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ARTE, CIÊNCIA E INFORMAÇÃO: A Produção estética do
conhecimento na obra BIOPAISAGEM de Ladjane Bandeira
RESUMO
A memória de produções artísticas, encontrada em registros documentais, demonstra eamplia estudos de compositores ou autores, a exemplo do pintor e cientista italiano Leonardo daVinci. Obras que foram criadas e produzidas com excelência técnica revelam tendências culturais deépoca, descobertas científicas e tecnológicas, que influenciaram pensamentos e idéias. Por meio deum acervo cultural, é possível reunir um corpus-informacional baseado em áreas específicas doconhecimento humano. Neste sentido, a pintura da brasileira Ladjane Bandeira, com base na obraBiopaisagem, servirá de modelo Semiótico-Informacional para compor um “mapa mental” preliminarde acesso e recuperação da informação cultural.
Palavras-chave: Ladjane Bandeira, Ciência da Informação, Biopaisagem
ABSTRACT
The memory of artistic creations, found in document records, shows and enlarges the works of somecomposers and authors, such as the Italian Renaissance painter and scientist Leonardo da Vinci. Hissignificant works, created and produced with technical excellence, introduce us into cultural, scientific,and technological zeitgeist that influenced thoughts and ideas since then. Through a considerablecultural collection, it is possible to gather an informational corpus based on specific areas of humanknowledge. From this point of view, the Brazilian artist Ladjane Bandeira’s painting works, seen in herBiopaisagem project, will be a Semiotic-Informational model to arrange a preliminary mind map inorder to access and retrieve cultural information
Keywords: Ladjane Bandeira,Information science, Biopaisagem
Grupo temático: GT7 - Informação, Memória e Patrimônio
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ARTE, CIÊNCIAE INFORMAÇÃO: A Produção do conhecimento na obra
BIOPAISAGEM de Ladjane Bandeira
I - INTRODUÇÃO
Nas artes plásticas muitas obras foram produzidas com primor, tanto pelas
técnicas empregadas como pela criatividade dos autores. Alguns pintores, do alto de
seus virtuosismos estéticos, valeram-se para revelar muito de seus estudos e
descobertas da cultura de épocas históricas com os saberes vigentes, as ciências e
as tecnologias que influenciaram pensamentos e as idéias, até mesmo os impactos
advindos dos debates sobre as implicações sociais destes valores
(OSTROWER,1978). A obra artística, em sua forma e conteúdo como fonte de
pesquisa pode constituir-se num corpus de informação 1 que, do ponto de vista da
análise de conteúdo, oferece valiosa base para identificar escopos, postulados e a
construção de seu arcabouço teórico. Tal constituição permite investigar aspectos e
elementos de áreas do conhecimento visíveis na obra, pela identificação de signos
pictoricamente interpretantes, que se mostram como resultante da experiência
estética da criação.
Assim, o uso subjetivo da arte é como via expressa para um exercício de
possibilidades mentais às interpretações racionais de dados. Nesse sentido,
Leonardo da Vinci, Picasso, e outros, sob o fascínio do domínio do conhecimento,
trilharam o desafio de unir a ciência e a arte em suas obras (BÉRENCE,1974;
MILLER, 2006).
Na Biopaisagem da pernambucana Ladjane Bandeira, obra concebida pela
artista entre os anos 60 a 80, do século passado, um elaborado complexo teórico-
artístico-literário persegue esta mesma trilha. De característica multidisciplinar e
inter-relacional entre os três elementos que a compõem: um compêndio teórico, umasérie de quadros (dividida em duas sub-séries) e um conjunto literário ficcional, a
obra é de uma fecunda plasticidade em consonância a uma postura estética
filosófica, em forte união com o espírito científico do final do século XX. De intenso
magnetismo e potencialidades múltiplas, especialmente sobre os mistérios da
1 Do latim Corpus , emprestado das concepções filosóficas de Berkeley e Hume (apud ABBAGNO,1982), são “representações", "percepções", "ideias", ou complexos de tais coisas.
