Barreiras urbanas em cidades de fronteira: análise das cidades gêmeas Ponta Porã/ BR e Pedro Juan Caballero / PY (1)
Isabella Benini Lolli Ghetti* Resumo: As fronteiras brasileiras possuem uma extensão de 23.105 quilômetros, sendo que a faixa de fronteira corresponde a 27% do território nacional, abrangendo 588 municípios em 11 estados e uma população estimada em 10 milhões de habitantes. O Estado de Mato Grosso do Sul faz fronteira com 44 municípios, onde se encontra Ponta Porã, estudo de caso deste trabalho. Pretende-se apresentar o processo de desenvolvimento das cidades gêmeas Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai), analisando as alterações morfológicas na área de fronteira e a degradação da linha de divisa, compreendendo a questão fronteiriça. Pode-se afirmar que a história destas cidades e da fronteira divide-se em antes e depois da Guerra do Paraguai, que foi o conflito armado mais grave ocorrido no período de 1864 a 1870. Palavras-Chave: Fronteira; Urbanização; Barreiras Urbanas. __________________________________________________________ Introdução
A pesquisa aborda o processo de urbanização de cidades em localizações
especiais – fronteira - e os procedimentos de intervenção urbana nestas localizações. O
trabalho estuda, em uma visão integradora e comparativa, a partir das teorias e práticas
urbanísticas desenvolvidas no Brasil e em países latino-americanos, tal processo nas
cidades-gêmeas Ponta Porã, Brasil e Pedro Juan Caballero, Paraguai (2).
A partir da compreensão do desenvolvimento urbano, procura-se construir uma
visão daquela sociedade em sua complexidade com suas diferenças e contradições,
materializada nas várias formas de expressão sócio-cultural, trabalhando as noções de
matriz urbana e de identidade cultural em um contexto de fronteira, na perspectiva
abordada por Boaventura de Souza Santos em seus estudos sobre identidade e cultura de
fronteira.
Pela complexidade que as cidades de fronteira internacional representam para o
contexto do país, é abordada a questão das barreiras urbanas em cidades de fronteira.
Estudar o desenvolvimento de áreas fronteiriças, analisar suas alterações morfológicas e
* Universidade Presbiteriana Mackenzie – Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Arquitetura e Urbanismo.
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compreender o que as barreiras representam para o desenvolvimento dessas regiões, são
as questões bases da pesquisa.
Justificativa
As fronteiras brasileiras possuem uma extensão de 23.105 quilômetros: sendo
15.735 quilômetros de fronteiras terrestres e 7.367 quilômetros de fronteiras marítimas,
segundo Torrecilha (3). O Brasil é o país da América do Sul que mais possui vizinhos,
fazendo fronteira com 10 países. De acordo com o Programa de Desenvolvimento da
Faixa de Fronteira (Ministério da Integração, 2005), a faixa de fronteira brasileira
corresponde a 27% do território nacional, abrangendo 588 municípios em 11 estados e
uma população estimada em 10 milhões de habitantes.
Faixa de Fronteira dos municípios brasileiros Fonte: Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - Ministério da Integração (2005).
O Estado de Mato Grosso do Sul faz fronteira com 44 municípios. Além de fazer
fronteira com a Bolívia, com as cidades de Corumbá (Brasil) e Porto Soares (Bolívia),
faz divisa com o Paraguai, sendo com este país a maior extensão de fronteira. Apenas
três municípios do estado fazem contato contíguo, ou seja, direto com o outro país:
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Coronel Sapucaia (Brasil) e Capitão Bado (Paraguai), Paranhos (Brasil) e Ipê-Juhi
(Paraguai) e Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai), além do distrito da
cidade de Ponta Porã, Sanga Puitan, que faz contato direto com o distrito paraguaio de Pedro Juan
Caballero, Sanga Puitã.
