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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 763
(Ano VIII)
(21/12/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
Boletim Conteúdo Jurídico n. 763 de 21/12/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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Boletim Conteúdo Jurídico n. 763 de 21/12/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
21/12/2016 João Baptista Herkenhoff
» Ética de Advogados e Juízes
ARTIGOS
21/12/2016 Diego de Lima Leal » O regramento e os limites jurídicos da propaganda eleitoral realizada na internet
21/12/2016 Talita Leixas Rangel » A função punitiva da responsabilidade civil
21/12/2016 Anna Clara Fenoll Coelho
» A atuação das ferramentas de busca na proteção dos direitos fundamentais
21/12/2016 Alberto Jorge Soares dos Santos Júnior
» A importância da tutela inibitória na defesa das vítimas ou potenciais vítimas de assédio moral
21/12/2016 Thomaz Muylaert de Carvalho Britto
» Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família: entre a Constituição e o Código Civil
21/12/2016 Fernanda Costa Vidigal
» Eutanásia e o paciente terminal: um aspecto criminal e bioético.
21/12/2016 Elton Roberto Rodrigues Junior
» Segurado Especial: aspectos contributivos e sociais frente do Regime Geral de Previdência Social
21/12/2016 Camilla Cavalcanti Rodrigues Cabral
» Notas sobre os Direitos Fundamentais
21/12/2016 João Nascimento Neto
» Bê‐á‐Bá do Direito: fundamentos de formação do Direito e Sociedade
MONOGRAFIA
21/12/2016 Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras » O Processo Legislativo e os Legisladores de leis injustas
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ÉTICA DE ADVOGADOS E JUÍZES JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Pós-doutoramentos na Universidade de Wisconsin, Estados Unidos da América, e na Universidade de Rouen, França. Professor do Mestrado em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo. Juiz de Direito aposentado. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Instituto dos Advogados do Espírito Santo. Membro da Associação de Juristas pela Integração da América Latina. Membro da Associação "Juízes para a Democracia". Membro da Associação Internacional de Direito Penal (França). Autor de 39 livros e trabalhos publicados ou apresentados no Exterior, comunicações em congressos, palestras, intervenções em debates, trabalhos inseridos em obras coletivas, na França, nos Estados Unidos, no Canadá, no México, na Nicarágua, na Argentina.
A advocacia e a magistratura têm códigos de ética diferentes.
Há deveres comuns aos dois encargos como, por exemplo, o amor ao trabalho, a pontualidade, a urbanidade, a honestidade.
Quanto à pontualidade, os advogados são ciosos de que não podem dormir no ponto. Sabem das consequências nefastas de eventuais atrasos. Os clientes podem ser condenados à revelia se os respectivos defensores não atendem ao pregão.
Já relativamente aos juízes, nem sempre compreendem que devem ser atentos aos prazos. Fazem tabula rasa da advertência de Rui Barbosa: “Justiça tardia não é Justiça, senão injustiça qualificada.”
Vamos agora aos pontos nos quais deveres de advogados e juízes não são coincidentes.
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O juiz deve ser imparcial. É seu mais importante dever, pois é o fiel da balança. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar faltas, ou anular gols, quão mais criterioso deve ser o Juiz de Direito que decide sobre vida, honra, família, bens.
Já o advogado é sempre parcial, daí que se chama “advogado da parte”. Deve ser fiel a seu cliente e leal na relação com o adversário.
O juiz deve ser humilde. A virtude da humildade só faz engrandecê-lo. Não é pela petulância que o juiz conquista o respeito da comunidade. Angaria respeito e estima na medida em que é digno, reto, probo. A toga tem um simbolismo, mas a toga, por si só, de nada vale. Uma toga moralmente manchada envergonha, em vez de enaltecer.
O juiz deve ser humano, cordial, fraterno. Deve compreender que a palavra pode mudar a rota de uma vida. Diante do juiz, o cidadão comum sente-se pequeno. O humanismo pode diminuir esse abismo, de modo que o cidadão se sinta pessoa, tão pessoa e ser humano quanto o próprio juiz.
A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz deveria sentenciar de joelhos.
As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas partes e pela coletividade. É perfeitamente possível decidir as causas, por mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o direito de compreender as razões que justificam as conclusões.
Juízes e advogados devem ser respeitosos no seu relacionamento. Compreendam os juízes que os advogados são indispensáveis à prática da Justiça. É totalmente inaceitável que um magistrado expulse da sala de julgamento um advogado, ainda que esse advogado seja impertinente nas suas alegações, desarrazoado nos seus pedidos. Em algumas situações, a impertinência do advogado não é defeito, mas virtude. Valha-nos a sabedoria popular: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.”
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O REGRAMENTO E OS LIMITES JURÍDICOS DA PROPAGANDA ELEITORAL REALIZADA NA INTERNET
DIEGO DE LIMA LEAL: Advocacia e Consultoria. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-Graduando em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Resumo: A propaganda eleitoral é um dos mais importantes instrumentos
de uma campanha eleitoral e deve ser utilizada em consonância com as
regras atinentes à matéria e previstas no ordenamento jurídico de
determinado país. Contudo, com os avanços científico‐tecnológicos,
concretizando novas formas de comunicação e troca de informações, a
propaganda sofreu e ainda continua sofrendo muitas transformações para
se adequar à “sociedade da informação”. Com a propaganda eleitoral não
foi diferente, pois o legislador foi obrigado a atualizar as normas existentes
e criar novos dispositivos legais para se aplicar às novas situações,
mormente àquelas vinculadas à internet e tecnologias correlatas. Assim,
o presente artigo visa avaliar o regramento e os limites jurídicos da
propaganda eleitoral realizada na internet no Brasil. Ademais, faz‐se
indispensável, diante desse novo contexto, um regramento que imponha
limites à atuação da propaganda eleitoral, principalmente na internet,
onde os atores envolvidos na campanha política supõem ser uma área
livre para o cometimento de ilícitos. Além disso, o regramento
proporciona que se evite violações constantes aos direitos fundamentais
dos outros candidatos, bem como a lisura das eleições e o abuso do poder
político e/ou econômico.
Palavras‐Chave: Propaganda Eleitoral; Internet; Regramento; Limites
Jurídicos.
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Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais e características da propaganda
eleitoral no Brasil. 2. Regras e limites da propaganda eleitoral realizada na
internet. Considerações Finais.
Introdução
Os avanços científico‐tecnológicos possibilitaram novas formas de
comunicação e de troca de informações. A internet e outras novas
tecnologias correlatas, tais como o computador e o celular, passaram a ser
essenciais para a comunicação, para a economia, para a política, bem
como para o desenvolvimento de toda e qualquer atividade humana,
sobretudo as de caráter econômico.
Ademais, a difusão das novas tecnologias e o surgimento da
“sociedade da informação” possibilitou também a divulgação instantânea
de informações e de conhecimento, seja pelas mídias tradicionais, que se
aperfeiçoaram, ou ainda pelas novas mídias e pelas redes sociais
(Facebook, WhatApp, Telegram, Instagram, Snapchat, etc.).
A “sociedade da informação” é a expressão que define o arranjo
social tal que a significação econômica, política e cultural da informação
ganha peso exponencial e tem impacto significativo no modo de
construção dos laços sociais (BITTAR, 2006). Além do mais, ela inaugura
um período único na história, marcado pela celeridade dos avanços
tecnológicos e pela convergência da informática, das telecomunicações e
do audiovisual.
Vale ressaltar que os indivíduos responsáveis pela divulgação de
informações pouco se preocupam se elas são verdadeiras ou falsas; se
violam ou não direitos e garantias fundamentais; ou ainda se a realização
de uma propaganda eleitoral de forma abusiva configura uma infração
penal.
Outrossim, estabelecer um regramento quanto à propaganda
eleitoral não é apenas oferecer arcabouço jurídico aos candidatos
envolvidos no pleito eleitoral, é, sobretudo, primar pela preservação do
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direito à informação dos eleitores, livre de quaisquer vícios e iniquidades,
bem como pela observância de direitos tão caros à democracia.
Assim, faz‐se necessário compreender as regras e vedações da
propaganda eleitoral realizada na internet não apenas para conformar o
processo eleitoral ao direito infraconstitucional, mas também
coadunando‐o com os cânones jurídicos, isto é, com os pilares do Estado
Democrático de Direito, como as normas‐regras e normas‐princípios
atinentes aos direitos fundamentais.
. Aspectos gerais e características da propaganda eleitoral no Brasil
Ab initio, impende diferenciar publicidade de propaganda. A
primeira é o conjunto de técnicas de ação coletiva no sentido de promover
o lucro de uma atividade comercial conquistando, aumentando e
mantendo clientes (MALANGA, 1979).
Já a segunda originou‐se do gerúndio latino do verbo propagare,
que quer dizer: propagar, multiplicar (por reprodução ou por geração),
estender, difundir. Fazer propaganda é propagar ideias, crenças,
princípios, doutrinas, ideologias. O Nazismo, por exemplo, fez uso
constante da propaganda para divulgar sua ideologia nefasta tanto no
território alemão, quanto na Europa e em outros continentes. O
capitalismo também fez uso da propaganda para demonstrar ao mundo o
que um mundo capitalista é capaz de proporcionar.
A sociedade norte‐americana destinada a estudar os métodos
utilizados pela propaganda para influenciar a opinião pública, conhecida
como Instituto de Análise da Propaganda, conceitua propaganda como
“uma expressão de opinião ou ação por parte de indivíduo ou grupos,
deliberadamente destinada a influenciar opiniões ou ações de outros
indivíduos ou grupos relativamente a fins predeterminados”.
Ademais, a propaganda, consoante sua finalidade, pode ser
classificada em: propaganda ideológica, propaganda política, propaganda
eleitoral, propaganda governamental, propaganda institucional,
propaganda corporativa, propaganda legal, propaganda religiosa e
propaganda social.
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Neste contexto, vale ressaltar que para alguns a propaganda
política difere da propaganda eleitoral, para outros a primeira é gênero
que tem como espécie a segunda. Sendo assim, a propaganda política diz
respeito à utilização de técnicas ou meios de marketing por pessoas
jurídicas (partidos políticos) ou pessoas naturais para a divulgação de
certas ideias com o afã de obter a indicação do candidato nas convenções
partidárias, divulgar o ideal partidário ou angariar voto do eleitor
(ALMEIDA, 2016).
Ela pode ser conceituada ainda como aquela que se desenvolve em
torno de temas políticos, entendida a “política” em seu mais amplo
sentido (CONEGLIAN, 2010). Ou como uma ferramenta de comunicação
utilizada pelo marketing político para mostrar aos eleitores, na fase
eleitoral, o que o candidato pretende fazer e, na fase pós‐eleitoral, o que
o político eleito está fazendo (DANTAS, 2010).
Outrossim, é vista como uma modalidade de propaganda
caracterizada pela comunicação persuasiva com fins ideológicos que tem
por objetivo a conquista e a conservação do poder (RABAÇA; BARBOSA,
2002).
Já a propaganda eleitoral é qualificada como aquela feita tanto pelo
partido quanto pelo candidato, durante toda a campanha eleitoral, para
obter a simpatia e adquirir adeptos para determinada candidatura a cargo
eletivo (SILVA, 2004).
Cumpre anotar que, consoante dispõe o art. 240 do Código Eleitoral
(Lei nº 4.737/1965), com redação dada pela Lei n º 13.165/2015, a
propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após o
dia 15 de agosto do ano da
Eleição, isto é, a partir de 16 de agosto (art. 1º da Resolução nº
27.457/2015 do TSE‐ Tribunal Superior Eleitoral). Além disso, não é
permitida qualquer propaganda 48 (quarenta e oito) horas antes ou 24
(vinte e quatro horas) depois da eleição qualquer propaganda política
mediante radiodifusão, televisão, comícios ou reuniões públicas.
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De mais a mais, o Título II do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965),
destinado à propaganda eleitoral dispõe de mais regras que são aplicáveis
a qualquer tipo de propaganda, no que couber. In verbis:
Art. . A propaganda de candidatos a cargos
eletivos somente é permitida após o dia 15 de agosto
do ano da eleição. (Redação dada pela Lei nº 13.165,
de 2015)
Parágrafo único. É vedada, desde quarenta e oito
horas antes até vinte e quatro horas depois da
eleição, qualquer propaganda política mediante
radiodifusão, televisão, comícios ou reuniões
públicas.
Art. . Toda propaganda eleitoral será
realizada sob a responsabilidade dos partidos e por
eles paga, imputando‐lhes solidariedade nos
excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.
Parágrafo único. A solidariedade prevista
neste artigo é restrita aos candidatos e aos
respectivos partidos, não alcançando outros
partidos, mesmo quando integrantes de uma mesma
coligação. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
Art. . A propaganda, qualquer que seja a sua
forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda
partidária e só poderá ser feita em língua nacional,
não devendo empregar meios publicitários
destinados a criar, artificialmente, na opinião pública,
estados mentais, emocionais ou
passionais. (Redação dada pela Lei nº 7.476, de
15.5.1986)
Art. . Não será tolerada propaganda:
I ‐ de guerra, de processos violentos para
subverter o regime, a ordem política e social ou de
preconceitos de raça ou de classes;
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II ‐ que provoque animosidade entre as forças
armadas ou contra elas, ou delas contra as classes e
instituições civis;
III ‐ de incitamento de atentado contra
pessoa ou bens;
IV ‐ de instigação à desobediência coletiva
ao cumprimento da lei de ordem pública;
V ‐ que implique em oferecimento, promessa
ou solicitação de dinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou
vantagem de qualquer natureza;
VI ‐ que perturbe o sossego público, com
algazarra ou abusos de instrumentos sonoros ou
sinais acústicos;
VII ‐ por meio de impressos ou de objeto que
pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com
moeda;
VIII ‐ que prejudique a higiene e a estética
urbana ou contravenha a posturas municiais ou a
outra qualquer restrição de direito;
IX ‐ que caluniar, difamar ou injuriar
quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades
que exerçam autoridade pública.
§ 1º O ofendido por calúnia, difamação ou
injúria, sem prejuízo e independentemente da ação
penal competente, poderá demandar, no Juízo Civil a
reparação do dano moral respondendo por este o
ofensor e, solidariamente, o partido político deste,
quando responsável por ação ou omissão a quem que
favorecido pelo crime, haja de qualquer modo
contribuído para ele. (Incluído pela Lei nº 4.961,
de 4.5.1966)
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§ 2º No que couber aplicar‐se‐ão na
reparação do dano moral, referido no parágrafo
anterior, os artigos. 81 a 88 da Lei nº 4.117, de 27 de
agosto de 1962. (Incluído pela Lei nº 4.961, de
4.5.1966)
§ 3º É assegurado o direito de resposta a
quem for, injuriado difamado ou caluniado através
da imprensa rádio, televisão, ou alto‐falante,
aplicando‐se, no que couber, os artigos. 90 e 96 da
Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. (Incluído pela
Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Art. . É assegurado aos partidos políticos
registrados o direito de, independentemente de
licença da autoridade pública e do pagamento de
qualquer contribuição:
I ‐ fazer inscrever, na fachada de suas sedes
e dependências, o nome que os designe, pela forma
que melhor lhes parecer;
II ‐ instalar e fazer funcionar, normalmente,
das quatorze às vinte e duas horas, nos três meses
que antecederem as eleições, alto‐falantes, ou
amplificadores de voz, nos locais referidos, assim
como em veículos seus, ou à sua disposição, em
território nacional, com observância da legislação
comum.
Parágrafo único. Os meios de propaganda a
que se refere o nº II deste artigo não serão
permitidos, a menos de 500 metros:
I ‐ das sedes do Executivo Federal, dos
Estados, Territórios e respectivas Prefeituras
Municipais;
II ‐ das Câmaras Legislativas Federais,
Estaduais e Municipais;
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III ‐ dos Tribunais Judiciais;
IV ‐ dos hospitais e casas de saúde;
V ‐ das escolas, bibliotecas públicas, igrejas
e teatros, quando em funcionamento;
VI ‐ dos quartéis e outros estabelecimentos
militares.
Art. . A realização de qualquer ato de
propaganda partidária ou eleitoral, em recinto
aberto, não depende de licença da polícia.
§ 1º Quando o ato de propaganda tiver de
realizar‐se em lugar designado para a celebração de
comício, na forma do disposto no art. 3º da Lei nº
1.207, de 25 de outubro de 1950, deverá ser feita
comunicação à autoridade policial, pelo menos 24
(vinte e quatro) horas antes de sua realização.
§ 2º Não havendo local anteriormente fixado
para a celebração de comício, ou sendo impossível ou
difícil nele realizar‐se o ato de propaganda eleitoral,
ou havendo pedido para designação de outro local, a
comunicação a que se refere o parágrafo anterior
será feita, no mínimo, com antecedência, de 72
(setenta e duas) horas, devendo a autoridade policial,
em qualquer desses casos, nas 24 (vinte e quatro)
horas seguintes, designar local amplo e de fácil
acesso, de modo que não impossibilite ou frustre a
reunião.
§ 3º Aos órgãos da Justiça Eleitoral compete
julgar das reclamações sobre a localização dos
comícios e providências sobre a distribuição
equitativa dos locais aos partidos.
At. . Ninguém poderá impedir a propaganda
eleitoral, nem inutilizar, alterar ou perturbar os
meios lícitos nela empregados.
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Art. . O direito de propaganda não importa
restrição ao poder de polícia quando este deva ser
exercido em benefício da ordem pública.
Art. . No período destinado à propaganda
eleitoral gratuita não prevalecerão quaisquer
contratos ou ajustes firmados pelas empresas que
possam burlar ou tornar inexequível qualquer
dispositivo deste Código ou das instruções baixadas
pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Art. . Nos 15 (quinze) dias anteriores ao
pleito é proibida a divulgação, por qualquer forma,
de resultados de prévias ou testes pré‐eleitorais.
Art. . As autoridades administrativas
federais, estaduais e municipais proporcionarão aos
partidos, em igualdade de condições, as facilidades
permitidas para a respectiva propaganda.
§ 1º No período da campanha eleitoral,
independentemente do critério de prioridade, os
serviços telefônicos, oficiais ou concedidos, farão
instalar, na sede dos diretórios devidamente
registrados, telefones necessários, mediante
requerimento do respectivo presidente e pagamento
das taxas devidas. (Incluído pela Lei nº 4.961, de
4.5.1966)
§ 2º O Tribunal Superior Eleitoral baixará as
instruções necessárias ao cumprimento do disposto
no parágrafo anterior fixado as condições a serem
observadas. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Dentre os dispositivos acima transcritos do Código Eleitoral, merece
destaque § 1º do art. 243 que trata de responsabilidade civil, em que o
ofendido por calúnia, injúria ou difamação podem requerer a
compensação a título de dano moral, independentemente da
responsabilidade penal do ofensor.
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Cumpre salientar que a propaganda eleitoral nada mais é do que
um dos instrumentos da campanha eleitoral. Instrumento este essencial à
exposição das ideias e propostas de cada candidato e que possibilita o
conhecimento delas por parte do eleitorado para que este possa realizar
a melhor escolha para seu município, estado ou país.
2. Regras e limites da propaganda eleitoral realizada na internet
A propaganda realizada na internet é permitida após o dia 15 de
agosto do ano da eleição, isto é, a partir do dia 16 de agosto, conforme
dispõe o art. 57‐A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) e o art. 21 da
Resolução nº 23.457/2016 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Art. . É permitida a propaganda eleitoral na
Internet a partir do dia 16 de agosto de 2016 (Lei nº
9.504/1997, art. 57A).
Art. ‐A. É permitida a propaganda eleitoral na
internet, nos termos desta Lei, após o dia 15 de
agosto do ano da eleição. (Redação dada pela Lei nº
13.165, de 2015)
Insta salientar que a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) sofreu no
ano de 2009 alterações, por meio da Lei nº 12.034, para incluir novos
dispositivos que disciplinassem regras atinentes, sobretudo à propaganda
realizada pela internet, atualizado assim as normas eleitorais à nova era,
permeada por novas tecnologias. In verbis:
Art. ‐B. A propaganda eleitoral na internet
poderá ser realizada nas seguintes formas: (Vide Lei
nº 12.034, de 2009)
I ‐ em sítio do candidato, com endereço
eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e
hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de
serviço de internet estabelecido no País; (Incluído
pela Lei nº 12.034, de 2009)
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II ‐ em sítio do partido ou da coligação, com
endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e
hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de
serviço de internet estabelecido no País; (Incluído
pela Lei nº 12.034, de 2009)
III ‐ por meio de mensagem eletrônica para
endereços cadastrados gratuitamente pelo
candidato, partido ou coligação; (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
IV ‐ por meio de blogs, redes sociais, sítios
de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo
conteúdo seja gerado ou editado por candidatos,
partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer
pessoa natural. (Incluído pela Lei nº 12.034, de
2009)
Art. ‐C. Na internet, é vedada a veiculação de
qualquer tipo de propaganda eleitoral
paga. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 1o É vedada, ainda que gratuitamente, a
veiculação de propaganda eleitoral na internet, em
sítios: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
I ‐ de pessoas jurídicas, com ou sem fins
lucrativos; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
II ‐ oficiais ou hospedados por órgãos ou
entidades da administração pública direta ou indireta
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2o A violação do disposto neste artigo
sujeita o responsável pela divulgação da propaganda
e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o
beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído
pela Lei nº 12.034, de 2009)
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Art. ‐D. É livre a manifestação do
pensamento, vedado o anonimato durante a
campanha eleitoral, por meio da rede mundial de
computadores ‐ internet, assegurado o direito de
resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV
do § 3o do art. 58 e do 58‐A, e por outros meios de
comunicação interpessoal mediante mensagem
eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034,
de 2009)
§ 2o A violação do disposto neste artigo
sujeitará o responsável pela divulgação da
propaganda e, quando comprovado seu prévio
conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$
5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil
reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 3o Sem prejuízo das sanções civis e criminais
aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá
determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de
publicações que contenham agressões ou ataques a
candidatos em sítios da internet, inclusive redes
sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
Art. ‐E. São vedadas às pessoas relacionadas
no art. 24 a utilização, doação ou cessão de cadastro
eletrônico de seus clientes, em favor de candidatos,
partidos ou coligações. (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
§ 1o É proibida a venda de cadastro de
endereços eletrônicos. (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
§ 2o A violação do disposto neste artigo
sujeita o responsável pela divulgação da propaganda
e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o
beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco
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17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído
pela Lei nº 12.034, de 2009)
Art. ‐F. Aplicam‐se ao provedor de conteúdo
e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da
propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de
coligação as penalidades previstas nesta Lei, se, no
prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a
partir da notificação de decisão sobre a existência de
propaganda irregular, não tomar providências para a
cessação dessa divulgação. (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
Parágrafo único. O provedor de conteúdo
ou de serviços multimídia só será considerado
responsável pela divulgação da propaganda se a
publicação do material for comprovadamente de seu
prévio conhecimento. (Incluído pela Lei nº 12.034,
de 2009)
Art. ‐G. As mensagens eletrônicas enviadas
por candidato, partido ou coligação, por qualquer
meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu
descadastramento pelo destinatário, obrigado o
remetente a providenciá‐lo no prazo de quarenta e
oito horas. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Parágrafo único. Mensagens eletrônicas
enviadas após o término do prazo previsto
no caput sujeitam os responsáveis ao pagamento de
multa no valor de R$ 100,00 (cem reais), por
mensagem. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Art. ‐H. Sem prejuízo das demais sanções
legais cabíveis, será punido, com multa de R$
5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil
reais), quem realizar propaganda eleitoral na
internet, atribuindo indevidamente sua autoria a
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terceiro, inclusive a candidato, partido ou
coligação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 1o Constitui crime a contratação direta ou
indireta de grupo de pessoas com a finalidade
específica de emitir mensagens ou comentários na
internet para ofender a honra ou denegrir a imagem
de candidato, partido ou coligação, punível com
detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$
15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.891,
de 2013)
§ 2o Igualmente incorrem em crime, punível com
detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com
alternativa de prestação de serviços à comunidade
pelo mesmo período, e multa de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas
contratadas na forma do § 1o. (Incluído pela Lei nº
12.891, de 2013)
Art. ‐I. A requerimento de candidato, partido
ou coligação, observado o rito previsto no art. 96, a
Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por
vinte e quatro horas, do acesso a todo conteúdo
informativo dos sítios da internet que deixarem de
cumprir as disposições desta Lei. (Incluído pela Lei
nº 12.034, de 2009)
§ 1o A cada reiteração de conduta, será
duplicado o período de suspensão. (Incluído pela
Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2o No período de suspensão a que se refere
este artigo, a empresa informará, a todos os usuários
que tentarem acessar seus serviços, que se encontra
temporariamente inoperante por desobediência à
legislação eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034,
de 2009)
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19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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Dos artigos supratranscritos, merecem destaque os arts. 57‐C, 57‐D
e 57‐H. O art. 57‐C dispõe acerca da vedação de propaganda eleitoral paga
realizada na internet. Além disso, veda, mesmo que gratuitamente, a
propaganda eleitoral realizada em sítios eletrônicos de pessoas jurídicas
com ou sem fins lucrativos ou em sites oficiais ou hospedados por órgãos
ou entidades governamentais. Tal dispositivo visa impedir o abuso do
poder econômico nas eleições, já que um candidato com um grande poder
aquisitivo, seja decorrente de vultosas doações ou não, terá seu nome e
projeto amplamente divulgado pela internet, sobretudo em sítios
eletrônicos com uma grande quantidade de acessos, em detrimento dos
candidatos que não dispõem das mesmas benesses financeiras.
É factível que o controle das campanhas eleitorais nasce da
necessidade de se garantir, tanto quanto possível, a igualdade de
condições entre os candidatos, porque aqueles que detêm poder,
econômico ou político, tendem a dele abusar, o que obriga o Estado,
mediante a Justiça Eleitoral no caso do Brasil, a tomar as devidas
providências (NEISSER, 2014).
Além do mais, a norma contida nos § § 1º e 2º do art. 57‐C tem
como escopo evitar o uso e abuso da imagem de empresas, ONG e
congêneres, bem como da máquina pública (órgãos e entidades
governamentais) para promoção de determinado candidato e/ou partido
político durante a campanha eleitoral.
Nessa perspectiva, o uso da máquina pública para fins de
propaganda partidária além de atentar contra o Estado Democrático de
Direito, viola cabalmente princípios elementares do Regime Jurídico
Administrativo que estão insculpidos explicitamente no caput do art. 37
da Constituição Federal de 1988, são eles os princípios da moralidade e da
impessoalidade.
Art. . A administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada
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pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifos
nossos)
Nesta senda, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a
administração voltar‐se exclusivamente para o interesse público, e não
para o privado, vedando‐se, como efeito sejam favorecidos alguns
indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para
favorecimento de outros. Assim, vislumbra‐se a aplicação do
conhecido princípio da finalidade, sempre circunscrito nas obras dos
doutrinadores, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração
é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for
perseguido o interesse particular, pois haverá nesse caso sempre uma
atuação discriminatória (FILHO, 2014).
Já o princípio da moralidade impõe que o administrador público não
dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta.
Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça
em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é
desonesto (FILHO, 2014).
O art. 57‐H, por sua vez, dispõe sobre a imposição de multa quem
realizar propaganda eleitoral na internet, atribuindo indevidamente sua
autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação. E tipifica o
crime de contratar direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade
específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender
a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punindo
com a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, além da multa. Tal
norma objetiva proteger não apenas a honra dos candidatos envolvidos
na campanha eleitoral, mas também a lisura das eleições.
Além desses dois dispositivos que foram acima comentados, outro
dispositivo da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) também merece
especial atenção, o art. 75‐D, tendo em vista que elenca um dos mais
elementares direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna de 1988
que é o direito à liberdade de expressão, o qual se permite a livre
manifestação do pensamento, vedando‐se o anonimato no decorrer da
campanha eleitoral e assegurando o direito de resposta, nos termos das
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21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58‐A, e por outros meios
de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. Vale
lembrar que os arts. 58 e 58‐A trazem também o procedimento pelo qual
percorrerá o direito de resposta, quando pertinente e cabível no caso
concreto. In verbis:
Art. . A partir da escolha de candidatos em
convenção, é assegurado o direito de resposta a
candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que
de forma indireta, por conceito, imagem ou
afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou
sabidamente inverídica, difundidos por qualquer
veículo de comunicação social.
§ 1º O ofendido, ou seu representante legal,
poderá pedir o exercício do direito de resposta à
Justiça Eleitoral nos seguintes prazos, contados a
partir da veiculação da ofensa:
I ‐ vinte e quatro horas, quando se tratar do
horário eleitoral gratuito;
II ‐ quarenta e oito horas, quando se tratar
da programação normal das emissoras de rádio e
televisão;
III ‐ setenta e duas horas, quando se tratar
de órgão da imprensa escrita.
IV ‐ a qualquer tempo, quando se tratar de
conteúdo que esteja sendo divulgado na internet, ou
em 72 (setenta e duas) horas, após a sua
retirada. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 2º Recebido o pedido, a Justiça Eleitoral
notificará imediatamente o ofensor para que se
defenda em vinte e quatro horas, devendo a decisão
ser prolatada no prazo máximo de setenta e duas
horas da data da formulação do pedido.
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§ 3º Observar‐se‐ão, ainda, as seguintes
regras no caso de pedido de resposta relativo a
ofensa veiculada:
I ‐ em órgão da imprensa escrita:
a) o pedido deverá ser instruído com um
exemplar da publicação e o texto para resposta;
b) deferido o pedido, a divulgação da
resposta dar‐se‐á no mesmo veículo, espaço, local,
página, tamanho, caracteres e outros elementos de
realce usados na ofensa, em até quarenta e oito
horas após a decisão ou, tratando‐se de veículo com
periodicidade de circulação maior que quarenta e
oito horas, na primeira vez em que circular;
c) por solicitação do ofendido, a divulgação
da resposta será feita no mesmo dia da semana em
que a ofensa foi divulgada, ainda que fora do prazo
de quarenta e oito horas;
d) se a ofensa for produzida em dia e hora
que inviabilizem sua reparação dentro dos prazos
estabelecidos nas alíneas anteriores, a Justiça
Eleitoral determinará a imediata divulgação da
resposta;
e) o ofensor deverá comprovar nos autos o
cumprimento da decisão, mediante dados sobre a
regular distribuição dos exemplares, a quantidade
impressa e o raio de abrangência na distribuição;
II ‐ em programação normal das emissoras
de rádio e de televisão:
a) a Justiça Eleitoral, à vista do pedido, deverá
notificar imediatamente o responsável pela emissora
que realizou o programa para que entregue em vinte
e quatro horas, sob as penas do art. 347 da Lei nº
4.737, de 15 de julho de 1965 ‐ Código Eleitoral, cópia
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23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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da fita da transmissão, que será devolvida após a
decisão;
b) o responsável pela emissora, ao ser
notificado pela Justiça Eleitoral ou informado pelo
reclamante ou representante, por cópia protocolada
do pedido de resposta, preservará a gravação até a
decisão final do processo;
c) deferido o pedido, a resposta será dada
em até quarenta e oito horas após a decisão, em
tempo igual ao da ofensa, porém nunca inferior a um
minuto;
III ‐ no horário eleitoral gratuito:
a) o ofendido usará, para a resposta, tempo
igual ao da ofensa, nunca inferior, porém, a um
minuto;
b) a resposta será veiculada no horário
destinado ao partido ou coligação responsável pela
ofensa, devendo necessariamente dirigir‐se aos fatos
nela veiculados;
c) se o tempo reservado ao partido ou
coligação responsável pela ofensa for inferior a um
minuto, a resposta será levada ao ar tantas vezes
quantas sejam necessárias para a sua
complementação;
d) deferido o pedido para resposta, a
emissora geradora e o partido ou coligação atingidos
deverão ser notificados imediatamente da decisão,
na qual deverão estar indicados quais os períodos,
diurno ou noturno, para a veiculação da resposta,
que deverá ter lugar no início do programa do partido
ou coligação;
e) o meio magnético com a resposta deverá
ser entregue à emissora geradora, até trinta e seis
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horas após a ciência da decisão, para veiculação no
programa subsequente do partido ou coligação em
cujo horário se praticou a ofensa;
f) se o ofendido for candidato, partido ou
coligação que tenha usado o tempo concedido sem
responder aos fatos veiculados na ofensa, terá
subtraído tempo idêntico do respectivo programa
eleitoral; tratando‐se de terceiros, ficarão sujeitos à
suspensão de igual tempo em eventuais novos
pedidos de resposta e à multa no valor de duas mil a
cinco mil UFIR.
IV ‐ em propaganda eleitoral na
internet: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
a) deferido o pedido, a divulgação da
resposta dar‐se‐á no mesmo veículo, espaço, local,
horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e
outros elementos de realce usados na ofensa, em até
quarenta e oito horas após a entrega da mídia física
com a resposta do ofendido; (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
b) a resposta ficará disponível para acesso
pelos usuários do serviço de internet por tempo não
inferior ao dobro em que esteve disponível a
mensagem considerada ofensiva;(Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009)
c) os custos de veiculação da resposta
correrão por conta do responsável pela propaganda
original. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 4º Se a ofensa ocorrer em dia e hora que
inviabilizem sua reparação dentro dos prazos
estabelecidos nos parágrafos anteriores, a resposta
será divulgada nos horários que a Justiça Eleitoral
determinar, ainda que nas quarenta e oito horas
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25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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anteriores ao pleito, em termos e forma previamente
aprovados, de modo a não ensejar tréplica.
§ 5º Da decisão sobre o exercício do direito
de resposta cabe recurso às instâncias superiores, em
vinte e quatro horas da data de sua publicação em
cartório ou sessão, assegurado ao recorrido oferecer
contrarrazões em igual prazo, a contar da sua
notificação.
§ 6º A Justiça Eleitoral deve proferir suas
decisões no prazo máximo de vinte e quatro horas,
observando‐se o disposto nas alíneas d e e do inciso
III do § 3º para a restituição do tempo em caso de
provimento de recurso.
§ 7º A inobservância do prazo previsto no
parágrafo anterior sujeita a autoridade judiciária às
penas previstas no art. 345 da Lei nº 4.737, de 15 de
julho de 1965 ‐ Código Eleitoral.
§ 8º O não cumprimento integral ou em parte
da decisão que conceder a resposta sujeitará o
infrator ao pagamento de multa no valor de cinco mil
a quinze mil UFIR, duplicada em caso de reiteração
de conduta, sem prejuízo do disposto no art. 347 da
Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 ‐ Código Eleitoral.
§ 9o Caso a decisão de que trata o § 2o não seja
prolatada em 72 (setenta e duas) horas da data da
formulação do pedido, a Justiça Eleitoral, de ofício,
providenciará a alocação de Juiz auxiliar. (Incluído
pela Lei nº 12.891, de 2013)
Art. ‐A. Os pedidos de direito de resposta e as
representações por propaganda eleitoral irregular
em rádio, televisão e internet tramitarão
preferencialmente em relação aos demais processos
em curso na Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº
12.034, de 2009) (grifos nossos)
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Nota‐se, da leitura conjugada dos dispositivos acima, que não há
um direito absoluto à liberdade de expressão durante a campanha
eleitoral, pois, da mesma forma que outros direitos fundamentais, tal
direito não goza de natureza absoluta, conforme a mais abalizada doutrina
da hermenêutica constitucional, pois encontra uma gama de limitações
explicitadas pela própria Constituição, como o direito à manifestação do
pensamento, em que se veda o anonimato, por exemplo. Tal direito está
previsto também na Constituição Federal de 1988 no art. 5º, IV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo‐se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
IV ‐ é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato; [...]
Vale ressaltar que o direito à liberdade de expressão consiste
no direito de manifestar, sob qualquer forma, ideias e informações de
qualquer natureza. Por isso, abrange a produção intelectual, artística,
científica e de comunicação de quaisquer ideias ou valores. Para o STF, a
liberdade de expressão engloba a livre manifestação do pensamento, a
exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica (HC 83.125, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 16‐9‐2003, Primeira Turma, DJ de 7‐11‐
2003). (RAMOS, 2014)
A Resolução nº 23.457, de 15 de dezembro de 2015 que dispõe
sobre a propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e
condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2016, destinou um
capítulo à propaganda eleitoral realizada na internet. Tal capítulo
reproduz muitos dos dispositivos acima transcritos e previstos na Lei das
Eleições (Lei nº 9.504/1997). Todavia, traz alguns novos, são eles:
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Art. . É permitida a propaganda eleitoral na
Internet a partir do dia 16 de agosto de 2016 (Lei nº
9.504/1997, art. 57A).
§ 1º A livre manifestação do pensamento do
eleitor identificado na Internet somente é passível de
limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros
ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.
§ 2º O disposto no § 1º se aplica, inclusive, às
manifestações ocorridas antes da data prevista no
caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou
crítica a partido político ou a candidato, próprias do
debate político e democrático.
Art.
[...]
§ 1º Para o fim desta resolução, considera‐se:
I ‐ sítio hospedado diretamente em provedor de
Internet estabelecido no país é aquele cujo endereço
(URL – Uniform Resource Locator) é registrado no
organismo regulador da Internet no Brasil e cujo
conteúdo é mantido pelo provedor de hospedagem
em servidor instalado em solo brasileiro?
II – sítio hospedado indiretamente em provedor
de Internet estabelecido no país é aquele cujo
endereço é registrado em organismos internacionais
e cujo conteúdo é mantido por provedor de
hospedagem em equipamento servidor instalado em
solo brasileiro?
III – sítio é o endereço eletrônico na Internet
subdividido em uma ou mais páginas que possam ser
acessadas com base na mesma raiz?
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Boletim Conteúdo Jurídico n. 763 de 21/12/2016 (ano VIII) ISSN
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IV – blog é o endereço eletrônico na Internet,
mantido ou não por provedor de hospedagem,
composto por uma única página em caráter pessoal.
§ 2º Tratando‐se de empresa estrangeira,
responde solidariamente pelo pagamento das multas
eleitorais sua filial, sucursal, escritório ou
estabelecimento situado no país.
Art.
[...]
§ 2º É vedada a realização de propaganda via
telemarketing, em qualquer horário (Constituição
Federal, art. 5º, incisos X e XI? e Código Eleitoral, art.
243, inciso VI).
A Resolução nº 23.457, de 15 de dezembro de 2015, insere algumas
inovações no ordenamento jurídico brasileiro, dentre elas, a mais
importante é a vedação de propaganda realizada via telemarketing, em
qualquer horário, disposta no art. 27 da citada lei. Trata‐se de uma norma
que visa, além de impedir o abuso do poder econômico, evitar incomodar
constantemente o eleitorado por meio de ligações impertinentes e em
horários inapropriados.
A propaganda eleitoral realizada ao arrepio do regramento legal,
sobretudo no que tange aos dispositivos que protegem a honra, seja ela
objetiva ou subjetiva, é conhecida como propaganda negativa. A
propagada negativa, algumas vezes denominada de “propaganda
comparativa”, pode ser apenas depreciadora – quando visa destacar
atributos ou fatos negativos do adversário ‐, ofensiva – na hipótese do
intuito depreciador ser atingido mediante ataques à honra do adversário
– ou mentirosa ‐, se os fatos característicos atribuídos ao adversário, com
fito de depreciar sua imagem junto ao eleitorado, não forem verdadeiros
(NEISSER, 2014).
Ademais, no que diz respeito à responsabilidade penal, o art. 57‐H
da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) tipifica o crime de contratar direta
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ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir
mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir
a imagem de candidato, conforme visto anteriormente. Além do mais, há
outros dispositivos, previstos no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) que
protegem, sobretudo a honra, tipificando crimes como calúnia, injuria e
difamação no contexto da propaganda eleitoral, são eles:
Art. . Caluniar alguém, na propaganda
eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando‐
lhe falsamente fato definido como crime:
Pena ‐ detenção de seis meses a dois anos,
e pagamento de 10 a 40 dias‐multa.
§ 1° Nas mesmas penas incorre quem,
sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º A prova da verdade do fato imputado
exclui o crime, mas não é admitida:
I ‐ se, constituindo o fato imputado crime de
ação privada, o ofendido, não foi condenado por
sentença irrecorrível;
II ‐ se o fato é imputado ao Presidente da
República ou chefe de governo estrangeiro;
III ‐ se do crime imputado, embora de ação
pública, o ofendido foi absolvido por sentença
irrecorrível.
Art. . Difamar alguém, na propaganda
eleitoral, ou visando a fins de propaganda,
imputando‐lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena ‐ detenção de três meses a um ano, e
pagamento de 5 a 30 dias‐multa.
Parágrafo único. A exceção da verdade
somente se admite se ofendido é funcionário público
e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
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Art. . Injuriar alguém, na propaganda
eleitoral, ou visando a fins de propaganda,
ofendendo‐lhe a dignidade ou o decoro:
Pena ‐ detenção até seis meses, ou
pagamento de 30 a 60 dias‐multa.
§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I ‐ se o ofendido, de forma reprovável,
provocou diretamente a injúria;
II ‐ no caso de retorsão imediata, que consista
em outra injúria.
§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias
de fato, que, por sua natureza ou meio empregado,
se considerem aviltantes:
Pena ‐ detenção de três meses a um ano e
pagamento de 5 a 20 dias‐multa, além das penas
correspondentes à violência prevista no Código
Penal.
Vale ressaltar que, ao contrário do que muitos pensam, não há uma
área livre no mundo da internet, seja no que tange às relações privadas,
seja no que concerne às relações públicas, para o cometimento de
quaisquer ilícitos. Embora não se tenha um Código Digital ou algo
congênere, há normas esparsas distribuídas em inúmeras leis que
protegem e tutelam direitos que podem ser violados durante a campanha
eleitoral, dentre elas, além das já trabalhadas anteriormente (Constituição
Federal, Lei das Eleições, Código Eleitoral e Resolução nº 23.457/2016 do
TSE); há o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) que estabelece
princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil,
tais como a liberdade de expressão, o respeito aos direitos humanos, a
proteção dos dados pessoais e o respeito a privacidade, dentre outros
transcritos nos art. 2º e 3º da aludida lei. In verbis:
Art. o A disciplina do uso da internet no Brasil
tem como fundamento o respeito à liberdade de
expressão, bem como:
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31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57560
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I ‐ o reconhecimento da escala mundial da rede;
II ‐ os direitos humanos, o desenvolvimento da
personalidade e o exercício da cidadania em meios
digitais;
III ‐ a pluralidade e a diversidade;
IV ‐ a abertura e a colaboração;
V ‐ a livre iniciativa, a livre concorrência e a
defesa do consumidor; e
VI ‐ a finalidade social da rede.
Art. o A disciplina do uso da internet no Brasil
tem os seguintes princípios:
I ‐ garantia da liberdade de expressão,
comunicação e manifestação de pensamento, nos
termos da Constituição Federal;
II ‐ proteção da privacidade;
III ‐ proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV ‐ preservação e garantia da neutralidade de
rede;
V ‐ preservação da estabilidade, segurança e
funcionalidade da rede, por meio de medidas
técnicas compatíveis com os padrões internacionais
e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI ‐ responsabilização dos agentes de acordo
com suas atividades, nos termos da lei;
VII ‐ preservação da natureza participativa da
rede;
VIII ‐ liberdade dos modelos de negócios
promovidos na internet, desde que não conflitem
com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.
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Parágrafo único. Os princípios expressos nesta
Lei não excluem outros previstos no ordenamento
jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados
internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.
Considerações Finais
À guisa de conclusão é perceptível que o maior desafio não é a
existência de um regramento atinente à propaganda eleitoral realizada
pela internet no Brasil, mas o respeito a tal regramento em uma sociedade
cada vez mais permeada de novas tecnologias e de novos valores. Além
disso, é desafiador também a punição dos atores envolvidos, seja nas
propagandas negativas, sejam nas propagandas nocivas ao Estado
Democrático de Direito, pois, a publicação/disponibilização de uma ofensa
nas redes sociais, por exemplo, pode vim de qualquer parte do globo.
Ademais, necessita‐se compreender as regras e vedações da
propaganda eleitoral realizada na internet não apenas para conformar a
campanha eleitoral ao direito infraconstitucional, mas também
coadunando‐o com os cânones jurídicos, isto é, com os pilares do Estado
Democrático de Direito, como as normas‐regras e normas‐princípios
atinentes aos direitos humanos.
Contudo, faz‐se indispensável, diante desse novo contexto
tecnológico, a observância às normas que imponham limites à atuação da
propaganda eleitoral, principalmente na internet, onde os atores
envolvidos na campanha política supõem ser uma área livre para o
cometimento de quaisquer ilícitos, atingindo muitas vezes bens caros à
paz social ou até proporcionando divisões sociais, entre pobres e ricos, por
exemplo, que enfraquecem o regime democrático. Além disso, tais regras
proporcionam que se evite a ocorrência de constantes violações aos
direitos fundamentais dos outros candidatos, bem como a lisura das
eleições e o abuso do poder político e/ou econômico.
Referências
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A FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
TALITA LEIXAS RANGEL: Advogada, Pós-Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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RESUMO: O presente trabalho busca estudar a figura da indenização
punitiva e a possibilidade de aplicação da mesma ao sistema jurídico
brasileiro. Para tanto, busca‐se investigar as origens do instituto
dos punitive damages e averiguar de que forma o mesmo é aplicado no
direito comparado, bem como analisar a compatibilidade da função
punitiva da responsabilidade civil com o ordenamento jurídico brasileiro,
seus fundamentos e requisitos de aplicação, além de sua utilidade prática
na prevenção de certos ilícitos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Indenização punitiva: surgimento, contornos e aplicação no direito estrangeiro. 2.1. A origem da doutrina dos punitive damages: o Direito anglo-americano. 2.1.1. Conceito e finalidades do instituto. 2.1.2. Reino Unido, o berço dos punitive damages. 2.1.3. A experiência estadunidense. 2.2. A tradição romano-germânica. 3. Aplicabilidade da função punitiva ao direito brasileiro. 3.1. A função punitiva e seus fundamentos, pressupostos e áreas de aplicação. 3.1.1. A indenização punitiva como mecanismo de tutela de direitos fundamentais e de efetivação da solidariedade social. 3.1.2 Pressupostos. 3.1.3. As possíveis áreas de aplicação. 3.2 Críticas e contracríticas. 3.2.1. Direito Penal versus Direito Civil. 3.2.2. O mito das indenizações excessivas e a razão de ser da atribuição da parcela punitiva ao lesado. 3.2.3. O recurso à culpa como forma de concretização do princípio da isonomia. A necessidade de observância do princípio da motivação das decisões judiciais. 4. Conclusão.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Funções. Indenização Punitiva. Punitive Damages.
