as consequumlecircncias do uso e revelando-as como uma via de matildeo
dupla sendo que em uma via as consequumlecircncias incitam reflexotildees e noutra consti-
tuem justificativas para o uso Relataram ainda estabelecer com a droga uma relaccedilatildeo
que coincide a vontade de usar drogas com a de parar de usaacute-las pois acreditam que
as aquisiccedilotildees que obtecircm a partir do seu uso podem ser alcanccediladas de outras formas
Talvez por nunca terem percorrido outros caminhos senatildeo o das drogas para vivenciar
183Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
diferentes sensaccedilotildees Percebe-se neste ponto a droga com a funccedilatildeo de vida trazendo
consigo sensaccedilotildees para um corpo que natildeo as possui Isto eacute a vida na morte subjetiva
Nesta seara foram constatas singularidades nas vivecircncias com as drogas expressas pelos
colaboradores ldquosatildeo vaacuterios pensamentos curiosidade aventura aproveitar ali a sensa-
ccedilatildeo sentir se achar eacute algo bem pessoal a onda eacute diferente para cada um um fuma e fica
chapado outro estaacute nervoso outro fuma e estaacute alegre cada um eacute cada um isso eacute bem
psicoloacutegico bem de pessoa para pessoa na hora eacute pra se divertir mas tem outros meios
aiacute pra se divertir sem ser drogardquo
Das oscilaccedilotildees existentes nas possibilidades para refletir geradas pelo uso de drogas agraves
reflexotildees acerca do que pode proporcionar a droga constatamos expressotildees dos colabo-
radores sobre o impacto ao outro no ato de se drogar As palavras de O poeta retratou
tal proposiccedilatildeo ldquoPelo produto tem muita coisa que faz mal para a sauacutede e mesmo assim
eacute liberado mas natildeo estou falando que a maconha faz bem para a sauacutede vocecirc estaacute ali
puxando fumaccedila para dentro do seu pulmatildeo vai da loacutegica fumaccedila natildeo faz bem droga
tambeacutem natildeo Muitas coisas que fazemos fazem mal tomar sol comer maionese mas
nossa preocupaccedilatildeo deve ser natildeo fazer mal ao proacuteximordquo
De acordo com Bulaccio (1992) a droga eacute uma resposta natildeo eacute uma pergunta sendo a
soluccedilatildeo encontrada pelo sujeito para lidar com sua anguacutestia Para este autor a toxico-
mania se sustenta no outro no social e onde ocorre sua plenitude Para aleacutem da toxico-
mania percebemos as experiecircncias dos colaboradores com o pessoal singular por meio
de suas expressotildees que culminaram na mobilidade evidenciada do sujeito agrave droga e da
droga ao sujeito
Posto isto partiu-se rumo ao movimento dos sujeitos entre os altos e baixos da vida
consistindo a outra zona de sentido implicada nas experiecircncias dos colaboradores com
o pessoal singular que proporcionaram pensamentos e reflexotildees profundos e revelado-
res oscilantes e taacutecitos flexiacuteveis e frutos de elaboraccedilotildees incalculaacuteveis tal como a vida
se apresenta Tais constataccedilotildees impotildeem ao Acolhimento um ambiente holding capaz de
sustentar os colaboradores em suas experiecircncias por meio de compreensotildees adequadas
e necessaacuterias ao revelar de experiecircncias tal como aponta Winnicott (2001)
184
De acordo com Safra (2005) cada acontecimento na vida de uma pessoa a obriga a se
posicionar frente a estas questotildees de alguma forma e a estabelecer sentidos para os
misteacuterios que respiram em seu ser Este eacute o drama do ser humano e ao mesmo tempo
a sua fecundidade A partir do movimento dos sujeitos entre os altos e baixos da vida
ilustrou-se a forma como os colaboradores foram se posicionando frente agraves experiecircncias
com a Justiccedila utilizando o Acolhimento Psicossocial como um caminho para a reve-
laccedilatildeo da subjetividade nesse contexto mediante os seguintes indicadores de sentido
Parando para pensar na vida pelos veacutertices do sofrimento e Aproveitando os momentos
crescimento e aprendizado nos altos e baixos da vida
Assim quando uma pessoa experimenta a atualizaccedilatildeo de uma possibilidade em que
desdobramentos de um modo de ser se realizam ela jaacute natildeo eacute mais a mesma estaacute exis-
tencialmente posicionada de forma distinta (Safra 2005)
Percebeu-se em um dos veacutertices do sofrimento a presenccedila do sentimento de solidatildeo
como condiccedilatildeo para pensar na vida como demonstrou A guerreira ao apontar ldquo per-
cebo que todo mundo estaacute preocupado com sua proacutepria vidardquo Indicamos o sofrimento
como uma importante via para o ser humano reavaliar suas condutas e escolhas Sentir-
-se sozinha pode indicar entre outras revelaccedilotildees sua condiccedilatildeo de natildeo estar bem consigo
mesmo Aliaacutes podemos inferir que os colaboradores relataram por meio de seus atos
a dificuldade de entrarem em contato com seu mundo interno uma vez que utilizam
substacircncias para mediar esse contato e assegurar o si do si mesmo
Ferro (2005) postula que a gecircnese do sofrimento psiacutequico deriva da vivencia de um
trauma e do gradiente de disponibilidade da mente do outro juntamente com o tipo e
a qualidade de emoccedilotildees percebidas e presentes na mente desse outro que se relaciona
Ele defende ainda que o ato de falar antes mesmo do ato de refletir propicia o contato
com o funcionamento oniacuterico da mente que eacute capaz de criar mais nexos e sentidos que
qualquer reflexatildeo
O mais eficaz meacutetodo de evitar o desprazer contido no sofrimento consiste nas alte-
raccedilotildees quiacutemicas pela via da intoxicaccedilatildeo apesar de ser o meacutetodo mais grosseiro As
substacircncias quiacutemicas administradas neste intuito alteram tanto as condiccedilotildees que di-
rigem nossa sensibilidade quanto os impulsos desagradaacuteveis da vida psiacutequica A esse
respeito Freud (1930) afirma
185Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
O serviccedilo prestado pelos veiacuteculos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraccedila eacute tatildeo altamente apreciado como um benefiacutecio que tanto indiviacuteduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido Devemos a tais veiacuteculos natildeo soacute a produccedilatildeo imediata de prazer mas tambeacutem um grau altamente desejado de independecircncia do mundo externo pois sabe-se que com o auxiacutelio desse acuteamortecer de preocupaccedilotildees` eacute possiacutevel em qualquer ocasiatildeo afastar-se da pressatildeo da realidade e encontrar refuacutegio num mundo proacuteprio com melhores condiccedilotildees de sensibilidade Sabe-se igualmente que eacute exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos Satildeo responsaacuteveis em certas circunstacircncias pelo desperdiacutecio de uma grande quota de energia que poderia ser empregada para o aperfeiccediloamento do destino humano (p 86)
O acuteamortecer de preocupaccedilotildees` referido acima parece representar uma das funccedilotildees da
droga ou da busca da droga como a forma encontrada para conviver com a realidade Ou
seja o amortecer da energia sentida e aproximada ao desprazer necessita de uma des-
carga imediata de prazer adquirida momentaneamente pela substacircncia quiacutemica poreacutem
natildeo adveacutem de uma construccedilatildeo de sentido psiacutequico fruto de uma forma aprendida de
lidar com o desprazer Talvez seja uma forma de evitar o desprazer artificialmente que
alcanccedila um estado sensiacutevel imediato capaz de neutralizar as sensaccedilotildees ou melhor o
sofrimento meio pelo qual o organismo estaacute regulado
No entanto natildeo existe uma regra a seguir para um percurso satisfatoacuterio e equilibrado
entre prazer e desprazer Cada ser humano precisa conhecer e reconhecer de que modo
pode ser conduzido e se conduzir ao longo da vida Acredita-se que as substacircncias quiacute-
micas como meacutetodo de evitar o desprazer ou de buscar o prazer imediato impedem
o aprendizado e a construccedilatildeo necessaacuterios agrave capacidade de lidar com situaccedilotildees adver-
sas proacuteprias da vida e suas intercorrecircncias e oscilaccedilotildees Jaacute que as vivecircncias internas
articulam-se agraves vivecircncias externas ao sujeito em sua constituiccedilatildeo e como decorrecircncia do
desenvolvimento humano podendo haver sempre um muacutetuo aprendizado
As relaccedilotildees estabelecidas ao longo da vida proporcionam o desenvolvimento psiacutequico
e emocional necessaacuterio agrave constituiccedilatildeo psiacutequica do sujeito A relaccedilatildeo entendida entre o
sujeito e a droga ocupa o lugar mantido economicamente impossibilitando de propor-
cionar essa relaccedilatildeo de aprendizagem por se localizar ligada ao sujeito impedindo-o de
ver a si mesmo e ao outro Dessa forma entende-se que haacute uma relaccedilatildeo dual entre o
sujeito e a droga que pode inviabilizar o vivenciar do sofrimento como transformador
186
A psicanaacutelise situa o sujeito em busca de suas redes de ligaccedilatildeo entre seus sintomas
e seus diversos sentidos Assim o sujeito implicado com o uso de drogas passa a ser
considerado para aleacutem de seu sintoma como forma de abranger os seus reais sentidos
Tanto como sintoma quanto como funcionamento psiacutequico o sujeito parece construir
suas relaccedilotildees e suas aquisiccedilotildees pela via do aliacutevio das tensotildees psiacutequicas e emocionais do
dia-a-dia e da vida cotidiana Cada sujeito vivencia o aliacutevio psiacutequico de formas diferen-
ciadas e com desdobramentos diversos
Haacute no aparelho psiacutequico desde o iniacutecio da vida a construccedilatildeo de modelos24 de inuacutemeras
formulaccedilotildees acerca da vivecircncia de experiecircncias emocionais e da capacidade de pensar
os pensamentos A abstraccedilatildeo adveacutem desses modelos que tornam possiacutevel sua continui-
dade ou seja o conteuacutedo desses modelos proporciona um somatoacuterio de experiecircncias de
ter suas necessidades atendidas pelo ambiente que caracteriza a abstraccedilatildeo
A partir da forma como foram vivenciadas as experiecircncias emocionais ao longo da vida
determina-se a capacidade de pensar e de utilizar os pensamentos como desenvolvi-
mento de um aparelho capaz de tolerar frustraccedilatildeo O conceito de consciecircncia de Freud
(1911) como oacutergatildeo sensiacutevel agrave percepccedilatildeo de atributos psiacutequicos fornece tal aparelho que
ordena as percepccedilotildees primordiais e suas constituiccedilotildees
Bion (1991) aponta que parte do aparelho psiacutequico primitivo se amolda para prover o
aparelho como dispositivo indispensaacutevel por substituir a descarga motora e sugere ser o
pensar algo que se impotildee ao aparelho pelas exigecircncias da realidade tal como o predomiacute-
nio do princiacutepio do prazer proposto por Freud A capacidade para pensar adveacutem de um
aparelho adaptado e apto a adaptar-se agraves tarefas proacuteprias agrave satisfaccedilatildeo dos requisitos da
realidade Institui-se por essa via o aprender com a experiecircncia que se liga agrave funccedilatildeo que
Freud atribui agrave atenccedilatildeo quando afirma que de modo intermitente sonda o mundo exter-
no com familiaridade caso surja uma necessidade urgente Bion (1991) complementa
indicando serem esses os modelos utilizaacuteveis para a satisfaccedilatildeo urgente de necessidades
internas ou externas e que trazem a reminiscecircncia das experiecircncias emocionais
24 O modelo eacute a abstraccedilatildeo da experiecircncia emocional ou a concretizaccedilatildeo da abstraccedilatildeo (Bion 1991 p 112)
187Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
O aprender com a experiecircncia e a capacidade para pensar o pensamento fornecem
meios para restringir a descarga motora ou seja natildeo mais alivia o aparelho mental dos
acreacutescimos de estiacutemulos mas agora altera adequadamente a realidade Epistemologica-
mente Bion (1991) considera o pensamento anterior ao pensar e desenvolve o pensar
como meacutetodo ou aparelho para lidar com os pensamentos e seus desdobramentos A re-
sultante do pensar o pensamento institui a evacuaccedilatildeo e o pensar A evacuaccedilatildeo soluciona
o problema se a personalidade eacute dominada pelo impulso para fugir agrave frustraccedilatildeo e por
pensar os objetos se dominada pelo impulso de modificar a frustraccedilatildeo
Nessa vertente verificou-se que os colaboradores estatildeo ldquosegurando as pontasrdquo ou estatildeo
sendo ldquosegurados pelas pontasrdquo face agrave linha tecircnue que separa o sujeito de suas esco-
lhas os sofrimentos das consequumlecircncias de suas escolhas num tecido costurado pela
fragilidade das relaccedilotildees estabelecidas com as drogas
Tais experiecircncias incorporam-se agrave histoacuteria de vida dos colaboradores que a situam como
aprendizado para ser utilizado posteriormente Ou seja quando parece ser possiacutevel para
os colaboradores se apropriarem de suas vivecircncias torna-se igualmente possiacutevel utilizaacute-
-las quando entenderem necessaacuterio ao longo da vida Pelo que se observou os colabora-
dores inseriram o revelar dessas experiecircncias em suas subjetividades
De todo modo o Acolhimento Psicossocial se revelou como um ambiente capaz natildeo soacute
de sustentar os colaboradores mas tambeacutem de situaacute-los em suas experiecircncias de envol-
vimento com a Justiccedila em diversos aspectos E tornou possiacutevel tambeacutem o desvendar o
movimento do sujeito entre os altos e baixos da vida
Conclusotildees
O Acolhimento Psicossocial passou a ser revelador dos desdobramentos do envolvi-
mento com a Justiccedila por uso de drogas para cada colaborador acionando neles diferen-
tes formas de relatar e lidar com essa situaccedilatildeo e apropriar-se dela como experiecircncia no
curso de suas vidas
A dimensatildeo das experiecircncias subjetivas vivenciadas entre o sujeito com ele mesmo natildeo
estaacute estanque e se desenvolve pelo diaacutelogo nessa dimensatildeo constituindo um processo
relacional na busca do sujeito pela Lei como instauradora e constitutiva do mesmo
188
psiacutequica e emocionalmente bem como na busca da Lei pelo Sujeito como instauraccedilatildeo
de sua constituiccedilatildeo
Considerou-se o Acolhimento Psicossocial propiciador de condiccedilotildees favoraacuteveis agrave ex-
pressatildeo dos colaboradores sobre suas experiecircncias de envolvimento com a Justiccedila por
uso de drogas bem como revelador do idioma pessoal dos mesmos Favorecer a expres-
satildeo de suas singularidades reporta-nos agrave Safra (2005) quando se refere que falar sobre
qualquer fenocircmeno impotildee a possibilidade de nomear as diferentes experiecircncias e fazer
relaccedilotildees entre elas Era o que foi proposto no momento em que foi oportunizado espaccedilo
para palavras isto eacute o apropriar-se das mesmas e poder utilizaacute-las como aprendizado a
partir das experiecircncias
Sugere-se com o presente estudo que o Acolhimento Psicossocial tenha funcionado
como um aparelho para ajudar a pensar os pensamentos e proporcionar o aprender
com as experiecircncias Considerou-se que o envolvimento com a Justiccedila representou para
os colaboradores a modulaccedilatildeo de um aparelho para pensar os pensamentos exercendo
a reformulaccedilatildeo de um aparelho para pensar os pensamentos como propotildee Bion (1991)
Verificou-se que o acolhimento inserido na Intervenccedilatildeo Psicossocial nestes moldes
convoca os colaboradores a refletirem e a pensarem sobre seus atos e a conferirem a eles
pensamentos e consequumlentemente aprendizados a partir da experiecircncia
Tocou-se por essa via na vertente cliacutenica que convoca os colaboradores como sujeitos
constituiacutedos e constituidores de sua proacutepria histoacuteria Neste sentido Rey (2003) aponta
a psicanaacutelise como a inauguradora da psicologia na vertente cliacutenica tendo em vista bus-
car enfrentar os problemas derivados da praacutetica cliacutenica
No contexto da Justiccedila percebemos que o Acolhimento Psicossocial funcionou ainda
como o elo de ligaccedilatildeo entre os colaboradores e o cumprimento da medida de pena al-
ternativa pelo fato de esse funcionamento apresentar-se como aparelho para pensar os
pensamentos e proporcionar o aprender com as experiecircncias A vertente cliacutenica fez-se
presente neste entendimento pois convocou o sujeito como constituiacutedo e constituidor
de sua proacutepria histoacuteria
Natildeo se trata de defender a cliacutenica como meacutetodo para Intervenccedilotildees Psicossociais mas
destacar a importacircncia de um Acolhimento neste contexto que favoreccedila a auto-reflexatildeo
189Do sujeito a lei da lei ao sujeito acolhimento psicossocial de usuaacuterios de drogas no contexto da Justiccedila
e o sentimento de receber creacutedito da Justiccedila por meio de um lugar ofertado de existecircn-
cia e de palavra devolvendo aos lsquoprocessadosrsquo a autoria de suas histoacuterias Para justificar
estes pensamentos recorreu-se a Lavenu (1985) psicoloacutegica de presidiaacuterios na Franccedila
conforme citada por Sudbrack (1992)
Privar o ato do sentido (em niacutevel das inscriccedilotildees inconscientes) do qual ele tenta fugir eacute deixar o criminosa em seu status de Ator e portanto encorajar a repeticcedilatildeo O processo a histoacuteria inscrita no seu dossiecirc judiciaacuterio tornar-se-aacute uma autobiografia escrita pelas palavras dos outros O anti-heroiacute poderaacute permanecer ator de sua vida Mas aquele que assumindo seu crime teraacute podido colocaacute-lo em palavras e inscrever sua histoacuteria em uma aventura terapecircutica teraacute uma chance de tornar-se AUTOR de seu ato e talvez de seu destinordquo
Constatou-se que o acima mencionado coaduna como nossa perspectiva teoacuterica e meto-
doloacutegica tendo em vista trazer agrave tona o sujeito para aleacutem de seus atos e envolvimentos
judiciais
Dessa forma este estudo foi firmado tambeacutem no cenaacuterio cliacutenico da intervenccedilatildeo psi-
cossocioloacutegica pois a praacutetica da psicossociologia como nos mostra Machado (2001)
transforma-se na anaacutelise cliacutenica do discurso dando ecircnfase agrave histoacuteria relatada e real dos
sujeitos dos grupos das organizaccedilotildees e da coletividade A anaacutelise social de documentos
e entrevistas compotildee a pesquisa qualitativa podendo ser utilizada na busca do senti-
do e das significaccedilotildees aleacutem de produzir novas realidades em diferentes contextos A
Intervenccedilatildeo Psicossocial eacute condizente com a praacutetica da psicossociologia uma vez que
remonta agrave complexa relaccedilatildeo entre o sujeito e o social
Leacutevy (1995) citado por Machado (2001) sinaliza que o discurso desvela a realidade so-
cial com seus conflitos Ou seja os atos de linguagem que remodelam e interpretam o
discurso interferem na realidade individual e social dos sujeitos simultaneamente
Verificou-se que os colaboradores utilizaram a Justiccedila como a via possiacutevel e passiacutevel de
proporcionar reflexotildees acerca de suas posturas pessoais e sociais Infere-se que quando
os colaboradores vivenciaram esse envolvimento como um creacutedito da Justiccedila encontra-
ram respaldo para se apropriarem de suas experiecircncias no curso de suas vidas Neste
sentido conferiu-se a isso um patamar de possibilidades para pensar e aprender com a
experiecircncia pela via do creacutedito da Justiccedila
190
Por outro lado quando natildeo haacute esse creacutedito tanto na Justiccedila como nas relaccedilotildees pessoais
e afetivas dos colaboradores constatamos rupturas no percurso de vida psiacutequica e emo-
cional retratados pelas expressotildees sobre descreacutedito preconceito banalizaccedilatildeo fragilida-
des nas relaccedilotildees sociais afetivas uso de drogas
O Acolhimento Psicossocial se revelou nesta pesquisa acolhedor dessas rupturas opor-
tunizando um espaccedilo para pensar os pensamentos transformando-os em aprendizado
frente agraves adversidades da vida Notamos suas possibilidades pelas palavras e expressotildees