A escolha do tema, contudo, não está apenas vinculada ao desenho urbano
peculiar das cidades de fronteira de Mato Grosso do Sul, e sim ao processo histórico de
formação das fronteiras internacionais latino-americanas, abrangendo sua história,
cultura, sociedade e relações trans-fronteiriças. Descobrir a existência de uma forma
comum de organizar espacialmente cidades que se encontram em localizações especiais
– fronteiras – é um dos pressupostos que sustentam esta pesquisa. A este respeito faz-se
uso das palavras de Carlos Guilherme Mota (4) para explicar a importância do tema:
O fato é que hoje, com novas perspectivas sobre tais processos
históricos, detectam-se formas matriciais de organização do espaço,
tanto da cidade, quanto das formas de construir e habitar, que sugerem a
existência de uma forma comum ibérica. Seus desdobramentos na
América, como encontro de outras civilizações em tempos distintos,
lançam novos desafios aos estudiosos das identidades, sobretudo
quando se adotam métodos e técnicas inovadoras da Historia Urbana
Comparada.
A pesquisa procura oferecer uma visão do processo de construção da cidade nos
territórios estudados e da sua organização territorial e político-administrativa, a partir do
entendimento da sociedade e das suas relações de poder, procurando oferecer uma
compreensão histórica da organização espacial e estruturações urbanas, identificando
possíveis semelhanças, disparidades, regularidades e rupturas, em especial no que se
refere às matrizes hispânicas e lusas das cidades coloniais e aos modelos culturais
subjacentes. Como se sabe, nesse aspecto a regularidade ortogonal explícita da
colonização espanhola, que é o caso tanto de Ponta Porã como de Pedro Juan,
contrapõe-se com as estruturas de malhas menos regulares das cidades de origem
portuguesa, implantadas muitas vezes em sítios com topografia acidentada.
O trabalho tem como alicerce, contudo, as contribuições de pesquisadores não só
arquitetos, como também historiadores, geógrafos e sociólogos, cada qual em sua
atribuição: Para a concepção histórica da pesquisa utiliza-se de Holanda (1986) O
Extremo Oeste; Holanda (1990) Monções; Holanda (1994) Caminhos e Fronteiras; Reis
Filho (1968) Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil: 1500-1720; Santos
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(1993) A urbanização brasileira. A respeito dos estudos de cidades latino-americanas
tomamos como base as contribuições de Mota (2005) A cidade iberoamericana: Temas,
problemas, historiografia; Romero (2004) América Latina – As cidades e as idéias;
Richard Morse (2000) O Espelho de Próspero: Cultura e Idéias nas Américas. Poucos
foram os autores, entretanto, que procuraram estabelecer uma compreensão comparada
e totalizante da questão, como o fizeram Holanda (1978) Raízes do Brasil, Gutiérrez
(1997) Arquitectura e Urbanismo em Iberoamerica e Hardoy (1969) El proceso de
urbanización en America Latina desde sus origenes hasta nuestros dias.
Definir alguns dos principais conceitos que permeiam a pesquisa é também de
extrema importância para melhor compreensão do trabalho. Segundo Carlos Guilherme
Mota (2002, p. 03) “conceitos de cidade, matriz urbana, urbanismo, urbanização, cultura
urbana, urbanidade, cidadania transitam no campo da inter e transdiciplinaridade”,
fazendo-se necessário, portanto, alguns esclarecimentos que mais tarde serão aqui
abordados.
Alguns conceitos são menos abrangentes que outros, como explica Nestor
Goulart Reis Filho (5) a respeito da palavra cidade. Para ele “quando falamos em
cidades estamos apenas nos referindo aos aspectos físicos, materiais do espaço. Quando
queremos incluir a dimensão social devemos usar o conceito de urbano”. E acrescenta:
“a contrapartida de cidade é campo, a de urbano é rural”.
Para compreensão do significado de barreiras no desenho urbano, utiliza-se de
conceitos como os empregados por Flavio Villaça (1998), que analisa o termo barreira
em situações distintas, analisando as barreiras que caracterizam o crescimento de
metrópoles brasileiras, e por Kevin Lynch (1997), que explica a questão da imagem que
essas barreiras representam para a cidade.