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Natureza Humana, é a realização de um sonho durante muito tempo acalentado por
Ladjane de promover a união da Ciência e da Filosofia através da Arte. Inclui um
complexo de imagens, textos e reflexões teóricas que, no conjunto, revela o
repertório intelectual multidisciplinar de uma artista que sentia Ciência e pensava
Arte. Seus quadros e textos traduzem uma peculiar visão de mundo marcada por um
visionarismo interpretativo e especulativo que faz convergir o real, o imaginário e osimbólico numa dimensão simultaneamente telúrica e cosmogônica, em imagens
que exploram desde o mais minucioso figurativismo até o mais sintético
abstracionismo. (LYRA, 2007)
Os esforços preliminares de investigação visando a uma organização
consistente para a Biopaisagem , conduzem a um diálogo entre a Arte que a
compõe, e a existência de uma produção estética para o conhecimento.
II - Herança Cultural em Ladjane: Breve perfil biográfico
Maria Ladjane Bandeira de Lira nasceu em Nazaré da Mata, Pernambuco em
5 de junho de 1927 e faleceu no Recife, em 24 de março de 1999. Em 1948, mudou-
se para o Recife, onde, notadamente, no período de 1950 a 1980, desenvolveu
intensa atividade: relacionada à criação intelectual e artística, como desenho,
pintura, gravura; além de uma produção bastante diversificada de textos, envolvendogêneros como teatro, romance, ficção e poesias. À época da produção de sua
Biopaisagem , Ladjane, figura pública e intensamente atuante no meio cultural,
buscou um mergulho introspectivo até então inusitado, afastando-se da vida social e
dedicando-se, ao longo de 10 anos, a profundos estudos para a criação desta obra,
ainda desconhecida do grande público, sobretudo dos mais jovens. O seu legado,
como importante figura feminina na construção do acervo cultural da História da Arte
em Pernambuco, ainda aguarda, por essa razão, o seu devido reconhecimento.
(LYRA,2007; CLAUDIO,1978; PONTUAL,1979).
Considerando a produção de suas últimas quatro décadas (1950-1990),
Ladjane possui obra variada e extensa, consequência de sua intensa e total
dedicação ao fazer artístico, reconhecido, em 1981, quando eleita com “Medalha de
Ouro” pela Academia Itália de Artes e Ofícios, em Parma, na Itália. A artista detém
ainda diversos prêmios e medalhas, além de concursos instituídos em sua
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homenagem, seus trabalhos encontram-se em vários museus e coleções
particulares no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e em Israel, sendo também
citada em várias publicações nacionais e internacionais. (LYRA,2007)
III – Biopaisagem: Produção estética do conhecimento em Ladjane Bandeira
Um modo de ver o mundo e de julgá-lo é oferecido pela Arte, que se interliga
à estrutura social, mediada pela sensibilidade humana. A significação do objeto
estético não se restringe apenas a referenciar “acontecimentos do mundo”, mas
caminhos outros que experimentações subjetivas. Contudo, sob a ótica de uma
relação arte-ciência, as experiências se ampliam em virtude das oportunidades de
revisitações à realidade, amparadas pelos aperfeiçoamentos tecnológicos e
descobertas científicas desdobradas em novos conhecimentos (CAMPOS,1992;
SANTAELLA,2003). Ladjane testemunhou as mudanças e alterações do ambiente
social propiciadas pelo excesso de informações na segunda metade do século XX.
Presenciou os conflitos que marcaram o período de transição da Arte Moderna para
a Arte Contemporânea, acompanhando o surgimento dos novos valores da Filosofia
da Ciência, tão próximos da chegada do terceiro milênio, com suas dúvidas e
temores surgidos das revoluções científicas desde a era pós-industrial.
(KUMAR,2006).
De fato, sob o diálogo pictórico existente em uma das séries de quadros da
Biopaisagem, este caráter de inquietude social provocada pela ciência e pelas
mudanças na estrutura geral do pensamento humano em determinadas épocas,
torna-se visível. (BERNAL, 1997).
Os perfis coloridos de Ladjane e as pinturas aludem à época do
Renascimento, “[...]da arte que se concebeu pelo “conhecimento”, inserida como
visão ora da realidade sensível, ora de uma realidade metafísica superior, maisverdadeira, ou de uma realidade espiritual mais íntima profunda e emblemática.“(
PAREYSON 1984, p-29-33, apud FREAUYZE-PEREIRA,1994).