1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, entende-se como cabível à responsabilidade civil o papel de reparar um dano sofrido, indenizando-o, o que ocorre com a restauração do status quo ante do lesado mediante o pagamento, em regra, de quantia em dinheiro[1], caso impossível prestação reparadora in natura.
Com efeito, o artigo 944 do Código Civil brasileiro prevê expressamente, na nomenclatura de J. De Aguiar Dias[2], o
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princípio da restituição, o qual impõe que a função precípua da responsabilidade civil é reparar o prejuízo, sendo o mesmo tão essencial à noção de responsabilidade que “a obrigação de ressarcir logicamente não pode concretizar-se onde não há nada que reparar” [3].
Dessarte, partindo-se de uma interpretação bastante literal do referido dispositivo, corroborada pelo entendimento clássico da doutrina, o valor da indenização seria medido tão somente pela extensão do dano, sem quaisquer considerações acerca do desvalor da conduta do ofensor.
Contudo, nota-se que parte da doutrina e jurisprudência, sobretudo a partir do advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, vem enxergando na responsabilidade civil, além da função reparatória, um viés punitivo[4].
Isso porque a responsabilidade civil, por ser um instituto que transborda as fronteiras jurídicas e se conecta em especial com o fenômeno social, tem caráter extremamente dinâmico, que impulsiona constantes transformações e adaptações às novas necessidades sociais. Nessa esteira, constata Maria Celina Bodin de Moraes que “a responsabilidade civil tem representado nos países ocidentais um papel verdadeiramente revolucionário configurando-se como uma das instâncias primárias de mediação entre as práticas sociais e tutela jurídica” [5].
A busca por um redimensionamento da responsabilidade civil encontra raízes já no início do século XX, quando o positivista Ihering, percebendo o afastamento do Direito em relação às questões sociais e problemas contemporâneos, defendeu que os conceitos jurídicos devem ser construídos em função da vida cotidiana, não podendo ser considerados fins em si mesmos. O diagnóstico do nobre jurista ainda mostra-se atual: o Direito, enquanto ciência destinada a regular a vida em sociedade, deve procurar estar em consonância com seus problemas e conflitos, atualizando-se de maneira a ajustar suas estruturas à vida concreta[6].
A almejada reformulação dos conceitos e funções da responsabilidade civil pode ser encarada, também, como produto
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de um ativismo judicial ou judicialização do Direito[7], com maior protagonismo dos órgãos do Poder Judiciário na regulamentação, integração e ajustamento da vida em sociedade.
Contudo, há quem veja nessa possibilidade de atuação mais proativa do Judiciário uma ameaça à segurança jurídica, eis que a mesma ensejaria um aumento exponencial do ajuizamento de demandas ressarcitórias, especialmente no que tange ao dano extrapatrimonial - cujas fronteiras ainda encontram-se sob formulação -, fenômeno que tem sido chamado pejorativamente de “indústria do dano moral”.
A “crise do paradigma reparatório”, portanto, conduziu juristas numa tentativa de adequar o Direito às rápidas mudanças da vida cotidiana e aos novos e complexos conflitos verificados na sociedade contemporânea, o que acreditam ser possível com a superação do modelo tradicional e ampliação das fronteiras da responsabilidade civil tal como conhecemos hoje para abranger outras funções, dentre as quais se inclui a punitiva.
O tema é tão polêmico que repercute para além do campo do Direito privado, irradiando-se para a esfera penal. Os penalistas, por sua vez, parecem ver com bons olhos a adição de um caráter punitivo à responsabilidade civil, o que reforçaria o recurso ao Direito penal como ultima ratio. Nessa (re)formulação, a prevenção buscada pela persecução penal seria passível de obtenção, em certos casos, pela reparação civil - cuja incidência na esfera individual do condenado é extremamente menor que a sentida pelo réu no crime -, sendo assim despicienda a invasiva e excepcional[8] ação penal.[9]
Nesse cenário de dúvidas e debates é que se insere a problemática da função punitiva da responsabilidade civil. O que se pretende com o presente trabalho é, longe de esgotar o tema, contextualiza-lo e apresentar os diversos posicionamentos existentes quanto ao mesmo nas doutrinas nacional e estrangeira para, ao final, analisar a compatibilidade da função punitiva com o nosso ordenamento.
2. INDENIZAÇÃO PUNITIVA[ ]: SURGIMENTO, CONTORNOS E
APLICAÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO
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2.1. A origem da doutrina dos punitive damages: o Direito anglo‐
americano
2.1.1 Conceito e finalidades do instituto
Pode-se dizer que os punitive damages englobam uma indenização de valor variável, adicional à compensatória, aplicável nos casos em que se verifique que o réu agiu de maneira negligente, maliciosa ou dolosa. Saliente-se a necessidade de um elemento subjetivo qualificado na conduta do ofensor, a qual deve ser especialmente reprovável, pois “estes danos deverão ser atribuídos apenas a condutas para as quais este remédio é apropriado, isto é, condutas que envolvam elementos de transgressão, similares aos encontrados no crime” [11].
O objetivo primordial dos punitive ou exemplary damages[12] é o de punir o ofensor por sua conduta ultrajante e dissuadir a prática de condutas semelhantes tanto por ele quanto por terceiros, motivo pelo qual “entende-se que, na realização desses propósitos, os punitive damages atuam em prol do interesse público e social” [13].
Em linhas gerais, atribui-se também à figura as finalidades de preencher lacunas da legislação criminal, “punindo condutas que, a despeito de sua atipicidade, merecem punição”, bem como de “atuar como mecanismo para a proteção de consumidores contra práticas comerciais fraudulentas ou ofensivas à boa-fé” [14][15].
2.1.2. Reino Unido, o berço dos punitive damages
Embora já verificadas condenações civis com caráter punitivo na Inglaterra desde o século XIII[16], foi somente em 1763[17], no caso Wilkes v. Wood, que expressamente se atribuiu uma função punitiva à responsabilidade civil.
John Wilkes, opositor do Parlamento, externou em artigo de sua autoria descontentamento com a política do Rei George III, o que ensejou arrombamento e buscas ilegais em sua residência por parte de agentes do Rei, razão pela qual intentou uma action for trespass contra Mr. Wood, subsecretário de Estado e supervisor da ação ilegal[18]. A partir de então, em casos de abuso de autoridade,
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os Tribunais passaram a conferir punitive damages, que “ergueram-se assim como os estandartes do respeito pelo direito à reserva da vida privada e pela liberdade do indivíduo contra os abusos de poder”[19] [20] através da punição dos agentes e do exercício de “uma função dissuasória relativamente a futuros comportamentos por parte dos mesmos (prevenção especial), ou de terceiros (prevenção geral)”[21].
Cumpre salientar, entretanto, que o instituto dos punitive damages foi inicialmente pensado como meio de possibilitar a compensação dos danos imateriais, eis que nos séculos XVIII e XIX a jurisprudência inglesa ainda não admitia a atribuição ao lesado de indenização por danos extrapatrimoniais. Em sua origem, portanto, a figura surge em confusão com o atual dano moral, com o objetivo não só de punir e prevenir, mas também de reparar lesões ao patrimônio intangível[22].
A confusão entre as funções compensatória e reparatória perdurou até meados do século XX, quando, na Inglaterra, em 1964, no caso Rookes v. Barnard, foi delimitado o âmbito de aplicação da indenização punitiva, estabelecendo-se uma diferenciação entre esta e a indenização reparatória.
A referida modificação foi produto do reconhecimento da indenizabilidade do dano extrapatrimonial, o qual passou a ser enquadrado no cálculo dos actual damages (que, até então, abarcavam apenas os prejuízos de ordem material) e, portanto, passível de compensação. Por esse motivo, os tribunais, compelidos a analisar os exemplary damages[23] unicamente sob a perspectiva da punição e prevenção, estabeleceram a diferença entre estes, “cuja função seria tão só prevenir condutas graves e punir o agente”[24], e os aggravated damages, “resultantes do impacto da conduta do infractor na dignidade do lesado”[25].
Disso resulta um sistema de condenação em indenizações punitivas bastante controlado, no qual existe a figura do categorie test, que impõe uma análise casuística da presença ou não de uma das três situações ensejadoras de dano punitivo supracitadas.
A primeira categoria remete exatamente à já mencionada tutela da liberdade individual frente ao poder do Estado, buscando
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proteger os cidadãos de abusos provenientes de funcionários públicos, especialmente num país com herança monárquica centralizada em uma corte autoritária[26]. Os tribunais ingleses passaram então a impor punitive damages quando verificadas condutas abusivas (opressivas ou arbitrárias ou inconstitucionais; há aqui uma alternatividade) que causassem danos físicos, mentais ou financeiros aos jurisdicionados, sendo interessante ressaltar que a interpretação do conceito de “servidor público” era bastante ampla, abrangendo mesmo aqueles que não fossem efetivamente funcionários da Coroa, mas exercessem algum múnus público, o que se explica pelo fato de que “a finalidade dos puntive damages nesses casos [é] punir e coibir condutas abusivas derivadas de uma superioridade de poder cujo mote é a função pública exercida, quando esta deveria servir, ao contrário, para representar os interesses dos cidadãos”[27].
A segunda categoria ocasionadora de indenização punitiva envolve condutas orientadas por uma racionalidade econômica e que desprezam eventuais lesões a direitos de terceiros. Em outros termos, seriam investidas nas quais o ofensor calcula previamente que os benefícios pecuniários obtidos com seu ato serão superiores a uma possível indenização reparatória que venha a ser condenado a pagar à vítima[28]. Esse posicionamento foi bastante questionado pelos empresários, que nele enxergavam um óbice ao desenvolvimento industrial haja vista a constante ameaça de ter uma conduta enquadrada na hipótese sob comento, o que levou a jurisprudência a estipular dois requisitos de aplicação da mesma: a prova do conhecimento, pelo réu, da antijuridicidade de sua conduta, bem como a determinação de, ainda assim, perpetrar o ato danoso tendo em vista o horizonte lucrativo.
Por fim, a terceira categoria autorizadora da condenação em danos punitivos, a das hipóteses com previsão legal, vem sendo objeto de críticas e reformulações, seja por imprecisões terminológicas[29], seja por alegar-se a desnecessidade de previsão expressa, eis que bastaria o enquadramento em uma das
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outras duas categorias para permitir a concessão dos danos punitivos, devendo ser reguladas apenas as exceções[30] [31].
Não obstante terem aplicação restrita e sujeita a diversos filtros, a utilização punitive damages vem sendo alvo de críticas na Inglaterra, muitas das quais se repetem na doutrina brasileira e que, por isso, serão analisadas em momento oportuno[32]. Por ora, convém mencionar apenas a objeção ao recurso ao júri para julgamento dos casos que envolvam exemplary damages, que não se aplica à realidade brasileira. A crítica que se faz é que as decisões de um júri composto por leigos são baseadas em sentimentalismos e acabam se tornando atécnicas.
Como consequência, a imprevisibilidade das condenações, que por vezes são bastante elevadas, acabaria por causar desastrosos efeitos na contabilidade das empresas, que são os réus mais acionados pelo sistema.
Dessa breve análise do direito inglês pode-se extrair um panorama de aplicação controlada da indenização punitiva, sujeita a critérios previamente estabelecidos e com indenizações razoáveis, que prestigia a segurança jurídica através da importância conferida à fundamentação das decisões, que devem sempre remeter a uma das categorias tipificadas.
2.1.3. A experiência estadunidense
Na tort law[33], os punitive damages são definifidos como “damages, other than compensatory or nominal damages, awarded against a person to punish him for his outrageous conduct an deter him and other like him from similar conduct in the future”[34].
A inserção da figura no sistema jurídico americano se deu por influência da colonização inglesa, tendo, contudo, o tort system do país americano se desenvolvido de maneira bastante peculiar.
Inicialmente, pode-se constatar que os punitive damages eram atribuídos a casos em que a conduta do ofensor humilhava ou insultava a vítima, atentando contra sua honra e reputação[35], donde se extrai uma nítida confusão com o abalo moral ensejador do dano extrapatrimonial[36]. Nesse período de
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apego à honra, a humilhação da vítima refletia repugnância de toda a sociedade à conduta lesiva, razão pela qual a reação do ordenamento através dos danos punitivos representava a vingança de toda a coletividade.
Com o passar do tempo, o avanço tecnológico e a mecanização da sociedade vieram a produzir novos danos em relação aos quais não estava necessariamente atrelado um abalo moral, provenientes principalmente de abusos de poder econômico por parte das companhias (tanto quanto aos clientes como quanto aos trabalhadores). Para não deixar passar impunes lesões dessa espécie é que a jurisprudência alargou o âmbito de aplicação dos danos punitivos – que, até então, só eram impostos caso o ofendido comprovasse o atuar doloso do ofensor -, que passaram a abarcar comportamentos pautados por negligência grosseira em situações de acidentes de trabalho, acidentes de viação e negligência médica.
O atual estágio de desenvolvimento dos punitive damages norte-americanos se iniciou no pós-Segunda Guerra Mundial, período em que os Estados Unidos experimentaram uma explosão do consumo e da produção, com correspondente aumento dos danos causados pelos produtos colocados no mercado, ensejando o surgimento da doutrina da responsabilidade civil do produtor (products strict liability).
A responsabilidade do produtor era, inicialmente, baseada no atuar negligente, ou seja, na culpa, o que perdurou até 1963 quando, no caso Greenman v. Yuba Power Products, Inc., o Supremo Tribunal da Califórnia expressamente afirmou a responsabilidade objetiva pelo fato do produto. A partir de então, doutrina e jurisprudência passaram a questionar a imposição de indenização punitiva nos casos de products liability, haja vista que os punitive damages sempre tiveram por alicerce a análise da culpa do ofensor.
Dessarte, a dinâmica atual da tort law nos EUA permite a aplicação dos danos punitivos aos casos de condutas dolosas e gravemente negligentes, como assentado nas duas primeiras fases de desenvolvimento do instituto, aos quais adiciona-se a terceira e recente fase da responsabilização do produtor, que demonstra uma
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necessidade de prevenir condutas lesivas e também de regular o bom funcionamento da economia pela exclusão dos “maus jogadores”, “em uma visão estritamente socializante do dano e da indenização”[37].
O labor jurisprudencial americano, em regra, fundamenta a utilização dos punitive damages em três pilares: a compensação do ofendido, a punição do ofensor e a prevenção de novos danos[38].
A função compensatória é fruto da existência ainda incipiente de uma categoria autônoma de reparação do dano moral, o que leva os tribunais a inserirem no âmbito da indenização punitiva uma indenização reparadora da lesão extrapatrimonial, como ocorria nos primórdios da aplicação da figura no direito inglês, que, atualmente, já procedeu à separação das categorias, tendo forjado o conceito dos aggravated damages.
A função punitiva do instituto é prevista em boa parte dos estados americanos, divergindo as unidades federativas, entretanto, quanto ao propósito perseguido pela indenização punitiva: se consiste em mecanismo de vingança privada destinado a reconfortar o ofendido, ou em espécie de apaziguamento social com a aplicação da figura.
No tort system americano, via de regra, a fixação do quantum indenizatório cabe ao júri[39], que tem ampla liberdade para definir o montante a ser concedido ao autor. Dessa falta de critérios de quantificação resultaram algumas condenações esdrúxulas, o que ensejou um alarmismo quanto a abusos cometidos no âmbito de aplicação dos danos exemplares, que não são um retrato fiel da grande parte das decisões acerca dos punitive damages.
As maiores críticas que sofre o tort law norte-americano são aquelas relativas à imprevisibilidade das indenizações e ao elevado valor que estas podem atingir, sendo recorrentes discursos no sentido de que as indenizações estão fora de controle e que as altas quantias despendidas pelas empresas no pagamento de danos punitivos seriam repassadas ao consumidor através do aumento do preço dos produtos comercializados.
Todavia, todo esse denuncismo não corresponde à realidade do tort system, o que se pode concluir da análise de um conjunto de
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dados. Inicialmente, cumpre salientar o baixo percentual de condenações em punitive damages, que corresponde apenas a menos de 4% dos casos em que aquela indenização é demandada[40]. Outrossim, não há qualquer dado que demonstre um crescimento da quantidade de decisões que deferem os danos punitivos ou mesmo qualquer estudo que indique uma elevação exacerbada do montante das condenações[41].
Também é importante na tarefa de desfazer o mito das indenizações milionárias lembrar que, em treze Estados americanos[42], parte das somas impostas a título de dano exemplar é destinada a fundos públicos, fazendo ruir as acusações de enriquecimento ilícito da vítima. Nesses moldes, a responsabilidade civil faz relevar a figura do indivíduo como um ator social, que traz à Justiça o causador do dano. Assim é no sistema inglês, por exemplo, onde a quantia destinada à vítima a título de exemplary damages é encarada como uma recompensa ao cidadão que exerce esse múnus público.
Ainda quanto às supostas condenações exorbitantes, cabe ressaltar que a média das condenações em punitive damages é de US$ 38,000, valor bem inferior aos noticiados pela imprensa[43]. Outra consideração que se pode fazer no que tange ao quantum indenizatório é que sua fixação em patamares excessivos é, por vezes, resultado da atuação leiga do júri, problema que, em tese, não se verificaria em países de civil law, onde as causas de responsabilidade civil são submetidas ao crivo de juízes togados.
Adicione-se a isso o fato de que diversos Estados americanos impõem tetos indenizatórios ou exigem que os punitive damages sejam fixados em valor proporcional aos danos compensatórios[44].
Fica claro então que o recurso aos punitive damages surge nos EUA como resultado da ineficácia da função reparatória da responsabilidade civil, como única forma de assegurar que o comportamento dos agentes econômicos não comprometa a vida e a segurança dos cidadãos, porquanto nem a indenização compensatória nem as normas legais acerca da segurança dos
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produtos mostraram-se instrumentos eficazes para persuadi-los a atuar de acordo com o interesse público.
2.2. A tradição romano‐germânica
No âmbito dos ordenamentos filiados à civil law, mostram-se relevantes as experiências de Alemanha e França quanto a um viés punitivo da responsabilidade civil.
A recente jurisprudência alemã vem alicerçando suas decisões em argumentos que levam a concluir pela aceitação da indenização punitiva, ainda que de forma implícita. Com efeito, nos casos atinentes a violações de direitos da personalidade, que se manifestam mais frequentemente na utilização indevida da imagem de figuras públicas, os tribunais alemães têm condenado os ofensores a restituir à vítima todo o lucro obtido com a conduta ilícita, ainda que esse valor supere o dano efetivamente sofrido, do que se conclui que tudo aquilo que excede o prejuízo do lesado “corresponde a uma pena imposta ao autor da conduta como única forma de o dissuadir de voltar a adoptar esse comportamento”[45], posicionamento que, sem dúvidas, rompe com a função unicamente reparadora da responsabilidade civil outrora enunciada.
Por isso é que se diz que o Direito germânico tem reconhecido uma dupla função da responsabilidade civil, a qual busca conferir à vítima uma compensação adequada ao dano sofrido, sem deixar de levar em conta que o ofensor lhe deve satisfação pelo que fez. Nota-se aqui que o conceito de “satisfação” para a doutrina alemã é bastante amplo.
De fato, os juristas alemães indicam que três finalidades seriam buscadas pela função satisfatória inerente à indenização punitiva, quais sejam: “'apaziguar o senso de justiça ferido' do lesado, 'impor ao ofensor um sensível sacrifício patrimonial'; e 'atuar preventivamente no futuro'. Daí por que o conceito de 'satisfação' tem sido interpretado como 'sinônimo de pena privada'”, sendo que a quantia fixada a título de satisfação “'deve atuar em primeira linha sobre o ofensor; além disto e de modo preventivo, também sobre o público'”[46].
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Desse cenário é que se pode concluir que o sistema jurídico da Alemanha vem cada vez mais incorporando nuances punitivas à sua doutrina de responsabilidade civil, também buscando prestigiar o caráter preventivo da indenização exemplar.
Na França, por sua vez, a jurisprudência tem elevado o montante dos danos concedidos a título de compensação de lesões extrapatrimoniais quando verificada especial reprovabilidade da conduta do ofensor. Exemplo disso é estudo que constatou que as indenizações concedidas nos casos de homicídio culposo eram em média maiores que aquelas atribuídas quando o réu era demandado em termos de responsabilidade objetiva[47], ficando clara a consideração da culpa do ofensor na fixação da indenização, característica dos danos punitivos.
Uma análise mais detida do labor jurisprudencial francês, portanto, demonstra o atuar velado dos tribunais na concessão de indenizações punitivas, donde se extrai um “desejo humano, quase natural, de sancionar os réus que causaram prejuízos decorrentes de sua conduta culposa” [48].
Dessa breve análise, o que se pode notar é que, por um apego ao princípio da reparação integral, bem como por uma negativa em repensar as funções tradicionalmente atribuídas à responsabilidade civil, a prática jurisprudencial francesa vem mascarando a punição sob o manto do dano moral, tendência que também se verifica no Brasil. Aliás, o panorama francês é, como um todo, bastante similar à realidade brasileira, motivo pelo qual abordar a experiência daquele país se mostra fundamental.
França e Alemanha tem em comum a reticência em aceitar expressamente a doutrina da indenização punitiva, aplicando, contudo, seus corolários de maneira velada, que inegavelmente mostram-se úteis na regulação da atual sociedade regida por uma dinâmica mercadológica.
Inegável também é a importância do princípio da reparação integral, que não pode ser olvidado, mas sim merece ser combinado com outras e novas ideias, já não podendo vigorar como um dogma. A tendência atual de uma responsabilidade civil socializante induz até mesmo os sistemas que mais valorizam a tradição da restitutio
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in integro, caso de Alemanha e França, a se renderem à ampliação de suas fronteiras.
3. APLICABILIDADE DA FUNÇÃO PUNITIVA AO DIREITO BRASILEIRO
As reflexões acerca do papel da responsabilidade civil são produto de sensíveis mudanças experimentadas pela sociedade desde o século passado, quando as relações sociais deixaram de ser atinentes apenas à esfera individual e tornaram-se “de massa”, como, por exemplo, em casos de danos ao consumidor ou ao meio ambiente.
Em um contexto de busca pelo lucro, lastreado em uma lógica capitalista liberal, o uso da tecnologia em constante sofisticação expôs toda a sociedade a riscos antes impensáveis, tornando todo e qualquer membro de um grupo humano vítima potencial de um produto ou serviço defeituoso.
Assim é que as alterações da vida material tornaram indispensável a reformulação das normas jurídicas, não podendo o campo da responsabilidade civil fugir a essa lógica. A referida reformulação atingiu o próprio papel do instituto, avultando a ideia de uma responsabilidade civil que possa também prevenir os danos consequentes da nova configuração da sociedade, através de uma punição àqueles que os ocasionarem.
Adicione-se ainda a tendência de retração do Direito Penal, que deve cingir-se às hipóteses de ofensas que atingem com maior gravidade a ordem social ou bens jurídicos de maior relevância, abrindo alas para a retomada do escopo sancionador da responsabilidade civil.
Daí é que se questiona se a indenização punitiva seria compatível com o sistema jurídico brasileiro, quais seriam os fundamentos e finalidades do instituto, suas hipóteses de cabimento e pressupostos.
3.1. A função punitiva e seus fundamentos, pressupostos e áreas de
aplicação
3.1.1. A indenização punitiva como mecanismo de tutela de direitos fundamentais e de efetivação da solidariedade social
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Judith Martins-Costa, ao analisar o sistema de responsabilidade civil brasileiro por dano moral, concluiu ser plenamente possível o recurso à função exemplar nos termos da legislação vigente, sem que seja necessária qualquer inovação no ordenamento. Isto porque, indica a autora, no Brasil, é amplíssima a possibilidade de satisfação do dano extrapatrimonial, que é regulada por uma série de cláusulas gerais, as quais combinadas formam um sistema bastante flexível[49], permitindo a utilização do critério punitivo.
Acrescenta que a regra de simetria entre indenização e dano contida no artigo 944 do Código Civil aplica-se apenas ao dano patrimonial, “pois não há como mensurar monetariamente a extensão do dano extrapatrimonial: nesse caso, o que cabe é uma ponderação axiológica, traduzida em valores monetários” [50] [51].
Busca, como fundamento da indenização punitiva, elemento externo ao Código Civil: o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, do qual decorre o reconhecimento constitucional da tutela dos direitos da personalidade, que tem previsão no artigo 5º, incisos V e X.
Essa doutrina é produto da consolidação de um Estado constitucional de Direito, que se opõe ao modelo de Estado legislativo de Direito de outrora. Com a referida mudança de paradigma, a axiologia constitucional passou a irradiar-se por todo o ordenamento, acarretando, no que toca ao âmbito desse trabalho, duas transformações dignas de destaque.
A primeira delas foi a elevação da dignidade da pessoa humana ao
status de fundamento da República (art. 1º, III, CFRB), promovendo
uma despatrimonialização e uma repersonalização do direito privado, que
passou a enfatizar valores existenciais.
De outro lado, temos a doutrina da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas, que prega a incidência das normas constitucionais às relações entre particulares.
Daí é que os órgãos judiciais passaram a não apenas interpretar a Constituição, mas também a aplicá-la diretamente,
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adotando uma postura mais ativa na implementação dos valores e fins constitucionais.
Assim, partindo-se da ideia de que o texto constitucional tem força normativa[52], prescindindo da atuação do legislador infraconstitucional para sua aplicação, incabível a recusa em aplicar a lógica punitiva à responsabilidade civil por ausência de previsão no Código Civil ou em outra lei ordinária. Sendo a indenização punitiva um eficaz mecanismo de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e seus corolários, seu emprego encontra-se autorizado por norma constitucional.
3.1.2. Pressupostos
A indenização punitiva está sujeita ao atendimento dos requisitos gerais do nascimento do dever de indenizar, quais sejam a conduta, o dano e o nexo causal. Entretanto, a doutrina cunhou pressupostos específicos para que se possa aplicar o instituto na realidade brasileira, do que se extrai que a indenização punitiva não será cabível em todas as hipóteses de responsabilidade civil, mas apenas naquelas em que verificados, além dos pressupostos genéricos, os requisitos específicos que autorizem a sua cominação como medida excepcional destinada às ofensas particularmente mais reprováveis.
Estipulou-se, como requisito inicial, a ocorrência de um dano moral[53] como condição sine qua non para a aplicação da indenização punitiva independentemente de previsão legal infraconstitucional. Isto porque o instituto só pode ser utilizado com fundamento direto nas normas constitucionais naquelas hipóteses em que objetivar a tutela de um atributo inerente à pessoa humana – que é o caso da indenização por dano moral -, constituindo, pois, uma forma de implementar um mandado constitucional, nos termos supracitados.
Um segundo requisito é qualificação subjetiva da conduta do ofensor. Assim, é fundamental que se estabeleça o grau de culpa do autor, diferenciando-se da responsabilidade civil em geral, na qual não se considera o grau de culpa do agente.
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A sanção civil deve ser destinada, portanto, apenas aos casos de dolo ou culpa grave, nos quais o comportamento do agente mostra-se especialmente censurável. Desta feita, a indenização com caráter punitivo teria lugar quando manifesta a intenção lesiva do ofensor ou sua indiferença pelo direito do lesado, exigindo uma especial gravidade no atuar do ofensor de forma a justificar sua intervenção excepcional.
3.1.3. As possíveis áreas de aplicação
É certo que a principal finalidade da indenização punitiva é assegurar uma tutela eficaz dos direitos da personalidade, tornando-se o Direito Civil um importante mecanismo a serviço dos valores constitucionalmente consagrados. Com efeito, em uma sociedade na qual a busca incessante pelo lucro se sobrepõe ao respeito pela pessoa humana, e na qual o Direito Penal não se mostra apto a oferecer uma resposta suficientemente eficaz no sentido de prevenir tais condutas, avulta a responsabilidade civil como meio de proteção dos valores citados.
É nesse momento de crise de valores que se mostra necessária uma contraofensiva do ordenamento jurídico, sendo a opção pelos danos punitivos uma sólida barreira a condutas incondizentes com os padrões éticos da sociedade.
Assim é que, ao mesmo tempo em que a utilização da indenização punitiva pune violadores de direitos da personalidade e, outrossim, previne a adoção de comportamentos semelhantes pelo próprio agente (prevenção especial) ou por terceiros (prevenção geral), possibilita a defesa dos valores subjacentes a tais direitos, tarefa que o Direito Penal parece incapaz de cumprir.
Sob um prisma econômico, outro papel que pode desempenhar o dano punitivo é o de eliminação do lucro ilícito do ofensor, que não é necessariamente combatido pela função meramente compensatória da responsabilidade civil, o que faz com que, por vezes, a prática de certos atos lesivos torne-se economicamente vantajosa.
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Por fim, a indenização punitiva pode atuar como instrumento de tutela da liberdade contratual, evitando o chamado curto-circuito do contrato (contractual by-pass).
Trata-se de casos em que a responsabilidade civil constituiria espécie de atalho que evitaria o caminho contratual, permitindo a invasão da esfera jurídica do titular do bem usurpado sem que este consinta, retirando-lhe a possibilidade de decidir acerca da realização ou não da alienação, bem sobre as condições de efetivação da mesma.
Os ofensores, certos de que a condenação reparatória configura preço satisfatório para a obtenção unilateral de um bem que deveria depender de manifestação de vontade bilateral, desrespeitam a liberdade contratual (liberdade de não contratar e de negociar as bases do contrato) e se apropriam do bem alheio.
Ilustra essa problemática o processo movido pela cantora Bette Midler contra a montadora Ford, que, não concordando com o cachê cobrado pela cantora para participar de campanha publicitária da marca, propôs, por um valor bem menor, a outra cantora da banda de Bette que imitasse sua voz, o que aconteceu de forma quase perfeita, fazendo com que grande parte do público realmente acreditasse que a própria Bette participara do anúncio. Ao julgar o caso, o tribunal entendeu que a Ford atuou de forma semelhante à de um ladrão, guiada pela lógica de que “if we can't buy it, we'll take it”, justificando a imposição de danos punitivos porque a ré apropriou-se da imagem de Bette, o que mostrou-se mais vantajoso economicamente que obter o consenso da titular o bem.
Esse tipo de comportamento é incentivado em um contexto em que o dano moral é subestimado e o lucro cessante deve ser provado pelo lesado, tornando-se, portanto, uma alternativa muito mais viável, a partir de uma lógica matemática, a opção por uma indenização puramente ressarcitória do que a obtenção do consentimento da outra parte. Nesse cenário, apenas a imposição da indenização punitiva poderá persuadir o ofensor a celebrar o contrato.
3.2. Críticas e contracríticas
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3.2.1. Direito Penal versus Direito Civil
Com a doutrina da indenização punitiva, caracteres de punição e prevenção foram adicionados ao Direito Civil, que passou a ter escopos em parte coincidentes com os do Direito Penal, o que suscita a maioria das críticas destinadas aos danos punitivos. A mais recorrente delas é no sentido de que a utilização da função punitiva violaria o princípio da legalidade - que veda a imposição de uma pena sem que haja uma lei anterior que a preveja -, eis que inexistente dispositivo legal no ordenamento brasileiro que estipule a indenização punitiva.
Primeiramente, é salutar sublinhar que a prática jurídica contemporânea exige cada vez mais um olhar menos sistematizador dos ramos do Direito, com uma consequente “relativização do caráter hermético dos microssistemas” [54] - tendência que já se verifica na doutrina do direito civil-constitucional[55] -, que devem influenciar-se mutuamente, formando um todo harmonioso e coerente.
O cenário atual de crescente menosprezo pelos direitos da personalidade quando confrontados com interesses econômicos exige uma resposta à altura do ordenamento jurídico, o qual não pode contar apenas com a lei penal e o Direito Público para tutelá-los.
Isto porque a legislação penal, com seus tipos estritamente fechados, não prevê todas as condutas ensejadoras de danos - em especial em uma sociedade dinâmica, em rápida e constante mudança -, motivo pelo qual diversos atentados à dignidade humana e aos direitos da personalidade configuram indiferentes penais e, pela lógica apenas reparatória, ficariam imunes a qualquer sanção jurídica.
Por outro lado, nem sempre o Direito Penal se mostrará apto a prevenir ilícitos da maneira mais eficaz, eis que construído em torno de conceitos tradicionais e que não abrangem os novos danos criados pela sociedade de risco. Tome-se como exemplo o fato de o Direito Penal clássico ter sido concebido para lidar com crimes cometidos por pessoas físicas enquanto que, nos casos de
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indenização punitiva, verifica-se que grande parte dos ilícitos são perpetrados por pessoas jurídicas.
É sabido que o Direito Penal se destina à regulação de tensões sociais particularmente graves, do que, consequentemente, decorre que as penalidades impostas nessa seara são indubitavelmente mais severas que as cominadas no âmbito cível, diferenciando-se as espécies de sanções, portanto, não por sua substância, mas sim pelo grau de invasão da esfera privada que cada uma enseja. Essa diferença é que justifica a “existência de regras distintas de competência e de procedimento entre as duas jurisdições”, bem como “a aplicação em sede exclusivamente penal do princípio da legalidade” [56].
Assim, não obstante a natureza de pena privada, a indenização
punitiva não se submete ao princípio da legalidade penal, que foi cunhado
para balizar a aplicação apenas das sanções penais, notadamente mais
graves e que configuram constrição a valores muito mais sensíveis, como
a liberdade ou, em certos países, a vida e a integridade física.
Ademais, argumenta‐se que a condenação cível punitiva daria azo
à aplicação de uma dupla pena, que existiria tanto no juízo cível como no
juízo criminal, violando‐se assim o princípio do non bis in idem, bem como
possibilitaria a imposição de uma pena sem a observância das garantias
que permeiam o processo penal, com a mitigação de princípios como o da
presunção de inocência, da busca pela verdade real, dentre outros.
Contudo, como já assentado pela doutrina e pela jurisprudência
pátrias, mostra‐se plenamente possível a aplicação de penalidades cíveis
e criminais a um mesmo fato sem que haja transgressão da garantia do bis
in idem[57], haja vista a independência entre as instâncias cível e criminal.
O importante é notar que a função de punir não pode ser delegada apenas ao Direito Penal, ramo que se mostra fragmentário e lacunoso, e que nem sempre goza dos meios punitivos mais adequados e proporcionais para sancionar certas condutas, as quais, não obstante consubstanciarem graves ofensas a bens jurídicos, não serão coibidas da melhor maneira por penas restritivas de direito, que são a grande maioria no direito criminal.
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O acolhimento do caráter punitivo da responsabilidade civil vem exatamente para preencher esse vácuo que não é e nem deve ser preenchido pela ingerência penal, atendendo aos anseios de um “Direito Penal mínimo” [58]; assim é que “a defesa das alternativas civilistas de tutela, mormente a pena privada, coaduna-se com o princípio da subsidiariedade do Direito Penal, numa época em que vão aumentando as práticas de ilícitos por pessoas coletivas, e surgindo formas mistas de ilícito” [59].
3.2.2. O mito das indenizações excessivas e a razão de ser da
atribuição da parcela punitiva ao lesado
Crítica recorrente na doutrina brasileira é a que concerne ao elevado valor do quantum indenizatório, noticiado como milionário, desproporcional em relação ao dano sofrido, levando até mesmo a se falar em “loteria forense”.
Soma-se a isso a desconfiança gerada pela destinação da quantia paga a título de punição à vítima, no que se enxerga uma frontal violação ao princípio do enriquecimento sem causa, havendo quem entenda que essa possibilidade de aumento patrimonial incentivaria comportamentos negligentes por parte das vítimas, que prefeririam deixar a situação lesiva acontecer a evitá-la, com o objetivo de receber a indenização punitiva[60].
Inicialmente, cumpre ressaltar que, no Brasil, as chances de condenações excessivas são bastante reduzidas devido a dois fatores: o julgamento das questões de responsabilidade civil é de competência de um juiz togado (diversamente do que ocorre nos EUA, onde a questão cabe a um júri leigo) e há a garantia do duplo grau de jurisdição.
O conhecimento técnico e a experiência jurídica profissional de um juiz togado são elementos que, na maior parte das situações, diminuem o risco de indenizações exageradas. Caso, ainda assim, haja condenação desproporcional, o ordenamento jurídico brasileiro conta com um amplo sistema recursal, o qual submete as decisões do juízo de primeira instância a diversos juízos revisores, o que, por si só, já consubstancia garantia consistente contra eventuais abusos[61], sendo raras as hipóteses em que indenizações fixadas em valor excessivo chegam a formar coisa julgada; esses casos
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pontuais de desvirtuamento, todavia, não desmerecem a indenização punitiva, que, bem aplicada, é instrumento valioso para a tutela dos direitos da personalidade[62].
De outro lado, avulta o discurso de que a indenização punitiva, por não guardar correlação com o dano efetivamente experimentado - mas sim com a reprovabilidade da conduta do ofensor -, representaria incremento patrimonial injustificado da vítima, o qual não se coadunaria com a vedação ao enriquecimento sem causa que permeia nosso ordenamento.
A destinação da quantia punitiva ao ofendido é justificada a partir de uma visão contratualista da sociedade, segundo a qual o homem tem direitos naturais e cede apenas uma parte deles ao príncipe, somente naquilo que for imprescindível ao convívio social, mantendo para si uma parcela que permite uma espécie de legítima defesa ou autotutela[63] [64]. Logo, o lesado não renunciaria ao seu espaço de autodecisão em favor do Estado, justificando que seja a própria vítima a destinatária da quantia imposta a título punitivo, “o que não só a incentiva a intentar o processo judicial, mas também permite o julgamento de infractores que não haviam cometido nenhum ilícito penal” [65].
De outra sorte, não merece prosperar a alegação de suposta ausência de causa do montante patrimonial incorporado pela vítima, pois, na lição da professora Maria Celina Bodin, “a sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão jurídica mais do que suficiente para impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado” [66].
Ressalte-se neste particular que a indenização punitiva não seria o primeiro instituto do Direito Civil a destinar ao lesado quantia que excede o dano por este experimentado; basta lembrarmos, por exemplo, das astreintes[67].
Cabe aqui, portanto - embora feita sob uma perspectiva da responsabilidade civil meramente compensatória -, a sábia ponderação da professora Maria Celina Bodin, no sentido de que “o enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido”[68].
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3.2.3. O recurso à culpa como forma de concretização do princípio da
isonomia
A evolução histórica da responsabilidade civil descortina um progressivo abandono da culpa como filtro da responsabilização, com um aumento de casos de responsabilidade objetiva e de presunções de culpa, bem como de uma objetivação do próprio conceito de culpa.
Todas essas mudanças tem buscado dissociar a responsabilidade civil de noções subjetivistas, ao que vai de encontro a doutrina da indenização punitiva, uma vez que funda-se “no grau de culpabilidade do agente e radica-se fundo na ideia de reprovação moral e castigo do ofensor”, opondo-se, assim, “a toda a marcha que a responsabilidade civil vem desenvolvendo nos últimos dois séculos”[69].
Essas críticas são rebatidas com lastro no argumento de que a condenação punitiva constitui meio de materializar o princípio constitucional da igualdade.
Nesse sentido, a máxima de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais parece ser melhor identificada na prática quando impostas sanções mais severas aos casos em que verificada maior reprovabilidade da conduta do ofensor. Com efeito, a imposição de penalidades idênticas para danos iguais, porém ocasionados por condutas enquadradas em diferentes níveis de reprovabilidade, afronta não apenas ao referido princípio, mas também ao senso comum de justiça[70].
Neste sentido, “tratar pessoas diferentes de forma igual em algumas situações pode ser absolutamente injusto” [71].
3.2.4. A necessidade de observância do princípio da motivação das
decisões judiciais
Cumpre ainda listar uma última objeção feita à indenização punitiva: a de que sua utilização geraria uma “mercantilização das relações existenciais” [72]. Alega-se que a fixação do montante indenizatório com caráter punitivo é arbitrária e não segue quaisquer critérios ou parâmetros, incentivando assim a
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denominada loteria forense e uma tendência de mercantilizar o dano extrapatrimonial, que tem viés existencial.
A fixação da indenização punitiva, não obstante a carga de subjetividade que lhe é inerente - e que também se verifica nos casos de mera reparação do dano moral -, não deve ser arbitrária; assim é que o juiz, ao exercer seu mister, deve esclarecer os critérios utilizados na fixação da mesma, até para atender ao mandamento constitucional da motivação das decisões judiciais[73] e possibilitar eventual pedido de reforma do julgado.
O fato é que a referida motivação é regularmente verificada na experiência brasileira, recorrendo os magistrados, com maior frequência, aos critérios de grau de culpa do agente, situação econômica do ofensor, o lucro obtido com o ato ilícito e a gravidade do dano para embasar suas decisões.
Em uma perspectiva meramente ressarcitória, o grau de culpa não deveria relevar, pois que a medida da condenação seria o exato valor do prejuízo causado, nem mais, nem menos. Contudo, a consideração do grau de culpa torna-se impositiva quando se busca a aplicação de uma sanção, “pois nesse caso está em jogo a inflição de um mal ao autor do ilícito, em resposta à sua conduta reprovável (tanto mais reprovável quanto maior a culpa)”[74]. Aqui, há a clara influência das teorias retributivistas da pena, que exigem uma relação de proporcionalidade entre a pena e o nível de culpabilidade do autor.
Ao se valer da capacidade econômica do ofensor como parâmetro de fixação da indenização punitiva, o juiz mostra-se comprometido com a função retributivo-dissuasória da mesma. Isto porque o dano punitivo somente desempenhará, de forma eficaz, seu papel de prevenção de novos ilícitos se estipulado em valor suficientemente incômodo para o ofensor; caso a condenação represente pouco em relação ao patrimônio do réu, torna-se relativamente vantajoso para este voltar a praticar a conduta ilícita.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao critério do lucro obtido pelo agente com a conduta ilícita: a prática do ato ilícito deve ser, após julgada a lide, considerada um mau negócio pelo ofensor, o que apenas ocorrerá caso este não logre guardar nenhum proveito
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da prática ofensiva. Assim é que, na fixação da indenização punitiva, o julgador deve levar em conta o montante obtido a título de lucro ilícito[75].
Por fim, deve-se considerar a gravidade do dano causado na fixação do dano punitivo, pois os fatores subjetivos supracitados devem ser conjugados com um elemento objetivo a fim de que se chegue a uma adequada estimativa indenizatória.
Assim é que, em não havendo critérios objetivos expressos na nossa legislação, cabe ao juiz, com a maior objetividade possível, justificar o valor punitivo estabelecido, sublinhando as circunstâncias que o levaram a estimar o quantum indenizatório no patamar da condenação, da mesma forma que faz quando quantifica o dano moral.
Desta feita, se observado o princípio da motivação das decisões judiciais, com os magistrados destacando as razões que os levaram a concluir pelo valor em que fixada a indenização punitiva, não se pode mais levantar a objeção da loteria forense ou da mercantilização, eis que a estipulação de balizas de aplicação do instituto constituiria barreira à malícia dos aproveitadores.
. CONCLUSÃO
A sociedade contemporânea, que convive com o surgimento de novas e complexas lesões, bem como com sua produção em massa, demanda um redimensionamento da responsabilidade civil, podendo o reconhecimento de uma função punitiva desempenhar um importante papel na repressão e prevenção de danos.
O materialismo extremado conduz a situações de desprezo pelos direitos mais caros ao homem, bem como a um atropelamento da autonomia da vontade. Em ambos os casos, um ordenamento jurídico baseado na mera reparação sinaliza que é indiferente (e até conivente) a violações de direitos e ao respeito pela liberdade contratual e um sistema nesses moldes ensina o desrespeito pelo direito alheio.
Assim é que a adoção da indenização punitiva pode, no fim das contas, assegurar tanto a defesa dos direitos atinentes aos aspectos existenciais mais sensíveis do ser humano, como também
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contribuir para a observância da autonomia da vontade, desencorajando condutas ilícitas em geral. Ademais, nesses casos, que são, em sua esmagadora maioria, decorrentes de ações de pessoas jurídicas, parece mais efetiva a incidência de uma penalidade civil para a persecução dos objetivos preventivo e punitivo, eis que a ingerência penal, além de não se justificar, pois que regida pela ideia de ultima ratio, não se adequa à persecução dos entes coletivos.
Por essas razões é que se acredita na assunção das vertentes preventiva e retributiva pela responsabilidade civil, as quais devem ser agregadas à finalidade reparadora, de forma a garantir a primazia do ser sobre o ter a partir de um prisma da axiologia constitucional, especialmente quanto aos danos extrapatrimoniais, que tem forte carga existencial e, portanto, não podem ter sua aplicação condicionada a fórmulas fechadas e herméticas[76].
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NOTAS:
[1] Judith Martins-Costa explica que, mediante a ficção jurídica da indenização, a vítima se torna “sem dano”, retornando ao estado em que encontrava-se antes da superveniência da ação danosa. V. MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva: punitive damages e o Direito brasileiro. Revista CEJ Justiça e Educação, Brasília. n. 28, p. 17, jan/mar. 2005.
[2] DIAS, J. De Aguiar. Da responsabilidade civil. 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 736.
[3] Ibid. p. 712.
[4] Ressalte-se que a adoção do caráter punitivo não implica o abandono da função compensatória: o dano causado deverá ser compensado, havendo, simultaneamente, uma resposta sancionatória do ordenamento jurídico.
[5] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 22.
[6] Luiz Otavio O. Amaral corrobora o aqui exposto ao dizer que “o Direito, se não pode estar à frente dos fatos sociais, também não deve estar tão atrasado aos dias coevos. Com efeito, os contratos, a isonomia jurídica, a culpa (em todos os campos), a utilidade social da pena, a imputação penal, declaração de inconstitucionalidade sem mutilação do texto, enfim, são muitas as
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marcas dessa busca de contemporaneidade possível do Direito em geral. Até porque o Direito é um continente lógico-formal constituído por conceitos e princípios que nada mais são senão 'fórmulas de procura' em busca do ajuste ideal entre as estruturas abstratas do Direito e a vida concreta” (AMARAL, Luiz Otavio O.. Dano moral e contemporaneidade. Net. Disponível em: . Acesso em: 1 mai. 2013).
[7] “Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo.” (BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Net, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013). A judicialização do direito, portanto, constitui a possibilidade de o magistrado, na própria decisão judicial, criar o direito.
[8] “Hoje vivemos o que os penalistas chamam de princípio da subsidiariedade do direito penal, segundo o qual este deverá atuar somente quando a repressão corporal for indispensável para se conter o ilícito. As sanções civis são consideradas, aos olhos das vítimas, meios mais eficazes para se cumprir com a função retributiva da pena. […] A interação entre os ramos tem se demonstrado saudável para a tutela do ser humano.” (MELO, Diogo L. Machado. Op cit, p. 112).
[9] ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 357.
[10] Não obstante a tradução mais técnica e fiel da expressão “punitive damages” ser “indenização punitiva” pois o vocábulo “damages”, no plural, significa “indenização” e não “dano”, ressalvamo-nos a liberdade de eventualmente utilizar a expressão “danos punitivos” como forma de evitar que o texto torne-se repetitivo.