dos colaboradores que tornaram possiacutevel o revelar do idioma pessoal singular de cada
um
Podemos pensar que para muitos colaboradores o Sujeito busca a Lei pelo envolvimen-
to com a Justiccedila como uma possibilidade encontrada inconscientemente para ressigni-
ficar a lei interna e reguladora de suas relaccedilotildees com o mundo Da mesma forma a Lei
representa o limite organizador para o Sujeito e o remete a si mesmo impondo sua pre-
senccedila simboacutelica e ordenadora Constatou-se um movimento contiacutenuo e ininterrupto do
Sujeito agrave Lei e da Lei ao Sujeito caracterizado no compasso da vida interna e externa
inquieta e dinacircmica
O uso de drogas perfaz a via utilizada pelos colaboradores para lidar com a vida interna
e externa e por incriacutevel que pareccedila consiste justamente no instaurador do compareci-
mento agrave Justiccedila Inferiu-se dessa forma a droga como a via rumo agrave Lei e agrave Justiccedila como
uma busca de continecircncia para sentimentos adversos vivenciados pelos sujeitos pesso-
al e socialmente Talvez por esse motivo o Acolhimento tenha marcado sua diferenccedila
sustentadora na Intervenccedilatildeo Psicossocial como uma condiccedilatildeo ofertada e aproximada
das necessidades dos colaboradores
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193 Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
EugeneEnriquez
Pourquoi eacutevoquer lrsquoamour Lrsquoamour semble ne plus faire partie des preacuteoccupations
centrales de nos socieacuteteacutes alors qursquoau Moyen-acircge lrsquoamour courtois eacutetait devenu un des
ressorts essentiels de la socieacuteteacute europeacuteenne et un des signes des capaciteacutes drsquoideacutealisation
et de sublimation de celle-ci qursquoau 17egraveme siegravecle le sentiment amoureux eacutetait mis au pi-
nacle par les Preacutecieuses qui dessinaient la ldquocarte du Tendrerdquo qursquoau 18egraveme il eacutetait le souci
principal des libertins qui eacutetaient charmeacutes ou obseacutedeacutes par la conquecircte amoureuse et des
bourgeois qui espeacuteraient reacuteussir aussi bien dans le mariage que dans les affaires qursquoau
19egraveme siegravecle lrsquoamour romantique ne mettait en contact que deux cœurs qui srsquoaccordaient
au delagrave de toutes les conventions et au risque de la mort Pourquoi parler maintenant
drsquoune passion indeacutefinissable qui comme lrsquoeacutecrivait Andreacute Le Chapelain est ldquoun je ne sais
quoi qui vient de je ne sais ougrave et qui srsquoen va je ne sais commentrdquo et il ajoutait ldquoet par ces
termes qui ne nous apprennent rien ils nous apprennent tout ce qui peut srsquoen savoirrdquo
Pourquoi ne pas parler plutocirct de sexualiteacute dans une socieacuteteacute ougrave nombre de magazines
procircnent les rencontres eacutepheacutemegraveres prodiguent des conseils pour accroicirctre tous azimuts
le plaisir sexuel ougrave se multiplient les peep-shows les revues et les films pornographiques
194
dans une socieacuteteacute donc ougrave la libeacuteration sexuelle continue agrave ecirctre agrave lrsquoordre du jour et ougrave elle
semble demeurer le mot drsquoordre drsquoune eacutepoque voueacutee agrave la jouissance
Il serait possible de reacutetorquer agrave bon droit que de parler constamment de sexualiteacute est
en reacutealiteacute la faire taire Nous le savons bien nous qui avons eacuteteacute inteacuteresseacutes au sens fort
du terme par la deacutecouverte freudienne concernant le fonctionnement inconscient de
la psycheacute et qui nous sommes rendus compte que plus on invoquait lrsquoinconscient et
les reacutepercussions de son pouvoir dans la vie la plus quotidienne plus on le banalisait
le travestissait le rendait inopeacuterant et lrsquoempecircchait drsquoecirctre cette ldquoblessure narcissiquerdquo
fondamentale que Freud avait cru infliger agrave lrsquohumaniteacute A force de traiter de sexualiteacute agrave
force de mettre lrsquoinconscient agrave toutes les sauces notre socieacuteteacute fait perdre son tranchant
aux hypothegraveses et aux deacutemonstrations freudiennes les plus novatrices
Crsquoest pourquoi nous laissons le discours sur la sexualiteacute agrave drsquoautres Non qursquoil ne soit pas
drsquoimportance mais parce qursquoil est tellement envahissant qursquoil nous paraicirct relevant de
tenter drsquoexplorer drsquoautres terres qursquoon croie bien connaicirctre et qui sont comme lrsquoacircme
dirait A Schnitzler des ldquoterres eacutetrangegraveresrdquo
Si nous restons fidegraveles agrave lrsquoinspiration freudienne nous sommes obligeacutes de nous rendre
compte de trois eacuteleacutements fondamentaux de notre socieacuteteacute 1) Lamonteacutee de la ldquomaladie rsquo
des conduites pathologiques 2) Le rocircle central de lrsquoamour aussi bien dans ldquole narcis-
sisme des petites diffeacuterencesrdquo que dans le repli sur soi ou au contraire dans la forma-
tion ldquodrsquoentiteacutes toujours plus grandesrdquo 3) Lrsquoimportance de lrsquoamour dans la Kulturarbeit
Reprenons ces divers points
Lamonteacuteedelamaladie
Nous nrsquoavons peut-ecirctre pas accordeacute suffisamment drsquoattention agrave la phrase suivante de
Freud ldquoUn solide eacutegoiumlsme preacuteserve de lrsquoamour mais agrave la fin on doit se mettre agrave aimer
pour ne pas tomber malade et lrsquoon doit tomber malade lorsqursquoon ne peut aimerrdquo
Essayons de tirer tout le sue de cette phrase en nous reacutefeacuterant naturellement aussi agrave
drsquoautres aperccedilus de Freud ou agrave drsquoautres auteurs importants pour notre propos
195Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
Le ldquosolide eacutegoiumlsmerdquo connote la libido du moi qui envahissante peut devenir une libido
uniquement ldquonarcissiquerdquo Or que signifie ecirctre uniquement narcissique crsquoest non seu-
lement risquer de mourir en se regardant dans le miroir en eacutetant happeacute par son image
speacuteculaire (et la maladie est le premier chemin vers le deacutenouement fatal) mais drsquoabord
renoncer agrave sa liberteacute car quand on est plein de soi-mecircme quand on est dans cette com-
paciteacute (que deacutenonccedilait aussi bien Ibsen que Freud) qui se cache sous le masque de la
pleacutenitude on est bien pregraves de srsquoeacutetouffer de ne plus ecirctre capable de vivre de faire des
choix de deacutevelopper un ordre ldquonormatifrdquo par rapport auquel drsquoautres peuvent se deacutefinir
Dans lrsquoamour au contraire si un individu srsquoaliegravene agrave lrsquoautre il se rend en mecircme temps
libre et il le rend libre Alieacutenation et liberteacute ne sont pas antinomiques Lrsquohomme libre
nrsquoest pas malade Crsquoest ce que veut dire fort justement Leacutevi-Strauss inspireacute par Lacan
auquel il se reacutefegravere lorsqursquoil eacutecrit (1950) ldquoCar crsquoest agrave proprement parler celui que nous
appelons sain drsquoesprit qui srsquoaliegravene puisqursquoil consent agrave exister dans un monde deacutefinis-
sable seulement par la relation de moi et drsquoautruirdquo Hegel srsquoen eacutetait deacutejagrave rendu compte
dans sa premiegravere dialectique eacutecrit du temps drsquoIeacutena - ldquoLa dialectique des amantsrdquo
Pour Hegel lrsquoamour est ce qui rend lrsquohomme speacutecifiquement humain puisqursquoil est lrsquoex-
pression du deacutesir drsquoun autre deacutesir crsquoest-agrave-dire de la reconnaissance En srsquoaimant les
amants se reconnaissent simultaneacutement et reconnaissent leur alteacuteriteacute irreacuteductible Lrsquoun
et lrsquoautre sont donc donneacutes ensemble plus exactement ils naissent ensemble Comme
ils sont deacutefinis par la mort lrsquoun comme lrsquoautre ils comprennent que crsquoest leur propre
finitude qui les rend libres et disponibles agrave cette aventure exceptionnelle Un sociologue
comme G Simmel (1921) eacutecrit ces phrases qui vont dans le mecircme sens ldquoSeul lrsquoecirctre qui
aime est un esprit reacuteellement libre car seul il affronte chaque pheacutenomegravene avec cette ca-
paciteacute ou cette propension agrave lrsquoaccueillir agrave lrsquoappreacutecier pour ce qursquoil est agrave en ressentir plei-
nement toutes les valeurshellip Le sceptique lrsquoesprit critique celui qui est deacutepourvu de preacute-
jugeacutes en theacuteorie se comporte diffeacuteremment Jrsquoai souvent noteacute que ces types drsquohomme
par peur de perdre leur liberteacute nrsquooffrent pas un accueil reacuteellement indeacutependant vis-agrave-vis
de tout le dehors accueil neacutecessitant toujours un certain abandon au pheacutenomegravenerdquo
Crsquoest ainsi quand la libido peut investir un nouvel objet radicalement diffeacuterent de soi
que lrsquoecirctre eacuteprouve sa liberteacute et sa capaciteacute agrave lutter pour la vie Ce ldquonarcissisme bien tem-
peacutereacuterdquo reacutefute le narcissisme de mort car il srsquoaccompagne du don de soi qui ne se joue pas
en une fois mais qui se reacutevegravele ecirctre une vraie creacuteation Comme lrsquoeacutecrit encore Simmel
196
ldquoLa conservation de lrsquoamour drsquoautrui est sa reconquecircte continue (Souligneacute par nous) et la
conservation de lrsquoamour qursquoon a en soi une recreacuteation tout aussi continue de celui-cirdquo
Quand lrsquohomme est incapable drsquoamour quand il nrsquoest preacuteoccupeacute que de soi il devient
ldquomaladerdquo car il se recroqueville sur lui-mecircme et lui-mecircme crsquoest vraiment peu Il va se
centrer sur son plaisir immeacutediat sur la reacutealisation de son fantasme de toute-puissance
(ecirctre aimeacute deacutesireacute sans rien donner en eacutechange) mais comme agrave chaque moment il veut
renouveler son plaisir il va finir par se trouver insatisfait Cette tendance agrave lrsquoeacutegoiumlsme est
renforceacutee par la socieacuteteacute libeacuterale dans laquelle nous vivons Au lieu de comprendre que
la vraie liberteacute srsquoeacuteprouve dans lrsquoeacutepreuve le libeacuteralisme (principalement eacuteconomique
mais crsquoest celui qui preacutedomine dans notre monde) ne va insister que sur le principe
de plaisir que sur la jouissance eacutegoiumlste que sur la multiplication des rencontres Or
on ne le sait que trop qursquoil srsquoagisse de Don Juan ou de Casanova ils sont condamneacutes
agrave lrsquoinsatisfaction car ce qursquoils obtiennent nrsquoest que comme le disait avec justesse Sade
ldquofort loin de ce qursquoils avaient ardemment envieacuterdquo Le deacutesir va donc rebondir drsquoobjet en
objet la quecircte sera infinie et toujours deacutecevante De plus et la figure de Sade ne se pro-
file pas pour rien la volonteacute de prolifeacuteration des affects signifie que lrsquohomme est entreacute
deacutefinitivement dans le monde de la production et de la consommation des ldquoustensilesrdquo
(Enriquez 1991) Il a cru ecirctre libre il est au contraire totalement devenu lrsquohomme
producteur consommateur Il lui faudra des plaisirs toujours renouveleacutes des nouveaux
partenaires de nouvelles maniegraveres de ldquofaire lrsquoamourrdquo (fort mauvaise expression dans ce
cas preacutecis) Il voudra ressentir des sensations originales ecirctre agiteacute drsquoeacutemotions inouiumles
ou agrave lrsquoinverse (mais ce nrsquoest que le revers de la mecircme piegravece) ecirctre lrsquoorganisateur et le
metteur en scegravene de ses volupteacutes mais sans ldquoecirctre toucheacute rsquo sans ldquoressentir la moindre
eacutemotionrdquo (Sade) Drsquoougrave la possibiliteacute comme le deacutecrit Sade dans son œuvre drsquoinstru-
mentaliser totalement lrsquoautre de le situer comme un objet temporaire de jouissance
jetable et tuable au besoin (comme dans ce film ougrave la femme trouve lrsquoacmeacute de sa satis-
faction en lardant son amant de coups de couteau) Lrsquoecirctre humain se conduit alors de
faccedilon totalement aberrante mortifegravere pathologique Srsquoil ne va pas jusque lagrave il trouvera
des compensations dans le drogues les plus diverses et les addictions les plus affirmeacutees
Il sera devenu alors vraiment malade et la socieacuteteacute avec lui quand elle ne lrsquoa pas preacuteceacutedeacute
dans cette voie Il ses sera transformeacute sans le savoir en un des personnages sadiens Le
monde du capitalisme libeacuteral est en train drsquoecirctre dans la reacutealiteacute le monde recircveacute (et simple-
ment recircveacute) par le marquis de Sade celui de la perversion polymorphe qui aura quitteacute le
stade de lrsquoenfance pour caracteacuteriser celui de lrsquounivers adulte
197Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
Lerocirclejoueacuteparlrsquoamourdanslaconstitutiondeslienssociaux
a) Le narcissisme des petites diffeacuterences
On se souvient que Freud deacutesigne ainsi un ldquonarcissisme groupalrdquo porteacute agrave lrsquoincandes-
cence Pour qursquoun tel narcissisme puisse se deacutevelopper il est neacutecessaire que la libido lie
les ecirctres humains profondeacutement les uns aux autres ainsi qursquoagrave leur chef quand ils ont
mis agrave la place de leur ideacuteal du moi lrsquoobjet incarneacute dans le chef
Comme Freud lrsquoa montreacute cet ldquoamourrdquo est neacutecessaire pour la creacuteation et la coheacutesion
du groupe Il srsquoagit rarement drsquoun attirance sexuelle directe elle sera plutocirct inhibeacutee
deacutesexualiseacutee sublimeacutee Elle sera plus de type homosexuel ou dans certains cas sans
reacutefeacuterence agrave la sexualiteacute chacun des membres du groupe eacutetant semblable les uns aux
autres uniformes conformes
Le groupe ira vers lrsquohomogeacuteneacuteisation parfaite vers la ldquomassificationrdquo Or que nous dit
notre socieacuteteacute de capitalisme libeacuteral sinon que si lrsquoindividu est libre il est libre drsquoecirctre
comme les autres Lrsquoindividualisation deacutebouche sur la massification Seule lrsquoindividua-
tion diffeacuterencie les ecirctres Au contraire pour ecirctre un individu ldquoindividualiseacuterdquo il est in-
dispensable de rechercher les mecircmes plaisirs que les autres ceci drsquoautant plus quand
il fait parti drsquoun groupe particuliegraverement coheacutesif et se moquant des autres Lrsquoidentiteacute
individuelle tend agrave se fondre dans une identiteacute collective Or comme nous preacutevient G
Devereux (1973) ldquoSi nous ne sommes rien que des Atheacuteniens ou des Spartiates des
capitalistes ou des proleacutetaires (et nous pouvons ajouter des Franccedilais ou des Allemands
des partisans du Hard Rock ou de la musique de Wagner) nous ne somme bien precircts de
nrsquoecirctre rien du tout et donc de ne pas ecirctre du tout (souligneacute par lrsquoauteur) et il ajoute ldquolrsquoacte
de formuler et drsquoassumer une identiteacute massive et dominanterdquo - et cela quelque soit cette
identiteacute ndash constitue le premier pas agrave la renonciation ldquodeacutefinitiverdquo agrave lrsquoidentiteacute ldquoreacuteellerdquo
Cet amour (qui en meacuteriteacute guegravere son nom qui est quand mecircme de lrsquoattachement at-
tachement alieacuteneacute srsquoil en est) est particuliegraverement deacuteveloppeacute dans nos socieacuteteacutes Nous
nrsquoavons qursquoagrave constater la prolifeacuteration des confreacuteries des sectes des groupes drsquoappar-
tenance de toutes sortes qui tendent tous agrave combler lrsquoinsatisfaction des individus peu
rassureacutes sur eux-mecircmes et qui puisent dans l lsquoamour mutuel et le rejet le meacutepris des
autres (qui servent de surfaces de projection agrave tout lrsquoignoble lrsquoabject la souillure qui
198
peuvent exister dans leur propre inteacuterioriteacute) un semblant de soliditeacute capable de dispa-
raicirctre lors de tout choc violent
Ainsi ce ldquofaux amourrdquo (cette connivence cette collusion cette alieacutenation) est-il particu-
liegraverement priseacute par la culture libeacuterale qui en faisant semblant drsquoencenser les individus
les transforme en une ldquomasse stagnanterdquo (Canetti 1960)
b) Le repli sur soi
Nous envisageons ici certaines conseacutequences du narcissisme agrave son apogeacutee Lorsque
lrsquoindividu nrsquoobtient pas ce qursquoil deacutesire ne peut assouvir ses besoins il rendra respon-
sable la socieacuteteacute de cette limitation Notre individu triomphant se transforme en victime
de la socieacuteteacute qui ne peut eacutemettre qursquoun son plaintif quand il nrsquoest pas pris de rage du
fait de cette situation et quand il ne demande pas agrave hauts cris des reacuteparations pour le
preacutejudice subi Certes notre culture libeacuterale engendre de veacuteritables victimes comme
nous lrsquoavons deacutejagrave noteacute Mais en nous faisant croire que lrsquoindividu peut ecirctre un roi et doit
pouvoir satisfaire lrsquoensemble de ses deacutesirs (alors que Freud nous avait fait bien com-
prendre que la civilisation se nourrissait du renoncement agrave la satisfaction immeacutediate
drsquoun tregraves grand nombre de deacutesirs) elle deacuteveloppe une tendance agrave la victimisation qui
offre parfois des cocircteacutes comiques (ainsi cet individu tombeacute dans lrsquoescalier de sa maison
et qui attaque lrsquoarchitecte et lrsquoentrepreneur afin drsquoobtenir reacuteparation pour un tel dom-
mage) Lrsquohomme qui nrsquoaime pas les autres se met agrave avoir peur drsquoautrui agrave craindre pour
sa vie son inteacutegriteacute et se preacutepare agrave se deacutefendre avant mecircme qursquoun danger le menace Il
est comme ces ameacutericains deacutenonceacutes par M Moore dans son film Bowling for Columbine
qui cheacuterissent leurs armes pour preacuteserver leur liberteacute et qui dans certains cas abattent
ceux qui pourraient les mettre en difficulteacute ou encore comme ces enfants eacutevoqueacutes
eacutegalement par M Moore qui tuent leurs camarades drsquoeacutecole pour des raisons difficiles agrave
deacutemecircler mais ougrave la peur la jalousie lrsquoenvie et la haine de soi entrent certainement en
ligne de compte
Le repli sur soi et sur ses plaisirs peut avoir aussi pour conseacutequence un deacutetachement
rapide des personnes auxquelles on eacutetait quand mecircme relativement attacheacute Ainsi un
mari perdant sa femme est pousseacute par son entourage non agrave entreprendre un travail de
deuil mais le plus rapidement possible agrave combler le vide eacuteprouveacute en trouvant une nou-
velle compagne qursquoil eacutepousera ou avec laquelle il aura une liaison temporaire (drsquoautres
199Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
viendront car comme le dit le langage populaire une de perdue dix de retrouveacutees)
Nous nous apercevons ainsi que les individus obseacutedeacutes par le deacutesir de pleacutenitude nrsquoar-
rivent plus agrave supporter le moindre manque agrave endurer la moindre fecirclure et ne pensent
qursquoagrave une chose oublier le plus vite ce qui pourrait les importuner ou leur faire subir
des blessures psychiques Ainsi lrsquoamour de soi peut aboutir agrave la plainte agrave la peur au
meurtre physique ou agrave lrsquooubli Il dissout dans toutes les circonstances progressive-
ment les liens sociaux
c) Lrsquoamour comme formation ldquodrsquoentiteacutes toujours plus grandesrdquo (Freud 1930)
Freud a insisteacute sur le rocircle drsquoEros pour creacuteer chaque jour des liaisons nouvelles avec des
ecirctres diffeacuterents et de plus en plus eacuteloigneacutes du cercle familial Eros oeuvrerait comme
la libido (avec laquelle il ne faut pas pourtant le confondre car la libido turbulente est
plus du cocircteacute de la deacuteliaison que de la liaison est plus une eacutenergie libre qursquoun eacutenergie
lieacutee) pour nous rapprocher des autres cette fois-ci sous le mode de lrsquoamour sublimeacute
donc de lrsquoamitieacute amoureuse de la fraterniteacute de la camaraderie de la convivialiteacute Ne pas
aimer est au contraire se mettre sous lrsquoeacutegide de Thanatos de la pulsion de mort dans
son aspect allo-destructif Or une socieacuteteacute drsquoindividus ougrave chacun est mis en concurrence