O CONHECIMENTO sobre a natureza e a relação cosmológica do Homem do
Renascimento estão na obra de Ladjane, nas figuras das mulheres-deusas de
corpos metamorfoseados.Tornadas visíveis e compreensíveis por meio de ações
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transformadoras sobre a vida no final do século XX. Isto quer dizer que a unidade
orgânica de toda a vida na terra, a partir da evolução de Darwin2, se desenrola
desde as bactérias das plantas até os seres humanos. A origem da vida e a sua
relação micro e macrocósmica, à semelhança da origem dos planetas, estrelas e
galáxias, e das estruturas citológicas do corpo humano são demonstradas na
Biopaisagem . Uma síntese da Natureza, que se oferece à compreensão pelaconvergência de várias áreas das ciências. (ALMEIDA,2010)
Biopaisagem : Conjunto artístico
Através de diferentes linguagens que coexistem em torno de um mesmo
corpus informacional, científico e filosófico, adquirido durante anos de estudos,
Ladjane Bandeira formulou as bases do que denominou de pensamento
Biopaisagístico . Trata-se de um conjunto teórico organizado, o qual defende e
documenta a tese que inspira sua criação, composta por dois conjuntos plásticos, ou
seja, uma série colorida e uma série em preto e branco, mais um conjunto de textos
literários.
A obra Biopaisagem traz para as suas composições pictóricas, em sintonia
intersemiótica com o conjunto teórico e o conjunto de textos literários, elementos
extraídos de diversas áreas como a física, química, genética, biologia, astronomia,
psicologia e matemática. (LYRA, 2007)
Primeiro conjunto: A Teoria Documental
Ladjane Bandeira elaborou uma tese sobre sua criação artística que elenca
enunciados extraídos de textos científicos e os desenvolve através de reflexões
críticas que conduzem a conclusões importantes para o entendimento de sua obra.
Neste sentido articulou conceitos e concepções resultantes em investigação emdiferentes áreas de conhecimento: ciências da mente e do cérebro, cosmologia,
ecologia, matemática, biologia molecular, mecânica quântica, evolucionismo, física,
ciências da informação, religião, cultura,. Com isso buscava atestar a ampla
diversidade de interesses da Sociedade à época e os seus próprios para a
2 DARWIN, C. A origem das espécies . Tradução de Eduardo Fonseca. Rio de Janeiro: TecnoprintS.A., 1987. 387 p. Título original: On the origin of species
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composição da Biopaisagem . Em defesa dos argumentos para a sua tese são
citadas as contribuições de autores como Platão, Descartes, Spinoza, Kant, Fichte,
Hegel, Max Nordau, Pascal, Parmênides, Tomás de Aquino, George Lemaître,
Newton, Carl Jung, George Berkeley, Einstein, Heidegger, entre outros.
(LADJANE,1979).
O Pensamento Biopaisagístico de Ladjane Bandeira consiste em umaespeculação sobre a evolução do conhecimento que transforma a humanidade, com
o auxílio da ciência e da tecnologia para reintegrar o ser à organicidade da natureza
circundante. Na fusão homem-paisagem proposta pela teoria da autora, decodificar
o mundo, reconfigurando a si próprio e à idéia do universo é o objetivo a ser
atingido. (LADJANE, 1979).
Em suas páginas originais encontra-se uma reflexão sobre a necessidade de
se reformular a presente condição humana, em direção ao que Ladjane denomina a
condição do ser intelorgânico 3:a espécie homem-conhecimento. Um homem que só
existe compreendendo, que se sabe sujeito às modificações ambientais e à
circulação de matéria cósmica e inteligente, que, pelos avanços tecnológicos,
desenvolve reflexões pós-humanistas em campos investigativos como os da
Genética, da Inteligência Artificial, da Robótica, da Nanotecnologia e da Ciência da
Informação. (SANTAELLA,2009; SIBILIA,2002).