[11] GUIMARÃES, Patrícia Carla Monteiro. Op. Cit., p. 169.
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[12] As expressões são sinônimas segundo o Blacks Law Dictionary, p. 352, conforme exposto no artigo “Definition of Punitive Damages”, sem autor, disponível em , acesso em 10 jul. 2013.
[13] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 196.
[14] Loc. cit.
[15] Cumpre adicionar que, em alguns Estados dos Estados Unidos, os punitive damages também servem como meio de compensação de certas perdas que, de outro modo, não poderiam ser compensadas, como, por exemplo, cutas processuais e honorários advocatícios.
[16] Como lembra MARTINS-COSTA, Judith, op. cit. p. 18, o Statue of Councester, de 1278, teria sido a primeira previsão de indenização multipla no direito anglo-saxônico.
[17] LOURENÇO, Paula Meira. Os danos punitivos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa. v. 43. n. 2. p. 1027.
[18] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 187.
[19] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1028.
[20] Por isso diz-se que “o amor inglês à liberdade esteve na base do nascimento da figura”. GOMES, Julio. Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?” RDE, Ano XV, 1989, p.109 apud LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1028.
[21] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1028.
[22] MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 18.
[23] Conforme já explicitado, punitive e exemplary damages são expressões sinônimas. Nesse sentido, RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Op. Cit. p. 181.
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[24] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1032.
[25] Loc. cit.
[26] LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 175.
[27] Loc. cit.
[28] “Lord Devlin assim definiu o paradigma no caso Rookes: “Quando o réu, em uma visão cínica dos direitos do autor, tiver calculado que o lucro a ser obtido com a lesão provavelmente excederá os danos em risco, é necessário que a Lei mostre que não pode ser violada impunemente”; Cf. LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 175.
[29] O Reserve and Auxiliary Forces (Protection of Civil Interests) Act 1951, ao tratar dos exemplary damages quer, na verdade, referir-se a uma indenização de natureza compensatória de danos extrapatrimoniais e não punitiva, o que decorre da já mencionada confusão feita pelos tribunais anglo-saxões entre danos morais e punitivos no passado.
[30] Os casos com previsão legal encontram-se em estatutos que regulam especificamente certos ramos do direito, como, por exemplo, o Reserve and Auxiliary Forces (Protection of Civil Interests) Act 1951, que trata de direitos de pessoas que serviram o Exército, e o Copyright, Design an Patents Act 1988, que refere-se a propriedade intelectual.
[31] LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 178-179.
[32] As críticas mais frequentes e que se repetem no Brasil são a da transgressão da barreira entre direito penal e direito civil e do enriquecimento ilícito do autor da ação.
[33] A expressão tort law designa o ramo da responsabilidade civil no direito norte-americano, podendo o tort ser interpretado como um ato ilícito civil contra o qual o remédio usualmente vem sob a forma de indenização (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit, p. 181).
[34] Em tradução livre: “uma indenização, que não compensatória ou nominal, à qual é condenada uma pessoa para
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puni-la por uma conduta ultrajante e impedi-la, bem como outros como ela, de praticar conduta semelhante no futuro”; § 908 do Restatement of Torts, Second
[35] A propósito, confira-se o caso Coryell v. Colbaugh, no qual o réu engravidou a nubente antes do casamento, o que foi considerado uma ofensa grave à honra da mesma, pois estigmatizaria sua posição na sociedade, bem como a de seu filho, que seria considerado ilegítimo.
[36] A verdade é que, assim como no Reino Unido, a função inicial dos punitive damages no ordenamento norte-americano era a de compensar o lesado pelos danos morais experimentados, uma vez que estes não estavam incluídos nos compensatory damages.
[37] LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 189.
[38] Loc. cit.
[39] Judith Martins-Costa lembra que o sistema jurídico americano deposita grande confiança no júri para decidir questões importantes, conferindo a este o papel de guarantor of fairness, a bulwark against tyranny, and a source of civic values , V. MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 19.
[40] Foi essa a conclusão a que chegou pesquisa conduzida pelo Institute for Civil Justice ao analisar vereditos proferidos em 15 jurisdições diferente entre os anos de 1985 a 1994 (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. Cit. p. 229).
[41] LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 189.
[42] Alaska, Georgia, Illinois, Indiana, Iowa, Missouri, Oregon e Utah, por exemplo.
[43] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 230.
[44] O estado do Alabama, por exemplo, estipulou, alternativamente, um teto de punitive damages no valor de US$ 500 mil ou três vezes o valor do dano compensatório, o que for maior.
[45] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1054.
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[46] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 163.
[47] LEVY, Daniel de Andrade. Op. cit. p. 204.
[48] Loc. cit.
[49] Como exemplo máximo temos a previsão constitucional da irrestrita indenizabilidade do dano moral (CF, art. 5º, incisos V e X).
[50] MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 22.
[51] Essa falta de parâmetros permite ao juiz ampla liberdade no momento de fixar o dano extrapatrimonial, permitindo, portanto, que o mesmo recorra ao objetivo punitivo com relativa facilidade. Por esse motivo é que no terreno da indenização do dano moral que difundiu-se entre nós a doutrina da indenização punitiva.
[52] Grande parte da doutrina especializada é partidária do caráter normativo das prescrições constitucionais, isto é, de sua juridicidade e, portanto, da aplicação direta e efetiva dos valores e princípios da Constituição. Sobre a aplicação direta dos mandados constitucionais na esfera provada, V. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista Estado, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, v. I, 1991, publicação do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC-Rio.
[53] Atualmente, doutrina e jurisprudência majoritárias tem entendido que “o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa […]. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas”, cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 157.
[54]LEVY, Daniel. Op. cit. p. 183.
[55]A corrente civil-constitucional é uma das ramificações da constitucionalização do direito infraconstitucional, fenômeno que “consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida
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sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”. A doutrina civil-constitucional, portanto, “é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. É nesse ambiente que se dá a virada axiológica do direito civil, tanto pela vinda de normas de direito civil para a Constituição como, sobretudo, pela ida da Constituição para a interpretação do direito civil, impondo um novo conjunto de valores e princípios [...]” (BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 363 e 368).
[56] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 311.
[57] Nesse sentido, André Gustavo Corrêa de Andrade advoga que a sanção pecuniária não se submete às mesmas restrições que as demais sanções, usando como exemplo o fato de que dirigir veículo automotor sem CNH é fato que constitui, ao mesmo tempo, crime tipificado no artigo 309 do Código de Trânsito e infração de trânsito sujeita a multa administrativa e criminal. Ver ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 314.
[58] “Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, limitando e orientando o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O Direito Penal somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens jurídicos em conflito” (grifo nosso). QUEIROZ, Paulo. Sobre a Função do Juiz Criminal na Vigência de um Direito Penal Simbólico. Boletim nº 74 do IBCCrim, jan. 1999.
[59] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1089.
[60] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1083.
[61] Nas palavras de André Gustavo Corrêa de Andrade, “o sistema recursal constitui a salvaguarda necessária contra os excessos ou arbitrariedades de algum julgador”,V. ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 292.
[62] Loc. Cit.
[63] GUIMARÃES, Patricia Carla Monteiro. Op. cit. p. 166.
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[64] O contratualismo fundado por Hobbes, e seguido por Rousseau e Kant, encara o Estado sob uma perspectiva lógico-dedutiva, afirmando que este é resultado político-institucional de um contrato social através do qual os homens cedem uma parte de sua liberdade ao Príncipe, apenas a parcela necessária para garantir a ordem social e a preservação dos direitos individuais e execução dos contratos (V. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Estado, sociedade civil e legitimidade democrática. Net. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2013).
[65] LOURENÇO, Paula Meira. Op. cit. p. 1091.
[66] MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 302.
[67] Previstas nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC.
[68] MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 302.
[69] SCHREIBER, Anderson. Op. cit. p. 209.
[70] Nesse sentido, ver ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 254-258.
[71] VIEIRA, Oscar Vilhena. “Igualdade”. In: Direitos Fundamentais: Uma Leitura da Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 290.
[72] MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 261.
[73] Artigo 93, IX, da Constituição da República.
[74] PÜSCHEL, Flavia Portella. A função punitiva da responsabilidade civil no direito brasileiro: uma proposta de investigação empírica. Revista Direito GV, p. 27, jul./dez. 2007.
[75] Na prudente lição de André Gustavo Corrêa de Andrade, “nem sempre, porém, constitui tarefa fácil quantificar o lucro obtido pelo agente com o ato ilícito. Em alguns casos a apuração, mesmo aproximada, desse benefício pode revelar-se praticamente inviável, entre outras razões pela impossibilidade em determinar a proporção do proveito que tenha sido resultado da intromissão na esfera jurídica alheia. Ao julgador caberá, se possível for, valer-se de presunções extraíveis de indícios ou dados externos que se
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prestem à comparação”, adicionando ser “bastante que esse ganho possa ser considerado como provável, ainda que não possa ser precisamente determinado. Caberá ao julgador, então, estabelecer o quantum indenizatório por estimativa, valendo-se de presunções e analogias” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit. p. 330).
[76] FRANK, Felipe; OLIVEIRA, Lígia Ziggiotti de; CORRÊA, Rafael. Op. cit.
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A ATUAÇÃO DAS FERRAMENTAS DE BUSCA NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ANNA CLARA FENOLL COELHO: Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
RESUMO:A divulgação de conteúdos na internet e, especialmente, a
veiculação secundária de informações por sites que funcionam como
ferramentas de busca e permitem a associação de determinados termos a
resultados específicos são causa de calorosos debates que envolvem um
tema muito discutido: a ponderação de direitos fundamentais e de
interesses conflitantes. A árdua tarefa de se ter, de um lado, direitos
individuais de privacidade e a proteção de dados garantida a cada cidadão
e, de outro, direitos coletivos de liberdade de expressão e de acesso à
informação, em um contexto em que se discute a legitimidade da
divulgação de conteúdos e da sua veiculação secundária ganhou destaque
com a decisão da Corte de Justiça da União Europeia que reconheceu o
direito dos indivíduos de requerer a dissociação de certos resultados
quando os seus nomes são usados como termos de busca, intitulado
como right to be delisted, “o direito de ser esquecido”.
Palavras‐chave: Google Spain, notice‐and‐takedown, notice‐and‐delist,
right do be delisted, direito ao esquecimento.
Introdução
No final de 2000, um cidadão espanhol “googled” o seu nome e
encontrou um resultado relacionado a uma lembrança ruim. Entre os
primeiros resultados de busca, foram apontados anúncios antigos que
faziam referência a um débito já quitado vinculado à sua propriedade.
O cidadão, então, resolveu entrar em contato com o jornal e pediu
para que tais anúncios fossem removidos. Todavia, o jornal se recusou a
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retirar o conteúdo, sob a premissa de que era obrigação legal publicar
informações como aquela.
Frente à recusa, o cidadão pediu para que o Google não apontasse
tais páginas quando fosse usado seu nome como ferramenta de busca. Ao
receber resposta negativa do Google, o cidadão enviou sua demanda à
autoridade competente a resolver questões referentes à proteção de
dados, “AEPD”. O Google, em contrapartida, insistiu em não apagar o
conteúdo e recorreu à Audiência Nacional, que remeteu o debate para a
Corte de Justiça da União Europeia.
Em maio de 2014, a Corte de Justiça da União Europeia, CJEU, em
uma emblemática decisão, que ficou conhecida como Google
Spain, reconheceu o direito dos indivíduos de pedir pela retirada de certos
resultados quando os seus nomes são usados como termos de busca, o
que ficou conhecido como right to be delisted, “o direito de ser
esquecido”. O right to be delisted, instantaneamente, ensejou diversas
discussões em relação à aplicabilidade dos direitos individuais à
privacidade e à proteção de dados, frente aos direitos coletivos de acesso
à informação e liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, muitos críticos
desprezaram a decisão e a rotularam como uma ameaça aos direito
coletivos e um incentivo à censura, além de duvidarem de sua efetividade,
em termos de escala e resultado.
Desenvolvimento
O que faz com que a decisão se torne tão interessante sob uma
perspectiva legal é notar que ela é resultado do cruzamento de temas
emblemáticos, que ensejam diversas discussões em suas searas
particulares, mas que, correlacionados, desenham um debate
extremamente rico e interligado, de forma que cada previsão particular
seja problematizada quando posta em xeque com outras previsões
particulares, sendo eles: (1) privacidade e proteção de dados; (2) liberdade
de expressão e; (3) isenção da responsabilidade intermediária de
provedores de conteúdo.
Inicialmente, destaca‐se que a decisão reconheceu o direito dos
indivíduos de pleitear pela remoção de certos resultados associados aos
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seus nomes, quando estes são usados como termos de busca, o que fez
com que o debate sobre a proteção de dados, em especial à determinação
da Diretiva 95/46, referente à proteção de dados e à sua aplicabilidade
retomasse espaço.
Em segundo lugar, a decisão retomou o debate relacionado ao
direito fundamental à liberdade de expressão, estruturado na premissa de
que às informações relativas aos indivíduos que não sejam segredo de
justiça ou sejam submetidas a restrições legítimas não devem ser
impostos óbices de acesso, vez que, na realidade em que se vive, em que
se deve preponderar o direito à informação, as ferramentas de buscas são
o principal meio de acesso a conteúdos socialmente ou individualmente
relevantes, conteúdos socialmente relevantes
Em terceiro lugar, a decisão retomou a discussão acerca da
responsabilidade dos provedores de conteúdo. O Google, por exemplo,
usualmente se intitula como intermediário neutro, sob o argumento de
que os resultados de busca apenas apontam informações que já estão na
rede e que foram publicadas por provedores específicos de informação.
Todavia, a decisão da CJEU rechaçou a neutralidade do Google e
assegurou que a previsão legislativa da União Europeia sobre proteção de
dados se aplica, também, às ferramentas de busca, de acordo com o grau
de responsabilização que pode ser aferido. Nesse sentido, a
responsabilidade dos provedores de conteúdo só se estende à sua própria
esfera de controle, que inclui os seus algoritmos e os resultados de busca.
Em outras palavras, a CJEU não atribui responsabilidade aos provedores
de conteúdo pela publicação do conteúdo original, e sim pela veiculação
secundária da informação, mais especificamente, à associação feita entre
determinado termo de busca e os resultados apontados, operação que é
inteiramente controlada pela ferramenta de busca.
Em que pese reconhecer o right to be delisted, a Corte assegurou
que o direito não é absoluto e que deve ser submetido a uma avaliação
prévia de validade e à ponderação entre os direitos do indivíduo que tem
seus dados protegidos e o os direitos dos usuários da internet que têm
interesse em ter acesso a tais dados, quer sejam aqueles relacionados à
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proteção de dados, os interesses econômicos da ferramenta de busca ou
o direito à liberdade de expressão e à informação daqueles que buscam
por dados específicos de certo alguém.
No primeiro momento, é função da própria ferramenta de busca
promover o balanceamento de direitos/interesses conflitantes. Se a
ferramenta de busca falhar, os indivíduos podem pleitear pela intervenção
judicial da autoridade ou da corte competentes.
Para guiar o exercício de balanceamento, a CJEU forneceu um
“manual” taxativo de pontos primordiais a serem observados, como a
natureza da informação, a extensão do interesse público, a relevância da
informação protegida na vida pública e o tempo transcorrido entre a
divulgação da informação e o requerimento.
Importante frisar que as ferramentas de busca não são obrigadas a
exercer, preventivamente, o balanceamento de direitos/interesses e o
controle entre termos de pesquisa e resultados apontados, elas só devem
exercê‐los mediante provocação, ou seja, pedidos específicos de
indivíduos que se sentem lesados.
É certo que, quanto mais informações pessoais são compartilhadas
na internet, em plataformas como Facebook, Twitter ou Instagram, maior
é a facilidade das ferramentas de busca, como o Google, em coletar e
cruzar os dados, de forma a montar um “perfil” do indivíduo o qual muitas
vezes reproduz fielmente as suas características. A divulgação desse
“perfil” pode ter um profundo impacto na reputação e no
desenvolvimento pessoal/profissional do indivíduo, vez que,
hodiernamente, “você é o que o Google diz que você é”.
Logo após a decisão da CJEU, o Google lançou uma plataforma
online para que indivíduos que se sentissem prejudicados pudessem pedir
pela remoção das associações feitas entre seus nomes e os resultados de
busca. O Google salientou que iria verificar cada pedido e iria fazer um
balanceamento entre os diretos de privacidade do indivíduo e os direitos
públicos de acesso à informação.
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O Google, sucessivamente, montou um Conselho Consultivo de
acadêmicos, intérpretes e diversos profissionais especializados, de modo
que fosse redigido um manual que orientasse como a decisão do CJEU
seria implementada. A atuação do conselho contou com diversas
audiências públicas e discussões sobre a necessidade de transparência na
avaliação dos pedidos encaminhados ao Google.
Em novembro de 2014, “the Article 29 Working Party” divulgou um
guia para implementação da decisão da CJEU, em que oficializou a
terminologia right to be delisted e apresentou uma lista de critérios a
serem utilizados no exercício de balanceamento dos direitos e interesses.
Além disso, ratificou a orientação de que as ferramentas de buscas não
estão obrigadas a submeter o conteúdo, preventivamente, à análise entre
os termos de busca, os resultados que eles apontam e as possíveis lesões
ao direito de privacidade, o que só deve ser feito mediante requisição
daquele que se sente lesado.
Por toda a Europa, em diferentes jurisdições, houve um aumento
significativo no número de casos envolvendo a temática, em referência
direta ao precedente do Google Spain. Na Espanha, por exemplo, o Google
tem sido responsabilizado quando, após ser ordenado pela autoridade
competente, não exclui os resultados de busca que lesaram os direitos
fundamentais referentes à imagem, à honra ou à moral do indivíduo.
Em que pese tal responsabilização, as Cortes têm tido o cuidado de
diferenciar a responsabilidade das ferramentas de busca e das
plataformas terceirizadas que fornecem originariamente conteúdo: o
Google é responsável por desfazer a associação feita entre determinado
termo de busca e os resultados apontados, mas não é obrigado a excluir o
acesso à plataforma terceirizada que divulga o conteúdo.
O aumento do volume das decisões referentes ao right to be
delisted mostram que há uma clara demanda vinda de indivíduos que se
sentem lesados pelas associações feitas por ferramentas de busca e,
sucessivamente, o claro reconhecimento da legitimidade de suas
pretensões e da aplicabilidade do direito. Ademais, a jurisprudência
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acerca do tema tende a apontar diretrizes para que seja implementada,
da melhor forma possível, a decisão da CJEU.
Apesar das diversas aplicações do right to be delisted, a decisão da
CJEU foi alvo de diversas críticas. Os críticos apontam que as implicações
da aplicabilidade do direito não resguardam a importância do direito
coletivo à liberdade de expressão e ao acesso à informação, vez que não
foi estabelecida, de forma precisa e detalhada, a forma como a proteção
desse direito deve funcionar na prática, especialmente, no que diz
respeito a como deve ser feito o balanceamento entre os direitos e os
interesses conflitantes.
Um dos argumentos principais dos críticos é o de que um
procedimento apropriado de avaliação dos pedidos feitos pelos indivíduos
e, consequentemente, de balanceamento de direitos e interesses
conflitantes, requer o trabalho conjunto de profissionais de diversas áreas,
o que é praticamente impossível de se observar na prática. Eles temem
que, para facilitar o processo e evitar custos, as ferramentas de busca não
investiguem adequadamente as causas que fundamentam os pedidos.
Como uma falha na avaliação de validade do pedido, que levaria à recusa
inicial de remover o conteúdo, poderia levar à responsabilização do
Google, a forma mais segura seria, de antemão, aceitar todos os pedidos,
sem submetê‐los à devida análise e, sucessivamente, ao devido
balanceamento. Assim, a dissociação premeditada dos termos de
pesquisa aos resultados poderia, fácil e arbitrariamente, lesar o direito à
informação e o acesso legítimo a conteúdos de interesse dos cidadãos.
Outros críticos apontam, ainda, que estimular indivíduos a
demandar a exclusão de resultados associados a seus nomes, que, por
vezes, são desagradáveis, mas representam fielmente o seu passado,
estaria muito aquém de uma proteção razoável dos direitos de
privacidade e apontaria a inversão do direito à privacidade para o direito
à censura e a reestruturação da história. É certo que um político corrupto
não quer ter seu nome associado a notícias de fraude e lavagem de
dinheiro, tampouco quer um criminoso ter revelados seus casos de
associação criminosa ou de corrupção de menores.
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Ou seja, as ferramentas de busca não mais apresentariam uma
imagem precisa de como são as coisas, mas estariam submetidas ao
rearranjo dos conteúdos, em razão de intervenções arbitrárias e
premeditadas, que retratariam os indivíduos da forma como eles querem
ser vistos, sem que fossem apresentadas quaisquer informações negativas
ou prejudiciais à sua reputação, em clara afronta ao direito de acesso à
informação e à liberdade de expressão.
Outro ponto a ser criticado diz respeito ao fardo imposto aos
provedores de conteúdo ao torna‐los responsáveis pelo balanceamento
de direitos e interesses conflitantes. Ao avaliar os pedidos e fazer juízos de
valor, as ferramentas de busca estariam determinando qual direito ou
interesse deve prevalecer em cada situação, em clara afronta ao papel
designado especificamente ao judiciário.
É importante frisar que não se está frente a um simples debate
entre direitos; o balanceamento entre privacidade e proteção de dados,
de um lado, e liberdade de expressão e acesso à informação, de outro, é
um exercício árduo para qualquer corpo de juristas especializados no
tema.
Ainda deve ser ressaltado que o right do te delisted afeta
diretamente a visibilidade dos provedores de informação, que não
participam do procedimento de dissociação de informações e que muitas
vezes têm o acesso aos seus conteúdos prejudicados.
Feitas todas essas considerações sobre o right to be delisted, que
inaugurou o mecanismo do notice‐and‐delist, não se pode esquecer de
outro mecanismo extremamente importante para o controle dos
conteúdos publicados na internet: o notice‐and‐takedown. O notice‐and‐
takedown foi designado para responsabilizar os provedores de informação
e ajudar na eliminação de conteúdos notoriamente ilegais ou que foram
ilegalmente publicados na internet.
Na União Europeia, o mecanismo do notice‐and‐takedown surgiu
com a Diretiva 2000/31, referente ao E‐Commerce. A Diretiva cobre vários
tipos de ilegalidade, como violação aos direitos autorais, difamação,
divulgação de conteúdos proibidos para menores e práticas ilegais de
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comércio virtual. Nos Estados Unidos, também foi estabelecido um
mecanismo parecido, só que limitado à proteção dos direitos autorais,
conhecido como The Digital Millennium Copyright Act “DMCA”.
Apesar das similitudes entre os mecanismos da União Europeia e
dos Estados Unidos, a Diretiva 2000/31 não especificou os procedimentos
para remoção e substituição de conteúdos, tampouco os requisitos para
uma notificação válida ao provedor de informação, ou as penalidades
previstas para deturpação de informações. Ainda que o mecanismo norte‐
americano tenha previsto tais procedimentos, requisitos e penalidades, o
sistema de notice‐and‐takedown em ambos os continentes são
defeituosos e, muitas vezes, são marcados por abusos e violações à
liberdade de expressão. Tais abusos e violações são, em grande parte,
mecanismo de defesa dos provedores de informação frente à
responsabilização que lhes é submetida.
Cabe destacar que o mecanismo de notice‐and‐delist está
diretamente relacionado à autonomia das atividades desempenhadas
pelas ferramentas de busca, enquanto o notice‐and‐takedown antige o
conteúdo original disponibilizado pelo provedor de informação. Prova
disso é que o notice‐and‐delist atua independentemente da ilegalidade do
conteúdo, enquanto o notice‐and‐takedown tem como função principal
apontar a ilegalidade e manejar a exclusão do conteúdo “na fonte”. A
recusa em honrar um mandamento do notice‐and‐takedown pode gerar
responsabilidade direta ao provedor de informação, que funciona como
um terceiro envolvido no processo, enquanto a recusa em honrar um
mandamento de notice‐and‐delist responsabiliza a própria ferramenta de
busca pelas suas omissões.
Em ambos os casos, entidades privadas que têm os seus direitos
violados podem contatar diretamente o provedor de conteúdo, de modo
que certa informação prejudicial não seja mais divulgada. Se o contato
direto com o provedor de conteúdo não surtir resultado, as entidades
podem pleitear por interferência judicial, especialmente quando o pedido
inicial é negado. Cabe ressaltar que é responsabilidade do provedor de
conteúdo atestar se o pedido do demandante é válido, ou seja, se ele
preenche os requisitos necessários.
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De se ver, portanto, que, apesar das diferenças, muito pode ser
aprendido com o mecanismo do notice‐and‐takedown, em especial no
que diz respeito aos procedimentos adotados, que muito podem
contribuir para a adequada implementação do right to de delisted.
Pelo caminho já traçado, nota‐se que o primeiro passo e a solução
mais utilizada para lidar com a infração de conteúdos online é o contato
com o próprio fornecedor da informação, de modo que se requeira a
exclusão da informação danosa; removendo a fonte originária,
geralmente se previne que o conteúdo ilegal reapareça em fontes
secundárias, como as ferramentas de busca. Apesar de parecer simples na
teoria, o contato com a fonte originária enfrenta as mesmas dificuldades
já expostas: a falta de previsão em relação a quem deve realizar a
comunicação e como ela deve ser feita. É certo de que uma cooperação
entre o provedor de conteúdo e a fonte originária impactaria
positivamente a pretensão do right to be delisted, vez que a retirada ou a
simples retificação das informações que violam os direitos dos indivíduos
ou as normas da internet, em contato direto e participativo com o
provedor de informação, representariam uma aplicabilidade mais aceita
do direito, em detrimento da arbitrária e, muitas vezes, premeditada
exclusão de conteúdos.
Em que pese à relevância do contato com a fonte das informações,
é importante destacar que a publicação do conteúdo e a sua veiculação
secundária pelas ferramentas de busca têm impactos distintos nos direitos
e interesses dos indivíduos e são disciplinadas individualmente. Muitas
vezes, o indivíduo pode não ter contraposição qualquer com a divulgação
de certa informação, mas se sente lesado ao ser progressivamente
“linkado” a tal conteúdo através de determinado termo de busca, o que
se observa, muitas vezes, quando a fonte originária não se relaciona
diretamente ao indivíduo, mas a ferramenta de pesquisa,
secundariamente, faz com que haja uma equivocada associação da pessoa
com o conteúdo.
CONCLUSÃO
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Como ressaltado no parágrafo anterior, uma das grandes
problemáticas que envolvem a internet e a divulgação de conteúdos é a
veiculação secundária de informações feita, a exemplo do caso tratado,
por ferramentas de busca como o Google. Mais do que disponibilizar uma
informação, a principal problemática que envolve a lesão aos direitos
individuais é a forma como tal informação é apresentada a quem propuser
acessá‐la.
A assertiva de que “você é o que o Google diz que você é” retrata
muito bem o papel de articulador de informações dessa ferramenta de
busca. O que se está em xeque, muitas vezes, não é um dado
singularizado, mas a articulação feita entre dados singularizados que
resultam na retratação de uma realidade que muitas vezes se mostra
deturpada. Diante disso, a tese de que o Google é um intermediário
neutro, vez que “apenas aponta o que já está na rede”, mostra‐se
totalmente equivocada, ao passo que, a despeito da disponibilização de
certas informações, a principal discussão é que elas são interpretadas da
forma em que são articuladas e nos são expostas. É como se o Google
fosse o operador de câmera e tivesse a discricionariedade de apontar para
o lado que quisesse, de forma tão engenhosa que fizesse com que os
espectadores não notassem tal movimentação e fossem levados a tratar
como realidade aquilo que lhes é mostrado.
Feita tal constatação, mostra‐se imprescindível o direito de se
requerer a dissociação de certos resultados quando os seus nomes são
usados como termos de busca, porquanto cruzamentos de informações
feitos de forma premeditada podem levar à retratação distorcida da
realidade do indivíduo, que pode gerar danos em diversas searas de sua
vida pessoal/acadêmica/profissional, em clara afronta aos direitos
individuais de privacidade, honra e de imagem garantidos
constitucionalmente.
Ao mesmo tempo, é importante frisar que o right to be delist não
deve ser tratado de forma arbitrária, vez que os direitos coletivos à
informação e à liberdade de expressão são, paulatinamente, garantias
fundamentais, que seguem a mesma hierarquização dos direitos
individuais de privacidade, honra e imagem. O que deve ser feito é um
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constante exercício de balanceamento desses direitos por profissionais
especializados na temática, ainda que seja um órgão desvinculado do
judiciário, tendo em vista que as cortes de justiça não suportariam a
demanda. Fazer com que o Google seja o responsável por determinar qual
direito deve prevalecer é atribuir funções constitucionalmente garantidas
a um poder específico atribuído de dirimir questões referentes à
ponderação de direitos constitucionalmente previstos.
Em que pese à dificuldade de submeter os balanceamentos ao
judiciário, deve ser pensado um órgão de decisão que concentre
especialistas na temática, que desenvolva procedimentos mais céleres e
com menos custos, de maior mediação e de maior cooperação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
http://ctlj.colorado.edu/wp‐content/uploads/2016/06/v2.final‐
Kuczerawy‐and‐Ausloos‐4.5.16‐JRD.pdf
http://ec.europa.eu/internal_market/e‐commerce/notice‐and‐
action/index_en.htm
https://en.wikipedia.org/wiki/Notice_and_take_down
https://united‐
kingdom.taylorwessing.com/globaldatahub/article_2014_google_spain.h
tml
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A IMPORTÂNCIA DA TUTELA INIBITÓRIA NA DEFESA DAS VÍTIMAS OU POTENCIAIS VÍTIMAS DE ASSÉDIO MORAL
ALBERTO JORGE SOARES DOS SANTOS JÚNIOR: Advogado. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo demonstrar a importância
de se lançar mão de instrumentos capazes de resguardar o direito a
dignidade do trabalhador. Assim, brevemente fez‐se abordagem histórica
a respeito do assédio moral, sua aplicação na seara do direito do trabalho.
Comenta‐se a incapacidade da tutela repressiva no combate a ocorrência
e/ou a intensificação do assédio moral. Nesse sentido, exalta‐se a tutela
inibitória como meio mais adequado, ou mesmo imprescindível nesses
novos conflitos na seara trabalhista. Por fim, busca‐se debater a respeito
de tema pouco explorado pela doutrina, mas de suma importância, a fim
de que o respeito a integridade moral do trabalhador escape a esfera da
mera abstração formal e ingresse na esfera da aplicabilidade concreta e
material da norma.
Palavras‐chave: Tutela Inibitória. Tutela Repressiva. Assédio Moral.
Dignidade do Trabalhador.
ABSTRACT: The present study aimed to show the importance of using
instruments capable of protecting the dignity of the
worker.Spokeupabout thehistorical originsof bullying. Also, the incapacity
of the repressive judicial measures on protecting of bullying.In this
particular matter, this study emphasizes the prohibitory injunction as the
most effective and indispensable judicial response when dealing with
social conflicts in labor law. At last, being this issue important, although
scarcely explored by the specialized literature, a debate took place in the
final chapter, in order to remove the respect for dignity of the worker from
the universe of the mere abstraction and insert it into the sphere of an
effective and concrete application of the legal norms.
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Keywords: Prohibitory Injunction. Repressive Judicial Measures. Bullying.
Dignityofthe Worker.
INTRODUÇÃO
Diante do processo de construção efetiva da jurisdição há de se
considerar a necessidade de uma ação idônea à prevenção do ilícito.
Partindo de uma ideia de que a sociedade evolui, o direito deve estar
atento a esta evolução, a fim de dá a devida tutela às diversas situações
jurídicas.
Como é evidente, o direito brasileiro sempre passou a ideia de que
toda lesão a direito poderia ser facilmente convertidas em uma tutela
ressarcitória, de cunho pecuniário. Contudo, existe direitos, tal qual se
mostra o de proteção a dignidade do trabalhador, que merecem uma
ampla atenção do judiciário.
Neste sentido, o direito deve se valer do uso de diversas técnicas
processuais a fim de possibilitar a aplicação da tutela adequada às diversas
situações concretas, viabilizando, consequentemente, o acesso a justiça
consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Por isso, o presente artigo busca ressaltar a importância da tutela inibitória no ordenamento processual vigente ante a necessidade de se proteger os direitos de personalidade do trabalhador, visto que estes se revelam como fundamentais.
Para atingir esse objetivo, imperioso tecer considerações acerca do que seria o direito da personalidade, e de como este é atingido quando diante da figura do assédio moral.
Busca-se, também, delinear o perfil da ação inibitória como instrumento de efetividade do processo, evidenciando a sua importância no resguardo a saúde psíquica no trabalhador.
. A IMPORTÂNCIA DE SE PROTEGER A SAÚDE DO TRABALHO
. . Noções Relativas aos Direitos da Personalidade
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Para Stolze e Pamplona (2012, p. 183) “o homem não deve ser
protegido somente em seu patrimônio, mas principalmente, em sua
essência.”
A codificação brasileira passou por grandes transformações ao
longo do tempo, perdendo sua essência nitidamente patrimonialista,
como se depreendia da leitura do Código Civil de 1916, para se preocupar
com o indivíduo em si, refletindo o desejo da Lei Maior.
O direito da personalidade teve seu nascedouro em meados do
século XIX, caracterizado pela interferência abusiva por parte do Estado.
Com a ruptura desse pensamento, o individuo passa a ter um papel
importante na sociedade, limitando, por conseguinte a atuação e
interferência do governo no âmbito das relações sociais. Tem‐se que com
o advento do Constitucionalismo Social, o Estado passou a se preocupar
com os direitos fundamentais a fim de defender o indivíduo da ação dos
particulares e do poder econômico. (Camila Maria Souza, 2005, p.23).
Ainda, a ideia de conceder ao homem dignidade, apregoada pelo
cristianismo, bem como a Escola de Direito Natural com a concepção de
direitos conaturais, anteriores ao Estado, influenciou notadamente o
direito da personalidade.
Em que pese o novo código Civil de 2002 ter dedicado um capítulo
inteiro de seu texto para tratar dos direitos da personalidade, e exercido
grande importância na ótica normativa, não se pode olvidar que tal
instituto já possuía previsão no texto constitucional, o que demonstra a
preocupação do legislador muito antes com a proteção desses direitos.
Apesar da tentativa do novo Código Civil em dirimir algumas
questões provocadas pela omissão da constituição, ele não esculpiu um
conceito de direito de personalidade. Por essa razão, a doutrina há muito
vem tentando encontrar uma definição, sendo certo, porém, que possui
uma íntima ligação com a pessoa em si, projetada como ser de direitos e
obrigações.
Os direitos da personalidade são conceituados por Pablo Stolze e
Pamplona Filho (2012, p. 135) como aqueles que têm por objeto os
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atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções
sociais.
Considerando a importância dada aos direitos da personalidade, de
modo que não se pode olvidar que se tratam de direitos absolutos,
fundamentais a própria essência humana. Em assim sendo, evidente que
devem encontrar, em nossa legislação, instrumentos de proteção que
visem evitar que a lesão ao direito não se consume.
Ocorre que em um país de caráter essencialmente capitalista,
parece ter os direitos de personalidade perdido seu espaço para os
direitos patrimoniais, de sorte que a tutela ressarcitória não vem sendo
concebida como meio hábil a proteção dos direitos extrapatrimoniais.
Nesta esteira, Arenhart (2000, p. 23) ensina que “trata‐se de notória
influência do econômico sobre o social, sendo que a existência humana é
caracterizada por sua capacidade de acumulação de riqueza – e onde a
pior sanção que se concebe é a agressão ao patrimônio alheio.”
Segundo Guilherme Guimarães Feliciano (2012): “Há uma visão
individualista e patrimonialista. Em vez de se prevenir, afastar o risco ou
neutralizar o perigo, prefere‐se que o dano aconteça para que haja
indenização”.
O certo é que diferentemente dos direitos patrimoniais que podem
ser recompostos ao seu estado in natura, tão logo ressarcido o prejuízo
econômico, os direitos da personalidade não possuem essa mesma
natureza.
A ideia de que tudo tem seu preço não é concebida em âmbito de
direito da personalidade, pois a tutela repressiva é incapaz de atender a
sua real necessidade, senão porque projetada posterior ao dano. Adverte,
inclusive, Cristiano Chaves de Férias e Nelson Rosenvald (2010, p.153) “[...]
qualquer reparação se torna assimétrica diante do sacrifício aniquilador
da personalidade.”
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Neste ínterim, nos socorremos do exemplo dado por Moreira
(2005, p. 284), de que “nem todos os tecidos deixam costurar‐se de tal
arte que a cicatriz desapareça por inteiro”.
Assim, de que vale o dinheiro para aquele empregado que teve sua
personalidade maculada pelo empregador ou por um colega de trabalho?
Em que pese a constituição assegurar o direito a indenização pelo dano
moral decorrente da sua violação.
Vê‐se, pois, a ineficiência da tutela condenatória como meio de
proteção a dignidade do trabalhador, na medida em que não é capaz de
evitar a sua lesão.
É o que discute o jurista Fux (2006, p. 155):
A tutela condenatória é a mais imperfeita de
todas as espécies de resposta judicial. Em primeiro
lugar porque voltada para fatos pretéritos e por isso
comprometida, apenas, com escopo ressarcitória,
revelando‐se ineficiente para com o desígnio
preventivo. Por outro lado, inadequada à defesa de
interesses não imediatamente patrimoniais,
como v.g., a necessidade de se impedir uma lesão aos
direitos imateriais da personalidade.
Podemos concluir que em face da ineficiência da tutela
condenatória em resguardar certos direitos, sobretudo, o direito a
personalidade do trabalhador, necessário se faz um estudo de
mecanismos de prevenção, capazes de preservá‐la em seu estado in
natura.
. . Assédio Moral
1.2.1. Etimologia do conceito de assédio moral
A expressão assédio moral recebeu diversas definições pelo país,
tais como, harcèlement moral (no direito francês); bullying (no direito
inglês); mobbing (no direito americano); dentre outros.
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Além disso, vários foram os doutrinadores que procuraram
conceituar esse “novo” fenômeno social.Alice Monteiro de Barros (2000),
por exemplo,define Assédio Moral como:
A situação em que uma pessoa ou grupo de
pessoas exercem uma violência psicológica extrema,
de forma sistemática e frequente e durante um
tempo prolongado sobre outra pessoa, a respeito da
qual mantém uma relação assimétrica de poder no
local de trabalho, com objetivo de destruir sua
reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e
conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe
deixando o emprego.
O Ministério do Trabalho e Emprego, em sua página na internet,
define:
É toda e qualquer conduta abusiva (gesto,
palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que,
intencional e frequentemente, fira a dignidade e a
integridade física ou psíquica de uma pessoa,
ameaçando seu emprego ou degradando o clima de
trabalho.
Conclui‐se, portanto, que assédio moral é muito mais do que um
mero conflito de cunho psíquico no âmbito do trabalho, é um atentado a
própria dignidade humana.
1.2.2. Características do Assédio Moral
Para se caracterizar o Assédio Moral necessário se faz a reunião de
alguns elementos, dentre os quais, podemos destacar: conduta repetitiva,
sistematizada e duradoura, violência intensa, intenção de causar dano
psicológico e desequilíbrio de poder.
Primeiramente, é preciso ter em mente que o comportamento
caracterizador do assédio moral não é esporádico, ou seja, a exposição
moral pela qual passa ofendido deverá ser frequente, muito embora exista
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corrente no sentido de que um ato isolado poderá ensejar assédio moral
quando este for tão agressivo que incuta a vitima um temor permanente.
Os comportamentos de assédio tendem a durar tempo suficiente
para causar desestabilidade a vitima, e há de ser tal, que comprometa a
higidez mental da mesma, fazendo‐a se sentir humilhada e inferior.
Nesse sentido, forçoso se faz destacar o entendimento de Alice
Monteiro de Barros (2006, p.890):
O conceito de assédio moral deverá ser definido
pelo comportamento do assediador, e não pelo
resultado danoso. Ademais, a constituição vigente
protege não apenas a integridade psíquica, mas
também a moral. A se exigir o elemento alusivo ao
dano psíquico como indispensável ao conceito de
assédio, teríamos um mesmo comportamento
caracterizando ou não a figura ilícita, conforme o
grau de resistência da vítima, ficando sem punição as
agressões que não tenham conseguido dobrar
psicologicamente a pessoa. E mais, a se admitir como
elemento do assédio moral o dano psíquico, o terror
psicológico se converteria em um ilícito sujeito à
mente e à subjetividade do ofendido.
Contudo, há quem entenda ser dispensável a existência de dano a
vítima, sob o argumento de que o assédio moral deve ser analisado sob a
ótica do agressor, pouco importando se este irá lograr êxito ou não em
seu intento, quer seja o de provocar dano psíquico ao assediado.
Deve também haver intenção por parte do assediador em
causar terror psicológico e atingir a autoestima do empregado, para que
possamos verificar a incidência do referido assédio, em que pese tal
característica também sofrer discussão tanto doutrinária, quanto
jurisprudencial.
Por fim, quanto ao desequilíbrio de poder, tem‐se que a agressão é
tal, que provoca na vítima a falsa percepção que jamais poderá se
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defender com seus próprios meios, fazendo com que a vítima exclua‐se
pouco a pouco do seu meio.
1.2.3. As práticas que caracterizam o assédio moral
Várias são as condutas que caracterizam o assédio moral, dentre
elas podemos destacar reclamações frequentes e injustificadas ao
empregado, ignorar o trabalhador na frente dos demais empregados, usar
de palavras e gestos que denigram a imagem do empregado, dentre
outros exemplos.
1.2. 4. Tipos de assédio moral
Embora na maioria das vezes, o assédio moral advenha de um
superior, caracterizando uma relação de subordinação entre o empregado
e o empregador (assédio vertical), também poderá ocorrer entre pessoas
de mesmo nível hierárquico, por exemplo, de um colega do setor o qual o
empregado exerce suas funções (assédio horizontal).
Assim, em menor proporção, o assédio pode advir de uma linha de
verticalidade, porém, em uma escala ascendente, ou seja, o empregado é
quem pratica as condutas, anteriormente descritas, para com o seu
superior. Ocorre, por exemplo, quando o funcionário é promovido e passa
comandar o setor o qual fazia parte, sendo, pois, hostilizado pelos antigos
colegas.
Nesse sentido, é o exemplo dado por Guedes (2003, p. 37), em seu
livro Terror Psicológico no Trabalho:
[...] uma jovem bacharela em direito, funcionária
de um Tribunal, foi nomeada para ocupar o cargo de
Diretora de Secretaria numa Vara do interior. Ao
chegar ao fórum, foi recebida com hostilidade pelo
corpo de funcionários, cuja média de idade girava em
torno dos 40 anos. Paulatinamente foi percebendo
que suas determinações para o serviço não eram
observadas, e as hostilidades foram evoluindo para
atitudes de franco desrespeito e deboche por parte
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de alguns funcionários. Apesar do estresse e da
insônia que passou a sofrer, a determinação da
jovem diretora, sua capacidade e autocontrole, bem
como o apoio irrestrito do Juiz foram decisivos para
que preservasse seu cargo e sua autoridade. Não
obstante a insignificância estatística
do mobbingascendente, a crueldade da violência
praticada não é menos do que nos demais casos.
O assédio também poderá ser vertical descendente, este bem mais
frequente do que o anterior, sendo praticado por parte de empregador
para com seu subalterno, buscando, por exemplo, retirá‐lo do trabalho ou
do cargo que exerce.
Há, ainda, o denominado assédio moral organizacional ou straining,
o qual pode ser conceituado como um método gerencial, concernente a
uma imposição aos empregados, de modo a forçá‐los a produzir a maior
quantidade possível, por intermédio de ameaças, humilhação em público.
Por fim, podemos destacar o assédio moral horizontal, entre
pessoas de mesmo nível hierárquico. É o caso dos comentários
maledicentes, e brincadeiras depreciativas entre colegas de um mesmo
setor da empresa.
Cremos que independentemente da modalidade do assédio moral,
este tende sempre a causar efeitos maléficos ao ambiente de trabalho e,
sobretudo, a dignidade da pessoa atingida.
.Considerações a respeito da tutela inibitória
A necessidade de se valer de uma tutela jurisdicional adequada
assume relevância incomensurável
Segundo Arenhart (2000, p. 26): “[...] um direito outorgado pelo
Estado, mas sem que se designem mecanismos de tutela projetados para
sua efetiva garantia, não poderá ser considerado direito, mas, quando
muito, regras morais de comportamento desejável.”
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Hodiernamente, o direito de ação não pode ser visto apenas como
um direito à sentença é preciso que o meio utilizado para o provimento
jurisdicional seja capaz de propiciar uma resposta efetiva aos litigantes.
A esse respeito assevera Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 32):
É preciso compreender que o direito de ação não
pode mais ser pensado como um simples direito à
sentença, mas sim como o direito ao modelo
processual capaz de propiciar a tutela do direito
afirmado em juízo. Se o cidadão deve buscar o
Judiciário, e esse possui a obrigação de lhe prestar a
efetiva tutela de seu direito, é evidente que, por meio
da ação, o direito afirmado deve encontrar caminho
para que, quando reconhecido, possa ser
efetivamente tutelado.
Então, o sistema processual trabalhista deve conceder ao
empregado mecanismo efetivo de defesa de seus interesses, sob pena de
ter sua função comprometida.
Bem assevera MARINONI (2006, p. 79) que, “Sem um direito
processual capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e adequada
não há um ordenamento que possa ser qualificado como jurídico.”
Assim, o afã de exigir o cumprimento específico da prestação
devida, exsurge a tutela inibitória, de modo a impedir a prática, a
continuação ou a repetição do ilícito.
Tutela preventiva é o gênero, do qual tutela inibitória é espécie,
em que pese alguns doutrinadores, a exemplo de Barbosa Moreira e José
Roberto dos Santos Bedaque, não fazerem distinções entre ambas às
expressões.
A tutela inibitória como forma genuinamente preventiva visa,
portanto, prevenir o ilícito, apresentando‐se anteriormente à sua prática.
Por conseguinte, a sua atuação não se volta à reparação do dano, como a
tradicional tutela ressarcitória, mas sim a proteção do direito.
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Evidentemente, então, que não se pode confundir tutela
ressarcitória e tutela inibitória, uma vez que possuem pressupostos
distintos.
A tutela inibitória objetiva conservar a integridade do bem jurídico
protegido, consagrando medidas que impeçam o ato ilícito. A tutela
ressarcitória, ao contrario, atua após o dano, de modo a conceder ao
requerente uma indenização por perdas e danos. Vê‐se, assim, que gera
um direito a crédito, ao passo que a tutela inibitória não se sub‐roga em
nenhum outro direito, conquanto dirigida a garantir o direito em si.
