UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Dissertação
Avaliação das tecnologias inovadoras na produção do hábitat
popular no Uruguai:
Cooperativas de vivenda por ajuda mútua e produção de vivenda popular pelo
mercado
Donald Martins Fuentes
Pelotas, 2014
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Donald Martins Fuentes
Avaliação das tecnologias inovadoras na produção do hábitat popular no
Uruguai:
Cooperativas de vivenda por ajuda mútua e produção de vivenda popular pelo
mercado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nirce Saffer Medvedovski
Pelotas, 2014
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Donald Martins Fuentes
Avaliação das tecnologias inovadoras na produção do hábitat popular no
Uruguai:
Cooperativas de vivenda por ajuda mútua e produção de vivenda popular pelo
mercado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Banca examinadora:
...................................................................................................................................... Prof.ª Dr.ª Nirce Saffer Medvedovski (Orientadora)
Universidade Federal de Pelotas ......................................................................................................................................
Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz Universidade Federal do Rio de Janeiro
......................................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Célia Castro Gonsales Universidade Federal de Pelotas
......................................................................................................................................
Prof.ª Dr.ª Rosilaine André Isoldi Universidade Federal de Pelotas
Data da Defesa: 16 de setembro de 2014
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No sé si soy una persona triste con vocación de alegre, o viceversa, o al revés.
Lo que sí sé es que siempre hay algo de tristeza en mis momentos más felices, al igual que siempre hay un poco de alegría en mis peores días.
La tregua, Mario Benedetti
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Resumo
FUENTES, Donald Martins. Avaliação das tecnologias inovadoras na produção do hábitat popular no Uruguai: Cooperativas de vivenda por ajuda mútua e produção de vivenda popular pelo mercado. 2014. 138fls. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Pelotas, 2014. Esta pesquisa pretende ser uma contribuição ao debate sobre a melhor forma de investir os recursos públicos na produção de vivenda social no Uruguai. As condições de acesso à vivenda e a forma como o Estado utiliza o dinheiro tem sido motivo de debate e envolve diversos setores da sociedade: Sindicatos de Trabalhadores (PIT-CNT), Universidad de la República (UdelaR), Sociedad de Arquitectos del Uruguay (SAU), Cámaras Empresariales de la Construcción, Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mútua (FUCVAM), entre outros. Propomos uma análise das duas formas mais utilizadas pelo Estado para a construção do hábitat popular: Cooperativas de Vivendas e Produção de Vivendas pelo Mercado. Estudamos as técnicas construtivas inovadoras e como elas podem ser articuladas com os processos participativos na gestão social do hábitat. Os resultados poderão contribuir para o desenho das políticas públicas de vivenda no Uruguai. Palavras-chave: déficit habitacional; cooperativas de vivendas; sistemas construtivos não tradicionais; plenário inter-sindical de trabalhadores; convenção nacional de trabalhadores.
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Resumen FUENTES, Donald Martins. Avaliação das tecnologias inovadoras na produção do hábitat popular no Uruguai: Cooperativas de vivenda por ajuda mútua e produção de vivenda popular pelo mercado. 2014. 138fls. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Pelotas, 2014. Esta investigación pretende ser una contribución al debate sobre la mejor forma de invertir los recursos públicos en la producción de la vivienda social en el Uruguay. El debate sobre el acceso a la vivienda es fermental en el Uruguay de hoy, e involucra a amplios sectores de la sociedad: Sindicatos de Trabajadores (PIT-CNT), Universidad de la República, Sociedad de Arquitectos del Uruguay, Cámaras Empresariales de la Construcción, FUCVAM, entre otros. Nos propusimos en esta investigación estudiar las dos formas más utilizadas por el Estado para la construcción del hábitat social en el Uruguay: Cooperativas de Viviendas y la Producción de Viviendas por el Mercado. Estudiamos las técnicas constructivas innovadoras y analizamos como estas nuevas técnicas pueden articularse en un proceso participativo de Gestión Social del Hábitat. Las conclusiones podrán contribuir para el diseño de las políticas públicas de vivienda en Uruguay. Palavras-claves: déficit habitacional; cooperativas de viviendas; sistemas constructivos no tradicionales; plenario inter-sindical de trabajadores; convención nacional de trabajadores; federación uruguaya de cooperativas de viviendas por ayuda mutua.
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Lista de Figuras
Figuras 1 e 2: Programas de Vivenda Social com a participação do autor deste trabalho. 13
Figura 3: Conjunto Habitacional de Marsella. 24
Figura 4: San Antonio III – Maldonado, Uruguai. A vulnerabilidade social e as carências dos setores mais excluídos da sociedade.
27
Figuras 5 e 6: Bairro San Antonio III – Maldonado, Uruguai. A arquitetura da pobreza. 27
Figura 7: Esquema ilustrativo do Sistema Público de Vivenda do Uruguai. 29
Figura 8: Mostra como os objetivos se retroalimentam uns aos outros. 30
Figura 9: Esquema conceitual de Tecnologia Inovadora. 35
Figura 10: Mostra os elementos indispensáveis que deve cumprir uma tecnologia para ser considerada sustentável desde nosso ponto de vista.
36
Figura 11: Tecnologias inovadoras. 37
Figura 12: Sistemas Construtivos mais usados no Uruguai segundo seus componentes.
38
Figura 13: Composição dos sistemas construtivos alterna ativos ao tradicional. 39
Figuras 14 e 15: Pavilhão de exposições de Turim, 1958. Eng. Pier Luigi Nervi. Exemplo de pré-fabricação.
41
Figuras 16 e 17: Painéis pré-fabricados de concreto armado. 43
Figuras 18 e 19: Montagem dos painéis pré-fabricados de concreto armado no Uruguai – Flasur SA.
43
Figuras 20 a 22: Fachadas do entorno do Conjunto Habitacional Euskal Erría. 44
Figura 23: Localização do Conjunto Habitacional CH20 - Rambla e Cuarem 44
Figura 24: Conjunto Habitacional CH20 - Localização: Rambla e Cuarem, Montevidéu, Uruguai.
45
Figura 25: Conjunto Habitacional CH20: as patologias são verificadas a simples vista. 45
Figura 26: Espaço exterior - Conjunto Habitacional Parque Posada. 46
Figuras 27 e 28: Conjunto Habitacional Parque Posada – As fotos ilustram a densidade habitacional do conjunto e a baixa densidade do entorno.
46
Figura 29: Mostra o tamanho das bolhas que caracterizam o concreto celular. 48
Figura 30: Estrutura, isolamento e acabamento no Steel Framing. 49
Figura 31: Mostra a montagem dos painéis com perfis galvanizados. 50
Figura 32: Mostra as características dos perfis galvanizados C e U. 50
Figura 33: Mostra a montagem dos montantes para os painéis com perfis de aço galvanizado.
51
Figura 34: Mostra os perfis de parede e teto e os dois tipos de contravento mais comuns: Cruz de Santo André e placas de OSB.
52
Figura 35: Montagem da estrutura do Sistema Construtivo Steel Framing. Mostra os perfis que compõem a estrutura dos painéis de parede fixados a um radier de concreto armado.
52
Figura 36: Mostra o primeiro fechamento exterior com placas de fibra orientada (OSB). 53
Figura 37: Mostra um radier com calçada perimetral. Observam-se as esperas para instalações de água e esgoto.
54
Figura 38: Conjunto de vivendas “Los Caracoles” – Sistema Construtivo Misto – Steel Framing + Tradicional, em Maldonado – Uruguai.
54
Figura 39: Estrutura com perfis galvanizados. Maldonado, Uruguai. 55
7
Figura 40: Mostra dois operários colocando revoque a jato em painéis construídos com perfis de aço galvanizado.
55
Figura 41: Detalhe dos painéis e da primeira camada de reboco nas paredes. 56
Figura 42: Mostra toras de Eucaliptus grandis, uma das madeiras mais utilizadas para a construção de vivendas no Uruguai.
58
Figuras 43 e 44: Mostram os dois principais microorganismos que atacam a madeira: insetos e fungos.
58
Figura 45: Mostra o caráter isotrópico da madeira. 59
Figura 46: Evolução da produção florestal no Uruguai. Produção de milhes de toneladas ao ano.
60
Figuras 47 a 49: Mostram diferentes etapas da montagem com Wood Framing. 62
Figuras 50 a 56: Mostram diferentes etapas da montagem do protótipo desenvolvido com o Sistema Wood Framing.
63
Figura 57: Vivenda social em madeira, fachadas – Sistema Construtivo Wood Framing.
64
Figura 58: Mostra as diferentes etapas de montagem do Sistema Wood Framing. 66
Figuras 59 e 60: Mostra o sistema de fundações elevadas em base a pilotis de concreto. 67
Figuras 61 e 62: Exemplos de fundações elevadas em base a pilotis de madeira. 67
Figuras 63 e 64: Mostram fundações tipo “T” invertida e a impermeabilização da soleira inferior numa fundação para Wood Framing.
68
Figuras 65 e 66: Colocação das placas de OSB sobre estrutura de piso. 68
Figura 67 e 68: Mostram a estrutura, o filme de poliestireno, as instalações elétricas e hidrossanitárias no radier.
69
Figura 69: Diagrama de esforços de um painel no Sistema Wood Framing. 70
Figuras 70: Contravento, Cruz de Santo André. Contravento Diafragma OSB. 71
Figura 71: Mostra a marcação das paredes sobre o radier. 71
Figuras 72 e 73: Mostram a estrutura dos painéis de parede com o respectivo corta-fogo. 72
Figura 74 e 75: Mostram a construção de um protótipo de vivenda construído pelos Arquitetos que participaram do “Curso Construção em Madeira”, na Faculdade de Arquitetura de UdelaR.
72
Figuras 76 e 77: Montagem dos pavimentos superiores. Sistema Wood Framing. 73
Figura 78: Mostra os detalhes de diferentes tipos de engaste entre os painéis. 73
Figura 79 e 80: Armado de painéis/parede, no atelier. 74
Figuras 81 e 82: Exemplo de armado de paredes no atelier. 74
Figura 83: Transporte vertical de um painel/parede. 75
Figura 84: Exemplo de transporte de uma parede construída em fábrica. 75
Figura 85: Exemplo de um corte vertical de um painel no sistema Wood Framing. 76
Figura 86: Corte horizontal de uma parede construída com Wood Framing. 77
Figura 87: Detalhe construtivo de uma cobertura no Sistema Wood Framing. 77
Figura 88: Colocação da barreira de vapor, nylon 200 micros. 79
Figura 89: Colocação do revestimento de gesso cartonado. Acabamento interior. 80
Figura 90: Mostra a colocação dos azulejos sobre uma parede de gesso impermeável em um banheiro.
81
Figura 91: Conjunto Habitacional em Holanda, arquitetura em madeira – Sistema Wood Framing.
81
Figura 92: Acabamento exterior com placas de cimento imitação tijolo (e=2 cm). 82
Figura 93: Detalhes dos painéis de parede com isolamento térmico. 83
8
Figura 94: Montagem dos painéis e conectores. 83
Figura 95: Mostra a leveza dos conectores. 84
Figura 96: Mostra o painel visto de cima. 84
Figura 97: Mostra dois painéis de esquina com as esperas de aço para fixação ao radier.
85
Figura 98: Corte horizontal de um painel – RBS. 85
Figura 99: Fundação tipo radier para o sistema construtivo RBS. 86
Figuras 100 e 101:
Detalhe da viga perimetral e marcação das paredes no RBS. 86
Figura 102: Marcação das paredes. 87
Figura 103: Detalhe das esperas para ancoragem dos painéis. Marcação das paredes. 87
Figura 104: Detalhes das situações possíveis de ancoragem entre os painéis e o radier. 88
Figuras 105 e 106:
A ancoragem entre a fundação e o painel e instalação elétrica no painel. 88
Figura 107: Aprumado dos painéis antes da concretagem. 89
Figuras 108 a 111:
Mostram o armado das paredes e a colocação dos conectores. 89
Figura 112: Detalhes do processo de aprumado dos painéis antes da concretagem. 90
Figuras 113 e 114:
Detalhes de conectores e painéis. 90
Figuras 115 e 116:
Obras do Conjunto Habitacional Mandubí. Programa de Integración de Asentamientos Irregulares (PIAI), 2002. Licitação Pública Internacional.
91
Figuras 117 a 121:
Conjunto Habitacional Mandubí. Programa de Integración de Asentamientos Irregulares, 2002. Licitación Pública Internacional - Sistema Construtivo: Royal Building System.
92
Figuras 122 e 123:
Conjunto RBS - Fachada e detalhes das instalações RBS. 93
Figura 124: Instalação hidrossanitária na cozinha. Sistema construtivo RBS. 93
Figuras 125 e 126:
Solidariedade na construção do hábitat coletivo. 99
Figuras 127 e 128:
O IAT prepara a cooperativa para o trabalho solidário. 102
Figuras: 129 e 130:
Ilustram o trabalho horizontal do IAT com a comunidade envolvida. 103
Figura 131: Ilustra a aspiração inicial de um cooperativista, um programa de necessidades e aspirações cuja síntese será coletiva.
103
Figura 132: Ilustra um organograma das comissões no período prévio a obra. 105
Figura 133: Organograma das comissões no período da obra. 106
Figura 134: A solidariedade expressa num grafite no muro de uma cooperativa. 109
Figura 135: Paredes duplas com câmara de ar. Sistema Construtivo Tradicional. 111
Figura 136: Mostra as diferentes capas de uma parede da envolvente opaca de 26,5cm de largura.
112
Figura 137: Mostra dois cortes em parede dupla com câmara de ar, com e sem isolamento térmico.
113
Figura 138: Orçamento para uma unidade habitacional de 50m2. Não inclui terreno nem infraestrutura exterior. Os valores estão expressos em dólares americanos.
120
9
Figura 139: Orçamento de uma unidade habitacional construída com Royal Building System de 52m2. Não inclui terreno nem infraestrutura exterior. Os valores estão expressos em dólares americanos.
121
Figura 140: Sistema Construtivo Tradicional de 50m2. 122
Figura 141: Diagrama de Gantt. Cronograma físico da obra. Vivenda construída com Royal Building System de 52m2.
123
10
Sumário
1 Introdução ............................................................................................................. 12
2 Contextualização .................................................................................................. 17
2.1 A história do homem é a história do hábitat ................................................... 17
2.1.1 Hábitat popular, antecedentes imediatos ..................................................... 19
2.2 O Hábitat Popular no Uruguai .......................................................................... 25
2.2.1 Situação dos setores mais vulneráveis da população................................ 25
2.2.2 A produção do hábitat popular no Uruguai ................................................. 27
2.2.3 Estrutura do Sistema Público de Vivenda no Uruguai ................................ 28
2.2.4 Lei 13728 - Lei Nacional de Vivenda ............................................................. 29
2.2.5 Plano Quinquenal de Vivenda: estratégia e objetivos ................................ 30
3 Produção Social do hábitat pelo Mercado ......................................................... 34
3.1 Sistemas construtivos não tradicionais .......................................................... 34
3.1.2 Pré-fabricação: antecedentes ....................................................................... 40
3.2 A pré-fabricação no Uruguai ............................................................................ 42
3.2.1 Sistema de grandes painéis de concreto armado no Uruguai ................... 42
3.2.2 Sistema Construtivo STEEL FRAMING ........................................................ 49
3.2.3 Sistema Construtivo Wood Framing............................................................. 57
3.2.4 Sistema construtivo Royal Building System (RBS)..................................... 82
4 O Movimento Cooperativo ................................................................................... 94
4.1 Objetivos ............................................................................................................ 94
4.2 Antecedente do Cooperativismo no Uruguai .................................................. 95
4.3 Que é uma Cooperativa de Vivenda? .............................................................. 96
4.4 Tipos de Cooperativas de Vivenda .................................................................. 97
4.5 Cooperativas de Vivenda por Ajuda Mútua ..................................................... 98
4.5.1 Como funciona a Ajuda Mútua .................................................................... 100
11
4.5.2 Os Institutos de Assistência Técnica – IAT ............................................... 101
4.5.3 O financiamento dos IATs ........................................................................... 104
4.5.4 Como funcionam as comissões? ............................................................... 105
4.5.5 Por que aderir a uma cooperativa de vivenda? ......................................... 107
5 Comparações entre o Sistema Construtivo Tradicional (SCT) e quatro
Sistemas Construtivos não Tradicionais (SCNT) ............................................... 110
5.1 Sistema Construtivo Tradicional ................................................................... 110
5.2 Grandes Painéis pré-fabricados de Concreto Armado (SCGP) ................... 114
5.3 Sistema Construtivo Steel Framing (SCSF) .................................................. 115
5.4 Sistema Construtivo Wood Framing (SCWF) ................................................ 116
5.5 Sistema construtivo Royal Building System ................................................ 117
5.6 Sistemas Construtivos: enfoque orçamentário ............................................ 119
6 Considerações finais ......................................................................................... 124
Referências ............................................................................................................ 126
Anexos ................................................................................................................... 130
12
1 Introdução
Nosso ponto de partida
O ponto de partida desta investigação é o nosso particular modo de ver a
arquitetura, o lugar que nos damos dentro dela e o compromisso que, como
cidadãos e arquitetos, fomos construindo ao longo da vida. Por isso, esta pesquisa
parte da experiência do vivido. Procuramos ser objetivos e rigorosos na análise dos
modelos, mas esta pesquisa não é neutra, tem a carga da fidelidade e do
compromisso com o tipo de Arquitetura que acreditamos.
É fácil acumular páginas sobre o hábitat a partir do que outros muito mais ilustres já viram e mediram, e somá-lo ao conjunto de conhecimentos admitidos. Mas, nesse conhecimento acumulado teve pouca cabida “os outros”, os que se afastam dos cânones. Pode-se afirmar em que a representação intelectual “dos outros” tem sido fiel com o que eles pensam? Cada vez parece mais evidente a parcialidade do que nos chega como se fosse o “todo”. Por isso tem-se que valorizar mais as experiências pessoais, a aproximação fenomenológica frente às medições externas. O problema radica em que as duas tradições principais das Ciências Sociais, positivista e fenomenológica falam línguas dificilmente compatíveis. As medições são necessárias e apreciáveis e sua contribuição como fontes estadísticas, mas por si mesmas não são grande coisa se não vão acompanhadas de uma reflexão profunda sobre o significado das cifras. Devemos deixar fluir as experiências pessoais e não silenciá-las. (DURÁN, 2008, p. 21)
Durán afirma que, quando um arquiteto projeta, subordina sua obra a sua
particular forma de ver a sociedade, o desenho estampa uma ideia geratriz, a qual
deve servir ao espaço projetado, às vezes impera o desconcerto e não se sabe a
quem serve o espaço, para quem se constrói, qual é a ordem moral que transcende
o desenho.
Fiori (2002) também alerta para o compromisso profissional e salienta que:
os arquitetos que atuam nas periferias ao lado dos movimentos populares, e que em diálogo com os trabalhadores ensaiam soluções para os seus problemas mais elementares, ao mesmo tempo em que mobilizam a imaginação aguda para pensar uma nova sociedade e outra cidade, são possuidores de um conhecimento prático digno de reproduzir. Essa aliança entre uma fração minoritária dos arquitetos e grupos de trabalhadores é bastante recente, data dos anos 1960, pois historicamente estes
13
profissionais sempre ofereceram seus serviços aos donos do poder e do dinheiro. Atuar ao lado das organizações dos trabalhadores é, por isso, uma ruptura com os pressupostos elitistas (e também subalternos) da profissão, cujas consequências ainda precisam ser bem compreendidas. (FIORI, 2002, p.256)
O alto grau de complexidade que rodeia a gestão do Hábitat Popular na
América Latina leva Pelli a formular a seguinte reflexão:
Construir a abordagem adequada para a gestão da produção Social do Hábitat passa por reconhecer a natureza complexa do hábitat enquanto sistema de situações em interação com outros sistemas. Passam por assumir a complexidade de seus processos de produção, fortemente determinados em sua concepção, desenvolvimento e resultados e pela maior ou menor presença de cada um dos grupos de atores afetados e seus respectivos paradigmas culturais. Neste contexto, a questão da formação dos arquitetos surge como vetor fundamental de cara ao acerto no enfoque na produção do hábitat social. (PELLI, 2008, p.43)
Todas as reflexões anteriores estão em convergência com nossa forma de ver
a Arquitetura e fazem parte da base teórica sobre a qual estruturamos esta
pesquisa.
Questões que pautam a Pesquisa
Partindo de nossa experiência empírica em numerosos projetos, com e sem a
participação dos usuários nos processos de produção do hábitat popular, propomo-
nos a produzir novos conhecimentos que ajudem a compreender como o uso de
novas tecnologias no processo de gestão participativa do hábitat popular pode incidir
no resultado físico da vivenda e na mais rápida satisfação da demanda habitacional
da comunidade involucrada.
Figuras 1 e 2: Programas de Vivenda Social com a participação do autor deste trabalho. Fonte: Acervo particular do autor.
14
Consideramos que aprofundar no conhecimento sobre a gestão e produção
do hábitat popular é um aporte significativo para desenhar programas que evoluam
do assistencialismo compensatório (que caracteriza as políticas públicas de vivenda
hoje), para um modelo inclusivo e participativo onde a incorporação de tecnologias
inovadoras possa interatuar com as tradicionais num processo de autogestão
assistida.
Por que é necessária esta mudança?
O debate surge, pois a autogestão coletiva, produzida pelas cooperativas de
vivenda com Sistema Construtivo Tradicional (SCT) e a construção por empreiteiras,
produzida pelo Mercado usando tecnologias inovadoras, disputam território e
financiamento estatal, mas nenhuma destas duas formas de gestão do hábitat
popular tem sido – por si mesma – capaz de dar resposta a crescente demanda
habitacional do país.
O fracasso das Políticas Públicas de Habitação Popular para combater o
déficit habitacional, apesar do grande volume de recursos econômicos investidos1,
obriga-nos a repensar os modelos que tem sido os mais promovidos nas políticas
públicas de vivenda nos últimos vinte e cinco anos. Para tanto, é importante saber:
Quais são as fortalezas e quais as debilidades de cada modelo? Será possível
estender pontes entre eles?
O que é necessário mudar em cada um, para que os modelos se ajustem a
uma realidade que demanda cada vez mais vivendas, sem rebaixar os padrões de
qualidade construtiva?
O corpo teórico que desenvolvemos está ancorado na práxis. Analisamos
técnicas construtivas com diferentes graus de inovação tecnológicas, que convivem
com o sistema tradicional no mercado da construção no Uruguai, e estudamos como
estas novas técnicas poderão articular a eficiência econômica e a qualidade
construtiva com a participação dos involucrados no processo de construção do
hábitat popular.
1 Lei orçamentária para o quinquênio 2010-2015. O orçamento do Ministério de Vivenda passou nos
últimos cinco anos de 400 milhões de dólares a 800 milhões de dólares. Disponível em: <www.parlamento.gob.uy>. Acesso em: 16 mar. 2014.
15
Estrutura da pesquisa
Dividimos o trabalho em cinco partes. A Introdução é uma aproximação ao
objeto de nossa investigação, nela centralizamos os eixos do trabalho, esclarecemos
seus objetivos, localizamos o ponto de partida, enunciamos nosso modo de ver a
arquitetura e narramos os fundamentos que sustentam esse compromisso com o
hábitat popular.
No capítulo 2, Contextualização, percorremos os antecedentes do hábitat
humano visto de uma perspectiva antropológica. Vemos como a evolução
tecnológica e os ciclos econômicos que surgem a partir dos novos inventos
terminam influindo no atual conceito de hábitat. A passagem pelos ciclos históricos e
econômicos é superficial e breve, tem um propósito meramente ilustrativo, mas
serve de base para a compreensão de conceitos que explicam a emergência
habitacional atual: valor do solo urbano e a vivenda como mercadoria.