Além dos trabalhos já citados, estudos de fronteira são imprescindíveis para a
elaboração da pesquisa. Nessa linha encontram-se análises como as de Machado (1998),
Sistemas de Estados e Limites Internacionais; Ministério da Integração (2005)
Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira e Martín (1997) Fronteiras e
Nações.
Sobre o conceito de fronteira, a palavra origina-se do latim frons ou frontis, que
significa frente, frontaria, face de uma coisa (Torrinha, 1942, apud TORRECILHA
2004, p. 349). Segundo a geógrafa Lia Machado (1998), a palavra fronteira significa
aquilo que está na frente, está orientada “para fora” (forças centrífugas). Ressaltando o
caráter histórico do conceito, a autora afirma que, em sua origem, a palavra fronteira
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não estava associada a nenhum conceito legal e que não era um conceito político ou
intelectual. Nasceu como um fenômeno da vida social espontânea, indicando a margem
do mundo habitado. Mesmo com o desenvolvimento das civilizações a palavra não tinha
a conotação de uma área ou zona que marcasse o limite definido ou fim de uma unidade
política. Não marcava, portanto, o fim, mas o começo do Estado.
Apesar de muitas vezes considerados como sinônimos, os termos limite e
fronteira possuem diferenças essenciais. Ainda segundo a geógrafa Lia Machado
(1998) a palavra limite designa aquilo que mantém coesa uma unidade político-
territorial, ou seja, sua ligação interna. A autora afirma que enquanto a fronteira está
orientada “para fora”, os limites estão orientados “para dentro” (forças centrípetas). A
fronteira é considerada uma fonte de perigo ou ameaça porque pode desenvolver
interesses distintos aos do governo central. Para a geógrafa, o limite não tem vida
própria e nem mesmo existência material, é um polígono. O chamado “marco de
fronteira” é um símbolo visual do limite. Enquanto a fronteira pode ser um fator de
integração, o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas soberanas e
permanece como um obstáculo fixo.
Analisando os conceitos de fronteira e limite, Martin (1997) afirma que a
identificação entre eles decorre provavelmente da mobilidade e imprecisão cartográfica
que na maior parte do tempo acompanhou o desenvolvimento das sociedades. Para o
autor (op. cit, p. 47):
Hoje, o limite é reconhecido como linha, e não pode, portanto ser
habitada, ao contrário de fronteira que, ocupando uma faixa constitui
uma zona, muitas vezes bastante povoada onde os habitantes de Estados
vizinhos podem desenvolver intenso intercâmbio, em particular sob a
forma de contrabando.
O autor lembra ainda das diferenças de cotidiano vividos de um lado e de outro
de um limite. Embora os dois lados do limite de uma região fronteiriça possam possuir
estilos de vida semelhantes, a presença do Estado impõe distinções marcantes, o que
contribui para um choque entre o “direito de ir e vir” e o intercâmbio com os vizinhos.
Kevin Lynch (1997) analisando três cidades norte-americanas, Boston, Los
Angeles e Jersey City, abordou os elementos vias, limites, bairros, pontos nodais e
marcos para explanar sobre a imagem das cidades. Para o urbanista, os limites são os
elementos lineares que não são usados ou entendidos com via pelo observador. São as
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fronteiras entre duas faces, quebras de continuidade lineares: praias, margens de rios,
lagos, etc., cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. São referências
laterais, mais que eixos coordenados. Para ele, esses limites podem ser barreiras mais ou
menos penetráveis que separam uma região de outra, mas também podem ser costuras,
linhas ao longo das quais duas regiões se relacionam e se encontram.
O geógrafo André Roberto Martin (1997) acrescenta ainda mais um elemento
com certa semelhança aos dois termos aqui abordados, trata-se da divisa, isto é, o
aspecto visível do limite. Afirma que a divisa é o limite que se apóia geralmente em
cursos de água, cristas montanhosas, coordenadas geográficas ou outras linhas
geodésicas.