eacuteconomique ou en compeacutetition politique en eacutemulation constante pour les honneurs
non seulement nous eacuteloigne des autres mais nous les rend souvent insupportables Si
lrsquoindividu fidegravele agrave lrsquoinjonction de la socieacuteteacute libeacuterale veut faire partie des winners et non
des loosers il devra se transformer constamment en ce que nous avons nommeacute il y a
deacutejagrave quinze ans en ldquotueur coolrdquo Il en srsquoagit pas (et encore ) du tuer reacuteellement autrui
car il pourra dans drsquoautres circonstances ecirctre utile devenir un partenaire mais seule-
ment lrsquoeacuteliminer dans la course agrave la reacuteussite comme doit le faire tout bon sportif (on sait
bien agrave quel point la reacutefeacuterence au sport est devenue centrale dans nos socieacuteteacutes libeacuterales)
Aimer lrsquoautre (ou mecircme simplement entretenir avec lui des relations amicales tendres
chaleureuses) risquerait de nous mettre agrave sa merci alors que nous deacutesirons en eacutetant le
premier subjuguer autrui le dominer le prendre aux recircts de nos propres deacutesirs En re-
fusant la liaison lrsquohomme contribue sans en avoir une conscience nette au deacutelitement
du lien social Lrsquohomme nrsquoenvisagera plus lrsquoautre qursquoagrave lrsquointeacuterieur de ldquostrateacutegies relation-
nellesrdquo qursquoil aura mis au point On se rend compte alors que cet homme nrsquoest que le
200
serviteur de la culture strateacutegique seule culture pensable dans une socieacuteteacute libeacuterale qui
nrsquoenvisage lrsquoautre que comme objet agrave seacuteduire agrave manipuler ou agrave bannir
LerocirclecentraldelrsquoamourdanslaKulturarbeit
Le travail de la culture crsquoest-agrave-dire la possibiliteacute eacutevoqueacutee par Freud en particulier dans
Lrsquohomme Moiumlse et la religion monotheacuteiste (1939) que celle-ci permette de faire des ldquopro-
gregraves dans la spiritualiteacute rsquo drsquoapporter sa pierre agrave lrsquoeacutemancipation humaine et agrave la recon-
naissance mutuelle est directement deacutependant de lrsquoamour qui peut se nouer entre
les ecirctres Freud disait ldquotout ce qui renforce les liens affectifs eacuteloigne de la guerrerdquo
Effectivement les liens affectifs font reculer les deacutesirs de destruction et favorisent lrsquoeacutelan
creacuteateur œuvres litteacuteraires arts plastiques musique et surtout affinement des relations
des hommes entre eux qui deviennent plus affables plus courtois plus enclins agrave srsquoai-
der mutuellement Sans sentiment positif sans compreacutehension drsquoautrui sans inteacuterecirct
pour lrsquoautre la culture ne peut au contraire que peacutericliter et les pulsions retrouver leur
force archaiumlque et leurs tendances destructrices Certains psychanalystes en particulier
N Zaltzman (2002) dans son ouvrage La gueacuterison psychanalytique nous montre qursquoune
psychanalyse ldquoreacuteussierdquo ne signifie pas que lrsquohomme se sente plus agrave lrsquoaise dans sa peau
ou qursquoil soit plus en mesure de reacutesoudre ses problegravemes mais qursquoil prenne conscience
de son appartenance agrave ce que R Antelme appelait ldquoLrsquoespegravece humainerdquo Crsquoest lorsque
lrsquoindividu se conccediloit comme rattacheacute au monde ldquohomme parmi les hommesrdquo (Sartre)
comme pouvant entrer en dialogue avec toutes les ethnies toutes les religions toutes
les nations et pouvant partager la souffrance des autres (Tocqueville avait drsquoailleurs bien
mis en eacutevidence le rocircle central de la sympathie envers les autres pour fonder dura-
blement la deacutemocratie) qursquoil devient veacuteritablement un homme de la culture et qursquoil
contribue ainsi agrave son ldquotravailrdquo Dans une socieacuteteacute par contre du chacun pour soi du
chacun contre lrsquoautre lrsquohomme se deacute-culture il se deacute-civilise (comme le notait N Elias
1989) et il nrsquoest plus que le siegravege de ses passions eacutegoiumlstes Il nrsquoest pas neacutecessaire drsquoaller
plus avant Lrsquoamour en tant que la rencontre de deux ecirctres de plusieurs ecirctres drsquoune
multitude drsquoecirctres nouant des rapports de reacuteciprociteacute de longue dureacutee et marqueacutes par
la symeacutetrie est loin de caracteacuteriser notre culture libeacuterale Dans celle-ci comme lrsquoeacutecrit
N Luhmann (1982) lrsquoamour est devenu un problegraveme lrsquoincommunicabiliteacute devenue
la regravegle la performance (rester le plus jeune le plus beau le plus viril ou pour une
femme la plus attirante) obligatoire Comme le dit eacutegalement A Giddens (1992) ldquoon
ne reste ensemble que si cette relation donne satisfaction ldquoon ne srsquoengage que pour ce
201Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
qursquoon peut espeacuterer tirer de cet engagementrdquo ou encore comme lrsquoeacutecrit Z Bauman (2003)
ldquolrsquoamour est devenu liquiderdquo et il peut srsquoeacutecouler rapidement Il nrsquoa plus drsquointeacuterecirct que srsquoil
aide agrave la reacutealisation de soi Si au contraire il amegravene des doutes suscite des remises en
cause srsquoil occasionne des brucirclures il ne peut qursquoecirctre rejeteacute
Aussi les liaisons (que les individus soient marieacutes leacutegalement ou non) srsquoeffilochent rapi-
dement les divorces se multiplient les rencontres eacutepheacutemegraveres preacutedominent Il faut sa-
tisfaire tous ses deacutesirs et cela continuellement Il ne doit pas y avoir de repos de moments
difficiles de problegravemes agrave reacutesoudre ldquoJe trsquoaime moi non plusrdquo nrsquoest plus le titre drsquoune
chanson Elle constitue lrsquoaffirmation prototypique drsquoune socieacuteteacute ougrave la place de lrsquoautre
est celle drsquoun pourvoyeur de satisfactions immeacutediates et de satisfactions agrave long terme
Mais comme jouir constamment est de lrsquoordre de lrsquoimpossible comme lrsquoautre ne joue
pas forceacutement ce jeu lagrave car il a lui aussi son jeu agrave mener comme la maladie guette
lrsquohomme des socieacuteteacutes libeacuterales devient en reacutealiteacute un ecirctre de plus en plus insatisfait qui
ne comprend pas qursquoautrui ne se comporte pas comme un bon ordinateur qursquoil suffit
de pianoter pour obtenir la reacuteponse deacutesireacutee Alors le malaise srsquoinstalle
Nos socieacuteteacutes ne sont pas malades seulement parce qursquoelles nrsquoarrivent pas agrave reacutesoudre
le problegraveme du chocircmage parce qursquoelles sont de plus en plus ineacutegalitaires qursquoelles
laissent des pans entiers de population dans le deacutenuement le plus complet agrave tel point
que certaines personnes ne vivent plus mais survivent seulement elles sont malades
du manque drsquoamour
Notre culture libeacuterale a oublieacute que lrsquoamour lrsquoamitieacute le respect la deacutefeacuterence la consideacute-
ration pour lrsquoautre eacutetait le ciment indispensable agrave leur consistance et agrave leur permanence
Elle a cru qursquoen instaurant la ldquoguerre de tous contre tousrdquo elle permettrait agrave chacun de
se deacutepasser de se reacutealiser de jouir sans entrave
La conseacutequence de cet eacutetat de fait nous le constatons chaque jour ce nrsquoest pas la crise
(il est toujours possible de sortir drsquoune crise et de la crise ndash comme le terme lrsquoindique- a
souvent des aspects beacuteneacutefiques en tant qursquoelle ouvre des portes crsquoest le malaise diffus
constant eacutetouffant impalpable vrai ldquosmogrdquo psychologique qui environne chacun drsquoun
brouillard eacutepais Ce malaise que Freud avait repeacutereacute et que tout le monde avait espeacutereacute
temporaire persiste et devient de plus en plus dense Lrsquohomme moderne ne sait quoi
202
en faire Il peste contre la socieacuteteacute les autres lui-mecircme Il ne voit pas qursquoil en est partie
prenante et qursquoil lrsquoentretient chaque jour Ethellippourtant certains signes certes discrets
nous rappellent que le pire nrsquoest pas toujours sucircr Les hommes ne se reacutesignent pas tous
agrave ce monde sans amour sans passion reacuteciproque et non alieacutenante sans reconnaissance
mutuelle En effet beaucoup de personnes tiennent toujours agrave se marier et agrave avoir des
enfants (enfants qui comme le montrait Hegel constitue le deacutepassement drsquoune rela-
tion duelle qui pourrait devenir mortifegravere) les couples homosexuels veulent avoir des
enfants (gracircce agrave des megraveres porteuses) ou en adopter ils deacutesirent de plus en plus sou-
vent se marier ou entretenir des relations durables Les femmes ceacutelibataires deacutesirent
elles aussi se prolonger dans leurs enfants
Sur un tout autre plan lrsquoindividu atomiseacute commence agrave retrouver le goucirct du collectif
des groupes chaleureux (certes souvent il se trompe et adhegravere agrave des sectes qui lrsquoaliegravenent
Cependant malgreacute tout en choisissant cette voie ce qursquoil veut signifier crsquoest lrsquoimpos-
sibiliteacute de vivre seul coupeacute de ses semblables et ayant froid au cœur) des groupes
politiques qui se situent en dehors des partis politiques ou des syndicats traditionnels
Il retrouve aussi le goucirct de la politique crsquoest-agrave-dire lrsquointeacuterecirct pour la vie de la citeacute et donc
pour les humains qui la composent il srsquoinvestit dans des mouvements sociaux plus ou
moins novateurs et en tout eacutetat de cause non traditionnels (comme les mouvements
altermondialistes) Il srsquointeacuteresse agrave la construction europeacuteenne mecircme srsquoil combat les
formes actuelles de celle-ci
Eros nrsquoa dons pas dit son dernier mot Et vraisemblablement il ne le fera jamais car un
monde ougrave chacun est deacutefinitivement seacutepareacute des autres ne deviendrait qursquoune ldquoterre
deacutevasteacuteerdquo ougrave regravegnerait un eacuteternel hiver Ceci eacutetant Eros parle encore agrave voix basse et on
entend beaucoup mieux les clameurs de Thanatos Il nrsquoempecircche que lrsquoavenir est loin
drsquoecirctre joueacute Nous savons depuis longtemps que lorsque les socieacuteteacutes eacutevoluent dans un
certain sens des reacuteticences et des reacutesistances finissent par se faire jour Comme le
disait Houmllderlin ldquoquand croissent les peacuterils croicirct aussi ce qui sauverdquo Peut ecirctre agrave un
moment non preacutevisible un tregraves grand nombre drsquohommes pourront reacutepeacuteter agrave nouveau
les vers fameux de La Fontaine ldquoAmants heureux amants voulez-vous voyager que
ce soit aux rives prochaines soyez vous lrsquoun agrave lrsquoautre un monde toujours beau Tou-
jours divers toujours nouveau Une telle occurrence est peu probable Il ne srsquoagit pas
drsquoabandonner tout espoir de surprise car comme lrsquoeacutecrivait un autre poegravete Reneacute Char
ldquoA chaque effondrement des preuves le poegravete reacutepond par un salve drsquoavenirrdquo
203Qursquoest lrsquoamour devenu dans les socieacuteteacutes libeacuterales avanceacutees
Bibliographie
Bauman Z (2003) Lrsquoamour liquide Le Rouergue
Canetti E (1960) Masse et puissance Paris Gallimard
Devereux G (1973) Essais drsquoethnopsychiatrie geacuteneacuterale Paris Gallimard
Elias N (1989) The Germans Cambridge Polity Press
Enriquez E (1991) ldquoLe gardien des cleacutes systegraveme et volupteacute chez Saderdquo Em Les figures
du maicirctre Arcantegravere
Freud S (1930) Malaise dans la civilisation Paris PUF
Freud S (1939) Lrsquohomme Moiumlse et la religion monotheacuteiste Nouv
Giddens A (1992) La transformation de lrsquointimiteacute Le Rouergue
Le Chapelain A (1186) Comment maintenir lrsquoamour Rivages
Levi-Strauss C (1950) Introduction agrave lrsquoœuvre de M Mauss Sociologie et anthropologie
PUF
Luhman N (1982) Lrsquoamour comme passion Aubier
Simmel G (1921) La philosophie de lrsquoamour Rivages
Zaltzman N (2002) La gueacuterison psychologique Paris PUF
204
Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
LuizAugustoMonneratCeles
Freudeapoacutes-Freud
O movimento psicanaliacutetico como se sabe natildeo foi uniforme desde o iniacutecio e nem assim
permaneceu apesar dos esforccedilos de Freud e de certo grupo encabeccedilado por Ernest Jo-
nes para protegecirc-la de desvios de fundamento As consequecircncias mais imediatas (ainda
em vida de Freud) foram a ldquoexpulsatildeordquo e a dissidecircncia dos que se ldquodesviaramrdquo O caso de
Jung e Adler foram emblemaacuteticos Saacutendor Ferenczi sofreu reprimendas de Freud pelo
motivo de mudanccedilas introduzidas na teacutecnica de psicanaacutelise Escapou da dissidecircncia por
sua forte amizade pessoal com o mestre e por sua morte prematura De qualquer modo
suas contribuiccedilotildees soacute foram tardiamente incorporadas agrave psicanaacutelise
Apoacutes o periacuteodo de dissensotildees o movimento psicanaliacutetico passou por grande periacuteodo
de diferenciaccedilotildees de segmentaccedilotildees que muitas vezes terminaram por formar escolas
de psicanaacutelise A iniciar-se pelas divergecircncias entre os kleinianos e os freudianos na
205Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
Sociedade Britacircnica de Psicanaacutelise mediados em seguida por um terceiro grupo enca-
beccedilado por Winnicott A psicanaacutelise fez-se viver e prosperar com as diferenccedilas embora
as segmentaccedilotildees do movimentos natildeo conseguissem estabelecer fundamentos teoacutericos
e teacutecnicos comuns que pudessem eventualmente constituir sua siacutentese
Iniciadas em meados do seacuteculo XX as divergecircncias que natildeo foram expurgadas do mo-
vimento psicanaliacutetico introduziram mudanccedilas mais ou menos radicais em relaccedilatildeo agrave psi-
canaacutelise freudiana chamada padratildeo claacutessica ou tiacutepica Encontram-se presentes ainda
hoje conforme perspectivas adotadas para sua observaccedilatildeo malgrado os esforccedilos empre-
endido nos uacuteltimos 30 anos aproximadamente por parte de importantes psicanalistas
que buscam certa unidade de fundamentos
Antes poreacutem de discutir tais esforccedilos e suas direccedilotildees ou linhas de desenvolvimentos
que caracterizam a psicanaacutelise contemporacircnea exploraremos resumidamente segun-
do dois fundamentos a origem das divergecircncias que tanto fragmentaram a psicanaacutelise
levando ateacute mesmo ao limites de muitos de os segmentos natildeo reconhecerem outros
como de mesma iacutendole psicanaliacutetica Essa mesma fragmentaccedilatildeo constituiu o problema
para a psicanaacutelise contemporacircnea
IDivergecircnciasfundamentaisnointeriordapsicanaacutelise
Esquematicamente as divergecircncias na psicanaacutelise aconteceram de acordo com o privi-
leacutegio dado a um entre dois eixos atenccedilatildeo ao intrapsiacutequico ou atenccedilatildeo ao interpsiacutequico
(ou intersubjetivo) implicando entre as escolas que seguiram este ou aquele aspecto
diferenccedilas de fundamentos e variaccedilotildees teacutecnicas
1) Diferenccedilas de fundamentos
11) Caracterizaccedilatildeo esquemaacutetica das posiccedilotildees intrapsiacutequicas
Normalmente se identifica este fundamento com o freudiano o da psicanaacutelise padratildeo
Os fundamentos das perspectivas psicanaliacuteticas intrapsiacutequicas podem ser resumidos na
adoccedilatildeo prioritaacuteria de dois conceitos pulsatildeo e inconsciente
206
a) A adoccedilatildeo da pulsatildeo como uma caracteriacutestica congecircnita e permanente uma forccedila
quase selvagem que exige trabalho psiacutequico para a sua dominaccedilatildeo e eliminaccedilatildeo trouxe
ecircnfase agrave noccedilatildeo de conflitos Inicialmente o conflito que determina o psiquismo e sua
conformaccedilatildeo se estabelece entre a pulsatildeo sexual vs pulsatildeo de autoconservaccedilatildeo A pulsatildeo
sexual cuja definiccedilatildeo maacutexima se encontra no conceito de sexualidade infantil guia-se
pelo princiacutepio do prazer desprazer sem reconhecimento da realidade portanto sub-
metida a processos primaacuterios e precisa ser domesticada em favor da vida da autocon-
servaccedilatildeo A funccedilatildeo de autoconservaccedilatildeo eacute dada ao eu como uma instacircncia quase natural
num primeiro momento ndash a funccedilatildeo quase bioloacutegica de adaptaccedilatildeo agrave realidade desse ldquoor-
ganismo enlouquecidordquo pelas pulsotildees em busca de uma satisfaccedilatildeo condizente Prazer
sexual vs conservaccedilatildeo da vida sexualidade vs vida seria o entendimento mais basal do
conflito da psicanaacutelise votada ao intrapsiacutequico
Posteriormente os desenvolvimentos da psicanaacutelise os quais natildeo cabem aqui serem
esmiuccedilados25 conduziram a outras formas do entendimento do conflito pulsional sen-
do o mais caracteriacutestico a oposiccedilatildeo que se estabeleceu a partir de 1920 entre a pulsatildeo
de vida e a pulsatildeo de morte A pulsatildeo de vida conglomerou as funccedilotildees libidinais e da
autoconservaccedilatildeo embora se mantenha a ideia de que a pulsatildeo sexual seja guiada pelo
princiacutepio do esgotamento que a aproxima do princiacutepio da morte da ineacutercia do zero de
excitaccedilatildeo No entanto a pulsatildeo de vida privilegia o aspecto de ligamento da libido ou
seja Eros que aproxima e manteacutem unido os grupos Conduz tais grupos e agrupamen-
tos cada vez mais abrangentes em favor da vida e em certo sentido da vida prazerosa
dentro dos limites impostos pela realidade A pulsatildeo de vida ou Eros tambeacutem eacute uma
pulsatildeo culturada isto eacute submetida agraves exigecircncias e agraves perspectivas de satisfaccedilatildeo ofereci-
das pelo ambiente social e cultural Eros representa a integraccedilatildeo entre pulsatildeo e cultura
como o sugere Guimaratildees (2010 e 2011)
A pulsatildeo de morte ao contraacuterio parece natildeo manter afinidade com as formaccedilotildees cul-
turais exceto talvez que os grupamentos de humanos possam servir como ldquoobjetosrdquo
de sua satisfaccedilatildeo quando entatildeo ela passa a ser entendida como pulsatildeo de destrutivida-
de Destroacutei elos em busca da fragmentaccedilatildeo cada vez maior com vistas a cessaccedilatildeo da
25 A importacircncia e a radicalidade de transformaccedilatildeo da psicanaacutelise a partir desses desenvolvimentos pode ser muito apropriadamente acompanhada em Green (2005) e seu alcance e efeito de ruptura particularmente Parte II Cap 1 p 141-158
207Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
vida Ela se faz a responsaacutevel pelo mal-estar estruturalmente caracteriacutestico da condiccedilatildeo
humana em sua vida civilizada (lembrando que natildeo haacute outra certamente) A pulsatildeo
de morte tambeacutem nomeia um princiacutepio o princiacutepio pulsional por excelecircncia como o
observa Freud (19201976) O princiacutepio pulsional do zero da busca de esgotamento
de qualquer excitaccedilatildeo Como princiacutepio pulsional a pulsatildeo de morte natildeo eacute apreendida
por assim dizer como um ente mas como o que ldquoanimardquo toda pulsatildeo em busca de sua
satisfaccedilatildeo Um dos muitos paradoxos da psicanaacutelise princiacutepio de morte que anima Tal
princiacutepio do esgotamento eacute impedido em seu fim pela vida encadeando desta maneira
a satisfaccedilatildeo verdadeiramente eroacutetica (i eacute de Eros Eacute seu trabalho seu processo) As-
sim numa abordagem ligeira podemos delimitar duas perspectivas de entendimento
da pulsatildeo de morte e seu conflito com Eros Em sua compreensatildeo mais substantiva
distinguem-se duas pulsotildees que se confrontam e se esforccedilam em direccedilatildeo agraves suas satis-
faccedilotildees caracteriacutesticas a de morte como destrutividade e a de vida como buscas vinculan-
tes Elas se combinam e se apresentam na vida cotidiana nos meandros conflituosos de
satisfaccedilotildees e limites de satisfaccedilotildees a constituir a condiccedilatildeo estrutural do mal-estar Em
sua condiccedilatildeo de causa primaacuteria do trabalho psiacutequico em busca da satisfaccedilatildeo ela estaacute