Analisamos os antecedentes imediatos do hábitat popular. O Congresso
Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM) por sua importância na determinação
do ponto de inflexão na historia do tratamento do hábitat dos setores sócias mais
vulneráveis, até então, ausentes na agenda dos Arquitetos.
Logo nos instalamos no Uruguai. Analisamos a política pública de habitação
popular no País com destaque para os últimos cinco anos. Apoiamo-nos em dados
do “Ministerio de Vivenda Ordenamiento Territorial y Médio Ambiente” (MVOTMA), e
incluímos na análise, dados do Censo 2012 fornecido pela “Dirección Nacional
Estadísticas” (DNE). Analisamos a Estrutura do Sistema Público de Vivenda, a Lei
Nacional de Vivenda (Lei 13728) e o marco Jurídico que lê servem de base.
Analisamos os mecanismos que utiliza o estado para por em pratica o Plano
Quinquenal de Vivenda.
Na terceira parte deste estudo, Produção Social do hábitat pelo Mercado,
estudamos as tecnologias industriais mais utilizadas na produção do hábitat social.
Analisamos os sistemas construtivos não tradicionais empregados pelas
empreiteiras: Grandes painéis de concreto armado, Steel Framing, Wood Framing e
Royal Building System. Estudamos debilidades e fortalezas dos sistemas
construtivos não tradicionais na perspectiva de sua utilização num processo de
participação coletiva como as cooperativas de vivenda por ajuda mútua.
No quarto, O Movimento Cooperativo, abordamos o funcionamento integral
16
das Cooperativas de Vivenda. Analisamos em profundidade o Sistema Cooperativo
de Vivenda por Ajuda Mútua: O que é ajuda mútua? As chaves do sistema: como se
organizam as cooperativas? O rol que cumprem os Institutos de Assistência Técnica
(IAT); a capacitação social dos cooperativistas para o trabalho comunitário; o
empréstimo financeiro do Estado, os subsídios ao parcelamento e o subsídio à
permanência no sistema cooperativo; fortalezas, debilidades e desafios do sistema
cooperativo.
17
2 Contextualização
2.1 A história do homem é a história do hábitat
É possível que a afirmação marxista: “A historia do homem é a historia da luta
de classe” (MARX; ENGELS, 1997, p. 10) seja verdadeira. Porém, salientamos que
esta afirmação é pelo menos incompleta, pois a necessidade de comer para manter-
se vivo e de proteger-se do meio exterior para colocar-se a salvo das inclemências
da natureza é a luta mais importante – de todos os dias – para a grande maioria dos
habitantes do planeta, ontem e hoje. Alinhado com esta reflexão inicial, é possível
afirmar que a história do Homem é a historia da luta: pela alimentação e pelo hábitat.
O hábitat humano é fortemente condicionado pelos ciclos econômicos e
apesar de que a história do hábitat e os ciclos econômicos não configurem o tema
central desta pesquisa, é imprescindível que levemos em conta algumas passagens
deste processo. Isto irá nos ajudar a separar as suas causas das consequências e a
compreender que o modelo de produção capitalista do hábitat contemporâneo, (que
tem apenas 150 anos), ser uma prática recente frente aos milhões de anos de
aplicação dos modelos que o antecederam.
Logo, passado o período inicial e no transcurso dos milhões de anos que
antecederam a sociedade mesopotâmica, o homem foi nômade2,
e gregário3, seu
hábitat, foi um refúgio ocasional e temporário. Assim, o progresso tecnológico –
desde uma perspectiva contemporânea – foi lento.
Todos os esforços e a energia estiveram destinados a desenvolver
estratégias de sobrevivência frente às hostilidades e ataques da natureza.
De Masi4, afirma que:
2 Comunidades ou povos que se transferem de um lugar a outro, em lugar de estabelecer-se
permanentemente em um só lugar. 3 Relativo a quem segue uma tendência a agrupar-se em grupos sociais.
4 Doménico De Masi nasceu na Itália em 1938. É professor titular de Sociologia do Trabalho na
Universidade de Roma.
18
Foi a partir de Neandertal e depois de Cro-magnon que o homem conseguiu desenvolver sistemas culturais mais elaborados, que o fizeram capaz de enfrentar com melhores ferramentas, a insegurança e o medo ao desconhecido. Com a capacidade de abstração surge o culto aos mortos, a magia, o gozo estético, o erotismo desvinculado da procriação, a gastronomia, a arte, etc. Dominou o fogo, aperfeiçoou a capacidade de abstração, depurou a criatividade, explorou a sensibilidade estética com a música, a pintura, a escultura. (DE MASI, 2000, p. 56)
Ao final desta longa viagem, afirma De Masi, o homem aprendeu a caminhar
em posição ereta, produziu ferramentas, descobriu que para ter filhos não é
suficiente apenas a mulher, mas que é imprescindível a participação genética do
homem.
Com a Revolução Neolítica, aprendeu a cultivar a terra e inventou a
agricultura, dando um passo gigante na história – passou de caçar, colher e pescar
ao cultivo programado. Este acontecimento tem uma importante consequência: a
agricultura gerou dependência territorial entre o homem e seu sustento.
Esta dependência foi importante para o desenvolvimento futuro do hábitat: por
um lado, determinou o surgimento de assentamentos humanos permanentes, os
quais deram origem às primeiras cidades; por outro lado, a agricultura constituiu-se
no primeiro ataque violento à natureza e representou a primeira ruptura de um
ecossistema. Estes dois aspectos, assentamentos humanos e ruptura do equilíbrio
natural, acompanham a evolução do hábitat até nossos dias.
O arquiteto Esteban de Manuel Jerez5
(2012) salienta que:
A Agricultura e o surgimento das cidades representam o primeiro salto significativo e de impacto do Hábitat Humano sobre o meio ambiente e a natureza. A Cidade é o berço da urbe, da Civita e da polis. A civilização Agrícola nos aporta os fundamentos do Urbanismo, o desenho das cidades, da civilização sustentada na escrita e a transmissão por esse meio de conhecimentos em todas as direções, proporcionou uma primeira rede de cidades relacionadas a roteiros comerciais, marítimos e militares. Neste cenário o Hábitat começa a produzir um impacto sobre o território que o faz cada vez mais complexo. A organização política passa a expressar-se através das Cidades-Estados, nos Impérios e nos Estados Nacionais. As atividades residenciais, artesanais e simbólicas compartem espaços. O palácio do nobre e o rico Comerciante convivem com a vivenda das classes Populares. (JEREZ, 2012, p. 23)
Ao longo destes anos, o homem demonstrou extraordinária sensibilidade
5 Esteban de Manuel Jerez (1964) é um arquiteto, ativista social e político espanhol.
19
artística, trabalhando a cerâmica para fabricar objetos utilitários ou religiosos, mas,
foi quando queimou o barro para produzir tijolos (acerca de 5000 a.C.) que fabricou
o primeiro produto industrial da história. Com esse descobrimento mostrou o domínio
simultâneo dos quatro elementos da Natureza: terra, água, vento e fogo. “Descobriu
que o giro de um corpo redondo na volta de um eixo oferecia grande vantagem para
o deslocamento; criou as Cidades e inventou a escrita, a matemática, a astronomia,
etc.” (DE MASI, 2000, p. 27). Morou em comunidades, as quais foram
transformando-se em organizações maiores e mais complexas à medida que foi
passando o tempo. Esta reflexão serve para destacar que o sistema comunitário,
com forte espírito solidário, foi à primeira forma de organização social que o homem
escolheu e, a autoconstrução, o mecanismo mais utilizado para resolver o problema
da vivenda.
O arquiteto argentino Rodolfo Livingston (1995)6
relata que ao longo da
história da humanidade, o homem sempre construiu sua casa, desde o iglu dos
Esquimós, às choças africanas, às aldeias de pescadores do Mediterrâneo ou à
vivenda Islâmica. Assim, os povos levantaram sua vivenda com respeito pelo clima e
pela natureza, utilizando os materiais próprios de cada lugar, atingindo um alto nível
estético.
Livingston (1995) também afirma que a casa, assim como a comida,
permaneceu sempre no âmbito da tradição popular e tanto a vivenda, como a
gastronomia inspiraram-se nas possibilidades que cada lugar e cada território
ofereciam.
2.1.1 Hábitat popular, antecedentes imediatos
Será somente a partir do século XVIII, que a longa e lenta evolução humana7
experimentará um forte abalo. É o início da Primeira
Revolução Industrial8.
6 Rodolfo Livingstón (1931) é um arquiteto argentino, criador da especialidade “Arquitetos de Família”,
um sistema de desenho participativo que recebeu dois prêmios internacionais (“Best Practices”, Estambul, 1996 e “World Habitat Awards”, Bruselas, 2002). 7 Na perspectiva temporal dos humanos.
8 Primeira Revolução Industrial: carvão, ferro e máquina a vapor.
20
Nascida da acumulação primária da economia colonial inglesa, da utilização da energia a vapor e da eletricidade, das conquistas burguesas, das liberdades parlamentares e da confiança iluminista no racionalismo, a organização científica estava destinada a evoluir por todo o século XIX, até encontrar seu apogeu nas grandes fábricas metalúrgicas e automobilísticas dos EEUU. (DE MASI, 2000, p. 126)
Desse modo, quando a Segunda Revolução Industrial9
explodiu na Europa, as
consequências sociais de tanto tecnicismo começaram a aparecer. Assim, por um
lado a Primeira Guerra Mundial e, por outro, a crise econômica global de 1929,
aniquilaram a Europa. Este fato é de fundamental importância para entender a nova
Arquitetura e a nova consciência que nasce das cinzas da Europa destruída.
Na verdade, nenhum país da Europa escapou da crise. Cidades inteiras foram
devastadas pela destruição produzida por armas nunca vistas antes, famílias de
operários desempregados movimentando-se de um lugar a outro, fugindo das pestes
e da fome, em procura de um refúgio onde pudessem passar a noite. Esse foi o
cenário deflagrado ante os olhos dos arquitetos europeus do começo do século XX.
As imagens da destruição foram de tal magnitude que conseguiram sensibilizar ao
Movimento Moderno.
De acordo com Segre10(2009), até a Revolução Industrial, a população do
planeta não tinha atingido um bilhão de habitantes e nenhuma cidade (excetuando a
Roma Imperial) tinha atingido um milhão. Com a Revolução Industrial, a aceleração
do processo fez surgir um fato novo nunca visto antes na história da humanidade: a
população urbana do mundo superou a população rural.
Este fato implica a criação de espaços artificiais para sete bilhões de pessoas,
das quais apenas quinhentos milhões (14%) vivem em condições de decorosa
dignidade e fazem usufruto da vantagem originado na eclosão tecnológica das
últimas décadas. O restante da população, perto de 86%, vive na pobreza,
concentrada majoritariamente nas treze maiores mega cidades do mundo, das quais
quatro são Latino-americanas: Cidade de México, São Paulo, Rio de Janeiro e
Buenos Aires (SEGRE, 2009).
América do Norte e América Latina converteram-se em territórios de
emigrantes. Ao sul do Rio Bravo a emigração teve duas vertentes: por um lado a
9 Segunda Revolução Industrial: petróleo, aço e eletricidade.
10 Roberto Segre (Itália, 1934 - Brasil, 2013) foi um arquiteto, historiador, professor e crítico de
Arquitetura. Trabalhou na Argentina, em Cuba e no Brasil. Desde 1994, atuou como pesquisador e professor do curso de pós-graduação em Arquitetura da Universidade Nacional do Rio de Janeiro.
21
proveniente da Europa; por outro lado, a migração do campo para a cidade.
Assim, todos os dias o vasto e fértil território latino-americano expulsa de sua
área rural um enorme contingente de camponeses pobres, vítimas da
marginalização tecnológica e do bombardeio mediático do consumismo. E, então,
cansados de lutar pela sustentabilidade produtiva e pela viabilidade econômica,
famílias inteiras se transladam à periferia das cidades, ansiosas por receber alguma
migalha do progresso e dispostas a transformar-se em protagonistas da história
global. A chegada do trator, a mecanização das colheitas, a máquina de esquilar e o
cercado dos campos com arame, ajudaram a expulsar aos peões pobres do meio
rural sem dar-lhes um lugar seguro no meio urbano. São camponeses agora
convertidos em proletários urbanos, trabalhadores fortes, muito deles analfabetos;
antes sem terra rural, agora sem terra urbana.
É neste contexto que celebra-se em 1928 o primeiro Congresso Internacional
da Arquitetura Moderna e constitui-se um ponto de inflexão no tratamento do hábitat
popular. Com o CIAM, a arquitetura, pela primeira vez na história, (ainda que por
breve tempo), decide tomar posição a favor dos setores populares, pensando
soluções para o espaço da pobreza. E, assim, desce do pedestal elitista, no qual se
posicionou durante milhares de anos, e põe na agenda dos arquitetos e no currículo
escolar da academia, a casa do operário, do trabalhador, do artesão, do pequeno e
médio comerciante, do pequeno e médio industrial, do estudante, do professor, dos
aposentados. Dito de outra forma, os arquitetos colocaram pela primeira vez na
agenda da Arquitetura, a imensa maioria da população mundial.
Foi a partir da Revolução Industrial que os países capitalistas lograram criar
aquilo que Fiori Arantes (2002), referindo-se a industrialização das cidades, reputa
“uma das obras institucionais mais complexas e impressionantes que a humanidade
conseguiu montar”, mas, apesar das transformações radicais que aconteceram na
estrutura social e de convivência, a solidariedade comunitária, a autoconstrução e a
ajuda mútua, continuam sendo os mecanismos mais usados na hora de resolver o
hábitat popular.
Durante séculos, a Arquitetura foi o braço oculto do poder hegemônico, nobre, militar ou religioso. Palácios, Castelos, Fortalezas e Igrejas foram seus monumentos. A Modernidade, com a Revolução Industrial, descobriu novos monumentos da burguesia e do proletariado. Aparecem em cena os arranha-céus e os conjuntos habitacionais de Interesse Social. O CIAM foi a resposta à nova realidade. (ARANTES, 2002, p. 87)
22
Do nosso ponto de vista, a grande contribuição social do CIAM, foi o fato do
mesmo ter chamado à atenção de vastos setores da população, bem como ter
colocado a arquitetura a serviço de uma causa, a dos setores populares, cuja
projeção internacional, ainda antes da Primeira Guerra Mundial, já era evidente.
Quando recrudesciam os efeitos residuais da industrialização capitalista na
Europa (século XIX), com exclusão social massiva de operários e os “grandes
exércitos de reserva de mão de obra, estavam disponíveis”, antropólogos, filósofos e
sociólogos, chamaram a atenção para este fato. Marx e Engels, em 1848,
escreveram o primeiro chamado à globalização da história. A globalização dos
operários: “Proletários de todos os países, uni-vos”.
Os cataclismos do começo do século XX aprofundaram a crise do Capitalismo
em sua expressão econômica e social. A dramática situação do hábitat social
terminou sensibilizando os arquitetos mais influentes de todo o mundo e a vivenda
social foi – pela primeira vez – tema de estudo nas Academias.
Walter Gropius, primeiro diretor da Bauhaus, abordou o tema da vivenda e
vinculou seu processo de construção ao processo de produção industrial afirmando
que, “a vivenda é um organismo técnico-industrial, nele a unidade se compõe
organicamente de várias partes” (apud WOUDE, s/d, p. 6).
Para Hannes Meyer (1972, p. 96-97), seu sucessor em 1928, “construir é um
processo biológico, não é um processo estético [...] construir não é outra coisa que
organização: social, técnica, econômica e psicológica”.
Vamos nos deter nesta afirmação de Meyer, por considerá-la um ponto de
inflexão no tratamento do hábitat popular por parte dos arquitetos. Dizer que
“construir, não é um processo estético” é atribuir à organização social um caráter
relevante, é dizer algo totalmente novo e absolutamente diferente de tudo o que
historicamente propôs a arquitetura, para quem a forma subordinou a função nos
últimos cinco séculos.
Na mesma linha, Mies Van der Rohe (apud WOUDE, s/d, p. 6) salienta que,
“os problemas da nova vivenda tem suas raízes nas mudanças da estrutura material,
social e espiritual de nosso tempo; só daqui é possível chegar a compreender o
problema”. Além disso, o autor afirma que o problema da nova vivenda – na
realidade – é um problema espiritual, e a luta pela nova vivenda é parte da luta por
uma nova forma de vida.
23
No Brasil, os arquitetos vinculados ao Movimento Moderno também fizeram
sentir sua voz. Assim, Vilanova Artigas, destaca:
Sou dessa geração de arquitetos modernos que, pela primeira vez, foram até o conhecimento do fazer operário, ou do subempreiteiro, para dizer-lhes, em desenho, em projeto, o que era preciso fazer […]. Nós rompemos com os resquícios medievais que ainda prevaleciam […]. Por que você poderia projetar no papel, desenhar no papel, não a escada que o escadeiro ia fazer, mas aquela que você queria que fosse realizada, dentro do espaço que lhe servia. Aí há uma passagem, um ponto histórico diferente, totalmente diferente. (ARTIGAS, 2002, p. 256)
Apesar dessa convicção dos jovens arquitetos brasileiros, verdadeiramente
preocupados em buscar soluções para o hábitat popular, de acordo com Pedro Fiori
Arantes (2002), o espaço proletário formou-se no Brasil na ilegalidade, em geral
autoconstruído, com precariedade de meios e técnicas, sem ter passado pelo traço
do arquiteto. As massas, excluídas dos direitos da cidadania, também o foram do
desenho. Portanto, ao contrário da vocação democrática que alegava possuir, aqui o
design funcionou como uma espécie de marca registrada do privilégio. Refletindo
sobre este período de eclosão do Movimento Moderno, Ermínia Maricatto (2002) nos
diz que,
Em resposta ao crescente movimento operário e à demanda por vivenda, os arquitetos responderam com inovadoras propostas de mudança no design das unidades habitacionais, na tipologia dos blocos, nos novos padrões dos serviços, na hierarquia da circulação, buscando diminuir custos e garantir um padrão mínimo de qualidade. A busca do mínimo não significou redução de padrões vigentes, ao contrário, significou dar um padrão aceitável para todos, considerando a grande dimensão da carência. (MARICATTO, 2002)
No entanto, foi no 2° ClAM
– desenvolvido sob o lema da “Habitação para o
mínimo nível de vida” – que essas questões foram mais debatidas, sob a liderança
de Ernst May. Assim, a célula residencial, ponto de partida desta nova proposta,
previa um novo desenho para a cozinha, o qual considerava a mudança do papel da
mulher na sociedade, os novos produtos industriais domésticos (aparelhos e
alimentos) e as novas instalações prediais. Dessa forma, ainda vinculada a essa
evolução da família e da sociedade, parte das funções domésticas foram
transferidas para o equipamento social, acarretando a mudança da relação
público/privado na configuração das cidades.
24
O 2° CIAM foi o auge do engajamento do movimento internacional de
arquitetos na questão da qualidade de vida dos trabalhadores. A partir de então, o
movimento fez uma inflexão, ganhando peso numa orientação mais formalista e
mais engajada ao processo de acumulação capitalista (MARICATTO, 2002).
O debate no 2° CIAM teve uma consequência imediata no atelier dos
Arquitetos da Europa com efeitos quase simultâneos no continente Americano. A
análise, o estudo e o desenvolvimento de propostas habitacionais com técnicas
construtivas alternativas ao sistema construtivo que tradicionalmente foi utilizado
para construir vivendas.
Figura 3: Conjunto Habitacional de Marsella. Fonte: Via Rosario
Logo estes sistemas construtivos e os postulados do Modernismo se
espalharam por todo o mundo. As capitais Latino-americanas se europeizaram e as
novas tendências substituíram a cultura construtiva local. Ainda hoje, quando os
princípios defendidos pelo modernismo declinaram e são levados em conta cada vez
menos pelos Arquitetos, um paradigma persiste: a globalização estética da forma
que se superpõe as que vêm das classes populares e aos valores das culturas
locais. O que interessa ao nosso trabalho é como esses paradigmas influíram – e
influem ainda hoje – na realidade construtiva do Uruguai.
25
2.2 O Hábitat Popular no Uruguai
2.2.1 Situação dos setores mais vulneráveis da população
O Uruguai acumula há mais de um século um déficit habitacional endêmico,
cujo crescimento geométrico projeta um futuro pouco alentador. Contudo, o país tem
realizado grandes esforços e experimentado diversos programas de habitação
popular para mitigar a segregação social. Alguns programas priorizaram os
processos inclusivos, com participação dos usuários nos modelos de gestão, outros
promoveram programas de estímulo à iniciativa privada e chamaram as empreiteiras
para desenvolvê-los. Tanto um como outro fracassaram estrepitosamente no intento
de atingir o objetivo procurado.
O certo é que nem os programas com forte participação dos usuários, como
as Cooperativas de Vivenda, nem os programas onde os usuários não participam
das decisões, como os promovidos pelo Mercado (financiados pelo Estado), têm
sido eficientes, (como pode ser evidenciado pela realidade11,
de um déficit de cem
mil vivendas para uma população de três milhões de habitantes.) Emergência social
essa gerada pelo enorme contingente de homens e mulheres que nos últimos cem
anos foram expulsos do campo pela Revolução Industrial e não têm um lugar “à
sombra”, na cidade pós-industrial do século XXI.
A Sociedade Uruguaia gasta, através do Ministerio de Vivenda Ordenamiento
Territorial y Medio Ambiente12, grandes quantidades de recursos econômicos para
contemplar programas de vivenda destinados a minimizar o déficit habitacional dos
setores sociais mais desfavorecidos. Estes recursos muitas vezes não são bem
utilizados e terminam financiando projetos que em pouco tempo, transformam-se em
verdadeiros problemas para os moradores.
A arquiteta Felicia Gilboa (1999), no livro La vivenda social: evaluación de
programas y tecnologías afirma que os problemas mais comuns detectados são:
11
Cf. FUCVAN, o déficit habitacional do Uruguay é de aproximadamente 100 mil vivendas. Disponível em: <http://www.fucvam.org.uy/>. Acesso em: 29 jun. 2014. 12
O Orçamento do MVOTMA duplicou nos últimos cinco anos. Passou de U$ 400 Milhões a U$ 800 Milhões de dólares. Fonte: <http://www.mvotma.gub.uy/el-ministerio/transparencia/presupuestoqui nquenal-2010-2014.html> Acesso em: 13 abr. 2014.
26
má qualidade construtiva dos conjuntos, umidades, rachaduras, maus acabamentos,
fechamentos exteriores deficientes, problemas nas instalações hidrossanitárias,
elétricas, etc; a inadaptação social dos usuários por falta de preparação e
treinamento para o convívio com distribuição de responsabilidades; a inadaptação
cultural e urbana. Muitas vezes os conjuntos são construídos em prédios isolados do
tecido urbano e localizados em lugares distantes dos serviços e do trabalho dos
moradores ou o projeto do conjunto é inadequado às aspirações e costumes dos
moradores.
Os fatores acima mencionados, separados somente para facilitar um estudo
organizado, muitas vezes aparecem combinados entre eles e agravam mais o
problema. Uma vez que os conjuntos habitacionais são ocupados por seus
moradores, considera-se como resolvida a demanda habitacional de determinado
número de famílias, mas na realidade o problema da vivenda não foi resolvido. Estas
são retiradas oficialmente da lista de famílias com necessidades habitacionais
insatisfeitas, porém, estas famílias não foram beneficiadas com uma solução
habitacional e, sim, com um problema habitacional que em muitos casos lhes
acompanhará durante toda a vida. Se a finalidade das políticas públicas de caráter
social, particularmente das políticas habitacionais, é contribuir para a melhora da
qualidade de vida daqueles setores da sociedade, que por si mesmos não têm
condições de resolver seus problemas de vivenda, então, a rigorosa análise do
destino dos recursos econômicos que a sociedade põe em mãos do Estado para
socorrer aos setores mais vulneráveis passa a ser um imperativo ético irrenunciável,
que nos inclui como cidadãos e arquitetos.