Como se pode perceber, a tutela ressarcitória é voltada ao passado,
já a inibitória é voltada ao futuro, dirigida a impedir a prática do ilícito.
Ressalte‐se, no entanto, que mesmo quando voltada a cessar o ilícito, a
tutela inibitória não perde seu caráter preventivo.
A tutela inibitória é uma tutela específica, requerida por meio de
ação inibitória, que impõe um fazer ou um não fazer, podendo ser
invocada em concurso com a tutela ressarcitória, destinada a cessar
ameaças de dano material ou moral, a fim de preservar a integridade do
direito.
Todavia, nada obsta que a tutela inibitória seja utilizada
antecipadamente na ação inibitória em curso.
Note‐se, com efeito, que a tutela inibitória possui um caráter
eminentemente preventivo, na medida em que objetiva evitar a prática
de um ilícito, a sua repetição, ou ainda, a continuação da sua prática.
Possibilitando ainda ao jurista se valer do uso de multa, a fim de coagir o
réu a agir da maneira positiva (fazer) ou negativa (não fazer).
É de bom alvitre destacar que, até pouco tempo o uso da tutela
inibitória cingia‐se à tutela da posse e da propriedade. Somente após o
advento da Lei 8.952/94, que alterou alguns dispositivos do antigo Código
de Processo Civil, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com
uma técnica processual apta a concretizar certos direitos, tornando‐os
efetivos.
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Assim, anteriormente, a Lei supramencionada, só se podia fazer uso
da tutela inibitória típica, ou seja, aquelas inseridas nas hipóteses
efetivamente previstas em nosso ordenamento.
Logo, na iminência da ocorrência de um ilícito, restava tão somente
ao jurista se valer da tutela cautelar, o que demandava grande perda de
tempo, uma vez que necessitava de uma ação de conhecimento posterior,
ou, terminava por desaguar em uma espécie de tutela satisfativa,
perdendo seu caráter assecuratório do processo principal.
Constata‐se então, que a reforma ao antigo Código de Processo
Civil, introduzida pela Lei 8.952/94, possibilitou o uso da chamada tutela
inibitória atípica, atualmente, requerida com fundamento nos artigos 497
do Novo CPC e 84 do CDC, os quais prevêem respectivamente tutela
inibitória típica geral individual e coletiva.
Outrossim, em âmbito constitucional, podemos citar o art. 5º, inciso
XXXV da Lei Maior como o fundamento principal do uso da tutela inibitória
atípica no ordenamento pátrio.
Já no âmbito trabalhista, podemos fazer uso do direto comum como
fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for
incompatível com seus princípios fundamentais, nos termos do parágrafo
único do artigo 8º da CLT.
Ademais, podemos citar o artigo 659, IX, da CLT, como exemplo de
ação inibitória, na qual o juiz concede a tutela inibitória em reclamações
trabalhistas que visem a tornar sem efeito transferência de dirigente
sindical para localidade que dificulte ou impeça sua atuação.
Nesta linha de raciocínio, forçoso concluir que não se trata de
superação do processo cautelar em detrimento da ação inibitória, senão
porque tais institutos não se equivalem, eis que estão voltados para fins
diversos.
2.1. Pressupostos de concessão da tutela inibitória
2.1.1. A prova na tutela inibitória
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Como dito, há muito tempo o direito brasileiro vem rompendo com a ideia de que o processo está voltado apenas ao passado, servindo apenas para recomposição do bem jurídico violado.
Ocorre que, tradicionalmente a teoria da prova se volta ao passado, de sorte que quando estamos diante de uma tutela voltada ao futuro, impõe-se uma análise, sob uma nova ótica, a respeito da função da prova no processo.
Já se disse que a tutela inibitória se dirige a impedir a prática, a repetição, bem como a continuidade do ilícito. Nesse sentido impende destacar a respeito do objeto jurídico sobre o qual deverá recair a cognição judicial em sede de tutela inibitória, quer seja a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário ao direito.
2.1.2. A questão do ilícito e o dano
Mister se faz a distinção entre ilícito e dano a fim de que se possa delinear o campo de incidência probatória da tutela inibitória. O dano não é pressuposto para que se possa invocar a proteção jurídica via ação inibitória, tampouco esta se destina a sua prevenção.
Assim sendo, o insigne processualista Marinoni (2006, p. 144) leciona: “No caso de ação voltada a impedir a prática de ato contrário ao direito, ou mesmo de removê-lo, não há como se pensar em dano, pois o que importa é a probabilidade de ato contrário ao direito ou a necessidade de sua remoção”.
O dano é condição necessária quando se tem vistas a indenização por via ressarcitória. Logo, podemos concluir que a tutela inibitória prescinde de dolo e culpa, pois, estes pressupostos pertinentes a responsabilidade civil (reparação do dano).
Neste sentido, o dano não é elemento constitutivo do ilícito, logo
não pode ser concebido como consequência lógica deste, muito embora
o ilícito seja, por vezes, exteriorizado pelo dano gerado.
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Aliás, o próprio Novo CPC seguiu nessa linha, consoante disposto no
art. 497, parágrafo único.
Como bem destacado, na ação inibitória não há espaço para alegações concernentes a probabilidade do dano, nem tampouco a sua prova, salvo na hipótese do ato ilícito e o dano ocorrerem no mesmo momento, o que na hipótese, a probabilidade do dano há de ser provada.
2.1.3. A dificuldade da prova e a questão da culpa
Depois de feita a devida distinção entre ilícito e dano, necessário verificar o que deve se provado em sede de ação inibitória, isto é, o objeto sobre o qual deve recair a cognição judicial.
Nesse sentido, haverá a necessidade de provar a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário ao direito. A dificuldade maior está quando nenhum ato contrário ao direito é praticado anteriormente, pois, neste caso, deverá se provar o perigo da lesão, baseando-se na potencialidade dos meios utilizados como preparativo da ocorrência do mesmo.
O principal pressuposto para concessão da tutela inibitória é a ameaça de prática de ato antijurídico, é sobre ela que deverá recair a cognição judicial. Todavia, há de ser destacado que a ameaça deverá ser concreta, específica, não se concebendo mero perigo genérico, fundado em um temor subjetivo de que o direito do autor será violado.
Para que o provimento inibitório seja procedente, o requerente deverá demonstrar que o réu realizou ou, ainda, está realizando atos que possam vir a causar violação ao seu direito. São atos preparatórios ou atos ilícitos anteriormente praticados, cuja probabilidade aponta pela violação ao bem jurídico protegido pelo autor.
A dificuldade reside quando a ação inibitória é proposta a fim inibir a prática do ato ilícito, isto é, quando ainda não iniciado
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qualquer ato lesivo ao direito do autor, hipótese em que só foram praticados atos preparatórios.
Descreve Marinoni (2006, p. 138) que “[...] ainda que um ilícito anterior não tenha sido praticado, o autor deverá alegar fatos suficientes para permitir ao juiz, raciocinando, formar um juízo da alegação de que provavelmente será praticado um ilícito.”
Nesse diapasão, ganha força a chamada prova indiciária, a qual permite ao magistrado, num dado caso concreto, a formação de um juízo de perigo potencial e de probabilidade de prática do ato ilícito.
No que se refere a sentença inibitória, esta possui sua eficácia
adstrita ao ato jurídico ameaçado, ou seja, vigora até o cumprimento da
função inibidora. Conclui Spadoni (2007, p.127), “uma vez praticado o ato
vetado, ou uma vez cumprida à ordem judicial, a eficácia da sentença
cessa, pois, não mais haverá necessidade de inibição de qualquer
conduta”.
Prossegue, em seu raciocínio, o renomado jurista: “em se tratando
de relação jurídica continuada, a eficácia da sentença inibitória se protrai
no tempo, em decorrência da própria natureza da relação jurídica que
continua a existir, projetando‐se para o futuro, e agora disciplinada pela
sentença.”
Importa frisar que se posteriormente o demandado vier a praticar
a ordem que lhe foi obstada pela sentença inibitória, desnecessário se faz
requerer a execução da sentença, pois, como dito anteriormente, a
sentença inibitória se reveste de natureza executiva lato sensu, bastando
ao autor requerer por meio de mera petição, que o juiz adote as medidas
judiciais necessárias a cessação do ato ilícito.
2.1.4. A tutela jurisdicional adequada no plano de proteção a dignidade moral do trabalhador
A doutrina sempre passou a ideia de que toda lesão ou ameaça a
direito poderia ser convertida em pecúnia, porquanto o próprio direito
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processual era estruturado dessa forma. A verdade é que esse modelo
nitidamente patrimonialista não mais é concebido nas sociedades
modernas. De fato, esta ideia de que toda lesão ao direito poderia ser
convertida em um equivalente monetário vem desde muito tempo
perdendo força.
Analisando o sistema rudimentar romano, observa‐se que devido
à escassez de dinheiro, havia uma considerável tendência, naquela
sociedade, de condenação pecuniária. Bem se percebe quão ultrapassada
encontra‐se a ideologia romana, contudo, os juristas parecem continuar
apáticos diante da nova visão processual.
Este aspecto, com efeito, também é notado pelos processualistas
modernos, a exemplo de ProtoPisani (2000, p. 25), que destaca que
“mesmo com todas as elegantes operações de restauração, de
maquiagem, de reinterpretação operadas pela doutrina civilística sobre a
responsabilidade extracontratual, a tutela ressarcitóriase manifesta como
estruturalmente inadequada para assegurar sozinha uma tutela aos
direitos de conteúdo e função não patrimonial’’.
Eis que surgem, então, as tutelas diferenciadas, dentre estas, a
chamada tutela inibitória. Para a demonstração da sua importância no
plano do direito a personalidade do trabalhador, imperioso tecer
considerações do que seria a chamada tutela inibitória enquanto tutela de
urgência.
A visão de que a todo direito pode ser ofertado uma tutela
ressarcitória vem perdendo por completo o espaço no direito moderno.
Ora, se a lesão ou ameaça não foi diretamente ao patrimônio da vitima,
como permitir que se preste unicamente para uma recomposição
pecuniária?
De fato, assevera Arenhart (2000, p. 25) que “a indenização do
dano moral contribui, muitas vezes, para tornar ainda mais grave à
situação; a tutela ofertada, ao invés de proteger o direito, muitas vezes
incentiva sua violação.”
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Nesse sentido, ainda, Miaille (2000, p. 61) assinala que “esta noção
de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais encontra‐se abalada, diga‐se
o que se disser, por diferentes brechas”. E prossegue o autor: “A honra,
sem dúvida, não tem preço, mas quem é vítima de injúria ou calúnia pode
reclamar uma reparação em dinheiro”.
Pois bem, cumpre ao processo a função de restaurar os direitos
violados, contudo, não é necessário esperar que a lesão de fato ocorra,
pois a tutela repressiva deve ser sempre preterida em detrimento da
tutela preventiva, porquanto esta se torna mais prática e bem mais efetiva
do que aquela.
O exímio processualista Arenhart (2000, p. 108) leciona:
Vê‐se, pois, a difícil missão do direito, no que
pertine à proteção aos direitos da personalidade, já
que a tutela específica, neste campo, muito
dificilmente poderá restaurar, ao lesado, seu idêntico
interesse violado. A honra, por exemplo, uma vez
maculada, jamais poderá ser restaurada em sua
forma primitiva; bem o demonstra a tentativa
teratológica da criação da doutrina do dano moral
em nosso ordenamento.
Decerto que cabe ao judiciário, quando possível, impedir que a
ameaça gere um dano efetivo.
Lembre‐se, por oportuno, alguns exemplos de ações inibitórias no
direito brasileiro: mandado de segurança preventivo e o interdito
proibitório, contudo, o que se busca é a aplicação de uma ação inibitória
genérica, de modo a proporcionar sua incidência a qualquer caso que
dela careça. Insere‐se, neste sentido, a noção da tutela inibitória.
O assédio moral constitui não só um desvio social,
comprometedor da integridade psíquica e até mesmo física do
trabalhador, mas insere‐se, sobretudo, como ofensor a dignidade
humana, principio este elevado a categoria constitucional, (art. 1º, III,
CF/88).
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Nesse contexto, insere‐se as palavras de Adriana Estigara (2013),
em texto divulgado na internet:
Por atingir a dignidade da pessoa humana, o
assédio moral é um mal que deve ser intensamente
enfrentado pelo Estado, pela sociedade, pelas
organizações não‐governamentais, pelas instituições
em geral, não se podendo contentar com a
alternativa de sua compensação pecuniária,
especialmente por que sendo a dignidade humana
um direito absoluto não comporta esse gênero de
tutela jurídica. [...] Uma iniciativa comprometida com
a concretização dos valores constitucionais deve
partir para a efetivação da dignidade humana, e não
apenas para a criação de mecanismos tendentes a
reparar a ofensa a dito valor.
Como visto alhures, o assédio moral pode trazer consequências
nefastas ao empregado, levando‐o a desenvolver problemas de saúde,
pois que atinge sobremaneira sua autoestima e sua personalidade. As
primeiras consequências são afastamento das pessoas, frequência de
erros no ambiente de trabalho, depressão, falta de concentração, e nos
casos mais graves, o suicídio.
O que se percebe é que os danos causados em decorrência do
assédio a moral do empregado, pode vir a causar danos irreversíveis, de
sorte que a ação ressarcitória jamais se prestará a tutelá‐lo.
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Especialista no assunto, a psiquiatra e autora de diversos livros
sobre o tema assédio moral, a Dra. Hirigoyen (2002, p. 169) destacou as
“diversas consequências pós‐traumáticas que a vítima sofre, o que
significa que não voltará a ter o mesmo comportamento e as mesmas
atitudes que costumava ter antes de ser assediada.”
Em debate sobre o assunto, a referida autora (2013) apontou pela
importância da prevenção: Penso, num caso em que uma pessoa foi reconhecida como
vítima de assédio moral e que foi indenizada mas, quando
isto ocorreu, ela tinha perdido sua saúde, estava com
problemas no casamento porque não tinha tido renda
durante dois anos. Esta pessoa foi reintegrada no seu cargo
depois de dois anos mas sofria de problemas cardíacos,
problemas de diabete, de colesterol, de distúrbios que,
infelizmente, estavam bastante avançados e esta pessoa não
teve condições de retomar seu trabalho por motivo de
saúde.
Nesse contexto infere‐se a importância da tutela inibitória, como o
meio mais eficaz de proteção a dignidade do empregado, e os valores
sociais do trabalho.
O juiz do trabalho Guilherme Guimarães Feliciano (2013), é autor
de uma tese aprovada no XVI Congresso Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho, o qual visa incentivar a inserção da tutela inibitória,
como instrumento de freio às diversas ações de danos morais nos
tribunais. Desta feita, o objetivo é“se adiantar e propor teses para que as
ações possam ser ajuizadas enquanto ocorre o problema, e não depois
que o trabalhador assediado já pediu as contas por não aguentar mais o
ambiente em que trabalha”.
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Assim, logo nas primeiras tentativas de agressão, o juiz, atuará
com o fim de preservar o emprego do trabalhador, impondo ao assediador
uma ordem para fazer cessar o ilícito. A tutela inibitória, então, teria um
cunho preventivo‐pedagógico, porquanto além de reparar o dano sofrido,
visaria prevenir novas práticas de assédio moral pelo empregador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que restou exposto no presente estudo, conclui‐se a
respeito da importância da tutela inibitória como meio mais eficaz a
proteção a dignidade psíquica do trabalhador.
Não se pode descurar que o processo deve percorrer um caminho
trilhado por uma tutela capaz de conceder uma resposta adequada e
efetiva.
Com efeito, constata‐se que existem direitos, que dada a sua
natureza no ordenamento jurídico brasileiro, não se amoldam ao conceito
clássico de que todo processo pressupõe um dano, que por sua vez poderá
ser facilmente reparado em pecúnia.
Alguns direitos precisam manter‐se intactos, pois sua violação
corresponderia à impotência do Estado em protegê‐los. Assim,
indispensável se faz assegurar ao individuo mecanismo de satisfação ao
seu direito.
Quando o Estado aboliu a autotutela privada, avocou para si a
responsabilidade de compor os conflitos, possibilitando a cada um,
sempre que possível, a situação que lhe adviria, na hipótese da lei nunca
ter sido violada.
As decisões proferidas pelo poder judiciário deverão acompanhar
todo esse discurso, para tanto se faz necessário reconhecer que a tutela
preventiva é a mais eficiente a preservação de alguns direitos, porque
conserva seu estado in natura, ou quando menos, impede que a lesão
continue ocorrendo.
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Então, se o Estado reconhece a necessidade de se proteger a
moral do trabalhador, exsurge a conclusão que deve se desvincular de
qualquer instrumento de valor economicamente apreciável, senão porque
não se satisfazem com uma mera reparação em pecúnia.
Nesse sentido, somente a tutela inibitória poderá conter os abusos
que por vezes retiram a paz psicológica no ambiente de trabalho,
chamando a atenção sobre a necessidade da concepção em nosso
ordenamento jurídico de uma tutela específica, de modo a trazer uma
resposta rápida e eficaz aos litígios levado ao juízo trabalhista.
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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA: ENTRE A CONSTITUIÇÃO E O CÓDIGO CIVIL
THOMAZ MUYLAERT DE CARVALHO BRITTO: Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador-geral da Revista de Direito dos Monitores (RDM) da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do PIBIC pela Universidade Federal Fluminense
RESUMO: O presente artigo versa sobre os princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família, os quais têm grande importância no cenário jurídico atual, tendo em vista que muitas decisões se fundamentam nesses postulados em detrimento de normas legais. Assim sendo, reputa-se pertinente um estudo atinente aos referidos princípios.
PALAVRAS-CHAVE: princípios; constituição; família.
ABSTRACT: This article deals with the constitutional principles for Family Law, which have great importance and do not have a current legal context. Therefore, it is considered pertinent to a study concerning the proposed meanings.
KEYWORDS: principles; Constitution; family.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 4. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. 5. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR. 6. PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES FAMILIARES. 7. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL. 8. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL. 9. PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR. 10. PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO 11. CONCLUSÃO 12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
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No artigo em comento, essencial se denota o estudo atinente aos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família, uma vez que, consoante sustenta a doutrina, várias decisões judiciais são arraigadas em postulados em vez de regras legais. Em muitos arestos, aplica-se, por exemplo, o princípio da afetividade, o qual importa o afeto, uma relação estabelecida entre pessoas humanas. Nesse diapasão, o Direito de Família, na condição de um Direito interdisciplinar, congrega conhecimentos advindos da Psicologia, do Serviço Social, a título exemplificativo.
Ademais, o entendimento acerca dos princípios constitucionais é primordial para a própria compreensão da Carta da República e sua abrangência no ordenamento jurídico. A Constituição é a norma mais importante do ordenamento jurídico e o seu conteúdo apresenta implicações nos ramos do Direito, tanto é que se defende a constitucionalização do Direito Civil.
Vislumbra-se, no ensaio em apreço, a apresentação dos principais princípios constitucionais afetos ao Direito de Família, eis que sua importância na prática forense justifica tal abordagem.
2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana encontra respaldo no art. 10, III, da Constituição da República Federativa do Brasil. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 18), averigua-se uma transferência da importância concedida à família como instituição para a atenção ao desenvolvimento tocante à personalidade dos filhos que a integram. Nesse sentido, o doutrinador sustenta uma perspectiva de estudo do Direito de Família a partir dos Direitos Humanos, afastando-se, consequentemente, do patriarcalismo.
No mesmo ínterim, na obra atualizada de Caio Mário da Silva Pereira (2014, p. 62), argumenta-se que a família como instituição cede lugar a uma forma pela qual a família é estruturada com um escopo determinado, qual seja, o de desenvolvimento da personalidade daquelas que abrange, haja vista a observância à dignidade da pessoa humana. O princípio em tela é, portanto, norteador do sistema jurídico e é relacionado aos anseios democráticos.
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3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O princípio da igualdade (isonomia) entre o homem e a mulher, segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 88), externou a superação do caráter patriarcal do Direito das Famílias. Os artigos 50, I e 225 da Carta da República de 1988 consagraram a isonomia entre o homem e a mulher. Desse modo, houve uma busca pela igualdade material (substancial), visto que o homem não poderia mais subjugar a mulher no plano familiar. É possível, ressalte-se, que seja concedido um tratamento diferenciado em algumas circunstâncias. Quando os fatos forem os mesmos nas relações familiares, o tratamento jurídico a ser atribuído a homem e mulher será idêntico.
Os autores citam, ainda, o artigo 219 do Código Civil de 1916, o qual estabelecia a possibilidade de anulação do casamento pelo marido caso a mulher tivesse sido deflorada por outrem, o que configuraria erro. Atualmente, conforme aduzem os doutrinadores, apresentam-se decisões, no bojo de ações de alimentos, nas quais se julga improcedente o pedido em razão do exercício de profissão pela mulher. Ademais, constatam-se provimentos favoráveis às mulheres quando tenham se dedicado exclusivamente aos filhos e ao lar, uma vez que a Carta Magna de 1988 prima pela igualdade substancial entre os cônjuges e companheiros.
Consoante preleciona Maria Berenice Dias (2015, p. 44), a Constituição foi repetitiva com relação à igualdade entre homem e mulher com uma finalidade positiva: a demonstração da igualdade de direitos e deveres de ambos no que pertine à sociedade conjugal, na forma do art. 226, §50. Não pode haver, além disso, discriminação entre filhos provenientes ou não de casamento e adotivos. Com fulcro nos arts. 1.565 § 20 do Estatuto Civilístico de 2002 e 226, § 70 da Constituição, as decisões sobre o planejamento familiar recaíram sobre o casal. O poder público deve, contudo, propiciar condições de que os direitos, como de saúde, sejam exercidos. Qualquer dos nubentes pode adotar o sobrenome do outro (art. 1.565,§ 10), o que reforça a ideia de igualdade. Se não alcançam um acordo, não prevalece a vontade de um deles. A regra, hoje, é a da guarda compartilhada, de tal sorte que ambos os pais podem exercer o poder familiar.
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No bojo da igualdade assegurada pela Constituição Federal, encontram-se previstos os princípios da igualdade jurídica de todos os filhos (não pode acontecer discriminação entre legítimos, ilegítimos, provenientes ou não do casamento e adotivos, por exemplo) e o princípio da igualdade jurídica entre cônjuges e companheiros (fim do poder marital e da limitação das mulheres a atividades domésticas e procriação), na lição de Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 18).
4. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O princípio da afetividade, para Pablo Stolze Gagliano (2014, p. 73), comporta o afeto, o amor, os quais têm muitos aspectos e regem as relações da vida. A partir do principio sob análise, o autor dissertou sobre as uniões homoafetivas, cujo nome não se pautou na orientação sexual dos seus componentes, mas priorizou o afeto responsável pela união entre pessoas do mesmo sexo.
Os laços de afeto, nesse diapasão, são considerados em sua essência com o fim de aferir as peculiaridades dos casos concretos, o que implica um afastamento da subsunção automática da lei a situações fáticas. Mencionam-se, como fundamentos desse postulado, os arts. 28, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 1.584, da Lei Civil de 2002. São reconhecidas, logo, as relações filiais independentes dos atributos biológicos. Caio Mário da Silva Pereira (2014, p. 66) afirma que o principio em epigrafe não se encontra positivado no texto constitucional, todavia, o reconhece pela interpretação do art. 5, § 20 da Carta da República.
Maria Berenice Dias (2015, p. 49), quando explana o principio da afetividade, o compara ao direito fundamental à felicidade e o exemplifica mediante o reconhecimento da união estável como entidade familiar, além da igualdade entre irmãos biológicos e adotivos. Na modalidade do artigo 227, § 60, depreende-se a igualdade entre os filhos independentemente da origem. Os laços de afeto decorrem da convivência familiar e não de traços biológicos. Evidencia-se, no entendimento da autora, a influência do citado principio no que tange ao direito das famílias.
5. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR
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O princípio da solidariedade familiar insculpe-se nos arts. 3º, I, 226, 227 e 230 da Constituição Federal. Na compreensão de Caio Mário da Silva Pereira (2014, p. 65), o indivíduo deve ser pensado no corpo social. A coexistência, dessa maneira, justifica a solidariedade diante da proteção às famílias, aos idosos e a crianças e adolescentes. Os membros da família compartilham afetos e têm direitos e obrigações uns com os outros.
Pablo Stolze Gagliano (2014, p. 76) exemplificou, no que diz respeito ao princípio da solidariedade familiar, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça na qual o dever de prestar alimentos se aplicou a uma união estável estabelecida antes de entrar em vigor a Lei 8.971 de 1994, sob o argumento de que o diploma abarca normas de ordem pública. Portanto, o aludido postulado explica a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges e companheiros, além do poder familiar em face dos filhos menores.
6. PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES FAMILIARES
O princípio do pluralismo (ou pluralidade) das entidades familiares, conforme a reflexão de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 61), foi positivado pela Constituição de 1988 e ampliou o conceito de família, anteriormente limitado ao matrimônio. O casamento tornou-se uma formalidade, ao passo que a família foi percebida como um fato natural.
A família tutelada pelo Estado, com as modificações trazidas pelo texto constitucional, passou a englobar qualquer outra manifestação afetiva, como a família monoparental e a união estável. Os diversos arranjos familiares merecem, nesse viés, a proteção estatal. Segundo os autores, a família é necessária ao desenvolvimento da personalidade de seus membros, à transmissão de cultura e à formação da pessoa humana digna. O art. 226, caput, da Carta Magna de 1988, o explicita. O Supremo Tribunal Federal enquadrou as uniões homoafetivas como entidades familiares, merecedoras de proteção estatal. A referência das famílias, na atualidade, se pauta no afeto e as uniões homoafetivas, para os autores, são entidades familiares autônomas.
As famílias monoparentais foram reconhecidas no art. 226, § 4º, da Constituição da República. Elas são formadas pelos ascendentes e seus
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descendentes, de forma que o ascendente não tem parceiro afetivo, como é o caso das mães solteiras. A família monoparental provém da liberdade de escolha das relações amorosas, na esteira do posicionamento dos doutrinadores em questão. Maria Berenice Dias (2015, p. 46) considera que a ampliação do espectro de família foi ocasionada pelo reconhecimento de que o casamento não é a única base da sociedade. As demais uniões extrapatrimoniais eram tratadas como sociedade de fato, contempladas apenas no direito obrigacional, o que poderia gerar enriquecimento injustificado.
7. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL
O princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos, de acordo com Maria Berenice Dias (2015, p. 47), está positivado nos arts. 227 e 227 § 6º, da Constituição Federal, cuja finalidade se associa à doutrina da proteção integral. Os cidadãos até os dezoito anos têm maior vulnerabilidade, recebendo proteção de um microssistema: o Estatuto da Criança e do Adolescente. As disposições constitucionais asseguram a igualdade entre os filhos, razão pela qual não se admite discriminação em virtude de origem. Em certas situações, a alternativa mais adequada aos interesses da criança ou do adolescente é a sua entrega à adoção. Quanto aos idosos, não é permitida a discriminação em torno da idade. É válido frisar que o microssistema atinente ao grupo dos idosos é o denominado Estatuto do Idoso.
Caio Mário da Silva Pereira (2014, p. 65) percebe o postulado como o princípio do melhor interesse da criança, o qual deve constituir a concepção no sentido de que a criança é uma pessoa em desenvolvimento, motivo pelo qual a função econômica da família foi substituída gradativamente pelo afeto. O melhor interesse da criança e do adolescente não pode se pautar somente nessas pessoas no presente, mas deve considerá-las no âmbito futuro.
8. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL
O princípio da proibição de retrocesso social é tratado por Pablo Stolze Gagliano (2014, p. 76) como a vedação de que um diploma legal mitigue ou uma garantia ou um direito dispostos na Carta da República. A
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título exemplificativo, aduz que a Lei 9.278 de 1996 não foi inteiramente revogada pelo Código Civil de 2002, porquanto, caso contrário, teria havido retrocesso no concernente às disposições de união estável.
9. PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR
O princípio do planejamento familiar e da responsabilidade parental, consoante engendram Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 103), o objetivo do planejamento familiar consiste em estabelecer condições de equilíbrio entre a quantidade de filhos e a capacidade de sustento. Não se permite que formas coercitivas controlem o planejamento do casal. O art.227, § 6º possibilita a escolha de critérios pelo casal. No que tange à responsabilidade parental, o texto constitucional prescreve as formas de comportamento dos membros da família. Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 19) ensina que o princípio do planejamento familiar se coaduna ao postulado da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.
O doutrinador vertente aborda o princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, a qual pode ocorrer pelo casamento, pela união estável, havendo liberdade de escolha na educação dos filhos. O conceito de família, nesse aspecto, se deslocou para a valorização do afeto em detrimento de um documento (seara formal).
10. PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
O princípio da facilitação da dissolução do casamento, na doutrina de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2015, p. 106), se materializa no art. 226, § 6º da Constituição de 1988. O direito brasileiro perfilha o divórcio-vontade, tendo afastado a noção de culpa e os longos lapsos temporais do divórcio. Houve a supressão do instituto da separação do direito brasileiro. O Estado deve aceitar a vontade das partes, uma vez que ninguém é obrigado a ter afeto por uma pessoa específica.
11. CONCLUSÃO
Por derradeiro, percebe-se que foram analisados os principais princípios aplicáveis ao Direito de Família no âmbito constitucional. A
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Carta da República, em seu teor, garante a proteção à família, conjecturando, dessa forma, o princípio da solidariedade familiar, o qual ultrapassa fronteiras visando à proteção dos membros da família, culminando, por conseguinte, em atitudes esperadas para o resguardo de seus membros.
Os princípios constitucionais, enquanto normas constitucionais, geram uma influência em todo o ordenamento jurídico, possibilitando algumas controvérsias sobre a sua aplicação e sobre o seu alcance. Interpreta-se, com fulcro nos estudos advindos do presente ensaio, pela aplicação dos princípios constitucionais atinentes ao Direito de Família quanto em cotejo a normas infraconstitucionais, posto que os princípios em comento buscam uma concretização mais precisa dos direitos dos membros da família.
A interpretação dos princípios constitucionais pode levar a uma proteção maior dos membros da família, a qual precisa ser perfilhada no estudo em apreço. O conceito de família, com o advento da Carta Magna de 1988, sofreu alterações e se tornou mais amplo. Os princípios da Constituição são capazes, diante disso, de reforçar as mudanças trazidas pela mutação constitucional, bem como por uma interpretação conforme a Constituição.
12. BIBLIOGRAFIA
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, Direito de Família: As famílias em perspectiva constitucional – 4ª ed., Saraiva, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto - Direito Civil Brasileiro - Volume VI - Direito de Família - 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014.
PEREIRA, Caio Mario da Silva - Instituições de Direito Civil - Volume V - Direitos De Família - Rio de Janeiro: Forense, 2014.
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ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil - Famílias - Vol. 6 – 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2015.
MONTEIRO, Washington Barros; DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 42ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
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EUTANÁSIA E O PACIENTE TERMINAL: UM ASPECTO CRIMINAL E BIOÉTICO.
FERNANDA COSTA VIDIGAL: Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Instituto Vianna Jr
RESUMO: Esse artigo apresenta breves considerações a respeito da
Eutanásia. Dessa forma, serão analisados assuntos correlatos com o tema
central, os quais abrem espaço para novas discussões. Assim, será
ressaltada a autonomia do paciente terminal em relação a Eutanásia
levando em conta os princípios da Bioética e a Legislação Penal Brasileira.
PALAVRAS‐CHAVE: EUTANÁSIA. DIREITO À VIDA. AUTONOMIA.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE TERMINAL. BIOÉTICA.
LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA.
INTRODUÇÃO
A Morte, trata‐se de um termo bastante subjetivo quando se leva em
consideração a ideia de vida que cada ser humano tem.
É importante mencionar que conceitos, crenças religiosas e até
mesmo costumes são levados em conta para que se possa definir o
verdadeiro significado de Morte e de Vida digna. Para uns, basta a vida em
si, sem que se leve em conta critérios de saúde, felicidade e de dignidade.
Para outras, trata‐se a morte, de uma oportunidade de nova vida e até
mesmo de libertação.
O presente artigo, levando‐se em consideração os critérios
pontuados nos parágrafos anteriores, faz uma breve análise em relação a
Morte e a Vida digna em relação a Eutanásia.
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Partindo‐se do tema central, passa‐se pela análise da autonomia do
paciente terminal segundo os princípios da Bioética e ainda faz uma
correlação com a Legislação Penal Brasileira.
PACIENTE TERMINAL
1.1 Conceito
Por definição, paciente terminal é aquele cuja condição é irreversível,
independentemente de ser tratado ou não, e que apresenta uma alta
probabilidade de morrer num período relativamente curto de tempo
(SANTORO, 2010), restando apenas os cuidados para propiciar‐lhe o
máximo de bem estar.
1.2 Relação entre Paciente Terminal e o Médico
A morte, em si, possui significados diferentes para diferentes
pessoas e varia ainda ao longo da vida de cada uma delas, dependendo da
cultura e das experiências. Em nossa cultura, a morte é percebida como
perda, fracasso e, assim sendo, provoca sentimentos de tristeza, medo,
insegurança. Frente a ameaça da perda, a pessoa pode experimentar
emoções e sentimentos que alternam‐se entre todas as nuances de
esperança e angústia, podendo dificultar o entendimento da situação e
prejudicando a capacidade de tomar decisões coerentes. O médico pode
favorecer o paciente e a família a alcançarem o ponto de equilíbrio,
construindo uma relação baseada na confiança e diálogo, pois a relação
médico‐paciente ultrapassa o limite simplesmente biológico da
intervenção médica e se aprofunda em relação terapêutica (ALELUIA,
2002).
A relação médico‐paciente estabelece entre ambos um vínculo, de
obrigações de resultados ou obrigações de meios. O que se percebe é um
conjunto de direitos que se reserva ao Paciente terminal e que deve ser
observado pela equipe médica e pelos familiares quando da tomada de
decisões, sendo o primeiro deles o direito à verdade, diretamente
relacionado à obtenção do consentimento informado.
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O direito à informação é constitucionalmente assegurado (art. 5º,
XIV, CF), e os pacientes têm o direito de saber o que se passa com eles,
estando ao lado deste mencionado direito, o direito ao consentimento.
Diante do exposto, verifica‐se que somente em casos extremos, em
atenção às condições psíquicas do doente, será lícito ocultar‐lhe
informações, pois, embora não seja mais possível curar, subsiste ainda a
obrigação ética de cuidar. Contudo, o profissional da Medicina deve
sempre buscar cautela e ponderação, não se esquecendo de que assume
o papel de Juiz que sentencia e marca a data da execução, de senhor da
vida e da morte (SÁ, 2001).
Ademais, o diálogo, entre médico-paciente para informações do estado real do enfermo, inclui o respeito à dignidade do paciente, expressando também o reconhecimento da autonomia, da liberdade do sujeito que se afirma sobre a sua fragilidade.
1.3 A Autonomia do Paciente Terminal
A autonomia é o direito pelo qual se podem realizar as escolhas
mais fundamentais da existência de um indivíduo. Na constituição Federal
de 1988, ela aparece sob a forma do direito à liberdade, englobando
liberdade de consciência, de crença e assim por diante. Na verdade, a
autonomia proporciona que seu titular desenvolva a sua personalidade do
modo que lhe pareça mais pertinente. Aliás, Ronald DWORKIN
complementa “diz respeito à capacidade mais geral e difusa que descrevi:
a capacidade de agir com base em preferências genuínas, na percepção
das coisas, nas convicções pessoais ou no sentido da própria identidade”
(DWORKIN, 2009).
A autonomia constitui um dos princípios da bioética, o qual orienta a relação médico-paciente. Disso resulta que é o paciente quem efetua as escolhas mais fundamentais no tocante ao seu tratamento, podendo, inclusive, renunciá-lo, desde que seu médico tenha prestado as devidas informações a respeito do quadro clínico do enfermo.
Conforme estabelece Kant, a autonomia é uma característica fundamental e necessária do agente racional “a autonomia é,
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portanto, o solo indispensável da dignidade da natureza humana ou de qualquer natureza racional”, que, no entanto, só seria verdadeira, se estivesse em conformidade com o imperativo categórico da consciência moral (KANT, 2003).
Muitas questões polêmicas emergem do princípio da autonomia, como o questionamento de qual seria a vontade de um paciente sem condições de expressar sua vontade. Mais além, é possível questionar se a vontade inicial do paciente de não prolongar excessivamente uma vida sem qualidade (quando ainda estava consciente) permanece no momento em que o mesmo se encontra inconsciente e em fase terminal.
Por isso, a decisão de prolongar ou não o processo de morrer de pacientes em fase terminal (em especial daqueles que não podem expressar sua vontade) deve respeitar a compreensão do enfermo sobre como a sua vida deveria ser conduzida. Dessa forma, não é difícil perceber que essa decisão não pode ser universalizada. É digno mencionar que
O fato de estar ou não entre os direitos fundamentais de uma pessoa ter um final de vida de um jeito ou de outro depende de tantas outras coisas que lhe são essenciais - a forma e o caráter de sua vida, seu senso de integridade e seus interesses críticos - que não se pode esperar que uma decisão coletiva uniforme sirva a todos da mesma maneira (DWORKIN, 2009, p.301).
Acredito que a autonomia permite que a vida de pacientes terminais não seja prolongada de maneira tal que gerem sofrimentos incessantes ao indivíduo, desde que suas concepções, valores e entendimento de vida se mostrem contrárias ao prolongamento excessivo de uma vida sem qualidade.
Sendo assim, o direito do ser humano à autonomia da vontade gera a obrigação dos demais de respeitá-lo, acatando a decisão tomada pelo titular do direito sobre seu plano de vida e ação. Esse respeito à autodeterminação fundamenta-se no principio da dignidade da natureza humana.
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2 BIOÉTICA
Da necessidade de se disciplinar o comportamento do homem diante das novas tecnologias e avanços nos conhecimentos científicos, surgiu a bioética.
A palavra Bioética foi utilizada pela primeira vez, em 1970, pelo prof. Van Renssealer POTTER (CARNEIRO, 2013), que equiparou a ética a uma ponte para o futuro, estabelecendo uma conexão entre a ciência e a humanidade, concretizando-se em uma ciência que buscaria auxílio às ciências biológicas, com o fito de aprimorar a qualidade da vida humana.
Entende-se de bioética como o estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em medicina e biologia. O adjetivo moral, nesse caso, atua como sinônimo de ética. Em outras palavras, a Bioética dedica-se a estudar as questões éticas suscitadas pelas novas descobertas científicas; novos poderes da ciência significam novos deveres do homem (ALMEIDA, 2004).
A positivação das normas bioéticas consiste na disciplina chamada
de Biodireito, uma vez que esta tem como finalidade a proteção da
integridade humana sob o prisma da dignidade da pessoa humana frente
aos avanços científicos aplicados à Medicina.
Assim, a palavra Bioética significa ética da vida, tendo como
principal característica o fato de ser uma ciência interdisciplinar; podendo
ser conceituada como o estudo interdisciplinar dos problemas criados
pelo progresso biomédico, sua repercussão na sociedade e seu sistema de
valores (DIAS, 2004).
Por fim, a Bioética vem mediar o complexo relacionamento entre
ciência e ética, sendo um ramo do conhecimento humano, que se apoia
mais na razão e no bom juízo moral de seus investidores do que em
alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa.
2.1 Princípios da Bioética
Em 1974, em um Congresso norte-americano, criou-se a Comissão Nacional para Proteção dos Seres Humanos sujeitos à
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Investigação Biomédica e do Comportamento para estabelecer os princípios éticos que deveriam nortear as pesquisas de experimentação com seres humanos. Após quatro anos, essa comissão publicou o Relatório Belmont, estabelecendo os três princípios norteadores: princípios da autonomia, beneficência e justiça (BARCHIFONTAINE,1996).
2.1.1 Princípio da Autonomia
O princípio da Autonomia diz respeito à capacidade da pessoa humana de autogoverna-se, podendo escolher, dividir e avaliar sem restrições, ou seja, é a capacidade do sujeito de deliberar sobre sua vontade e objetivo pessoal.
Trata-se de um princípio democrático, segundo o qual deve o médico, respeitar a vontade e o consentimento livre dos pacientes ou de seus representantes legais, permitindo que as pessoas se autogovernem e façam as suas escolhas pessoais, ainda que fundadas em crenças religiosas e valores morais, desde que aquela pessoa tenha pleno conhecimento da situação, e consciência daquilo que realmente quer, e desde que não venha trazer prejuízo para outrem (DIAS, 2010).
Os estudos sobre o principio da autonomia, também conhecido como princípio do respeito às pessoas, indicam que ele incorpora pelo menos duas convicções éticas: uma se referindo ao tratamento dos indivíduos como agentes autônomos; e outra, que as pessoas com a autonomia diminuída devem ser tratadas com maior proteção. Dessa forma, este princípio, ao respeitar a autonomia do paciente, concede primazia à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.
2.1.2 Princípio da Beneficência
Este Princípio defende que a ação médica procura maximizar o bem e minimizar o mal, agindo sempre em benefício do paciente, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem, ou seja, os profissionais da saúde têm como obrigação moral agir em beneficio dos outros, promovendo o bem-estar dos pacientes (ADONI, 2001).
2.1.3 Princípio da Justiça
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O princípio da justiça está muito próximo do conceito de isonomia usado pelos juristas, pois sob o enfoque da bioética, revela a obrigatoriedade de garantia da distribuição dos bens e serviços médicos ou da área da saúde, de forma justa, universal e equitativa, visando com que todos tenham as mesmas condições de acesso a tratamentos e demais terapias pertinentes, assumindo uma perspectiva deontológica de igualdade e de imparcialidade. Todavia, este princípio assumiu novos contornos quando a saúde deixou de ser uma questão privada e tornou-se um problema público, exigindo, a partir daí, a distribuição dos encargos e benefícios de forma equitativa (CORRÊA, 2006).
A EUTANÁSIA NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
O ordenamento jurídico brasileiro não previu a eutanásia claramente como um ato típico ou atípico. Os juristas procuraram encaixar o ato de matar alguém por motivo altruísta em tipos penais já existentes.
No Brasil a eutanásia classifica-se como Homicídio na forma privilegiada, ou seja, mesmo que se retire a vida de alguém que está passando por grande sofrimento, tal ato será considerado com eivado relevante valor moral, tendo a agente que praticou tal conduta sua pena reduzida de um sexto a um terço, sendo este o entendimento de parte dos doutrinadores (GOLDIM, 2013).
O código penal atual prevê o homicídio praticado por relevante valor moral, que diz respeito aos valores individuais, particulares do agente, entre eles sentimentos de piedade e compaixão em seu artigo 121, parágrafo primeiro:
Art. 121: Matar alguém:
Pena ‐ reclusão de seis a vinte anos
Caso de diminuição de pena:
§1º Se o agente comente o crime impelido por
relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a
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injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir
a pena de um sexto a um terço (BARROSO, 2013,
p.593).
Dessa forma, é importante ressaltar que o código não reconhece a
impunibilidade do homicídio eutanásico haja ou não o consentimento do
ofendido, mas em consideração ao motivo, de relevante valor moral,
permite a minoração da pena.
O privilégio neste caso tem unicamente a função de diminuir a
pena, sem, contudo tirar a ilicitude do fato (SILVEIRA, 1993). Sendo assim,
outra parte da doutrina entende que diante de uma morte tranquila, o
que tem de haver é a exclusão da ilicitude, e não somente a diminuição de
pena (GOLDIM, 2013).
Além da Legislação Penal, existe o Código de Ética Médica que
seguindo a linha de pensamento do juramento de Hipócrates que
menciona que: “A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem
conselho para induzir a perdição”, no entanto expõe o artigo 57 que: O
médico não pode contribuir, direta ou indiretamente, para apressar a
morte do doente (DAMÁSIO, 1993), sendo assim seguindo esta linha de
pensamento podemos verificar que ao médico é vedado a pratica de
qualquer meio que abrevie a vida de um individuo, sendo diretamente ou
indiretamente.
3.1 A Responsabilidade do Médico na Eutanásia
O médico que hoje, de qualquer forma, concorrer para dar a morte a alguém, cometerá homicídio, devendo o julgador apurar para que seja feita a verificação do móvel desse profissional e em razão dessa motivação, escolher se tal conduta, embora criminosa, tenha sido contemplada com forma mais benevolente de tratamento penal, reconhecendo-se o homicídio privilegiado ou, ao contrário, se revelado motivo que justifique tratamento mais severo, qualificando o homicídio, desencadeando uma pena ainda mais severa (BIZATTO, 2000).
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O agente da eutanásia poderá ter verificado seu crime pela forma
comissiva (conduta passiva), ou pela forma omissiva (não conduta), agindo
ou deixando de agir quando deveria, todavia resultando na mesma pena,
se verificado o móvel do agente.
3.2 A Tipificação da Eutanásia no Projeto de Lei / do Senado
Federal (novo Código Penal)
O projeto de lei nº 236 apresentado ao Senado Federal em 07 de julho de 2012, visa à instituição de um novo código penal brasileiro, certamente, traz grandes inovações para o âmbito do direito penal, principalmente no que tange a certas matérias cuja opinião pública ainda é bastante controvertida.
Entre as inovações trazidas pelo referido projeto de lei encontra-se a tipificação da eutanásia, que está prevista como uma modalidade nova e autônoma de crime, distinto do crime de homicídio. A sua descrição consta no art. 122 do possível novo diploma
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos (MENDES, 2012, p.01).
A proteção ao bem jurídico vida, a qual se busca dar à partir da tipificação da eutanásia conforme o projeto de lei, parte ainda do pressuposto de que à vida é um bem jurídico indisponível, o que vem a reforçar o antigo dogma de “absolutibilidade” desse direito.
Para a grande parte da doutrina brasileira esse direito continua ser um direito fundamental quase absoluto, em que a relatividade se verifica apenas em casos extremamente excepcionais, os quais devem ser expressamente previstos em lei, ou até mesmo na própria constituição. Entretanto, o STF por mais de uma vez já teve a oportunidade de manifestar no sentido de que não há direitos absolutos, quaisquer que sejam eles (SILVA, 2002).
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A prática da eutanásia é um fato social que põe em cheque essa discussão a respeito da relatividade do direito à vida, principalmente no tocante à possibilidade de seu titular dispor da mesma. Assim, a questão é saber até que ponto a criação de um novo tipo penal, incriminando a eutanásia, amplia ou não a proteção ao bem jurídico vida.
CONCLUSÃO
Ao desenvolver este trabalho, partiu-se da análise do conceito de Paciente Terminal levando-se em conta a sua relação com o médico e com a autonomia que cada ser humano tem de decidir a respeito da sua própria vida.