Segundo conjunto: Suíte colorida, a “metamorfose humano-vegetal”
Relacionado às ciências humanas, o contexto do primeiro conjunto pictórico
da Biopaisagem , a série intitulada “A Metamorfose Humano-Vegetal”, contextualiza o
destino do homem associado às forças da natureza. Uma força tomada como
manifestação de um Absoluto, de um “Princípio Criador”, representada pela árvore, o
símbolo universal mais presente em todas as mitologias, tradições, religiões e
civilizações proto-históricas, que manifesta este poder através de lendas, contos emitos das mais diversas culturas. (ABBAGNO,2009; CHEVALIER,1991). A análise
das obras que compõem essa primeira série compreendem quatro “cabeças” e oito
3 A palavra “INTELORGÂNICO” compõe-se dos vocábulos em latim in-telos-organon : in significadentro ; telos , que tem um fim, uma direção, uma finalidade , e organon , uma estrutura, um organismo . “Todas as coisas”, segundo Ladjane, “parecem ter uma intenção probatória,especialmente a vida: a de provar que ela pode existir, apesar de tudo, e evoluir inteligentemente”(Teoria Intelorgânica, Ladjane, 1980, p.12, manuscritos não publicados).
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“mulheres” em diferentes processos de metamorfose que se apresentam em colorido
vivo, rico em nuanças e jogos de claro-escuro sob atmosfera onírica e simbólica em
comoção.
Nessas obras, Ladjane utiliza-se da alegoria da árvore como um sistema
cosmológico unificador da existência em vários níveis que evoca os poderes da
natureza e forças visíveis e invisíveis do Universo. Como nas histórias primitivasregistradas nas culturas de diversas sociedades antigas, a interpretação
antropomórfica da árvore comparece para lembrar o desejo de incorporação do
humano às forças divinas da natureza, relativas à fertilidade, à regeneração e à
permanência na Sociedade. (PONTES,1998; CHEVALIER,1991).
Percebe-se, nesses elementos pictóricos, a representação de um gradual
entrosamento dos corpos humanos aos troncos arbóreos, evocando uma circulação
contínua da seiva do conhecimento à seiva vital e orgânica da natureza, levando a
um intercâmbio dos fluxos que asseguram a manutenção da vida. A árvore do
conhecimento representa, aqui, o poder cíclico e regenerativo, a contínua
fecundação de novos saberes apropriados pela espécie humana.
As mulheres-troncos, conciliações ao arquetipo Axis Mundi , árvore-eixo do
mundo, do saber e da verdade, têm na figura feminina a atribuição dos poderes da
riqueza energética vital, da gestação e da fecundidade. Havendo também alusão ao
esoterismo hebraico-cristão do Gênesis bíblico da Árvore da Eternidade pelo
movimento do pensamento que não cessa de se construir e de construir o Universo (
CHEVALIER,1991). Renascimento, regeneração cósmica, prefiguração do
amadurecimento evolutivo do indivíduo e a sua comunicação terra-céu emergem de
um vasto universo simbólico que se compara ao paradigma do tempo de ciclos e
ritmos renováveis e aos desejos de ascensão, verticalidade e transcendência.
Daí surge uma inquietante questão: O que poderia ser imaginário e simbólico
nas mitologias primitivas? Como incorporar os poderes e os conhecimentos
advindos da natureza ao frágil corpo humano?O que quer que tenha sido imaginado transcende o simbólico mito à concreta
realidade do século XXI, em evidências nas intervenções e manipulações genéticas
da biologia molecular, que viabilizam transformações orgânicas: o homem não mais
é uma criatura passiva observadora da paisagem. Agora é o criador, transforma a
paisagem, sendo também por ela transformado. A contemplação da Natureza é um
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estado conciliatório entre comunhão e comunicação. Condição que Ladjane explora
de forma intertextual ora com a suíte colorida ora com a suíte em preto e branco, em
signos interdisciplinarizantes.
Terceiro conjunto: Suíte preto e branco, a “Transformação da Natureza
em conhecimento”
O conjunto A Transformação da Natureza em Conhecimento elabora-se num
estilo completamente oposto ao do intenso cromatismo que marca a série anterior
da temática mitológica da árvore da vida e de mulheres-troncos. São doze obras em
preto e branco, pintadas a bico de pena, que dissertam sobre o novo panorama domundo tecnologizado.
As representações das figuras das “quatro cabeças”, únicas e em pares
superpostas, ilustram, de modo visionário e crítico, o advento de um ser híbrido,
“pós-humano”, já promovido ao patamar “intelorgânico” proposto por Ladjane para o
“homem-conhecimento”. Nesses perfis, vê-se o humano em transformação
Fig. 1 – Exemplos de quadros em óleo sobre tela, encontrado na suíte colorida.