27
Figura 4: San Antonio III – Maldonado, Uruguai. A vulnerabilidade social e as carências dos setores mais excluídos da sociedade. Fonte: Acervo particular do autor, 2010.
Figuras 5 e 6: Bairro San Antonio III – Maldonado, Uruguai. A arquitetura da pobreza. Fonte: Acervo particular do autor, 2010.
2.2.2 A produção do hábitat popular no Uruguai
A produção do hábitat popular no Uruguai se faz por uma destas três vias:
a) o mercado;
b) a gestão social;
c) a combinação das duas anteriores.
28
Nas três vias, o Estado atua como agente financiador do hábitat popular, mas
não destina a mesma quantidade de recursos econômicos em cada uma das
alternativas descritas. O modo de construção feito pelo mercado e com a
participação de empreiteiras tem sido até agora a forma preferida pelo Estado para
abordar o déficit habitacional13.
Com a chegada da esquerda ao governo, começaram a aparecer novos
elementos nas políticas públicas de vivenda popular que alentaram um futuro mais
promissor. O último Plano Quinquenal de Vivenda (2010-2014)
propõe potencializar
alternativas que recolham a tradição de autogestão da produção popular. O
Ministerio de Vivienda Ordenamiento Territorial y médio Ambiente se propõe, através
do Plano Quinquenal de Vivenda, a gerar um forte impulso ao processo de Gestão
dos usuários na construção de suas vivendas, animado pelo princípio de que
aqueles que hoje são parte do problema passem a ser parte da solução.
O que em grandes linhas identifica as políticas públicas de vivenda no
Uruguai, desde a chegada da esquerda ao governo do país em 2005, é sua intenção
de mudar o paradigma dominante na produção do hábitat popular. O novo
paradigma que se promove apoia-se no desenho de uma política pública de vivenda
e hábitat popular com forte impressão socioterritorial, concebida desde a
sustentabilidade ambiental, socioeconômica e financeira.
2.2.3 Estrutura do Sistema Público de Vivenda no Uruguai
Quando se instala um novo governo no Uruguai, (fato que ocorre a cada cinco
anos), o Poder Executivo tem um prazo de 180 dias para enviar ao Parlamento o
“Plano Quinquenal de Vivenda”. Este Plano – que deverá ser aprovado pelo
Parlamento – estabelece as pautas e o planejamento de toda a política pública de
Vivenda do Uruguai pelos próximos cinco anos, a isto chamamos Plano Quinquenal,
e será conduzido pelo Sistema Público de Vivenda (SPV).
O Sistema Público de Vivenda é o encarregado de avaliar, programar e
13
60% do Orçamento do MVOTMA destinado à vivenda são Licitações Públicas. Fonte: “Rendición de cuentas al Parlamento”. Disponível em: <http://www.parlamento.gub.uy/htmlstat/cepre/rendicion
29
administrar os recursos do orçamento nacional dirigido à promoção do hábitat
popular. Está integrado por: Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Médio
del Uruguay (BHU), Movimiento de Erradicación de la Vivienda Insalubre Rural
(MEVIR) e Programa de Integración de Asentamientos Irregulares (PIAI).
Ministerio de Vivienda Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente – MVOTMA
Agencia Nacional de Vivienda – ANV
Banco Hipotecario del Uruguay BHU
Movimiento de Erradicación de la Vivienda Insalubre Rural
MEVIR
Programa de integración de Asentamientos Irregulares
PIAI
Figura 7: Esquema ilustrativo do Sistema Público de Vivenda do Uruguai. Fonte: Elaborado pelo autor, 2014.
2.2.4 Lei 13728 - Lei Nacional de Vivenda
A lei fundamental para desenvolvimento das políticas públicas de vivenda
social no Uruguai é a Lei n.o 13.728, de 17 de Janeiro de 1968, conhecida como Lei
Nacional de Vivenda ou Lei Juan Paulo Terra, em homenagem ao Arquiteto redator
da lei. As leis complementares são a Lei n.o 16.112, de 1990, que cria o Plano
Quinquenal de Vivenda e obriga o Ministério de Vivenda Ordenamento Territorial e
Meio Ambiente a definir e programar as políticas públicas de Vivenda por um
período de cinco anos; e a Lei n.o 13. 728, a qual prevê que a definição do Plano
Quinquenal seja ouvida uma Comissão de amplo espectro, formada por atores
relevantes dos setores envolvidos no tema vivenda. Tal Comissão tem o rol de
assessorar o Ministério, mas sua opinião não é vinculante.
2012>. Acesso em: 16 jul. 2014.
30
O Plano Quinquenal 2010-201414 é o quinto plano formulado pelo Ministerio
de Vivenda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente desde sua criação em 1990
até agora. Paralelamente ao Plano Quinquenal, o Presidente da República, José
Mujica, assinou um decreto que declara como prioridade nacional atender a
emergência da população que se encontra em situação de precariedade sócio
habitacional, pela via dos fatos, este decreto cria o Plano de Integração Sócio
Habitacional, conhecido como “Plan Juntos”.
2.2.5 Plano Quinquenal de Vivenda: estratégia e objetivos
Os objetivos das Políticas Públicas de vivenda poderiam ser representados
num gráfico como este, e ilustram o espírito da Lei Nacional de Vivenda do ano
1968.
Figura 8: Mostra como os objetivos se retroalimentam uns aos outros. Fonte: Elaborado pelo autor, 2014.
14
Fonte: Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente – Plano Quinquenal de Vivienda 2010-2014: “Mi lugar entre todos”. Disponível em: <www.mvotma.gub.uy> Acesso em: 21 mar. 2014.
31
Entre os objetivos do Plano Quinquenal de Vivendas encontramos:
a) desenhar e estruturar ações e programas tendentes a reverter os
processos de segregação social e fragmentação territorial;
b) ajustar a oferta habitacional às necessidades reais da população através
de diversas ferramentas e programas que atendam tanto para
regularização do estoque existente como para a geração de novas
unidades que aumentem a oferta habitacional;
c) obter e administrar os recursos públicos que efetivem estas políticas e
orientar a poupança privada num sentido convergente com este objetivo;
d) desenvolver mecanismos de gestão com outros organismos do Estado
para o desenvolvimento de políticas de hábitat à escala nacional,
departamental e local;
e) articular as ações do Estado com os agentes privados e organizações
sociais com incidência na problemática habitacional.
Como podemos ver, os objetivos a que se propõe o Plano Quinquenal para
transformar as condições habitacionais da população estabelecem uma meta
extremadamente ambiciosa. Supõem, em primeiro lugar, que a política de vivenda
atue sincronizada com o conjunto de transformações sociais, culturais, econômicas
e institucionais, coordenadas de tal forma, que sua implementação permita
aproximar-se a um país com prosperidade econômica e justiça social.
Nos aspetos socioculturais, o Plano Quinquenal da Esquerda Uruguaia
propõe “mudanças que favoreçam as formas de convívio e a tolerância entre setores
sociais heterogêneos – recompor a consciência pública, social regimentada pela
ética da solidariedade, que contribua a reconstituir o tecido social”.15 Para logra-lo,
são necessárias mudanças nas pautas culturais e de consumo. O Plano propôs-se a
promover a poupança e o pagamento pela vivenda em todos os casos. Coloca o
cuidado com a vivenda e seu entorno como parte das responsabilidades coletivas, e
considera esta uma obrigação imprescindível para ascender a uma solução
habitacional.
Isto significou a promoção e o desenho de novos instrumentos de política
habitacional, construídos na base da trilogia: esforço próprio (ajuda mútua ou
15
MVOTMA. Plano Quinquenal de Vivenda 2010-2014 – Fundamentos para o debate no Congresso. “Mi lugar entre todos”. Disponível em: <www.parlamento.gub.uy/indexdb/.../ListarDistribuido.asp?.../ camara/>. Acesso em: 7 maio 2013.
32
poupança), subsídio e crédito.
Os instrumentos adotados têm como principal objetivo assegurar o direito
constitucional dos uruguaios de ascender a uma vivenda digna, possibilitar o acesso
à vivenda àqueles setores da sociedade que – por si mesmos – não tem condições
de resolver o seu problema de vivenda, mas fundamentalmente garantir a
permanência das famílias em sua nova vivenda. Isto é uma novidade a que
atribuímos uma importância relevante já que a permanência na vivenda tem sido um
grande desafio dos programas de habitação social.
A questão mais difícil de responder para os atores que desenham as políticas
públicas de vivenda no Uruguai é como garantir o direito a vivenda e ao hábitat16,
tal
como o determina a Constituição da República17, para todos os seus cidadãos.
Como fazê-lo e garantir este direito em condições de sustentabilidade para aquelas
famílias que nas atuais condições do mercado imobiliário não podem exercê-lo por
seus próprios meios? A resposta não é simples, implica a utilização de recursos
econômicos e instrumentos de política pública que estejam na mesma linha dos
objetivos propostos.
O Plano Quinquenal de Vivenda (2010-2014), responde a esta pergunta
através de três instrumentos básicos: o empréstimo, o esforço próprio dos
destinatários e o subsídio total ou parcial.
Empréstimo: o destinatário do financiamento habitacional paga o
empréstimo em 25 anos com um juro de 5% ao ano;
Subsídio: é a quantidade que não se devolve. É aportado pelo Estado
através do Fundo Nacional de Vivenda e beneficia aquelas famílias que
não podem pagar total ou parcialmente o parcelamento do empréstimo. O
subsídio pode ser de três tipos: de capital, de juro ou de parcelamento. No
caso específico das Cooperativas de Vivenda, estas o recebem do Estado
e repassam o benefício aos sócios;
Esforço próprio: é um recurso econômico porque substitui parte importante
da mão de obra contratada pela mão de obra dos próprios interessados,
diminuindo os custos da construção e facilitando o acesso a este direito a
vastos setores da população;
16
Conceito expresso no Art. 45 da Constituição da República do Uruguai. 17
O Art. 45 da Constituição da República vai além do enunciado e atribui ao Estado à responsabilidade de cumprir com esta determinação.
33
O subsídio como instrumento de distribuição da riqueza, o crédito hipotecário
aos sectores economicamente mais carentes, como forma de democratizar o acesso
à vivenda, e a poupança (seja em forma de trabalho, gestão ou capital) como
contribuição do esforço individual ao projeto coletivo.
O crédito estatal, para a construção de habitação popular, contempla as
condições socioeconômicas das famílias, e o parcelamento pode ser individual ou
coletivo como nas cooperativas de vivenda. O valor a pagar em cada prestação não
pode superar os 20% dos ingressos econômicos mensais do grupo familiar. Se a
parcela for superior aos 20 % dos ingressos do grupo familiar, (coisa que acontece
na maioria dos casos), o excedente é pago pelo Estado. Isto se chama subsídio de
acesso à vivenda.
O subsídio ao parcelamento é um instrumento democrático de acesso à
vivenda. Permite à família ou ao grupo de famílias, através da contribuição
econômica complementar do Estado, acessar ao crédito hipotecário e assegurar que
o valor do parcelamento esteja de acordo com a capacidade de contribuição
financeira do grupo de famílias. Por esta via, o destinatário da vivenda pagará o
parcelamento de acordo com seus ingressos econômicos do grupo familiar.
Retomaremos para aprofundar o tema dos subsídios no capitulo quatro,
referido ao financiamento das Cooperativas de Vivendas por Ajuda Mútua (item 4.6).
34
3 Produção Social do hábitat pelo Mercado
3.1 Sistemas construtivos não tradicionais
Aos efeitos deste trabalho, entendemos por tecnologia a um conjunto de
conhecimentos metodologicamente organizados que proveem de áreas científicas
ou empíricas e constituem um método de aplicação, desenvolvimento, adaptação,
experimentação e observação. Segundo o dicionário Michaelis, entre outras
definições, a tecnologia é o conjunto dos processos especiais relativos a uma
determinada arte ou indústria.
Por Sistema construtivo não tradicional entendemos o manejo de tecnologias
que fazem possível a obtenção de um resultado através de um processo planejado e
permanente no qual predomina a produção em série. Por produção artesanal da
vivenda entendemos aquele processo de produção que cada vez que se executa é
necessária à participação de operários especializados e que a operação de
produção requer de esforço físico e mental. Os conceitos acima mencionados são a
síntese de varias definições expressas na ficha 4 do caderno de Construcción 3 –
tecnologías para la vivenda de interés social.18
A partir das definições apresentadas acima, nos surgem as seguintes
reflexões:
a) que o Sistema Construtivo Tradicional apresenta um forte componente
artesanal que exige especialização e que esta característica o posiciona
como o sistema construtivo que mais mão de obra demanda para a
execução das tarefas;
b) que através dos Sistemas Construtivos não Tradicionais tenta-se diminuir a
participação do artesão e que para isso são desenhadas ferramentas que
podem ser manejadas por operários não especializados.
18
AMÁNDOLA, Dulio e outros. Construcción Tres. Polígrafo mimeografado, UdelaR. Montevidéu, 2000. Caderno realizado pela cátedra de Construção da Faculdade de Arquitetura de UdelaR.
35
3.1.1 A que chamamos inovação tecnológica?
O que chamamos tecnologia inovadora para a vivenda social é a combinação
inter-relacionada e indivisível de três componentes fundamentais do processo de
gestão social do hábitat.
Figura 9: Esquema conceitual de Tecnologia Inovadora. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
A inovação é um processo composto por três elementos: materiais, gestão e
desenho. Para definir se um sistema construtivo é inovador ou não, é necessário
avaliar integralmente o processo e constatar que a inovação está presente em cada
um dos elementos que compõem o processo descrito. Não podemos pensá-los em
separado, pois estes possuem inter-relações e se modificam mutuamente.
É comum ver como o conceito de inovação tecnológica se associa
exclusivamente ao uso de materiais novos. Como consequência aplicam-se os
novos materiais sobre projetos concebidos por desenhos estruturados
tradicionalmente e são geradas obras com metodologia e gestão construtiva idêntica
aos Sistemas Tradicionais. Materiais novos aplicados sobre um Sistema Construtivo
Tradicional têm como consequência inexorável uma gestão de obra inadequada.
Este erro recorrente faz com que o resultado não seja o esperado e comprometa os
objetivos inicialmente traçados de:
a) redução do tempo de execução da obra;
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b) redução significativa da mão de obra especializada;
c) redução à mínima expressão do trabalho artesanal;
d) economia com redução dos custos de construção.
Deste modo, atingir padrões de conforto do espaço construído iguais ou
superiores aos que oferecem as construções feitas por um sistema tradicional.
Todos estes itens constituem objetivos fundamentais que definem o caráter inovador
da obra de Arquitetura e justificam a utilização de sistemas com processo de
fabricação industrial. Mas estes objetivos não seriam completos se não os
associássemos a um conceito que ganhou espaço e passou a formar parte do
discurso de intelectuais e acadêmicos nos últimos anos: a arquitetura sustentável e
ecológica.
No esquema abaixo representamos os elementos imprescindíveis e
necessários desde nosso ponto de vista, para que uma tecnologia dirigida ao hábitat
popular seja inovadora. Será inovadora quando a tecnologia proposta, além dos pré-
requisitos descritos acima for ecologicamente sustentável, economicamente viável e
socialmente equitativa. Podemos concluir que uma tecnologia é inovadora quando
os materiais, além de novos, também são econômicos e sua aplicação inclui
compromisso com o meio ambiente e responsabilidade social no processo de
execução da obra.
Figura 10: Mostra os elementos indispensáveis que deve cumprir uma tecnologia para ser considerada sustentável desde nosso ponto de vista. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
37
O quadro mostra o nosso modo de avaliar a inovação tecnológica para o
hábitat popular e destaca um conceito conclusivo: ou a inovação tecnológica se faz
com responsabilidade social ou não é inovação tecnológica.
Quando projetamos, transmitimos através do desenho, da tipologia escolhida
e dos materiais propostos, nossa forma de ver o mundo. Se para a arquitetura da
primeira metade do século XX, a forma estava subordinada à função (Modernismo),
e para a arquitetura da segunda metade do século XX (pós-modernismo) a função
estava subordinada à forma, todas as evidencias nos levam a pensar que na
arquitetura do século XXI, a forma ficará subordinada à energia. Neste caso, o
caráter sustentável da arquitetura bioclimática tem um valor determinante na hora de
definir se o sistema construtivo que propomos é sustentável. Para orientar-nos e
oferecer elementos que ponham em sintonia o projeto com o nosso discurso
ecologista, no quadro abaixo mostramos uma relação entre os materiais mais
utilizados na construção do hábitat contemporâneo e o grau de agressão ambiental
que acarreta produzi-los. O quadro nos ajudará a fazer uma primeira qualificação
dos sistemas construtivos inovadores em relação aos materiais empregados e aos
danos ambientais que alguns deles produzem.
Figura 11: Tecnologias inovadoras. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
Se associarmos o quadro acima aos Sistemas Construtivos mais utilizados no
Uruguai, e analisarmos a composição dos materiais básicos que os compõem,
poderemos estabelecer com precisão quais são os sistemas amigáveis à natureza e
quais – pelo contrário – produzem fortes agressões ao ecossistema humano.
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Figura 12: Sistemas Construtivos mais usados no Uruguai segundo seus componentes. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
O quadro acima mostra esquematicamente as características mais
destacadas dos sistemas construtivos mais utilizados. Muitas vezes esses sistemas
se apresentam combinados entre eles e o resultado pode ser completamente
diferente aos sistemas que lhe deram origem.
Uma simples inspeção ocular é suficiente para perceber que o procedimento
construtivo mais utilizado é o sistema que chamamos tradicional, em suas duas
versões: tijolo e madeira.
O domínio do processo construtivo por parte da população, cuja técnica
transmitiu-se de geração em geração, faz com que o sistema seja o escolhido para a
autoconstrução e autogestão por parte da população de menores recursos
econômicos.
Historicamente, a construção em madeira foi anterior à construção com tijolos
cerâmicos, mas desde a fundação das primeiras cidades 5000 a.C., a madeira e o
tijolo compartilharam o cenário da arquitetura chamada tradicional.
Paredes de pedra, barro ou tijolo e cobertura com estrutura de madeira
revestida com telhas cerâmicas monopolizaram a imagem das cidades até bem
entrado o século XIX, momento no qual aparecem os primeiros arranha-céus. Os
novos materiais provenientes da Revolução Industrial abriram as portas para novas
tecnologias construtivas derivadas da produção de aço e concreto.
A modernidade impôs novos parâmetros de exigência em relação ao produto
39
construído e a indústria química fez sua contribuição aportando produtos capazes de
repelir a umidade. É a arquitetura popular a reboque da Segunda Revolução
Industrial! É a revolução do aço, do petróleo e da eletricidade, a qual se soma,
então, a arquitetura popular, aportando conforto ao homem comum.
Este processo que se consolidou com a Revolução Industrial – e que mudou a
forma como o homem construiu seu hábitat nos últimos dez mil anos – trouxe outras
consequências menos difundidas e de mais lenta aceitação: a arquitetura utilitária,
despojada e modulada. Da modulação à industrialização foi um passo, e é esta a
origem de todos os sistemas construtivos de produção seriada.
Alguns destes sistemas, suas características, o material predominante e suas
particularidades e desempenho, são os temas que nos propomos a repassar neste
capítulo.
O esquema abaixo mostra os Sistemas Construtivos segundo os materiais
utilizados em sua estrutura e nos ajuda na classificação dos sistemas construtivos,
com foco nos não tradicionais, associando-os aos materiais mais usados em sua
composição estrutural, embora estes dificilmente se apresentem puros. Nota-se que
o sistema tradicional é transversal a todas as propostas de inovação e em maior ou
menor grau está presente em todas.
Figura 13: Composição dos sistemas construtivos alterna ativos ao tradicional. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
40
3.1.2 Pré-fabricação: antecedentes
A procura por sistemas construtivos alternativos aos sistemas tradicionais
começou na Europa logo após a finalização da Segunda Guerra Mundial. O cenário
de destruição obrigou os arquitetos a pensar alternativas construtivas que
possibilizassem a produção seriada e massiva.
O sistema construtivo, com a utilização de grandes painéis pré-fabricados de
concreto armado, estava dentro das primeiras alternativas ao sistema de construção
tradicional e ocupou um lugar de destaque no processo de reconstrução do espaço
construído da Europa.
O trator, a retroescavadeira e o guindaste de grande porte invadiram os
canteiros de obra, revolucionaram o transporte vertical e horizontal e viabilizaram o
deslocamento de grandes painéis de concreto pré-fabricado.
O concreto junto ao aço foi ganhando espaço e o emprego destes materiais
se tornou imprescindível em pouco tempo.
Vejamos sua evolução: em 1824, o Inglês Joseph Aspdin certificou na Junta
de Comércio de Londres o aglomerante mais popular do mundo, o cimento
Portland25; em 1856, com o francês Joseph Louis Lambot, nasceu o ferrocimento.
Nas primeiras décadas do século XX surgem em América Latina os primeiros
exemplos de edifícios em altura. O Brasil foi pioneiro e em 1930, o edifício “A Noite”
foi o primeiro construído com estrutura totalmente em concreto armado, projetado pelo arquiteto francês Joseph GIRE (que também projetou o hotel Copacabana Palace) e cálculo estrutural de Emílio Baumgarten que, com seus 22 andares disputava com o edifício Martinelli (São Paulo) a condição de mais alto edifício construído no Brasil. (RHEINGANTZ, 1995, p.87)
No Uruguai, a cem anos da Independência do País (1928), foi inaugurado o
Palácio Salvo construído em concreto armado. Está localizado no centro de
Montevidéu e foi desenhado pelo arquiteto italiano Mario Palanti. Tem 95 m de altura
e consta de 27 pavimentos.
Depois da Primeira Guerra Mundial, o concreto armado se espalhou pelo
mundo e começou uma carreira frenética para explorar seus limites. As capitais
europeias como Paris, Roma, Londres e New York competiram pela construção do
edifício mais alto do mundo. Ao mesmo tempo em que o concreto armado moldado
41
em loco ganhava espaço nos canteiros de obra, o engenheiro Italiano Pier Luigi
Nervi, explorava projetos utilizando peças de concreto pré-fabricadas e produzidas
fora do canteiro de obra. Nervi não foi o único em perceber a enorme potencialidade
deste material. Mas projetos como o Pavilhão de Exposições de Turim (1948) com
teto curvado e vão livre de 91,40m construído com peças pré-fabricadas de
concreto, marcaram o início de um processo cuja vigência chega até nossos dias.
Figuras 14 e 15: Pavilhão de exposições de Turim, 1958. Eng. Pier Luigi Nervi. Exemplo de pré-fabricação. Fonte: ARQ. Pier Luigi Nervi (site)
Na segunda metade do século XX, a construção com grandes painéis de
concreto começa a ganhar espaço em nossa região, mas os exemplos não foram
massivos e sua aplicação para a vivenda popular não foi significativa. Os resultados
são questionados pelos problemas qualitativos que a pouco tempo de construídos
foram constatados.
A amplitude térmica anual na região, (>40°, entre o dia mais frio do inverno e
o mais quente do verão) gera tensões internas e condiciona as peças pré-fabricadas
de concreto armado a dilatações excessivas que comprometiam o desempenho do
conjunto. Este problema não foi em todos os casos bem resolvido e algumas
experiências realizadas no Uruguai com o sistema construtivo de grandes painéis
apresentaram problemas e terminaram sendo demolidos como mostramos nos
exemplos que mencionamos adiante.
Com o passar do tempo e a aparição no mercado de produtos químicos
orientados a resolver os problemas específicos da indústria da construção, as
patologias mais evidentes foram resolvidas, embora algumas tenham persistido. A
42
condensação nas paredes, a vedação das juntas e o acondicionamento térmico são
problemas recorrentes e de difícil solução neste sistema construtivo.