Os princípios norteadores da Bioética, tais como Autonomia e Beneficência, reconhecem a liberdade do paciente terminal a respeito de uma possível morte digna.
Fez-se uma análise do tema em relação a Legislação Penal Brasileira concluindo, portanto que a prática da Eutanásia é considerada crime no Brasil, sendo tipificada como Homicídio Privilegiado.
Tal prática será considerada como de eivado valor moral, tendo o agente que praticou a conduta sua pena reduzida.
Ainda nesse artigo, foi mencionado o Projeto de Lei 236/2012 do Senado Federal, o qual traz a Eutanásia como uma modalidade nova e autônoma, distinta do crime de homicídio.
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SEGURADO ESPECIAL: ASPECTOS CONTRIBUTIVOS E SOCIAIS FRENTE DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
ELTON ROBERTO RODRIGUES JUNIOR: Advogado, Técnico do seguro social -INSS e graduado pela Universidade Estadual da Paraíba.
RESUMO: O segurado especial como categoria de segurado obrigatório do
Regime Geral de Previdência Social avança cada vez mais na conquista de seus
direitos sociais. Mas o desenho do arcabouço legislativo previdenciário sofreu
diversas alterações para que este avanço refletisse de forma efetiva e eficaz na
realidade vivida pelo trabalhador rural. Hodiernamente, diante da insignificante
contribuição do segurado especial para o sistema da previdência social, surge um
questionamento crítico a respeito da legitimidade da sua inserção no regime
previdenciário. A despeito dos argumentos contrários a sua manutenção no sistema
previdenciário, o segurado especial está constitucionalmente acobertado pela
previdência, já que esta representa um sistema eminentemente solidário e pautado
na proteção social. Neste sentido, uma interpretação legislativa sistêmica e
finalística contribuem de forma considerável na construção de uma previdência
social cada vez mais moderna e eficiente no que diz respeito à persecução dos seus
objetivos sociais.
Palavras-chave: Segurado especial; previdência; trabalhador rural.
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ABSTRACT: The special insured as category of mandatory insured of the General
Social Security moves increasingly in the achievement of their social rights. But
the design of the pension legislative framework has undergone several changes so
that it could reflect in an effectively and efficiently way in the reality experienced
by farmworkers. Our times, against the insignificant contribution of the special
insured to the social security system, there is a critical question about the
legitimacy of their inclusion in the pension system. Despite the arguments against
maintaining it on the pension system, the special insured is constitutionally
covered up by the welfare system since this represents a highly supportive system
and guided in social protection. In this sense, a systemic and teleological
legislative interpretation contributes significantly to build a social security ever
more modern and efficient regarding to the pursuit of social goals.
Keywords: Special Insured; welfare, farmworker
INTRODUÇÃO
A complexidade do arcabouço legislativo que contempla o segurado
especial do Regime Geral da Previdência Social enseja uma análise minuciosa da
abrangência legal na classificação e enquadramento dessa categoria de segurado
obrigatório, regime de contribuição efetivamente adotado e benefícios
previdenciários que possuas legitimidade para receber.
O conflito aparente entre normas e princípios constitucionais existe de
maneira que ao mesmo tempo em que se espera um sistema previdenciário com
regime financeiro e atuarial sólido e equilibrado (através do sistema contributivo),
a previdência social representa um sistema solidário e eminentemente protetivo,
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garantindo assim, a cobertura social ao segurado acometido por alguns riscos
sociais, tais como: idade avançada, doença, maternidade, morte, entre outros,
representando algo que impossibilite ou fragilize sua capacidade laborativa de
forma temporária ou definitiva.
Os recursos previdenciários são fundamentais para a melhoria das
condições de vida, principalmente no meio rural, na medida em que reduzem o
percentual de brasileiros que vivem na pobreza ou na extrema pobreza. Mas, além
de movimentarem a economia e o comercio de pequenos e médios municípios,
estes recursos previdenciários também agem no sentido de represar, de modo
relativo, o êxodo rural e um possível aumento da favelização das grandes cidades.
Uma construção de novos parâmetros deve nortear uma atual concepção de
previdência social, que deixou de ser um simples seguro para se tornar um direito
social, proporcionado pelo Estado democrático de Direito a fim de tornar mais
justa, pacífica e solidária a convivência entre os homens e amenizar as
desigualdades consequentes de um modo de produção capitalista.
Atualmente um tema de muita polêmica é o regime contributivo do
segurado especial e o momento em que o mesmo torna-se segurado do RGPS,
contudo, como segurado obrigatório que é tal como os demais, sua condição está
estritamente ligada ao efetivo trabalho (como regra geral fato gerador de todas as
contribuições previdenciárias), além disso, só é segurado obrigatório quem
trabalha, e não seria diferente com o segurado especial, onde a lei expressamente
estabelece que só pode ostentar tal posição quem efetivamente trabalha no meio
rural de forma ativa, individualmente ou em regime de economia familiar.
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A categoria do segurado especial gera grande celeuma entre os operadores
de direito que litigam na área do Direito Previdenciário e conhecem a polêmica
que envolve esta categoria. Desta forma, procura-se, com o trabalho em tela,
realizar uma analise crítica da sua existência e evolução, bem como um
aprofundamento teórico a respeito de sua classificação e reflexos no orçamento
previdenciário, evidenciando principalmente sua demasiada importância na
construção de uma sociedade justa e solidária, erradicação da pobreza e redução
das desigualdades sociais e regionais, mostrando com isso uma realidade invisível
a quem insiste em reduzir a previdência social a uma conta de somar e subtrair.
A coleta de dados será com base nas pesquisas teóricas e bibliográficas que
terá a finalidade de conhecer e analisar as diferentes formas de contribuições
científicas sobre o tema. O método de abordagem do problema é qualitativo, pois
se analisam e registram as informações, interpretam-se os dados coletados, além
da busca de identificação das causas e consequências do tema em geral. Neste tipo
de abordagem leva-se em consideração que há uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito. Por fim, a análise e interpretação dos dados para a
identificação do problema e proposições de soluções serão feitas através de análise
crítica.
1.Evolução histórica do conceito de Segurado Especial
O conceito de Segurado Especial atravessou algumas alterações
legislativas ao longo de sua história, acarretando com isso diversas modificações
na sua definição original, que funcionaram como dispositivos de adequação social
e também evolução no sistema protetivo previdenciário.
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O primeiro texto legislativo de efetiva aplicação e contribuição ao
desenvolvimento conceitual do trabalhador rural acontece com edição da lei 4.214
de 1963, dispondo sobre o Estatuto Do Trabalhador Rural, que estabelece direitos
e deveres do rurícola, regras gerais de proteção ao trabalhador rural, conceito de
empregado e empregador rural, além de especialmente instituir o Fundo de
Assistência e Previdência do Trabalhador Rural, “Fica criado o "Fundo de
Assistência e Previdência do Trabalhador Rural", que se constituirá de 1% (um por
cento) do valor dos produtos agropecuários colocados e que deverá ser recolhido
pelo produtor, quando da primeira operação ao Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários, mediante guia própria, até quinze dias daquela
colocação.” (Art.158).
No que diz respeito ao conceito, a referida lei apresenta uma definição
incipiente dos que labutam no meio rural. Segundo o art. 2 do Estatuto supracitado,
o trabalhador rural é toda pessoa física que presta serviços ao empregador rural,
em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago ou dinheiro “in
natura”, ou parte “in natura” e parte em dinheiro, mostrando de forma objetiva o
surgimento de uma nova categoria de trabalhador, agora legalmente definida.
Com o passar de alguns anos da criação do Estatuto do Trabalhador Rural,
foi editada a lei complementar nº 11, de 25.05.1971, que institui o FUNRURAL
(Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) apresentando novas possibilidades
de enquadramento legal do Trabalhador Rural, definindo, basicamente, duas
hipóteses de trabalhador rural: a pessoa física que presta serviço a
empregador rural
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(empregado rural); e o produtor rural, como aquele que trabalha em terra própria
ou não, de forma individual ou com ajuda de membros da família em mútua
dependência e colaboração.
No que diz respeito aos prestações previdenciárias constantes na lei
complementar nº 11 de 1971, pode-se considerar um enorme avanço protetivo, já
que este diploma legal estabelece e destina a categoria dos trabalhadores rurais
benefícios como aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão
por morte do trabalhador rural, mas como é possível analisar estes benefícios ainda
possuíam vasto conteúdo discriminatório frente aos trabalhadores urbanos, já que
seus valores constituíam uma contraprestação estatal incapaz de suprir as reais
necessidades do homem rural, também ganha destaque a concepção de benefício
rural apenas pelo chefe ou arrimo de família, o que vai encontro com os modernos
ditames constitucionais.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 várias garantias foram
explicitamente declaradas na carta constitucional, os trabalhadores rurais foram,
provavelmente, os que tiveram maiores avanços em termos de cidadania e
proteção social, com a nova carta, saíram de um sistema assistencialista, o
Funrural, com ínfimas opções de benefícios, para um programa de proteção social
universalista, inclusive, com base nos princípios de cidadania como a equiparação
de direitos previdenciários aos trabalhadores urbanos e a equiparação do piso
previdenciário, no valor de um salario mínimo, que nivelou os valores dos
benefícios mínimos rurais e urbanos.
A regulamentação do texto constitucional somente ocorreu com a edição
da lei 8.213, de 24.07.1991, que instituiu o Plano de Benefícios da Previdência
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Social (PBPS), em cujo diploma se encontra novas definições como o surgimento
do conceito de segurado especial (como segurado especial: o produtor, o parceiro,
o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o
assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de
economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus
respectivos cônjuges
ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados,
desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
Finalmente, em 20/06/2008, foi sancionada a lei 11.718/08 que estabelece
as novas regras de acesso a previdência pelo segurado especial, bem como define
o enquadramento legal desta categoria de segurado do Regime Geral da
Previdência Social (RGPS). Essa lei modificou várias características do segurado
especial rural, incluindo particularidades que antes acarretavam, na prática, muitas
polêmicas na sua interpretação.
2. Princípios do Direito Previdenciário Direcionados ao Segurado
Especial:
O sistema de Previdência Social, como parte integrante da Seguridade
Social, por sua vez, com a promulgação da CF/88, logrou uma grande evolução,
redimensionando sua cobertura social através de um maior número de protegidos,
independentemente de sua força de trabalho e nível de capacidade contributiva,
bem como selecionando e distribuindo suas prestações procurando atingir de
forma plena os objetivos do sistema de seguridade social.
Interessante destacar que estes princípios basilares do Direito
Previdenciário devem ser empregados numa interpretação sistêmica do caso
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concreto onde se discuta matéria referente à previdência social, ou seja, como
função de auxilio ao Magistrado, já que exercem funções informativa, construtiva,
interpretativa e informativa, todas estas de imensurável relevância na pratica
forense.
Segundo Sérgio Pinto Martins, “princípio é a base que irá informar e
inspirar as normas jurídicas”. Através dessa definição é possível inferir o caráter
universal, bem como sua condição de diretriz cujo conteúdo é determinante na
elaboração e interpretação das normas. Alguns princípios previdenciários
influenciam de forma direta nos direitos referentes aos segurados especiais
do Regime Geral da
Previdência Social, ampliando e consolidando a rede protetiva previdenciária
cada vez mais presente no meio rural.
Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas
e rurais:
Tem-se, neste princípio constitucional, uma das principais conquistas
sociais dos trabalhadores que atuam no meio rural, norma que surge para diminuir
a histórica diferença que o legislador ordinário sempre dispensou ao trabalhador
rural, cerceando direitos anteriormente apenas previstos para os trabalhadores
urbanos; diferença tal que agravou a questão social e afastou, por largo tempo, a
população rural da proteção social.
A constituição federal prevê que a seguridade social será organizada com
base na Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais (CF/88, art.194, parágrafo único, II); uniformidade traduz a ideia
de homogeneidade dos eventos ou contingências a que estão expostos os
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trabalhadores urbanos e rurais e necessidade de serem tratados de forma idêntica
quando a ele submetidos; já a equivalência aplica-se no que tange ao aspecto
quantitativo e qualitativo das prestações que lhe são asseguradas, ou seja, a
equiparação proporcional das prestações em dinheiro e a extensão dos serviços
que lhe são prestados, levando em consideração a forma de participação e custeio
da previdência social.
Importante destacar que a isonomia prevista constitucionalmente não é
absoluta. Tem-se neste principio algumas mitigações, como a redução de cinco
anos na aposentadoria por idade destinada ao segurado especial do Regime Geral
da Previdência Social. O sentimento de justiça, que deve orientar um sistema como
o da seguridade social, exige a uniformização de regras, para que os benefícios
sejam
equivalentes para trabalhadores rurais e urbanos. O princípio da uniformidade e
da equivalência impõe isso.
2.1 Princípio da Contributividade:
A contributividade está definida na obrigatoriedade de contribuir para o
sistema previdenciário por todos aqueles que exercem qualquer tipo de atividade
laborativa, ou seja, tem-se, na atividade desenvolvida pelo segurado, o fato gerador
da contribuição previdenciária obrigatória. Esta vinculação imediata entre trabalho
e contribuição esta substanciada indisponibilidade da contribuição previdenciária
do trabalhador.
A previdência social funciona como um seguro coletivo de combate direito
aos riscos sociais, como invalidez e idade avançada. A carta constitucional elenca
como características basilares do sistema previdenciário a contributividade e a
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filiação compulsória, mecanismos tais destinados à busca de um equilíbrio
financeiro e atuarial. Foi a Emenda Constitucional nº 20/98 que trouxe para a
redação do caput do artigo 40 da Constituição da República, além da regra geral
do equilíbrio financeiro e atuarial, o princípio da contributividade. Esses elementos
hoje se encontram tanto em normas constitucionais como infraconstitucionais.
Diante deste princípio de vinculação obrigatória a todos que fazem parte
do sistema previdenciário, a totalidade da sociedade, sem distinção de profissões
e categorias sociais, tem o direito de proteger-se dos riscos sociais, mediante
contribuição ao sistema previdenciário; não seria diferente com os Segurados
Especiais que vertem contribuições ao sistema desde 1971, embora os benefícios
previstos na lei complementar 11/71 fossem bem mais restritos que o da lei atual.
Hodiernamente, sempre que um segurado especial comercializa sua produção,
contribui para a seguridade social, embora não seja sua a responsabilidade do
recolhimento, já que, este fica a cargo da empresa ou cooperativa adquirente, salvo
se o segurado vende a produção para pessoas físicas.
Outro aspecto de extrema utilidade a ser explanado é a relação estreita e
integrada entre o principio da contributividade e o principio da equidade na forma
de participação no custei da Previdência Social, onde este princípio expressa que
cada um contribuirá para a seguridade social na proporção de sua capacidade
contributiva, como temos na previdência um sistema eminentemente contributivo,
esta contribuição não pode ser aplicada ao trabalhador de forma arbitraria, deve,
portanto, está proporcionalmente vinculada a renda do segurado, fazendo presente
um postulado maior do direito: O princípio da equidade.
2.2 Valor do benefício não inferior ao salário mínimo vigente:
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Como analisado anteriormente, no desenrolar do desenvolvimento da
categoria do segurado especial o processo de evolução da proteção social, bem
como a busca por uma cobertura com maior amplitude e efetividade, aconteceu de
forma gradativa e dialética, varias conquistas foram moldando a legislação
previdenciária e com isso harmonizando seus preceitos com os modernos
princípios constitucionais.
Um sistema protetivo com verdadeiras garantias que reflitam de forma
direta na formação de uma sociedade mais justa e igualitária, um período onde os
benefícios governamentais destinados ao trabalhador rural não possuam um limite
mínimo, ou possuam valor inferior ao salário mínimo vigente num País, não
atende aos reais objetivos da Previdência Social, que são o de proteção aos riscos
sociais e substituição da renda do trabalhador quando diante destes riscos.
2.3 Principio da Solidariedade:
A extrema importância do direito de proteção social, como direito
fundamental, para traduzir os objetivos e bases do Estado Democrático de Direito
em legítima cobertura social capaz de suprimir as situações de necessidade,
reduzindo a desigualdade social, somente poderá ser alcançada com base na
solidariedade.
No âmbito do direito previdenciário, ele se faz presente no caput do art.
194 da CF que determina que a seguridade social compreenderá um conjunto de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, com vistas a assegurar os
direitos à saúde, à previdência e à assistência social da população brasileira. É
notória a presença do ânimo de atuação solidária do Estado e da sociedade em
busca de um sistema verdadeiramente protetivo.
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3 Comprovação do exercício da atividade rural
De acordo com a Lei n° 8.212/91, os segurados especiais, como espécie do
gênero segurados obrigatórios da Previdência Social, devem recolhem
contribuições sempre que comercializarem sua produção. Não havendo o
recolhimento desta contribuição, o segurado especial precisa comprovar o
exercício da atividade rural no momento em que vai requerer aposentadoria ou
qualquer outro benefício previdenciário.
Este rol, bastante simplificado, não exaure as infinitas possibilidades de
comprovação da atividade rural, mostra-se um rol eminentemente exemplificativo,
onde sua finalidade é a comprovação consistente a atividade rural via indícios
probatórios desta atividade. Estes documentos devem ser considerados para todos
os membros do grupo familiar, para a concessão dos benefícios previstos no inciso
I e parágrafo único do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991, para o período que se quer
comprovar, mesmo que de forma descontinua, quando corroborados com outros
que
confirmem o vínculo familiar, sendo indispensável a entrevista e, se houver
dúvidas, deverá ser realizada com parceiros, confrontantes, empregados, vizinhos
e outros, conforme o caso.
A entrevista constitui um instrumento indispensável e determinante à
comprovação do efetivo exercício da atividade rural, a forma com em que ela é ou
foi exercida, e principalmente para confirmação dos dados contidos em
declarações emitidas pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, com vistas ao
reconhecimento ou não da comprovação da qualidade de segurado especial e
posterior reconhecimento do direito ao benefício pleiteado, sendo quase
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obrigatória a sua realização, independente dos documentos apresentados e sempre
que a concessão depender da homologação da declaração da entidade sindical.
Outro elemento de comprovação da atividade a ser considerado é a
previsão legal que a prova da atividade rural deverá ser feita “ainda de forma
descontínua”, pois quando este conceito for submetido à avaliação de um processo
social contínuo da atividade probatória deve se levar em conta as limitações e
dificuldades desta categoria, para que efetivamente seja efetiva a comprovação da
atividade rural. Esta descontinuidade se justifica a sensível diferença entre o
trabalho urbano e rural, onde o urbano é sempre determinado em horário e área
de atuação, já o trabalhador rural exerce as mais diversas atividades (Planta, colhe,
cria animais, conserta cerca, faz carvão, cava poços) e também pode ocorrer que,
em anos de seca ou de enchente, sequer possa exercer sua profissão, dada a
absoluta impossibilidade material para tanto, ou seja, o trabalho descontínuo gera
provas descontínuas, não seria diferente com o segurado especial.
É fundamental destacar que o documento apresentado como início de prova
deve ser contemporâneo ao fato nele declarado, sem exigência de que se refira ao
período a ser comprovado. Estes documentos serão considerados e valorados,
desde que não contenham rasuras ou retificações recentes e conste expressamente
a qualificação do segurado, de seu cônjuge, quando casado, ou companheiro,
enquanto durar a união estável, ou de seu ascendente, enquanto dependente deste,
como rurícola, lavrador ou agricultor, salvo a existência de prova em contrário.
4.1 Novo sistema de cadastro do segurado
especial
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A previdência social está preparando um sistema para os Segurados
Especiais, o cadastramento de trabalhadores rurais, pescadores artesanais,
indígenas e quilombolas antecederá a concessão automática de benefícios
previdenciários. Toda lógica do cadastro buscará o reconhecimento de direitos para
concessão de benefícios rurais sem a exigência de comprovação documental.
Trata- se de cumprimento de uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de garantir maior cidadania ao homem do campo, ao mesmo tempo em que
atendemos a uma antiga reivindicação dos movimentos sociais atuantes no meio
rural.
Este programa de reconhecimento automático prevê o cruzamento do
banco de dados da Previdência com os do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
da Secretaria Especial da Pesca e da Receita Federal do Brasil (RFB). O
cruzamento das informações garantirá mais segurança ao processo e permitirá a
certificação dos dados em benefício dos segurados cadastrados.
4 ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE UM CARÁTER ASSITENCIAL
NOS BENEFICIOS PREVIDENCIÁRIOS DESTINADOS AO
SEGURADOS ESPECIAIS:
Após a análise de vários aspectos relativos ao segurado especial pode-se
compreender que esta categoria difere da lógica dos demais segurados
(contribuinte-beneficiário), o que indubitavelmente exige uma interpretação
sistêmica e arraigada de modernos princípios constitucionais, superando uma
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visão tradicional e buscando de forma gradativa novos horizontes na leitura do
segurado especial.
Uma reflexão diante destes conceitos inerentes a Assistência Social faz
com que seja questionado se os trabalhadores inseridos no meio rural, mais
especificamente os segurados especiais, estariam encontrando amparo legislativo
neste regramento constitucional referente ao Plano de Assistência Social
promovido pelo Estado Brasileiro. Indaga-se, portanto, se os trabalhadores rurais
estão inseridos no sistema previdenciário nacional no mesmo patamar de
igualdade dos trabalhadores urbanos ou se recebem um tratamento mais vantajoso
diante das circunstâncias fáticas.
Uma das críticas mais contundentes direcionadas aos segurados especiais
diz respeito ao regime contributivo destes. Contudo, analisando o assunto de
maneira teórica, seria incorreto afirma que os segurados especiais não contribuem
para o financiamento da seguridade social. A própria legislação previdenciária
determina a existência de uma alíquota incidente sobre a comercialização dos
produtos. Ocorre apenas que o mecanismo desta contribuição é diferente daquele
previsto em lei para os demais segurados do Regime Geral.
Outro aspecto a considerar no que diz respeito ao regime contributivo dos
segurados especiais é que na maioria das vezes esta contribuição referente à
comercialização da produção do trabalhador rural não é repassada aos cofres
públicos, ou seja, a prestação dos benefícios previdenciários a esta categoria de
segurado muitas vezes não atende ao princípio do sistema contributivo, base da
previdência social.
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A Constituição Federal também define aspectos básicos referentes à
organização e funcionamento da previdência social, norteando assim toda exegese
previdenciária:
Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma
de regime geral, de caráter contributivo e de filiação
obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da
lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada;
II- proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III- proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário;
IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes
dos segurados de baixa renda;
A Previdência Social constitui, em sua essência, um sistema de seguro
coletivo, de caráter contributivo e compulsório, e que tem por finalidade o
oferecimento de um manto protetivo, tanto ao segurado como a seus dependentes,
contra certas contingências ou riscos sociais; ademais, é de filiação obrigatória e
observa o equilíbrio financeiro e atuarial. Enfrentar este conceito de forma isolada
pode induzir o operador do direito a erros incontornáveis, já que, o direito como
um todo é um sistema integrado de normas e princípios que devem se harmonizar
para atende de forma eficiência a finalidade do sistema normativo.
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Analisando o segurado especial no âmbito previdenciário verifica-se que
esta categoria consta no rol dos segurados obrigatórios do Regime Geral de
Previdência Social. É o que está previsto na lei (art. 12 da Lei 8.212/91 e art.11 da
lei 8.213/91), diante desta definição podemos considerar que o tratamento dos
benefícios destinados aos segurados especiais como de caráter assistencial não
encontra amparo no nosso ordenamento jurídico. Mesmo que a legislação
previdenciária não determinasse esta caracterização legal, pelo princípio do
primado do trabalho é possível concluir que o trabalhador rural possui proteção de
ordem social, a filiação compulsória legitima que todos os indivíduos que auferem
renda proveniente da atividade laboral devem, obrigatoriamente, estar vinculados
ao Regime de Previdência Social.
Apesar do tratamento diferenciado dado pela legislação previdenciária ao
Segurado especial, não há um caráter assistencial na concessão dos benefícios
previdenciários a esta categoria. Na realidade, existe um reflexo prático que
influencia de forma direta na sociedade rural, já que, a economia de grande parte
dos municípios onde predomina as atividades rurícolas, deriva destas
prestações previdenciárias. Não se pode confundir assistencialismo estatal e
transferência de renda com previdência social, esta é o seguro social de quem
contribui, uma instituição pública que tem como objetivo reconhecer e conceder
direitos aos seus segurados.
A previdência social rural é parte de um sistema sustentado pelo princípio
da solidariedade social, diretriz maior sem a qual seria impossível organizar o
sistema de proteção social. A respeito do tema de universalização do sistema
previdenciário rural, Clovis Zimmermann enfatiza:
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A previdência rural brasileira é inovadora ao universalizar
o acesso da população rural brasileira ao benefício, sem
que os beneficiários necessitem provar uma contribuição,
mas apenas o exercício da atividade agrícola,
aproximando-se assim do modelo beveridgiano.
Uma interpretação moderna não pode estar adstrita exclusivamente a
algum princípio, mesmo que este principio, como é o caso do princípio da
contributividade, seja base do sistema previdenciário, o aspecto compulsório do
arcabouço legislativo previdenciário não exclui o segurado especial, pois, o que
vincula esta categoria é o efetivo trabalho no meio rural. A inexigibilidade de
contribuição pode aparentemente construir um caráter assistencialista, mas a
Previdência Social agrega o segurado especial como destinatário de suas normas
e princípios.
6. Impacto dos benefícios destinados ao Segurado Especial no
Orçamento Previdenciário RGPS:
Temos no orçamento previdenciário uma ferramenta que o Governo
Federal dispõe para efetivamente alcançar objetivos sociais constitucionalmente
estabelecidos. No entanto, este instrumento de fundamental importância para a
sociedade deve estar devidamente equilibrado, para que tenha a capacidade de
transformar a realidade social sem comprometer a sustentabilidade das finanças
públicas.
Os benefícios destinados aos segurados especiais provocam um forte
impacto financeiro no orçamento da previdência social, pois a arrecadação líquida
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é demasiadamente inferior ao total das despesas com benefícios previdenciários.
O gráfico abaixo ilustra o atual contexto do orçamento previdenciário
A partir da análise do gráfico é notória a forte influência da concessão dos benefícios
rurais no déficit previdenciário. Enquanto a população urbana contribui quase que
de forma igualitária com o que é pago pelo governo federal em benefícios, os
segurados especiais não chegam a arrecadar um décimo do valor pago em benefícios
pela previdência social.
Apesar do caráter social destes benefícios rurais é importante
analisar criticamente os reflexos econômicos de sua existência, já que
o caixa da previdência social não é ilimitado e necessita de um regime
financeiro e atuarial devidamente equilibrado para que este ramo da
seguridade social continue desempenhando a sua fundamental função
social.
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O ponto crítico do custeio da “Previdência Rural” está
evidenciado na sua incapacidade de autofinanciamento, pois os futuros
beneficiários, na maioria das vezes, não possuem condições
financeiras de contribuir para o sistema previdenciário, uma vez
que estão inseridos numa agricultura de subsistência baseada na
agricultura familiar. A única contribuição estabelecida legalmente ao
segurado especial é a referente à sua produção primária, mas a realidade
fática mostra ser raríssima a ocorrência de excedente de produção, já
que produzem para o próprio consumo.
A comprovação da atividade do segurado especial via indícios probatórios
do efetivo exercício da atividade rural isenta esta categoria da efetiva contribuição
à previdência social, gerando uma aparente afronta ao princípio da
contributividade, base fundante do sistema previdenciário.
Resta verificado no gráfico um evidente exemplo da aplicação do princípio
da solidariedade, já que o Estado faz uso de parte do capital proveniente das
contribuições dos trabalhadores urbanos para pagar grande parte dos benefícios
dos trabalhadores rurais, com fulcro neste princípio, que norteia a previdência
social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A introdução de instrumentos previdenciários direcionados proteção social
no meio rurícola foi instituída tardiamente em nossa legislação, mas os últimos
avanços foram consideráveis e refletiram de forma eficaz na melhoria da qualidade
de vida dos que habitam no meio rural.
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O sistema previdenciário rural existe no sentido de assegurar legalmente
um padrão básico de proteção ao trabalhador do campo, influenciando de forma
significante na diminuição do êxodo rural, diminuição das desigualdades regionais
e movimentação na economia dos municípios com área predominantemente rural.
O surgimento da categoria do segurado especial ampliou
consideravelmente a cobertura previdenciária, mas em contrapartida fragilizou
ainda mais o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, pois na área rural a
participação da população como contribuintes ativos ainda é inexpressiva, já que
suas atividades estão pautadas basicamente na agricultura familiar.
A possibilidade de comprovação do efetivo exercício da atividade rural via
indícios probatórios aproxima cada vez mais o segurado especial do sistema
protetivo. Contudo, é de fundamental importância destacar que este modo de
prova da atividade rurícola não afasta a exigência legal da contribuição do
segurado especial sobre a sua produção. O sistema previdenciário tem como
postulado basilar o princípio da contributividade.
Apesar da importância do princípio da contributividade no sistema
previdenciário, uma interpretação moderna do arcabouço legislativo que circunda
e norteia a previdência social não pode estar adstrita exclusivamente a algum
princípio. Importante destacar que o que vincula o segurado especial como
segurado obrigatório do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) é o seu
efetivo trabalho no meio rural, este labor contínuo que legitima o recebimento das
prestações previdenciárias.
Como visto o princípio da solidariedade social norteia e sustenta a
previdência social rural no Brasil, é sua diretriz fundamental, sem o qual seria
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praticamente impossível organizar e garantir eficácia ao sistema de proteção
social. Uma visão agregadora deve permear toda a exegese previdenciária, um
posicionamento tal que garanta aos segurados especiais todos os direitos sociais
necessários para a legitimação desta categoria como parte integrante e participativa
do sistema previdenciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro,
Impetus: 2012
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios do Direito Previdenciário. 6. ed. São
Paulo: LTR, 1999
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. São Paulo, Leud:
2009.
BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. São Paulo, LTr: 2009.
HOVARTH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7ª ed., São Paulo:
QuartierLatin,2008.
PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social. São Paulo: Quartier Lantin,
2009.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 12ª ed., Niterói: Impetus,
2010.
DELGADO, G. D (Org). Avaliação Socioeconômica e Regional da Previdência
Social Rural – Relatório Metodológico. Texto para discussão. IPEA Brasília,
março de 1999.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11718.htm www.previdenciasocial.com.br
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NOTAS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
CAMILLA CAVALCANTI RODRIGUES CABRAL: Advogada, graduada pela UFPE.
Resumo: O presente artigo traz algumas considerações sobre direitos
fundamentais. Inicialmente, serão apresentados conceitos doutrinários
sobre a matéria e, posteriormente, temas atuais relevantes.
Palavras Chave: Direitos Fundamentais. Princípios Constitucionais.
Dignidade da Pessoa Humana, Isonomia.
. Princípios Constitucionais: São decididos antes da elaboração do
texto, no momento de construção das normas. Têm natureza de vetores
interpretativos que imprimem coesão, harmonia e unidade ao sistema.
O que é o preâmbulo e qual a sua natureza jurídica?
O preâmbulo é a parte precedente da CF. Segundo o STF, é mero vetor interpretativo do que se acha inscrito no texto constitucional. Não possui força normativa, logo, não pode ser parâmetro nem objeto de controle de constitucionalidade.
“Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central.
Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução
obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa.” (ADI
2.076, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 15‐8‐2002, Plenário, DJ
de 8‐8‐2003.)
* ATENÇÃO – PRINCÍPIOS QUE REGEM AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS (ART. 4º):
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
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I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará
a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
‐ Os Princípios Constitucionais estão presentes não só no art. 5º, mas
em diversos dispositivos, a exemplo dos princípios tributários, previstos
no art. 150, e dos princípios expressos da Administração Pública (art. 37).
Assim, atentem‐se brevemente aos princípios da dignidade da pessoa
humana, legalidade e isonomia, sem prejuízo dos demais que se inserem
na Carta Magna – e serão tratados nas matérias específicas:
a) Dignidade da pessoa humana: Define Luis Roberto Barroso que o “princípio da dignidade humana expressa um conjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio da humanidade. Dele se extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela do mínimo existencial e da personalidade humana, tanto na dimensão física como na moral”. Pode-se acrescentar também que a dignidade humana possui um enfoque moral, consistente na máxima de Kant segundo a qual o homem é um fim em si mesmo, e um enfoque material, relativo à manutenção do mínimo existencial. Decorre do aludido princípio, por exemplo, a impenhorabilidade do bem de família.
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b) Legalidade: O princípio da legalidade significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não esteja previamente estabelecido na própria CR e nas normas jurídicas dela derivadas. O princípio da legalidade, desta forma, se converte em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda atividade estatal e privada à força da Constituição.
I. Legalidade x Reserva Legal: O princípio da reserva legal é um desdobramento da legalidade, que impõe e vincula a regulação de determinadas matérias constantes na constituição à fonte formal do tipo lei.
II. Acepções do princípio da legalidade:
· Para particulares: Somente a lei pode criar obrigações, de forma que a inexistência de lei proibitiva de determinada conduta implica ser ela permitida.
· Para a Administração Pública: O Estado se sujeita às leis, e deve atuar em conformidade à previsão legal.
c) Isonomia: Segundo bem definiu Rui Barbosa, “ a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade (...). Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”. Logo, é possível extrair:
· Isonomia formal: Igualdade perante a lei; · Isonomia Materiais: Tratar os iguais na medida de sua
desigualdade.
É possível estabelecer critérios diferenciadores para admissão de candidato em concursos públicos?
A jurisprudência vem admitindo algumas hipóteses de discriminação, podendo ocorrer em relação à idade, sexo, altura, etc, desde que sejam observados dois requisitos:
· Previsão legal anterior definindo os critérios de admissão para o cargo; e
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· Razoabilidade da exigência, decorrente da natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
Gestante e direito à remarcação de teste físico
O STJ proferiu alguns julgados, em posição contrária ao STF, entendendo que a gestante teria direito à remarcação de teste físico em concurso público. No entanto, no RMS 47582/MG, a Segunda Turma do STJ modificou decisão colegiada anteriormente tomada para se alinhar ao entendimento do STF (RE 630.733), que afasta o direito de remarcar teste de aptidão física, previsto em edital de concurso público, por causa de circunstância pessoal do candidato. Entendeu, portanto, que a vedação NÃO viola o princípio da isonomia.
Sob o pretexto da observância do princípio constitucional da
isonomia, é possível ao Poder Judiciário estender benefício fiscal a contribuinte não alcançado pela norma concessiva?
Não. Porque sob o pretexto de concretizar a isonomia tributária, não pode o judiciário estender benefício fiscal sem que haja previsão legal específica. Caso pudesse, o judiciário estar-se-á imiscuindo em função típica do legislativo, isto é, estaria o judiciário atuando como legislador positivo.
Ações Afirmativas
A Carta Magna busca a igualdade material. Para aplicação do princípio da isonomia, são necessárias as ações afirmativas, a exemplo: mercado de trabalho da mulher, cotas de vagas sem serviços públicos, cotas em universidades, cotas para afrodescendentes.
2. Direitos e garantias fundamentais[1]
2.1. Direitos x Garantias x Remédios Constitucionais:
· Direitos: São normas de conteúdo declaratório da existência de um interesse, de uma vantagem. Ex: direito à vida, à propriedade;
· Garantias: normas de conteúdo assecuratório, que servem para assegurar o direito declarado. As garantias são estabelecidas pelo texto constitucional como instrumento de
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proteção dos direitos fundamentais e writs constitucionais. São também chamadas de instrumentos de tutela das liberdades e ações constitucionais.
· Remédios Constitucionais: Embora todo remédio constitucional seja uma garantia, nem toda garantia é um remédio constitucional, porque este é um instrumento processual que tem por objetivo assegurar o exercício de um direito. Ex: Habeas Corpus, Mandado de Segurança.
ATENÇÃO: Alguns dispositivos constitucionais contêm
direitos e garantias no mesmo enunciado. O art. 5º, X, estabelece a inviolabilidade do direito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando, em seguida, o direito à indenização em caso de dano material ou moral provocado pela sua violação.
2.2. Direitos Fundamentais x Direitos Humanos: Embora materialmente ambos objetivem a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana, não se confundem:
· Direitos Humanos: são direitos reconhecidos no âmbito internacional.
· Direitos fundamentais: são direitos reconhecidos no plano interno de um determinado Estado. Preferencialmente, positivados na CF.
Como se classificam as normas constitucionais de direitos fundamentais quanto à eficácia e aplicabilidade?
Pela classificação de José Afonso da Silva e considerando não haver direito fundamental absoluto, as normas não possuem eficácia plena, podendo apresentar, conforme a hipótese, eficácia contida (ou restringível) ou limitada. Nesse sentido, a doutrina majoritária defende que a maioria das normas seriam de eficácia contida, enquanto que a maior parte daquelas que reconhecem os direitos sociais seriam de eficácia limitada.
. . Geração dos direitos fundamentais:
Direitos de primeira geração (individuais ou negativos): Relacionados à luta pela liberdade e segurança diante do
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Estado. Trata-se de impor ao Estado obrigações de não-fazer e se relacionam às pessoas, individualmente. Ex: propriedade, igualdade formal (perante a lei), liberdade de crença, de manifestação de pensamento, direito à vida etc.
Direitos de segunda geração (sociais, econômicos e culturais ou direitos positivos): São os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar. Ex: direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública.
Direitos de terceira geração (difusos e coletivos): São direitos transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. Transcendem o indivíduo isoladamente considerado. São também conhecidos como direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo isoladamente considerado).
Direitos de quarta geração: Há autores que se referem a essa categoria, mas ainda não há consenso na doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos. Há quem diga tratarem-se dos direitos de engenharia genética (Norberto Bobbio), enquanto outros referem-nos à luta pela participação democrática (Paulo Bonavides).
Direitos de quinta geração: Direito à paz.
. . Características dos direitos fundamentais:
· Historicidade: o que se entende por direitos fundamentais varia de acordo com o momento histórico, não são conceitos herméticos e fechados. Há uma variação no tempo e no espaço.
· Inalienabilidade: são direitos sem conteúdo econômico patrimonial, não podem ser comercializados ou permutados.
· Imprescritibilidade: são sempre exigíveis, ainda que não exercidos;
· Irrenunciabilidade: o indivíduo pode não exercer os seus direitos, mas não pode renunciá-los, de modo geral.
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· Relatividade: não são direitos absolutos. Se houver um choque entre os direitos fundamentais, serão resolvidos por um juízo de ponderação ou pela aplicação do princípio da proporcionalidade.
TEORIA DA RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES (= LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES)
- É teoria alemã, adotada no Brasil pelo STF; - Uma das características dos direitos fundamentais é que eles são
relativos, ou seja, podem sofrer limitações. Porém, essas restrições devem ser feitas com critérios e de forma excepcional a não esvaziar o seu núcleo essencial. Conclusão: Pode haver restrições aos direitos fundamentais, mas essas restrições devem ser restritas.
- Só podem ser impostas restrições se obedecerem aos seguintes requisitos:
· Requisito formal: Os direitos fundamentais só podem ser restringidos em caráter geral por meio de normas elaboradas por órgãos dotados de atribuição legiferante conferido pela CF/88. A restrição deve estar expressa ou implicitamente autorizada.
· Requisitos materiais: para a restrição ser válida, deve observar aos princípios:
o Não retroatividade; o Proporcionalidade; o Generalidade e abstração; o Proteção do núcleo essencial.
· Personalidade: não se transmitem. · Concorrência e cumulatividade: são direitos que podem ser
exercidos ao mesmo tempo. · Universalidade: são universais, independentemente, de as
nações terem assinado a declaração, devem ser reconhecidos em todo o planeta, independentemente, da cultura, política e sociedade.
· Proibição de retrocesso: não se pode retroceder nos avanços históricos conquistados.
2.4. Dimensão dos Direitos Fundamentais
· Dimensão subjetiva: Os direitos fundamentais conferem aos seus titulares o poder de exigir algo, seja ação ou omissão;
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· Dimensão objetiva: Os direitos fundamentais encarnam valores que permeiam toda a ordem jurídica, condicionam e inspiram a interpretação e aplicação de outras normas (EFICÁCIA IRRADIANTE) e criam dever geral de proteção sobre os bens salvaguardados.
2.5. Eficácia dos direitos fundamentais:
· Vertical: Aplica-se à tradicional ideia de limitação de poder do Estado e respeito aos direitos dos indivíduos, conferindo direitos básicos e garantias aos indivíduos. Há um poder superior (Estado), em face do indivíduo, em posições diferentes (ESTADO X PARTICULAR);
TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINECK
São as possíveis relações do indivíduo com o Estado: · Passivo: O indivíduo encontra-se em posição de subordinação
com relação aos poderes públicos; · Ativo: É o poder do indivíduo de interferir na formação da
vontade do Estado, sobretudo através do voto; · Negativo: O indivíduo pode agir livre da atuação do
Estado, podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal (abstenção estatal);
· Positivo: É a possibilidade do indivíduo exigir atuações positivas do Estado em seu favor.
· Horizontal: Com a evolução da teoria dos direitos fundamentais, atualmente é reconhecida a incidência também na relação entre particulares, em igualdade de armas. Logo, pode se definir a incidência e necessidade de observância de todos os direitos fundamentais nas relações privadas (PARTICULAR X PARTICULAR). O STF já reconheceu a aludida eficácia;
· Diagonal: Teoria desenvolvida por Sérgio Gamonal, e consiste na incidência e observância dos direitos fundamentais nas relações privadas marcadas por desigualdade de forças, ante a vulnerabilidade de uma das partes. Na hipótese, embora as partes teoricamente estejam
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em posição equivalente (PARTICULAR X PARTICULAR), na prática há império do poder econômico, a exemplo de demandas consumeristas e trabalhistas. O TST já adotou a eficácia diagonal em alguns julgados, inclusive.
2.6. Direitos individuais implícitos e explícitos: Os direitos individuais podem ser explícitos ou implícitos.
· Explícitos: são aqueles previstos expressamente no texto da Constituição Federal. Como exemplo, os contidos no art. 5° da CF. e seus incisos, em especial os previstos no caput do mencionado artigo, como a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
· Implícitos: O reconhecimento decorre de interpretação do texto da Lei das Leis. Isto se evidencia pela leitura do art. 5º, parágrafo 2º, que reconhece a existência de outros direitos individuais "decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte".
Classificação dos direitos individuais explícitos:
· Direitos individuais e coletivos: direitos ligados ao conceito de pessoa humana e sua própria personalidade, com, por exemplo, vida, dignidade da pessoa humana, honra, liberdade, etc. Estão espalhados pela CF, mas uma grande parte consta no art. 5º, CF/88;
· Direitos sociais: Caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes;
· Direitos de nacionalidade: nacionalidade é o vínculo jurídico político que se liga a um indivíduo acerto e determinado Estado fazendo deste individuo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando - o a exigir sua proteção e sujeitando - o ao cumprimento de deveres impostos;
· Direitos políticos: conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular. São direitos públicos
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subjetivos que permitem ao indivíduo o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado;
· Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: a Constituição Federal regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo.
2.7. Destinatários: Os destinatários das normas dos direitos individuais, que são os direitos fundamentais, são os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil. Grande parte da doutrina entende que esses direitos devem estender-se a toda e qualquer pessoa, mesmo àquelas que se encontrem apenas em trânsito no solo nacional.
2.8. Não taxatividade dos direitos fundamentais e tratados de direitos humanos: O ordenamento jurídico brasileirou adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativo o rol do artigo 5º. Inclusive, o art. 5°, §3°, da CF/88, reconhece que nos tratados internacionais sobre direitos humanos passam a gozar de status de emenda constitucional, se forem aprovados nas duas casas, em dois turnos, pelo quórum de 3/5.
- Caso não sejam aprovados pelo quórum constitucional, os tratados em direitos humanos revestem-se de supralegalidade. Sem alterar a constituição, bloqueiam a legislação federal que lhes seja contrária. Se o tratado não versar sobre direitos humanos, mantém a sua hierarquia infraconstitucional e equivalente à lei ordinária.
CONCLUSÃO:
· Tratado internacional sobre direitos humanos, aprovado no rito da EC: Status de EC;
· Tratado internacional sobre direitos humanos, aprovado com quórum diverso das emendas: Supralegalidade;
· Tratados Internacionais diversos: Status de lei ordinária, desde que haja o processo de incorporação.
2.9. Alguns direitos constitucionais
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a) Direito à vida: abrange o direito do mínimo necessário a uma existência digna:
· Direito à integridade física: direito à saúde, vedação de pena de morte, proibição do aborto, etc;
· Direito a condições materiais e espirituais mínimas necessárias a uma existência digna.
b) Direito à dignidade: É um valor, um princípio, servindo como parâmetro para a definição dos direitos formal e materialmente fundamentais.
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL[2] 1) Inspiração: Corte Constitucional Colombiana. 2) Definição: Quadro insuportável de violação massiva de direitos
fundamentais, agravado pela inércia continuada das autoridades.
3) Pressupostos: · Violação generalizada e sistemática de direitos
fundamentais; · Inércia ou incapacidade reiterada e persistente das
autoridades públicas em modificar a conjuntura; · Situação que exige a atuação de uma pluralidade de
autoridades públicas. 4) Análise pelo STF em ADPF (PSOL X União e Estados) –
Concessão parcial de liminar para: · Obrigar a União a liberar o saldo acumulado no
FUNPEN; · Implementação pelos juízes e Tribunais da audiência
de custódia, no máximo em 90 (noventa) dias; · Responsabilidade dos três poderes e de todos os entes
Federativos. ATENÇÃO: No julgado, entendeu-se que incumbiria ao STF
retirar os demais poderes da inércia, coordenando ações para resolver os problemas e monitorar resultados. Porém, NÃO cabe ao Judiciário definir o conteúdo dessas políticas públicas (Ex: Medidas judiciais para abater o tempo de prisão).
c) Direito à integridade: A Carta Magna proíbe a prática lesões, psíquica e moral (provocação de dor interna e sofrimento).
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Ademais, veda a prática da tortura, bem como qualquer tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento (art. 199, §4º).
d) Direito à privacidade - Dimensões:
· Intimidade: é o direito de estar só; · Vida privada: é o direito do indivíduo de ser do modo
que quiser, sem a intervenção de outrem. · Honra: Ligada à honra objetiva (visão da sociedade) e
honra subjetiva (visão da própria pessoa). · Imagem: É a representação da pessoa, por meio de
desenhos, fotografias. I) Privacidade e Sigilo bancário e fiscal: O STF admite a
quebra do sigilo pelo Judiciário ou por CPI (federal ou estadual, mas não municipal), mas resiste a que o MP possa requisita-la diretamente, por falta de autorização legal específica, salvo a hipótese de existir procedimento administrativo investigando utilização indevida de patrimônio público.