Já as pesquisas sobre as cidades-gêmeas estudadas (Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero) restringem-se principalmente a Torrecilha (2004) A Fronteira, as cidades e a
linha e o trabalho elaborado pelo Grupo de Pesquisa Retis, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, para o Ministério da Integração (2005) Programa de Desenvolvimento
da Faixa de Fronteira.
As Barreiras
Quando se diz que um determinado local de uma cidade
é uma barreira física para seu desenvolvimento, refere-se ao arranjo espacial do
crescimento, não atribuindo a causa de um crescimento desordenado ao local em
específico, e sim na organização espacial que a cidade seguiu a partir da locação deste
espaço (seja ele um parque, uma via, uma ferrovia ou uma área de preservação).
Para explicar a questão das barreiras para o desenvolvimento das cidades,
Villaça (1998) mostra sínteses das estruturas intra-urbanas de algumas metrópoles
brasileiras (Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte) e
destaca alguns pontos em cada uma delas. No caso de São Paulo a cidade possui uma
barreira vale-ferrovia que a define, tendo o centro da cidade como referência: o “lado de
lá” (oposto ao centro) e o “lado de cá” (onde está o centro). A barreira divide o espaço
urbano em duas partes distintas, que tem custos e tempos de deslocamento ao centro
diferenciados. Define-se então, um lado do espaço urbano mais vantajoso que o outro,
do ponto de vista da acessibilidade ao centro.
É comum que exista uma maior concentração de pessoas em torno do centro da
cidade uma vez que é o local que concentra a maior diversidade de usos. A respeito
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disso, Jacobs (2001, p. 222) explica que “se não houvesse tal concentração, não haveria
centro urbano que se prezasse - certamente não com a diversidade típica dos centros”.
Segundo Jacobs (2001), uma cidade precisa ter diversidade para então obter
vitalidade, sendo assim, pode-se pensar que uma barreira física que impede a expansão
de uma cidade, impede, consequentemente, que aconteça a diversidade do espaço.
Jacobs explica que para um determinado espaço da cidade ter diversidade, ele precisa
obter usos principais combinados, ou seja, diversas formas de habitação, comércio e
serviços em um mesmo espaço, ter necessidade de concentração (concentração
suficientemente alta de pessoas, seja quais forem seus propósitos), além da necessidade
de ruas cortando grandes espaços, ou seja, quadras curtas que propiciem oportunidade
de se virar esquinas frequentemente.
Percebe-se que o sentido de expansão das cidades está intimamente relacionado
com as barreiras e interesses de consumo da população. As barreiras determinam o
sentido de expansão do espaço urbano, forçam contornos, fluxo e direção, assim como
as ações dos conflitos de classes que vão em busca das vantagens e desvantagens do
espaço urbano.
As cidades de fronteira possuem grande complexidade em relação às suas
barreiras, uma vez que para dividir uma cidade da outra, ou seja, um país do outro,
existe a necessidade de um limite. Esse limite é entendido como uma barreira de
crescimento para os dois lados. Essa barreira (divisa) muitas vezes pode ser geradora de
um mau crescimento urbano, uma vez que bloqueia a expansão do crescimento do
município em algum de seus sentidos, não podendo mais se expandir para todos os
lados. O modelo de Burgess (1967, apud VILLAÇA, 1998), mostra as possibilidades de
crescimento de cidades em círculos concêntricos, onde a cidade pode se expandir em
90°, 180° ou 360°. Nota-se que as cidades de fronteira - seca (que fazem contato direto
com o país vizinho) não podem crescer para todos os lados uma vez que a própria
barreira que as separam, são um impedimento de expansão.
Estudo de caso – as cidades gêmeas Ponta Porá / Pedro Juan Caballero
Ponta Porã faz fronteira seca por meio de uma linha de quase 14 quilômetros de
extensão na área urbana com a cidade paraguaia Pedro Juan Caballero.