Para o engenheiro Julián Salas (2000), a produção de vivendas baseada em
grandes painéis de concreto armado feitos ao estilo europeu de pós-guerra
apresenta dois inconvenientes de grande importância:
a) o alto custo das matérias primas básicas;
b) a forte incidência nos custos do metro quadrado construído dos
investimentos nas plantas de produção industrial.
3.2 A pré-fabricação no Uruguai
3.2.1 Sistema de grandes painéis de concreto armado no Uruguai
A necessidade de dar resposta ao déficit habitacional endêmico do qual
padece o Uruguai desde os anos cinquenta até hoje, obrigou o Estado a procurar
respostas à demanda insatisfeita e promover a partir dos anos sessenta do século
passado e até os anos oitenta, três linhas de ação:
a) importar vivendas pré-fabricadas;
b) promover a chegada de empresas construtoras provenientes de países
com tradição em pré-fabricação de concreto armado;
c) promover a importação de máquinas para gerar as condições de
implantação de indústrias orientadas à pré-fabricação de vivendas.
As políticas de promoção descritas não produziram os resultados esperados.
As casas pré-fabricadas importadas foram de má qualidade, as construtoras
transnacionais somente se interessaram em grandes conjuntos habitacionais,
(excepcionais no Uruguai) e não foi possível implantar uma indústria da pré-
fabricação de concreto armado, capaz de dar uma resposta massiva, concordante
com a demanda da população. A pesar do fracasso destes objetivos, a partir da
importação de maquinaria, foi possível desenvolver uma indústria de médio porte na
produção de peças pré-fabricadas.
43
Figuras 16 e 17: Painéis pré-fabricados de concreto armado. Fotos: Manual de montagem de Flasur S.A. – Obras realizadas em Montevidéu, Uruguai
Figuras 18 e 19: Montagem dos painéis pré-fabricados de concreto armado no Uruguai – Flasur SA. Fotos: Manual de montagem de Flasur S.A. – Obras realizadas em Montevidéu, Uruguai
O emprego de painéis pré-fabricados de concreto armado deu origem a
alguns conjuntos habitacionais populares e de alta densidade em Montevidéu com
resultados distintos.
O Conjunto Habitacional Euakal Erría começou a ser construído em 1982. O
sistema construtivo utilizado foi o Utinorm (Concreto armado curado com altas
temperaturas), de origem Francês, e constituiu a primeira experiência com esse
sistema construtivo no Uruguai.
44
Figuras 20, 21 e 22: Fachadas do entorno do Conjunto Habitacional Euskal Erría. Fonte: Municipio E
O estado de conservação dos edifícios atualmente não é bom, há notória
dificuldade para realizar a gestão nas áreas comuns e os problemas de convivência
expressados em atos de violência são frequentemente manchetes nos jornais.
Figura 23: Localização do Conjunto Habitacional CH20 - Rambla e Cuarem. Fonte: Google Earrth
45
Figura 24: Conjunto Habitacional CH20 - Localização: Rambla e Cuarem, Montevidéu, Uruguai. Fonte: Inés Guimaraes.
O Conjunto Habitacional CH 20 é da década de 1960 e foi executado com o
sistema construtivo de grandes painéis pré-fabricados em piso e parede. No ano
2014, o prédio apresenta a patologias estruturais que são verificáveis através de
uma simples inspeção ocular.
Figura 25: Conjunto Habitacional CH20: as patologias são verificadas a simples vista. Fonte: Inés Guimaraes.
A Agência Nacional de Vivenda (ANV) realizou uma auditoria estrutural para
avaliar as condições de uso do prédio e interditá-lo caso não estivessem sendo
46
cumpridos os padrões de segurança estrutural que são exigidos pelo regulamento
de construção da Intendência de Montevidéu. O primeiro laudo técnico aconselhou a
demolição do prédio.19
Outros conjuntos habitacionais venceram os desafios do tempo,
experimentam uma eficiente manutenção e têm atualmente plena ocupação. É o
caso do Conjunto Habitacional Parque Posadas, localizado no Bairro Aires Puros,
em Montevidéu e projetado pelo Arquiteto Perez Noble no ano 1969.
Figura 26: Espaço exterior - Conjunto Habitacional Parque Posada.
Fonte: Municipio C
Figuras 27 e 28: Conjunto Habitacional Parque Posada – As fotos ilustram a densidade habitacional do conjunto e a baixa densidade do entorno. Fonte: El pais. Información
19
Cf. Uy Press. Disponível em: <http://www.uypress.net/uc_46597_1.html>. Acesso em: 26 nov.2013.
47
Uma variação do sistema construtivo de grandes painéis de concreto armado
foi a utilização de formas deslizantes evitando os engastes entre peças pré-
fabricadas. As utilizações de formas deslizantes para a habitação Popular permitiram
dois tipos de soluções: por um lado, o enchimento das paredes com concreto
colocado em loco e, por outro, a fabricação de vivendas em forma de monoblocos de
concreto celular e transportadas na obra com guindaste.
Não é o objetivo deste trabalho analisar as patologias verificadas no
desempenho dos sistemas que aqui descrevemos, portanto consideramos suficiente
dizer que as patologias constatadas foram as responsáveis pelo progressivo
abandono destes sistemas.
O aparecimento no mercado das formas deslizantes facilitou a construção dos
monoblocos de concreto celular em projetos de vivenda popular. Com tecnologia
Argentina nos anos 1990, no norte do Uruguai instalou-se uma fábrica de casas pré-
fabricadas com concreto celular. A indústria implantou-se no canteiro de obra e as
casas eram transportadas a seu lugar de destino e colocadas em seu local definitivo
através de guindaste.
Este tipo de fabricação de vivendas enquadra-se no difundido anseio do
movimento moderno de fabricar casas como se fabricam carros e cujo fundamento
expressa-se na célebre frase imortalizada por Le Corbusier: “Uma casa é uma
máquina para viver”.
No fim do século passado, o conceito de “casa transportável” ganhou força e
foram várias as empresas construtoras que incursionaram no emprego desta
tecnologia para fornecer vivendas populares.
Vale a pena, ainda que sucintamente, descrever algumas características
desta tecnologia. O Concreto Celular compõe-se de areia, água, cimento e
abundantes bolhas de ar cujos efeitos produzem uma significativa redução do peso
próprio do concreto (para monoblocos de vivendas o peso está no entorno de 1200
Kg/m3
).
48
Figura 29: Mostra o tamanho das bolhas que caracterizam o concreto celular. Fonte: Wikipédia
Os sistemas de fabricação mais usados para gerar as bolhas de ar no interior
da massa de concreto são dois:
a) mediante a utilização de aditivos químicos. Este procedimento construtivo é
usado em grandes plantas de pré-fabricação e consiste em adicionar ao
concreto compostos de alumínio. Este reage com o cimento Portland e
libera hidrogênio conformando uma massa com alta presença de bolhas de
ar. A quantidade de aditivo químico subministrado ao cimento Portland está
relacionada com a redução do peso específico da peça de concreto celular.
Esta redução do peso é acompanhada por uma sensível redução da
resistência do concreto à compressão e é determinante para definir a
esbeltes da peça;
b) injeção de ar mediante a incorporação de espumas à massa de concreto. O
ar é colocado na massa através de equipamento mecânico propiciando o
surgimento das bolhas. Este sistema de fabricação do concreto celular
requer de cuidados especiais na hora da secagem da peça já que as
bolhas de ar contribuem para retração rápida do concreto e,
consequentemente, para o aparecimento de trincas.
Do anteriormente descrito, podemos concluir que a construção de vivendas
usando o sistema de painéis de concreto pré-fabricados pode ser de dois tipos:
49
PESADOS (2000 a 2400 Kg/m3) LEVES (600 a 1500 Kg)
Concreto Armado comum. Concreto Celular
Sistema pré-fabricado de grandes painéis Monoblocos ou peças de concreto celular
conformando painéis
Fabricação fora do canteiro de obra Fabricação no próprio canteiro de obra
3.2.2 Sistema Construtivo STEEL FRAMING
Para entender o conceito Steel Framing, começamos por definir o termo
“Framinig”. Frame quer dizer conformar um esqueleto estrutural composto por
elementos leves e framing é o processo pelo qual se une e vincula as peças da
estrutura. Para o estudo do Steel Framing, dividiremos os componentes deste
sistema construtivo em três grandes grupos: estrutura, isolamentos, acabamentos.
Figura 30: Estrutura, isolamento e acabamento no Steel Framing. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
No Sistema Construtivo Steel Framing, a estrutura se conforma com perfis
leves de aço galvanizados. Os perfis mais usados são: Perfil Galvanizado C (PPGC)
e Perfil Galvanizado U (PGU). O Sistema consiste em formar painéis modulados
com a altura do pé direito. A modulação para a colocação dos perfis verticais vai de
40cm a 60cm. A ancoragem painel/painel, painel/piso e painel/cobertura devem
assegurar a estabilidade do conjunto ante as cargas verticais, as forças horizontais e
50
de sucção produzidas pelo vento. Todos os vínculos se estabelecem através de
parafusos especiais, galvanizados e autofixados. As fundações mais utilizadas são o
radiers ou a laje de concreto armado, já que esta gera uma superfície limpa e
nivelada que facilita a colocação em prumo dos painéis.
Figura 31: Mostra a montagem dos painéis com perfis galvanizados. Fonte: Steel Framing Uruguay
A carga permanente do painel pronto (Perfis + OSB20 + Gesso + Placa
exterior) é de 40 Kg /m2.
Figura 32: Mostra as características dos perfis galvanizados C e U. Fonte: USG S.A. Maldonado – Uruguai.
20 Da sigla em inglês Oriented Strand Board.
51
As características do aço galvanizado que se utilizam nos perfis estruturais do
sistema Steel Framing estão especificadas na norma IRAM-IAS U U500-205. O
conceito estrutural do sistema consiste em dividir a carga num grande número de
elementos e estruturas de modo que cada um resista a uma parte da carga total.
Este critério permite utilizar elementos mais esbeltos, mais leves e fáceis de
manipular.
“Uma parede tradicional de alvenaria pode resolver-se com Steel Framing,
formando painéis compostos por uma quantidade determinada de perfis PGC,
denominados montantes que transmitem as cargas verticalmente por contato direto
através das almas” 21.
Mostramos no quadro abaixo um esquema estrutural onde se ilustra o sentido
da montagem e um diagrama de esforços.
Figura 33: Mostra a montagem dos montantes para os painéis com perfis de aço galvanizado. Fonte: Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
A separação entre os montantes varia entre 40cm e 60cm, e esta modulação
está diretamente condicionada pelas solicitações de carga que são requeridas em
cada perfil. Quanto maior a separação entre os montantes, maior é a carga que
recebe cada perfil. Tanto a disposição dos montantes no interior da estrutura, como
suas características geométricas e resistentes, como assim também a fixação
utilizada para a conformação do painel faz que este seja apto para absorver e
transmitir cargas axiais em direção ao eixo da peça e cargas horizontais,
52
perpendiculares ao plano do painel.
Figura 34: Mostra os perfis de parede e teto e os dois tipos de contravento mais comuns: Cruz de Santo André e placas de OSB. Fonte: Steel Framing Uruguay
Figura 35: Montagem da estrutura do Sistema Construtivo Steel Framing. Mostra os perfis que compõem a estrutura dos painéis de parede fixados a um radier de concreto armado. Fonte: Steel Framing Uruguay
Os painéis fixam-se ao radier mediante brocas metálicas, ancoragem com
cápsulas químicas ou aço com rosca soberba. Entre painéis a fixação é feita com
parafusos galvanizados, uma placa exterior de OSB completa a estrutura do sistema
21
Cf. USG – Uruguay. Construcciones con acero liviano: manual de procedimentos.
53
construtivo e proporciona a amarração geral dos painéis ao mesmo tempo em que
serve de contravento.
Figura 36: Mostra o primeiro fechamento exterior com placas de fibra orientada (OSB). Fonte: Steel Framing Uruguay
A figura 36 mostra a colocação dos contraventos (chapa de fibra orientada
OSB) em uma estrutura formada por perfis galvanizados no sistema construtivo
Steel Framing.
Nas construções leves (<150 Kg/m2) a ancoragem ao substrato e os
contraventos são fundamentais para manter a estabilidade do conjunto. Existem dois
métodos eficientes para assegurar que as construções realizadas com o sistema
Steel Framing mantenham sua geometria indeformada ante a ação dos ventos. É a
Cruz de San Andrés e o revestimento com placas de fibras orientadas (OSB).
A fixação dos painéis às fundações é um aspecto de extrema importância nos
sistemas construtivos leves. É recomendável neste tipo de fundações com radier,
construir uma calçada perimetral, não por razões estruturais, mas sim por razões
funcionais. A calçada perimetral evita que a água da chuva lave o substrato sobre o
qual se apoia o radier (figuras 37 e 38).
54
Figura 37: Mostra um radier com calçada perimetral. Observam-se as esperas para instalações de água e esgoto. Fonte: Steel Framing Uruguay
Figura 38: Conjunto de vivendas “Los Caracoles” – Sistema Construtivo Misto – Steel Framing + Tradicional, em Maldonado – Uruguai. Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
55
Figura 39: Estrutura com perfis galvanizados. Maldonado, Uruguai. Fonte: Acervo particular do autor.
Figura 40: Mostra dois operários colocando revoque a jato em painéis construídos com perfis de aço galvanizado. Fonte: Acervo particular do autor.
Este sistema construtivo é uma variante do Steel Framing, utiliza perfis
metálicos conformando painéis para a estrutura autoportante das paredes e o
acabamento é de concreto celular. Neste caso, o concreto celular se faz através da
injeção na argamassa com poliestireno expandido (EPS).
56
Figura 41: Detalhe dos painéis e da primeira camada de reboco nas paredes. Fonte: Acervo particular do autor.
Os isolamentos imprescindíveis que deve cumprir o sistema:
a) isolamento da água e do vento;
b) barreira contra o vapor;
c) isolamento térmico e acústico.
À diferença do que acontece com o Sistema Construtivo Tradicional onde as
paredes de tijolo são impermeáveis ao vento, o Steel Framing requer de elementos
adicionais de proteção para assegurar a estanqueidade das paredes, tanto a água
como ao vento.
Para a impermeabilização hídrica, o material mais usado é o Tyvek®22
da
DuPont™. Este material é uma membrana de última geração que tem a
particularidade de apresentar simultaneamente um duplo comportamento; por um
lado é impermeável a água e ao vento e por outro é permeável ao vapor. Estas duas
condições são fundamentais para a estanqueidade hídrica nos painéis, no Steel
Framing e em todos os Sistemas Construtivos onde as paredes são construídas com
painéis leves.
O isolamento térmico e acústico das paredes se consegue mediante a
incorporação de lã de rocha, ou poliuretano, ou poliestireno expandido, ou qualquer
material que permita não passar os níveis de transmitância térmica exigidos pelas
normas do MVOTMA: transmitância térmica para coberturas U<040 W/m2K e
57
transmitância térmica para paredes, U<0.68 W/m2K com retraso térmico de duas
horas.
O requerimento para avaliar o acondicionamento acústico do Sistema Steel
Framing se faz comparando-o com uma parede tradicional de tijolo de campo de
15cm de largura. Esta parede construída em tijolo maciço tem um Rw=45db. Para
atingir este valor a parede construída com o sistema Steel Framing deve estar
conformada por: Perfis de 70mm + placa OSB de 12.5mm + 50mm de lã de rocha +
revestimento interior de gesso de 12mm de largura. As paredes divisoras entre
unidades habitacionais devem ser duplas.
Os componentes de uma parede da envolvente numa sequência
interior/exterior no SCST são os seguintes:
a) Revestimento interior: gesso acartonado;
b) Barreira de vapor: Nylon de 200 micras.
Estrutura: painéis de perfiles de aço galvanizado:
a) Isolamento térmico: lã de rocha, poliuretano expandido etc;
b) Contravento de madeira OSB de 12mm de largura;
c) Revestimento exterior: Placas pré-fabricadas de micro cimento;
d) Barreira de vapor: DuPont™ Tyvek®
ou cartão asfáltico.
A ordem e o lugar que ocupa cada componente no interior da parede ou na
cobertura no SCSF devem ser observados com cuidado já que determinam a
eficiência do fechamento exterior.
3.2.3 Sistema Construtivo Wood Framing
Este sistema construtivo fundamenta-se no mesmo critério que o Steel
Framing, mas, neste caso, os elementos estruturais são de madeiras provenientes
de florestas artificiais. São madeiras produto da florestação, basicamente Euclipus
Grandis e Pinhos Eliótis. Para entender este sistema construtivo é necessário
conhecer algumas caraterísticas do material que o constitui: a madeira.
22
Informação técnica disponível em: <http://www2.dupont.com/Tyvek.> Acesso em: 17 jul. 2014.
58
Figura 42: Mostra toras de Eucaliptus grandis, uma das madeiras mais utilizadas para a construção de vivendas no Uruguai. Fonte: Comisión Sectoriaal de la Madera-Uruguay
A madeira é um excelente material de construção. Imensas superfícies de florestas de coníferas cobrem 28% da superfície terrestre do planeta. A terceira parte destas florestas, aproximadamente 12 bilhões de Km² estão constituídos por coníferas que anualmente abastecem a população mundial com 300 bilhões de m³ de madeira para estrutura. Estas florestas crescem ano a ano graças a reflorestação. Perdem-se mais florestas artificiais de
pino por motivo de incêndio que pelo corte da espécie.23
Ao contrário do que acontece com outros materiais de construção, a madeira.
Depois de cortada é um produto pronto para ser utilizado. É leve e fácil de
transportar e requer ferramentas simples para trabalha-la.
A madeira:
a) Tem mínima condutividade térmica e elétrica;
b) É má condutora de calor;
c) É atacada por agentes xilófagos24 quando está exposta a climas de
temperatura anual moderada e determinados porcentagem de umidade.
Figuras 43 e 44: Mostram os dois principais microorganismos que atacam a madeira: insetos e fungos. Fonte: Manual da Corporação Andina da Madeira.
23
Exposição do Arq. Carlos M Mayer no curso “Construcción en Madera”-ano 2 2008 – Universidad de la República – Montevidéu-Uruuguai. 24
Agentes xilófagos: fungos e insetos.
59
Possui ótima relação resistência - peso. Várias vezes superiores ao concreto
armado e levemente superior ao aço. Possui também razoável comportamento
frente ao fogo quando se tomam as providências necessárias para sua proteção.
Sob a ação da chama, a madeira queima a razão de um milímetro por minuto até
formar uma proteção isolante chamada carbonização, que impede a propagação do
calor.
A madeira é anisotrópica25,
por isso é tão importante entender seu
comportamento. Os três eixos principais da madeira são: o vertical ou paralelo à
fibra, o perpendicular à fibra e o radial ou tangente aos anéis de crescimento da
árvore.
Figura 45: Mostra o caráter isotrópico da madeira. Fonte: Manual da Corporação Andina da Madeira. Curso Arquitetura em Madeira. Prof. Hector Scerbo, Rosário-Argentina, 2013.
3.2.3.1 A Arquitetura em Madeira no Uruguai
O Uruguai compartilha uma área geográfica com países que possuem
importantes florestas naturais e implantadas, como Brasil, Argentina e Paraguai,
mas teve um desenvolvimento florestal tardio. Nos últimos quarenta anos, com a
25
Anisotropia é a propriedade que tem a madeira de comportar-se diferente se a força é aplicada em direção axial ou em sentido perpendicular a fibra.
60
chegada ao país da tecnologia da impregnação da madeira com CCA (Cobre,
Cromo, Arsénico) viabilizou-se o emprego na construção das madeiras produzidas
no Uruguai. Este fato serviu de estímulo para que se aprovasse no Parlamento26
a
Lei Florestal27,
a qual contempla importantes benefícios impositivos e creditícios para
o setor madeireiro e abriu as portas para sua expansão.
A Lei Florestal definiu zonas dentro do território que pelo tipo de solo era mais
propício florestar com eucaliptos e pinos e a zona norte do Uruguai (solos de areia
com baixo índice COÑEAT28) foi catalogada como “de incentivo florestal”.
O incentivo do Estado Uruguaio para o fomento da produção florestal centrou-
se na promoção de créditos para a compra de terra e na exoneração de impostos a
propriedade rural florestada, sempre que estas se localizaram nas zonas
denominadas de incentivo florestal. O crescimento do setor madeireiro foi importante
e pode apreciar-se no quadro que mostramos abaixo.
Madera en
rollo industrial
Trozas de aserrío y
para chapas
Madera para pulpa
Otra madera en
rollo industrial
1992 1.043 784 217 42
1994 1.043 784 217 42
1996 1.175 909 217 49
1998 1.454 1.000 380 74
2000 1.510 547 893 70
2001 1.597 547 960 90
2002 1.832 591 1.151 90
2003 2.132 485 1.637 10
2004 3.324 536 2.770 18
2005 3.729 580 3.128 21
2006 4.254 734 3.497 23
Figura 46: Evolução da produção florestal no Uruguai. Produção de milhes de toneladas ao ano. Fonte: Curso de Arquitetura em Madeira. Eng. Agr. Carlos Mantero, UdelaR, 2008.
Inicialmente, o setor madeireiro destinava a totalidade da produção à
exportação de rolos de madeira sem beneficiar, mas prontamente procurou colocar
valor agregado à produção, e explorar as possibilidades que oferece a arquitetura
26
É o correspondente ao Congresso Nacional num sistema unitário de poderes. 27
Lei Florestal N.° 13.723, de 16 de dezembro de 1968. Disponível em: <http://www.parlamento.gub.uy/leyes/>. Acesso em: 28 jun. 2014. 28
Índice CONEAT: mede a capacidade do solo para produzir pastagem. Fonte: Ministério de Agricultura do Uruguai. Disponível em: <http://www.caldeyro.com/coneat_suelos/2i.htm>. Acesso em: 28 jun. 2014.
61
em madeira passou a formar parte da agenda da incipiente indústria madeireira
Uruguaia, constituindo até hoje um desafio para o Estado e para os empresários. O
maior obstáculo é a falta de tradição do Uruguai, comparado com os países vizinhos,
no uso da madeira como material integral para resolver os problemas habitacionais
da população. O preconceito da população com relação ao uso da madeira, muitas
vezes justificado por exemplos desenvolvidos com técnicas construtivas
inadequadas às condições climáticas do Uruguai, é o principal problema constatado.
O MVOTMA, a Faculdade de Arquitetura da UdelaR e as Intendências dos
Departamentos onde a produção florestal tem um desenvolvimento relevante,
tentam reverter esta situação.
Nessa direção:
o Plano Nacional de Vivenda (2010-2014) abre uma possibilidade concreta ao prever a inclusão de tecnologias não tradicionais para a construção de vivenda como objeto de crédito. Para que isto seja possível, o MVOTMA criou um Documento de Atitude Técnica (DAT) que gera instrumentos de avaliação técnica e administrativas para os sistemas construtivos não tradicionais. Este documento (DAT) habilita os proponentes a oferecer seu sistema construtivo à população com o fim de construir através de
programas financiados pelo MVOTMA.29
Em abril de 2014 o Sistema Construtivo Wood Framing ainda não possuia o
DAT que o habilita para ser objeto de crédito por parte do MVOTMA, mas o próprio
Ministério promoveu um plano piloto no norte do Uruguai para a construção de
vivendas populares usando a madeira de Eucaliptos grandis como material integral
no sistema construtivo Wood Framing.30
Para a construção destes protótipos participaram: MVOTMA, UdelaR,
Universidad del Trabajo del Uruguay (UTU), Intendencia Departamental de Rivera, e
uma equipe técnica do Canadá, que proporcionou a experiência existente nesse
país no uso do sistema Wood Framing.