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amparada pelo desenvolvimento das ciências e da tecnologia. No âmbito do
intelorgânico, não há mais fronteiras entre os corpos; a matéria pode ser moldada.
O processo necessário à transformação do Intelorgânico aparece, neste
conjunto, em dois dípticos, um tríptico e um quadro individual. As acepções
conceituais executadas pela mente humana sobre informações captadas a partir dos
saberes do mundo, pela via da ciência, da cultura, da filosofia, da religião, dalinguagem, parecem converter-se em estranhas figuras que compõem esses
quadros. São representações antropomórficas do conhecimento adquirido e
aperfeiçoado pela mente sobre as estruturas primárias da natureza. Em seu
Pensamento Biopaisagístico , Ladjane defende um dialogismo profundo entre as
informações naturais e as informações intelectuais:
Não está somente no cérebro o poder de conhecimento e dopensamento. E também, não sendo somente no cérebro, o poder deinterceptar, interpretar e comunicar-se. Todos os pensamentosserão captáveis até que todos sejam pensamento-em-si, não sendomais necessário fabricar pensamentos. [...].4
No interior das figuras dessa série há uma miríade de detalhes
microscopicamente compostos, constituindo o que a autora considerava um
“Universo Biopaisagístico”. São Biogaláxias, Cosmobióticas, Biomódulos e Pan-
spermáticas : imagens em amplexo abissal, perfis humanos em transformação,
aparatos tecnológicos e figuras que evocam a fecunda intimidade intrauterina, numa
impressionante fusão de visões arcaicas e modernas.
Quarto conjunto: Produção Literária
Concomitantemente a essa produção – tanto a da série colorida, pintada de
1960 a 1971, como a da série preto e branco, pintada de 1972 a 1980 – LadjaneBandeira compôs diversos poemas, contos, novelas e peças teatrais em diversos
estilos, que vão desde o mais popular texto cordelista até a poesia e a narrativa
experimental mais ousada. A grande maioria foi escrita em paralelo à sua criação
artística, revelando uma transposição intersemiótica dos conceitos da Biopaisagem
4 BANDEIRA, Ladjane. Teoria Intelorgânica. Manuscrito pessoal da artista, 1979.
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da linguagem plástica para a linguagem literária; uma produção que continuou até a
data de sua morte em 1999. (LYRA,2007)
2 - A natureza semiótica informacional da obra
Ladjane produziu e usou diferentes códigos e linguagens que coexistem num
mesmo espaço artístico, literário e cultural sobretudo para a expressão de seus
conhecimentos adquiridos. Para a compreensão e ambivalências destas linguagens
e das múltiplas estruturas e relações inter e intra signos (BAKTHIN, 1998),
estabelece-se um intenso diálogo da obra pictórica com o compêndio documentalteórico por ela produzido.
Segundo SANTAELLA(1983) “o homem só conhece o mundo porque de
alguma forma o representa, e só interpreta essa representação em uma outra
representação”, então a Teoria Geral dos Signos, a Semiótica de Charles S. Pierce,
com foco na lógica das ciências, capaz de classificar e descrever todos os tipos de
Fig 2 – Alguns quadros da série preto-e-branco, à bico-de-pena sobre papel.
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signos logicamente possíveis, é a mola-mestra para alavancar nossas inferências
sobre a Biopaisagem . Posto que, vista como uma ciência geral de todas as
linguagens em referência a qualquer tipologia de linguagem, podemos pela
Semiótica, examinar os modos de constituição de fenômenos de produção de
significação e de sentido, em torno do estudo do signo.(PIERCE,1972;
MERREL,1997)Para Teixeira Coelho Netto (apud AZEVEDO, 2002) há dois momentos na
semiótica peirceana: primeiro uma Semiótica Geral, que cobre os campos da Lógica,
da Filosofia da Ciência, da Epistemologia ou Teoria do Significado para construir
uma ciência do pensamento na interpretação de um signo, baseada na relação
triádica entre signo, objeto e interpretante. Porém é no modelo semiótico
informacional, proposto por Umberto Eco pela sua maior pertinência à construção de
uma organização da informação que encontramos um diálogo com a Ciência da
Informação. (AZEVEDO,2002)
Este modelo, se propõe a estudar a função sígnica (comunicação) como
processo de transformação da informação através de um sistema de códigos
(significação) e põe-se a explicar qualquer fenômeno “de função sígnica em termos
de sistemas” (ECO, 2007, p.1), que ocorre quando um fenômeno convencionado
socialmente produz “funções sígnicas”.