LC 105/2001 E QUEBRA DE SIGILO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA[3]
- A Lei Complementar n.º 105/2001 atribui a agentes tributários, no exercício do poder de fiscalização, o poder de requisitar informações referentes a operação e serviços das instituições financeiras, independente de autorização judicial. Inicialmente, nos autos do RE 389808, o STF entendeu NÃO ser possível o afastamento do sigilo.
- Recentemente, o STF entendeu possível o repasse das informações dos bancos para o Fisco, pelos seguintes argumentos, pois as informações são remetidas ao Fisco em caráter sigiloso e permanecem de forma sigilosa na Administração Tributária, inacessível a terceiros, não pode ser considerado violação do sigilo.
II) Privacidade e inviolabilidade de domicílio: O conceito de domicílio, segundo o STF, abrange todo lugar privativo, ocupado por alguém, com direito próprio e de maneira exclusiva, mesmo sem caráter definitivo ou habitual. A abrangência do conceito alcança o escritório de trabalho, o estabelecimento industrial e clube recreativo.
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* ATENÇÃO - Exceções ao direito à inviolabilidade do domicílio:
· Em caso de flagrante delito, a qualquer momento; · Em caso de desastre ou para prestar socorro; · Através de autorização judicial, durante o dia. e) Direito às liberdades: Abrange as liberdades física, de
pensamento, de locomoção, · Liberdade de consciência: foro íntimo. Subdivide-se em:
o Liberdade de crença: é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões de natureza religiosa, incluindo o direito de professar ou não uma religião, de acreditar ou não na existência de um, em nenhum ou em vários deuses (art. 5º, VI); e
o Liberdade de consciência em sentido estrito: é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões não religiosas.
· Liberdade de exteriorização de pensamento: o Liberdade de culto: A CF assegura ampla liberdade
de crença; o Liberdade de informação jornalística: Essa liberdade
NÃO é ampla e irrestrita, a exemplo do DIREITO AO ESQUECIMENTO. Deve ser exercida de forma compatível com a intimidade e da honra das pessoas.
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS[4]
O STF entendeu na ADI 4815 que, para ser publicada uma biografia, NÃO é necessária autorização prévia do indivíduo biografado, das demais pessoas retratadas, nem de seus familiares, porque a autorização prévia seria uma forma de censura, incompatível com a liberdade de expressão consagrada pela CF/88.
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Se o biografado ou qualquer outra pessoa retratada entenda ter os seus direitos violados, terá direito à reparação, não apenas por meio de indenização pecuniária, mas também por outras formas, a exemplo da publicação de ressalva, de nova edição com correção, de direito de resposta etc.
DIREITO AO ESQUECIMENTO[5] É o direito que uma pessoa possui de
não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos. Há um conflito entre a privacidade, honra e intimidade x informação. O STJ possui julgados entendendo que o ordenamento jurídico tutela o direito ao esquecimento.
· Liberdade de expressão: É o direito de se exprimir, não se expressar, de calar e de não se informar.
* ATENÇÃO: Em virtude do aludido direito, o STF afastou a exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão e entendeu inconstitucional a disciplina da lei de imprensa.
· Liberdade artística e os veículos de comunicação social: É ampla liberdade na produção da arte.
* ATENÇÃO: Embora exista a liberdade artística, o Poder Público poderá estabelecer faixas etárias recomendadas, locais e horários para a apresentação. Ao mesmo tempo, lei federal deverá estabelecer meios para que qualquer pessoa ou família possa defender-se de programações de rádio e televisão que atentem contra os valores éticos vigentes (art. 220, §3º, I e II).
· Liberdade de locomoção: É o direito de ir e vir.
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· Liberdade de reunião: É o agrupamento organizado de pessoas de caráter transitório, com uma determinada finalidade.
o Se em locais abertos ao público (art. 5º, XVI, da CF/88): § Reunião pacífica; § Sem armas; § Fins lícitos; § Deve ocorrer um aviso prévio à autoridade
competente. · Liberdade de associação: Agrupamento de pessoas,
organizado e permanente, para fins lícitos. Abrange: o Direito de associar-se a outras pessoas para a formação
de uma entidade; o Aderir a uma associação já formada; o Desligar-se da associação; o Autodissolução das associações.
· Liberdade de ação profissional: É o direito de cada indivíduo exercer qualquer atividade profissional.
* ATENÇÃO: O STF entendeu desnecessária a exigência de diploma de jornalista (RE 70563), bem como a exigência de inscrição em Conselho Profissional, como condição ao exercício de profissão artística de músico (RE 635023)
Referência Bibliográficas:
Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado.
Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional.
Dirley da Cunha Junior. Curso de Direito Constitucional.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino. Direitos Constitucional
Descomplicado
João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjustic
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anoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundament
ais.pdf
Julgados comentados do site Dizer o
Direito. http://www.dizerodireito.com.br/
NOTAS:
[1] Para aprofundamento no assunto, consultar: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf
[2] Para aprofundamento do julgado: http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/entenda-decisao-do-stf-sobre-o-sistema.html
[3] Para aprofundamento, sugerimos leitura do julgado comentado pelo Dizer o Direito: http://www.dizerodireito.com.br/2016/02/a-receita-pode-requisitar-das.html
[4] Para aprofundamento do julgado, recomendamos a leitura: http://www.dizerodireito.com.br/2015/06/para-que-seja-publicada-uma-biografia.html
[5] Para aprofundamento do julgado, recomendamos a leitura:
http://www.dizerodireito.com.br/2013/11/direito-ao-esquecimento.html
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BÊ-Á-BÁ DO DIREITO: FUNDAMENTOS DE FORMAÇÃO DO DIREITO E SOCIEDADE
JOÃO NASCIMENTO NETO
RESUMO: A ciência do Direito, um estudo complexo e às vezes dinâmico nos traz uma reflexão aberta sobre os caminhos que os juristas de hoje e os do amanhã devem seguir, para isso, esta obra vai abordar temas do cotidiano e de formação humana. Vai desde a adaptação da sociedade ao direito a constituição ideológica das leis e suas bases fundamentais como: Direito e Sociedade, Direito e a Moral, Direito e os Costumes e Direito e a Religião, no que se trata o assunto, o ponto principal é a sua conexão fragmentada e desfragmentada de nosso desenvolvimento sócio histórico, e que aqueles que representam o direito, defensores, reguladores e detentores do direito devem zelar e acima de tudo praticar com seriedade e qualidade buscando a forma justa de se aplicar o direito.
Palavra Chave: Direito. Sociedade.
ABSTRACT: The science of law, a complex and sometimes dynamic study brings us an open reflection on the ways that lawyers today and tomorrow must follow for this, this work will address the everyday issues and human formation. It ranges from the adaptation of society to the right ideological constitution of laws and their fundamentals as: Law and Society, Law and Morals, Law and Customs and Law and Religion, in that it is the subject, the main point is the its fragmented and defragmented connection of our partner historical development, and that those who represent the law, advocates, regulators and right holders should ensure and above all practicing seriously and quality seeking fair to apply the law.
Keywords: Right. Society.
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Sumário: Introdução. 1. Fundamentos da Adaptação Social. 2. Sociedade e Direito. 3. O Ideal de Justiça. 4. Direito e Moral. 5. Direito e Costume. 6. Direito e Religião. 7. Influencias da Religião na conduta. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
Introdução:
Ao iniciar o tema desta obra deve-se saber que tudo se passará em analises do Código Penal, Civil e de nossa lei maior, a Constituição Federal. Iremos indagar sobre as ligações do Direito com as fortes influenciam da sociedade através da cultura, valores, crenças e da religião, sempre fragmentado ao Direito, pois a base de estudo aqui apresentada tem a intensão de trazer a Ciência do Direito para o nosso dia-a-dia, no que dispõe as ramificações de suas bases, fundamentos ou princípios. Mesmo não sendo fácil determinar o limite de sua construção perante a extensão de formação da sociedade, mas podemos falar com clareza dos fatos que se mostra neste trabalho são de extrema importância para esta Ciência que cresce, compõe e se recompõe para se adequar ao meio em que está aplicado, compreender e interpretar é uma dadiva para seus amantes.
Fundamentos da Adaptação Social
O homem é um ser essencialmente politico e gregário, logo perceberam que essas qualidades se fundamentam no direito e na adaptação onde o próprio direito cria as suas necessidades. O povo se adequa ao seu comportamento padrão de convivência as regras de conduta.
Sendo assim, “O direito é criado pela sociedade a fim de formular bases de justiça e segurança”, ou seja, uma vida em sociedade sem o direito não poderia existir, por ele ter seu papel fundamental na organização do Estado. Devemos também saber que ele não gera unilateralmente o bem-estar social, por representar a vontade do povo para um único meio especifico, a ordem social.
Deve-se lembrar de que toda a sua estrutura está pautada nos valores, pois para isto devemos entender que sua origem sempre esteve atrelada não apenas a vontade do legislador. Mas o que é o Legislador? É uma pessoa
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comum, com formação ideológica, para quem é conferido o poder de autoridade sobre nós no cumprimento da vontade do povo. Para esclarecer a organização das instituições do direito, vamos lembrar o direito positivo e natural, onde se percebe que o homem para o natural tem direito a vida, liberdade, propriedade etc., e no caso do positivo temos que há a relação ao natural, mas de forma escrita, rígida e formal, pois aqui não cabe espaço a Deus ou divindades, mas ao que o homem determina a seus semelhantes.
O que se ver contrariando nesta ultima fala sobre o direito positivo, é que o ser humano passou a viver limitado por eles mesmo recebendo assim o Estado o direito de impor à sociedade a adaptação aos princípios fundamentais do natural formando então os direitos individuais e coletivos, tirando a vontade e tornando obrigatória sua obediência surgindo a partir disso os deveres civis.
Moralmente falando, entregamos nossos problemas ao Estado por escolha, porque aceitamos a tal burocratização de um sistema fundado por nós para nos obrigar a seguir através de regras e normas de conduta, ou seja, atitudes e desdobramentos das ações estão entrelaçados a um conjunto de interesses sociais e individuais ao que podemos dizer que o direito passou a regular o cotidiano por três meios: Coercibilidade, facultatividade e Heterônoma.
Paz, ordem e bem comum, são doutrinas retiradas do direito natural e fragmentadas no direito positivo, pois como já dito aqui a sociedade em seu poder delegou e criou o instrumento de regência desses valores, “O direito não constitui o fim, apenas está como um meio para tornar possível a conveniência e o progresso social”. (Nader, 2016).
Podemos perceber que a essência do direito está pontuada por valores morais, éticos e religiosos onde possui influencia fortemente qualificada nas leis, tratados, códigos e constituição.
Sociedade e o Direito
A interação social ocorre quando pessoas e grupos sociais possuem uma relação fixa e outra visando ser periférico, pois é comprovado que o homem não consegue viver isolado, mas ele é também, dotado de um poder
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chamado “palavra”, o referido assunto citado (palavra) comentado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery fala que:
“A palavra é a manifestação soberana do sujeito. A palavra articula o argumento e leva ao convencimento. A palavra é a arma manuseada pelo direito. É a expressão soberana; é a comunicação da verdade; é a força do convencimento; é a fonte de vida. Saber usar a palavra é o desafio que se espera na luta pelo direito, porque a força dos atos está na palavra: compreender sua importância é o melhor de nossas tradições”. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery, 2014, p. 24).
Ao analisar o pensamento dos autores citados, notamos que o poder do homem é a palavra, e que ele é capaz de influenciar e de ser influenciado. Uma das maiores perguntas feitas por Emile Durkheim foi: “O homem influencia a sociedade ou a sociedade influencia o homem?”. A resposta a esta pergunta é resumida em três palavras: Cooperação, competição e conflito.
As pessoas são movidas por um objetivo comum independente de como esteja sendo executado a sua ação, desde que estejam buscando o mesmo fim. Os conflitos são naturais à sociedade, podemos dizer que é mais do que um fenômeno, é algo que vem do próprio “eu” da pessoa com desejos de buscar melhorias individuais ou para o grupo inserido, por isso, quanto mais complexa a sociedade, quão mais desenvolvida for, estará sujeita a novas formas de conflito e o resultado podemos constatar no hoje. “O maior desafio não é o de como viver e sim o da convivência”. (Nader, 2016).
A competição é um misto entre cooperação e conflito, pois indivíduos sempre estão a competir visando sempre o melhor, buscando resultados individuais ou coletivos. Faz parte do ser humano orgânico, a intensão aqui não é por o homem e sua espécie como um ser mal, é lógico que isso se trata de sua natureza e praticar estes atos faz parte de seu convívio e que foi preciso consenso de que era necessária a criação de instituições e instrumentos que controlassem sua conduta.
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Onde foi constituída de confiança e autoridade tutelada a pessoas eleitas pelo povo e para o povo, para a formação do que hoje chamamos de instituições do poder jurídico ou do direito. Dai surge à frase: “O direito está em função da vida social”. Sua finalidade é fortalecer o amplo relacionamento entre pessoas e grupos sociais que é uma das bases do progresso da sociedade.
Ao separar o licito do ilícito, temos valores de convivência que a sociedade elege, o ordenamento jurídico torna possíveis as formas de competição e a disciplina com fundamentos na cooperação e no conflito estabelecendo limites, necessários ao equilíbrio e a justiça nas relações.
O Ideal de Direito e Justiça
O direito surge como valor absoluto para igualdade, liberdade e fraternidade. Com estes princípios, o direito tomou forma de verdadeiro, o bom e o belo, ou seja, um valor que repousa em si mesmo sem depender de nenhum outro.
A justiça como virtude e qualidade pessoal (o que é justo), a justiça subjetiva que propõe o relacionamento entre pessoas e a objetiva (o meio em pauta), sobre o direito subjetivo podemos dizer que conduz a realização da justiça objetiva e que para esta se faz a forma primária (objetiva) e secundária (subjetiva).
A justiça é um parâmetro do direito positivo, a juridicidade como ideia anterior e superior a lei. É provável ver a diferença entre a justiça do legislador e do juiz que uma se faz no sentido estrito e a outra no sentido amplo.
Como dito, justiça nasce da igualdade classificada como duas composições: cumulativa que é a absoluta e a distributiva que se faz pela proporcionalidade no tratamento das pessoas. A distributiva pressupõe três pessoas, uma calada a nível superior (Direito Público) que impõe encargos ou distribui benefícios a outras duas pessoas e a cumulativa pressupõe duas pessoas equivalentes juridicamente (Direito Privado).
Contudo, surge à conformidade dos fins, o direito é falível e não possui a relação de apaziguar as partes envolvidas, por isso o direito não é
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o fim. Para esclarecer a melhor resolução de determinado problema o direito conhece seu fim caracterizado por um rito chamado ato processual, cuja frase “transitada em julgado” é o fim da jurisdição do Estado anteriormente invocado para o uso da justiça e para completude disto vai buscar no campo da ética as disciplinas divididas em duas partes: Direitos (bens) e Deveres (obrigações).
Direitos e deveres são reconhecidos como mandamentos morais relacionados à conduta respaldada pelo direito positivo, mas que seu fundamento está fragmentado no que tange o natural, onde o divino determinava e determina como deveria e deve ser o comportamento do individuo, segundo a vontade de Deus.
Caso houvesse uma conduta considerada contraria a vontade de Deus, seria punido o infrator de acordo com as leis do primeiro mandamento, a lei de Moisés. “Segundo os judeus hebreus, a lei de Deus dada e promulgada sobre o monte Sinai através de Moisés é una, eterna e imutável. Constitui-se na expressão perfeita e invariável da vontade de Deus.” Os dez mandamentos são a síntese da Toráh. Tema que iremos abordar mais a frente.
A teoria dos bens morais que representam três espécies de valores são eles: primeiro grupo; pessoa individualmente considerada; do segundo; pessoa jurídica; do terceiro; o bem de cultura. A partir destas informações temos a existência da hierarquia de valor, que vai tratar da individualista (valor da personalidade individual), supra-individual (valor da personalidade jurídica) e transporsonalista (cultura como supremo bem).
Para isso, no que diz a teoria dos bens morais é notável conceituar que elas não podem ser determinadas de forma equivocada e comprovada, pois para o direito e seus fins supremos é possível variar em função da circunstancia social de cada povo e de cada época, e podendo estar subjetivamente em função de cada um no sentimento jurídico, concepção do Estado, posição partidária, religião e visão de mundo. Todo este conjunto de direitos e de ideias de justiça parte da tomada de decisão das pessoas mediante sua interioridade individual ou coletiva.
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Em outras palavras, o direito aqui se tornou um instrumento da liberdade exterior sem o qual a liberdade interior – essencial para a decisão ética – não pode existir. Garantir a cada um a liberdade exterior é, pois, a essência, a medula, dos direitos do homem. De onde se conclui que estes direitos tem caráter absoluto não por que decorrem de alguma manifestação do direito positivo, mas porque são indispensáveis ao cumprimento do dever moral.
Direito e Moral
A moral surge para o direito como instrumento de controle social que media as ações de quem está na lei e fora dela, o direito consiste neste caso, no estabelecimento da ordem social uma vez que sua eficácia exterior impõe a conduta interior como modelo, ou seja, “o ser correto”.
Nestas condições a moral colabora em parceria com o direito para ser o centro da chamada tipicidade, olhando sobe este aspecto tanto um como o outro faz menção ao fato típico ou atípico do individuo, pois se pensarmos bem a moral é sempre a parte primária do ato corretivo de condutas, visando o cumprimento das leis e ao mesmo tempo ser a causa formadora das leis também, por levantar a seguinte questão de organizar, determinar, como ou quando agir e de que maneira ou outras devemos assumir condutas.
Não se pode medir a extensão da moral, mas o direito passou a essa condição por ser limitado, finito e falível, em outras palavras é positivado. Se voltarmos ao conceito de direito natural, vemos que houve falhas, mas no campo da conduta como autônoma e não heterônoma, para tal fato, o ordenamento jurídico se torna impossibilitado de agir por não poder violar o que está escrito, mas que moralmente a nossa concepção nos diz que devemos seguir o que está na lei mesmo que de forma coercível.
É fato lembrar que tudo isso partiu de nós, de nossos princípios valorativos para ser escrito e seguido, basta comentar sobre o Código Penal, Civil, Trabalho, Comercial etc. É todos normativos segundo Hans Kelsen, mas fica a pergunta, quem codificou? Quem ordenou? Quem deu sua finalidade? Quando acharam que era preciso? Perguntas que sondam nossas imaginações.
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Kant diz que “o direito se satisfaz com o cumprimento exteriorizado (legalmente) quando entende que a obediência à lei é suficiente, qualquer que seja sua motivação e sem que seja necessário o respeito”... Sendo assim, o direito é puramente moral, Kant deixa bem claro que dentro de nós não possuímos a obrigação de gostar, mas que podemos aceitar? Depende de cada um, e que o direito exige seu segmento caso contrário considerarão imorais ou foras da lei, mas como a moral é nossa vontade, um valor absoluto que é revestido no ser humano como forma de pensar e agir se o direito obriga a conformidade do que ele ordena? Nesta situação o direito ludibria o pensamento do homem para que ele se sinta bem no cumprimento do dever perante seus semelhantes “cumpri meu dever hoje perante a sociedade”.
É só lembrar-se das regras de trato e da adaptação social da justiça a sociedade, podemos exemplificar com o caso da sociedade primitiva onde o direito não continha mais o aspecto religioso, mas os fenômenos naturais maléficos, eram recebidos como manifestação da ira divino, revoltada com a prática de atos lesivos pois nesta fase punia-se o infrator para satisfazer a divindade.
Levando em consideração a explicação da sociedade primitiva, temos que o dever é aquilo que se encontra imposto a nós como cidadãos civis que compõe a sociedade na busca pelo bem comum, seja de maior ou menor expressão, independente do que faça se está na lei é para seguir. Não é atoa que o direito herdou da moral o elemento heterônomo, coercibilidade e facultatividade. A heterônomia para Gustav significa que “a consciência acolhe como próprio um complexo externo de normas”. (Radbruch, p. 37).
O autor também se refere à coercibilidade como uma “obrigatoriedade, no entanto, bem como a validade de tal complexo de normas, só pode fundamentar-se em uma aceitação pela consciência”. (Radbruch, p. 37). De forma incisiva os trechos citados pelo pensamento do autor remedia a fundamentação do direito na sociedade como segurança e rigidez necessária para a organização do Estado, por isso, socialistas e anarquistas estão enganados em sua forma de pensar por não existir uma maneira de desfragmentar do ser humano sua precisão do
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Estado como articulador e organizador de sua segurança e qualidade de vida.
É de este saber que conceituamos que as ideologias nascem da precisão de uma politica do homem para o homem para se enquadrar no que é justo, belo e bom para seus semelhantes como forma de estrutura intelectual/orgânica capaz de mobilizar e convencer as pessoas do que realmente deve ser feito.
Não é fantasioso dizer que as ordens jurídicas só podem ser elevadas a deveres de competência por que servem a fins morais independente de serem positivados, pois elas nunca deixaram de ser puramente moral e natural. Por isso, dizemos que os fins do direito estão ligados aos fins morais.
Inering sustenta a tese segundo a qual “a luta pelo direito é luta pela afirmação moral da própria pessoa, pela liberdade exterior, pressuposto indispensável à liberdade interior, a liberdade moral; por isso a luta pelo direito é, em si mesmo, um dever moral”. O direito destino da moral está, pois, a ela duplamente vinculados por seu conteúdo: ela é o fundamento de sua validade, porque um dos fins do direito é possibilitar a moral.
Direito e Costume
O direito e o costume se formam do que tange o direito e a moral, por eles serem específicos de acordo com o que a nação pede e determina como maneira de cultura para se desenvolver padrões de convivência e construir uma identidade de si mesmo como características gerais de um povo ou nação.
A coação jurídica faz parte dos costumes, embora seja de consequência habitual do direito, integrar a sua essencialidade é algo relativo, ora pode ser restritivo ou amplo se adequando as condições como, por exemplo; podemos usar a bilateralidade da cultura para simplificar a aceitação do direito aos requisitos, ou seja, o que é proibido em certa região pode não ser para outra e vice-versa.
Não seria errado afirmar que o direito ratificou os costumes dando-lhes a visão de algo positivado, mas com caracteres que fazem ser
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exclusivos do natural, ou seja, parte do principio do que é bom, correto ou certo para aquele local, é tradição. Isso se dá pelo costume das classes e social, sendo prático, a formação das ideias deve-se lançar nos mergulhos das crenças e costumes que remediam o direito mais do que não citarmos as grandes evoluções sócias históricas e históricas.
Basta dizer que a fabulosa e encantadora maneira de nos expressar é um hábito, mas dai você pergunta: O que tem haver o direito com o costume do povo? Que fundamentos podemos contar para esta influencia no direito? Em primeiro lugar, as respostas não são de grau dificultoso, pois seu método de controle se fortifica na aliança moral contida no direito.
Vamos analisar a resposta no que diz a evolução do seguimento de regras e obediência memorável que podemos recordar de nossas constituições passadas e a atual de nosso país a começar pela primeira datada de 1824, Brasil Império:
Principais Características: · Quatro poderes; Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador; · Monarquia unitária e hereditária; · Religião oficial: Catolicismo, mas que outras religiões eram permitidas a cultos domésticos proibindo construção de templos; · Definindo quem era cidadão brasileiro; · Eleições censitárias e indiretas; · A primeira a mencionar os direitos individuais e garantias vide artigo 179; · Imperador era inimputável; · Submissão da igreja ao Estado; · Por meio do poder moderador o imperador poderia nomear cargos vitalícios, presidentes de províncias, autoridades eclesiásticas e senado vitalício.
Após a primeira constituição do Brasil surge a de 1934 com amplas mudanças para a sociedade na época e no momento mais marcante do país levanta-se Getúlio Vargas e a chamada Republica Velha munida pelas
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reformas e a frase marcante dada à lei maior daquele ano como a “constituição cidadã”.
Principais Características: · Instituiu o voto; · Voto obrigatório para maiores de 18 (dezoito) anos; incluindo o voto feminino instituído pelo código eleitoral de 1932; · Criação da justiça eleitoral e do trabalho; · Nacionalizou requisitos do subsolo e quedas d’agua no país, como também dos bancos e de empresas de seguros; · Empresas estrangeiras deveram ter 2/3 de empregados brasileiros; · Proibiu trabalho infantil, diferença de salário para mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil e benefícios contidos na CLT.
Chegada a atual constituição federal de 1988, que ainda com teor cidadão traz em sua estrutura os seguintes elementos: formal, escrita, legal, dogmática, promulgada (democrática popular), rígida e analítica. Para que possamos entender melhor listamos os principais temas abordados por ela:
Principais Características: · Direitos e garantias fundamentais; · Organização do Estado e dos poderes; · Defesa do Estado e das instituições democráticas; · Ordem econômica, financeira e ordem social.
Tendo em vista este comparativo histórico cultural, de tempos em tempos o povo evolui, diverge novas necessidades, criam modelos de convivência, fortificam suas ideologias e transformam o seu estado natural em forma escrita. Falar de costume é fragmentar suas crenças, histórias, regras e condutas sociais, e é neste ponto que o direito tem como dever está cada vez mais adequado a realidade de seu povo, não os impedindo de ser o que querem ou desejam, mas tornando o livre arbítrio (liberdade) um algo essencial e não uma exclusividade para poucos.
Direito e Religião
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Ao iniciarmos o tema, devemos separar o Deus legislador, o juiz e o ditador dos bons costumes, e para isso é necessário que não olhemos o ser divino como amoroso, misericordioso e pacifista. A primeiro momento é estranho dizer que Deus é um ser legislador e juiz, mas quando consultamos suas escrituras constatamos o quão forte e próximo é suas semelhanças a nossos códigos, leis e constituições. Para declarar essas afirmações vamos analisar os dez mandamentos e versos bíblicos que citam o assunto.
Conhecido como a primeira lei da história da humanidade, os mandamentos de Moisés ou Toráh é revestido por cinco características: formal, escrita, legal, dogmática e rígida. Para ser possível entender a nomenclatura de sua estrutura é preciso saber o que é os dez mandamentos, que também pode ser chamado de decálogo, pois é dado ao conjunto de leis em tabuas de pedra entregue ao profeta Moisés (tabuas da lei).
A começar pelo primeiro mandamento, Deus afirma ser uma divindade absoluta e que não cabe espaço a outros deuses quando ele diz: “Não terás outros deuses diante de mim”. Vemos que incisivamente a sua palavra é clara e não há como haver brechas argumentativas, trazendo o centro de todo o dogma para ele e não fatiando sua glória. Posso dizer que Deus é intolerante? Não, porque aqui ele se apresenta como aquele que é supremo e que exige ser respeitado como tal assim como em outras religiões seus deuses colocam acima de tudo a soberania de sua presença.
No segundo mandamento é puramente reflexivo no que diz respeito ao inicial deste tema, podendo encontrar a seguinte frase: “Não fará para ti imagem esculpida”... Abre a seguinte questão de que não pode adorar a si mesmo, “nem outros ídolos religiosos”... Reafirmando o que já dito aqui a soberania de Deus, quando feito contrario a sua vontade estará a provocar a ira dele, pois para provar que isto é uma convicção poderosa, ele não autoriza figura alguma, nem em baixo da terra, nem acima do céu e se não bastasse nem nas aguas debaixo da terra.
Porque Deus exige o cumprimento da lei e fazendo uma conexão com nosso direito, poderão visualizar um direito nato-positivo, por quê? Por partir da ideia de um direito escrito e formal, mas com a participação da divindade suprema no que é referido a coercibilidade, facultatividade e
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heteronomia interior e exterior desqualificando a ideia de abstrato, tornando também possível a aplicação da bilateralidade, pois uma vez cumprido(dever) os semelhantes também passam a conhecer as leis.
O terceiro questiona o homem e o faz tomar para si a informação de que não pronunciar o nome de Deus em vão, ou seja, o nome dele é precioso, valoroso e merece dignidade não permitindo sua pronuncia como mera futilidade. Levando em consideração o que diz o direito de personalidade nos artigos 11° a 21° CC/02 sendo especifico o artigo 17° CC/02 diz que “o nome da pessoa não pode ser por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intensão difamatória”. É neste aspecto que se pode considerar que a influencia superior impôs ao regime de proteção fundamental que se chama honra e imagem.
No quarto Deus falou sobre o dia sagrado, o sétimo dia, e aqui se encontra mais uma referencia agora ao direito do trabalho. “lembra-te do sábado, seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho,”... “não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, filha, servo, serva, teu animal e nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas”. Não só é possível ver que fala sobre o direito do trabalho, mas do respeito ao dia sagrado a Deus e a constituição federal no artigo 5°, XI CF/88; “a casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”... E como dito o trabalho é praticado em seis dias, mas nossa CLT valida quarenta e quatro horas semanais e oito horas diárias segundo o artigo 7°, XIII, CF/88.
No quinto é notório que a figura paterna e materna se apresenta como um poder influenciador exigindo respeito e cobrança pelos bons ensinamentos, horar pai e mãe é moral como reflete a dignidade de ambos que está contido na lei de Deus e visado também pelos direitos de personalidade, além de determinar a obediência e manifestar o direito de formar seus descendentes e educa-los segundo como devem andar, em outras palavras como manda a lei.
O sexto mandamento é particularmente penal, pela a frase “não matarás” o artigo 121°CP/40 é responsável por tratar deste assunto, pois
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fala de um controle sobre os indivíduos onde eles deverão manter o respeito ao direito a vida. Toda pessoa tem direito de que se respeite a sua vida, caso contrário o referido artigo que faz menção a punibilidade para quem matar alguém é pena de reclusão, de seis a vinte anos. O direito penal contempla assim como a lei do divino este mandamento com o artigo 121° CP/40, e no modelo constitutivo ver-se que forma a base da punibilidade para qualquer que seja a hipótese.
O sétimo vos fala sobre a infidelidade que temos a priori como um valor moral que carrega em seu entendimento também o reconhecimento penal onde o código irá tratar nos artigos 224° a 229° CP/40 os casos em que se enquadram como traição. O artigo 224° CP/40 diz: “Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
O assunto deste parágrafo faz conexão com outros artigos como, por exemplo: · Artigo 221°: Da bigamia; · Artigo 222°: Indução em erro sobre impedimento; · Artigo 223: Do conhecimento e ocultação de impedimento; · Artigo 224°: Simulação de competência para celebrar casamento; · Artigo: 225°: Da falsa declaração sobre o estado civil; · Artigo 226°: Registro de nascimento inexistente; · Artigo: 227°: Parto suposto; · Artigo 228°: Substituição ou subtração de recém-nascido; · Artigo 229°: Sonegação do estado de filiação.
A constituição também faz seu parecer sobre o caso, no artigo 226°, 2° e 5°, CF/88 o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei (2°) e os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente entre homem e mulher (5°). Entretanto no código civil há esclarecimentos pertinentes a infidelidade, no artigo 1566° CC/02 diz: “São deveres de ambos os conjugues:
· I – Fidelidade reciproca;
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· II – Vida em comum no domicilio conjugal; · III – Mútua assistência; · IV – Sustento, guarda e educação dos filhos; · V – Respeito e consideração mútua.
Sabemos que esta palavra não reflete apenas a família como no termo geral, a tudo que se faz no dia-a-dia por isso, é fato que o ser humano é confrontado em seu cotidiano no cumprimento do seu dever e que para o direito sua eficácia é como meta e a infidelidade pode acontecer em qualquer esfera, hipótese e tempo.
O oitavo mandamento, “Não furtarás”, no que caracteriza o crime de furto e roubo, Deus mostra-se contrário e repudia esta conduta no tocante problema e que sua prática levará a condenação. Em outras palavras ele deixa claro, cometer ato ilícito levará a punição a quem quer que faça qualquer um destes atos danosos ao próximo.
Por isso podemos lembrar que nos primeiros mandamentos Deus revela-se rigoroso e impiedoso com aquele que não andar segundo a sua vontade e seu coração, voltando ao código penal os artigos que irão tratar do assunto são o 155°CP/40 subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa, e o 157°CP/40 subtrair coisa para si ou outrem, mediante a grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-lo, por qualquer meio, reduzindo à impossibilidade de resistência: Penal – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Analisando as escritas dos artigos é inegável a forte ligação deles com o mandamento oitavo por ser ato ilícito, conduta danosa e que para Deus isso representa a punição do homem, no seu conceito isso reflete ao reino que vos traz profunda reflexão o fato de que o divino influencia e menciona não nas entrelinhas, mas claramente e escancaradamente sua ira contra o individuo que o fizer, ordenando o respeito ao próximo, o bem-estar social e a busca pela paz plena.
O nono diz: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo”. Deus esclarece que devemos tomar muito cuidado ao falar do nosso irmão
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(as pessoas) para que não tenhamos difamado sua imagem, honra e sobre tudo levantar falso testemunho ou caluniar.
Como já foi dito, nossas leis sofrem diversas influencias, mas não como esta, passo a passo aqui colocamos as letras das leis em conexão com o mandamento de Deus e neste caso é possível se verificar que dentro do código penal os artigos 342°, 138°, 139°, 140° e 141° farão menções claras de como fica o nono mandamento segundo as leis: · Artigo 342° CP/40: Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral; · Artigo 138° CP/40: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa; · Artigo 139° CP/40: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade. Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções; · Artigo 140° CP/40: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa; · Artigo 141° CP/40: As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a
divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de
deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003).
Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. Exclusão do crime.
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O fato de ofender alguém sustenta a tese de que destruir a imagem do individuo perante a sociedade é para a religião e mais especifico para Deus um pecado e para nós é tratado como um crime, uma vez que sua prática fere o principio da dignidade humana. A constituição no artigo 5°, X CF/88 fala que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas asseguradas à indenização por dano moral ou material decorrente de sua violação.
É comum que a vontade do divino seja de que ambos uns aos outros busquem a paz, mas a que se observar o teor da linguagem que não deixa duvida, Deus em poucas palavras diz muito e que a desconstrução de uma pessoa na sua personalidade formada por sua concepção, leva nesta prática a constituição de uma imagem do individuo contraria a sua vontade, ou seja, ao mesmo tempo em que se desmorona a imagem de alguém o agente que causou este delito constrói automaticamente a personalidade deste maldosamente as características que ele desejar (o agente formador).
O décimo mandamento nos informa sobre o direito de propriedade e sobre o adultério comentado anteriormente. O referido mandamento diz: “Não cobiçarás a casa do teu próximo”... Ou seja, Deus não permite que façamos o esbulho, turbação e ameaça. · Esbulho: Perda total da posse; · Turbação: Tentativa de esbulho; · Ameaça: Violência iminente.
Caso haja algum destes citados pode ocorrer à defesa da posse mediante legitima defesa e desforço. Onde a legitima defesa da posse representa o possuidor que se acha na posse e é turbado em seu exercício podendo neste caso fazer uso da defesa direta (uso da força) e a pessoa que já tenha perdido a posse (esbulho) reage imediatamente para retomar a coisa, com finalidade de restabelecer a situação anterior podendo também fazer uso da força para restituir a posse.
Nas ações judiciais (tipicamente provisórias) é executada em três formas:
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· Ação de Reintegração de Posse: Ação movida por esbulho com finalidade de recuperar a posse perdida em virtude de violência, clandestina ou abuso de confiança; · Ação de Manutenção da Posse: Ação movida pelo possuidor que esta sendo turbado que visa à manutenção da mesma; · Ação de Interdito Proibitório : Ação movida pelo possuidor para proteger preventivamente a posse ante a ameaça de turbação ou esbulho.
Por isso a propriedade citada nos artigos 1.228° a 1.368° CC/02 consiste no direito que a pessoa, física ou jurídica, tem de usar, gozar e dispor de um bem ou reivindica-lo de quem injustamente o possua. Levando assim aos artigos 70° e 79° CC/02 que diz: “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” e “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.
É possível prever que o domicilio é inviolável e não pode ser tomado a força por outrem e que para isso equiparamos o primeiro verso do ultimo mandamento a eles, numa breve analise o artigo 5°,XXII CF/88 é garantidor do direito de propriedade onde a constituição assegura alegando que a casa é um bem inviolável e qualquer que seja a tentativa do próximo de obtê-la não conseguirá, pois o artigo 1.231° CC/02 diz: “A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”.
Um dos artigos que mais reforçam as informações bíblicas é o 1.228° CC/02, O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Sendo assim, o mandamento reforça-se com a frase final do mandamento “nem coisa alguma do teu próximo”, ou seja, mulher, casa, propriedade sobre animais, servos e servas. “Porque o Senhor é o nosso juiz, o Senhor é o nosso legislador, o Senhor é o nosso rei, ele nos salvará”. Isaias 33: 22.
Influencias da religião na conduta
Quando se questiona até onde vai a influencia da religião no direito, temos que sua representação forma o aprimoramento dos
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valores, dogmas e a formação da cultura de um povo, em muitas vezes inquestionável e impossível de se compreender sua extensão, por determinar condutas, esclarecer os problemas pessoais e impessoais. Mas no que se refere ao direito os mandamentos de Deus são os melhores exemplos para se explicar essa forte ligação com os dias atuais.
O versículo de Gêneses 9: 5-6 fala que "Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem." O que este verso quer dizer? Diz que:
· Deus indiretamente proíbe tirar a vida de alguém artigo 121° CP/40; · Deus diz que se alguém tirar a vida de algum homem, será morto pelos homens; · Se algum animal tirar a vida de algum homem, o animal será morto pelos homens; · Deus lembra que criou o homem à sua imagem.
O verso está em pleno acordo com o direito a vida quando nos fala que devemos resguardar nossas vidas no proposito da vontade e da liberdade pela condição natural do homem de sobreviver com dignidade e respeito pelos seus semelhantes, onde não há interrupção deste direito respaldado pelo artigo 25° CP/40; “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Em concordância com a analise o livro de Jó 24: 14 15 dizem: “De manhã o assassino se levanta e mata os pobres e os necessitados; de noite age como ladrão. Os olhos do adúltero ficam à espera do crepúsculo; ‘Nenhum olho me verá’, pensa ele; e mantém oculto o rosto”. Neste verso é possível ver claramente a descrição da conduta de um criminoso que diz “De madrugada se levanta o homicida”... , “e de noite se torna ladrão”... E o adultero fala “Ninguém me reconhecerá”. Pode-se dizer que Deus determinou cada detalhe psicológico do ser humano que age para cometer ações danosas ao próximo.
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As citações não se encontram distantes da realidade que a ciência do direito e a psicologia estudam, pois seus motivos e condutas não se modificam, pois sua constituição é a mesma buscando o mesmo fim embora que de outras maneiras sempre se repetem.
Falar que a religião é o meio que atrapalha a visão cientifica do direito e suas evoluções é errôneo, pois há vários versos bíblicos que comprovam o contrário deste argumento, porém deve-se observar que as afirmações equivocadas de muitos autores não os fazem enxergar esses erros.
No que vos fala a bíblica sagrada, Deus confirma, cumpre e expande a lei no livro de Mateus 5: 17 e 18, “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim revogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido”. Deus esclarece que veio para cumprir e fortificar a lei reforçando que frouxidão não será tolerável e reafirma a rigidez da lei.
Segundo a bíblia, a palavra de Deus, matar alguém estará sujeito a julgamento, aquele sem motivo irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento, por isso, no mesmo livro volta-se a ratificar que a frase que marcou o código de hamurabe Mateus 5: 38 diz, “Ouviste que foi dito: Olho por olho, dente por dente”. Testificando o grau de envolvimento da religião com a formação da sociedade e do direito.
Considerações Finais
Este trabalho tem por importância a visão positiva da evolução do homem em sociedade, criando formas e métodos de burocratização para modelos de comportamento a partir de seus costumes, valores morais e éticos e religiosos. A contribuição que vos deixo é para que seja repensado e que a origem de nossas leis possa ser vistos com olhares fundamentais baseados na eficiência e eficácia do direito na sociedade contemporânea como, por exemplo, o estudo sobre o código de hamurábe. Não se pode negar que tudo que foi posto aqui está enraizado em nossas tradições e que para incentivo futuro o tema é aberto a estudos.
Referencias Bibliográficas:
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NADER. Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 38. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
JUNIOR. N. Nelson, NERY. DE A. Rosa Maria. Manual de Direito Civil: Introdução – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Traduzido por Cabral de Moncada. 6.ed. ver. e ampl. Coimbra: Almento Amado Editor, 1979.
PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Best Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri.
WOLKMER. Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MOTA. Ivan Martins, BÔAS. Regina Vera V. Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
Código Penal 1940.
Código Civil 2002.
Constituição Federal 1988.
BIBLIA. Livro de Mateus 5: 17, 5: 28-30, Livro de Gêneses 4: 3-16, 9: 5,6 Êxedo 16: 23-30, Jó 24: 14, Mateus 5: 17-30. 33-48, Êxodo 20: 3-17.
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FACULDADE BARÃO DO RIO BRANCO - FAB
O PROCESSO LEGISLATIVO E OS LEGISLADORES DE LEIS
INJUSTAS
Rio Branco/Acre
2016
LUIZ FELIPE DE OLIVEIRA PINHEIRO VERAS
O PROCESSO LEGISLATIVO E OS LEGISLADORES DE LEIS
INJUSTAS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da FAB – Faculdade Barão do Rio Branco –, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Tutor Orientador: Joseney Cordeiro da Costa
Rio Branco/Acre
2016
@ VERAS, L.F.O.P., 2016.
VERAS, Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro. O processo legislativo e os legisladores de leis injustas. Rio Branco: FAB, 2016. 59f.
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor;
Veras, Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro, 1987-
O Processo Legislativo e os Legisladores de Leis Injustas / Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras --- Rio Branco, Ac: UNINORTE, 2016. 59f: 30mm. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Faculdade Barão do Rio Branco – FAB – União Educacional do Norte. Orientador: Prof. Esp. Joseney Cordeiro da Costa. Inclui referências 1. Direito. 2. Processo Legislativo. 3. Formação das Leis. 4. Lobby Parlamentar. I. Título.
LUIZ FELIPE DE OLIVEIRA PINHEIRO VERAS
O PROCESSO LEGISLATIVO E OS LEGISLADORES DE LEIS
INJUSTAS
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Graduação em Direito
da FAB – Faculdade Barão do Rio Branco –, como requisito para a obtenção do
título de Bacharel em Ciências Jurídicas, APROVADO, com nota final igual a (____)
_________, conferida pela Banca Examinadora, composta pelos professores.
__________________________________________________________ Professor Joseney Cordeiro da Costa
ORIENTADOR
__________________________________________________________ Professor Membro
MEMBRO DA BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________ Professor Membro
MEMBRO DA BANCA EXAMINADORA
Rio Branco, 01 de dezembro de 2016
A minha amada e querida mãe Maristela, pelo exemplo de dedicação e
perseverança, pelos ensinamentos passados e vindouros.
AGRADECIMENTOS
A minha estimada mãe, pela sua presença em minha vida, pelo apoio,
paciência e amor, imprescindíveis a mim, nessa difícil caminhada.
Aos grandes e inestimados amigos, em especial, Gregório Marino, Dayana
Farias, Victor Hugo Avancini, Thayline Silva e André Marques, parceiros que me
incentivaram, ajudaram-me na penúria e motivaram-me nas etapas finais deste
trabalho.
Aos colegas de curso, Marilson Macedo, Emerson Sousa, José Otávio,
Marcus Telêmaco, Cláudio Rossetto, Nara Rodrigues, Claudia Fernandes,
fundamentais para chegar a este momento de conclusão.
Ao meu orientador Joseney Cordeiro, pela confiança e paciência.
Aos meus professores, pela paciência, empatia e dedicação na transmissão
de seus conhecimentos.
A todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização desse trabalho.
“Os usurpadores provocam ou escolhem sempre esses momentos de agitação para, tirando proveito do terror público, decretar leis destrutivas que nunca o povo aceitaria se estivesse na posse de suas faculdades. A escolha do momento da instituição é um dos caracteres mais certos para distinguir a obra de um legislador da de um tirano”.
(Jean-Jacques Rousseau)
RESUMO
A preocupação com a qualidade das leis é milenar, a muito vem sendo objeto
de reflexão de diversas ciências como a filosofia, a política, a sociologia e o direito.
Grandes expoentes do pensamento dedicaram densos estudos à matéria,
conectando a lei com a virtude, a ética e com a realização da própria civilização.
Montesquieu, no Livro Vigésimo Nono, do clássico Do Espírito das Leis, já alertava
que a formulação e monogênese de uma lei sem o devido conhecimento de seu
conteúdo e de sua forma, iria produzir um fim contrário ao pretendido pelo seu autor.
O tema abordado neste estudo tem o objetivo de estudar a formação e evolução da
legislação no Brasil, considerando não apenas os atores institucionais e o processo
legislativo constitucional, mais também, a participação e influência da sociedade,
bem como a atuação de lobistas, buscando o reconhecimento dos interesses
envolvidos, a identificação dos agentes políticos e grupos da sociedade capazes de
influenciar no processo. Quanto ao método de pesquisa, foram realizadas pesquisas
documentais: documentos que podem ser encontradas em arquivos (públicos ou
particulares), bibliotecas, sites, etc., além de inúmeras análises bibliográficas.
Quanto ao método de abordagem, foi realizado um exame simultâneo dos
posicionamentos divergentes a respeito do problema central, com a finalidade de
constatar as eventuais diferenças e semelhanças entre os polos, além de
estabelecer as relações entre eles. Como resultado, verificou-se que a formação da
vontade do legislador é celetista, influenciável e discriminatória, cerceando minorias
oprimidas e privilegiando as classes sociais de maior poder econômico, concluindo o
trabalho, com a constatação de que a iniciativa legislativa apresenta vícios e os
projetos de leis são utilizados como referencial de atuação parlamentar.
Palavras-chave: Direito. Processo Legislativo. Formação das Leis. Lobby Parlamentar.
RESUMEN
La preocupación por la calidad de las leyes es antiguo, el tiempo ha sido
objeto de reflexión en diversas ciencias como la filosofía, la política, la sociología y el
derecho. Grandes exponentes del pensamiento dedicados a los estudios la materia
densa, que conecta con la ley, la ética de la virtud y el logro de la civilización misma.