Pode-se afirmar que a história das cidades e da fronteira dividiu-se em antes e
depois da Guerra do Paraguai, o conflito armado mais grave ocorrido na América Latina
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no período de 1864 a 1870. Os impactos desta guerra foram mais drásticos para o
Paraguai, pois grande parte da população, principalmente masculina, morreu. Após a
Guerra, o território paraguaio, segundo Bethell (1995), foi reduzido em 40%. Com isso,
inicia-se um novo período de desenvolvimento para o território brasileiro, pois começa
a exploração da erva-mate nativa. Ponta Porã surge, então, em 1895 para facilitar o
escoamento da produção da erva-mate. Pedro Juan, por sua vez, surge um pouco antes,
próximo a uma lagoa onde os carreteiros descansavam.
O comércio teve um papel importante de ligação na formação das duas cidades,
uma vez que estas nasceram com a mesma atividade econômica. Possuem juntas
aproximadamente 120 mil habitantes e os primeiros sinais de povoamento datam do ano
de 1862, trinta anos após o desbravamento da região. A linha de fronteira tornou-se um
ponto por onde começa o crescimento de forma linear e contígua das duas cidades.
Esta linha que separa Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é uma faixa central
entre as duas cidades que possui em sua parte central 50 metros de largura (25 metros de
cada cidade), podendo variar ao longo de sua extensão, e representa o limite
internacional. Sua extensão é de 13.800 metros dentro do perímetro urbano, definindo
um eixo longitudinal.
Uma das primeiras hipóteses desta pesquisa é a de que existam peculiaridades
estruturais no processo de urbanização de cidades de fronteira, principalmente nas que
se encontram em condição de cidades-gêmeas.
De acordo com o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - PDFF -
(2005), três aspectos devem ser ressaltados na geografia das cidades-gêmeas na
fronteira brasileira. O primeiro é que a posição estratégica em relação às linhas de
comunicação terrestre e a existência de infra-estrutura de articulação, embora possam
explicar a emergência de muitas cidades-gêmeas, nem sempre garantem o crescimento e
a simetria urbana das cidades, muitas vezes reduzindo-se a meros povoados locais ou a
cidades de tamanho urbanos muito diferentes. É o caso de Corumbá-MS (sub-região do
Pantanal) e Puerto Suárez (BO), a primeira quase cinco vezes maior do que a última,
apesar da fronteira seca.
Tais assimetrias, segundo o Programa (2005), são interessantes por indicar, além
de diferenças de grau de desenvolvimento econômico dos países, tipos diferentes de
economia regional, e dinâmicas distintas de povoamento fronteiriço. Inserções mais
favoráveis no espaço-rede nacional, condições geoambientais desfavoráveis ao
povoamento, ausência de infra-estrutura de articulação entre as aglomerações vizinhas,
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relações políticas entre as unidades administrativas locais e o governo central são outros
fatores que influem sobre a evolução urbana das cidades fronteiriças.
O segundo aspecto, em parte resultante do anterior, é que a disposição
geográfica das cidades e seu tamanho urbano devem muito à ação intencional de
agentes institucionais (unidades militares, eclesiásticas, jurídico-administrativas). O
terceiro aspecto a ser destacado na geografia das cidades-gêmeas é, segundo o PDFF, a
disjunção entre o tipo de interação predominante na linha de fronteira e o tipo de
interação que caracteriza a cidade-gêmea nela localizada.
Mapa das municipalidades de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã Fonte: TORRECILHA (2004).
Diferente de outras cidades brasileiras, em Ponta Porã a linha de fronteira define
o centro comercial, o qual é de fácil acesso para a maioria da população. Entretanto, a
área no município ocasiona outra barreira física, o 11º RC MEC, que se localiza
próximo ao centro comercial da cidade e, por sua extensa área, bloqueia o acesso dos
bairros mais afastados ao centro. É um espaço subutilizado e representa uma barreira
física para o crescimento da cidade. A linha de divisa também indica uma barreira para
o município, mas ela é, ao mesmo tempo, uma barreira psicológica e física, pois além de
representar um local de circulação da população é o limite físico do país.