aleacutem do princiacutepio do prazer e guia (a contragosto do psiquismo constituiacutedo) o processo
de satisfaccedilatildeo de toda pulsatildeo mesmo que para esse fim voltas rodeios desvios e repeti-
ccedilotildees intermedeiem seu esgotamento
O modelo pulsional eacute basicamente neuroacutetico em sua origem com ecircnfase nos processos
de recalcamento sobre a sexualidade infantil o que tem por consequecircncia uma visada
da psicanaacutelise sobre os aspectos infantis das neuroses Inclui-se posteriormente uma
perspectiva traumaacutetica das proacuteprias pulsotildees quando entatildeo o acento teoacuterico e cliacutenico
recai sobre a compulsatildeo agrave repeticcedilatildeo e seu aspecto destrutivo mas principalmente auto-
destrutivo
b) O segundo conceito que baliza e guia as abordagens intrapsiacutequicas eacute o inconsciente
A ideia eacute a de que o psiquismo se constitui primeiramente originariamente e predomi-
nantemente inconsciente Trata-se do inconsciente sistemaacutetico processual O incons-
ciente compreendido inicialmente como trabalho sendo o seu modelo o trabalho do so-
nho (como tambeacutem os trabalhos de formaccedilatildeo dos sintomas da inibiccedilatildeo e da anguacutestia)
O psiquismo eacute representacional composto por representaccedilotildees ideativas (representaccedilatildeo
de coisa representaccedilatildeo de palavra e representaccedilatildeo de objeto) e representaccedilatildeo do afeto mdash
de uma maneira particular a proacutepria pulsatildeo eacute uma representaccedilatildeo representaccedilatildeo da exi-
208
gecircncia de trabalho imposta ao psiquismo pelas excitaccedilotildees corporais As representaccedilotildees
de coisa caracterizam o inconsciente Submetido ao processo primaacuterio a distribuiccedilatildeo
da libido no inconsciente eacute por assim dizer livre Por isso paracircmetros como a racionali-
dade o tempo e a percepccedilatildeo da realidade natildeo estatildeo em consideraccedilatildeo no processamento
inconsciente que eacute ldquoassociativordquo (Roussillon 2012) Aliaacutes para ser preciso a associati-
vidade eacute caracteriacutestica de todo o psiquismo determinado que estaacute pelo inconsciente
Representaccedilotildees de palavra e representaccedilotildees de objeto completam a apreensatildeo do psi-
quismo As associaccedilotildees entre as representaccedilotildees de coisa e as representaccedilotildees de palavras
constituiratildeo secundariamente as representaccedilotildees de objeto O objeto eacute originariamente o
objeto da pulsatildeo apreendido secundariamente como objeto do desejo como os objetos
das interaccedilotildees dos viacutenculos de Eros e mesmo como objetos culturais (na sublimaccedilatildeo
por exemplo) Como objeto da pulsatildeo eacute em sua origem objeto auto-eroacutetico e parcial e o
trabalho em direccedilatildeo agrave apreensatildeo de um objeto total se faz necessaacuterio com o auxiacutelio do
complexo ediacutepico e da castraccedilatildeo e entrada por assim dizer no acircmbito dos processos
secundaacuterios que nunca seraacute completo e sinteticamente estruturado Portanto forma-
ccedilotildees inconscientes estaratildeo sempre presentes e a realidade se constitui como realidade
psiacutequica
Sugerimos entender o que Freud designa de realidade psiacutequica como proacuteximo ao pro-
cesso terciaacuterio proposto por Green (1979) Pois ela faz a mediaccedilatildeo entre o inconsciente
e o preacute-conscienteconsciente e entre o psiquismo com suas fantasias de desejo e a
realidade objetiva ou histoacuterica (como a ela se refere Freud) A vida eacute particularmente
entendida permitam-nos a liberdade de expressatildeo como em ldquosonhordquo Assim ao menos
eacute o que pode ser apreendido da vivecircncia neuroacutetica
O modelo neuroacutetico do conflito entre as fantasias de desejo e as forccedilas do recalque seraacute
ampliado para o modelo paranoico e melancoacutelico (Celes 2010) Cada um desses dois
se diferencia e tem por base os desenvolvimentos iniciados por Freud a partir de 1920
e seguido pelos freudianos apoacutes-Freud Entatildeo uma metapsicologia para as psicoses
inicia-se na psicanaacutelise de maneira mais sistemaacutetica tendo por centro as afecccedilotildees do
eu e com elas as consideraccedilotildees sobre a perda da realidade As noccedilotildees de cisotildees do eu
incluindo sua cisatildeo estruturante entre eu e supereu (e os ideais do eu) mas tambeacutem a
cisatildeo por consequecircncia das proacuteprias defesas do eu adiantam-se em relaccedilatildeo aos confli-
tos neuroacuteticos entre recalcado e recalque embora este uacuteltimo padratildeo natildeo seja defini-
tivamente abandonado Convivem modelos distintos que se sobrepotildeem por vezes se
209Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
substituem mas natildeo se excluem no pensamento psicanaliacutetico intrapsiacutequico e mesmo
no freudiano
As fantasias e desejos encontram-se em foco na cliacutenica Trata-se aqui do modelo do
sonho em oposiccedilatildeo ao privileacutegio do modelo matildee-bebecirc adotado pela psicanaacutelise inter-
subjetiva tal como Green (2003) sugere distinguir os modelos psicanaliacuteticos dominan-
tes na segunda metade do seacuteculo passado No entanto o modelo do sonho de que fala
Green natildeo se limite aos achados da Interpretaccedilatildeo dos sonhos (1900a) e adjacecircncias
questatildeo que ao fim retomaremos Isto eacute natildeo se restringe ao periacuteodo do desenvolvimen-
to psicanaliacutetico freudiano que Kristeva (1996) caracteriza como otimismo com a lingua-
gem Sabemos que a chamada psicanaacutelise tiacutepica ou padratildeo rapidamente encontrou seus
limites e que os freudianos natildeo ignoraram seus problemas Natildeo eacute difiacutecil entender que
a chamada feita por Green para o retorno ao modelo do sonho diga mais respeito a natildeo
nos esquecermos apressadamente da riqueza do que ali se estabeleceu e desenvolveu
lanccedilando-se muito aleacutem da interpretaccedilatildeo dos sonhos dos atos falhos e dos chistes
Na perspectiva da psicanaacutelise intrapsiacutequica os processos psiacutequicos mais significativa-
mente considerados satildeo o recalque (precisamente o mecanismo responsaacutevel pela sepa-
raccedilatildeo do psiquismo entre consciente e inconsciente) a projeccedilatildeo e a identificaccedilatildeo (cujo
caraacuteter original eacute histeacuterico dizendo apressadamente)
12) Caracterizaccedilatildeo esquemaacutetica das posiccedilotildees interpsiacutequicas ou intersubjetivas
Satildeo perspectivas assumidamente apoacutes-Freud e buscam ampliar complementar e mes-
mo suplantar a psicanaacutelise freudiana a padratildeo ou tiacutepica estabelecendo fundamentos
distintos dos intrapsiacutequicos e modificando consequentemente secundo entendem sua
teacutecnica Psicanaacutelise modifica foi o nome que lhe deu Winnicott As perspectivas psica-
naliacuteticas interpsiacutequicas ou intersubjetivas privilegiam a compreensatildeo da constituiccedilatildeo
do psiquismo e de suas dificuldades nas relaccedilotildees com o mundo externo nos conflitos
de ldquointeressesrdquo entre o sujeito e o objeto ou o deacuteficit entre as necessidades e respos-
tas agraves necessidades proporcionadas pelos objetos O externo pode ser tomado como o
ambiente como tal (Winnicott) ou como os objetos de que o sujeito depende em seu
periacuteodo inicial (desamparado e dependente) de vida Duas noccedilotildees guiam a psicanaacutelise
que a partir daiacute se desenvolveu e tambeacutem se dispersou relaccedilotildees de objeto e inconsciente
compartilhado (sugerimos como expressatildeo provisoacuteria)
210
a) A importacircncia das relaccedilotildees de objeto para o entendimento da constituiccedilatildeo do psiquis-
mo e de suas dificuldades e patologias bem como para a apreensatildeo do sofrimentos dos
sujeitos baseia-se numa diferenccedila de posiccedilatildeo entre o sujeito desamparado e dependen-
te e o objeto (adulto) que dele se ocupa Desde Ferenczi com a proposiccedilatildeo da diferenccedila
entre as liacutenguas de ternura e sexual que se estabelece necessariamente mdash antropologi-
camente poderiacuteamos afirmar mdash entre a crianccedila e o adulto passando pela impossibili-
dade do atendimento sempre adequado das necessidades do ego de Fairbairn pela falha
do essencial asseguramento (holding) de Winnicott ou da contenccedilatildeo (containing) de
Bion ateacute a condiccedilatildeo da matildee morta de Green a dificuldade se estabelece entre sujeito x
objeto eu x outro self x natildeo-eu etc No entanto essas dificuldades das relaccedilotildees e das sa-
tisfaccedilotildees de necessidades natildeo se constituem primariamente como conflitos mas como
falhas na constituiccedilatildeo dos processos psiacutequicos ou dos limites do psiquismo O conflito
no seu sentido mais originaacuterio somente apareceraacute de modo secundaacuterio de forma de-
fensiva para obstruir as falhas primitivas das relaccedilotildees de objeto Podemos pensar no
falso self nos aparatos libidinais para a proteccedilatildeo da esquizoidia estrutural do Fairbairn
nas evacuaccedilotildees dos objetos maus internalizadoshellip
Teoricamente a atenccedilatildeo se volta para as relaccedilotildees primitivas em busca das condiccedilotildees
de constituiccedilatildeo do eu (self sujeito subjetividade etc) mas tambeacutem do psiquismo em
seus processos baacutesicos Questotildees de tal ordem satildeo consideradas primitivas anteriores
agraves consideraccedilotildees pulsionais e necessaacuterias para sua instalaccedilatildeo Os conflitos ediacutepico e de
castraccedilatildeo satildeo tomados como formaccedilotildees segundas baseadas que estriam na condiccedilatildeo
de miacutenima totalizaccedilatildeo do psiquismo Seja no sentido de sua adequada diferenciaccedilatildeo do
objeto seja em sua constituiccedilatildeo simboacutelica Em geral parte-se do pressuposto de que o
psiquismo natildeo eacute originariamente representacional cuja constituiccedilatildeo dependeraacute de ade-
quada simbolizaccedilatildeo Falhas no processo da simbolizaccedilatildeo proporcionadas pelos objetos
acarretariam estados de sofrimento natildeo-neuroacuteticos que requerem apropriada interven-
ccedilatildeo terapecircutica distinta da proporcionada pela psicanaacutelise padratildeo
Deve-se considerar neste aspecto que a estrutura psiacutequica eacute fundamentalmente egoica
(Fairbairn) ou se trata da constituiccedilatildeo de um self (Winnicott) um envelope por assim
dizer um continente para o psiquismo O outro e o objeto estabelecem as condiccedilotildees
de constituiccedilatildeo do eu e do self Nessa perspectiva amplamente falando de uma base
egoica do psiquismo as instacircncias psiacutequicas se borram Alguns autores como Green
ou Roussillon que pretendem manter viacutenculos com a psicanaacutelise freudiana veem na
211Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
segunda toacutepica freudiana onde o ego eacute ele mesmo (segundo a leitura que se faccedila) in-
consciente certa inspiraccedilatildeo para a indiferenciaccedilatildeo das instacircncias psiacutequicas No entanto
tal indiferenciaccedilatildeo seria ela mesma uma condiccedilatildeo primitiva mantida mais ou menos
grave em consequecircncia da adequada ou inadequada responsividade dos objetos Ainda
na linha do psiquismo egoico Figueiredo (2009a) mostra como os fragmentos natildeo sin-
tetizados dos objetos se depositam na forma de um supra-eu arcaico que a seguir seratildeo
evacuados nos objetos
b) O borratildeo por assim dizer das instacircncias psiacutequicas conduz agrave consideraccedilatildeo da possibi-
lidade de alheamento de partes do psiquismo A ideia do inconsciente compartilhado eacute
de que ele se passa entre os sujeitos envolvidos seja entre o sujeito e o objeto primaacuterio
seja entre os sujeitos da anaacutelise a dupla analiacutetica (as trocas transferenciais mdash contra-
transferenciais o terceiro analiacutetico de Ogden 1996 etc) Sugere tambeacutem a compreen-
satildeo da possibilidade da exterioridade das funccedilotildees psiacutequicas impedidas de se realizarem
no sujeito De modo geral desaparece a ideia de um inconsciente sistemaacutetico separado
do eu
O inconsciente quando considerado eacute um inconsciente egoico ele mesmo partes do
ego cindidas do ego central e recalcadas (Fairbairn 19521999) Ou o inconsciente per-
de seu sentido como instacircncia (compreensatildeo que se pode apreender da obra de Winni-
cott) Ou suas funccedilotildees mais elementares satildeo exercidas pelo objeto (kleinianos tardios
Bion Ogden etc) Tambeacutem o analista assume uma funccedilatildeo de instacircncia psiacutequica na
anaacutelise como a do superego complacente de Fairbairn e como os de desenvolvimentos
mais recentes como o mostra Figueiredo (2009a) A base da ideia da instacircncia psiacutequica
dada ao outro ou compartilhado com o objeto tambeacutem eacute tomada de Freud (1921c1976)
quando sugere que nas formaccedilotildees grupais com forte lideranccedila entregamos nossos ide-
ais de ego ao liacuteder justamente Tal posiccedilatildeo em psicanaacutelise se justifica na especificidade
dos casos atendidos psicoacuteticos e principalmente borderlines (esse enorme campo li-
miacutetrofe do qual afinal sabe-se tatildeo pouco)
Os processos psiacutequicos mais significativamente considerados satildeo a cisatildeo (muito aleacutem
do recalque que distingue o psiquismo em suas partes se trata de um processo que
incide sobre o eu dividindo-o em partes boas e maacutes) a identificaccedilatildeo projetiva (meca-
nismo responsaacutevel pela evacuaccedilatildeo das partes maacutes e cindidas do eu) e a capacidade de
elaboraccedilatildeo do objeto primaacuterio sua habilidade fantasiacutestica (a matildee suficientemente boa
212
de Winnicott mas tambeacutem o objeto interpretativo de alguns kleinianos e o estado de
recircverie de Bion) Nessas perspectivas a capacidade de constacircncia de asseguramento e
de elaboraccedilatildeo dos objetos primaacuterios satildeo os responsaacuteveis pela constituiccedilatildeo dos sujeitos e
pela integridade de suas subjetividades de seus psiquismos
2) Variaccedilotildees teacutecnicas
21) Caracterizaccedilatildeo esquemaacutetica da psicanaacutelise voltada para o intrapsiacutequico
Aplica-se plenamente a regra fundamental da associaccedilatildeo livre Supotildee um aparelho psiacute-
quico associativo representacional e se busca alcanccedilar as fantasias e desejos recalcados
A interpretaccedilatildeo do sonho constitui seu modelo teacutecnico modelo do sonho Embora esse
modelo natildeo se esgote no sonho ou nas praacuteticas de interpretaccedilatildeo dos atos falhos ou dos
chistes A anaacutelise trata da recordaccedilatildeo da repeticcedilatildeo e da elaboraccedilatildeo Eacute a anaacutelise do in-
consciente o que se pratica tanto se busca sua investigaccedilatildeo como se atende ao objetivo
terapecircutico Nesta perspectiva tratam-se no trabalho psicanaacutelise da inibiccedilatildeo do sintoma
e da anguacutestia
Mas tambeacutem ainda que em tal base se busca a anaacutelise do ego suas relaccedilotildees com o
objeto e tem-se a redistribuiccedilatildeo da libido como meta
A interpretaccedilatildeo eacute o meacutetodo caracteriacutestico Tal interpretaccedilatildeo natildeo significa uma herme-
necircutica simplesmente Ela supotildee a mobilizaccedilatildeo da pulsatildeo e a possibilidade de seu des-
locamento de seu escoamento pela via da palavra Visa-se a adequada simbolizaccedilatildeo me-
lhor dizendo a adequada representaccedilatildeo das experiecircncias sexuais infantis organizadas
inconscientemente em cenas em fantasias Como o sugere Freud (1905e1972) sua
meta teoacuterica eacute tornar o inconsciente consciente
A oposiccedilatildeo dos sujeitos agrave recordaccedilatildeo do recalcado conduz agrave compreensatildeo da psica-
naacutelise como trabalho de vencer resistecircncias Tal trabalho define a posiccedilatildeo do analista
privilegiando-se sua escuta O analista tem posiccedilatildeo fundamental na forma da escuta li-
vremente flutuante Escuta sem que se hierarquize o discurso do analisando Como seu
discurso eacute predominantemente narrativo e raramente se realiza explicitamente como
213Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
associativo a funccedilatildeo da escuta do analista eacute a de ouvir a associaccedilatildeo implicada na narrati-
va do analisando (como o sugere Green 1988) A posiccedilatildeo do analista eacute basicamente a do
silecircncio (silecircncio vivo de trabalho) e o da paciecircncia em deixar vir o que eacute inconsciente
Posiccedilatildeo de silecircncio que deve ser entendida em seu sentido metafoacuterico Trata-se do silecircn-
cio que deixe vir a fala do analisando e para que se a receba
A interpretaccedilatildeo tem o sentido da confrontaccedilatildeo (Figueiredo 2012a) A de sugerir senti-
dos distintos dos que se manifestam no discurso do analisando Confrontaccedilatildeo que natildeo
pode ser entendida como jogo de esperteza entre analista e analisando A confrontaccedilatildeo
supotildee o tempo adequado o momento em que seja possiacutevel ao analisando ouvir ele tam-
beacutem o que sua fala diz pela boca do analista e que ele mesmo o analisando natildeo ouviu
enquanto dizia Trata-se de um trabalho de fazer falar e fazer ouvir (Celes 2005) Vale
lembrar a compreensatildeo lacaniana de que o inconsciente eacute aquilo que constantemente
nos fala mas agrave qual fala natildeo damos a menor bola A resistecircncia e o entendimento da
psicanaacutelise como trabalho de vencer resistecircncias ganham aiacute pleno sentido
A transferecircncia eacute o suporte teacutecnico (fator teacutecnico assim a entende Freud) para tornar
possiacutevel a fala em associaccedilatildeo e ouvir em atenccedilatildeo flutuante Ela carrega uma forccedila su-
gestiva a forccedila para que o analisando ouccedila o que lhe diz o analista Assim a atitude de
reserva (Figueiredo 2008) e da benevolente compreensatildeo (Freud) regem a posiccedilatildeo do
analista no trabalho psicanaacutelise de exploraccedilatildeo associativa do inconsciente A contra-
transferecircncia tem um lugar secundaacuterio Natildeo porque se a ignora e natildeo se a tome em
consideraccedilatildeo Mas porque ela natildeo eacute propriamente explorada como instrumento de anaacute-
lise Isso ganha sentido no fundamento intrapsiacutequico do conflito A transferecircncia ela
mesma eacute a condiccedilatildeo da anaacutelise define a situaccedilatildeo analiacutetica e se visa ao cabo sua ldquodisso-
luccedilatildeordquo fim aliaacutes nunca alcanccedilado mas horizonte de fazer passar o passado Por isso
busca-se interpretaacute-la isto eacute apontar seu sentido infantil e seu caraacuteter transferido (cujo
uso do conceito ldquotransferecircnciardquo pode mascarar que em sua interpretaccedilatildeo se objetive
revelar seu caraacuteter transferido) O diaacutelogo analiacutetico eacute regressivo em direccedilatildeo ao infantil
mesmo que ele se atualize no presente da anaacutelise Atualiza-se na forma da posteriorida-
de isto eacute da ressignificaccedilatildeo do recalcado
Ao fim e ao cabo com a introduccedilatildeo da pulsatildeo de morte ou da importacircncia da destruti-
vidade em anaacutelise deve-se considerar a capacidade de o analista suportar as investidas
transferenciais destrutivas para que a interpretaccedilatildeo seja possiacutevel Toda a compreensatildeo
214
da anaacutelise da interpretaccedilatildeo da sexualidade ao suporte e interpretaccedilatildeo da destrutividade
baseia-se do enquadre claacutessico divatilde (que eacute o berccedilo da psicanaacutelise) poltrona (lugar de
reserva e atenccedilatildeo flutuante do analista) e a fala como meio eficaz para se alcanccedilar o que
se deseja isto eacute o inconsciente recalcado
Como jaacute se disse o modelo fundamental eacute o sonho e a psicanaacutelise eacute da neurose Natildeo se
quer dizer com esta restriccedilatildeo neurose que o sofrimento a que se dedica a psicanaacutelise
seja menos relevante nem que a psicanaacutelise seja faacutecil e o recalque esteja agrave matildeo para ser