Montesquieu, en la XXIX libro, el clásico El espíritu de las leyes, han advertido que la
formulación y monogénesis una ley sin un conocimiento adecuado de su contenido y
su forma, produciría una finalidad contraria a la prevista por su autor. El tema que se
aborda en este estudio tiene como objetivo estudiar la formación y evolución de la
legislación en Brasil, teniendo en cuenta no sólo los actores del proceso legislativo
institucionales y constitucionales, sino también la participación e influencia de la
sociedad, como también, de los grupos de presión que trabajan buscando el
reconocimiento de los intereses implicados, la identificación de los agentes políticos
y grupos sociales capaces de influir en el proceso. En cuanto al método de
investigación se llevaron a cabo estudios documentales: documentos que se pueden
encontrar en los archivos (públicos o privados), bibliotecas, sitios, etc., además de
numerosos análisis bibliográficos. En cuanto al método de enfoque, se realizó
examen simultáneo de las posiciones divergentes sobre el problema central, con el
fin de observar las diferencias y similitudes entre los polos, y para establecer las
relaciones entre ellos. Como resultado, se ha descubierto que la formación de la
voluntad del legislador es celetistas, influenciados y discriminatorias, hace un
compendio de las minorías oprimidas y que favorecen las clases sociales de mayor
poder económico, que completan el trabajo, con el hallazgo de que la iniciativa
legislativa tiene vicios y proyectos leyes se utilizan como punto de referencia para la
acción parlamentaria.
Palabras clave: Derecho. Proceso legislativo. Formación de las leyes. Lobby
parlamentaria.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS LEIS ................................................................. 14
1.1 AS LEGISLAÇÕES PRIMITIVAS ...................................................................... 14
1.2 AS LEIS NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA .......................................................... 15
1.2.1 A Lei na Grécia Antiga .................................................................................... 15
1.2.2 A Lex Romano ................................................................................................. 16
1.3 LEGISLAÇÕES MEDIEVAIS ............................................................................ 19
1.3.1 As leis Germânicas: da lei consuetudinária à romanística ......................... 19
1.3.2 O direito canônico .......................................................................................... 20
2 CONSTRUÇÃO DO LEGISLATIVO BRASILEIRO .......................................... 22
2.1 ASSEMBLEIA GERAL DO IMPÉRIO DO BRASIL ............................................ 22
2.2 CONGRESSO NACIONAL NA REPÚBLICA DO ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL ..................................................................................................................... 23
2.3 O LEGISLATIVO SOB A ÉGIDE DAS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E 1937 ..... 23
2.4 PARLAMENTO, PÓS-CONSTITUINTE DE 1946 ............................................. 25
2.5 O PODER LEGISLATIVO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ..................... 26
2.6 REFERÊNCIAS ESTRANGEIRAS ................................................................... 27
2.6.1 United States Congress ................................................................................. 27
2.6.2 Cortes Genereles da Espanha ....................................................................... 28
2.6.3 Parlement Francês .......................................................................................... 29
3 O PROCESSO LEGISLATIVO ......................................................................... 32
3.1 PRELEÇÕES DE JUSTIFICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS NORMAIS .... 33
3.2 AS FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO .................................................... 35
3.2.1 Pré-Legislativa ................................................................................................ 37
3.2.2 Legislativa ....................................................................................................... 38
3.2.3 Pós-Legislativa ................................................................................................ 39
3.3 O PROCESSO LEGISLATIVO CONSTITUCIONAL ......................................... 40
3.3.1 A Iniciativa ....................................................................................................... 40
3.3.2 Discussão ........................................................................................................ 41
3.3.3 Votação ............................................................................................................ 42
3.3.4 Sanção ou Veto ............................................................................................... 42
3.3.5 Promulgação e Publicação. ........................................................................... 44
3.4 CONTROLES DE LEGALIDADE ...................................................................... 44
4 ANÁLISE CRÍTICO-DESCRITIVA DO PROCESSO LEGISLATIVO ............... 47
4.1 REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NO PARLAMENTO ........................... 48
4.2 OS GRUPOS DE PRESSÃO ............................................................................ 49
4.2.1 Lobistas ........................................................................................................... 50
4.2.2 Grupos Empresariais ...................................................................................... 50
4.2.3 Grupos de Profissionais ................................................................................ 51
4.3 A TÊNUE LINHA ENTRE LEI JUSTA E INJUSTA ............................................ 52
4.4 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL ...................................... 53
CONCLUSÕES ......................................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57
12
INTRODUÇÃO
A sociedade, em sua mais longínqua concepção, sempre precisou adotar
regras, leis e normas para disciplinar suas relações intersubjetivas de convivência,
mercancia e até mesmo da própria organização estatal. Contudo este processo não
se deu de maneira linear e homogênea, poucos homens eram considerados
legitimados pelo grupo ou despertavam interesse por esta ciência. Assim, em
gênese, as comunidades tribais eram orientadas por conselhos de anciãos, chefes
de tribos, sacerdotes, e outros, que criavam as leis e ao mesmo tempo exerciam o
papel de “executivo/judiciário”.
O presente estudo é fruto do filosófico interesse em compreender o processo
legislativo, o que nos permitirá, através de uma concepção crítica, abordar os
elementos que incidem na produção das normas, e que, a nosso sentir, são
prejudiciais para o ideário que se quer firmar no Brasil de um Estado Democrático de
Direito, busca-se descobrir então, os principais fatores políticos que influenciam o
processo decisório no Legislativo brasileiro.
O propósito primordial do trabalho, é estudar a formação e evolução da
legislação no Brasil, considerando não apenas os atores institucionais e o processo
legislativo constitucional, mas também a participação e influência da sociedade, bem
como a atuação de ‘lobistas’, buscando o reconhecimento dos interesses envolvidos,
a identificação dos agentes políticos e grupos da sociedade capazes de influenciar o
processo.
Quanto ao método, utilizar-se-á prioritariamente, uma abordagem
metodológica de linha indutiva. Com a finalidade de expor os axiomas, que serviram
de premissas a serem analisadas, foram utilizadas pesquisas bibliográficas em
livros, jurisprudência e revistas especializadas sobre o assunto, no intuito de que
fosse elaborada uma reflexão sistemática, controlada e crítica, mediante a consulta
dos mais respeitados doutrinadores sobre o assunto.
Assim, o primeiro capítulo, proporciona uma exposição dos principais
acontecimentos históricos, que influenciaram a concepção que temos hoje, sobre o
processo legislativo. Aborda-se, através de saltos espaço\temporais, as mais
influentes compilações legais e suas inquestionáveis contribuições para a forma e o
modelo de nossas atuais legislações.
13
Já no segundo capítulo, abordar-se-á da construção do legislativo Brasileiro,
suas nuanças e particularidades, seus desafios e conquistas. Estuda-se o arquétipo
seguido desde a Assembleia Geral do Império do Brasil, até o modelo parlamentar
instituído pela carta constitucional de 1988. Faz-se também, neste capítulo, um
estudo comparado, das influências que as legislações estrangeiras tiveram para o
surgimento de nosso sistema congressual e consequente desenvolvimento da
legislação nacional.
O terceiro capítulo, tratará do processo legislativo em si, esmiuçando as
principais etapas a serem seguidas pelo legislador para a monogênese jurídica.
Nesta ocasião, por impossibilidade e inadequação com o estudo realizado, abordou-
se apenas as etapas constitucionalmente descritas para a criação de leis, e que, por
assimetria constitucional, são de observância obrigatória a todos os entes
federativos, logo, as particularidades de cada município, estado ou território, não são
abarcados pelo presente estudo.
Finalmente, no quarto e último capítulo, passou-se a uma análise critico-
descritiva do processo legislativo nacional, como se dá a representação e
participação no parlamento, a atuação de grupos de pressão, e os instrumentos de
avaliação institucionais que são utilizados em cada uma das fases de criação
legislativa. Ventilou-se ainda, através de uma abordagem filosófica simplista, embora
indispensável para a compreensão do tema, o que viria a ser uma lei justa ou
injusta.
14
1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS LEIS
1.1 AS LEGISLAÇÕES PRIMITIVAS
Para falamos sobre a origem das Leis, é preciso fazer algumas abstrações,
bem como voltar nosso olhar a tempos quase imemoriais, tendo em vista, que desde
criação do homem, teologicamente descrita no livro do gêneses, perpassando até as
conjecturas filosóficas do Barão de Montesquieu e seu mais celebre trabalho, “O
Espírito das Leis”, toda a vida e desenvolvimento civilizatório, serão regidos e
guiados por normas legais, ora criadas por deidades, reis, tiranos, parlamentares ou
diretamente pelo povo.
Como analisar pormenorizadamente as nuances embrionárias das leis é
tarefa colossal, e certamente inadequada para um trabalho monográfico, partiremos
de um axioma histórico/cientifico do Direito, a nos dizer que: As Leis escritas, tiveram
sua origem circunscrita à bacia da Mesopotâmia, através de codificações
cuneiformes, como o Código de Ur-Nammu (importante achado histórico datado de
aproximadamente, 2040 a.C.), as Leis de Eshnunna, de certa de 1930 a.C., as de
Lipit-Ishtar (1880 a.C.), bem como o Código de Hamurábi (1726-1686 a.C.), a mais
celebre codificação antiga, que veio a lume com as escavações realizadas pelo
arqueólogo francês, Jacques de Morgan, em 1902.
Traçando um perfil geral dessas legislações, aqui tidas como primordiais,
perceberemos que as leis de cunho penal, foram o ramo por excelência a se
materializar e evidenciar entres os povos, as leis criminais são ferramentas
longínquas de coerção da sociedade. A título ilustrativo da perversa crueldade legal,
o historiador e jurista Rodrigo Freitas Palma em sua obra História do Direito, cita o
seguinte exemplo:
“(...) era comum inserir no vasto rol penal a mutilação, a decapitação, a empalação, a crucificação, a flagelação, a morte na fogueira ou na forca, a impressão de marcas a fogo na pele das vítimas, o apedrejamento, o banimento, assim como a aplicação de uma série de “ordálios” ou juízos divinos, que consistiam em práticas adivinhatórias para verificar culpabilidade ou inocência do réu. Não raro, havia, como se sabe, a aplicação do princípio ou lei de talião e de penas pecuniárias das mais diversas. (...)” (Palma, 2011, p. 43).
15
Não obstante, no campo das leis civis, houve, igualmente, um acentuado
desenvolvimento, os antigos chegaram a desenvolver pactos que versavam sobre a
locação, o empréstimo, a doação, a compra e venda, o arrendamento, o penhor,
entre outros tantos negócios jurídicos. Só o campo processual que era pouquíssimo
desenvolvido, sendo que os procedimentos eram realizados na mais absoluta
improvisação, em geral, as leis eram bem simples, compostas por um prólogo, o
corpo de leis, e o epílogo, devendo-se atestar inclusive, que estes ritos não se
enquadravam na moderna acepção de lei, pois se encontravam em um estágio
inicial de desenvolvimento.
Deste modo, percebe-se que, nas legislações primitivas, embora houvesse
alguns tratados e códigos com leis extremamente avançadas para época, vigorava
primordialmente, leis absolutistas, sacramentais ou com viés consuetudinário, sem
qualquer preocupação cientifica ou metodológica.
1.2 AS LEIS NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA
1.2.1 A Lei na Grécia Antiga
Na Grécia, berço do pensamento racional, surgiram as primeiras
considerações de cunho filosófico e cientifico de que se tem notícia, bem como o
pensamento “jusfilosófico” é suas noções do que vem a ser justiça, justo e injusto
(ainda hoje utilizados), tornando o legado Grego de difícil mensuração; pensadores
da estirpe de Sócrates, Platão e Aristóteles se tornaram uma referência intelectual
para as gerações vindouras.
Entretanto, poucas são as informações sobre a legislação grega em períodos
distantes, sabe-se que a princípio, tratava-se de uma lei essencialmente oral,
consuetudinária, ritualista, alicerçada no culto aos antepassados e desenvolvida no
seio familiar. Consequência disso, é o desenvolvimento de uma consciência da
existência de uma lei eterna, imutável a reger o homem indistintamente, o que hoje
chamamos de “direito natural”; sendo-lhes creditado ainda, o mérito de terem
contribuído para o nascimento de uma noção incipiente de constitucionalismo.
Logo, quando se trata de estudar a “legislação grega”, não se pode jamais
perder de vista o fato de que inúmeras cidades-estados helênicas, eram regidas por
um ordenamento jurídico próprio, e gozavam de plena e ampla soberania. O
16
universo grego contava com unidades políticas completamente independentes umas
das outras. A lei para as gentes da Hélade era tão somente uma parte do regime de
governo da cidade. Não queremos dizer com isso, que os gregos viviam alheios as
questões legais, estes, detinham um sofisticadíssimo modelo de organização
judiciária e legal, havendo tribunais com competências jurisdicionais e legislações
completamente distintas, algo impar para época.
1.2.2 A Lex Romano
As conjecturas e bases da moderna legislação, emergiram em Roma. As
gentes do Lácio, deram ao fenômeno jurídico contornos e ares científicos. Foram os
romanos que desenvolveram, com maestria, no campo teórico e prático, as
principais leis e instituições jurídicas que conhecemos, desvinculando
definitivamente as leis e o processo do caráter sacramental que até então estas
detinham.
Como quase tudo no império Romano, as leis, normas e regras, nasceram
para dar uma solução prática aos conflitos gerados com as lutas entre os grupos
sociais, bem como, pelas diversas guerras de conquista. Roma dominava um vasto,
gigantesco e variado conjunto de povos, unidos por vínculos econômicos, políticos e
culturais, porém com colossais diferenças internas. Criar normas jurídicas que
abarcassem e permitissem a convivência de tão diferentes costumes e tradições,
tornou-se mais que uma necessidade, uma obrigação.
Porém o desenvolvimento do direito Romano, fora lento e gradual, tomando-
se como ponto de partida a Lei das Doze Tábuas (450 a.C.), houve um pequeno
aprimoramento com as leis votadas pelas assembleias, depois com os decretos
do senado e somente houve sua completa sistematização, no período do império,
com o fabuloso Corpus Juris Civilis.
A legislação romana então, era composta de três grandes ramos:
O jus civile (Direito civil), aplicável exclusivamente aos cidadãos de Roma; O jus gentium (Direito das gentes ou dos estrangeiros), conjunto de normas comuns ao povo romano e aos povos conquistados;
17
O jus naturale (Direito natural), que representava o aspecto filosófico do direito. Baseava-se na ideia de que o ser humano é, por natureza, portador de direitos que devem ser respeitados. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Legado_romano, acessado em 25/11/2015.
Após a queda do Império, em 476, a Europa acaba por retroceder no seu
desenvolvimento cientifico e cultural, o que ocasiona, com a assimilação da cultura
dos povos denominados bárbaros, um forte êxodo rural. Esse enfraquecimento das
cidades e consequente surgimento dos feudos, fatos que estão na base da Idade
Média, provoca uma repercussão imediata na monogênese do Direito. A lei deixa de
ser a principal fonte jurídica e sucumbe aos costumes, que ganham cada vez mais
projeção. Esse recuo ao passado é tão grande, que o direito escrito quase se esvaí
da Europa, ficando adstrito, tão somente ao Direito Canônico. Somente a partir do
século XII, haverá o reencontro dos europeus com o ordenamento jurídico Romano,
oportunizado pelo incomensurável Corpus Juris Civilis.
Rodrigo Freitas em seu livro História do Direito, diz-nos que: O Corpus Juris
Civilis recebeu essa designação, por volta do final do século XVI d.C., feito este,
imputado a Dionísio Godofredo1. Essa compilação seria a reunião das principais
codificações romanas: O Código, O Digesto, As Institutas e as Novellae (ou leis
novas):
a. O Código (Codex Justiniani), reunia as leis imperiais, e tinha o objetivo de
substituir o código de Teodosio.
b. O Digesto (Digesta ou Pandectas), era uma ampla compilação de mais de
1.500 (mil e quinhentos) livros escritos por jurisconsultos da época clássica.
Ao todo, forma um texto de mais de 150.000 (cento e cinquenta mil linhas)
linhas. Sendo ainda hoje, uma fonte básica para o estudo esmiuçado do
direito romano. Um teço do Digesto é retirado da grandiosa obra de Ulpiano.
c. As Instituições (Institutiones Justiniani) compõem um manual elementar, com
o propósito de ser ensinado. Obra muito mais clara e ordenada que o Digesto.
Foi redigida por dois mestre e professores, Doriteu e Teófilo, sob a direção de
1 Denis Godefroy (Dionísio Gothofredus, Paris, 17 de outubro de 1549 - Estrasburgo, 07 de setembro de 1622) foi um jurista, filho de Leon Godefroy, Senhor do Guignecourt. Ele fez a primeira compilação do direito romano, o Corpus iuris Civilis.
18
Tribiniano. Justiniano aprovou o texto e deu-lhe força de lei por volta do ano
de 533.
d. As Novelas (novellae ou leis novas). Servem para compilar as numerosas
constituições que Justiniano continua a promulgar mesmo depois da
publicação de seu Codex. (Palma, 2011, p. 87-88).
Tal compilação legislativa, apresentava diversas vantagens em comparação
às centenas de direitos locais existentes, começando por ser um direito
eminentemente escrito, enquanto as diferentes regiões da Europa Medieval ainda
usavam um direito fortemente consuetudinário. Ademais, era muito mais completo
do que os direitos regionais, abarcando numerosas instituições que a sociedade
feudal até então não conhecia. Fazendo dele um direito imperioso e necessário ao
progresso socioeconômico das regiões em oposição às já decadentes instituições da
Idade Média.
Em decorrência da dedicação e afeto romano, aos estudos jurídicos, os
principais códigos e sistema de direito do mundo contemporâneo, são derivados
precisamente do Romano-Germânico. Tanto é verdade que até mesmo o Sistema
de Direito e Leis Consuetudinário, a Cammon Law, não raro acolhe os princípios
latinos. Não seria de estranhar, pois, que mais de 1.445 artigos de nosso Código
Civil de 1916, como bem acentuou Moreira Alves, firmando-se na pesquisa de
Abelardo Lobo, têm, essencialmente base romanística.
Cumpre ressaltar, entretanto, que embora as legislações romanas sejam
apresentadas como o mais original produto da mente romana, a tradição literária
supõe, uma influência grega na experiência histórico-jurídica Romana. É de
conhecimento geral a clássica história sobre uma comissão constituída no ano de
554 a.C. por três patrícios que teriam sido enviados à Hélade para instruir-se com as
já célebres leis de Sólon. De fato, a alguma semelhança entre o direito grego e o
ramona. De qualquer modo, é preciso ser cuidadoso ao pressupor a penetração
ostensiva da legislação grega no sistema legal romano, devendo-se tê-la, neste
trabalho principalmente, como meramente ocasional e esporádica.
19
1.3 LEGISLAÇÕES MEDIEVAIS
Entende-se por Idade Média o período de tempo compreendido entre a queda
do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., e a tomada de Constantinopla pelos
Turcos, que ocorreu em 1453, com a queda do Império Bizantino.
Muitos imaginam a Idade Média como um período de pouca produção cultural
e durante bastante tempo essa época chegou até mesmo a ser desprezada pelos
estudiosos. O período da Alta Idade Média evoca na maioria das pessoas uma visão
de violência, desorganização política, desaparecimento da cultura intelectual,
chegando a ser conhecido, na língua inglesa, como “dark ages”, isto é, Idade das
Trevas.
Tal preconceito teve sua origem na época do Renascimento, quando os
pensadores, atraídos pela cultura clássica greco-romana, desprezaram tudo aquilo
que estivesse relacionado com a sua civilização.
Entretanto, essa visão não pode ser generalizada. A queda do Império
Romano e as invasões bárbaras de fato alteraram radicalmente a história da Europa
Ocidental, levando a uma grave crise econômica, política, social e cultural. Mas, por
outro lado, mesmo diante das precárias condições de vida da época, surgiu, pouco a
pouco, uma civilização que foi o berço de grande parte das instituições do mundo
moderno. A alta Idade Média testemunhou o gradual desaparecimento da
escravidão, substituída por um sistema de trabalho mais digno e viu a gestação das
bases de alguns Estados nacionais.
Assim, desmistificando a ideia de “Idade das Trevas” começa-se a perceber
que a Era Medieval foi fecunda em criações artísticas, filosóficas e realizações
jurídico-políticas, que tiveram profundo significado para a história da civilização.
Exemplo disso é que durante a idade média foram criadas as Universidades.
1.3.1 As leis Germânicas: da lei consuetudinária à romanística
Devido a pequena centralização e uniformidade legal, os Germânicos tinham
formações jurídicas calcadas na oralidade e no costume, com cada tribo dispondo
de uma tradição própria, característica do direito consuetudinário. No entanto, como
cultura dominante nos primeiros momentos do período medieval, mantiveram um
princípio de pessoalidade das leis, não impondo seu direito sobre os diferentes
20
povos, que mantiveram o estatuto de suas tribos de origem, permitindo com isso, a
sobrevivência do direito Romano.
Gilissen (2003, p 167) aponta a diferença entre o nível de evolução do direito
romano e dos povos germânicos como fator para a não imposição destes sobre
aqueles. Além disso, segundo o autor, os germânicos acabaram se beneficiando das
concepções de direito público dos Romanos, que reforçavam sua autoridade.
A desintegração do Império Romano deixaria muitas marcas na cultura
Germânica. As Leis outrora consuetudinárias começaram a receber as formas e
métodos de sistematização próprios de seus antigos dominadores. As leis
costumeiras foram, pouco a pouco, redigidas em latim. Logo foi percebida a utilidade
da lei escrita para a manutenção da estabilidade do grupo social, e os povos de
origem Germânica, se acomodaram a essa nova e insurgente realidade. A profunda
simbiose entre os direitos costumeiros trazidos por esses povos de índole belicosa,
que na época da conquista ainda viviam em tribos, acabou cedendo lugar ao
inevitável amálgama da latinização dos hábitos e das ordens sociais erigidas
segundo os moldes do cosmopolitismo romano. Iniciava-se assim a construção do
Sistema Romano-Germânico de Direito – a Civil Law.
1.3.2 O direito canônico
O direito canônico teve uma importância crucial na formação e manutenção
das instituições e da cultura jurídica ocidental, tendo assumido muitas das tarefas
públicas, sociais e morais do antigo império romano. A igreja era a força “espiritual”
de longe, mais importante e mais poderosa da idade média. Toda a reorganização
da vida legal europeia, com o desenvolvimento das cortes, dos tribunais, e das
jurisdições têm influência do direito canônico.
Foi a igreja a responsável, desde o início, pela fixação de um conceito de
direito, calcado na ética social e, sobretudo, na ética cristã. Tal importância fica clara
citando-se Wieacker (1967, p. 17):
A cristandade fixou desde o início o conceito de direito. Na medida em que a fonte de todo o direito não escrito – que arrancava da consciência vital espontânea – continuou a ser a ética social, e na medida em que toda a ética europeia continuou a ser, até bem tarde na época moderna, a ética cristã, a doutrina cristã influenciou o pensamento jurídico, mesmo quando o legislador e juristas estavam
21
pouco conscientes dessa relação. Através do cristianismo, todo o direito positivo entrou numa relação encilar com os valores sobrenaturais, perante os quais ele tinha sempre que se legitimar.
O Corpus Iuris Canonici, principal legislação do direito canônico permaneceu
em vigor até 1917, tendo sido composta de cinco partes, redigidas dos séculos XII
ao XV: Decreto de Graciano, Decretos de Gregório IX, Livro Sexto, As Clementiane,
Extravagantes de João XXII, Extravagantes Comuns (Gilissen, 2003, p 147).
Em termos de características, percebemos uma uniformização e centralização
do poder, bem como o reconhecimento de um sistema de recursos dentro do Direito
Canônico. No que se refere as regras processuais, podemos perceber um processo
de formalização e racionalização; fases processuais organizadas com clareza,
investigações e provas devendo conduzir a um convencimento do juiz, abolição das
provas irracionais (que eram mantidas e incentivadas no Tribunal da Inquisição). O
único retrocesso, deu-se com a de perda da celeridade processual, criando-se as
práticas dilatórias e a formalização de atos e prazo.
Atualmente, o diploma legal canônico de maior relevância é o Código de
Direito Canônico, promulgado pelo Papa João Paulo II em 25 de janeiro de 1983.
Esta codificação é o resultado dos esforços eclesiásticos no sentido de atualizar as
leis eclesiais perante as profundas transformações ocorridas no decorrer do século
XX. Enfatiza-se também, que muitas pessoas que professam o Catolicismo, por
absoluta questão de foro íntimo, continuam a recorrer às instâncias da Santa Sé.
22
2 CONSTRUÇÃO DO LEGISLATIVO BRASILEIRO
2.1 ASSEMBLEIA GERAL DO IMPÉRIO DO BRASIL
A Assembleia Geral do Império do Brasil, tinha poderes legislativos até
mesmo de reformar a Constituição (Constituição de 1824, artigos 174 a 178), bem
como competências não legislativas, como a de reconhecer o príncipe imperial como
sucessor do Trono, a de nomear tutor ao príncipe imperial, caso seu pai não
houvesse feito isso em testamento, o de eleger a regência ou regente, a de resolver
dúvidas quanto à sucessão da Coroa, a de autorizar o Governo a contrair
empréstimos e a de conhecer dos delitos cometidos por membros da família imperial,
por ministros e conselheiros de estado, assim como por seus próprios membros
(artigos 15 a 47).
O Imperador, por meio de seus ministros, possuía o poder da iniciativa
legislatória, porém sendo este personificação tanto do “poder moderador” como do
poder executivo, ele mesmo, exercendo as atividades de chefe do Executivo,
nomeava senadores a partir das listas tríplices; celebrava tratados, cuja ratificação
somente era submetidos a aprovação da Assembleia, quando este envolvessem
cessão ou troa de território do império ou de possessões a que o império tinha
direito, convocava ordinária e extraordinariamente, prorrogava e adiava a
Assembleia Geral, bem como dissolvia a Câmara dos Deputados convocando outra
que a substituísse, celebrava a guerra e declarava a paz, além de sancionar os
decretos e resoluções da Assembleia que só através deste procedimento, obtinham
força de lei (artigo 101). O imperador podia vetar expressamente ou tacitamente os
decretos por ele mesmo aprovados.
Em compensação, o imperador não podia sair do império sem o
consentimento da Assembleia Geral, sob pena de considerar-se haver abdicado à
Coroa (artigo 104). É seu ministro da fazenda tinha de expor na Câmara,
anualmente, um balanço das receitas e despesas do Tesouro Nacional do ano
antecedente (artigo 172).
23
2.2 CONGRESSO NACIONAL NA REPÚBLICA DO ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL
A luz do regime instituído pela Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil de 1891, os poderes do “Legislativo” então denominado Congresso
Nacional, foram sensivelmente ampliados. Além das competências que detinha no
regime anterior, outras foram adicionadas, tais como: reunir-se independentemente
de convocação e deliberação com exclusividade sobre a prorrogação e adiamento
das sessões (artigo 17); eleger o “presidente e vice-presidente da República” (na
presente ocasião Marechal Deodoro da Fonseca e com vice Floriano Peixoto), cada
qual entre os dois candidatos mais bem votados pelo povo (artigo 46); aprovar e
nomear os membros do Supremo Tribunal Federal, receber denúncias contra o
presidente da República e julgá-lo juntamente com os ministros de estados (artigo
52 e 53), resolver definitivamente sobre tratados bem como autorizar o Executivo a
declarar a guerra e fazer a paz (artigo 34). A única limitação de fato, era em relação
aos estados, nunca em relação ao Executivo, principio adotado até hoje.
O chefe do Executivo, continuava com o poder de apresentar projetos de leis
(artigo 29), sendo obrigatória a sua sanção os projetos aprovados pelo Congresso,
cabendo-lhes também, em termos quase iguais aos elencados na constituição
imperial, “contar anualmente da situação do País ao Congresso Nacional, indicando-
lhes as providências e reformas urgentes”, bem como seguia convocando
extraordinariamente o Congresso (artigo 48).
2.3 O LEGISLATIVO SOB A ÉGIDE DAS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E 1937
Sob o Regime da Constituição de 1934, os poderes do Legislativo foram
diminuídos em favor do Executivo, o desequilíbrio imposto ao bicameralismo, deu-se
na medida em que as mais importantes propostas legislativas, inclusive os projetos
de lei orçamentaria, não mais estavam sujeitos a revisão e a eventual veto de uma
segunda Câmara (artigo 91), sendo igualmente debilitado pela representação
profissional que disputava espaço com a representação popular nas casas, da
mesma forma, as competências dos estados e do Distrito Federal (Rio de Janeiro),
foram reduzidas em benefício do Poder Central.
24
O orçamento, passou a ser proposto pelo presidente da República, e as leis
tributárias, até então sobre a competência exclusiva do legislativo, passaram a ser
de iniciativa concorrente com o Executivo. Perdeu este também, a competência para
julgar o presidente, e os demais ministros de estado por crime de responsabilidade,
o legislativo se quer podia decretar a perda do mandado de seus membros. Tal
competência foi transferida para o recém-criado Tribunal Superior de Justiça
Eleitoral (artigos 33 e 89).
Já sobre o regime instituído pelo Constituinte de 1937, os poderes do
legislativo foram ainda mais visivelmente e drasticamente reduzidos para favorecer o
Executivo, do mesmo modo que as competências dos estados membros, foram
subtraídas para beneficiar o Poder Central. O parlamento só poderia funcionar por
iniciativa do presidente da República (artigo 39), como também ficou como
competência exclusiva do presidente, adiar prorrogar e convocar o Parlamento
(artigo 75), que, ressalte-se, só poderia deliberar sobre as matérias indicadas por ele
no ato de prorrogação ou convocação (artigo 39). Finalmente, por ato, único o chefe
do executivo poderia dissolver a Câmara dos Deputados (artigo 75).
Além disso, o domínio das leis de iniciativa do Legislativo, foi
incomensuravelmente limitado. Tais leis deveriam restringir-se a disciplinar de
maneira geral a matéria que constituiria seu objeto, dispondo apenas sobre os
princípios gerais, as normas mais especificas deveriam ser obrigatoriamente
editadas pelo Poder Central (artigo 11). Ressalta-se que nos períodos de recesso do
Parlamento e da dissolução da Câmara dos Deputados, o presidente da República
poderia, sem necessidade de autorização parlamentar alguma, expedir decretos-leis
sobre as matérias de competência legislativa da União, ou seja, este poderia expedir
livremente decretos-leis, sobre a organização do Governo, Administração Pública e
das Forças Armadas. Em primazia unânime, a iniciativa de lei cabia ao presidente.
Os membros de qualquer das casas, individualmente, não podiam mais apresentar
projetos de leis.
As competências legislativas foram restringidas ainda pelas atribuições do
Conselho da Economia Nacional. Este órgão poderia editar normas relativas à
assistência prestada pelos sindicados e normas reguladoras dos contratos coletivos
de trabalho (artigo 61). Igualmente a qualquer tempo, a ele poderiam ser deferidos,
mediante plebiscitos de iniciativa do presidente, poderes Legislativos sobre algumas
ou as matérias, de uma vasta gama elencada no artigo 63.
25
Por último, e sob uma perspectiva teórica, o controle do Legislativo sobre o
Executivo foi demasiadamente limitado, na medida em que foram suprimidas as
competências parlamentares de autorizar o presidente da República a se ausentar
para países estrangeiros, de julgar as contas e fixas os subsídios do chefe do
Executivo, bem como de criar comissões de inquérito. Na prática, nenhum controle
foi exercido, pois a Câmara dos Deputados e o Senado foram dissolvidos em 1937 e
assim permaneceram até 1946. Getúlio Vargas governou por decretos-leis até ser
afastados pelos ministros militares em 29 de outubro de 1945.
2.4 PARLAMENTO, PÓS-CONSTITUINTE DE 1946
Com a Constituição de 1946, reestabeleceu-se o equilíbrio entre Parlamento e
Executivo, assim como entre este e os poderes regionais, com consequente
fortalecimento do Congresso Nacional em relação ao presidente. Este voltou a se
reunir independentemente de ser convocado, (competência concorrente), sendo
suprimida o poder de dissolução das casas legislativas pelo chefe do Executivo.
Foi igualmente suprimida a limitação que o Constituinte anterior impusera ao
domínio da lei, assim como foram suprimidas as restrições à atuação dos
congressistas. O presidente fora proibido de legislar por decretos-leis e seu poder de
interferência diretamente no processo foi eliminado, suas competências voltaram a
circunscrever-se aos limites da lei. Com efeito, este novo ordenamento jurídico
introduziu uma novidade importante no campo da competência para legislar: a
criação de algumas leis passou a ser da competência exclusiva do Congresso, não
mais sendo os respectivos projetos enviado a sanção presidencial (artigos 66 e 71).
Os parlamentarem voltaram a ter iniciativa de lei em geral, embora o presidente
tenha mantido a exclusividade de iniciativa de lei orçamentaria (artigo 87). Ademais,
a abertura de créditos extraordinários passou a abarcar somente os casos de
“necessidade urgente e imprevista, comoção ou calamidade pública, além dos casos
de declaração de guerra (artigo 75).
No que concerte as demais funções, o Congresso recuperou a totalidade de
seus poderes e as competências do Conselho Nacional de Economia foram restritas
ao mero estudo da vida econômica do País e sugerir aos poderes competentes as
medidas que achar necessárias (artigo 205).
26
2.5 O PODER LEGISLATIVO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Sob o regime estabelecido pela Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, as relações de força entre o Legislativo e o Executivo e entre os
poderes regionais e o Poder Central foram mais uma vez equilibradas. Esse
equilíbrio, todavia, não alcançou os coeficientes verificados nos períodos 1891-1930
e 1946-1964.
Inicialmente, os titulares do poder de convocação do Congresso Nacional
foram mantidos os mesmo: o presidente do Senado, em caso de decretação de
estado de defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para
decretação de estado de sítio e de compromisso e posse do presidente e do vice-
presidente da República; o presidente da República, os presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal ou a maioria dos membros de ambas as câmaras,
na hipótese de urgência ou interesse público relevante (artigo 57 § 6º). Fora mantido
também, o bicameralismo atenuado ou monocameralismo mitigado, na medida em
que o orçamento continua a ser apreciado em reunião do Congresso Nacional
(artigo 166).
Do mesmo modo, os poderes Legislativos do presidente da República foram
conservados basicamente intactos, podendo este dispor livremente, mediantes
simples decretos (medidas provisórias), sobre diversas matérias, desde que não
implique aumento de despesas nem criação ou extinção de órgãos públicos. No
mais, o presidente da República continua podendo legislar por delegação, mediante
solicitação do Congresso Nacional e por meio de resolução que especifique seu
conteúdo e termos de seu exercício. Como ocorria sob os regimes instituídos pelas
duas Constituições imediatamente precedentes, não podem ser objeto dessa
delegação atos de competência exclusiva do Congresso Nacional e de cada um de
suas Câmeras, bem como legislar sobre organização do Judiciário e do Ministério
Público, carreira e garantia de seus membros, sobra nacionalidade, cidadania,
direitos individuais, políticos e eleitorais ou sobre planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias e orçamentos, também não pode visar a detenção ou sequestro de
bens, da poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro. A novidade trazida
pela Constituição de 1988 foi a inclusão das leis complementares entre as matérias
que não podem ser objeto de delegação (artigo 68).
27
Além disso, o presidente da República segue legislando por decreto, ainda
que com maiores limitações. Em caso de relevância e urgência, o chefe do
Executivo pode adotar medidas provisórias com força de lei. É sua prerrogativa
também, concorrentemente com um terço de deputados ou senadores ou ainda a
maioria das assembleias legislativas estaduais, iniciar reformas a Constituição
(artigos 61, § 1º, e 60), podendo ele atribuir urgência aos projetos de sua autoria,
caso em que essas propostas tem de ser apreciadas, primeiro na Câmara dos
Deputados e depois pelo Senado, no prazo de 45 dias em cada uma dessas casas.
Esgotados esse prazo sem deliberação, operação o travamento da Paula da casa
em que se achar tramitando a matéria.
Contudo, se, de um lado, o regime atual manteve a situação de diminuição
dos poderes legislativos do Congresso Nacional em favor do presidente da
República, de outro, o Legislativo conservou suas competências de controle do
Executivo e outras tantas lhe foram acrescentadas. O Congresso Nacional passou a
poder sustar os atos normativos do Executivo que exorbitem da competência
regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (artigo 49, V).
As comissões de inquérito encontram-se agora dotada de “poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais” (artigo 58, § 3º), o que implica
competência para, inclusive, decretar a quebra de sigilos bancários, fiscal, e
telefônico dos investigados. Tem o Congresso Nacional também, competência
exclusiva para a autorização de referendos ou a convocação de plebiscitos (artigo
49, XV), cabendo-lhes também, a escolha de dois terços dos membros do Tribunal
de Contas da União.
2.6 REFERÊNCIAS ESTRANGEIRAS
2.6.1 United States Congress
A constituição dos Estados Unidos concede todos os poderes legislativos ao
Congresso (Artigo I, Secção 1), segundo a qual “o Congresso terá o poder de fazer
todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes anteriormente
citados e todos os outros poderes concedidos por essa Constituição ao Governo dos
Estados Unidos ou a qualquer órgão ou agente dele”. Outras competências,
entretanto, estão espalhadas pelo texto constitucional, como a de propor emendas à
28
Constituição ou de convocar uma convenção para esse fim (Artigo V), a de admitir
novos estados na União (Artigo IV, Seção 3) e a de eleger o presidente e o vice-
presidente dos Estados Unidos em caso de impasse no colégio eleitoral (Emenda
XII).
Uma das mais importantes atribuições não legislativas do Congresso é a de
controlar o Executivo. O advise and consente do Senado é condição necessária às
nomeações presidenciais aos mais altos postos da República e à ratificação pelo
presidente, dos tratados e acordos internacionais (Artigo II, Seção 2).
Os poderes do congresso, porém, são expressamente limitados no Artigo I,
Seção 9 e em algumas emendas. Essa limitação, contudo, é somente em relação
aos estados e ao povo, nunca em relação ao Executivo. A Emenda X prevê que “os
poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, por ela não proibidos
aos Estados, são reservados aos estados respectivamente, ou ao povo.
Ao presidente dos Estados Unidos não são conferidos quaisquer podres
legislativos, ainda que por delegação congressual. Se quer é outorgado a ele
competência para encaminhar projetos de lei à House of Representatives ou ao
Senado. Em compensação, “todo o projeto de lei aprovado pelas casas, deverá,
antes de se transformar em lei, se apresentado ao presidente”.
A Constituição outorga ao presidente americano as prerrogativas de prestas
ao Congresso information of the state of the union e recomendar a sua consideração
as medidas que julgar necessárias aos expedientes.
2.6.2 Cortes Genereles da Espanha
Na forma da Constituição Espanhola de 1978, “as Cortes Genereles
representam o povo espanhol”, em ração do que “exercem o poder legislativo do
Estado, aprovam seu orçamento, controlam a ação do Governo” (Artigo 66).
Também são elas que proveem a sucessão da Coroa em caso de não haver
herdeiro da dinastia histórica (artigo 57). Elas detêm ainda o poder de reformar a
Constituição, apenas submetendo a reforma a referendo popular se requerido, no
prazo de quinze dias, por um décimo dos membros de qualquer das Câmaras (artigo
167).
As Cortes Genereles podem delegar ao governo poderes para editar leis
sobre certas matérias e num prazo determinado. São expressamente excluídas as
29
matérias que se incluem no domínio das leis orgânicas. Enquanto está em vigor uma
delegação legislativa, o Governo pode opor-se a qualquer proposição de lei ou
emenda que a contrarie. Nesse caso, porém, pode-se apresentar uma proposição de
lei que revoga total ou parcialmente a lei de delegação (artigo 84).
Além disso, “em caso de extraordinária y urgente necesidad”, o governo pode
editar “disposiciones legislativas provisionales”, que assumem a forma de “decretos-
leyes”. Esses decretos-leis, entretanto, não podem dispor sobre certas matérias e
devem ser submetidos imediatamente ao Congreso de los Diputados (artigo 86).
Ademais, concorrentemente com o Congreso e o Senado, o Governo tem
iniciativa legislativa e pode declarar urgência, assim como os projetos de lei por ele
propostos não estão sujeitos aos procedimentos de tomar em consideración no
Congreso (artigo 87 e 90). O governo tem exclusividade de iniciativa legislativa no
tocante ao Orçamento Geral do Estado e toda proposição de lei ou emenda que
implique diminuição das receitas ou aumento das despesas depende do
assentimento do Governo para sua tramitação (artigo 134).
Em compensação, o presidente do governo só pode ser nomeado pelo rei se
o Congreso de los Diputados, aprovar seu programa, é dizer, se o Congreso, lhe
outorga a confiança (artigo 99), se este a nega ou adota uma moção de censura, o
Governo e obrigado a apresentar sua demissão ao rei, que nomeia o sucessor
imediato. Afora isso, este ou qualquer uma das casas legislativas, podem criar
comissões de investigações sobre qualquer assunto de interesse público, as quais
têm poder convocatório (artigo 76).
Ademais, o Governo e cada um de seus membros têm de se submeter as
interpelaciones y perguntas que a eles são dirigidas no Congreso, e no Senado em
tempo semanalmente estabelecido para esse fim. As questões podem ser orais ou
escritas. Estas últimas devem ser respondidas, pelo mesmo meio, num prazo
máximo de vinte dias. As interpelações são questões mais amplas e visam não
apenas solicitar informações ao Governo, mas também a fazer uma crítica.
2.6.3 Parlement Francês
A Constituição de 1958 limitou sensivelmente os poderes do Parlamento. Este
ainda detém o poder legislativo, como o estabelecido no artigo 34: “A lei é votada
pelo Parlamento”. Mas esse artigo limita consideravelmente o domínio da lei. O
30
parlamento legisla sobre direitos civis e as liberdades públicas, o direto das pessoas,
o direito penal e o direito processual penal. Legifera também acerta das
organizações judiciária, dos impostos, da moeda, dos regimes eleitorais, dos
funcionários e das nacionalizações. Já no que concerne à organização da defesa
nacional, à administração das coletividades locais, ao ensino, ao direito de
propriedade, bem como ao direito do trabalho, sindical e securitário, apenas
estabelece princípios fundamentais. Todas as demais matérias, incluem-se no
domínio regulamentar do Governo (Artigo 37).
Além disso, o Governo pode solicitar ao Parlamento uma autorização para
tomar, por um tempo limitado e sob a forma de ordennances, medidas que
normalmente se inserem no domínio da lei (artigo 38) ou pode até mesmo editar
textos de lei sem prévia deliberação parlamentar, porém sob responsabilidade
política perante a Assemblée Nationale (artigo 49). Neste último caso, o texto é
considerado aprovado se nenhuma moção de censura, apresentada nas 24 horas
seguintes, for adotada pela Assemblée. No mais, cabe ao primeiro-ministro,
concorrentemente com os membros do Parlamento, a iniciativa das leis, podendo
até escolher a Assembleia em que o projeto começara sua tramitação.
Mesmo o poder dos membros do Parlamento de apresentar proposições ou
emendas sobre restrições. A iniciativa das leis de finanças, das leis da seguridade
social e das leis que autorizam a ratificação de ratados ou acordos internacionais é
exclusiva do Governo. De igual modo, não são admitidas proposições e emendas
parlamentares que resultem em diminuição das receitas públicas, criação ou
agravamento de despeças públicas (artigo 40). É inclusive, o Governo que faz o
controle da competência legislativa.
Os podres do Parlamento são limitados também pelas competências
concedidas ao presidente da República. Cabe ao presidente a decisão de submeter
a referendo popular, por proposta do Governo, projetos de lei sobre determinadas
matérias, contornando assim a competência do Parlamento (artigo 11). Além disso,
ele pode demandar uma nova deliberação sobre as leis a ele submetidas para
promulgação (artigo 10), podendo ratificar certos tratados e acordos internacionais
sem autorização do parlamento (artigo 53).
Em compensação, o Parlamento pode controlar o trabalho do Governo por
meio de comissões parlamentares de inquérito. Entretanto o instrumento mais
conhecido de controle do Governo são as “questions ou Gouvernment”. Como
31
ocorre nas Cortes Genereles espanholas, “uma reunião plenária por semana, pelo
menos, é reservada prioritariamente às questões dos membros do Parlamento e às
respostas do Governo” (artigo 48). Os deputados podem ainda, apresentar um
moção de censura, que somente será recebida se apoiada por no mínimo um
décimo dos membros da Assemblée Nationale. Adota uma moção ou desaprovado o
programa de governo, o primeiro-ministro deve remeter ao presidente da República
a demissão do Governo (artigo 50). O presidente, porém, não é obrigado a acatá-la.
Além disso, os membros do Governo e o presidente da República são
passíveis de julgamento pela Alta Corte de Justiça, constituída de seis deputados,
seis senadores e três magistrados, os primeiros são julgados por atos praticados no
exercício da função qualificados como crimes e os últimos, por alta traição mediante
resolução aprovada pela maioria absolta das duas Assembleias (artigos 68, 68-1 e
68-2).
32
3 O PROCESSO LEGISLATIVO
Por processo legislativo, compreende-se o conjunto de atos (iniciativa,
emenda, votação, sanção e veto), efetivados pelo legislativo, buscando a formação
das leis, sejam estas constitucionais, complementares, ordinárias ou mesmo
decretos do poder legislativo. Nas palavras do mestre José Afonso da Silva (SILVA,
2003, p. 521), é um conjunto de atos preordenados visando a criação de normas do
Direito.
Entretanto, o objetivo deste capítulo é analisar criticamente o processo de
formação das leis em seus planos dinâmicos e operacional2, procurando responder:
quais são os critérios que amparam as discussões sobre leis no congresso? Quais
as pressões e variáveis que atuam na formulação de uma lei? De que maneira o
legislador recebe as informações sociais (fatos), interpreta (no plano axiológico) e os
normatiza, concluindo o processo de positivação daquela demanda? Em outras
palavras, quais são os critérios utilizados pelo legislador para cunhar uma lei?
FARIA (1977, p. 20) afirma que esse processo é fundamentalmente uma
relação entre o Direito e o poder:
“(...) a monogênese jurídica, resultante de uma correlação fundamental existente entre o direito e poder, atinge um de seus momentos culminantes num ato constitutivo e prescritivo de escolha de um sentido de comportamento dotado de validade objetiva. Ou seja, o momento extado da conservação de certas preferências individuais em coletivas, com fins a serem atingidos. ”
.
REALE JUNIOR (2000, p. 19), dissertando sobre o tema, salienta que:
“(...) o direito institucionalizado, via comandos normativos, o proibindo e o permitindo (...) O Estado (legislador) como centro do poder, ao estabelecer as normais, sofre o impulso das influências sociais e históricas, mas, instaurando os seus comandos, nestes s absorve e supera, definindo-as em função de situações concretas. ”
De plano, percebe-se que há inúmeros caminhos a trilhar, hipóteses a
confirmar, diversas premissas que podem ser contestadas. Partirei, entretanto, do
2 Segundo Díez Ripollés (2013:15), há duas abordagens possíveis ao se analisar o processo legislativo: um descritivo – que chama de dinâmico ou operacional, “capaz de describir y analizar criticamente el concreto funcionamento del proceder legislativo”, e um prescritivo, que “deve estabelecer los contenidos de racionalidade qe han de ser tenidos necessariamente em cuenta em todo proceder legislativo”.