Tratou-se de uma experiência de laboratório realizada com o objetivo de
conhecer cada etapa de um sistema construtivo, cuja matéria prima está disponível
no país. O desenvolvimento destes protótipos foi amplamente satisfatório de acordo
com a opinião da Intendência de Rivera e do MVOTMA como pode ser verificado na
29
Cf. Ministerio de Vivenda Ordenamiento Territorial y Médio Ambiente. Disponível em: <http://www.mvotma.gob.uy>. Acesso em: 10 jul. 2014. 30
Idem.
62
página Web31
dessas instituições. O êxito técnico da experiência e a boa aceitação
social da proposta alentam a expectativa para que o Wood Framing seja
homologado no próximo período.
Mostramos abaixo alguns registros fotográficos da elaboração dos protótipos
desenvolvidos em Rivera, exibidas na página web do MVOTMA.
Figuras 47, 48 e 49: Mostram diferentes etapas da
montagem com Wood Framing.
Fonte: Site do MVOTMA
31
Disponível em: <http://www.mvotma.gub.uy/tu-vivienda/construir/sistemas-constructivos-no-tradic ionales.html>. Acesso em: 13 abr. 2014.
63
Figuras 50 a 56: Mostram diferentes etapas da montagem do protótipo desenvolvido com o Sistema Wood Framing. Fonte: Site do MVOTMA
64
Figura 57: Vivenda social em madeira, fachadas – Sistema Construtivo Wood Framing.
Fonte: Site do MVOTMA
Os requisitos para o desempenho das construções (DAT) feitas com Wood
Framing têm antecedentes na regulamentação Brasileira (DAT – Ministério da
Cidade – Caixa Econômica Federal). Por tratar-se de um sistema de eminente
homologação no Uruguai, transcrevemos as diretrizes que regem as construções
com Wood Framing no Brasil.
“Sistemas construtivos cuja principal característica é ser estruturado por
peças de madeira maciça serrada com fechamentos em chapas delgadas”
(Sistemas Leves tipo Light Wood Frame). Os sistemas construtivos objetos dessa
diretriz32
referem-se a estruturas, paredes (vedação vertical externa ou interna),
pisos e coberturas formados pelos componentes descritos a seguir:
a) Quadros estruturais, formados por peças de madeira maciça serrada,
denominadas montantes, travessas, bloqueadores, umbrais, vigas,
caibros, ripas e sarrafos, com alta resistência natural ao ataque de
organismos xilófagos ou tratadas quimicamente sob pressão.
b) Componente nivelador, com a função de regularizar a base para apoio
da travessa inferior do quadro estrutural.
c) Componentes de fechamento externos, constituídos de chapas
65
delgadas de OSB, chapas de madeira compensada (“plywood”), outras
chapas de madeira ou chapas cimentícias.
d) Componentes de fechamento internos, são constituídos de chapas
delgadas de OSB, chapas de madeira compensada (“plywood”), outras
chapas de madeira, chapas cimentícias ou chapas de gesso acartonado
para drywall.
e) Componentes de contraventamento, peças de madeira (montantes,
travessas ou diagonais) ou chapas de madeira e derivados (OSB ou
madeira compensada) ou outros materiais.
f) Isolantes térmicos, como placas de lã de rocha ou lã de vidro,
poliestireno expandido ou outro material, com condutividade térmica menor
que 0,06W/mºC (condutividade térmica máxima de um material
considerado isolante) e resistência térmica ≥0,5m2K/W.
g) Materiais absorventes acústicos, como placas de lã de rocha ou lã de
vidro e fibras cerâmicas.
h) Barreiras impermeáveis, são tecidos impermeáveis à água e permeáveis
ao vapor d’água;
i) Produtos para impermeabilização, mantas pré-fabricadas ou
membranas moldadas no local.
j) Sistemas de fixação, constituídos de mecanismos de encaixe, cavilhas,
parafusos, pregos anelados ou ardox, grampos, ganchos de ancoragem,
chumbadores, conectores, pinos, chapas com dentes estampados e/ou
cola. São diversos os tipos de fixação: fixação entre componentes de
madeira de cada subsistema (treliças, terças, caibros, ripas, subcobertura,
isolantes e forro da cobertura; barrotes, barreiras e assoalho do piso;
chapas, quadros estruturais, contraventamentos, revestimentos, barreiras,
isolantes e esquadrias do fechamento); fixação entre subsistemas (parede-
piso, parede-cobertura, piso-fundação, parede-fundação, isolantes);
k) Junta entre as chapas de fechamento, seja do tipo visível ou
dissimulado.
l) Revestimento ou acabamento, réguas de madeira, vinílicas ou metálicas
32
Ministério das Cidades – Secretaria Nacional de Habitação (SNH). Disponível em: <http://www.fiepr.org.br/para-eempresas/conselhos>. Acesso em: 10 jul. 2014.
66
(siding), chapas diversas, pinturas e texturas, desde que compatíveis com
os componentes de fechamento; chapas delgadas;
m) Subcoberturas, barreiras impermeáveis à água e refletivas.
Qualquer outro componente diferente dos anteriormente descritos pode ser
empregado mediante identificação de suas características, segundo normas técnicas
pertinentes ou critérios específicos e mediante comprovação de adequação com o
desempenho exigido do sistema.
Uma avaliação técnica pode ser feita considerando os três subsistemas,
objetos dessa diretriz: parede, piso ou cobertura; ou somente um ou dois deles.
Segundo as mesmas diretrizes, “isso depende da tecnologia a ser avaliada por cada
empresa”. As diretrizes do Ministério da Cidade e Caixa Econômica Federal
habilitam a utilização do Sistema Construtivo Wood Framing em construções até
duas Plantas: uma Planta baixa e uma Planta alta (Sobrado).
3.2.3.2 Principais características do Sistema Construtivo Wood Framing
Figura 58: Mostra as diferentes etapas de montagem do Sistema Wood Framing. Fonte: Eng. Florestal Martín Sánchez Acosta. Feira da Madeira, Buenos Aires, 2013.
67
Tipos de fundação no Sistema Wood Framing
São três os sistemas de fundações mais utilizadas:
a) Patamar elevado apoiado em pilotis de concreto ou rolos de madeira;
b) Sapata corrida em concreto armado;
c) Radier de concreto armado.
A fundação em base a patamares elevados é recomendável para terrenos
que possuem desníveis pronunciados ou quando a umidade do solo pode
comprometer as condições do piso de madeira da vivenda.
Nas fotos abaixo, mostramos alguns exemplos de fundações em base a
patamares elevados que evitam o contato da madeira com a umidade do solo.
Figuras 59 e 60: Mostra o sistema de fundações elevadas em base a pilotis de concreto. Fonte: Eng. Florestal Martín Sánchez Acosta. Feira da Madeira, Buenos Aires, 2013
Figuras 61 e 62: Exemplos de fundações elevadas em base a pilotis de madeira. Fotos: Eng. Florestal Martín Sánchez Acosta. Feira da Madeira, Buenos Aires, 2013
68
Fundações com sapatas corridas ou viga “T” invertida
As fundações em base a sapata corrida podem ser usadas em lugares onde a
capacidade suporte do solo é alta (>4 kg/cm2). É o sistema que demanda mais mão
de obra artesanal. São executadas como viga tipo “T” invertida.
No sistema de fundações com viga “T” invertida é importante prever a
ventilação da câmara que fica entre o solo e o piso da vivenda já que a
concentração da umidade nesse ressinto promove o desenvolvimento de uma das
patologias mais indesejáveis nas construções em madeira; o apodrecimento por
agentes xilófagos. A ventilação permanente por debaixo do piso permite resolver as
instalações de água e esgoto de uma forma simples e mantém seco o piso da
vivenda. No momento de projetar com sistema construtivo Wood Framing, deve-se
levar em conta que o cuidado da madeira através do desenho é importante para que
esta mantenha sua forma e suas propriedades ao longo do tempo.
Figuras 63 e 64: Mostram fundações tipo “T” invertida e a impermeabilização da soleira inferior numa fundação para Wood Framing. Fonte: CYPE Ingenieros, S.A.
Figuras 65 e 66: Colocação das placas de OSB sobre estrutura de piso. Fonte: Manual de la construcción de viviendas en madera
69
Fundação de tipo Radier
É o sistema recomendado para fundações sobre areia e quando a capacidade
suporte do solo é baixa (<2 kg/cm2). Na escolha deste sistema de fundações deve-
se levar em conta as características geológicas do solo. Em solos com argila
expandida (a algumas zonas do Uruguai onde as há) deve se evitar este tipo de
fundações devido ao empuxo de baixo para cima que pode comprometer a estrutura
e as canalizações da laje.
Para a construção do radier é necessário isolar o solo do concreto mediante a
colocação de um filme de poliestireno de 200 micras antes da concretagem da laje.
O radier comporta-se como uma sapata que ocupa toda a área da construção e
oferece uma superfície limpa que torna mais fácil a nivelação dos painéis pré-
fabricados.
Figura 67 e 68: Mostram a estrutura, o filme de poliestireno, as instalações elétricas e hidrossanitárias no radier. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
A foto acima (esquerda) mostra a preparação de um radier pronto para
receber o concreto. Por debaixo da malha eletro soldada, o nylon de 200 micras, a
calçada perimetral e as instalações elétricas e sanitárias. A foto da direita mostra o
radier já concretado. Notam-se as esperas de aço para a ancoragem dos painéis
pré-fabricados. No radier deixa-se a área que corresponde ao banheiro sem
concreto para facilitar a colocação da canalização de esgoto. Logo que é colocada a
canalização, completa-se a concretagem.
70
Paredes autoportantes no sistema Wood Framing
Estruturalmente as paredes no sistema construtivo Wood Framing são
autoportantes e estão construídas por peças de madeira maciça serrada
denominada montante, conformando um quadro estrutural estável.
Os montantes funcionam como pilares. O grande número de montantes
verticais permite distribuir a carga de uma forma equilibrada. Este é o mesmo critério
estrutural do Sistema Construtivo Steel Framing desenvolvido no capítulo 3. No
Wood Framing, a vinculação entre os painéis conforma uma estrutura autoportante
com capacidade para resistir os esforços estáticos e dinâmicos a que está exposta a
vivenda.
Figura 69: Diagrama de esforços de um painel no Sistema Wood Framing. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
Detalhamos a técnica de montagem dos painéis utilizando material próprio
desenvolvido em projetos de nossa autoria e material utilizado nos vários cursos e
seminários sobre arquitetura em madeira dos que participamos.33
33
Curso Arquitetura em Madeira (2008), da Faculdade de Aquitetura da Universidad de la República, Uruguai; Curso Estruturas de Madeira (2013), ministrado pelo Engenheiro Héctor Scerbo, Rosário, Argentina e Curso Sistemas Construtivos de Madeira, ministrado pelo Arquiteto Ricardo Hempel, diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do BIO BIO, Chile.
71
Figuras 70: Contravento, Cruz de Santo André. Contravento Diafragma OSB. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
Figura 71: Mostra a marcação das paredes sobre o radier. Fonte: Acervo do Eng. Agr. Forestal Martín Sánchez Acosta.
72
Figuras 72 e 73: Mostram a estrutura dos painéis de parede com o respectivo corta-fogo. Fonte: Manual de Construções em Madeira: “Corporación Andina de la Madera”.
O recobrimento exterior do painel cumpre a função de diafragma: estabilidade
da parede e contravento. É uma peça fundamental do sistema estrutural do Wood
Framing.
As travessas horizontais tem a função de gerar celas estancas e constituem
um requisito técnico para evitar a propagação do fogo. Chamam-se celas corta fogo.
Figura 74 e 75: Mostram a construção de um protótipo de vivenda construído pelos Arquitetos que participaram do “Curso Construção em Madeira”, na Faculdade de Arquitetura de UdelaR. Fonte: Acervo particular do autor, 2008.
73
Figuras 76 e 77: Montagem dos pavimentos superiores. Sistema Wood Framing.
Fonte: Acervo do Arquiteto Carlos Mayer. Curso Construção em Madeira. Fac. Arquitetura
(UdelaR), Uruguai, 2008.
Entre os aspectos mais difíceis de resolver nos sistemas construtivos pré-
fabricados está o engaste entre os elementos verticais que o compõem. Mostramos
a seguir, diferentes situações.
Figura 78: Mostra os detalhes de diferentes tipos de engaste entre os painéis. Fonte: Desenhos apresentados no curso Estruturas de Madeira – Héctor Scerbo, Rosário, Argentina.
74
Figura 79 e 80: Armado de painéis/parede, no atelier. Fonte: Arq. Carlos Mayer – Curso Construción em Madera. Fac. Arquitetura (UdelaR), Uruguai, 2008.
A pré-fabricação com Wood Framing pode ser feita em forma individual,
painel por painel ou toda a parede (módulo parede) como mostramos na foto acima
e transportada em caminhão para sua montagem na obra.
Nos exemplos mostrados abaixo as paredes conformadas por painéis são
transportadas para a obra com isolamento hídrico, térmico e instalações elétricas e
de água.
Figuras 81 e 82: Exemplo de armado de paredes no atelier.
Fonte: Arq. Carlos Mayer – Curso Construção em Madeira. Fac. Arquitetura (UdelaR), Uruguai,
2008.
75
Figura 83: Transporte vertical de um painel/parede. Fonte: Arquiteto Ricardo Hempel. Curso Construção em Madeira, Universidade Bio Bio – Chile, 2008.
Figura 84: Exemplo de transporte de uma parede construída em fábrica. Fonte: Arquiteto Carlos Mayer – Curso Construção em Madeira. Faculdade de Arquitetura (UdelaR).
Para que o Sistema Wood Freming tenha o desempenho esperado, é
necessário obedecer rigorosamente à ordem de colocação dos diferentes elementos
que compõem a parede e a cobertura. Mostramos abaixo alguns detalhes
construtivos que desenvolvemos com Wood Framing.
76
Figura 85: Exemplo de um corte vertical de um painel no sistema Wood Framing.
Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
77
Figura 86: Corte horizontal de uma parede construída com Wood Framing.
Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
Figura 87: Detalhe construtivo de uma cobertura no Sistema Wood Framing. Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
78
A diferença do que acontece com o Sistema Construtivo Tradicional onde as
paredes de tijolo são impermeáveis ao vento, o Wood Framing, assim como o Steel
Framing, requer de elementos adicionais de proteção para assegurar a
estanqueidade das paredes, tanto à água como ao vento, ao frio e ao calor.
As condições de isolamento das paredes
As paredes no sistema construtivo Wood Framing, devem assegurar as
mesmas condições de isolamento (ou melhores) que uma parede executada com
Sistema Construtivo Tradicional. A solução obtida através de um sistema alternativo
(seja qual for) não pode ser inferior ao Sistema Construtivo Tradicional. Esta
afirmação é a base sobre a qual se estruturam todos os sistemas alternativos
homologados pelo MVOTMA.
Isolamento à água e ao vento
Consiste em evitar a acumulação de água no interior dos painéis exteriores já
que apodrecem a madeira. A água pode provir de duas situações diferentes. Por um
lado, a água da chuva, e por outro, a água que provem do interior da vivenda em
forma de vapor de água. O choque entre uma massa de ar frio (exterior a vivenda)
com uma massa de ar quente (interior a vivenda) produz a condensação do vapor de
água em forma de água líquida. Se este fenômeno se produz dentro do painel de
parede, a umidade gerará as condições ideais para o desenvolvimento dos agentes
xilófagos e, consequentemente, para o apodrecimento da madeira que compõe a
estrutura do painel. Para resolver este problema no Sistema Woood Framing
protege-se os painéis exteriores com dois tipos de isolamento diferentes, um para
impedir o ingresso da umidade e do vento ao interior do painel desde o lado exterior
a vivenda e outro para impedir o ingresso ao painel do vapor de água que provem do
interior da vivenda.
Na face do painel localizada do lado exterior da vivenda o isolamento deve
cumprir com a dupla condição de ser impermeável a água e permeável ao vapor de
água. O material mais usado e o Tyvek® DuPont. Mas o cartão asfáltico também
cumpre com essa dupla função. O erro mais comum que advertimos na colocação
deste elemento de proteção é sua localização no painel. A proteção hídrica se
coloca do lado exterior do painel, imediatamente antes da colocação do
79
revestimento da fachada.
Figura 88: Colocação da barreira de vapor, nylon 200 micros. Fonte: Acervo do Engenheiro Agr. Florestal Martín Sánchez Acosta, 2013.
A foto mostra a colocação do nylon de 200 micros nos painéis de parede e
teto, do lado de dentro da estrutura e antes da colocação do revestimento definitivo:
madeira, gesso, etc. Isto o é o que chamamos “barreira de vapor”.
O sistema construtivo admite os mais diferentes acabamentos interiores:
placas de OSB, placas de MDF, tábuas, placas de gesso cartonado, papel de
parede, etc.
80
Figura 89: Colocação do revestimento de gesso cartonado. Acabamento interior. Fonte: Acervo do Eng. Agr. Florestal Martín Sánchez Acosta, 2013.
No banheiro e na cozinha, o substrato que contem o revestimento deve ser
especial (com propriedades contra a umidade) como a placa de cimento delgado
(2cm) impermeável, fibrocimento ou gesso verde.34 Sobre o isolamento hídrico
colocam-se os azulejos.
Salvador Duarte, membro da comissão técnica da Associação Brasileira dos
Fabricantes de Chapas para Drywall, explica que, de acordo com a norma NBR
14.717, que define as características físicas das chapas de gesso cartonado no
Brasil, as placas de gesso verde (RU) devem apresentar uma taxa de absorção de
água máxima de 5%. Nas placas Standard, sob as mesmas condições de ensaios, a
absorção pode chegar a 70%.
Mostramos na imagem a seguir um exemplo do procedimento construtivo
numa parede de banheiro construída com Wood Framing, revestida com gesso
verde e acabamento de azulejos.
34
É uma placa de gesso acartonado de cor verde. Resistente à umidade (RU), diferenciam-se das placas padrão por sua coloração esverdeada. No processo de fabricação dessas chapas, são incluídos na mistura do gesso alguns aditivos hidrofugantes – normalmente à base de silicone – que reduzem a taxa de absorção da água pelo material. Disponível em: <http://techne.pini.com.br/engenharia>. Acesso em: 14 jul. 2014.
81
Figura 90: Mostra a colocação dos azulejos sobre uma parede de gesso impermeável em um banheiro. Fonte: Acervo Engenheiro Agr. Forestal Martín Sánchez Acosta, 2013.
Revestimento exterior
O acabamento exterior no Wood Framing é dos mais variados. A madeira é
tradicionalmente o mais usado, mas nos últimos tempos sugiram muitos materiais
novos que em geral apresentam um bom desempenho por requerer menos
manutenção e oferecer amplas possibilidades de desenvolvimento criativo.
Figura 91: Conjunto Habitacional em Holanda, arquitetura em madeira – Sistema Wood Framing. Fonte: Arq. Carlos Mayer – Curso Construção em Madeira, 2008.
82
Figura 92: Acabamento exterior com placas de cimento imitação tijolo (e=2 cm). Fonte: Acervo particular do autor. 2014.
3.2.4 Sistema construtivo Royal Building System (RBS)
Descrição do Sistema
É um sistema construtivo industrializado com tecnologia Canadense.
Compõe-se de painéis e conectores ocos formados de materiais compostos
por polímeros e produzidos por extrusão (PVC). Os painéis verticais de parede são
unidos uns aos outros através de um sistema macho/fêmea de correr de cima para
baixo. Estas formas chegam ao canteiro de obras cortados com as medidas das
paredes. Uma vez aprumadas e colocadas no lugar definitivo são preenchidas com
concreto. A forma de PVC se constitui no revestimento interior e exterior da vivenda.
83
Figura 93: Detalhes dos painéis de parede com isolamento térmico. Fonte: Manual de montagem RBS.
Nos vértices e nas uniões perpendiculares de paredes o sistema dispõe de
peças especiais chamadas conectores.
Figura 94: Montagem dos painéis e conectores. Fonte: Manual de montagem RBS.
84
Figura 95: Mostra a leveza dos conectores. Fonte: Manual de Montagem de Royal Building System.
O painel no Sistema RBS não tem por si mesmo capacidade estrutural para
manter estável a geometria da construção. O sistema completa-se quando
colocamos concreto no interior do painel. A concretagem realiza-se em duas etapas,
na primeira enchem-se as paredes até a altura do peitoril das janelas, na segunda
(depois de seis horas) completa-se o enchimento até a parte superior das paredes.
A estrutura conformada por painéis e concreto atinge em 24 horas a resistência
necessária para assegurar a estabilidade das paredes. Os vasos comunicantes que
se produzem entre painéis permitem a passagem de concreto entre um painel e
outro. Isto é uma novidade do sistema construtivo e aporta uma grande resistência
ao conjunto. Desta maneira, o painel funciona como uma “forma perdida” para
concreto.
Figura 96: Mostra o painel visto de cima. Fonte: Manual de Montagem de Royal Building System.
85
Figura 97: Mostra dois painéis de esquina com as esperas de aço para fixação ao radier. Fonte: Manual de montagem de RBS
A imagem abaixo mostra um corte na parte de baixo dos painéis de parede, a
50cm da fundação. Um corte é interno e o outro é externo, mostram a ancoragem do
painel ao radier e a localização do aço no interior do painel. No painel externo nota-
se a localização do isolamento térmico de fundamental importância para evitar a
condensação das paredes.
Como salientamos quando analisamos os sistemas construtivos conformados
por grandes painéis de concreto armado, a condensação das paredes é uma
patologia recorrente e não sempre bem resolvida nestes sistemas. No sistema RBS,
devem-se tomar as providências necessárias para evitar a condensação das
paredes já que constitui uma patologia comum em climas frios como o que ocorre no
inverno Uruguaio.
Figura 98: Corte horizontal de um painel – RBS. Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
86
Fundações
O Sistema RBS admite os diversos tipos de fundações próprios do sistema
tradicional. À diferença do Steel Framing, do Wood Framing (já vistos), o RBS não é
um sistema construtivo leve (<150 Kg/m2). A capacidade suporte do solo condiciona
o sistema de fundações. A carga que devemos considerar deve levar em conta os
2400 kg/m3 do concreto que conforma o interior dos painéis.
Figura 99: Fundação tipo radier para o sistema construtivo RBS. Fonte: Manual de montagem RBS.
Para a construção de vivendas, o tipo de fundação mais utilizada é o radier.
As razões são as mesmas que expusemos nos casos dos sistemas construtivos
anteriormente estudados: obra limpa com o piso perfeitamente nivelado, facilidade
para a marcação das paredes e aprumado dos painéis são aspectos determinantes
na hora de escolher o radier como fundação para a construção de vivendas.
Figuras 100 e 101: Detalhe da viga perimetral e marcação das paredes no RBS. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
87
O detalhe construtivo mostrado revela a viga perimetral e a ancoragem do
painel RBS ao radier. O engaste é feito com varas de aço convenientemente
colocadas no radier. Estas varas de aço sobressaem do radier 1,50m e passam por
meio dos painéis RBS conferindo as paredes resistência ao deslocamento.
Figura 102: Marcação das paredes. Fonte: Manual de montagem RBS.
Figura 103: Detalhe das esperas para ancoragem dos painéis. Marcação das paredes. Fonte: Manual de montagem RBS.
88
Detalhe construtivo da ancoragem no sistema RBS.
Figura 104: Detalhes das situações possíveis de ancoragem entre os painéis e o radier. Fonte: Oppa & Martins. Acervo pessoal.
Figuras 105 e 106: A ancoragem entre a fundação e o painel e instalação elétrica no painel. Fonte: Manual de montagem RBS, 2013.
89
Figura 107: Aprumado dos painéis antes da concretagem. Fonte: Manual de montagem RBS, 2013.
O armado dos painéis de parede se inicia por um vértice da construção com a
precaução de armar os painéis de cada parede junto com a parede perpendicular
para que a estrutura permaneça estável. Logo do esquineiro, colocam-se
conectores, painéis, os marcos das portas e os marcos das janelas fazem parte do
kit RBS. Colocam-se com a mesma técnica de inebriado machiembrado do resto do
sistema.