desfeito Jaacute se repetiu que a histeria natildeo tem cura o que quer dizer que sua estrutura
(estrutura baacutesica da neurose segundo Freud o inconsciente) natildeo se desfaz Eacute o que re-
presenta a conquista fundamental da psicanaacutelise qual seja a de que o inconsciente natildeo
se esgota (embora seja finito como o sugere pensar Leclair 1977)
22) Caracterizaccedilatildeo esquemaacutetica da psicanaacutelise voltada para o interpsiacutequico (intersubjetivo)
Natildeo se aplica com facilidade a regra fundamental da associaccedilatildeo livre (Ogden 1996)
Existe nestes casos a suposiccedilatildeo de que natildeo houve suficiente simbolizaccedilatildeo do psiquis-
mo ou suficiente siacutentese narciacutesica para que a palavra associativa seja o carro chefe da
revelaccedilatildeo do inconsciente Se busca com o diaacutelogo analiacutetico restabelecer as condiccedilotildees
primitivas de constituiccedilatildeo do psiquismo com a finalidade de sua reconstruccedilatildeo de sanar
falhas de seu processo de sua delimitaccedilatildeo e falhas de simbolizaccedilatildeo O movimento re-
gressivo eacute concreto diferenciando-se do movimento regressivo freudiano que eacute toacutepico
processual e temporal
A regressatildeo em anaacutelise em substituiccedilatildeo ao retraimento (Winnicott 1978) eacute meta e meio
de accedilatildeo do analista Pode-se entender que o analista age sua interpretaccedilatildeo eacute entendida
(como o sugere Winnicott) como ato de continecircncia de acolhimento de asseguramen-
to etc Neste sentido natildeo se espera a associaccedilatildeo do analisando mas sua accedilatildeo e ateacute mes-
mo sua passagem ao ato como se diz O ato natildeo eacute principalmente interpretado mas
contido embora se possa pensar o papel de contenccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo
O analista no caso eacute mais presente do que aquele do conflito intrapsiacutequico A con-
tratransferecircncia ganha sentido como instrumento da anaacutelise (Heimann 19491989)
Ela pode ser usada para fomentar a interpretaccedilatildeo que privilegiaraacute o ldquoaqui e agorardquo da
anaacutelise (como na posiccedilatildeo kleiniana pois os conflitos estatildeo presentificados e realizados
215Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
na relaccedilatildeo transferencialmdashcontratransferencial) ou ela seraacute meio de ldquodigestatildeordquo do que
o analista recebe do analisando na forma da identificaccedilatildeo projetiva (seja a ldquodigestatildeordquo
como a ldquomaternagemrdquo winnicottiana pois a regressatildeo eacute efetiva e se realiza no presente
da sessatildeo de anaacutelise seja a ldquodigestatildeordquo sonhada recircverie como as propostas por Bion
Ogden dentre outros)
Sustenta-se a suposiccedilatildeo de uma quase equivalecircncia do objeto externo e objeto interno
que faz entender a participaccedilatildeo efetiva do analista como instacircncia psiacutequica do anali-
sando E o analista como receptaacuteculo direto (ou quase) das evacuaccedilotildees do analisando
Assim o analista ocupa a funccedilatildeo superegoica complacente (Fairbairn op cit Figueire-
do 2009a) para o e do analisando com a finalidade de ingerir-se nas necessaacuterias elabo-
raccedilotildees de simbolizaccedilatildeo visando uma reconstituiccedilatildeo do psiquismo do analisante Ou o
analista eacute ele mesmo a instacircncia que elabora eacute simbolizante (Bion Ogden) fazendo-se
vez do objeto primitivo (egoico por evidente) e faz retornar ao paciente de modo cons-
titutivo o que sobre o analista foi evacuado Em qualquer das formulaccedilotildees admite-se a
natildeo completa diferenciaccedilatildeo entre analisando e analista como reproduccedilatildeo da situaccedilatildeo
primitiva de constituiccedilatildeo do psiquismo de indiferenciaccedilatildeo entre o bebecirc e a matildee o su-
jeito nascente e o objeto ou o meio
O enquadre como jaacute se pode supor varia segundo as necessidades do analisando Os
quadros natildeo-neuroacuteticos as psicoses e particularmente os chamados borderlines mdash
problemaacuteticas narciacutesico-identitaacuterias como o diz Roussillon (2012) mdash constituem-se a
clientela desta anaacutelise modificada Nessas situaccedilotildees nem sempre o divatilde e a abstinecircncia
do analista satildeo possiacuteveis de ser mantidos Tambeacutem outros fatores do enquadre padratildeo
satildeo ou podem ser modificados como o tempo das sessotildees a sua frequecircncia semanal e
a admissatildeo de uma atitude psicoteraacutepica de contenccedilatildeo e acolhimento
A reserva do analista se torna no caso ainda mais radicalmente necessaacuteria embora
e mesmo porque ele abandona a posiccedilatildeo da abstinecircncia (da neutralidade interessada
como o diria Green) Sua participaccedilatildeo na dinacircmica analiacutetica uma vez que ela natildeo estaacute
controlada pelas regras fundamentais da associaccedilatildeo livre e da escuta flutuante pela
abstinecircncia e nem mesmo pela posiccedilatildeo invisiacutevel entre analista e analisando como na
psicanaacutelise padratildeo corre mais iminentemente o risco de conduzir a anaacutelise como uma
relaccedilatildeo dual dispensando-se a mediaccedilatildeo necessaacuteria O que quer dizer a mediaccedilatildeo sim-
boacutelica e simbolizante sem a qual a relaccedilatildeo analiacutetica pode se transformar numa relaccedilatildeo
216
de quase exclusiva intimidade como se diz ou simplesmente uma relaccedilatildeo imaginaacuteria
(Lacan 1979 particularmente p 77-86)
Os riscos da seduccedilatildeo provocada pelo analista e do uso sugestivo da contratransferecircncia
ficam mais eminentes daiacute que se impotildee o cuidado redobrado do analista como natildeo o
cansou de expressar Winnicott reconhecendo o oacutedio na contratransferecircncia e adotando
o cuidado meticuloso de se manter invariante o enquadre uma vez ajustado adequada-
mente agrave singularidade do paciente
Natildeo se trata mais do modelo do sonho mas do modelo matildee-bebecirc (Green) no qual
predomina a situaccedilatildeo de desamparo e dependecircncia precoces Modelo que se atualiza
na cliacutenica Essa concepccedilatildeo da psicanaacutelise pode afastaacute-la profundamente de seu padratildeo
sendo reinventada a cada vez com o risco de muito se afastar da ldquosituaccedilatildeo analisanterdquo
(Donnet 2001)
II-Apsicanaacutelisecontemporacircnea
A concepccedilatildeo assim cindida da psicanaacutelise provocou sua segmentaccedilatildeo representada
em escolas mais ou menos dogmaacuteticas que trouxeram uma dispersatildeo criacutetica do movi-
mento psicanaliacutetico Importantes psicanalistas reagiram em busca de uma possiacutevel fun-
damentaccedilatildeo que atenda agraves exigecircncias das dificuldades intrapsiacutequicas e interpsiacutequicas
Natildeo dogmaacutetica em sua intenccedilatildeo a busca de uma unificaccedilatildeo teria que atender a diversas
das questotildees que a psicanaacutelise se pocircs embora se reconheccedila a caracteriacutestica sempre in-
completa da psicanaacutelise portanto sua resistecircncia a siacutenteses abrangentes e gerais Sugiro
pensar uma siacutentese possiacutevel metaforicamente como aquela proporcionada pela genita-
lidade em relaccedilatildeo agrave dispersatildeo e parcializaccedilatildeo da sexualidade infantil ou como a siacutentese
alcanccedilada pelo narcisismo primaacuterio em relaccedilatildeo agrave fragmentaccedilatildeo auto-eroacutetica
Na tarefa de se elaborar tais siacutenteses como atravessamento de paradigmas (Figueiredo)
portanto natildeo como aglutinaccedilatildeo ou convergecircncia da dispersatildeo das escolas a psicanaacutelise
contemporacircnea se projeta para o futuro (Green 2010) como reconhecimento de que
muito da segmentaccedilatildeo das escolas permanece vigente de modo sutil ou presentes em
dogmatismo disfarccedilado apesar dos esforccedilos ditos contemporacircneos
217Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
Na tentativa da reflexatildeo para o presente-futuro da psicanaacutelise antecipando por assim
dizer seus problemas e suas soluccedilotildees destacam-se a nosso ver duas tendecircncias que
resumem as reflexotildees psicanaliacuteticas contemporacircneas Elas se apoiam mais ou menos
ainda que natildeo sejam derivaccedilotildees diretas nas reflexotildees ldquoda psicanaacutelises modernardquo (o ter-
mo eacute de Green 1979204) que viemos de apresentar fazendo pesar ora a ideia da rela-
ccedilatildeo de objeto ora a da pulsatildeo embora busque responder a ambas as problemaacuteticas que
eacute o quecirc a rigor pode caracterizar uma psicanaacutelise contemporacircnea distinta das que se
expressam nas formas segmentadas que discutimos acima
No entanto deve-se alertar para o fato de que os esforccedilos de ldquosiacutentesesrdquo que se fazem
neste iniacutecio do seacutec XXI natildeo resolveram segundo nosso julgamento de modo defini-
tivo a unificaccedilatildeo dos fundamentos da psicanaacutelise sob paracircmetros amplamente e comu-
mente acolhidos A problematizaccedilatildeo dos fundamentos da psicanaacutelise e de sua cliacutenica
permanece atual e se atualiza inclusive porque a psicanaacutelise se adapta agraves mudanccedilas de
demandas de tratamento caracteriacutesticas de eacutepocas e situaccedilotildees distintas mdash isto eacute ela eacute
sensiacutevel agraves transformaccedilotildees soacutecio-culturais (Celes 2003)
De fato em duas grandes direccedilotildees parece-nos razoaacutevel circunscrever os desenvolvimen-
tos psicanaliacuteticos atuais nos seus propoacutesitos de atender a necessaacuteria articulaccedilatildeo entre
pulsatildeo e relaccedilotildees de objeto (resumidamente falando)
1) Psicanaacutelise dos cuidados gerais
Nesta perspectiva a direccedilatildeo para o desenvolvimento do entendimento da psicanaacutelise
atual se expressa segundo um julgamento muito raacutepido no que se convencionou cha-
mar de ldquoTeoria Geral do Cuidadordquo (Figueiredo 2009b) Ressalte-se que Figueiredo na
obra citada natildeo faz a extensatildeo de alcance que aqui proporemos Mas nossas ideias ali se
fomentaram
Nesta perspectiva de desenvolvimento se supotildee a psicanaacutelise sendo originaacuteria de uma
teoria (mas principalmente praacutetica ressalte-se) do cuidado na qual o sujeito na tota-
lidade de suas vivecircncias constitutivas seja tomado como objeto da teoria e da cliacutenica
psicanaliacutetica A extensatildeo agrave formulaccedilatildeo de Figueiredo que fazemos por nossa conta pode
ser resumida no tiacutetulo deste subitem psicanaacutelise dos cuidados gerais
218
Esta concepccedilatildeo da psicanaacutelise apoia-se mais ou eacute mais particularmente herdeira da psi-
canaacutelise das teorias das relaccedilotildees de objeto (Bollas 1987 Golse 2003 Ogden 2003 Zor-
nig 2008 etc) As questotildees das relaccedilotildees de objeto primitivas na constituiccedilatildeo psiacutequica
e estruturaccedilatildeo subjetiva satildeo privilegiadas na perspectiva metapsicoloacutegica sem deixar
de se considerar os fundamentos pulsionais embora permaneccedilam marginais Trata-
-se aqui como na perspectiva que abaixo descreveremos de uma questatildeo de peso nos
pratos da balanccedila na qual historicamente se constituiu a psicanaacutelise a partir de meados
do seacutec XX
A praacutetica dos cuidados aleacutem de abrir pelo menos teoricamente a possibilidade e le-
gitimidade para intervenccedilotildees multi- ou interdisciplinares adota no fazer do analista
procedimentos muito aleacutem dos determinados pelo enquadre psicanaliacutetico estrito senso
guiado pela associaccedilatildeo livre e pela atenccedilatildeo flutuante O cuidado geral com os sujeitos
da anaacutelise que tambeacutem nos parece presentes nas propostas cliacutenicas de Khan (1984)
embora natildeo nos mesmos termos conduz o analista a uma atenccedilatildeo com a vida geral dos
sujeitos mesmo quando a atitude do analista permanece limitada agrave sala de anaacutelise isto
eacute mesmo quando ele natildeo saia em campo em atividades francamente multidisciplinar
e extramuros (Laplanche) como em hospitais cliacutenicas gerais juizados de menores e
famiacutelia atividades preventivas de vaacuterias iacutendoles etc mdash neste caso assemelha-se a uma
psicanaacutelise aplicada como bem o lembrou Luciano Antunes Figueiredo de Souza (co-
municado pessoal)
O interesse pelas vivecircncias quotidianas dos sujeitos uma ecircnfase ainda que residual da
atenccedilatildeo ao aqui e agora da anaacutelise a adoccedilatildeo de uma funccedilatildeo superegoica benevolente
(heranccedila talvez das proposiccedilotildees de Fairbairn 19521999) marcam dentre outras ca-
racteriacutesticas uma dispersatildeo da psicanaacutelise em seus propoacutesitos uma certa criacutetica ao
caraacuteter analiacutetico da psicanaacutelise como meacutetodo bem como uma releitura (para usar um
termo em voga) da situaccedilatildeo de anaacutelise (do enquadre) Sua praacutetica sugere ainda que
natildeo explicitamente uma recuperaccedilatildeo ou reabilitaccedilatildeo da noccedilatildeo de sujeito implicada no
pressuposto praacutetico da constituiccedilatildeo de siacutenteses mais ou menos autocircnomas das falhas
narcisistas (ainda que tal conceito possa estar ele mesmo ausente) ou mais precisamen-
te de uma recuperaccedilatildeo egoica de seu sonhado assenhoramento de partes cindidas ou
inconscientes
219Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
Muito particularmente essa tendecircncia da psicanaacutelise contemporacircnea se aproxima do fa-
zer meacutedico e das questotildees psicopatoloacutegicas Melhor talvez seria dizer que a psicanaacutelise
se aproxima das disciplinas da sauacutede Segundo entendemos a psicanaacutelise assim perde
um tanto de sua iacutendole criacutetica inaugurada na Interpretaccedilatildeo dos sonhos com a descoberta
do inconsciente
2) Psicanaacutelise mais restrita como simbolizaccedilatildeo por meio da palavra
Na outra perspectiva tomando como exemplo e representante desta vertente a obra de
Andreacute Green (particularmente 2005) e a psicanaacutelise principalmente francesa mas
natildeo somente a revisatildeo de que falamos pretende manter-se fiel ao fundamento pulsional
freudiano Tambeacutem aqui representados pela reflexatildeo de outros psicanalistas abaixo
citados busca-se a unificaccedilatildeo das problemaacuteticas que acossaram a psicanaacutelise moder-
na qual seja a determinaccedilatildeo das relaccedilotildees de objeto na constituiccedilatildeo e estruturaccedilatildeo do
psiquismo mantendo agraves questotildees proacuteprias agrave pulsionalidade O peso recai sobre este
uacuteltimo aspecto estendendo-se agraves formulaccedilotildees sobre o narcisismo Diz-se entatildeo de pro-
blemaacuteticas narciacutesico-identitaacuterias (Roussillon 2012) isto eacute busca-se pela formaccedilatildeo da
siacutentese narciacutesica e natildeo das falhas constitutivas com o entendimento de que algo falta
ao ego e precisa ser reconstituiacutedo Ao narcisismo aderem-se as questotildees do conflito pul-
sional particularmente com o papel exercido pela pulsatildeo de morte mas tambeacutem pelas
cadeias formativas de Eros (Green 2000)
Isso natildeo eacute possiacutevel sem se adotar uma leitura criacutetica de Freud uma leitura em poste-
rioridade na qual se busca a justificativa para certa modificaccedilatildeo da praacutetica psicanaliacutetica
com base natildeo mais na diferenccedila de demandas determinadas pelos quadros psicopato-
loacutegicos (psicoses borderlines particularmente e organizaccedilotildees narcisistas de um modo
geral) Green (2005) sugere tomar a analisabilidade dos sujeitos como condiccedilatildeo para
mudanccedilas que se faccedilam necessaacuterias no enquadre Pois o enquadre permanece fundado
na associaccedilatildeo livre e atenccedilatildeo flutuante Mesmo nos casos em que o sofrimento natildeo seja
neuroacutetico o enquadre eacute posse do analista que o manteacutem nas situaccedilotildees em que o setting
fisicamente varia Adota-se uma conversa psicanaliacutetica ou um diaacutelogo em que o analista
permanece flutuantemente atendo aos traccedilos associativos das narrativas dos paciente
A analisabilidade significa a possibilidade ou as condiccedilotildees da submissatildeo dos sujeitos
ao enquadre psicanaliacutetico Percebe-se assim que para o autor ultimamente citado o
220
enquadre (principalmente definido pela associaccedilatildeo livre e atenccedilatildeo flutuante como ldquosi-
tuaccedilatildeo analisanterdquo Donnet 2001) eacute o vetor o fundamento da definiccedilatildeo do tratamento
psicanaliacutetico
Como haacute demandas que chegam agrave psicanaacutelise mas que natildeo se adequariam ao enqua-
dre a saiacuteda proposta por Green (e por outros embora natildeo necessariamente com a mes-
ma terminologia como Donnet 2001 Figueiredo 2012a Kernberg 1979 1995 Par-
sons 2002 2005 Roussillon 19992008 2005 2012 etc) seraacute a diferenciaccedilatildeo entre
psicanaacutelise e psicoterapia exercida por psicanalistas
O enquadre no caso continua dominante pois preconiza-se para a psicoterapia a pre-
senccedila do enquadre internalizado pelo analista efeito de sua formaccedilatildeo analiacutetica que no
caso sugere-se rigorosa dando ecircnfase agrave anaacutelise pessoal e agrave supervisatildeo
Natildeo cabe agora desenvolver todo o tema seus desdobramentos e suas consequecircncias
De qualquer modo e ainda que se entenda que o psicanalista nem sempre faz psica-
naacutelise a ideia da psicoterapia exercida por psicanalistas (condiccedilatildeo aliaacutes sugerida em
1945 por Winnicott 1978) natildeo deixa de introduzir questotildees sobre os fundamentos da
psicanaacutelise Particularmente pensamos no sentido metapsicoloacutegico de que sujeito psi-
quicamente constituiacutedo estamos falando na psicanaacutelise e na psicoterapia
Quanto agrave teoria da cliacutenica a diferenciaccedilatildeo acima rapidamente apresentada natildeo respon-
de de modo preciso pela proximidade e afastamento dos objetivos da psicanaacutelise e de
tais psicoterapia Recolocamos parece-nos diante de velhas questotildees como a similar-
mente formulada por Freud sobre o objetivo da anaacutelise jaacute em 1905 no caso Dora
Paraconcluir
A psicanaacutelise padratildeo claacutessica ou tiacutepica de que tanto se fala para diferenciaacute-la da que se
seguiu e propocircs mudanccedilas por vezes profundas na teacutecnica e na metapsicologia natildeo nos
parece ter no entanto uma delimitaccedilatildeo tatildeo estreita como se a sugere normalmente
e tenho aqui em mente como exemplo o que propotildee Roussillon (19992008) para o
seu entendimento Embora Roussillon possa ser considerado um psicanalista contem-
poracircneo herdeiro de Andreacute Green por assim dizer e assim o tomamos acima isto eacute
221Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
contemporacircneo no sentido conceitual que o situa numa outra perspectiva da psicanaacute-
lise em busca de uma unificaccedilatildeo de seus fundamentos ele talvez por forccedila didaacutetica
expressa a psicanaacutelise padratildeo freudiana muito estritamente Claro que o acompanham
muitos outros jaacute citados como psicanalistas intersubjetivos
A olhar de perto a psicanaacutelise padratildeo como a expotildee Roussillon trata o sujeito e a sub-
jetividade neuroacutetica num sentido muito amplo de neurose Proacuteximo da assertiva freu-
diana estabelecida na Interpretaccedilatildeo dos sonhos (1900) de que o inconsciente eacute comum
eacute universal e sendo ele inicialmente a caracteriacutestica da neurose em consequecircncia to-
dos somos neuroacuteticos (Celes 2010) O que quer dizer todos somos inconscientes De
qual afirmaccedilatildeo se pode concluir que a normalidade em Freud eacute neuroacutetica Os avanccedilos
freudianos apoacutes 1920 satildeo por Roussillon incluiacutedos numa psicanaacutelise por vir embora
ele encontre laacute em Freud alguma de suas acircncoras para reflexatildeo Por nosso lado com-
preendemos que as reflexotildees freudianas da paranoia da melancolia do narcisismo da