Portanto, relacionado aos fenômenos psíquicos/cognitivos, o modelo ajudará
na identificação de elementos pictóricos dos quadros da Biopaisagem. Na mesma
direção apontam para a adoção de uma classificação de saberes em apoio à
construção de uma organização dos conhecimentos encontrados na obra, uma vez
que, há possíveis legados de memória científica encontrados nos quadros. O que
ocorre pelas vias de acesso de ilustrações vinculadas às ciências e a imaginários
culturais, onde se percebe estudos antropológicos e religiosos ligados às sociedades
primitivas, (presença antropomórfica de mulheres-árvores na série colorida) como
também, elementos pertencentes a atlas da embriologia medieval ( naciturnos –fetos - em campânulas de vidro).(PANCINO,2007).
Outros elementos sígnicos a evocar farto material informacional,
multidisciplinar, intersemiótico e inter-relacional são apontados nos textos teóricos e
traduzidos por pinturas e gravuras, como está na figura 3 através de alguns dos
detalhes das sub-séries pictóricas da Biopaisagem
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3 - Organização do conhecimento na Biopaisagem
A Organização do Conhecimento é área tradicional de pesquisa e ensino em
Ciência da Informação. Grande parte da literatura nesta área trata do processo, das
atividades e dos instrumentos especialmente desenvolvidos no tratamento dedocumentos para armazenamento, disseminação, recuperação e uso em sistemas e
serviços de informação.(BELLUZZO,2006)
Figura 3 – Alguns elementos signos na obra pictórica da Biopaisagem
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No propósito específico ao trabalho de detectar uma organização do
conhecimento para a Biopaisagem , uma abordagem temática demonstrando uma
interligação entre os saberes é apontada pelo filósofo francês Edgar Morin, que
(MORIN, 2001) evidencia de maneira clara o importante papel da organização do
conhecimento em diferentes contextos de informação. Morin enfatiza que
informação e conhecimento, não são elementos isolados mas relacionados acontexto e conjunto.
Mas a adoção de uma classificação para os saberes, é ainda uma ferramenta
insatisfatória para o acesso a um possível cenário informacional existente na obra.
Ou até mesmo, a mais de um. Há que utilizarmos mais uma ferramenta mediadora à
com vistas a uma compreensão dos estudos intelectuais e da organização das
idéias da artista no campo dos seus “saberes” adquiridos que a apoiaram para
criação de sua obra.
Precisamos modelar as inter-relações das suas idéias, com imagens e
associações que criam conexões, como as relações de subordinação e
superordenação, como estratégia para a percepção da sua estrutura organizacional
de informações. Portanto, como um instrumento ou um meio, associado aos fins a
que se destina neste caso o de recuperação (acesso) e organização da informação,
pode-se utilizar os recursos de esquemas ou de sistemas mentais.
A informação tomada como um conhecimento inscrito, impresso e portador
de sentido e significado, transmitido por meio de um suporte espacial-temporal, pode
na sua relação com o conhecimento, construir-se sob a representação de uma
estrutura de conceitos ligados por suas relações. (BARRETO,1994; BELKIN and
ROBERTSON, 1996)
3.1 - Memória Icônica e mapa mental à recuperação da informação
Levantamentos realizados por Correia e Sá,(2009), sobre um estudo teórico
acerca de mapas cognitivos, a percepção pode ser considerada como a apreensão
imediata da informação sobre o ambiente por um ou mais dos sentidos físicos
(visão, audição, olfato, tato e paladar), que ocorre na presença dos objetos
percebidos. Ainda, o termo percepção tende a ser associado à acuidade visual, em
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função da visão ser o sentido dominante nos seres humanos. Sobre a memória
como registro, há a sensorial ou memória icônica, a memória visual de curto prazo e
a de longo prazo.