Figuras 108 - 111: Mostram o armado das paredes e a colocação dos conectores. Fonte: Manual de montagem de RBS, 2013.
90
Figura 112: Detalhes do processo de aprumado dos painéis antes da concretagem. Fonte: Manual de montagem de RBS.
Figuras 113 e 114: Detalhes de conectores e painéis. Fonte: Manual de montagem de RBS, 2013.
No desenho acima mostramos o detalhe da colocação dos marcos de janelas
e portas no sistema construtivo RBS e a colocação da verga superior.
91
Figuras 115 e 116: Obras do Conjunto Habitacional Mandubí. Programa de Integración de Asentamientos Irregulares (PIAI), 2002. Licitação Pública Internacional.
35
Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
35
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BDI).
92
Figuras 117 - 121: Conjunto Habitacional Mandubí. Programa de Integración de Asentamientos Irregulares, 2002. Licitación Pública Internacional - Sistema Construtivo: Royal Building System. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
93
Figuras 122 e 123: Conjunto RBS - Fachada e detalhes das instalações RBS. Fonte: Acervo particular do autor, 2014.
Figura 124: Instalação hidrossanitária na cozinha. Sistema construtivo RBS. Fonte: Acervo particular do autor.
94
4 O Movimento Cooperativo
4.1 Objetivos
Uma Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas agrupadas voluntariamente para satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva com
controle democrático.36
Desta definição destacamos que as cooperativas organizam seus membros,
para si próprios e para benefício mútuo. Sua estrutura baseia-se nos valores da
ajuda mútua, da responsabilidade democrática, da igualdade, da equidade e da
solidariedade.
O ano 2012 foi declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como
o Ano Internacional das Cooperativas. Em sua página web37, destaca os objetivos
que se proporia atingir com esta declaração.
A transcrição dos objetivos é a seguinte:
a) aumentar a consciência sobre virtudes do processo cooperativo;
b) destacar a complementariedade das metas e objetivos das Nações Unidas
e o movimento internacional de Cooperativas;
c) destacar a contribuição do movimento nas soluções dos principais
problemas abordados pelas Nações Unidas;
d) fortalecer e ampliar a associação entre o movimento internacional e as
cooperativas. Promover como tema para 2012: “As empresas Cooperativas
ajudam a construir um mundo melhor”.
36
Definição da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), uma organização não governamental independente que reúne, representa e serve a organizações cooperativadas em todo o mundo. 37
Disponível em: <http://www.un.org/es/events/coopsyear/>. Acesso em: 9 nov. 2012.
95
4.2 Antecedente do Cooperativismo no Uruguai
O Uruguai, apesar de sua condição de país jovem – quase 189 anos de vida
independente, igualmente possui uma longa experiência e uma rica tradição na
promoção de cooperativas que tem mais de 100 anos.
Autores como Jorge Bertullo, Gabriel Isola, Diego Castro y Milton Silveira em
um estudo realizado em 2003 para a Rede de Universidade da América em Estudos
Cooperativos e Associativos, concordam em identificar os antecedentes
cooperativos no Uruguai no ano 1870. No começo do século XX, o Uruguai foi o
destino escolhido por muitos imigrantes que fugiam da Europa, perseguidos pelas
pestes e pela fome.
Porque escolhiam o Uruguai? Porque o Uruguai era um país republicano,
anticlerical e liberal. Na primeira década do século XX, o Uruguai aprovou a lei do
divórcio, a lei que limitava o tempo de trabalho a 8 horas diárias e separou a Igreja
do Estado. Deus se escrevia com minúscula nos jornais e os crucifixos foram
retirados dos Hospitais públicos. A educação pública era laica e gratuita para todos
desde o colégio primário até a Universidade. Todas estas conquistas formavam
parte da luta da incipiente esquerda europeia, desde o Anarquismo ao Comunismo e
contribuirão para transformar o Uruguai no destino preferido para a emigração de
camponeses pobres e artesãos desempregados, rechaçados pelo Mercantilismo
Industrial da Europa.
Estes trabalhadores provinham na maioria das vezes da Itália e da Espanha,
onde a atividade sindical estava muito evoluída e fortemente influenciada pelo
Anarquismo Sindical. Prontamente começaram a reproduzir a experiência gremial na
nova pátria, promovendo organizações de trabalhadores e reivindicações operárias
que se espalharam rapidamente pelas fábricas e oficinas. A concatenação destes
fatos constitui a base do Movimento Sindical e do Movimento Cooperativo Uruguaio.
O que acabamos de descrever, para Bertullo (2003) é a explicação de como
um País com um pouco mais de três milhões de habitantes, é um dos países com a
mais alta porcentagem habitante/cooperativa, do mundo. A cultura sindical influiu
fortemente em todos os estamentos da sociedade Uruguaia, a ponto tal, que hoje
um de cada quatro uruguaios mantém vínculos com algum tipo de Cooperativa.
96
4.3 Que é uma Cooperativa de Vivenda?
As Cooperativas de Vivenda são sociedades que regidas pelos princípios do Cooperativismo têm como objetivo principal, a promoção de vivenda adequada e estável a seus associados, através da construção de vivendas por esforços próprios, ajuda mútua, administração direta ou contrato com terceiros, e proporcionar serviços complementares a vivenda.
38
No Uruguai, as Cooperativas de Vivendas surgem a partir da aprovação da
“Ley Nacional de Vivenda”, Lei n.° 13.728, de 17 de dezembro de 1968. Esta Lei
estabelece um marco jurídico e normativo para a promoção da vivenda social. A lei
estabelece também que as cooperativas de vivenda poderão utilizar o trabalho de
seus sócios na construção das vivendas. A ajuda mútua é o trabalho comunitário
feito pelos sócios para a construção dos Conjuntos coletivos, sobre a direção
administrativa da cooperativa.
A grande diferença do sistema cooperativo com relação a outros sistemas é a
inovação na gestão. Aqui a participação dos cooperativistas no processo é contínua
desde a formação da cooperativa, durante a obra e continuando na etapa de pós-
obra. A gestão participativa é a característica mais inovadora do sistema. Vale a
pena relembrar um conceito elaborado pelo pedagogo brasileiro Paulo Freire39
que
define a participação como uma pratica educativo-progressista e a descreve como
um verdadeiro processo político e democrático de inclusão social.
No livro Habitar, participar, pertenecer, Victor Saúl Pelli define três modelos
de autoconstrução de vivendas. No primeiro modelo, a autoconstrução é realizada
pelos moradores de uma comunidade de forma individual e sem recurso externo
nem ajuda. Não é um processo planejado. No segundo modelo as vivendas são
planejadas por técnicos – arquitetos ou engenheiros – e os moradores não tomam
decisões. No terceiro modelo os moradores tomam junto com os técnicos todas as
decisões e a solidariedade organizada se transforma em autogestão coletiva,
tecnicamente assistida. (PELLI, 2000)
O terceiro modelo descrito é o que mais se identifica com as cooperativas de
vivendas por ajuda mútua e a solidariedade a que se refere Pelli, prova da
38
Lei N.° 13.728, de 17 de dezembro de 1968 [tradução própria]. 39
FREIRE, Paulo. Educación y participación comunitaria: nuevas perspectivas críticas en educación. Barcelona: Paidós, 1994, p.3.
97
experiência sindical.
Nahoum (2010) recorda que as primeiras cooperativas de vivenda estavam
conformadas basicamente por sindicatos de operários Industriais, pelo qual os
cooperativistas incorporaram ao funcionamento das cooperativas o valor agregado
de sua experiência gremial.
Nas últimas décadas esta relação sindicatos/cooperativas sofreu fortes abalos
e o perfil dos cooperativistas mudou. Estas transformações ocorreram pelas
mudanças econômicas e sociais que aconteceram na década de 1970, (instalação
da ditadura militar em 1973). Estes acontecimentos modificaram as características
da população que ingressava nas cooperativas.
A crise da indústria e o aumento do desemprego no final do século XX, a
queda estrepitosa do salário real dos trabalhadores e a proibição de toda atividade
sindical terminaram levando para dentro das cooperativas trabalhadores não
preparados para a convivência e prática de atividades coletivas. A solidariedade
organizada, pilar básico sobre o qual se estrutura o sistema cooperativo por ajuda
mútua, se viu debilitado. Com o fim da ditadura e com a volta da democracia, o
movimento cooperativo retomou o impulso.
O sistema construtivo mais utilizado pelas cooperativas de vivenda no
Uruguai é o Sistema Construtivo Tradicional. Este sistema oferece boa qualidade
construtiva e sua implementação requer de mão de obra especializada. Estes
aspectos condicionam os custos do metro quadrado construído e determinam o
cronograma de execução. O tempo de obra é um fator importante na hora de
escolher o sistema construtivo numa cooperativa de vivenda. Por esta razão, os
sistemas alternativos ao tradicional começam a seduzir aos cooperativistas. Hoje
são várias as cooperativas que começam a implementar sistemas que oferecem
uma resposta mais rápida sem perder qualidade construtiva.
4.4 Tipos de Cooperativas de Vivenda
Esta proposta de autogestão coletiva, que chamamos Cooperativas de
Vivendas, assume os elementos indispensáveis de um projeto habitacional
98
sustentável. Assim, de acordo com tipo de GESTÃO, as Cooperativas de Vivendas
podem ser:
a) Ajuda mútua;
b) Poupança prévia.
De acordo com vínculo que o cooperativista assume com a Vivenda, as
cooperativas podem ser:
a) Cooperativa de usuários;
b) Cooperativa de proprietários.
As unidades Cooperativas de usuários concedem aos sócios direitos de uso
sobre a vivenda. Este direito se reconhece sem limitações no tempo e se transmitirá
aos herdeiros. Pode ser negociado entre o sócio e terceiros ou entre o sócio e a
cooperativa, mas em todos os casos o coletivo assume um rol fundamental na
decisão.
4.5 Cooperativas de Vivenda por Ajuda Mútua
A autogestão é a capacidade das pessoas de resolver todos os problemas que se apresentam na construção da obra, no marco de um processo de capacitação coletiva e superação permanente dos autogeridos.
40
O Uruguai consagra em sua Constituição o direito de seus habitantes a dispor
de uma vivenda digna. O artigo 45 da Constituição da República vai além do
enunciado e atribui ao Estado a responsabilidade de garantir esse direito. Esta
determinação precisa da responsabilidade é um avanço com relação a outras
constituições latino-americanas que anunciam este direito como uma expressão de
vontade.
A determinação desta obrigação por parte do Estado, expressa na carta
Magna, é a primeira “chave” para entender o funcionamento e a estrutura do sistema
público de vivenda e, em particular, o movimento cooperativo de vivenda por ajuda
mútua no Uruguai.
40
Definição apresentada pela Federação Uruguaia de Cooperativas de Vivenda por Ajuda Mútua.
99
Figuras 125 e 126: Solidariedade na construção do hábitat coletivo. Fonte: Arq. Raúl Vallés - Curso Cooperativismo de Vivenda (UdelaR), 2011.
A Cooperativa de Vivenda por Ajuda Mútua é uma associação abertas que se
organiza dentro dos princípios da cooperação e da solidariedade entre pessoas que
procuram um mesmo objetivo. Nesse marco, a ajuda mútua são as horas de
trabalho que cada sócio aporta para a construção do projeto cooperativo. Este
trabalho equivale a 15% do custo total das obras e é obrigatório já que constitui o
aporte de capital que cada sócio faz à Cooperativa. Cada hora de trabalho do
cooperativista tem um valor econômico equivalente ao de uma hora de trabalho de
servente em uma empreiteira. Este valor é fixado pelo “Ministerio de Trabajo y
Seguridad Social” (MTSS) e muda ao longo da obra. O valor se ajusta com uma
tabela acordada entre o Sindicato da construção, a associação de Empreiteiros e o
MTSS.
100
4.5.1 Como funciona a Ajuda Mútua
Do Orçamento geral da obra, restam-se 15%. Este valor é o que os sócios
aportarão como esforço próprio em forma de trabalho, poupança, espécies ou
combinação destes.
Os 85% do valor total da obra são divididos pelo número de famílias e
determinam uma parcela teórica para cada sócio. A Cooperativa decide, por si
mesma, se esta parcela vai ser igual para todos ou diferente, de acordo com o
número de dormitórios etc.
Após ser definida a parcela teórica que deveria pagar cada cooperativista,
determina-se o valor real da parcela. Para calcular o valor real de cada parcela leva-
se em conta que este valor não pode superar a 20% dos ingressos econômicos do
grupo familiar.41 Caso isto aconteça, o Estado paga o suplemento. Isto se chama
subsídio ao parcelamento.
O financiamento se faz em 25 anos. Ao longo deste tempo a situação
econômica do grupo familiar pode sofrer mudança de diferente teor, perda de
emprego, desmembramento do grupo familiar, melhoramento das condições
econômicas, etc. Nestes casos, o suplemento econômico feito pelo Estado como
subsídio ao parcelamento, muda para mais ou para menos. A aplicação deste
instrumento de solidariedade contributiva é o que se chama subsídio à permanência.
A vivenda de cada família se define por sorteio (de acordo com o número de
dormitórios), uma vez concluído o período de obra. Isto determina que durante o
tempo de obra o cooperativista trabalha sem saber qual vivenda será a sua.
41
Lei N.o 13.728 - Lei Nacional de Vivenda - Capitulo II: Artículo 7º. “Cada plan quinquenal
establecerá una clasificación de las familias en categorías de ingresos, determinando para cada categoría la afectación del ingreso familiar que puede destinarse al servicio de préstamos para vivienda. Esta afectación no podrá sobrepasar en ningún caso el 20% (veinte por ciento) del ingreso familiar, teniéndose en cuenta a aquellas familias de menores ingresos relativos, a los efectos del otorgamiento de subsidios que posibiliten su acceso a la vivienda” (grifo nosso).
101
4.5.2 Os Institutos de Assistência Técnica – IAT
A maior dificuldade que apresentam os sistemas de autogestão tanto
individual como coletivos é a assistência técnica. Como fazer com que um grupo de
famílias sem experiência em construção nem na administração de recursos
econômicos coletivos posa administrar uma obra de vinte ou trinta vivendas?
Para resolver essa dificuldade a Lei N.o 13.728 criou os Institutos de
Assistência Técnica (IAT). A lei os define como sendo uma equipe destinada a
proporcionar ao custo (7% do orçamento total da obra) assistência jurídica, de
educação cooperativa, financeira, econômica, social e serviços técnicos de projeto e
direção de obras.
A Lei N.o 13.728 define o alcance dos Institutos de Assistência Técnica,
transcrevemos os artigos fundamentais:
Artigo 9 – Cada cooperativa que aspire a um crédito da Agencia Nacional de Vivenda terá que elaborar com o assessoramento de um Instituto de Assistência Técnica (IAT) um projeto cooperativo. Este artigo consagra a obrigatoriedade do vínculo: Cooperativa e Instituto de Assistência Técnica e define ao projeto cooperativo como uma proposta integral de autogestão sustentável em suas dimensões jurídicas, socioeconômicas e urbanas. O artigo 10 da referida lei diz que a construção do projeto cooperativo será a combinação dos seguintes elementos: a) o aporte próprio dos sócios, b) o subsídio do Estado se for necessário, c) o empréstimo do Estado para financiar as obras. A lei estabelece o caráter interdisciplinar e obrigatório do assessoramento técnico e detalha os objetivos e a função que deve cumprir cada IAT, a integração mínima e os perfis profissionais dos técnicos que o compõem.
De acordo com o marco normativo que os regula, os IATs devem assistir a
cooperativa com:
a) assessoramento legal, regulamentário e financeiro;
b) assessoramento para a interpretação de plantas, projetos, memoriais
descritivos, etc;
c) assessoramento e assistência social preparando aos cooperativistas para a
gestão participativa.
102
Figuras 127 e 128: O IAT prepara a cooperativa para o trabalho solidário. Fonte: Arq. Raúl Vallés - Curso Cooperativismo de Vivenda (UdelaR), 2011.
Os produtos que se esperam dos IATs são explicados na lei:
a) organização do grupo humano;
b) formação do grupo nos princípios do cooperativismo;
c) assistência técnica em todas as etapas do projeto e da obra. Orientação na
administração: planejamento, organização, direção, e fiscalização
financeira e preparação social dos cooperativistas para a pós-obra.
As equipes técnicas assim formadas deverão ser homologadas pelo Ministério
de Vivenda. O MVOTMA é o encarregado de registrar e fiscalizar os IAT.
A presidenta da “Agencia Nacional de Vivienda” (ANV), Cristina Frynn42
salienta que os IATs realizam um trabalho fundamental para o desenvolvimento do
sistema cooperativo de vivendas por ajuda mútua, defende que:
La interdisciplinariedad, como proceso continuo, implicó la interrelación de un conjunto de conocimientos técnicos precisamente definidos, esta ableciendo objetivos y elaborando metodologías de trabajo que posibilitaran un enfoque integral hacia los grupos destinatarios, que lleva a considerar la realidad no como un conjunto de partes sino como un todo La formación de una Cooperativa, entonces, significa incorporar en el colectivo el concepto de vivienda en el sentido amplio del hábitat, demostrar las ventajas de las soluciones colectivas, la necesidad de organizarse y de transitar un prolongado proceso de construcción, tanto a nivel social como físico, todo
42
FRYNN, Cristina. “Las cooperativas por ayuda mutua uruguayas”. Assistente Social, Presidenta da Agência Nacional de Vivenda do Uruguai.
103
ello enmarcado en el desarrollo de los valores y principios cooperativos, basados en la igualdad de derechos y oportunidades y en la existencia de lazos de solidaridad y bases de funcionamiento democráticas.
Figuras: 129 e 130: Ilustram o trabalho horizontal do IAT com a comunidade envolvida. Fonte: Arq. Raúl Vallés - Curso Cooperativismo de Vivenda (UdelaR), 2011.
A lei estabelece que a integração mínima de um IAT deva ser: um/a
arquiteto/a (será o diretor), um/a escrivão/a público/a, um/a contador/a público/a, e
um/a assistente social (artigo 171 da Lei N.o 13.728).
Figura 131: Ilustra a aspiração inicial de um cooperativista, um programa de necessidades e aspirações cuja síntese será coletiva. Fonte: Arq. Raúl Vallés - Curso Cooperativismo de Vivenda (UdelaR), 2011.
O trabalho multidisciplinar do IAT leva a que o assessoramento à cooperativa
seja integral desde o primeiro momento, preparando os cooperativistas para o
trabalho comunitário e para a autogestão ao tempo que orienta na procura da terra
onde fazer a implantação da obra. A terra pode ser comprada pela Cooperativa ou
104
negociada com as Intendências43 por terras com dívidas endêmicas de IPTU.44 Uma
vez concluída a primeira etapa (aquisição da terra) passa-se a etapa de elaboração
dos estudos preliminares, anteprojetos e projetos. Aqui a relação IAT com a
Cooperativa é de ida e volta. Este trabalho é horizontal, com muito intercâmbio entre
os diferentes saberes que formam parte do IAT, e com o cuidado de incorporar ao
projeto os saberes dos cooperativistas. Os projetos devem ser aprovados pela
assembleia da Cooperativa. Este requisito é obrigatório. Concluída esta etapa, o IAT
desenvolve os projetos, os memoriais descritivos, os detalhes construtivos,
cronograma físico-financeiro e orçamento para a execução da obra. Uma vez
concluída esta etapa, os projetos e o orçamento da obra são levados para
aprovação do MVOTMA. Uma vez aprovados os projetos e o orçamento da obra, a
Cooperativa está em condições de ser selecionada para ser financiada. Esta etapa
levava aproximadamente três anos, atualmente há uma sensível redução do prazo e
em um ano a maioria das cooperativas está começando as obras. O trabalho do IAT
estende-se a todo o processo de obra assessorando aos cooperativistas até a
ocupação das vivendas.
4.5.3 O financiamento dos IATs
O Decreto 327/94 define o valor da tabela de honorários que receberá o IAT
pela totalidade dos trabalhos que realiza: 7% (mais o IVA)45 do valor total da obra.
Este valor é pago pelo MVOTMA diretamente ao IAT da seguinte forma: 40% do
valor é pago no momento em que se aprovam os projetos e o empréstimo para a
cooperativa, o restante, 60%, é dividido ao longo do cronograma físico da obra.
43
Intendências: executivo departamental equivalente a Prefeitura no sistema federal. 44
IPTU: Imposto predial territorial urbano. No Uruguai chama-se “Contribución Inmobiliaria Urbana”. 45
IVA – Impuesto al Valor Agregado. Corresponde al 22%.
105
4.5.4 Como funcionam as comissões?
As cooperativas organizam-se em comissões. A participação não é voluntária,
é obrigatória. O regulamento de funcionamento da cooperativa estabelece o número
máximo de ausências sem justa causa permitidas. Superado esse número, o
cooperativista é afastado da lista de integrantes da cooperativa perdendo 75% dos
aportes realizados.
Para adaptar-se aos diferentes momentos da vida cooperativa, a organização
das comissões muda de acordo com as circunstâncias. No organograma abaixo
mostramos graficamente a organização cooperativa em dois momentos diferentes:
antes do começo e durante a execução das obras.
Figura 132: Ilustra um organograma das comissões no período prévio a obra. Fonte: Elaborado pelo autor.
O regulamento de funcionamento e organização de cada cooperativa é
próprio de cada uma, mas a realidade demonstra que o formato geral não muda
muito de uma para outra. A estrutura básica de organização das comissões é a que
mostramos nos gráficos que ilustram as figuras 133 e 134.
106
Figura 133: Organograma das comissões no período da obra. Fonte: Elaborado pelo autor.
Para esclarecer este conceito, descrevemos os objetivos mais comuns no
trabalho de algumas comissões:
a) Comissão de trabalho; organiza as equipes e os horários, controla o
cumprimento das horas que as famílias devem aportar à cooperativa no
marco da ajuda mútua, estabelece planos de recuperação de horas quando
as famílias não o poderão cumprir com as tarefas planificadas, assessora a
comissão diretiva sobre problemas de disciplina e é a encarregada de fazer
cumprir as sanções quando a Assembleia de Cooperativista determina;
b) Comissão de Obra; Assessora a comissão diretiva e a Assembleia de
Cooperativistas sobre a organização da obra previamente acordada com o
Instituto de Assistência Técnica;
c) Comissão de Compras; geralmente seus membros integram também a
Comissão de Obras, mas a função fundamental é assessorar sobre a
compra dos materiais, equipamento, ferramentas e contratos com
empreiteiros;
d) Comissão de Administração; é a responsável pelo planejamento econômico
e a fiscalização do cumprimento do cronograma físico, financeiro
previamente aprovado pela Assembleia geral de Cooperativistas.
107
4.5.5 Por que aderir a uma cooperativa de vivenda?
Aderir a uma vivenda através de uma cooperativa de usuários significa que o caminho não é individual, que o caminho será coletivo, que a solução se procurará por meio da produção social do hábitat e não pelo mercado, que a gestão será feita pelos próprios cooperativistas tomando todas as decisões, e que a propriedade coletiva servirá para unir e não para separar (VALLÉS, 2008, p.37).
Fazer parte de uma Cooperativa de Vivenda por Ajuda Mútua supõe assumir
responsabilidades, obrigações e benefícios. Dessa forma, integrar uma Cooperativa
implica:
a) Adesão aberta e voluntária;
b) Controle democrático dos sócios de todas as atividades referidas à
cooperativa;
c) Participação econômica dos sócios;
d) Autonomia e independência da cooperativa para tomar decisões;
e) Educação, treinamento e informação;
f) Colaboração e ajuda entre cooperativas;
g) Compromisso solidário com a comunidade (VALLÉS, 2008).