feminilidade inserem-se em problemaacuteticas identitaacuterias-narcisistas (se bem lido isto eacute
lido criticamente e em posterioridade as encontramos jaacute em Dora Celes 2007) que
natildeo justificam o estreitamento da concepccedilatildeo divulgada da chamada psicanaacutelise padratildeo
Na verdade a delimitaccedilatildeo tatildeo apertada que dela se faz parece-nos ter muito mais um
caraacuteter de poliacutetica psicanaliacutetica para a afirmaccedilatildeo de uma originalidade que natildeo eacute toda
assim nos parece
Embora tal atitude possa se justificar como estrateacutegia de exposiccedilatildeo e para tornar evi-
dente o que se diferencia na psicanaacutelise a partir de meados do seacuteculo passado ela nos
leva a encobrimentos significativos da diversidade do pensamento psicanaliacutetico mesmo
em sua versatildeo freudiana dita claacutessica ou padratildeo Mas tambeacutem aleacutem da versatildeo freudia-
na Excetuando-se o que se cindiu do movimento psicanaliacutetico e teve desenvolvimento
independente o que nele permaneceu foi de uma riqueza muito aleacutem do que se vem
chamando e definindo como psicanaacutelise padratildeo Mesmo se circunscrevermos a psi-
canaacutelise padratildeo em torno da neurose como indiretamente o sugere Green (2005) o
tratamento ldquopadratildeordquo da neurose transpocircs e ateacute mesmo em seu iniacutecio (Estudos sobre a
histeria 1895) os marcos da revelaccedilatildeo da fantasia de desejo secundariamente recalcada
e o conflito pulsatildeo versus defesa A sexualidade infantil somente para lembrar uma das
facetas tem caraacuteter originaacuterio e o narcisismo ele eacute primaacuterio e sexualmente determi-
nado Dito de outro modo o narcisismo eacute sexual desde sua origem Portanto questotildees
identitaacuterias-narcisistas mesmo que natildeo levassem este nome estatildeo presentes na psica-
222
naacutelise (teoacuterica e clinicamente) desde Freud Embora certamente ele natildeo tenha de uma
vez tudo abordado e levado em consideraccedilatildeo E mais ainda ele natildeo tenha levado tudo
que descobriu ou apontou ao seu desenvolvimento pleno Tambeacutem na teacutecnica eacute sabido
que Freud manteve-se muito mais fiel ao que se chama tiacutepico ou padratildeo do que em
teoria Esta uacuteltima parece avanccedilar mais do que sua teacutecnica Embora se deva observar
com firmeza que foi de sua experiecircncia cliacutenica psicanaliacutetica (natildeo necessariamente do
tratamento psicanaliacutetico mas muito dele) que Freud pode avanccedilar em sua teoria ou
metapsicologia Natildeo sendo esta o caso de puro exerciacutecio conceitual como se sabe (A
propoacutesito veja-se a retomada recente e profunda da reflexatildeo metodoloacutegica em psicanaacute-
lise em Figueiredo 2012b)
Sem negar as diferenccedilas que se fizeram entre os freudianos e muitos apoacutes-Freud natildeo
haacute ganho para a psicanaacutelise resumir tal diferenccedila reduzindo a chamada psicanaacutelise pa-
dratildeo ao estado onde
O narcisismo permanece suficientemente ldquobomrdquo e permite a organizaccedilatildeo de uma ilusatildeo que torna a transferecircncia sob o primado do princiacutepio do prazer possiacutevel e torna considerado possiacutevel um trabalho de luto ldquofragmento por fragmentordquo das realizaccedilotildees de desejos infantis evocadas pelo trabalho analiacutetico Em um tal esquema o processo analiacutetico ldquomelhorardquo o narcisismo e o funcionamento psiacutequico eacute beneficiado mesmo nos momentos de transferecircncia ldquonegativardquo pelo levantamento progressivo dos recalques (Roussillon 19992008 p 12 Traduccedilatildeo nossa)
Caracterizaccedilatildeo tatildeo restrita refere-se agrave interpretaccedilatildeo do sonho (natildeo necessariamente agrave
obra Interpretaccedilatildeo dos sonhos 1900 que avanccedila mais embora contenha a matriz de sua
praacutetica e da psicanaacutelise nela baseada) Natildeo se refere ao modelo do sonho como o sugere
Green (2005) no sentido conceitual que me parece mais amplo que esta descriccedilatildeo do
quadro que caracteriza a psicanaacutelise padratildeo Mas refere-se ao sonho da interpretaccedilatildeo dos
sonhos (1900) que se estende em Psicopatologia da vida cotidiana (1901b) e em Os chistes
de sua relaccedilatildeo com o inconsciente (1905c) Literalmente entendido trata-se de modelo que
se estende agrave vida cotidiana Eacute duvidoso que ele se tenha vingado como tal a ponto de se
tornar padratildeo Pelo menos natildeo em Freud ele alcanccedila esse estatuto
O modelo restrito imediatamente mostra seu limite Jaacute na articulaccedilatildeo metapsicoloacutegica
do sonho com a primeira teoria da sexualidade que como todos sabem apareceu em
1905 na forma de trecircs ensaios sendo acrescentado de novos modelos ao longo de suces-
223Linhas do desenvolvimento da psicanaacutelise contemporacircnea
sivas ediccedilotildees Clinicamente o modelo chamado padratildeo encontra seu limite em sua pri-
meira prova no caso Dora (Freud 1905e1972) Se Freud deu a essa prova um sentido
cientificista natildeo precisamos manter a intenccedilatildeo freudiana para verificar que o tal padratildeo
de anaacutelise natildeo serviu (como numa prova de roupa um terno natildeo serve natildeo cai bem
eacute curto apertado comprido ou largo e natildeo haacute remendo que o conserte) Aspectos da
transferecircncia ausentes no sonho na psicopatologia cotidiana e nos chistes atrapalha-
ram Mas principalmente aspectos identitaacuterios-narcisistas (para usar a expressatildeo hoje
corrente) natildeo permitiram que o modelo se sustentasse e desse conta da petite hysteacuterie
de Ida Brauer Tambeacutem se pode seguindo o espiacuterito de Green reler criticamente e a
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227 Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
ChristianIngoLenzDunker
Introduccedilatildeo
Recentemente participei de uma espeacutecie de enquete feita pela Revista Veja Satildeo Paulo
acerca das principais fontes de sofrimento do paulistano E a conversa foi muito inte-
ressante porque sendo eu um dos uacuteltimos a serem entrevistados tive a oportunidade de
discutir as hipoacuteteses e consideraccedilotildees dos 17 outros psicoterapeutas majoritariamente
psicanalistas que me precederam Gostaria de manter este escopo na hipoacutetese que vou
apresentar a seguir sobre a cliacutenica em uma cidade como Satildeo Paulo no qual a densidade
discursiva e praacutetica da psicanaacutelise sua inserccedilatildeo em equipamentos de sauacutede mental e
geral sua circulaccedilatildeo e diversificaccedilatildeo de tendecircncias sua presenccedila acadecircmica e cultural
eacute excepcionalmente elevada Creio que a maior parte das alteraccedilotildees que percebi nestes
uacuteltimos vinte anos de cliacutenica seriam inaplicaacuteveis se tomaacutessemos em consideraccedilatildeo uma
cidade como Jundiaiacute ou Sorocaba ou o Brasil profundo como Rondonoacutepolis ou Boa
228
Vista lugares onde aliaacutes a psicanaacutelise e sua cliacutenica vem adquirindo uma funccedilatildeo social
ascendente que deveriacuteamos examinar com mais cuidado
Aintra-misturadiagnoacutestica
Crescentemente me encontro com pacientes de extensa trajetoacuteria diagnoacutestica Crian-
ccedilas que foram disleacutexicas autistas espectrais26 depois adolescentes hiperativos e agora
adultos bipolares que fazem uso de drogas legais e ilegais para aumentar o rendimen-
to laboral sexual e ocupacional Quando a cliacutenica psiquiaacutetrica de alta performance se
estabeleceu em fins dos anos 1980 temia-se que a velha hermenecircutica do mal-estar
desapareceria Penso que no balanccedilo geral deu-se o contraacuterio As medicaccedilotildees nunca
inserem-se fora de um discurso ausentes de narrativa ou de orientaccedilatildeo para a auto-
-observaccedilatildeo e a incitaccedilatildeo para nomear o mal-estar A nomeaccedilatildeo dos sintomas e seu
agrupamento em quadros feito pelo proacuteprio paciente substituiu a antiga dificuldade
composta pela antecipaccedilatildeo de sentido diante de um ato-falho ou as versotildees reificadas
em torno da superdeterminaccedilatildeo edipiana de uma dificuldade Pelo contraacuterio a superme-
dicalizaccedilatildeo e a automedicaccedilatildeo sancionaram nomearam e reconheceram uma quantida-
de nova e inusitada de formas de sofrimento
Eacute o que proponho chamar de intra-mistura diagnoacutestica tomando por referecircncia agrave ab-
sorccedilatildeo e cruzamento de diferentes racionalidades diagnoacutesticas que agora se incorpo-
ram apesar de sua heterogeneidade de origem ao modo de uma mesma unidade ao
discurso sobre o sofrimento e agraves estrateacutegias de inclusatildeo do mal estar na transferecircncia
O termo intra-mistura eacute retirado da conferecircncia de Lacan em Baltimore ocorrida em
1966 intitulada ldquoDa Estrutura como a Intra-mistura do Outro como preacute Requisito para
Qualquer Sujeitordquo (Lacan 19661998) Intra-mistura (inmixing) corresponde a opera-
ccedilatildeo pela qual o Outro eacute tomado como internalidade estrutural em relaccedilatildeo ao sujeito
sendo sua divisatildeo universal decorrecircncia da estrutura assim composta pela linguagem
26 Alusatildeo agrave expansatildeo do diagnoacutestico conhecido como ldquotranstorno no espectro autistardquo que encontra-se em franca expansatildeo apoacutes a compressatildeo da categorias diagnoacutesticas da infacircncia operada pelo DSM-IV publicado os anos 1980
229Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
assim como seus efeitos de singularidade decorrentes da articulaccedilatildeo entre fala liacutengua e
discurso A intra-mistura diagnoacutestica refere-se aos sistemas de preacute-nomeaccedilotildees do mal-
-estar incluindo o cruzamento de gramaacuteticas de reconhecimento dos sintomas e os
dispositivos de identificaccedilatildeo narrativa do sofrimento A intra-mistura diagnoacutestica inclui
tanto os dispositivos institucionais de individualizaccedilatildeo operados pelo Estado pela me-
dicina pelo sistema juriacutedico-psicoloacutegico ou escolar quanto narrativas morais religiosas
ou midiaacuteticas que regulam e legitimam a expressatildeo do sofrimento a certos esquemas
enunciativos Se o sintoma eacute a mensagem que o sujeito produz para o Outro o Outro jaacute
determina a articulaccedilatildeo significante na qual o sofrimento se expressa sobretudo entre
sua funccedilatildeo de Ideal e sua realizaccedilatildeo como sujeito (Lacan 1960) Se a psicanaacutelise eacute filha
da modernidade ela natildeo apenas trata e completa os sintomas sob transferecircncia mas
incita e eacute uma forccedila poliacutetica importante na determinaccedilatildeo de suas poliacuteticas de reconhe-
cimento (Parker 1997)
Ocorre que a psicanaacutelise como discurso culturalmente eficiente tambeacutem concorre para
a produccedilatildeo desta intro-mistura mas natildeo mais como ocorria nos anos 1960 Ou seja
alterou-se o que Jameson chamava de narrativa mestre (Jameson1979) que havia sido
majoritariamente estabelecida e administrada pela psicanaacutelise dos anos 1970 Ao con-
traacuterio haacute uma sensibilidade geralmente patente nas primeiras sessotildees para saber se
seu analista seraacute algueacutem interessado demais no seu passado e que por outro lado ficaraacute
silencioso ateacute obter uma hermenecircutica da histoacuteria de vida
Por sua parte assim como nos anos 1990 tentamos abandonar a importacircncia da me-
tapsicologia nos anos 2000 tentamos abandonar o terreno da diagnoacutestica A soberana
indiferenccedila psicanaliacutetica aos chamados diagnoacutesticos psiquiaacutetricos ou ainda no caso da
infacircncia aos diagnoacutesticos psicoloacutegico-educativos parece ter colaborado para uma taacutecita
distribuiccedilatildeo de funccedilotildees Aos primeiros os nomes e os medicamentos aos segundos os
conflitos e a soluccedilatildeo de problemas
Este movimento parece ter pacificado o antagonismo antes reinante o qual era preciso
fazer uma escolha Tal divisatildeo social do sofrimento aprofundou- por outro lado a di-
mensatildeo psicoterapecircutica da psicanaacutelise A cliacutenica comeccedila pelo sintoma Ateacute onde pude
advogar em meu uacuteltimo livro natildeo haacute cliacutenica sem algum tipo de razatildeo diagnoacutestica
230
Conveacutem lembrar que o que chamamos genericamente de ldquocliacutenicardquo inclui tanto o que
Freud considerava como meacutetodo de tratamento das neuroses quanto a disposiccedilatildeo eacutetica
para a cura e ainda as condiccedilotildees teacutecnicas para o uso terapecircutico da palavra
A autonomizaccedilatildeo da categoria psicanaliacutetica de sintoma seu desdobramento em sintho-
mas sua generalizaccedilatildeo confusa em modalidades de sofrimento bem como sua diluiccedilatildeo
na categoria de mal-estar satildeo subprodutos do recuo de nossas pretensotildees diagnoacutesticas
ou quiccedilaacute da ineacutepcia em produzir uma racionalidade diagnoacutestica agrave altura da praacutetica no
horizonte de nossa eacutepoca e com a criticidade que esta exige
Talvez estejamos agraves voltas com formas de diagnoacutestico que natildeo ousam dizer seu nome ou
que se contentam em grandes categorias estruturais para justificar uma espeacutecie de mo-
nismo procedimental No polo oposto temos uma situaccedilatildeo curiosa se examinamos uma
categoria flutuante como a de borderline ou ldquopaciente difiacutecilrdquo Para lacanianos tratam-se
de categorias inexistentes enquanto para os demais satildeo categorias super-existentes O
fato cliacutenico saliente eacute que os analisantes se reacostumaram com esta espeacutecie de confu-
satildeo de liacutenguas entre analistas e psiquiatras aprenderam rapidamente a relatividade dos
nomes e os limites de sua regulaccedilatildeo medicamentosa
E foi assim com um paciente de vinte e tantos anos que se apresenta ao tratamento com
um deliacuterio paranoico muito bem sistematizado em torno do uso pornograacutefico da inter-
net e de sistemas adjacentes que pareciam controlar seus pensamentos e saber de suas
intenccedilotildees como se ele fosse um criminoso procurado Mensagens e vigilacircncias envol-
vendo carros e retaliaccedilotildees Ele tinha iniciado o uso de medicaccedilatildeo neuroleacuteptica Ele vem
como uma espeacutecie de uacuteltimo recurso antes da internaccedilatildeo que tornava-se uma possibi-
lidade iminente Confidencia entatildeo um pequeno detalhe que ocultara ao meacutedico com
receio de que isso chegasse aos pais fazia uso ldquoocasionalrdquo de certa substacircncia relaxante
O tal uso recreativo envolvia cinco ou seis baseados por dia haacute seis anos Tenho entatildeo
que lhe explicar a situaccedilatildeo na qual ele se encontrava natildeo poupando detalhes do que po-
deria vir a acontecer caso ele ldquoocasionalmenterdquo entrasse ldquono sistemardquo fosse ldquofichadordquo e
afinal descoberto por um grande nuacutemero de pessoas que certamente se aproveitariam
disso ldquopara o malrdquo Desta forma ficou claro que havia uma uacutenica chance que passava
pela interrupccedilatildeo imediata e sumaacuteria do consumo da tal substacircncia para ldquover o que po-
dia acontecerrdquo E assim desapareceu um deliacuterio clinicamente muito bem definido que
poderia ter conduzido um sujeito a uma carreira psiquiaacutetrica longa e penosa
231Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
Contudo jamais teria feito uso de tal taacutetica ainda mais no iniacutecio de um tratamento 20
anos atraacutes por mais que Lacan tenha confessado sua filiaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo espiritual de
Ferenczi e sua teacutecnica ativa27
DeacuteficitNarrativo
Mas o caso poderia ter tido um desenrolar completamente outro se natildeo encontrasse
neste jovem paciente uma disposiccedilatildeo narrativa capaz de sugerir que havia algo estra-
nhamente ldquopreservadordquo na verdade ldquoexcessivamente organizadordquo em seu deliacuterio Este
ponto me leva a segunda novidade cliacutenica que tenho encontrado Trata de algo como um
deacuteficit narrativo generalizado Pessoas que natildeo conseguem contar uma histoacuteria apenas
descrevem estados de alma e situaccedilotildees de comportamento
Natildeo satildeo os casos psicossomaacuteticos repletos de sonhos evacuativos e empobrecimento
de simbolizaccedilatildeo descritos desde Pierre Marty a Joyce MacDougall Tambeacutem natildeo satildeo ca-
sos marcados por enactments expressivos como os apresentados por Julia Kristeva para
caracterizar as novas doenccedilas da alma Aacutes vezes eles se associam mas isto me parece
uma contingecircncia com as desarticulaccedilotildees da economia de gozo e da fantasia descritas
por Jean Pierre Lebrun (2008)
Trata-se mais de algo como Walter Benjamin (1933 1997) descreveu para os soldados
que voltavam da primeira guerra mundial sem uma histoacuteria para contar e que Chris-
topher Dejours (Lancman amp Sznelwar 2008) expandiu para um modo de estar no tra-
balho baseado na oposiccedilatildeo entre pressatildeo e depressatildeo ou ocupaccedilatildeo-vazio Em termos
lacanianos satildeo pacientes que estatildeo demasiados implantados em discursos que soacute fa-
zem laccedilo social sem narrativa sem diaacutelogo sem intimidade apenas funcionamento
inclusatildeo e exclusatildeo ligaccedilatildeo e desligamento
27 ldquoSachez que je fais toujours une grande part dans mon enseignement agrave la ligneacutee spirituelle de Ferenczi et que je vous reste sympathiquement lieacute avec mes meilleurs sentimentsrdquo Lettre de Jacques Lacan agrave Michael Balint publieacutee dans ldquoLa scission de 1953rdquo (Suppleacutement agrave Ornicar ) ndeg 7 1976 page 119
232
Alguns autores sensiacuteveis agraves ideias de Lacan tem isolado natildeo apenas novas formas de
sintomas mas novas maneiras de sofrer com antigos sintomas Por exemplo se para
Freud a sexualidade possuiacutea uma potecircncia traumaacutetica violenta e informulada para La-
can a sexualidade ela mesma pode ser uma defesa contra algo muito pior chamado
de Real E o Real se mostra como mal-estar como impossibilidade de dizer de narrar
e de nomear Eacute nesta direccedilatildeo que poderiacuteamos falar de uma forma de sofrimento que
generaliza a observaccedilatildeo de Walter Benjamin sobre o retorno dos soldados que lutaram
na primeira guerra mundial A brutalidade do choque o inominaacutevel da experiecircncia
silenciava os combatentes Eles saiacuteam narrativamente lesados do conflito Catherine
Malabou propotildee para esta situaccedilatildeo a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-traumaacutetica cuja ex-
pressatildeo de sofrimento seria semelhante a lesotildees cerebrais como afasias e demecircncias
Seu paradigma literaacuterio satildeo os zumbis ou mortos-vivos seres funcionais que repetem
automaticamente uma accedilatildeo incapazes de reconstruir a histoacuteria da trageacutedia que sobre
eles se abateu Parecem seres perderam a alma e cujo sofrimento aparece em meio a
mutismos seletivos fenocircmenos psicossomaacuteticos e alexetimias (dificuldade de perceber
sentimentos e nomeaacute-los)
Satildeo pacientes para os quais desenvolvi uma abordagem combinada envolvendo extrema
importacircncia conferida aos sonhos suplementada por leituras e provocaccedilotildees fiacutelmicas
Para estes casos importei um diagnoacutestico filosoacutefico perda da experiecircncia Satildeo casos nos
quais nota-se uma dificuldade para articular os elementos que fazem da narrativa um
ato social-simboacutelico compartilhar coletivamente um mito de modo oral e reversiacutevel por
uma comunidade de sentido de destino ou de passado
Lacan extraiu de Levi-Strauss (1951) esta ideia muito simples e eficaz de que a neurose
corresponde a um mito individual Mas o que natildeo estava previsto pela hipoacutetese de Lacan
eacute que se poderia falar em subjetividades para os quais o mito natildeo possui aparentemen-
te funccedilatildeo decisiva Duas hipoacuteteses aqui
a Ou temos que pensar funccedilotildees miacuteticas organizadas fora das versotildees na verdade