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Linha de divisa entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero Linha de divisa entre Ponta Porá e Pedro Juan Caballero Fonte: arquivo pessoal (2004) Fonte: arquivo pessoal (2004)
Além da extensa área militar e da Linha de fronteira, existem outras barreiras
muito significativas na cidade, como o aeroporto internacional que também dificulta o
sentido de desenvolvimento urbano da cidade. Assim como ocorre com o quartel, o
aeroporto representa um espaço que impede o fluxo de pessoas e automóveis no sentido
bairro-centro, forçando um contorno, inclusive de expansão urbana.
Imagem aérea dos dois municípios - localização das barreiras. Fonte: Elaborado a partir de imagens do Programa Google Earth.
Considerações Finais
Parece haver íntima relação entre a localização da área do exército e o sentido da
expansão da cidade. O quartel provoca o crescimento descontínuo e desordenado de
Ponta Porã, uma vez que se localiza no centro da cidade, provocando um desvio no
sentido de expansão, inclusive do trânsito. A área do quartel funciona então como uma
barreira que define lados distintos da cidade, tendo como referência o centro.
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A área militar de Ponta Porã dificulta o processo de vitalidade da cidade, uma
vez que, por ser uma grande área institucional vazia, não permite ocupação, dificultando
a diversidade de uso do espaço, que, como foi dito, segundo Jacobs (2001) é essencial
para o pleno desenvolvimento da cidade.
Percebe-se que o crescimento de Ponta Porã no sentido da linha divisória
(sentido norte-sul, oposto à localização do quartel) está intimamente relacionado com a
localização do comércio, que se concentra na região da linha e define o centro urbano da
cidade. Relaciona-se à questão da concentração do comércio nesta região a valorização
da terra urbana, uma vez que o preço da terra é mais valorizado nesta região da cidade.
Segundo Villaça (1998) todo espaço urbano é produzido, assim como o espaço
social. Para o autor o espaço urbano é produzido pelo trabalho social despendido na
produção de algo útil. Logo, esse trabalho produz um valor. Sendo assim, o produto do
trabalho gerado na região central de Ponta Porã é o crescimento do comércio, o qual
gera a valorização da terra urbana naquele local. Considera-se então o valor dos
produtos em si (edificações, ruas, infra-estrutura) e o valor produzido pela aglomeração
(dado pela concentração do comércio).
A barreira quartel divide a cidade em lados distintos, onde tanto a infra-estrutura
como a renda dos moradores é diferenciada. O lado onde está o centro, por ser mais
vantajoso, tende a abrigar a população de maior renda. O lado oposto ao centro, por
ficar fora de mão, não comporta bairros de alta renda, como ocorre em Belo Horizonte,
onde a região da Pampulha, segundo Villaça (1998) não se desenvolveu na região
oposta ao centro.
Planta Urbana de Ponta Porã - localização do centro comercial.
Fonte: Elaborado a partir de imagens da Prefeitura Municipal de Ponta Porã
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Notas
1 Por ser uma pesquisa de mestrado, este trabalho encontra-se em processo de desenvolvimento, uma vez que teve início em fevereiro deste ano, 2006, e terá dois anos de duração. Apresenta-se aqui uma etapa da pesquisa que fará parte da dissertação. Algumas hipóteses já foram, contudo, levantadas, podendo ainda o trabalho ser expandido e melhor desenvolvido.
2 Por cidades-gêmeas entende-se cidades em contato direto.
3 Maria Lúcia Torrecilha é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, especialista nos cursos de Metodologia, Projetos de Desenvolvimento Municipal e Urbano e Formação de Políticas Ambientais e Urbanas. Autora do livro: A Fronteira, as Cidades e a Linha, Uniderp, 2004.
4 MOTA, Carlos Guilherme. A Cidade Ibero-Americana: O Espaço Urbano Brasileiro e Hispano-Americano em Perspectiva Comparada [Anotações Preliminares]. Texto do Seminário resultante da cooperação entre a Universidade de Salamanca e a Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2002, p. 07.
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