A cooperativa se concretiza com a trilogia formada pelo futuro cooperativista,
que procura uma solução habitacional para sua família, pelo MVOTMA, que dispõe,
oferece e coloca os recursos econômicos necessários para que o empreendimento
se realize, e pelo Instituto de Assistência Técnica formado por um grupo
multidisciplinar de profissionais, cuja função é formar a cooperativa, dando
assessoramento técnico, jurídico, econômico e social, antes e durante a obra.
Como epílogo deste capítulo, transcrevemos parcialmente as conclusões do
trabalho que realizamos no curso “Cooperativismo de Vivenda. Componentes,
asesoramiento técnico y marco normativo. Unidad Permanente de Vivienda”.46
O princípio geral que inspira o projeto cooperativo é que aqueles que são
parte do problema passem a ser parte da solução. O Sistema Cooperativo de
Vivenda por Ajuda Mútua demonstrou ao longo do tempo ser uma ferramenta útil e
46
Trabajo Presentado en el Curso: Cooperativismo de Vivienda. Unidad Permanente de Vivienda. Facultad de Arquitectura. UDELAR. 2011. Por el equipo formado por: Lic. en Tecnologías Sociales, Sabrina Berger. Arq. Silvana Cabrera. Arq. Norma Graña, Arq. Laura Grasso y Arq. Donald Martins Fuentes.
108
eficiente para combater as carências habitacionais dos setores sociais
economicamente mais vulneráveis. Acumulou ao longo do tempo um conjunto de
experiências técnico-práticas e mostrou uma grande capacidade de adaptação às
diferentes situações impostas pelas erráticas Políticas Públicas de Vivenda dos
governos de turno.
A reflexão anterior nos permite afirmar que o sistema está consolidado e
preparado para abordar novas etapas. No entanto, dois desafios se impõem:
a) aproximar o Sistema Cooperativo de Vivenda por Ajuda Mútua às novas
tecnologias para torná-lo mais amigável a inovação tecnológica industrial;
b) estruturar o Sistema para dar uma resposta habitacional massiva nos
próximos anos, de forma a converter-se no primeiro agente construtor de
vivenda popular no Uruguai.
Mesmo sem pretender que estes desafios totalizem as propostas futuras,
parece evidente que incursionar neles é imprescindível para atingir o objetivo
fundamental do Movimento Cooperativo de Vivenda por Ajuda Mútua que é
promover o acesso ao Hábitat ao maior número possível de compatriotas.
Refletindo em base ao que vimos no curso: “Cooperativismo de Vivienda”, a
três princípios que podemos indicar como chaves do movimento cooperativo: ajuda
mútua, autogestão, e democracia direta. Estes pilares, sobre os quais estrutura-se o
movimento cooperativo, permitem gerar espaços de trabalho coletivo para a reflexão
crítica de diversas problemáticas sociais, mas também geram o marco adequado
para que a análise do grupo possa superá-las.
O trabalho dos atores envolvidos gera confiança e coesão do grupo de
cooperativistas, elementos fundamentais no processo organizativo de caráter social.
Isto permite ver a ajuda mútua como um elemento organizador e promotor de
valores que são chaves para a resolução coletiva e a formação individual de cada
um dos cooperativistas.
109
Figura 134: A solidariedade expressa num grafite no muro de uma cooperativa. Fonte: Arq. Raúl Vallés. Curso Cooperativismo de Vivienda (UdelaR), 2011.
110
5 Comparações entre o Sistema Construtivo Tradicional (SCT) e
quatro Sistemas Construtivos não Tradicionais (SCNT)
Em primeiro lugar queremos determinar alguns aspectos do Sistema
Construtivo Tradicional que consideramos importante para definir o que queremos
comparar. Não nos propomos a comparar os sistemas construtivos em toda sua
abrangência, mas sim, naqueles aspectos que nos aproximam do que queremos
pesquisar: a) capacidade de adaptação a processos de autoconstrução coletiva
como cooperativas de vivenda e b) quanto aporta o sistema a arquitetura
sustentável, de acordo com os princípios que defendemos ao longo deste trabalho?
Quais são os materiais que integram o sistema? Qual o cuidado com o meio
ambiente na sua fabricação dos componentes? Quais possibilidades que oferece o
sistema para incorpora-lo a um processo de autoconstrução coletiva como as
cooperativas de vivenda? Qual a facilidade ou não na manipulação dos
componentes pré-fabricados? Qual a familiaridade ou não dos operários com os
materiais que compõem o sistema etc.?
5.1 Sistema Construtivo Tradicional
Para completar a informação e facilitar a comparação, repassamos os
aspectos mais destacados do Sistema Construtivo Tradicional. Escolhemos somente
as características do sistema que nos ajudaram na comparação com os SCNT.
Definimos como SCT aos efeitos deste trabalho, àquele sistema que utiliza
como material preferencial nos fechamentos verticais exteriores e interiores, tijolos
artesanais, tijolos maciços, tijolos furados por extrusão ou blocos vibrados e
prensados. Em todos os casos, a argamassa de assentamento esta conformada por
cimento, areia, cal e água.
111
Figura 135: Paredes duplas com câmara de ar. Sistema Construtivo Tradicional. Fonte: Ekoteknia Group
A figura mostra algumas situações possíveis para uma parede exterior, dupla
e com câmara de ar. Nos exemplos mostrados abaixo, usou-se exclusivamente o
isolamento dos tijolos cerâmicos. Em todos os exemplos a transmitância térmica
supera amplamente os índices máximos admissíveis47
estabelecidos pelas normas
de construção no Uruguai (t<0.85W/m²K).
Esta constatação determina que uma parede dupla com câmara de ar é
insuficiente para cumprir com a norma de construção e seja necessário incorporar
junto à face externa da parede interna uma barreira térmica. Os materiais mais
usados como barreira térmica são: poliestireno expandido, poliuretano expandido, lã
de vidro e lã de rocha.
As paredes da envolvente opaca construídas com tijolos furados dentro do
Sistema Construtivo Tradicional devem cumprir com os requisitos estabelecidos pela
Norma UNIT-ISO 6946:2007.48 Esta norma pauta o desempenho hidrotérmico das
construções no Uruguai qualquer que seja o sistema construtivo utilizado. A vivenda
popular construída pelo SCT, para cumprir com as diretrizes exigidas pela norma
devem ter as seguintes características:
a) Face interior da parede com reboco, 2cm de largura;
b) Parede interior de tijolo de 10cm de largura;
c) Isolamento hídrico 0,5cm (face exterior da parede interior);
47
Disponível em: <https://www.google.com.uy/search?q=transmitancia+en+una+pared+de+ladrillo>. Acesso em: 23 jul. 2014. 48
Idem.
112
d) Isolamento térmico (largura = mínimo 3cm na face exterior da parede
interior);
e) Câmara de ar (largura = mínimo 3cm);
f) Parede exterior de 8cm de largura;
g) A largura total mínima da parede dupla é 26,5cm.
Os exemplos de parede dupla com câmara de ar e isolamento térmico
mostrados nas figuras 104 e 105 configuram o sistema mais usado pelas
cooperativas de vivenda no Uruguai. As diretrizes para aprovação de projetos
colocam especial ênfase no coeficiente de transmitância térmica (U). Vale a pena
repassar o conceito (não a definição) que envolve a transmitância: esta é a
facilidade que tem o calor de passar de um lado a outro de um fechamento numa
unidade de tempo, de superfície e de temperatura.
Figura 136: Mostra as diferentes capas de uma parede da envolvente opaca de 26,5cm de largura. Fonte: Ekoteknia Group
113
Figura 137: Mostra dois cortes em parede dupla com câmara de ar, com e sem isolamento térmico. Fonte: Palmar
Os pré-requisitos técnicos e as condições que devem cumprir todos os
sistemas construtivos no Uruguai (tradicional ou não) como: acondicionamentos
físico, térmico e acústico estão determinados pelas normas de construção das
Intendências, do Ministério de Vivenda e pela Lei N.o 13.728.49 Estas diretrizes
devem ser cumpridas independentemente do sistema construtivo proposto e são
condições necessárias, ainda que não suficientes, para a aprovação do projeto.
Por que comparamos?
Para responder a esta pergunta nos remetemos a afirmações já realizadas ao
longo deste trabalho e que fundamentam nossa preocupação com a vivenda
popular.
a) Porque nem a produção de vivendas pelo mercado com a participação das
empreiteiras, nem a gestão social do hábitat realizado pelas cooperativas
de vivenda conseguiu abater o déficit habitacional de que o Uruguai
padece?
b) Porque a produção de vivenda pelo mercado através das empreiteiras
realiza-se sem a participação dos principais interessados: os usuários? A
estratégia desenvolvida pelas construtoras procura, quase exclusivamente,
dar respostas à demanda habitacional através da incorporação de
114
tecnologias não tradicionais, entretanto estas não sempre são inovadoras.
c) Estas tecnologias muitas vezes dão origem a sistemas construtivos que
utilizam matérias-primas, cuja fabricação requer grandes quantidades de
energia. A inovação não se resume em disponibilizar novos materiais e
técnicas em busca de maior produtividade e qualidade, mas compreende
também o respeito ao meio ambiente;
d) Porque a gestão social do hábitat realizado pelas cooperativas de vivenda
por ajuda mútua com participação integral dos usuários, desenvolve (quase
exclusivamente) tecnologia social num cenário de construção tradicional,
temporalmente lento e economicamente oneroso, aspecto que é
necessário mudar para adapta-lo às exigências que impõe a crescente
demanda?
Procuramos dar respostas a estas questões considerando simultaneamente
dois fundamentos conceituais que nos acompanharam ao longo deste trabalho:
a) Inovação tecnológica com responsabilidade social;
b) Gestão social do hábitat com tecnologia inovadora.
É desta perspectiva e com esta ótica que avaliamos o desempenho dos
sistemas construtivos. Somos conscientes de que existem outros elementos
passíveis de análise, mas estes transcendem os fundamentos conceituais que
orientaram esta pesquisa.
5.2 Grandes Painéis pré-fabricados de Concreto Armado (SCGP)
Considerações quanto aos materiais utilizados na construção dos
componentes: o componente principal deste sistema é o concreto armado,
constituído basicamente por aço e cimento Portland. A energia térmica usada para
transformar o minério de ferro em aço vem do carvão e da eletricidade. Para
produzir uma tonelada de concreto é necessário emitir na atmosfera 0,40 toneladas
de dióxido de carbono, gás intensificador do efeito estufa.
Considerações quanto à facilidade de manuseio das peças pré-fabricadas: as
49
Ver anexo A.
115
informações apresentadas no capitulo 4 permitem concluir que o peso das peças
pré-fabricadas constitui um inconveniente difícil de resolver num sistema de gestão
que promova a autoconstrução individual ou coletiva como uma cooperativa de
vivenda. O tamanho e o peso dos painéis pré-fabricados requer a utilização de
guindastes para movimentá-los e faz com que o SCGP de concreto armado não seja
de fácil utilização em processos de gestão participativa do hábitat.
A impossibilidade de manipulação das peças pré-fabricadas por parte dos
operários sem equipamentos mecânicos especiais faz deste sistema uma opção não
aconselhável para ser usado como alternativa na construção de cooperativas de
vivendas por ajuda mútua.
5.3 Sistema Construtivo Steel Framing (SCSF)
Quanto aos materiais utilizados na construção dos componentes: no Steel
Framing o material básico utilizado é o perfil de aço galvanizado e sua utilização na
construção nos merece a seguinte consideração: Sua fabricação precisa de uma
grande quantidade de energia. A maior parte da energia térmica usada para
transformar o minério de ferro em aço vem do carvão mineral e da eletricidade. Para
produzir uma tonelada de aço, gasta-se 3000kw de energia – o equivalente a
queimar meia tonelada de carvão – e se gera 145 kg de escoria. O consumo de
água para fabricação de uma tonelada é de aproximadamente 150.000 litros e a
emissão gasosa além do CO2, libera à atmosfera duas toneladas de óxido
sulfuroso.50
Quanto à facilidade de manuseio das peças pré-fabricadas: a montagem dos
painéis pré-fabricados do SCSF é de fácil manipulação por parte dos operários. A
pesar do desconhecimento da maioria dos trabalhadores sobre as caraterística e
particularidades do sistema construtivo, a adaptação à nova tecnologia é
interpretada sem dificuldades por operários acostumados ao SCT. O sistema é
facilmente adaptável a soluções mistas especialmente interatuando com o sistema
50
Informação disponível em: <http://www.xatakaciencia.com/medio-ambiente/cuanta-energia-ha-sidonecesaria-para-la-construccion-de-tu-casa-y-ii>. Acesso em: 20 jun. 2014.
116
tradicional.
Os aspetos mencionados acima nos permitem afirmar que o Steel Framing
pode ser utilizado nos processos de autoconstrução assistida como as cooperativas
de vivendas, mas ao mesmo tempo, por trata-se de um sistema construtivo pouco
amigável com a natureza, não deveria ser uma opção para a aplicação massiva do
sistema. Consideramos que poderia ser uma alternativa parcial, que integrada a
outro sistema construtivo (incluído o tradicional), contribua para a redução do tempo
de execução da obra.
5.4 Sistema Construtivo Wood Framing (SCWF)
Quanto aos materiais utilizados na construção dos componentes: no SCWF, a
matéria prima básica é a madeira. A madeira é um material natural vital para a vida
do homem na terra, utiliza a fotossíntese para capturar a energia da luz e
transformá-la em energia química. Captura o bióxido de carbono (CO2) e libera
oxigênio (O2). 1m3 de madeira mantem sequestrado aproximadamente uma
tonelada de CO2. O 50% da madeira seca é carbono. Estas propriedades conferem
a madeira o caráter de material ideal para arquitetura sustentável.51
É o único
material de construção renovável e no SCWF as espécies usadas (Pinos eliotis e
Eucaliptus grandis), provem de florestas artificiais. A madeira tem alta relação
resistência-peso (500 kg/m3), conserva sua vantagem em baixas temperaturas, e
possui mínima condutividade elétrica e térmica. É mais econômica com relação a
outros materiais que oferecem prestações similares (aço, concreto etc.).
Quanto à facilidade de manuseio das peças pré-fabricadas: os bastidores de
madeira que conformam o SCWF são leves e facilmente manipuláveis, sua
construção é simples e a técnica é rapidamente assimilada por operários não
especializados. O material é conhecido pelos operários, faz parte de seu entorno e
em maior ou menor grau todos o manipularam alguma vez. Esta sintonia entre
material e técnica se deve ao fato da madeira possuir uma longa tradição histórica
de uso nos processos de autoconstrução e sua manipulação resulta familiar para os
117
operários que trabalham com o sistema tradicional.
O sistema construtivo que acabamos de descrever possui uma grande
potencialidade para ser usado em processos de autoconstrução coletiva. O SCWF
incorpora ao tradicional conceito de construção em madeira uma tecnologia
inovadora no uso do material, limitando suas debilidades aos ataques de agentes
xilófagos, garantindo um teor de umidade no entorno de 15% nas peças estruturais,
oferecendo uma eficiente proteção contra incêndios com adequada estanqueidade
hídrica, térmica e acústica dos fechamentos exteriores da vivenda.
O importante avance tecnológico nos últimos anos na fabricação de colas
industriais resistentes a intempérie (formaldeídos resorsinol) e o surgimento no
mercado de máquinas que permitem realizar uniões “finger joint”52, deram lugar a
construção com pequenas peças de madeira de vigas laminadas encoladas (VLE).
Por seu comprimento e seção, estas vigas podem vencer grandes vãos, o que
alenta para a madeira um futuro promissor.
Das apreciações que descrevemos acima, podemos concluir que o SCWF é
um sistema construtivo amigável com a natureza e com ampla possibilidade de ser
utilizado em processos de gestão social do hábitat como em uma Cooperativa de
Vivenda por Ajuda mútua.
5.5 Sistema construtivo Royal Building System
Quanto aos materiais utilizados na construção dos componentes: o SCRBS é
constituído por painéis e conectores fabricados industrialmente, a mátria-prima dos
painéis são polímeros de PVC53
produzidos por extrusão e logo preenchidos na obra
com concreto.
O PVC tem em sua composição 57% de cloro, sua fabricação requer de
grandes quantidades de energia (10000 kw/h/m3)54
e o processo libera à atmosfera
sustâncias organocloradas altamente tóxicas. Os painéis são formas ocas de PVC
51
Conceitos trabalhados no Curso Arquitetura em Madeira. Héctor Scerbo. Rosário, Argentina, 2012. 52
Finger-joint são pequenos dentes com encaixe macho-fêmea, que unem duas peças de madeira. 53
Policloreto de polivinila (ou policloreto de vinil), um plástico também conhecido como vinil. Disponível em: <http://www.significados.com.br/pvc/>. Acesso em: 27 jul. 2014.
118
preenchidas na obra com concreto. O concreto confere estabilidade e resistência
mecânica ao painel e a forma de PVC permanece como revestimento exterior e
interior das paredes da vivenda. O consumo energético e os graves inconvenientes
ambientais que produz a fabricação do concreto já foram analisados com o SCGP.
Quanto à facilidade de manuseio das peças pré-fabricadas: as peças pré-
fabricadas, painéis e conectores são de fácil manipulação. Operários sem
conhecimento da tecnologia nem experiência prévia com sistemas pré-fabricados
incorporam rapidamente o conceito já que todos os painéis chegam à obra com um
código alfanumérico que facilita a montagem.
A facilidade para a montagem é um elemento importante na hora de avaliar o
sistema já que este fator determina um cronograma de obra sensivelmente menor
que a construção com o sistema tradicional. O cronograma de execução de uma
vivenda construída com SCRBS se cumpre na metade do prazo do que levaria
construí-la com SCT. Se avaliarmos o sistema pelas características ergométricas
dos painéis e pela velocidade de execução, o sistema poderia ser utilizado pelas
cooperativas de vivenda por ajuda mútua, mas apesar destes indicadores
favoráveis, a hora de avaliar a conveniência de usá-lo, se deverá levar em conta que
o SCRBS não é sustentável e a produção dos componentes produz danos
irreparáveis ao ambiente humano. No gráfico abaixo mostramos uma síntese do
desempenho quanto ao tempo e à sustentabilidade de cada um dos sistemas
construtivos estudados.
SISTEMAS CONSTRUTIVOS TEMPO SUSTENTABILIDADE
Sistema Construtivo de Grandes Painéis de Concreto Armado. + +
Sistema Construtivo Steel Framing +++ + Sistema Construtivo Wood Framing +++ +++ Sistema Construtivo Royal Building
System ++ +
Sistema Construtivo Tradicional + ++ + desempenho baixo, ++ desempenho aceitável, +++ desempenho bom.
Da análise do gráfico podemos concluir que o Sistema Construtivo que melhor
satisfaz as duas condições determinantes para a habitação popular
54
Disponível em: <http://www.lcc.uma.es/~ppgg/html/salud.html>. Acesso em: 1 ago. 2014.
119
(tempo/sustentabilidade), é aquele cuja matéria-prima é a madeira. O material
básico que compõe o Sistema Construtivo Wood Framing é o único que provem de
uma fonte renovável. A modulação dos painéis estruturais que conformam as
paredes é executada fora da obra em condições climáticas favoráveis. Isto permite a
construção em prazos sensivelmente menores aos prazos de execução no Sistema
Construtivo Tradicional.
5.6 Sistemas Construtivos: enfoque orçamentário
Aproximadamente 85% de um orçamento de obra de vivenda popular pode
ser sintetizado na somatória de custos de três colunas: a) materiais, b) mão de obra
c) encargos sociais. Valor do terreno, gastos fixos, fretes e impostos são
considerados separadamente. Consideramos importante avaliar o comportamento
dos sistemas construtivos frente às três colunas mencionadas. Para melhor analisar
separamos os sistemas em dois blocos: Sistema Construtivo Tradicional e Sistemas
Construtivos Não Tradicionais.
Iniciamos estudando um orçamento para uma unidade habitacional de dois
dormitórios e 50m2 e Sistema Construtivo Tradicional. As paredes são duplas em
blocos vibro-prensados com isolamento térmico de 3cm de poliestireno expandido e
uma câmara de ar de 3cm de largura. As características construtivas do exemplo
cumprem estritamente com todas as condições exigidas pelos regulamentos de
construção para a vivenda popular no Uruguai. A cada tarefa correspondem três
colunas: materiais, mão de obra e encargos sociais.
A somatória das colunas determina o valor do orçamento, que dividido pelos
metros quadrados considerados, define o valor teórico do metro quadrado
construído. Este valor teórico (U$1050/m2) serve de referência, mas não é
comparável com nenhum dado oficial.
Para facilitar a comparação escolhemos uma unidade habitacional com
características similares a que apresenta o exemplo estudado com construção
tradicional. Este exemplo cumpre com todas as exigências dos regulamentos de
construção exigidos no Uruguai.
120
Figura 138: Orçamento para uma unidade habitacional de 50m2. Não inclui terreno nem
infraestrutura exterior. Os valores estão expressos em dólares americanos. Fonte: Proposta apresentada no marco da consultoria realizada pelo autor deste trabalho para o Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD – Programa de Melhoramento de Bairro PMB, em junho de 2013.
121
Figura 139: Orçamento de uma unidade habitacional construída com Royal Building System de 52m
2. Não inclui terreno nem infraestrutura exterior. Os valores estão
expressos em dólares americanos. Fonte: Orçamento apresentado pelo autor deste trabalho à Intendência Departamental de Maldonado no marco da licitação Pública 41, para o fornecimento de sistemas construtivos não tradicionais em maio de 2014.
Observamos que a “coluna materiais” tem valor econômico parecido nos dois
exemplos apresentados. A variação do custo dos materiais não é significativa se o
sistema construtivo é o tradicional ou é SCRBS. Quando analisamos a “coluna mão
de obra” vemos como o custo da hora homem é quase o mesmo entre um sistema e
outro, mas o número de horas homens que são usadas para fazer as tarefas no
Sistema Construtivo Tradicional é muito maior que no SCRBS. A coluna mão de
122
obra define o tempo de obra e permite o desenho do cronograma físico ao tempo
que determina o valor da “coluna encargos sociais”. No Sistema Construtivo
Tradicional a mão de obra é U$ 12369, e as leis sociais somam U$ 11.132,00, sendo
que esta coluna é notoriamente maior no SCT em relação ao SCRBS. Verificamos
que no sistema construtivo racionalizado os valores são U$ 7.623,00 e U$ 3.468,00.
Esta diferença é devido ao insumo de mão de obra e ao tempo de execução, já que
o caráter artesanal do processo no SCT o faz temporalmente mais lento que o
SCRBS.
Figura 140: Sistema Construtivo Tradicional de 50m2.
Fonte: Proposta apresentada no marco da consultoria realizada pelo autor deste trabalho para o Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD – Programa de Melhoramento de Bairro PMB, em junho de 2013.
123
Figura 141: Diagrama de Gantt. Cronograma físico da obra. Vivenda construída com Royal Building System de 52m
2.
Fonte: Orçamento apresentado pelo autor deste trabalho à Intendência Departamental de Maldonado no marco da licitação Pública 41 para o fornecimento de sistemas construtivos não tradicionais, em maio de 2014.
O tempo de obra tem uma incidência social e econômica importante e
constitui um fator determinante na hora de avaliar e eleger os sistemas construtivos
para a vivenda popular. Da análise acima podemos afirmar que a grande diferença
no custo do metro quadrado construído com os SCNT, e com o SCT, é o tempo de
execução da obra. Se os sistemas construtivos não tradicionais reduzem o tempo de
obra à metade do que levaria construir a mesma vivenda com o Sistema Construtivo
Tradicional, e essa redução se realiza sem diminuir a qualidade construtiva da
vivenda, parece evidente e necessário incorporar, estas tecnologias na construção
popular do hábitat.
124
6 Considerações finais
Mostramos ao longo da pesquisa nossa forma de ver a inovação tecnológica.