natildeo exclusivamente organizados por versotildees de Totem e Tabu Eacutedipo e Narcisis-
mo como aliaacutes suponho se possa encontrar na miacutetica perspectiva ameriacutendia por
exemplo nos iacutendios Araweteacute tal qual descrita pelo antropoacutelogo Viveiros de Castro
(2002)
233Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
b Ou temos que pensar que natildeo eacute que o mito esteja indisponiacutevel mas que sua forma
individualizada eacute que o problema Neste caso temos que rever a teoria do reconhe-
cimento que define psicanaliticamente o que eacute uma individualizaccedilatildeo no caso da
expressatildeo ldquomito individualrdquo E quero crer que precisamos incluir natildeo apenas as
patologias da individualizaccedilatildeo mas as patologias e o sofrimento de ldquosoacute ser um
indiviacuteduordquo como definiu recentemente Vladimir Safatle (2012)
Ou seja natildeo precisamos psicotizar nossa sociedade ou imaginar uma suacutebita inflaccedilatildeo de
subjetividades perversas para pensar que nem sempre a identidade precisa ser o ponto
de partida para pensar laccedilos desejantes e conflitos respectivamente narrativizados por
histoacuterias de confronto com a lei e com a troca inter-grupos Natildeo acho muito bem esco-
lhido o termo mas haacute autores que falam em um sujeito poacutes-traumaacutetico (Zizek 2009)
cujo principal traccedilo cliacutenico eacute que a estrutura narrativa de seu sofrimento se assemelha a
um paciente cerebralmente lesado como algueacutem com Alzheimer Ou seja eacute a proacutepria
possibilidade de articular o sofrimento em uma histoacuteria na qual podemos reconhecer a
sua persistecircncia sua repetitividade sua permanecircncia diferencial em um traccedilo
Vejam que de certa forma este eacute um problema que inverte o pressuposto psicanaliacutetico
de que o sintoma estaacute imerso em um excesso de narrativas que suturam por sua vez
a supressatildeo e certos detalhes estrateacutegicos Pressuposto que tornava a psicanaacutelise uma
operaccedilatildeo e reduccedilatildeo simboacutelica desta narrativa a seus significantes fundamentais e agrave suas
posiccedilotildees fantasmaacuteticas invariantes
Portanto e esta eacute a inversatildeo que quero salientar se antes constituiacutea um traccedilo funda-
mental do perspectivismo lacaniano recusar a narrativa em prol do discurso recusar o
indiviacuteduo em prol do sujeito recusar o conteuacutedo imaginaacuterio em prol da forma simboacuteli-
ca hoje temos que explicar com as categorias como significante discurso sujeito e real
como eacute possiacutevel a individualizaccedilatildeo patoloacutegica do sujeito e a impossibilidade narrativa e
os perigos do ldquoexcesso da formardquo
Acliacutenicadasdecisotildees
Proponho a vocecircs entatildeo estas primeiras duas novas situaccedilotildees cliacutenicas os que se iden-
tificam a uma narrativa pret-a-porteacute (palavra meio fora de moda mas que tem o tal a
no meio) que chamei aqui de intro-mistura diagnoacutestica de um lado Do lado oposto
234
apresentam-se os que natildeo conseguem articular seu mal-estar ao modo de uma narrati-
va Sugiro agora um segundo par de situaccedilotildees da cliacutenica hoje
No polo oposto ao dos pacientes que natildeo conseguem narrativizar seu sintoma haacute ou-
tros analisantes que organizam a associaccedilatildeo livre em torno de sucessivas situaccedilotildees de
decisatildeo casar ou natildeo ter filhos agora ou depois internar os pais agora ou daqui a pou-
co mudar ou natildeo de paiacutes de cidade de emprego Isso natildeo eacute por si soacute uma novidade
mas o fato para o qual quero chamar a atenccedilatildeo eacute a existecircncia de um discurso que soacute
consegue se organizar em torno de decisotildees que trata a anaacutelise como uma sequencia
de ldquosolve-problem situationsrdquo como um viacutedeo game com fases vilotildees e desafios muito
organizados
O segundo tipo cliacutenico ascendente nas grandes metroacutepoles brasileiras responde bem ao
que um autor como Slavoj Zizek tem descrito para o caso daqueles que experimentam
uma forma de vida que eacute sentida como monstruosa animal e coisificada tal qual a an-
tropologia do inhumano proposta por Vladimir Safatle Ao contraacuterio dos que natildeo conse-
guem inscrever seu sofrimento em um discurso temos aqui aqueles que parecem viver
em estado permanente de fracasso sistemaacutetico em dar nome agrave causa de seu sofrimento
Procuram encontrar a razatildeo de seu mal-estar no mundo explorando para isso a forccedila
de estranhamento inadequaccedilatildeo e fragmentaccedilatildeo Sentem-se permanentemente fora de
lugar fora de tempo ou fora do corpo como as sexualidades estudadas por Judith Butler
(1990) Eacute o drama daqueles que satildeo habitados por experiecircncias de radical anomia e in-
determinaccedilatildeo cujo maior exemplo literaacuterio eacute Frankenstein Esta desregulaccedilatildeo sistecircmi-
ca do mundo teorizada por Lacan como separaccedilatildeo entre real simboacutelico e imaginaacuterio
exprime-se como sentimento permanente de perda de unidade Eacute por isso que seu sofri-
mento tematizado como exiacutelio e isolamento assemelhando-se com a reconstituiccedilatildeo da
experiecircncia tal como encontramos clinicamente no trabalho de luto Satildeo antes de tudo
errantes da linguagem depressivos do desejo e inadaptados do trabalho O espectro do
ressentimento e do teacutedio rondam sua forma de vida
Geralmente esta situaccedilatildeo vem acompanhada por uma relaccedilatildeo com a anaacutelise intermi-
tente e que precisa ser acolhida como tal Seja porque o sujeito estaacute no Brasil uma ou
duas semanas por mecircs seja porque ele soacute consegue se autorizar a vir agrave anaacutelise em um
sistema de ldquodrive throughrdquo sempre em emergecircncia sempre em situaccedilotildees de exaustatildeo
235Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
no qual o proacuteprio espaccedilo impoluiacutedo de silecircncio natildeo intromissatildeo e suspensatildeo do juiacutezo
constituem uma oportunidade rara
Mas haacute tambeacutem as decisotildees realmente difiacuteceis por exemplo as que cercam a reprodu-
ccedilatildeo assistida a descoberta de doenccedilas geneacuteticas as transformaccedilotildees irreversiacuteveis do cor-
po as redesignaccedilotildees sexuais Nestes assim como nos anteriores a recuperaccedilatildeo da loacutegi-
ca da escolha a recomposiccedilatildeo dos encontros e perspectivas torna-se de grande auxiacutelio
A emergecircncia cliacutenica dos decisionistas talvez sinalize um deslocamento nosso paradig-
ma eacutetico narrativamente considerado Antes um grande modelo do lado de caacute e do
lado de laacute do divatilde eram as Antiacutegonas Engajamentos desejantes radicais e confrontati-
vos que tencionam sua posiccedilatildeo na poacutelis e diante das leis Hoje estamos mais proacuteximos
de um personagem mencionado por Lacan ao final do Seminaacuterio sobre a Eacutetica da Psica-
naacutelise o protagonista da trageacutedia homocircnima de Euriacutepedes chamado Filoctetes Amigo
de Heacutercules e um dos pretendentes de Helena de Troacuteia Filoctetes foi picado por uma
serpente e sua perna natildeo cicatriza comeccedilando a exalar um odor feacutetido que gradualmen-
te insuportaacutevel para os outros Argonautas Ademais Filoctetes natildeo parava de se queixar
de sua condiccedilatildeo o que poderia se alastrar como uma peste para um descontentamento
generalizado entre os marinheiros Decide-se entatildeo que Filoctetes deve ser abandono
sozinho na ilha de Lemnos tambeacutem conhecida pelo sugestivo nome de ilha de Crise
Poreacutem no auge das batalhas contra Priacuteamo descobre-se que a uacutenica forma de derrotar
Troacuteia eacute usar o arco e flecha que pertencera a Heacutercules e o uacutenico que sabe o paradeiro da
referida arma natildeo eacute outro senatildeo Filoctetes Ulisses ordena entatildeo uma expediccedilatildeo para
resgatar o pobre poliqueixoso A surpresa eacute que laacute chegando nosso heroacutei que tivera sua
ferida curada pela solidatildeo os recebe de braccedilos abertos entrega o local do arco e flecha
luta com seus companheiros voltando para Iacutetaca como heroacutei Lacan afirma que Filocte-
tes eacute um heroacutei que estaacute a altura da eacutetica da psicanaacutelise e eu digo ainda mais da cliacutenica
de nossos tempos pois
a Eacute capaz de vencer o ressentimento
b Triunfa sobre a solidatildeo
c Suporta a maldiccedilatildeo que vai da dor ao sofrimento que natildeo se pode curar
236
d Sua vida estaacute sobredeterminada por sequencias de decisotildees cujos motivos e razotildees
se lhe escapam mas que ele as suporta e acolhe mesmo assim
Aprecariedadeposicionalumnovotipodeanguacutestiaflutuante
Um terceiro tipo ascendente de sofrimento foi antecipado pela feliz expressatildeo de Bau-
delaire heautontimorumenos ou seja aqueles que parecem experimentar prazer em se
atormentar Aqui podemos incluir as pesquisas de Ernesto Laclau e Alain Badiou em
torno de sujeitos que satildeo colhidos por um movimento social ou dos que se engajam
num percurso da verdade Por exemplo nas recentes pesquisas de Jesseacute de Souza sobre
a nova classe trabalhadora brasileira destacam-se vaacuterios predicados necessaacuterios para
ascenccedilatildeo social senso de planejamento espiacuterito de colaboraccedilatildeo disciplina e aperfeiccedilo-
amento Mas esta nova classe social tambeacutem traz consigo novas formas de sofrimento
principalmente baseadas na divisatildeo de fidelidades entre sua origem e famiacutelia e as exi-
gecircncias de sua nova condiccedilatildeo Eacute o caso dos que fracassam quando triunfam dos que
estatildeo agraves voltas com o peso de seus laccedilos de sangue e famiacutelia no interior de uma traje-
toacuteria de separaccedilatildeo e autonomia Tanto naquelas famiacutelias europeias nas quais haacute duas
ou trecircs geraccedilotildees a narrativa do trabalho se interrompeu quanto nas famiacutelias brasileiras
emergentes ou ainda no temor de empobrecimento que assombra as classes meacutedias
americanas haacute o sentimento profundo de que um pacto foi violado A incerteza quanto
agraves verdadeiras razotildees do sucesso ou do fracasso engendram uma forma de diacutevida difusa
e de ansiedade flutuante O sentimento eacute de que algo foi abolido sem deixar testemu-
nho ou histoacuteria e que cedo ou tarde um fantasma viraacute cobrar sua parte em vinganccedila
Uma novela como Avenida Brasil eacute um marco para tais processos de subjetivaccedilatildeo Lacan
afirmava que a verdade do sofrimento neuroacutetico eacute ter a verdade como causa Esta nova
forma de masoquismo eacute antes de tudo um tipo de paixatildeo pela verdade que no mais das
vezes aparece como desamparo e inseguranccedila
Assim como temos de um lado os que narram demais e de outro os que narram de me-
nos podemos agora opor tratamentos em torno de tomadas de decisatildeo ao tratamentos
nos quais saber qual seria uma decisatildeo a ser tomada torna-se quase impossiacutevel Aqui se
trata de uma boa situaccedilatildeo para evocar o conceito freudiano mesmo de mal-estar Mal-
-estar quer dizer Unbehagen ou seja ausecircncia de clareira (Hagen eacute a clareira na mata)
de descanso de lugar Tipicamente estes satildeo os casos nos quais se procura desesperada-
237Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
mente uma saiacuteda uma evasatildeo um suporte para o que chamo de precariedade posicio-
nal Natildeo estou em meu corpo natildeo estou em minha casa natildeo estou em minhas palavras
Mas natildeo se trata de um drama em torno da inautenticidade como as personalidades
narciacutesicas dos anos 1960 ou as neuroses de caraacuteter dos anos 1950
Satildeo pacientes que parecem gozar com a anguacutestia que se produzem Para algueacutem que
estaacute sempre agrave procura de uma saiacuteda que estaacute sempre procurando o ponto de dissoluccedilatildeo
montar uma verdadeira decisatildeo eacute um fato relativamente raro e difiacutecil No fundo as de-
cisotildees que surgem pervasimante no discurso destes sujeitos satildeo pseudo-decisotildees feitas
para jamais realmente produzirem consequecircncias
Poderia-se falar aqui de formas a-transferenciais de demanda
Talvez fosse exagero dizer que se trata aqui dos verdadeiros casos de inclusatildeo Natildeo soacute os
que jamais fariam parte de um clube que os admitisse como soacutecios pois na verdade a
proacutepria ideia de clube lhes parece insuportaacutevel Natildeo estatildeo em uma ilha como nem em
tracircnsito permanente nem constrangidos por diagnoacutesticos sedentaacuterios mas para eles
soacute haacute um imperativo categoacuterico ldquosairrdquo Nenhum lugar eacute habitaacutevel nenhuma posiccedilatildeo
lhes eacute suficientemente autecircntica nenhum espaccedilo lhe soa possiacutevel Satildeo os desafiantes
da topologia Os sem-lugar natildeo satildeo como vampiros paranoides ou como Frankenstein
esquizoides eles estatildeo mais para zumbis em busca da alam perdida
Sofrimentodeindeterminaccedilatildeo
O quarto tipo de sofrimento emergente pode ser descrito como uma nova forma de
paranoia Paranoia benigna associada ao que chamo de vida em forma de condomiacutenio
com seus muros siacutendicos e regulamentos Trata-se de um tipo de sofrimento basea-
do no medo permanente de um objeto intrusivo e anocircmalo capaz de perturbar a paz
administrada cujo preccedilo eacute uma vida asceacutetica e vigiada A paranoia sistecircmica floresce
abundante no mundo corporativo institucional e nos estados de exceccedilatildeo descritos por
Giorgio Agamben Ela cria e manteacutem o sofrimento derivado da segregaccedilatildeo (como o
bulling) da purificaccedilatildeo (como o higienismo do corpo belo ou saudaacutevel) e do controle
sobre o gozo do proacuteximo (como nas homofobias e demais formas de intoleracircncia) A
paranoia eacute um sintoma de excesso de identidade por isso ela interpreta o gozo do outro
como perturbador justificando a violecircncia persecutoacuteria Eacute assim por um processo de
238
auto-confirmaccedilatildeo que se criam o outro traidor do ciumento o outro impostor do ero-
tomaniacuteaco o outro invejoso do megalomaniacuteaco Curiosamente satildeo estas as formas de
vida mais propensas ao uso de substacircncias dopantes para aumentar a produtividade
para anestesiar a experiecircncia de si para substituir a hermenecircutica discursiva de si por
uma vivecircncia sensorial individualizada Por isso podemos associar este quarta forma
de sofrimento agraves narrativas de vampiros nas quais o tema da mistura e do domiacutenio da
seduccedilatildeo e do controle surge em primeiro plano
O que reuacutene estes quatro tipos cliacutenicos que representam formas inovativas de sofrer e
de articular este sofrimento em sintomas eacute o que reformulamos a partir do conceito
desenhado pelo filoacutesofo Axel Honneth (2007) de sofrimento de indeterminaccedilatildeo Tanto
a multiplicaccedilatildeo discursiva das modalidades de nomeaccedilatildeo e ciframento dos sintomas
quanto as situaccedilotildees de deacuteficit narrativo e ainda o grupo dos laccedilos decisionais ou das
subjetividades em erracircncia tem em comum o fato de que a dominante maior do sin-
toma natildeo eacute a reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees de determinaccedilatildeo desejantes sempre mais ou
menos articuladas pela inscriccedilatildeo do falo no campo do Outro e pelas perturbaccedilotildees deste
grande determinante da subjetividade que satildeo os Nomes-do-Pai
Ora o que caracteriza estas formas de vida natildeo eacute o excesso ou a falta de determinaccedilotildees
simboacutelicas mas a anomia como um fato positivo O sofrimento de indeterminaccedilatildeo re-
quer no fundo um tipo de orientaccedilatildeo de gozo ou de desejo natildeo orientado para a forma-
ccedilatildeo de unidades
Entendo que a psicanaacutelise tem duas tarefas teoacutericas e cliacutenicas diante deste quadro O
primeiro movimento implicaria em rever sua teoria do reconhecimento derivada e pre-
sente por exemplo em suas teses sobre o narcisismo em sua teoria do desejo em sua
concepccedilatildeo de sujeito dividido A principal revisatildeo aqui nos convidaria a introduzir a
natildeo-identidade como princiacutepio fundamental de sua teoria das relaccedilotildees Isso significa
por exemplo interpolar um conceito psicanaliacutetico de narrativa como funccedilatildeo intermedi-
aacuteria entre o discurso e a fala O conceito que em Lacan representa esta natildeo-identidade
eacute naturalmente o objeto a
a O objeto intrusivo (corpo)
b O objeto que resta do pacto formativo da lei do desejo (mito)
239Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
c O objeto que eacute a causa e razatildeo a desregulaccedilatildeo estrutural do espiacuterito
d O objeto que eacute a alma perdida
A segunda modificaccedilatildeo que considero importante nos envia agrave introduccedilatildeo de uma loacutegica
natildeo-toda no proacuteprio interior da cliacutenica A loacutegica do natildeo-todo natildeo equivale agrave loacutegica da cas-
traccedilatildeo Mas o sujeito em Lacan eacute o sujeito natildeo eacute o sujeito homem ou o sujeito mulher
Ora o natildeo-todo eacute um decircixico uma forma diferencial de incluir relaccedilotildees ao gozo confor-
me uma loacutegica de natildeo-relaccedilotildees Portanto teoria das relaccedilotildees em Lacan por exemplo
estruturas cliacutenicas teorias dos discursos nos convidam a repensar formas de inscriccedilatildeo
faacutelica do sentido e da significaccedilatildeo De outro lado teoria das natildeo-relaccedilotildees dos fracassos
produtivos da anomias criativas como parece ser o caso com a triacuteade real-simboacutelico-
-imaginaacuterio e mais ainda com a teoria da sexuaccedilatildeo
Conclusatildeo
Temos entatildeo dois grupos os Zumbis e os Frankensteins sofrem com a falta de experi-
ecircncias produtivas de indeterminaccedilatildeo pois para eles os processos de racionalizaccedilatildeo apare-
cem como vazio indiferente ou como uma experiecircncia caoacutetica de si e do mundo Jaacute os
Fantasmas e Vampiros ao contraacuterio sofrem com o excesso de experiecircncias improdutivas
de determinaccedilatildeo ou seja eacute como se acreditassem demasiadamente nos processos de
simbolizaccedilatildeo e subjetivaccedilatildeo que regulam os diferentes regimes de verdade Tudo se
passa como se para os primeiros o Real aparecesse como impossiacutevel e para os segundos
como contingecircncia Se os Fantasmas e Vampiros estatildeo questionando os fundamentos
totecircmicos da autoridade os Zumbis e Frankenstein estatildeo mais proacuteximos do que o antro-
poacutelogo brasileiro Viveiros de Castro chamou de perspectivismo ameriacutendio (ou seja uma
cultura na qual a identidade natildeo eacute tratada como um fato de origem e onde a experiecircncia
de reconhecimento estaacute sujeita a elevados niacuteveis de indeterminaccedilatildeo)
Tais tipos cliacutenicos sejam apenas identificaccedilotildees ou seja formas narrativas mais ou me-
nos coletivas pelas quais a experiecircncia de sofrimento pode se incluir em discursos cons-
tituiacutedos Questatildeo relevante porque a inclusatildeo discursiva de uma forma de sofrimento
eacute o que permite que ela seja reconhecida tratada e localizada em um registro moral ou
juriacutedico cliacutenico ou poliacutetico literaacuterio ou religioso Sofrimentos que natildeo se enquadram
240
nos discursos constituiacutedos satildeo frequentemente tornados invisiacuteveis derrogados de sua
verdade como uma palavra amordaccedilada
Se toda forma de sofrimento encerra a teoria de sua proacutepria causa podemos ver como a
narrativa da perda da alma eacute no fundo uma versatildeo atualizada do que Lacan pensou com
sua tese do sintoma como alienaccedilatildeo ao desejo do Outro mas agora uma alienaccedilatildeo Zum-
bi afeita a nossa forma mutante de produccedilatildeo e consumo A narrativa frankensteiniana
da desregulaccedilatildeo sistecircmica e da perda da unidade retoma a tese lacaniana de que o sinto-
ma eacute efeito (e tambeacutem causa) do desmembramento entre Real Simboacutelico e Imaginaacuterio