33
axioma de que a lei não é uma expressão da vontade geral, da opinião pública, mas
uma expressão da vontade política como um ato de poder; tendo em vista que, a
chamada opinião pública não representa a opinião de todas as pessoas, nem se
quer de uma maioria. Admite-se assim, o arbítrio irracional do legislador, ideia já
externada nas palavras de RECASÉNS SICHES (1965, p. 703), “toda ordem jurídica
positiva em geral, e cada norma jurídica em particular, se inspiram em determinadas
valorações”.
Com isso, mais do que a busca por uma resposta exata, definitiva e concreta,
este capítulo tem o objetivo modesto, de fomentar o debate sobre a formação das
leis e seus trâmites processuais junto ao poder Legislativo e suas duas câmaras
representativas.
3.1 PRELEÇÕES DE JUSTIFICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS NORMAIS
Para que se possa debater de forma adequada o processo de formulação das
leis, deve-se discutir alguns dos dogmas que fundamentam o Direito moderno. O
primeiro deles é o da racionalidade do legislador, sobre o qual se baseia, em
princípio, toda a construção do Direito. Pressupõe este, que a elaboração das leis, é
por definição, uma ação racional e que, portanto, é função da doutrina sistematizar e
interpretar as leis de forma adequada.
Para delimitar o conceito de racionalidade do legislador pátrio, imprescindível a síntese de LOPES (2002, p. 227).
“(...) na dogmática jurídica coloca-se sempre em destaque a figura do legislador, atribuindo-lhe as características da impessoalidade, da onisciência, imperecível, consciente, coerente, omnicompreensível, preciso (...). Porém, o legislador não é um distribuidor de justiça, senão um organizador e um pacificador (...)”.
Nesta mesma acepção, REALE JÚNIOR assevera:
“(...) inúmeros são os obstáculos a serem ultrapassados para se ter a garantia de racionalidade. O primeiro situa-se na própria lei, tendo em vista os fins a que o legislador, muitas vezes dominados por motivações irracionais, por interesses circunstanciais irrelevantes, além do fato de as expressões linguísticas serem vagas e equivocadas, mormente as expressões abertas, os conceitos indeterminados a que mais repetidamente se recorre, cuja completude depende de forma intensa da contribuição do intérprete”. (Reale Júnior, 2004, p. 227)
34
Logo, a racionalidade pode assim ser entendida, como a legitimidade dos fins
escolhidos pelo legislador em termos de certo e errado. Um ato legislativo é
irracional quando não está justificado eticamente, seja por ilegitimidade ética do
criador da norma, seja pela ilegitimidade de seus fins. Nesse sentido, busca-se
satisfazer a exigência de CANOTILHO (1984, p. 843), para quem um modelo de
regulação jurídica deve analisar e propor a “positivação de um ‘direito justo’’’. É,
portanto, uma análise que requer o estabelecimento de uma fonte de referente.
Outro dogma é o império da lei. Toma-se como premissa o consenso
científico acerca do protagonismo da lei no Estado Moderno, ou, na formulação de
DÍEZ RIPOLLÉS (2003, p. 67), da lei como expressão da vontade geral
democraticamente expressa.
Contrapondo-se ao tema, CANOTILHO (1984, p. 834), leciona:
“(...) há uma mudança nas fundações da lei que acompanhou a trajetória do Estado de Direito liberal para o Estado de Direito democrático-social, pois as leis se convertem em medidas simbólicas, cartazes de propostas políticas motivadas não por uma razão geral e abstrata, mas por uma razão instrumental – o que chama de “jurisdição da política”, compondo a crise da lei com aumento quantitativo e decréscimo qualitativo da legislação e levando a perda da racionalidade e da eficácia da produção normativa (...)”.
Nesta mesma linha doutrinária, FARIA (1999, p. 154), expõe:
“(...) o direito positivo do Estado-nação já não dispõe mais de condições para se organizar quase exclusivamente sob a forma de atos unilaterais, transmitindo de modo “imperativo” as diretrizes e os comandos do legislador. Com o advento do fenômeno da globalização, cada vez mais este direito tem sido obrigado a assumir feições de um ato multilateral cujo conteúdo, exprimindo vontades concordantes em torno de objetivo comuns, resulta de intrincados processo de entendimento que se iniciam antes de sua propositura parlamentar ou de sua edição pelo Executivo, muitas vezes, no momento de sua aplicação”.
Prontamente percebe-se, que a aceleração das mudanças valorativas sociais
e a efetiva aplicação dos princípios constitucionais - que dissolveu as algemas da lei
expressa -, além do empenho arbitrário de um legislativo irracional, são elementos
que demonstram uma crise no dogma do império da lei. Afinal, a escolha entre uma
lei efetivamente boa e uma escancaradamente ruim sempre será política, já que
35
uma legislação que ultrapasse os setecentos artigos, chegando a ser um labirinto,
pode talvez ser aprendida e adotada pelos juízes mais não pelos cidadãos.
Há de se elencar também, que a constante ocorrência de comoções públicas
e a exposição sistemática da criminologia midiática, instigada em discursos
eleitorais, alteram o fluxo de influência e o cenário político que culminam na gênese
legislativa ainda que a fotografia dos valores socialmente vigentes em uma
sociedade não deve ser suficiente para a legitimação de uma norma.
3.2 AS FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO
Manuel Atienza, um dos maiores juristas da atualidade, buscando facilitar a
análise do processo legislativo, formulou um modelo dinâmico próprio, que
fragmenta as etapas da monogênese legislativa em três fases: pré-legislativa,
legislativa e pós-legislativa, que embora generalizadoras, assumem uma função
didática que servirá como ponto de partida para uma análise mais aprofundada no
presente trabalho.
De acordo com o modelo, cada uma das fases do processo está circunscrita
por ocorrências que marcam o seu começo e o seu fim. Na fase pré-legislativa por
exemplo, o aparecimento de uma demanda social age como marco inicial e a
proposição de um projeto de lei, como seu marco final. A fase legislativa começa
com a recepção do projeto de lei pela burocracia legislativa e finda com a sanção
desta. Por fim a fase pós-legislativa inicia-se com a vigência formal da lei, acabando
somente quando há a proposta de uma nova lei que a altera, ou revoga. Portanto, a
variação de uma etapa para outra é percebida pelo seu grau de institucionalização.
FASES Pré-legislativa Legislativa Pós-legislativa
Início Alegação de um problema social
Recepção ou alegação de um problema por um órgão legislativo
Entrada em vigor de uma lei
Operações Intermediárias (simplificadas)
- Análise do problema;
- Determinação de
objetivos;
- Propostas de
Realização de operações de
acordo com sua regulação jurídica, na medida em que
exista:
Exame de adequação da lei
em suas dimensões:
- Linguística;
36
meios legais e não legais para
alcançar o objetivo;
- Justificação ética do objetivo e dos
meios.
- Análise do problema;
- Determinação de
objetivos;
- Propostas de meios legais
(conteúdo da lei)
- Justificação ética do objeto e dos
meios.
- Análise linguística,
sistemática e pragmática;
- Redação do texto
articulado.
- Sistemática;
- Pragmática;
- Teleológica;
- Ética.
Fim Proposta de uma solução legislativa
Promulgação de uma lei
Proposta de modificação da lei
Conhecimento e técnicas utilizadas para o controle da
racionalidade
Métodos científicos conhecimento
objetivo disponível, critérios e regras de argumentação prática racional
Controle de legalidade diretrizes
legislativas, técnicas de
implementação, análises de custo-benefício, técnicas
de redação de documentos,
dogmática e teoria do Direito.
Estudos sobre o impacto das
normais jurídicas, técnicas de
implementação, dogmática jurídica,
investigações empíricas.
Tabela 1 – ATIENZA (1997, p. 69); PAIVA (2009, p. 77)
Ressalta-se ainda, que para o autor esse processo é cíclico, retroalimentado,
tendo em vista que, o resultado de cada fase leva a uma operação posterior, mas
que repercute (ou pode repercutir) na fase legislativa anterior até a edição definitiva
da norma.
37
3.2.1 Pré-Legislativa
A fase pré-legislativa é entendida como o momento em que uma demanda
social surge e é absorvida, de alguma forma, pela burocracia legislativa. Assim, de
um processo natural (surgimento da demanda) passa-se a um processo burocrático
(adequação de uma demanda social em um molde específico, o formato jurídico).
Apreende-se do enunciado, que uma demanda social só conseguirá figurar na pauta
de possíveis demandas estatais caso se transfigure em um projeto de lei.
Este projeto por sua vez, inegavelmente será o produto de um
empreendimento, que consiste em alguém chamar a atenção do público para as
matérias que considera problemáticas e direcionar esforços para que este seja
personificado no bojo normativo vigente. Atualmente, diversos grupos que
representam as minorias sociais (segmentos populacionais, que sofrem processos
de estigmatização e discriminação, originando diversas formas de desigualdade e
exclusão sociais) – negros, indígenas, imigrantes, mulheres, homossexuais, idosos,
portadores de deficiências, pessoas com certas doenças – diuturnamente encapam
campanhas e movimentos, buscando aprovar projetos de leis que consolidem seus
direitos.
O próprio parlamento, buscando dar uma maior efetividade aos diversos
anseios da sociedade criou a CDHM - Comissão de Direitos Humanos e Minorias -,
que tem como principais atribuições avaliar e inquirir denúncias de violações de
direitos humanos; debater e votar projetos de lei referentes à esta temática; cuidar,
zelar e discutir os assuntos alusivos às minorias étnicas e sociais, a preservação e
proteção das culturas populares e étnicas do Brasil, dentre tantas outras.
Desse modo, imperativo, fixar o momento em que os interesses sociais
surgem e de que forma eles atuam quando impulsionam a criação de uma lei. O
início desse processo, para DÍEZ ROPOLLÉS (2003, p. 20), seria a percepção, por
um agente social, da falta de relação entre uma determinada situação econômica ou
social e a devida resposta legal.
O oferecimento de um projeto de lei não é – nem poderia ser – a simples
transmissão de uma demanda social aos mecanismos de análise legislativa com
relação a técnica legislativa, constitucionalidade e interesse público. É um momento
de decisão, sujeito aos cálculos de oportunidade decorrentes do cenário político,
38
incluindo as alianças, a necessidades de pauta do Estado Executivo e outros
elementos presentes na definição da agenda parlamentar.
Com isso, pode-se definir essa etapa, como sendo o primeiro exercício do
poder de escolha legislativa reservada de forma monopolista ao Estado. Com efeito,
é nesse momento que o legislador escolhe uma demanda social em particular, entre
as muitas que se apresentam, e a concretiza em um projeto de lei. É justamente o
momento em que o legislador transforma as vontades individuais (suas ou de algum
grupo) em uma possível regra de conduta social que terá, caso aprovada na próxima
fase legislativa, status de meta de Estado.
3.2.2 Legislativa
Uma vez proposta, o caminho de um projeto de lei no congresso varia de
acordo com as circunstâncias e conjuntura em que é apresentado: a pertinência
política da proposta, o apoio explícito ou não das bancadas de apoio ao Governo,
afinal, quanto mais significativa a maioria do Governo no Congresso, maior é a
capacidade do Executivo de influir na fase legislativa.
Não é preciso aqui externar o fato de as leis demandarem um profundo
estudo e apreciação no momento de sua elaboração, votação ou discussão, porém
não é de mais ventilarmos os ensinamentos de LEAL (2006, p. 107):
Tal é o poder da lei que sua elaboração votação ou discussão, reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei equipara-se com aqueles que estão acondicionando materiais explosivos. As consequências do desleixo e da imperícia não serão tão espetaculosas, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis.
Assim, o legislador para facilitar sua tarefa cunhou, mesmo que através de
costumes, uma trilha básica. Todos os projetos de leis, ao chegarem no Parlamento,
serão distribuídos a uma das duas casas congressuais, segundo a sua origem, são
lidos no período de Expediente da sessão, e são despachados, pelos Presidentes,
para uma ou mais comissões, segundo as competências dessas, com o intuito de
serem analisados e receberem um parecer. Uma vez emitido o parecer, o projeto é
enviado à Mesa Diretora para sua leitura, é numerado e tem início o prazo de cinco
dias úteis para que os senhores deputados ou os senhores senadores possam
39
emendar a mesma. Caso não existam emendas, o projeto está pronto para ser
incluído na Ordem do Dia, a fim de ser discutido e votado em turno único ou duplo a
depender do tipo de projeto de lei.
A grande dificuldade nesta fase, é que a pauta de votação é organizada em
cada uma das casas pelos respectivos presidentes, e sua inclusão na ordem do dia,
fica inteiramente à mercê de interesses políticos partidários. O controle de
Ministérios e cargos em empresas públicas e a liberação de emendas parlamentares
estão entre as ferramentas utilizadas pelo Executivo para manter a coesão dos
parlamentares, agilizar suas pautas e obter os votos em matérias essenciais (e,
muitas vezes impopulares, como, por exemplo, a criação de tributos). Uma
aprovação mais célere só surge quando o grupo de líderes das bancadas (principal
órgão de decisão do congresso), entabula acordos que modificam ou adaptam o
projeto, possibilitando a criação de um texto “aceitável” para a maioria dos
congressistas.
3.2.3 Pós-Legislativa
Nos termos do modelo analisado, trata-se do momento de avaliação dos
efeitos da criação normativa, que perdura até o momento em que se questiona a
adequação da lei à realidade social.
Deve-se ter em conta que se trata, de maneira geral, de um momento
legislativo não-institucionalizado. Não há, no Brasil, um procedimento institucional de
análise e acompanhamento das leis que entram em vigor. A avaliação da lei é feita
pelo Poder Judiciário mediante provocação, seja pela via da Ação Direta de
Inconstitucionalidade, seja pelo controle difuso. Já o Poder Executivo e o Poder
Legislativo podem sugerir trabalhos de avaliação legislativa para responder a novas
pressões – seja por agentes sociais influentes, seja por setores da Administração
Pública, ou ainda por organismos paraestatais.
Nesta fase, os legisladores pátrios deveriam comparar os custos com os
benefícios sócias que provavelmente resultarão da proposta legislativa. Estudar
quem são os ganhadores e os perdedores, antecipando com isso futuros obstáculos
na aceitação e implementação da lei. Afinal de contas, no Brasil as normas de modo
geral, não só são dificilmente questionadas com relação aos seus fundamentos ou
sua eficácia, como também funcionam como uma bandeira permanente no sentido
40
do reforço da repressão legalista. Não se verifica, na maioria dos crimes, redução
nos índices após a edição de leis, o que por si já indica sua inocuidade. A lei,
simplesmente concorre para o agravamento de um problema bastante sério – a
superpopulação prisional.
3.3 O PROCESSO LEGISLATIVO CONSTITUCIONAL
A criação de normas primárias, instituidoras de direitos e criadora de
obrigações é função típica do Poder Legislativo. O art. 59 da Constituição Federal
elenca as etapas que devem ser seguidas para a instituição dos mais diversos tipos
normativos. Assim, o conjunto de atos que um projeto de lei deve cumprir para se
tonar uma norma de direito é objeto de regulamentação na Constituição bem como
por atos internos de ambas as casas ou do Congresso Nacional. Estes preceitos
constitucionais básicos, ressalte-se, são normais de observância obrigatória para as
constituições estaduais e leis orgânicas (princípio da simetria).
Os parlamentares têm o direito público subjetivo à observância do devido
processo legislativo, podendo impetrar mandado de segurança quando forem
desrespeitadas as normais constitucionais referentes à elaboração das espécies
normativas que o integram. Uma das hipóteses de cabimento se verifica quando há
proposta de emenda tendente a abolir cláusulas pétreas (CF, art. 60 § 4º). Neste
caso, diante da potencial gravidade dessas deliberações, a vedação constitucional
se dirige ao próprio processamento da emenda, impedindo a deliberação acerca da
proposta. O processamento viola a um só tempo a Constituição e o direito dos
parlamentares que dela participam.
3.3.1 A Iniciativa
O processo de criação legislativa é deflagrado por meio da iniciativa,
faculdade atribuída pela Constituição a certas pessoas ou órgãos para apresentar
projetos de lei.
Constituição Federal, art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos
41
Tribunais Superiores, ao Procurador Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
Percebe-se do exposto que a regra geral é a iniciativa comum, na qual a
legitimidade para iniciar a gênese normativa, sobre determinada matéria, não é
conferida com exclusividade a um único titular. As hipóteses de iniciativa exclusiva
são elencadas de modo taxativo no texto constitucional (numerus clausus) e por
terem caráter excepcional, não comportam a presunção nem aceitam interpretações
extensivas.
3.3.2 Discussão
Após seu oferecimento, o projeto é discutido nas comissões, - as quais são
responsáveis pelo examine da constitucionalidade e do teor normativo - e no
plenário de cada uma das casas do Parlamento, sendo ao final, emitido um parecer
técnico. Nesta etapa, podem ser formuladas pelos parlamentares, emendas
(correições/ratificações) aos projetos, porém, o STF3 entende que a emenda deve
guardar pertinência com o projeto inicial, prevenindo com isso fraudes ou
desvirtuamentos.
Em razão da estrutura bicameral do Congresso Nacional, qualquer alteração
substancial feita por uma das casas (via emenda) deve necessariamente ser
analisada pela outra, conforme preceitua a Constituição Federal em seu artigo 65.
CF, art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará a Casa iniciadora.
Como regra, somente a parte alterada será apreciada, e não a integralidade
do projeto, uma vez que sobre o restante já houve a concordância da Casa
3 Supremo Tribunal Federal: ADI 574 (RDA, 197/229), em especial o voto do Ministro Sepúlveda Pertence: “O poder de emendar a projetos de lei pressupõe, a meu ver, a pertinência entre o tema da emenda e a matéria objeto do projeto. Caso contrário, a emenda representaria, na verdade, uma nova iniciativa (grifo nosso). ” O caso cuidava da validade de norma acrescida no Congresso a projeto de iniciativa do Presidente da República. O projeto regulava antecipação dos efeitos de revisão de vencimentos. A norma acrescentada por emenda parlamentar tratava de pensão militar e sua ordem de prioridade.
42
iniciadora. As emendas apresentadas, não poderão ser alteradas por novas
emendas.
3.3.3 Votação
Findo o período de debates, segue-se a votação, que deverá seguir o quórum
estabelecido especificamente para a proposição que fora debatida. Inexistindo este,
a proposição será aprovada por maioria simples, conforme preceitua a constituição:
“CF, art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada
Casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria
absoluta de seus membros”.
Em regra, a votação do projeto de lei ocorre no plenário de ambas as Casas.
Todavia, quando o regimento interno dispensar a competência deste, a votação
poderá ser feita nas comissões, salvo recurso de um décimo dos membros da casa
(CF, art. 58, §2º, I). O quórum mínimo para instalação da sessão é de maioria
absoluta, regra geral para as deliberações da Câmara, do Senado e de suas
comissões. Assim, para que seja atendido, é necessário a presença de mais da
metade dos membros do órgão na qual a deliberação será tomada.
Não existe aprovação de projeto sem sua respectiva votação, o processo
legislativo não prevê hipótese de aprovação pelo transcurso do tempo, porém, este
pode ser acelerado, por solicitação do Presidente, nos projetos de sua iniciativa.
Caso seja rejeitado, o projeto de lei será arquivado (CF, art. 65), e só poderá ser
deliberado na mesma sessão legislativa, mediante iniciativa da maioria absoluta dos
membros de ambas as casas congressuais.
3.3.4 Sanção ou Veto
O Chefe do Executivo toma parte no processo legislativo quando realiza a
iniciativa de provocar o Parlamento a deliberar, como também, ao ser chamado
para, concluída a votação, sancionar ou vetar o projeto. A deliberação do Presidente
é o momento final da fase constitutiva. Sua participação se justifica pela ideia de
inter-relação entre os poderes do Estado, com o intuito de realizar um controle
recíproco.
43
A sanção, que consiste na aquiescência do Presidente ao projeto de lei,
sendo o meio pelo qual o projeto parlamentar se transforma efetivamente em lei,
pode ser expressa ou tácita, conforme preceito constitucional:
CF, art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. § 1º. Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. (...) § 3º. Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
Já o veto - irretratável discordância do Presidente aos termos de um projeto
de lei -, deve ser expresso, sendo feita uma análise da constitucionalidade do projeto
ou na contrariedade ao interesse público, conforme normativa constitucional:
CF, art. 66, § 1º. Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
O veto não é absoluto, pois existe a possibilidade de o Congresso Nacional
rejeitá-lo, mantendo o projeto original que votou. Para tanto, exige-se maioria
absoluta dos deputados e dos senadores, em votação secreta, dentro dos trinta dias
posteriores ao seu recebimento, nos termos da CF, art. 66, § 4º. Há também,
diversos limites a serem observados no veto. Só pode haver a rejeição integral do
projeto (veto total) ou de parte dele (veto parcial), nunca um acréscimo ou uma
adição. O veto parcial deverá abarcar todo o texto de artigo, inciso, parágrafo ou
alínea, não existindo a possibilidade de incidir apenas sobre determinadas palavras
ou expressões.
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3.3.5 Promulgação e Publicação.
A promulgação é o ato que atesta a existência da lei e garante a sua
executividade. O Chefe do Executivo, por meio da promulgação, ordena a aplicação
e o cumprimento da lei. A Constituição Federal, em seu artigo 66 diz: CF, art. 66, §
5.º, se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao
Presidente da República.
Nas hipóteses de sanção tácita (CF, art. 66, § 3.º) ou de rejeição do veto (CF,
art. 66, § 4.º), se em quarenta e oito horas o Presidente da República não promulgar
a lei, tal ato deverá ser realizado pelo Presidente do Senado, se o mesmo não o fizer
em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente daquela Casa concretizá-lo (CF, art. 66, §
7.º).
A fase derradeira do processo legislativo ordinário é a publicação, ato que
confere obrigatoriedade e fixa o exato momento da entrada em vigência da lei. Seu
papel é dar conhecimento a todos de que a ordem jurídica foi inovada, prevenindo
assim, a alegação de ignorância da lei. A publicação ocorre com a inclusão do texto
promulgado no Diário Oficial.
3.4 CONTROLES DE LEGALIDADE
O princípio da separação dos poderes é um dos marcos do constitucionalismo
moderno. As divergências entre as primeiras formulações teóricas da ideia, na
segunda metade do século XVIII, entretanto, já antecipavam a impossibilidade de
concretizá-la de forma unívoca. Os mais de dois séculos de experiência
constitucional subsequente se encarregaram de confirmar essa hipótese, registrando
não só importantes trânsitos de sentido do princípio da separação de poderes como
também refutações veementes do mesmo.
Dieter Grimm4, lembrando a teorização kelseniana acerca do controle das leis,
a muita já afirmava que: “uma constituição que trate do processo legislativo sem
atentar o seu efetivo cumprimento, por parte do Legislador, careceria, no seu ponto
de vista, de validade. Não seria nada mais que um (desejo não vinculante) ”.
4 Dieter Grimm (nascido em 11 de maio de 1937 em Kassel, na Alemanha) é um jurista alemão, foi juiz do Tribunal Constitucional Federal Alemão.
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No Brasil, em regra, utiliza-se o controle repressivo, mas existe a
possibilidade de um controle preventivo. Este controle se dá na hipótese em que um
projeto de lei ou um projeto de emenda constitucional (PEC) apresentam uma
violação ao devido processo legislativo constitucional. Existindo violação ao devido
processo em alguma das etapas da monogênese jurídica, qualquer parlamentar
pode impetrar um Mandado de Segurança.
O Supremo Tribunal Federal entende o regular tramite procedimental da
atividade legislativa como matéria interna corporis e, nesse sentido, como
modalidade específica da doutrina das “questões políticas”. Esse entendimento
consiste, em última análise, na negação ou, na melhor das hipóteses, no indevido
cerceamento do direito ao devido processo legislativo que, quando invocado é
reconhecido apenas aos titulares 5 do mandado eletivo. O espaço de
discricionariedade que remanesce reservado às legislaturas atende não à
hierarquização dos poderes estatais, mas ao equilíbrio entre eles. A independência
do espaço no qual se institucionaliza a formação da vontade política, por sua vez,
não é uma simples garantia institucional do Parlamento, mas uma garantia do
próprio regime democrático.
De qualquer modo, a afirmação de uma jurisdição constitucional como
garante da supremacia da constituição não poderá significar uma ruptura com o
princípio da separação dos poderes. Dessa forma, a intervenção judicial em
decisões do Poder Executivo ou Legislativo deve ser justificada em termos
“estritamente” jurídicos como antevia Tocqueville.
As casas Legislativas não estão dispensadas de observar a constituição ou a
legislação em geral, nem tão pouco o regimento interno. Hely Lopes Meirelles6
(1993, p. 287) entendia, por essa razão, que a infringência do processo legislativo
permitia a impetração de mandado de segurança por parte do parlamentar,
“prejudicado no seu direito público subjetivo de votá-lo regularmente”.
5 O MS 24.642-DF é um bom exemplo da posição prevalente na Corte. Nessa oportunidade, o tribunal reafirmou sua jurisprudência e reconheceu a legitimidade ativa do parlamentar para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. O acórdão frisa, ainda: “legitimidade ativa do parlamentar, apenas”. (Rel. Min. Carlos Velloso - Diário da Justiça, 18.06.2004, p. 45) 6 Veja-se, a este respeito, o MS-1.959-DF, Rel. Min. Gallotti: “Desde que se recorre ao judiciário alegando que um direito individual foi lesado por ato de outro Poder, cabe-lhe examinar se este direito existe e se foi lesado. Eximir-se com a escusa de tratar-se de ato político seria fugir ao dever que a Constituição lhe impõe.
46
É mister lembrar, entretanto que, não cabe em sede de mandado de
segurança a análise da inconstitucionalidade do conteúdo do projeto de lei, mas sim
dos aspectos processuais/formais do projeto de lei. Neste sentido já se pronunciou a
Suprema Corte em diversos julgados: No Mandado de Segurança o pedido não deve
ter como finalidade analisar o conteúdo do projeto de lei, é sim analisar se o rito foi
obedecido, independente do conteúdo. Deste modo, ainda que o conteúdo do
projeto de lei seja claramente inconstitucional (projeto de lei estabelecendo pena de
morte), tal ação, não cabe para discutir o conteúdo da norma, se o projeto de lei foi
apresentado corretamente, o trâmite foi correto e o quórum também, não tem jeito,
deixa o projeto virar lei. É somente depois, impetra-se um Ação Direita de
Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei.
Em suma, tanto no momento de sujeição às comissões de uma das Casas
legislativas, quanto no momento do veto, pode ocorrer o denominado controle
político preventivo de constitucionalidade das leis. Inicialmente, as Casas
congressuais têm no seu arranjo interno as chamadas Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania. Tais órgãos aferem o projeto em tramitação, emitindo um
parecer acerca da sua constitucionalidade, porém se concluírem pela
inconstitucionalidade, o projeto é arquivado. A propósito, no caso específico das
medidas provisórias, o art. 62, § 5º, da Constituição da República, dispõe
expressamente que cada Casa Parlamentar fará juízo prévio sobre o atendimento de
pressupostos constitucionais. Já o poder Executivo pode participar do controle da
legalidade das normas jurídicas, através do Veto presidencial, propondo ações de
inconstitucionalidade - detém legitimidade ativa -, determinando a
inaplicação/descumprimento de lei inconstitucional ou atuando junto a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, para anular seu trâmite.
47
4 ANÁLISE CRÍTICO-DESCRITIVA DO PROCESSO LEGISLATIVO
Descritiva, mesmo que crítica (mostrando como as leis são feitas) e um
proposta prescritiva (mostrando como as leis deveriam ser feitas – o que não
significa, de maneira alguma, que as duas abordagens sejam excludentes. A teoria
da legislação inclui momentos descritivos e prescritivos, pois não teria muito sentido
formular propostas sobre como deva ser o Direito sem que se saiba como ele
efetivamente é.
A proposta desse capítulo é descrever o processo legislativo no Brasil,
mediante a análise das nuances e articulações de interesses, seja da elite ou das
massas, que fazem, com que, grupos ou indivíduos passem a ser veículos,
instrumentos ou ponto referenciais do tecido social, aglutinando e harmonizando
demanda, mobilizando recursos e decidindo que caminhos e instrumento adotar
para a defesa de interesses e criação de leis.
Cumpre, de início conceituar o que seja “grupo”, “interesse” e “pressão”:
“Grupo”, para efeito do estudo das ciências sociais, foi sinteticamente definido pelo sociólogo americano Albion Small7, como: um conjunto de pessoas cujas relações devem ser consideradas em conjunto”. “Interesse”, no âmbito do nosso tema, seria o desejo constante de que a política governamental – tanto na esfera legislativa quanto nas esferas executiva e judicial – tome determinado rumo, conforme Lapalombara8. Ou ainda, que dela (a política governamental) seja extraída posição que favoreça determinado grupo ou segmento social. “Pressão”, no Dicionário Aurélio Buarque de Holanda9, pode ser uma “influência constrangedora e coercitiva”.
Isto posto, passemos a análise cuidadosa de cada uma das nuances da
construção legislativa.
7 Citação de Albion Small, transcrita por G. Duncan Mitchel in Novo dicionário de sociologia. 8 Transcrição de conceituação de Joseph G. LaPalombara feito por Harry W. Erhmann. Enciclopédia internacional de ciências sociais, edição espanhola, Madri, Aguilar, 2009. 9 Holanda, Aurélio Buarque de, in Novo Dicionário. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2003.
48
4.1 REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NO PARLAMENTO
A relação entre a lei e a vontade popular é um pressuposto teórico da
democracia representativa e fonte da legitimação do próprio estado de direito, vale
dizer, cada vez mais damos ao estado, por meio da lei, ingerência sobre nossas
vidas e negócios, entretanto, não podemos considera-la como um fato quase divino,
promulgada por um legislador sem face, sem história e sem interesses vinculados à
dinâmica social e política concreta.
Representação, pode ser entendida assim, como o conjunto de relações
existentes entre os cidadãos e seus representados políticos eleitos. Nos regimes
democráticos, e é essa uma de suas características definidoras, o povo é o detentor
da soberania política e a usa para conferir, via mandato, poderes a alguns que
agiram em seu nome em funções de governo, em vista de seus interesses.
Foi o surgimento da ideia de representação que tornou viável as democracias
contemporâneas, uma vez que vivemos em sociedades grandes complexas e
diversificadas, nas quais o exercício da democracia direta, ao estilo das polis gregas,
seria tanto impossível como indesejável, uma vez que não se prestaria à discussão
e análise dos intrincados temas da modernidade.
Tal noção presume que, sendo o mandato uma delegação, ele pertence, por
princípio, aos eleitores, que podem concedê-lo ou revoga-lo. Implica, ainda, que os
mandatários devem agir em nome e no interesse de seus representados e a eles
prestarem conta. No entanto, a forma e o grau com que essa delegação é feita e
exercida variam muito, sendo objeto de antiga controvérsia, no mais, o abismo entre
Governo e sociedade, entre eleitor e eleito, parece estar a cada dia aumentando.
A constituição brasileira vigente procurou inserir no desenho institucional do
estado mecanismos de participação direta da sociedade em decisões de governo,
como a consulta popular, por meio de plebiscitos e referendos, e a instituição de
conselhos de política e de orçamento participativo, no entanto, o funcionamento do
congresso nacional é muitas vezes repleto de práticas e procedimentos complicados,
divididos em várias etapas, envolvendo diversos agentes, em ambientes formais e
informais de decisão, não raro a definição das matérias a serem levadas ao Plenário
das Casas e mesmo acordos sobre seu conteúdo são feitos em encontros que não
são formalmente convocados ou divulgados e dos quais participam, além dos
Líderes ou Deputados por eles designados, outros parlamentares interessados na
49
matéria ou que desempenham alguma papel em sua tramitação, como Relatores, e
negociadores do Poder Executivo.
Tudo isso, inviabiliza a efetiva participação cidadã no processo legislativo é
este, não se dará por inércia do próprio sistema vigente. As mudanças só haverão
de ser conquistadas pela crescente conscientização dos cidadãos e por
reinvindicação da sociedade.
4.2 OS GRUPOS DE PRESSÃO
A ação de grupos sobre o processo político não é fato recente na história da
humanidade. Os sistemas políticos desenvolvidos na Antiguidade, já o conheciam.
Na Idade Média, as corporações profissionais e de mercadores foram organizadas
na Inglaterra, Suécia e Suíça, objetivando maior participação no processo decisório
de suas respectivas comunidades. No século XIX, as ações de grupos de pressão,
sobre o sistema político foi aumentada em decorrência do surgimento de novos
setores econômicos, da organização dos trabalhadores em entidades sindicais e do
fortalecimento do Estado.
O processo político da época seria então, o resultado da permuta/barganha
entre grupos díspares. A gama de interesses agrupados nos inúmeros segmentos
da sociedade ultrapassava, em muito, o universo das instituições partidárias,
entidades até então criadas para o exercício direto do poder.
A atuação organizada de grupos de pressão sobre o Poder Legislativo no
Brasil é comprovada desde o século passado. Mário Santos Augusto10, em tese de
mestrado sobre o papel da Associação Comercial da Bahia, entidade fundada em
1811, aponta vários casos em que a entidade atuou em defesa dos interesses de
seus associados e de entidades coirmãs perante o Congresso Nacional da Primeira
República.
10 Santos, Mário Augusto in Associação Comercial da Bahia na Primeira República. Um grupo de pressão. Associação Comercial da Bahia, Salvador, 1991 (2ª edição). Mario Augusto detalha diversas ações de defesa de interesses do empresariado baiano perante o Congresso Nacional após a Proclamação da República. Apresentando casos específicos e transcrevendo correspondências, Mário Augusto comprova o processo de influência sobre a tramitação de projetos de lei.
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4.2.1 Lobistas
Lobbiying é a prática de influenciar decisões governamentais por meio de
agentes que servem a interesses específicos. A palavra tem origem no século
passado, quando grupos de interesses, desejosos de influenciar decisões
legislativas, tendiam a reunir-se nas antessalas (lobbies) do Congresso e das
assembleias estaduais. É utilizada hoje, em sentido amplo, para incluir todo esforço
destinado a influenciar qualquer decisão governamental.
Ou seja, Lobismo, é a pratica exercida por grupos organizados, seja de
movimentos “sociais”, de empresários, instâncias político-partidárias e outros, para
agir através de pressão política sobre as instituições do Estado na busca de
influenciar no processo legislativo e na propositura e aprovação de projetos de lei e
assemelhados de interesses desses grupos. Formados com falsa ideia de dar o
devido assessoramento ao corpo legislativo, por serem mais bem preparados,
compondo um corpo autodenominado de “especialistas”, para abordar, defender ou
atacar determinados assuntos que tramitam nas Casas Legislativas e ao fim e ao
cabo conseguirem aprovar leis que os favoreçam.
Na esfera política do Brasil, o lobismo é visto como uma atividade suspeita,
normalmente associada à corrupção. Mas não deveria ser. Deveria ser isto sim,
regulamentada. Nada melhor que ouvir as razões e interesses dos lobistas, pois
estes interesses podem sim, ser de interesse da sociedade. Um meio de transporte
mais eficiente, um novo sistema de saúde ou de educação podem sim favorecer à
sociedade. Nada melhor do que ouvir, de forma transparente, o que os interessados
na implantação da nova solução têm a dizer para que se possa avaliar sua utilidade.
4.2.2 Grupos Empresariais
Já em meados dos anos 70, algumas entidades empresariais buscavam o
Congresso para a defesa de seus interesses, ainda que de forma esporádica.
Durante os anos de autoritarismo, os empresários perceberam que era muito mais
rápido, eficaz e eficiente, ativar uma autoridade superior ou um “amigo do rei”,
deram-se conta de que, o trato com o poder legislativo era imperioso não apenas
para buscar influir no processo decisório ou abri canais de comunicação com o
51
poder Executivo mais também para obter elementos e informações valiosos para a
gestão estratégica dos seus setores e empresas.
Individualmente, ou por meio de suas associações, empresas privadas,
sempre constam entre os mais assíduos usuários dos instrumentos do lobby no
Brasil. Conforme a natureza dos problemas que enfrentam e a amplitude dos seus
interesses, algumas delas atuam em Brasília; outras, nas capitais estaduais, outras,
perante as administrações municipais, colocando-se sempre, diante de qualquer
autoridade com poder decisório sobre as matérias que lhes dizem respeito.
No plano nacional, empresas preferem contratar lobistas profissionais,
habituados a cultivar o bom relacionamento com parlamentares e hábeis
funcionários, que transmitiram as reivindicações de seus clientes. Outras sociedades
– em particular, aquelas com presença mais ativa perante a sociedade e a opinião
pública – optam por agir diretamente, por meio de seus dirigentes, afinal, dirigentes
de associações empresariais são bons alvos para serem cultivados; em particular,
em momentos pré-eleitorais, quando apoios e aparências de prestígio são
importantes.
Na prática, o lobby das empresas costuma limitar-se a reinvindicações
setoriais, ora identificadas e aproximadas, ora divididas, pela natureza das
atividades representadas, ou pela importância econômica de cada empresa, ou pela
origem (nacional ou internacional) de seu capital – embora, em época de
globalização, essa matéria já se torne despicienda –, ou pela maior ou menor
dependência de favores do Estado.
4.2.3 Grupos de Profissionais
Os grupos de profissionais são formados por entidades representativas de
profissionais liberais e trabalhadores de maior qualificação, tais como advogados,
médicos, arquitetos, juízes, promotores de justiça, entre outros.
Com exceção da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, que é um caso à
parte dentro do universo dessas entidades, pois frequentemente opina e influencia o
andamento de projetos de lei, ou em debates no legislativo – as demais entidades
profissionais somente atuam com maior intensidade quando matérias relacionais
com seu interesse profissional estão sendo decididas no Congressos. Mesmo sendo
entidades tradicionais e possuindo algumas delas recursos e capacidade de
52
mobilização, os grupos profissionais tendem a atuar transitoriamente e
especificamente.
Por exemplo; para regulamentar uma profissão requer-se apenas um grupo
de pressão disposto a agir – o que sempre pode representar preciosos votos. A
relevância da profissão não é importante, como pode ser visto em vários, entre as
dezenas de projetos de lei, em tramitação no Congresso, a qualquer momento dado,
com o fim de regulamentar outras profissões ainda não incluídas em lei. Na prática,
é quase impossível obter do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) uma lista
sistemática das profissões regulamentadas. Uma coisa, porém, é certa: cada
profissão regulamentada constitui um grupo de interesses específicos. Seus
membros mantêm-se em geral quietos, mas estão sempre atentos e são
perfeitamente capazes de entrar em ação diante de qualquer ameaça de abrir-se a
não qualificados o acesso ou a prática da respectiva atividade.
4.3 A TÊNUE LINHA ENTRE LEI JUSTA E INJUSTA
Quase sempre falamos que isso ou aquilo e ou não é justo. Quando se trata
então da criação de leis, o que mais se fala é que a mesma foi justa e atendeu os
anseios da sociedade ou que sua criação foi injusta e altamente direcionada por
grupo social especifico. Porém, será que de fato, no mundo atual conseguimos
discernir o justo do injusto. Aliás, algum dia efetivamente foi possível definir o que
pode ser considerado justo e o que pode ser considerado injusto?
S. Tomás de Aquino (SD), no “Tratado da Lei”, afirma que “as leis dadas pelo
homem aos homens, ou são justas ou são injustas”. Para serem justas terão que ter
três condições: “Razão do seu fim – Devem dirigir-se ao bem comum; Razão do seu
autor – Não podem ultrapassar o poder de quem as institui; Razão da sua forma -
Devem ser igualitárias para todos”.
“As leis podem ser injustas, desde que se oponham ao bem humano, ao
violarem qualquer das três condições, consideradas como justas”.
O conceito de justiça sempre foi polêmico e um eterno objeto de estudos
científicos, pois o seu conceito, quando e se encontrado, está em perene
modificação, acompanhando os rumos da sociedade. De acordo com Kelsen, esse
conceito, muda conforme os valores sociais dominantes, de acordo com as
“representações ou conceitos que os homens, no presente e no passado,
53
efetivamente fazem e fizeram daquilo que eles chamam justo, que eles designam
como justiça”. (Kelsen, 1998, p.16).
Esta polêmica indefinição, ao menos nos país que adotam a Civil Law como o
Brasil, parecia ter sido superado com o axioma da devida aplicação da norma
jurídica, ou seja, a Justiça somente é alcançada mediante a devida aplicação da
norma jurídica. De maneira muito simplista esta é a tese sustentada pelo positivismo
lógico. Tomando como referência essa tese, não importa se a lei é boa ou má, se
devidamente aprovada e em consonância com o Ordenamento Jurídico, a norma
jurídica deve ser aplicada ao caso concreto e aí estará sendo feita a justiça.
Então, em um primeiro momento, o sentido do justo, é definido como o que
está de acordo com a lei ou convenção da comunidade política; enquanto em um
segundo momento, é definido como o que é igual. O injusto é, por oposição, definido
em seu primeiro momento como o que é contrário a lei ou à convenção, e em
segundo como o que é desigual.
É mister esclarecer, que uma lei injusta, não é uma má lei. Sócrates inclusive
morreu ensinando: “É preciso cumprir as leis (sentenças) injustas, para que os
cidadãos não se neguem a cumprir as justas”.
O que é justo para uns, pode não ser justo para outros. O que é bom para
mim, pode não ser o melhor para outro. Somos todos diferentes, mas uma vez que
compartilhamos todos os mesmos espaços (o planeta terra) há a necessidade de
criar leis comuns que permitam a convivência pacifica de todos. Mas mesmo que
algumas leis sejam comuns a todos e na maioria aceitas, é evidente que como
somos todos diferentes e o planeta está dividido em muitos espaços, as leis
modificam-se conforme a cultura de cada um. E o que vale num lado, já não vale no
outro.
4.4 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
A discussão e avaliação das proposições legislativas no Congresso Nacional,
deveria ser é uma etapa extremamente importante nas instituições das políticas
públicas, e dos programas governamentais, que na maior parte das vezes só podem
ser implementados após a aprovação e o início da vigência de lei federal. Essas
iniciativas afetam a vida de todos os residentes no País em áreas como educação,
saúde, segurança pública, meio ambiente e mercado financeiro. Além disso, tais leis
54
impõem condições às organizações privadas, aos governos estaduais e municipais,
enfim, a cada cidadão e à economia como um todo.
Tal a importância que na Inglaterra, existe um órgão criado pelo Parlamento
Britânico11, cuja função e garantir que as leis sejam justas, modernas, simples e
eficientes, no sentido de alcançarem o objetivo desejado com o menor custo
possível.
Apesar de haver assessores técnicos especializados em diversas áreas no
Congresso Nacional Brasileiro, há a necessidade de padronizar a realização de uma
avaliação sistemática de determinados projetos legislativos, principalmente daqueles
que mais influenciarão a vida dos cidadãos. Dentre as ferramentas que poderiam ser
utilizadas destaca-se: as avaliações legislativas, realizadas antes ou depois da
implementação da lei, com o fim de antecipar o seu impacto ou verificar sua
efetividade; as consultas à sociedade, realizadas com o objetivo de assegurar a
transparência do processo e a ampliação da participação, em benefício da eficácia e
da efetividade da lei; e a utilização de técnicas apropriadas de redação legislativa,
desenvolvidas com o fim de garantir clareza e coerência a norma.
A experiência brasileira, entretanto, mostra que, apesar de existirem alguns
projetos elaborados com base em fundamentos técnicos, não há um modelo
sistemático para avaliação das preposições tampouco o assunto é abordado com
frequência na literatura acadêmica, tanto jurídica quanto econômica.
11 British Law Comission (http://www.lawcom.gov.uk)
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CONCLUSÕES
Cumpre, nesse momento, apresentar as conclusões pontuais a que se
chegou ao longo do trabalho, tomando por base o método de análise proposto:
1) A definição dos objetivos da lei é feita pela Constituição Federal, o que
implica em concluir que o texto constitucional deve ser o parâmetro da racionalidade
ética a orientar o legislador ordinário. Essa vinculação do legislador ao texto
constitucional tem dois aspectos: formal, em decorrência da hierarquia das normas;
e material, determinado pelos princípios fundamentais do Estado brasileiro.
2) O processo de criação das normas é, em última análise um ato de poder do
Estado, que transforma uma demanda individual em coletiva. Nesse contexto, a
mediação entre as demandas individuais e o poder estatal configura-se no aspecto
central de todo o processo de administração dos conflitos por meio do sistema
jurídico.
3) Os grupos sociais vinculam um desajuste social a uma necessidade de
intervenção jurídico, fundando-se no consenso de que uma lei que determine
sanções aflitivas é uma melhor forma de intervenção estatal.
4) Para que uma demanda por uma lei se transforme efetivamente em um
projeto de lei e seja assim encaminhada a burocracia estatal, deve haver ações
reivindicatória por parte de um agente social, com capacidade de tornar pública a
sua demanda de forma crível. Essas condições estão distribuídas de forma
assimétrica na sociedade.
5) O interesse político para a apresentação de um projeto de lei que importe
na criação ou no aumento de penas aflitivas ou na expansão do âmbito de controle
social, baseadas em interesses indiscutivelmente pessoais, é constante e elevado.
6) A probabilidade de sucesso de um projeto de lei, é diretamente
proporcional ao interesse do Poder Executivo em apoiar a respectiva matéria, bem
como é extremamente aumentada pela ocorrência de um crime de repercussão
nacional.
7) Em se tratado de projetos de lei oriundos de casos com grande
repercussão nacional, a discussão de mérito no Congresso é deliberadamente
ignorada, com o propósito declarado de atender rapidamente aos anseios da opinião
pública.
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8) Não existem instrumentos de avaliação institucional a posteriori, de leis
editadas no Brasil, capazes de verificar o mérito da intervenção jurídica em contraste
com seus objetivos declarados. A existência de um controle dessa espécie poderia
desestimular a formulação de propostas com objetivos essencialmente ocultos, pois
uma avaliação institucionalizada se daria necessariamente sob a perspectiva dos
objetivos declarados e, assim, uma lei poderia ser considerada insatisfatória ainda
que seus objetivos ocultos fossem atingidos.
9) A lei passa a representar a possibilidade de parlamentares agradarem seu
público eleitor de forma a garantir sua reeleição, afinal, todos os grupos sociais
pleiteiam a inclusão da sua demanda na lei que determina os bens mais caros ao
Estados, e o meio político não suporta desgaste de enfrentar a sociedade punitiva.
10) As avaliações das leis estão restritas ao meio acadêmico e ao Judiciário,
a quem resta, o papel de conformador a posteriori, da legislação ordinária aos
termos da Constituição Federal.
11) Se o estado quer punir aquele que errou deve, antes de tudo, educa-lo,
pois a “quem muito é dado, muito poderá ser cobrado”.
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