Definimos a inovação como um processo composto por três elementos: materiais,
gestão e desenho. Salientamos que não podemos pensar nos três elementos em
separado, pois estes possuem inter-relações e se modificam mutuamente.
Associamos o conceito de inovação tecnológica ao conceito de sustentabilidade e
consideramos estes conceitos indivisíveis. Fomos além da definição e determinamos
seu grau de abrangência, salientamos que os pré-requisitos descritos são
insuficientes e que devem complementar-se com outros que provem das ciências
sociais e econômicas e colocam conteúdo substantivo a ecoarquitetura popular. De
posse destes elementos, afirmamos que uma tecnologia para o hábitat popular,
desde nosso ponto de vista, será inovadora quando além dos pré-requisitos
descritos acima, for ecologicamente sustentável, economicamente viável e
socialmente equitativa.
Estudamos as cooperativas de vivenda cujo Sistema Construtivo Tradicional
está presente na maioria dos exemplos no Uruguai. Analisamos suas fortalezas,
vimos como a inovação está presente em pelo menos dois dos três pré-requisitos
considerados acima: inovação na gestão (ajuda mútua) e inovação no desenho
(projeto participativo). Entre suas debilidades, marcamos que o tempo de execução
da obra não acompanha as necessidades dos cooperativistas e a urgência
habitacional requer uma resposta mais rápida. Exploramos as possibilidades que
tem os sistemas construtivos não tradicionais e as possibilidades de que estes
sejam utilizados no processo de autoconstrução coletiva que chamamos cooperativa
de vivenda por ajuda mútua. Vimos como a fortaleza mais destacada dos sistemas
construtivos não tradicionais é a redução do tempo de execução da obra e por
último, analisamos como estes sistemas poderiam ser um instrumento eficiente se
incorporados (total ou parcialmente) ao processo de gestão do hábitat popular.
Vimos como, apesar de que o Uruguai tem uma excelente lei que regula a
produção do hábitat (Lei N.o 13.728-68), é necessário promover novos instrumentos
125
que ajudem a combater o déficit habitacional que o país enfrenta há 50 anos. Os
instrumentos desenvolvidos foram importantes para atingir os objetivos já
conquistados, mas são insuficientes para atingir os objetivos propostos no “Plan
Quinquenal de Vivienda”, ou seja, reduzir o déficit habitacional a mínima expressão
é fazê-lo com inclusão social.
Estes instrumentos de política pública habitacional devem abranger um
espectro variado de formas de construção e de métodos de gestão de obra, cada
uma delas diretamente vinculada à circunstância dos usuários finais. A população
que faz parte do déficit habitacional é variada e diversa e as soluções propostas
devem contemplar esta diversidade.
Consideramos que os conhecimentos apresentados sobre este tema são
inovadores e constituem um instrumento útil para avançar no futuro sobre um
universo de estudo quantitativamente maior, que permita a comprovação das
hipóteses aqui levantadas. Que os processos exitosos55
de gestão social do hábitat
como as cooperativas de vivenda possam absorver a tecnologia inovadora que
melhor se adapte a sua concepção filosófica e social e que o corpo teórico
desenvolvido neste trabalho seja capaz de ajudar aos atores, com responsabilidade
de decisão na política habitacional, a desenhar a síntese dos modelos existentes ou
criar um novo modelo diferente dos anteriores.
Por último, aspiramos que a análise derivada desta pesquisa possa aproximar
os arquitetos às novas tecnologias. Consideramos esta experiência imprescindível
mesmo que a incorporação das novas tecnologias seja parcial e ainda necessite de
cuidados ambientais especiais. A este desafio, nem a Academia nem os Arquitetos
podem ser indiferentes.
55
Conceito defendido pela Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mútua (FUCVAM). Disponível em: <http://www.fucvam.org.uy/>. Acesso em: 29 jun. 2014.
126
Referências
ALMEIDA, Antonio. ARQ. Pier Luigi Nervi (1891-1979). Disponível em: <https://www.pinterest.com/antoniosoaresal/arqpier-luigi-nervi-1891_1979-itaarquitecture/>. Acesso em: 12 jun. 2014. ALONSO, José; SILVA, Celia Barbato de; CAYSSIAIS, Ricardo; CHABALGOITY, Manuel; QUEIJO, María del Carmen; PIÑEIRO, Diego. Centro Cooperativo Uruguayo. Ambiente y Desarrollo: premisas para gestar un proceso de desarrollo integral y participativo em el Uruguay. Siglo XX. AMÁNDOLA, Dulio et al. Construcción Tres. Polígrafo mimeografado, UdelaR. Montevidéu, 2000. CHAVES, Daniel; CARBALLAL, Susana. La Ciudad Solidaria: el cooperativismo de vivienda por ayuda mutua. Montevideo: Nordan-Comunidad, 1997. CYPE Ingenieros, S.A. Disponível em: <http://www.brasil.geradordeprecos.info/obra_nova/Estruturas/Concreto_pre-fabricado/Vigas/Viga_pre-fabricada_de_concreto_armado.html>. Acesso em: 2 jun. 2014. DURÁN, María Ángeles. La ciudad compartida: conocimiento, afecto y uso. Santiago de Chile: SUR, 2008. EKOTEKNIA Group. Disponível em: <http://www.ekoteknia.com/la-envolvente-
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127
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128
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131
ANEXO A: LEY N° 13.728
CAPITULO I
PRINCIPIOS GENERALES
Artículo 1°. Toda familia, cualesquiera sean sus recursos económicos, debe
poder acceder a una vivienda adecuada que cumpla el nivel mínimo habitacional
definido en la ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. Es función del Estado
crear las condiciones que permitan el cumplimiento efectivo de ese derecho. Fuente:
Artículo 1°, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. Art. 2°. Es función del
Estado estimular la construcción de viviendas y asegurar que los recursos asignados
a este fin alcancen para la satisfacción de las necesidades, no sobrepasen las
posibilidades de la economía y se usen racionalmente para alcanzar los objetivos
señalados en la ley N° 13.728 de 17 de diciembre de 1968. Fuente: Artículo 2°, Ley
N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. Art. 3°. Declárese de interés general el
establecimiento de una política planificada de vivienda, integrado en los planes de
desarrollo económico y social, tendiente a atender las necesidades de vivienda en
todo el país, que preste preferente atención a los grupos de escasos recursos y evite
generar categorías sociales o áreas geográficas privilegiadas. Todos los organismos
y en particular los de derecho público que financien, promuevan, construyan,
reglamenten o asistan en cualquier forma a la construcción de viviendas, ajustarán
su acción a las disposiciones de la ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968 y
cooperarán al éxito de la política que se establezca dentro del marco de la misma y
de los planes periódicos a que se hace referencia en el artículo siguiente. Fuente:
Artículo 3°, Ley 13728, de 17 de diciembre de 1968. Art. 4°. El Poder Ejecutivo,
tomando en cuenta las propuestas del Ministerio de Vivienda, Ordenamiento
Territorial y Medio Ambiente, ajustará y enviará al Parlamento, dentro del primer año
de cada período de Gobierno y simultáneamente con el Presupuesto Nacional, un
Plan Quinquenal de Vivienda, integrado en los planes de desarrollo económico y
social, que incluya: un diagnóstico de la situación, un cálculo de las necesidades
para el período, por áreas geográficas y categoría de ingresos, las inversiones, los
requerimientos en préstamos y subsidios por programas, las metas de producción de
viviendas del sistema público, la previsión de recursos, su distribución y las medidas
y los proyectos de ley complementarios que se consideren necesarios. Todas las
132
referencias formuladas en la ley N° 13.728 de 17 de diciembre de 1968, a la
Dirección Nacional de Viviendas se entenderán hechas al Ministerio de Vivienda,
Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente. Fuente : Artículo 1°, Ley N° 16.237, de 2
de enero de 1992. Art. 5°. Sin perjuicio de lo anterior, el Poder Ejecutivo,
simultáneamente con la Rendición de Cuentas y Balance de Ejecución Presupuestal,
enviará cada año al Parlamento la propuesta de ajuste del Plan Quinquenal de
Vivienda que incluya un detalle ajustado del mismo para el período anual
correspondiente. Fuente: Artículo 1°, Ley 16.327, de 2 de enero de 1992. Art. 6°.
Tanto los planes quinquenales a que se refiere el artículo 4°, como los anuales a que
refiere el artículo 5°, deberán ser aprobados por el Podes Legislativo, que dispondrá
para ello de los mismos plazos de que dispone para considerar el Presupuesto
Nacional y las Rendiciones de Cuentas respectivas. Transcurridos esos términos,
tanto el Plan Quinquenal como las modificaciones anuales, en su caso, se tendrían
por aprobados, pero sólo tendrán fuerza de ley las disposiciones de los mismos que
se aprueben expresamente con ese alcance. El Poder Ejecutivo, en acuerdo con el
Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente, por resolución
fundada, podrá introducir modificaciones en los programas y metas previstos en los
planes, a fin de adecuarlos a las circunstancias que se operen durante su ejecución,
dando cuenta. Fuente: Artículo 3°, Ley N° 16.237, de 2 de enero de 1992.
CAPITULO II
CALIFICACION DE LOS BENEFICIARIOS
Artículo 7°. Cada plan quinquenal formulado de acuerdo a lo dispuesto en el
artículo 4° establecerá una clasificación de las familias en categorías de ingresos,
determinando para cada categoría la afectación del ingreso familiar que puede
destinarse al servicio de préstamos para vivienda. Esta afectación no podrá
sobrepasar en ningún caso el 20% (veinte por ciento) del ingreso familiar,
teniéndose en cuenta a aquellas familias de menores ingresos relativos, a los
efectos del otorgamiento de subsidios que posibiliten su acceso a la vivienda.
Entiéndese por familia, exclusivamente a los fines de la ley N° 13.728 de 17
de diciembre de 1968, al núcleo familiar que ha de convivir establemente bajo un
mismo techo, esté o no vinculado por razones de parentesco.
Fuente: Artículo 1°, Ley N° 16.237, de 2 de enero de 1992.
133
Art. 8°. Se entiende por vivienda adecuada aquella que cumpla con el mínimo
habitacional definido en el artículo 18 y que tenga el número de dormitorios
necesarios de acuerdo a la composición familiar.
Fuente: Artículo 12, Ley N°13.728, de 17 de diciembre de 1968. (Nota: el artículo 18
referido, corresponde al artículo 13 del presente Texto Ordenado)
Art. 9°. Para calcular el número de dormitorios necesarios se aplicarán los
siguientes criterios:
A) Se asignará un dormitorio por cada matrimonio;
B) Al resto de los componentes se les asignará dormitorios separando los sexos y
admitiendo hasta dos personas por dormitorio, cuando estas sean mayores de seis
años y hasta tres cuando tengan como máximo esa edad;
C) La reglamentación establecerá las excepciones a esta norma y en particular la
posibilidad para los matrimonios jóvenes de reclamar una previsión del futuro
crecimiento de la familia.
Fuente: Artículo 14, Ley 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
Art. 10. A objeto de la clasificación de las familias en categorías de ingresos, la
reglamentación podrá fijar criterios para estimar un ingreso ficto en razón del
patrimonio, aun en el caso de que no produzca renta real. También fijará los criterios
a aplicar en casos de ingresos irregulares, así como el período de tiempo que se
estudiará, para fijar los ingresos promédiales. En el caso de los productores rurales,
la estimación de ingresos podrá realizarse sobre la base de producciones fictas.
Fuente: Artículo 15, Ley 13.728, 17 de diciembre de 1968.
Art. 11. Los límites de las categorías podrán ser diferentes en distintas áreas del
país, en razón de la existencia de distintos costos para alcanzar las condiciones
habitacionales mínimas.
Fuente: Artículo 16, Ley 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
CAPITULO III
CONDICIONES Y TIPOS DE VIVIENDA
Art.12. Todas las viviendas que se construyan en el país deberán cumplir con
el mínimo habitacional definido en el artículo siguiente. Sólo quedan exceptuadas y
tan sólo en cuanto a las exigencias contenidas en el literal A) de dicha norma, las
viviendas que se construyan por el sistema del Núcleo Básico Evolutivo a que refiere
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el artículo 26 de la ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968, así como los
programas que atiendan situaciones de emergencia o económico – sociales
especiales, por resolución fundada del Ministerio de Vivienda, Ordenamiento
Territorial y Medio Ambiente. Los Gobiernos Departamentales podrán conceder a los
particulares permisos que les habiliten para construir viviendas de acuerdo con la
excepción establecida en el inciso anterior y en el marco de la filosofía evolutiva que
la inspira debiendo asumir el seguimiento y control de dichos permisos, a fin de
evitar infracciones o desviaciones que la desnaturalicen, dictando a ese fin las
normas reglamentarias que vieren convenientes, conforme a los artículos 61 y 115
de la ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. Fuente: Artículo 1°, Ley N° 16.237,
de 2 de enero de 1992. Nota: (los artículos 26, 61 y 115 referidos, corresponden a
los artículos 21, 56 y 100 respectivamente del presente Texto Ordenado). Art. 13.
Defínese como mínimo habitacional el que resulta de cumplir las siguientes
condiciones: A) La superficie habitable de una vivienda no será inferior en ningún
caso a 32 metros cuadrados. Este mínimo será aplicable a las viviendas que tengan
un dormitorio. Por cada dormitorio adicional se incrementará el mínimo en 12 metros
cuadrados. En todos los casos en que se autorice, construya o financie la vivienda
para uso de una familia determinada, se exigirá como mínimo el número de
dormitorios necesarios definido en el artículo 14 de la ley N° 13.728, de 17 de
diciembre de 1968. B) Toda vivienda tendrá además, como mínimo, un cuarto de
baño y el o los ambientes adecuados a las funciones de cocina, comedor y estar
diario. C) Los techos deberán asegurar la impermeabilidad y la aislación térmica
mínima que fijará la reglamentación.
D) Los muros exteriores deberán impedir la entrada de humedad, asegurar la
aislamiento térmica mínima que fije la reglamentación, y presentar superficies
interiores resistentes, sin fisuras y susceptibles de mantenimiento higiénico. E) Los
pisos deberán ser suficientemente duros para soportar el uso sin desagregarse y
admitir el lavado o el lustre. F) Los dormitorios y ambientes de estar, comedor o
cocina, tendrán vanos de iluminación cerrados con materiales transparentes o
traslúcidos adecuados para mantener una iluminación natural suficiente. G) Todos
los ambientes tendrán condiciones de ventilación natural o sistemas de ventilación
artificial que garanticen las condiciones higiénicas del aire y la eliminación de olores.
H) Toda vivienda dispondrá de agua potable distribuida por cañerías hasta el cuarto
de baño y la cocina. El cuarto de baño estará equipado como mínimo, con un
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lavatorio o pileta para el aseo personal una ducha o bañera y un WC o letrina con
descarga de agua instalada. La cocina tendrá por lo menos una pileta con canilla.
Cuando la vivienda esté ubicada en un centro poblado y exista red pública de agua
potable a distancia razonable, la instalación mencionada estará obligatoria y
exclusivamente conectada a la red pública. Cuando no se cumplan las condiciones
anteriores podrán admitirse pozos o aljibes cerrados siempre que la potabilidad del
agua sea comprobada y que sea bombeada y distribuida por cañerías y almacenada
en depósitos cerrados, de acuerdo a las especificaciones que se dicten. I) Toda
vivienda dispondrá de un sistema de desagües para la evacuación de las aguas
servidas. Cuando la vivienda esté ubicada en un centro poblado y exista red pública
de alcantarillado en el frente del predio, la instalación de la vivienda se conectará
obligatoriamente a la red. Cuando no se cumplan las condiciones anteriores, se
autorizarán otros sistemas. La reglamentación, al establecer las condiciones que
deben cumplir esos sistemas, tomará precauciones contra el riesgo de
contaminación de aguas que puedan ser usadas para el consumo humano, así como
contra cualquier otro riesgo de transmisión de enfermedades o de creación de
condiciones de insalubridad ambiental. J) Toda vivienda ubicada en un centro
poblado, si existe red pública de energía eléctrica a distancia razonable, contará con
una instalación de iluminación eléctrica conectada a la red pública y dotada, como
mínimo, de una luz por ambiente.
K) La reglamentación podrá determinar las dimensiones mínimas para los distintos
tipos de locales.
L) Las especificaciones del presente artículo son mínimos que las reglamentaciones
pueden elevar en razón de condiciones locales o del campo de acción de un
organismo especial. Sin embargo, los límites que se adopten no deberán proscribir u
obstaculizar los tipos de vivienda de interés social que más adelante se definen.
Fuente: Artículo 18, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
(Nota: el artículo 14 referido, corresponde al artículo 9 del presente Texto Ordenado)
Art. 14°. Entiéndese por “área habitable” de una vivienda, al objeto de la ley N°
13.728, de 17 de diciembre de 1968, la superficie horizontal ocupada por
dormitorios, cuartos de baño, ambientes cerrados destinados a cocina, comedor,
estar, circulación, recepción o tareas domiciliarias, más los placares, alacenas y
despensas u otros lugares interiores de depósito y el espesor de los muros que los
dividan o envuelvan, hasta su cara exterior.
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Fuente: Artículo 19, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
Art. 15°. Entiéndese por vivienda urbana aquella ubicada dentro de los límites de las
áreas urbana y suburbana de los centros poblados. Todas las demás se
considerarán viviendas rurales.
Fuente: Artículo 20, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
Art. 16°. Entiéndese por vivienda de temporada la vivienda usada sólo una parte del
año, como lugar de vacación, descanso o recreo. Las demás son “viviendas
permanentes”.
Presúmense viviendas de temporada todas las viviendas ubicadas en balnearios y
otros centros turísticos del interior del país, que determine la reglamentación,
siempre que su ocupante no demuestre usarla como residencia permanente.
Cuando una familia disponga para su uso a cualquier título de más de una vivienda,
se presumirá que salvo una, las demás son viviendas de temporada.
Fuente: Artículo 21, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
Art.17°. Entiéndese por vivienda económica, en relación a una familia, aquella
vivienda que satisfaga para ella el mínimo habitacional y cumpla las siguientes
condiciones:
A) Que su área habitable sea menor de cuarenta metros cuadrados en el caso de
que la familia necesite un solo dormitorio, o de esa superficie, más quince metros
cuadrados adicionales por cada dormitorio más que necesite de acuerdo a los
criterios de la ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. B) Que su valor de
construcción no supere los límites máximos establecidos por la reglamentación. Para
fijar estos límites la Dirección Nacional de Vivienda tomará en cuenta los costos
reajustados normales del metro cuadrado, correspondientes al mínimo habitacional
definido en el artículo 18, incrementado en un margen prudencial no superior al 40%
(cuarenta por ciento). Fuente: Artículo 22, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de
1968. (Nota: el artículo 18 referido, corresponde al artículo 13 del presente Texto
Ordenado). Art. 18. Entiéndese por Valor de Construcción el costo de construcción
de la vivienda incluyendo aleros, porches, garajes y otras obras realizadas en el
predio, y/o la cuota-parte de obras comunes, en el caso de viviendas colectivas.
Exclúyese del Valor de Construcción, al objeto de la clasificación en los tipos
definidos en este Capítulo, el costo de los locales destinados a actividades no
habitualmente domiciliarias, como locales para artesanías, industrias, comercios,
oficinas o escritorios profesionales, aunque la reglamentación autorice incorporarlos
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al ambiente interior de la vivienda. Entiéndese por costo de construcción, el costo
normal resultante para el propietario de las obras hasta su habilitación incluyendo
rubros tales como honorarios técnicos, beneficios de la empresa constructora,
conexiones, impuestos o trámites. Se excluyen, naturalmente, el costo del terreno y
de las obras de urbanización. Los límites del Valor de Construcción de cada tipo se
fijarán en Unidades Reajustables. Se establecerá el límite para la vivienda de un
dormitorio y el aumento de valor por cada dormitorio adicional. Fuente: Artículo 23,
Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968. Art. 19. Entiéndese por Valor de
Tasación el valor de construcción definido en el artículo 23 incrementado hasta en
un 15% (quince por ciento) en razón del terreno y obras complementarias de
urbanización. La Dirección Nacional de Vivienda, por razones fundadas, podrá
elevar este porcentaje cuando se trate de conjuntos habitacionales que requieran
por razones justificadas una inversión elevada en obras de urbanización. Fuente:
Artículo 24, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
(Nota: el artículo 23 referido, corresponde al artículo 18 del presente Texto
Ordenado). Art. 20. Entiéndese por Vivienda Media en relación a una familia, aquella
que superando uno o más de los límites establecidos para la Vivienda Económica
cumpla las siguientes condiciones: A) Que su área habitable sea menor de cincuenta
metros cuadrados en el caso de necesitar un dormitorio, más diecinueve metros
cuadrados por cada dormitorio necesario adicional; B) Que su valor de construcción
no supere los límites máximos establecidos por la reglamentación, que no excederán
en más de 100% (cien por ciento) los límites establecidos en el artículo 22 para la
Vivienda Económica. Fuente: Artículo 25, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de
1968. (Nota: el artículo 22 referido, corresponde al artículo 17 del presente Texto
Ordenado). Art. 21. Entiéndese por Vivienda de Interés Social cualquier vivienda
definida como Económica o Media, según los artículos anteriores de la ley N°
13.728, de 17 de diciembre de 1968, así como aquella designada como Núcleo
Básico Evolutivo, entendiéndose por tal la vivienda mínima destinada a los sectores
más carenciados de la población, capaz de brindar a sus destinatarios una solución
habitacional inicial que debe cumplir con las siguientes condiciones: A) Que su
superficie no sea inferior a treinta metros cuadrados; B) Que esté construida en un
predio cuya superficie no sea inferior a cien metros cuadrados; C) Que permita como
mínimo la ampliación de doce metros cuadrados, con un dormitorio adicional; D)
Que para el caso de estar constituida por un ambiente y cuarto de baño, admita una
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subdivisión posterior de aquél en dos; E) Que su valor de construcción no supere los
límites máximos establecidos por la reglamentación. Dichos Núcleos Básicos se
destinarán exclusivamente a atender situaciones de carencias habitacionales graves
que requieran proveer en forma urgente una solución habitacional inicial. Fuente:
Artículo 1°, Ley N° 16.237, de 2 de enero de 1992.
Art. 22. Entiéndese por Vivienda Confortable en relación a una familia,
aquella que superando uno o más de los límites establecidos para la Vivienda Media
cumpla con las siguientes condiciones:
A) Que su área habitable sea menor de sesenta y cinco metros cuadrados, en el
caso de necesitar un dormitorio, más veinticinco metros cuadrados por cada
dormitorio necesario adicional;
B) Que su valor de construcción no supere los límites máximos establecidos por la
reglamentación, que no excederán en más de 300% (trescientos por ciento) los
límites máximos establecidos en el artículo 22 para la Vivienda Económica.
Fuente: Artículo 27, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.
(Nota: el artículo 22 referido, corresponde al artículo 17 del presente Texto
Ordenado).
Art. 23. Entiéndese por Vivienda Suntuaria la que supere uno o más de los límites
establecidos para la Vivienda Confortable.
Fuente: Artículo 28, Ley N° 13.728 de 17 de diciembre de 1968.
Art. 24. El Poder Ejecutivo en los planes de vivienda, podrá introducir modificaciones
a estos límites o agregar especificaciones adicionales a las definiciones de los tipos,
documentando que los valores propuestos son compatibles con las necesidades,
con las metas físicas del plan y con la capacidad económica del país y de los
beneficiarios.
Fuente: Artículo 1°, Ley 16.237, de 2 de enero de 1992.
Art. 25. Sin perjuicio de lo mencionado anteriormente el Poder Ejecutivo podrá por
vía reglamentaria, ajustar límites distintos de “Valor de Construcción” válidos para
zonas del interior, cuando las diferencias en el costo de construcción así lo
justifiquen.
Fuente: Artículo 30, Ley N° 13.728, de 17 de diciembre de 1968.