Tambeacutem a narrativa neo-masoquista da violaccedilatildeo do pacto simboacutelico de origem com seu
retorno fantasmaacutetico retoma as teses sobre a negaccedilatildeo em curso no interior do drama
ediacutepico e particularmente da castraccedilatildeo Finalmente a narrativa paranoica em torno da
existecircncia de objetos intrusivos que se infiltram por entre muros e regulamentos con-
firma que todo sintoma conteacutem uma satisfaccedilatildeo paradoxal que Lacan chamou de gozo
Quando a cliacutenica lacaniana chegou ao Brasil nos anos 1980 um de seus motes principais
era a substituiccedilatildeo das extensas narrativas realiacutesticas sobre a infacircncia e seus meandros
rememorativos pela agilidade simboacutelica dos significantes fundamentais Hoje parece
haver um movimento pelo qual os psicanalistas se perguntam como facultar que certos
pacientes se tornem novamente capazes de bem narrar suas experiecircncias de sofrimen-
to A psicopatologia lacaniana prometia inicialmente distinccedilotildees fortes e seguras entre
psicose neurose e perversatildeo Hoje se pensa como organizar diagnoacutesticos envolvendo
formas muacuteltiplas e combinadas entre tipos de sofrimento modalidades de sintomas e
formas de mal-estar Lacan trouxe a antropologia estrutural e a teoria dialeacutetica do reco-
nhecimento para o centro da experiecircncia psicanaliacutetica Hoje pensamos como lidar com
os tipos de mal-estar cuja nomeaccedilatildeo eacute precaacuteria incerta ou improvaacutevel e com os tipos
de sofrimento que escapam agrave loacutegica identitaacuteria do reconhecimento Se o sofrimento e o
amor satildeo os dois motivos de qualquer processo transformativo eacute fundamental reter que
no centro de qualquer experiecircncia de sofrimento haacute um gratildeo de Real e uma pitada de
verdade que aspira a uma nova forma de vida
241Novos tipos cliacutenicos na psicanaacutelise dos anos 2010
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Les nouveaux blesses and other autistic monsters Qui Parle 17 (2) pp 123-148
242
Corpo em psicanaacutelise e obesidade
ElianaRigottoLazzarini
CarolinaFranccedilaBatista
TerezinhadeCamargoViana
Os transtornos alimentares satildeo expressotildees de casos da demanda cliacutenica contemporacirc-
nea os quais conjugam a cultura nas manifestaccedilotildees do corpo e na imagem corporal
suas prerrogativas 28A experiecircncia com tais pacientes a reflexatildeo a respeito dos pilares
da praacutetica cliacutenica e de suas questotildees teoacutericas colocam em pauta o questionamento sobre
as especificidades destes casos e os casos claacutessicos da eacutepoca de Freud A semelhanccedila
entre eles reside na pertinecircncia da sexualidade como sustentaccedilatildeo da descoberta psica-
naliacutetica do inconsciente e ainda hoje o mal-estar destes sujeitos estaria relacionado agrave
alteridade trazida na experiecircncia psiacutequica do sexual e como o modo de lidar com ela
28 Este texto eacute um dos produtos da pesquisa Transtornos Alimentares psicopatologias narciacutesicas e obesidade que vem sendo desenvolvida no Laboratoacuterio de Psicanaacutelise e Subjetivaccedilaacuteo ndash Lapsus Universidade de Brasiacutelia Pesquisa apoiada pelo CNPq com bolsa de produtividade em pesquisa e bolsa de mestrado
243Corpo em psicanaacutelise e obesidade
vem refletindo ao longo dos anos uma mudanccedila da influecircncia dos processos terciaacuterios
na cultura Um destes traccedilos de mudanccedila que verificamos eacute o modo como o corpo tem
sido concebido culturalmente e os efeitos disto para o sujeito Teoacutericos contemporacircne-
os observam que a nossa cultura atual tem contribuiacutedo para aumentar a anguacutestia do
sujeito que tende a natildeo cultivar a interiorizaccedilatildeo e a reflexatildeo sobre si mesmo passando
a buscar formas para tentar sedar a anguacutestia que sente muitas vezes isto se traduzindo
em adoecimento psiacutequico
Delineandoaquestatildeo
A escuta do sofrimento dos indiviacuteduos que passam por alguma modalidade de trans-
torno alimentar convoca o olhar e a anaacutelise psicanaliacutetica pelo modo como o corpo eacute
concebido na atualidade A pertinecircncia da psicanaacutelise nestes casos reside em seu modo
de questionar o discurso ao qual este indiviacuteduo encontra-se adaptado e do qual queixa
sentir-se excluiacutedo
Eacute neste ponto que a psicanaacutelise apresenta o desafio da inquietaccedilatildeo a quem quer que a
pratique e com ela dialogue teoricamente aspecto que deve ser levado em considera-
ccedilatildeo na obesidade Tal inquietaccedilatildeo gera questionamentos quais seriam os fundamentos
encontrados na cultura para o alto iacutendice de casos de obesidade Em que criteacuterios se
fundamentam seu diagnoacutestico e qual a sua pertinecircncia para a escuta psicanaliacutetica do
sujeito Qual posiccedilatildeo este sujeito ocupa e qual sua influecircncia na produccedilatildeo do mal-estar
Permeando estas questotildees encontramos a importacircncia de uma anaacutelise da cultura e dos
discursos contemporacircneos como co-produtores de novas manifestaccedilotildees de sofrimento
A alta incidecircncia de casos de transtornos alimentares e o lugar que eles ocupam social-
mente eacute expressatildeo segundo Lazzarini (2006) de uma subjetividade afetada por um
mundo em constante mutaccedilatildeo do qual ela mesma tambeacutem eacute veiacuteculo e agente desta mu-
danccedila Tal particularidade remete agrave emergecircncia em esquadrinhar que fatores culturais
atuais satildeo contingecircncias determinantes agrave constituiccedilatildeo deste sujeito
Frente agraves caracteriacutesticas da subjetividade contemporacircnea dentre as quais pode ser sa-
lientada a exacerbaccedilatildeo narciacutesica torna-se necessaacuterio que tanto o sujeito contemporacircneo
como o pesquisador e o psicanalista imersos como estatildeo nesta cultura possam sair da
posiccedilatildeo de massificaccedilatildeo a qual tende a impedir a construccedilatildeo de um olhar a respeito
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das condiccedilotildees atuais de subjetivaccedilatildeo e assim ter um olhar diferenciado que permita
ampliar a compreensatildeo destes novos modos de subjetivaccedilatildeo
Uma das contingecircncias do momento atual eacute a ocorrecircncia de um encurtamento dos tem-
pos histoacutericos pela rapidez com que os eventos se atualizam na cena contemporacircnea
Tal incidecircncia ocasiona uma maior exposiccedilatildeo dos sujeitos aos efeitos de acontecimentos
importantes ocorridos recentemente na histoacuteria humana Isto pode em consequecircncia
gerar o encurtamento do tempo subjetivo promovendo uma tendecircncia ao imediatismo
Este encurtamento eacute influenciado tambeacutem pelos avanccedilos tecnoloacutegicos decorrentes de
um progresso civilizatoacuterio o que tende a tornar os novos produtos rapidamente obsole-
tos e consequentemente descartaacuteveis
No entanto este descarte como se vecirc atualmente natildeo diz de uma experiecircncia de perda
justamente pela possibilidade de um objeto melhor vir a substituiacute-lo Este aspecto pro-
duz implicaccedilotildees na temporalidade psiacutequica que pela falta da vivecircncia de um processo
de perda e de seu consequente luto resulta cada vez mais na dificuldade de simbolizar
e elaborar os fatores culturais sociais e tambeacutem psiacutequicos Logo as transformaccedilotildees so-
ciais histoacutericas e culturais recentes mostram suas consequecircncias no modo de conduccedilatildeo
e compreensatildeo dos elementos constituintes da cliacutenica psicanaliacutetica ou seja nos efeitos
produzidos no tratamento destes sujeitos
Esta exposiccedilatildeo do sujeito contemporacircneo marca uma diferenccedila dos casos e da cultura na
eacutepoca de Freud onde o sofrimento do sujeito estava ligado agrave culpa pela transgressatildeo de
uma lei e de um limite O conflito se centrava na renuacutencia que o processo civilizatoacuterio
exigia das satisfaccedilotildees pulsionais demandando a repressatildeo destas pulsotildees Logo o sofri-
mento e a regulaccedilatildeo pulsional destes sujeitos seria regida pelo recalque Considerando
que a cliacutenica freudiana foi construiacuteda e estruturada tomando por fundamento a neu-
rose e a castraccedilatildeo como referecircncia questiona-se se haacute uma diferenccedila entre o sexual da
cliacutenica freudiana e a sexualidade tal qual temos acesso contemporaneamente e por tal
em que aspecto podemos distinguir os casos atuais dos antigos Eacute importante salientar
que a questatildeo da sexualidade remete agrave necessidade de delimitaccedilatildeo do que eacute essencial agrave
psicanaacutelise do que permaneceria em sua passagem por esta nova construccedilatildeo do social
245Corpo em psicanaacutelise e obesidade
AdescobertadeFreudeastransformaccedilotildeesdosexualnolaccedilosocial
De acordo com autores psicanaliacuteticos contemporacircneos a cliacutenica psicanaliacutetica da forma
como formulada por Freud tem sofrido mudanccedilas face as diferentes modalidades de
mal-estar apresentadas pelos sujeitos que procuram anaacutelise Esta diferenccedila estaacute intima-
mente ligada agrave mudanccedila de um contexto social e cultural que lhe era especiacutefico entre o
final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX periacuteodo da criaccedilatildeo dos fundamentos psicana-
liacuteticos As transformaccedilotildees histoacutericas e sociais sempre afetam o processo de questiona-
mento que permite a produccedilatildeo teoacuterica e a praacutetica psicanaliacutetica consequentemente as
novas perspectivas apresentadas agrave psicanaacutelise dizem de uma transformaccedilatildeo na cultura
no que concerne agrave sexualidade e aos modos de satisfaccedilatildeo
Importante salientar que a fundaccedilatildeo da psicanaacutelise se deu pela escuta da histeria fato
que coloca em cena a expressatildeo do mal-estar e do sofrimento corporal na neurose O
fundamento da vivecircncia do corpo pela histeacuterica expressiva em seus sintomas conver-
sivos remete agrave formulaccedilatildeo da noccedilatildeo de sexualidade infantil Eacute por meio da fala das
pacientes histeacutericas que Freud pocircde observar que estes sintomas diziam respeito a uma
divergecircncia entre a sexualidade em suas manifestaccedilotildees e a moral vigente
Lazzarini e Viana (2006) discutem que a elaboraccedilatildeo freudiana do inconsciente em seus
princiacutepios esteve relacionada agrave sexualidade pela via da noccedilatildeo de trauma concebido
neste periacuteodo como um acontecimento factual ocorrido na histoacuteria do sujeito Os sin-
tomas histeacutericos instauravam-se por um significado sexual que se encontrava recalcado
e por tal inconsciente Por natildeo poder encontrar expressatildeo pela via consciente esta
tendecircncia pulsional manifestar-se-ia por sintomas corporais
Deste modo o campo psicanaliacutetico foi instaurado pelo sentido subversivo da sexualida-
de que encontrava entraves agrave sua expressatildeo pelas tendecircncias repressivas do contexto
cultural no qual este discurso emergia Estes obstaacuteculos seriam expressatildeo da ameaccedila
que a sexualidade apresentava ao eu do indiviacuteduo O texto de Freud Moral sexual civi-
lizada e a doenccedila nervosa moderna de 1908 coloca o acento da origem da neurose na
caracteriacutestica repressiva autoritaacuteria e puritana da moral da civilizaccedilatildeo A capacidade
sublimatoacuteria seria assim dessexualizada e direcionada para a produccedilatildeo com fins ao
progresso civilizatoacuterio
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Birman (2009) expotildee que a ecircnfase encontra-se na possibilidade de extirpaccedilatildeo da sexu-
alidade para uma finalidade terapecircutica e civilizatoacuteria que promoveria uma tentativa
de harmonizaccedilatildeo do sujeito e da sociedade A psicanaacutelise freudiana no texto de 1908
apostaria na possibilidade de encadeamento pela representaccedilatildeo das exigecircncias pulsio-
nais de modo a promover um completo abarcamento pelo simboacutelico do registro real e
pulsional Jaacute no texto Mal-estar na civilizaccedilatildeo de 1930 Freud expotildee o conflito civilizaccedilatildeo
versus pulsatildeo e na impossibilidade da cura do desamparo pela psicanaacutelise o resultado
seria um compromisso do sujeito com a sua gestatildeo para toda a vida
Birman (2009) observa que a criacutetica freudiana agrave modernidade e agrave evoluccedilatildeo cientiacutefica
localiza-se justamente na impossibilidade de resoluccedilatildeo da condiccedilatildeo de desamparo e
de fragilidade do sujeito pois a ciecircncia funda-se na razatildeo e ela nada poderia fazer para
impedir a morte Este eacute um conceito chave no redirecionamento de Freud sobre a cons-
tituiccedilatildeo do sujeito e sobre a questatildeo da sua origem
A elaboraccedilatildeo do conceito de desamparo permite uma mudanccedila da submissatildeo do sujeito
agraves exigecircncias de um progresso civilizatoacuterio para uma nova noccedilatildeo da relaccedilatildeo com o Ou-
tro via construccedilatildeo do laccedilo social Enquanto o discurso da primeira elaboraccedilatildeo freudiana
- identificado agrave ciecircncia que muitas vezes se presta ao progresso ndash era fundado em uma
tentativa de espiritualizaccedilatildeo de separaccedilatildeo entre o sujeito sua sexualidade e erotismo
logo de seu corpo no segundo momento haacute uma mudanccedila desta verticalizaccedilatildeo para a
horizontalizaccedilatildeo da sexualidade jaacute que somente pela sua construccedilatildeo intermediada por
um Outro eacute que o sujeito poderia se estruturar
Ocorponacontemporaneidadeeocorponapsicanaacutelise
O corpo aparece como uma das certezas que o indiviacuteduo tem ou seja seu pertenci-
mento ao mundo das coisas o torna locus privilegiado na cultura para se constituir um
porto seguro Sennett (2001) observa que no mundo contemporacircneo a aceleraccedilatildeo dos
acontecimentos e a voracidade do consumo faz com que o tempo seja insuficiente para
a formaccedilatildeo das subjetividades e o corpo torna-se passivo sofrendo diante de tantas
transformaccedilotildees Neste cenaacuterio o corpo fica cada vez mais voltado para suas proacuteprias
necessidades e prazeres fechado para a entrada do outro Tal modo de hipervalorizaccedilatildeo
do corpo na era atual transforma os homens em seus proacuteprios escravos e o que impera
eacute a forccedila da imagem Consequentemente a vida interior o outro e os laccedilos que podem
247Corpo em psicanaacutelise e obesidade
se estabelecer na troca de experiecircncias passam a ser valores pouco encontrados Isso
de certa forma parece ser um bom terreno para a anguacutestia e o adoecimento
Diante dos desencadeamentos contemporacircneos encontramos hoje indiviacuteduos marca-
dos pelo sofrimento em seus proacuteprios corpos e com dificuldades significativas para nar-
raacute-las McDougall (1983) faz notar que a forma como o sujeito vive seu corpo informa a
respeito da natureza de sua relaccedilatildeo com o mundo ou seja quando o corpo natildeo eacute capaz
de significar a diferenccedila entre o eu e o outro interior e exterior quando o sujeito tem di-
ficuldade em habitar seu corpo as relaccedilotildees com os outros correm o risco de se tornarem
confusas De acordo com a autora ldquoeacute a maneira como a pessoa pensa o proacuteprio corpo
assim como a posiccedilatildeo que ela assume em relaccedilatildeo a esse corpo o que naturalmente iraacute
influenciar de forma marcante a relaccedilatildeo eumundordquo (1983 p155)
O sujeito busca no corpo uma consciecircncia de si ou seja fazer com que o corpo exista
por si mesmo para que possa estimular sua reflexatildeo e reconquistar sua interioridade
O corpo natildeo eacute apenas um meio de locomoccedilatildeo mas um organismo vivo corpo sexuado
marcado pelas pulsotildees fonte de prazer (e tambeacutem de dor sensaccedilotildees) que necessita ser
cuidado por seu possuidor
O corpo marca sua presenccedila na psicanaacutelise contemporacircnea natildeo somente no que diz
respeito agraves doenccedilas psicossomaacuteticas e agrave hipocondria mas tambeacutem porque encontra
outras formas de se manifestar E uma dessas formas eacute a de um movimento narciacutesico
no qual o corpo vai ser lugar de investimento libidinal Se a eacutepoca de Freud foi mar-
cada pela repressatildeo sexual como salientado acima a era atual se caracteriza por um
movimento contraacuterio Natildeo eacute da repressatildeo que se fala mas da dificuldade de lidar com
os limites e os contornos de si A barreira quando colocada eacute feita de modo incisivo
muitas vezes mantendo o sujeito ilhado em um mundo fechado ao acesso do outro Haacute
portanto uma incapacidade no estabelecimento e manutenccedilatildeo de laccedilos mais amplos
o que coloca em evidecircncia o retorno ao momento psiacutequico primordial de instalaccedilatildeo do
eu a etapa narciacutesica
Lazzarini e Viana (2006) observam a necessidade de refletir sobre esta condiccedilatildeo pela
forma como o corpo eacute visto tradicionalmente pela psicanaacutelise ou seja em paralelo ao
discurso da linguagem Poreacutem como coloca Fernandes (2002) quando a psicanaacutelise
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se vecirc enredada com o adoecer do corpo a tendecircncia eacute realizar uma ampliaccedilatildeo de seu
campo cliacutenico resultando necessariamente em uma ampliaccedilatildeo de seu campo teoacuterico
ldquoa inclusatildeo de novos conceitos ao arsenal do saber psicanaliacutetico permitiu uma fertilizaccedilatildeo da escuta do corpo na cliacutenica para aleacutem das somatizaccedilotildees abrindo campo para as aproximaccedilotildees e diferenccedilas entre determinados quadros cliacutenicos e as neuroses claacutessicas as toxicomanias os transtornos alimentares as perversotildees etcrdquo (p 53)
A concepccedilatildeo psicanaliacutetica do corpo tem sua particularidade por estar em uma posiccedilatildeo
de fronteira entre os diferentes registros da experiecircncia psiacutequica logo por poder ser
tomada pelo registro real simboacutelico e imaginaacuterio Conforme mencionado trata-se de
uma perspectiva inaugurada pela histeria que concede agrave ele um lugar radicalmente
diferente do concebido como objeto de estudo de outras ciecircncias
A leitura psicanaliacutetica do corpo permite o seu questionamento para aleacutem do lugar que
lhe eacute fixado numa suposta realidade social uma vez que traz no nascimento de seu
discurso a sexualidade como seu centro Trata-se de uma perspectiva que fundamenta o
trabalho da psicanaacutelise em sua dimensatildeo outra que eacute alheia agraves conformidades que um
saber de leis riacutegidas ou universais dispotildee
Lazzarini e Viana (2006) comentam que o corpo na psicanaacutelise em sua primeira for-
mulaccedilatildeo de corpo eroacutegeno eacute atravessado pela pulsatildeo estrutura-se em confronto ao
corpo da necessidade na medida em que a linguagem nele faz efeito inserindo-o na re-
presentaccedilatildeo significaccedilatildeo e lembranccedila O corpo seria entatildeo pela sexualidade articulado
agrave histoacuteria do sujeito situando-o no imaginaacuterio social pela representaccedilatildeo
A teoria freudiana portanto permite colocar em evidecircncia que o somaacutetico habita um
corpo que eacute tambeacutem lugar de realizaccedilatildeo de um desejo inconsciente Fernandes (2002)
pontua que o corpo psicanaliacutetico se apresenta ao mesmo tempo como o palco onde se
desenrola o jogo das relaccedilotildees entre o psiacutequico e o somaacutetico e como personagem inte-
grante da trama das relaccedilotildees De fato esse corpo eacute regido segundo uma dupla raciona-
lidade a do que eacute somaacutetico e do que eacute psiacutequico
Para Lacan (1949) a importacircncia do estaacutedio do espelho se daacute pelo que instaura o mo-
mento inaugural da constituiccedilatildeo do eu O infans pela visatildeo e percepccedilatildeo de sua proacutepria
imagem da imagem de seu corpo no espelho prefigura uma totalidade corporal que eacute