A memória icônica, em função do objeto de estudo neste artigo, por se tratar
da percepção inicial de um objeto pela retina do olho:
É uma memória de capacidade ilimitada e a informação écapturada em frações de segundos, o que é suficiente para iniciar oreconhecimento do objeto. Após a informação ser registrada namemória icônica, a imagem do objeto passa para a memória decurto prazo no cérebro, onde a informação é selecionada etransmitida para o estágio seguinte. Quando algum objeto ouinformação é inicialmente memorizado para uso posterior, passapara a memória de longo prazo. Na recuperação da informaçãoocorre o processo inverso, ou seja, o objeto passa da memória delongo prazo para a de curto prazo. A memória de longo prazo
representa um armazenamento permanente onde nada é perdido.Nesse sentido, embora os processos de percepção e cogniçãosejam parte do mesmo evento, a percepção ocorre antes que oprocesso de cognição inicie. Diante disso, pode-se afirmar que oproduto final da percepção e da cognição é a representação mentaldo ambiente ou do objeto. Os sinais de informação são filtrados ecodificados no cérebro em estruturas cognitivas. (CORREIA ESÁ,2009):
Dos estímulos cerebrais o mapeamento mental na presença dos filtros
culturais, sociais e individuais são ligados à dependência vivencial do indivíduo. No
âmbito preliminar deste trabalho face à carência de estudos mais profundos, apenas
iniciados, foi construída uma modelagem genérica, um protótipo de um esquema
mental diante dos suportes cognitivos utilizados na Biopaisagem .
Atualmente sob grande observação o amplo e complexo campo dos estudos
sobre os processos do trabalho mental humano desenvolvido por tecnologias ligadas
à produção de neuroimagens5 busca o avanço da construção de pontes entre os
territórios onde se dão as experiências subjetivas da psicologia cognitiva e da
neurologia todas preconizando a visualização das imagens do pensamento humano,
5 Pesquisas, comandadas pelo pesquisador-chefe Yukiyasu Kamitami, já conseguiram decodificar avisão de uma pessoa examinando o seu cérebro através da técnica de Ressonância MagnéticaFuncional, (revistas Neuron e New Scientist). O rápido aprimoramento desta técnica, já emandamento, permitirá a reconstrução de uma imagem a partir da análise dos sinais cerebrais lendo opensamento e assegurando a representação de imagens até mesmo dos sonhos, inclusive no campodas artes visuais e do design, lendo o que se passa na mente de um artista quando ele cria uma obra(Kamitani,2005).
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até mesmo as do processo da criação artística. (KAMITANI,2005)
As evidências semióticas e semânticas levam a considerar o conhecimento
adquirido pela artista e o uso de sinais simbólicos relacionados às suas
experiências culturais como uma organização de saber que se estrutura sob um
esquema interdisciplinar apoiado em três grandes áreas do conhecimento.
O estágio preliminar seria um mapa mental para a Biopaisagem , baseado naproposta de classificação dos saberes de Edgar Morin, conforme abaixo indicado:
a) Do Mundo Físico, ressalta o Cosmos e a Terra representado pelas
Ciências Exatas e Conhecimento do Mundo – o qual relacionamos às formas
figurativistas, em bico-de-pena, compondo 4 cabeças em perfis preto e branco,
intitulados Intelorgânica: Cosmobióticas pertencentes a sub-série a Transformação
da Natureza em Conhecimento.;
b) Do Mundo Biológico, ressalta a Vida representada pelas Ciências
Biológicas, situando o Homem na evolução da vida – o qual relacionamos aos
elementos pictóricos em 8 quadros preto e branco: 01 díptico intitulado Intelorgânica
Pan-spermática:Autogênese do Homo Sapiens, outro díptico intitulado Biomódulos ,
01 tríptico denominado Biogaláxia , e um quadro isolado de Fetos. Todos da sub-
série Transformação da Natureza em Conhecimento.
c) As Humanidades, representadas pelas Ciências Humanas, levando o
Homem a discernir sobre seu destino individual, social, histórico, econômico,
imagético, místico e religioso – inicialmente relacionamos aos quadros de intenso
colorido de corpos em transfiguração e cabeças-perfis, em óleo sobre tela,
compondo a série intitulada Metamorfose Humano-vegetal.
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Figura 4 - Mapa mental baseado em modelo de T.Busan(2005)
Derivados das concepções cognitivas de Ausubel (1963,1968 apudBelluzzo,2006) surge a possibilidade de conexão entre conceitos e a estrutura da
aprendizagem na educação, envolvendo inter-relações em diferentes campos do
conhecimento, as chamadas cartografias cognitivas ou mapas surgiram
posteriormente para representar as conexões de natureza várias entre diversos
elementos ou características de qualquer área do conhecimento. O modelo de mapa
conceitual , surgido na década de 60, criados por Novak; Gowin (1999)(apud
Belluzzo,2006), no uso de diagramas organizam hierarquicamente as ligações entre
conceitos, na forma de proposições, sob uma ordenação hierarquizada de ideias ou
de pensamento envolvendo relacionamentos semânticos e contextualização, o que
leva a apresentar um nível de complexidade bastante variado e a não existência de
um mapa “correto” (BELLUZZO, 2006).
Os mapas mentais ou mapas da mente , por sua vez, desenvolvido pelo
psicólogo Tony Buzan no início dos anos 70, possibilitam registrar o pensamento de
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uma maneira mais criativa, flexível e não linear (BUZAN, 2005). Podem rastrear
todo o processo de pensamento humano de forma não seqüencial e são apoiados
em estrutura de múltiplas conexões, permitindo superar as dificuldades de
organização da informação e de alguns bloqueios da escrita linear. São
representações gráficas de fácil visualização e memorização aqui utilizada de uma
maneira alternativa para a estruturação da informação/conhecimentos detectados naobra de Ladjane.
4 – Considerações
É claro que a Biopaisagem é mais que uma bela obra de arte. É uma bem
conduzida atividade do pensamento. Um exercício intelectual para conhecer,
descrever, analisar e medir uma realidade, por meio da pena e do pincel. No
entendimento de que o mundo físico é como ele é, independentemente de nossos
conhecimentos sobre ele, nos posicionamos como no “Realismo Representativo” de
Allan Chalmers (1993) em que as aplicações das teorias cientificas estabelecem-se
sobre cenários aplicáveis ao mundo sempre e fora das situações experimentais.
Chalmers julga que as teorias do ponto de vista da descrição do mundo tal
como ele é, não dão acesso a uma forma independente de um corpo teórico de
modo a permitir valorar tais descrições. Então isso esclarece os limites do estudos
sobre a representação imagética nos quadros da Biopaisagem relacionados à teoria
da artista.
Os estudos reconhecem as diversas áreas do conhecimento empregados
pela artista no contexto de uma semiótica informacional, aliada a ferramentas
cognitivas. Os mapas cognitivos facilitam o registro de diversos elementos de forma
inusitada e permitem perceber novos caminhos. Distinguir instrumentos para
memorizar, fixar, indicar e recuperar informações, através de conceitos mais
importantes que auxiliam na compreensão e assimilação das ideias básicas sobreum determinado assunto. A realidade pode ser impregnada das produções artísticas
oriundas das artes plásticas, sobre desenhos, gravuras e pinturas construída como
processo de aquisição de dados espaciais.
A originalidade de uma obra não está tanto no seu caráter de pioneirismo,
mas na sua capacidade de criar mundos, de convencer a coletividade, a
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comunidade acadêmica, através da concorrência pela legitimidade cultural. Definir a
realidade, ou mais de uma, caso exista, na Biopaisagem é o caminho mais
promissor que vem definir os limites da sua distinção, como desejava a sua autora,
ao deixar o legado imagético desta fascinante visão do mundo que tenta nos
revelar.
Faz-se necessário ainda conhecer quais são as semelhanças e diferençasentre as áreas do conhecimento científico abordadas pela obra, bem como a
compreensão dos elementos pictóricos das peças Pan-spermáticas, Biomódulos,
Cosmobióticas e Biogaláxias , presentes nos desenhos a bico-de-pena da
Biopaisagem.
Enfim, sobre estas primeiras incursões nas concepções filosóficas e
científicas acerca de uma expressiva produção estética para o conhecimento
elaborada por Ladjane Bandeira, a contribuição à literatura acadêmica, em seu
referencial teórico para a Arte brasileira, dará resultados que poderão complementar
pesquisas e orientar pesquisadores da Ciência da Informação, sobre a Semiótica
Informacional.
Os trabalhos de natureza científica no campo da cognição da Filosofia, da
Cultura e as Curatoriais, encerram uma relevante contribuição para os estudos da
Arte Pernambucana.
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