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FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 26 DE JUNHO DE 2009 | DIÁRIO DO NORDESTE8 |CADERN03

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FILMOGRAFIA

O que é isso companheiro?(1997) - Dirigido por BrunoBarreto, o filme foi indicadoao Oscar de melhor filmeestrangeiro. O roteiro foiparcialmente baseado no livrode Fernando Gabeira, escritoem 1979. Selton Mello temum papel pequeno.

O Auto da Compadecida(2000) - Primeiro grandesucesso cinematográfico deSelton Mello. O filme, exibidoanteriormente na televisão noformato de minissérie, ébaseado na obra de ArianoSuassuna.

Lavoura Arcaica (2001) -Baseado no livro de RaduanNassar, o filme marca aestréia no cinema de LuisFernando Carvalho. SeltonMello é André, rapaz quepossui uma paixão platônicapela irmã (Simone Spoladore)e entra em conflito com o pai(Raul Cortez).

O Cheiro do Ralo (2005) -Mais um filme de Mellobaseado em uma obraliterária, desta vez umromance de LourençoMutarelli. Lourenço (Mello) éum comprador arrogante quese apaixona pela bunda deuma garçonete (Paula Braun).

Meu Nome Não é Johnny(2008) - Filme conta ahistória verídica de JoãoGuilherme Estrella, jovem daclasse média carioca que viratraficante. Mello é JoãoEstrela, em um de seus filmesde maior sucesso.

ENTREVISTA

SELTON MELLO*

"Eu me sintomuito bemquando posso irde um extremoao outro"

Apesar de você já terinterpretado papéisdramáticos em filmesdensos e trabalhos de TV ,o público o associa muito atrabalhos cômicos. Seuafastamento da televisão eum maior engajamento nocinema é alguma tentativade fugir dessesestereótipos ou vocêacredita que taisassociações fazem parte dacarreira de um ator?Um ator precisa estar disponí-vel para tudo e isso vai dadensidade à leveza. Eu gostodo desafio, gosto dessa dife-rença entre os papéis. Isso éestimulante. A vida não é pre-to e branco, é cheia de nuan-ças... E a arte vai nessa onda.É reducionismo ser apenas ga-lã, comediante ou ator dramá-tico. Um ator tem de ser tudoisso, precisa explorar tudo is-so. O Brasil tem preguiça, naverdade. Quer um exemplo:Lúcio Mauro é um ator espe-tacular e só é chamado parafazer rir. Quis tê-lo em “FelizNatal” [estréia de Mello comodiretor de longas] justamentepara explorar o que a maiorianão explora. E tive um perso-nagem denso, sensacional. Es-tereotipar as coisas é ruim, li-mita demais. Eu me sinto mui-to bem quando posso ir de umextremo ao outro.

Você é considerado,atualmente, um dosmelhores atores brasileirosda sua geração ematividade. Essereconhecimento teinfluencia na hora deescolher seus próximospapéis e projetos? Vocêsente uma certa pressão desempre acertar, graças aesse reconhecimento?De forma alguma. Tenho von-tade de me exercitar e me co-municar com públicos distin-tos. Procuro fazer trabalhosque me emocionem, me divir-tam e que eu esteja cercadopor pessoas que admiro. Seeles vão fazer um grande su-cesso de bilheteria ou se a crí-tica vai menosprezar ou amar,não cabe a mim. Sou um ope-rário a serviço da arte e do so-nho... Se eu conseguir, commeu trabalho, levar um poucode sonho e reflexão para osespectadores, terei cumpridoum papel nobre. Tudo em artesó se completa com o olhar dooutro. Tenho tentado nessesanos todos, nem sempre é fá-cil, mas trilho meu caminho.*Ator

Vida interrompidaCINEMA/ESTRÉIA

•• "Jean Charles",filme que conta ahistória do jovemb ra s i l e i roassassinado porengano em Londres,chega às telas comSelton Mello comop ro t a g o n i s t a

FÁBIO FREIRERepórter

Odia 22 de julho de

2005 seria maisuma sexta-feira co-mum na vida deJean Charles se o

acaso não tivesse tomado as ré-deas do destino do jovem mineiroque morava em Londres há trêsanos. Indo para mais um dia detrabalho, Jean Charles estava naestação de metrô de Stockwell,quando foi abordado por agentesdo serviço secreto britânico. Con-fundido com um terrorista, noauge da paranóia britânica depoisde uma série de atentados ao sis-tema de transporte público quematou mais de 50 pessoas, JeanCharles foi brutalmente assassi-nado com oito tiros, sendo setena nuca. Depois de morto, a cons-tatação: Jean Charles era inocen-te. O resto é história. De anônimoimigrante, o jovem mineiro viroumártir e notícia em jornais de to-do o mundo. Hoje, quase quatroanos após a tragédia, Jean Char-les ganha as feições de SeltonMello e vira tema de filme que es-tréia em circuito nacional. En-quanto isso, mesmo a polícia bri-tânica tendo reconhecido o erro,ninguém foi punido.

Mas, apesar da polêmica en-volvendo o caso, quem for ao ci-nema esperando um filme cen-

•D Mais informações:"Jean Charles" (BRA/ING, 2009).Direção de Henrique Goldman.Com Selton Mello, VanessaGiácomo, Luis Miranda, PatríciaArmani, Daniel de Oliveira. 90minutos. Confira horários esessões no Zoeira.

•D [email protected]

•A REALIDADE X FICÇÃO: Vanessa Giácomo e Selton Mello são os protagonistas de "Jean Charles", que conta a vida do jovem morto pela polícia britânica

trado na investigação sobre amorte de Jean Charles vai se de-cepcionar. “Minha intenção nãoera fazer um filme sobre a mortede Jean Charles, mas sim sobresua vida”, conta por telefoneHenrique Goldman, cineasta en-volvido no projeto do longa hátrês anos. “Jean Charles era umcara engraçado, então fiz um fil-me engraçado e que emociona. Aidéia era celebrar a sua vida, nãofazer um trabalho pesado que ter-minasse com sua morte. Não que-ria apenas contar o aspecto trági-co da vida de Jean”, completa.

A partir das intenções de Gold-man, “Jean Charles” se afastou deum foco mais policial e político eganhou uma abordagem mais so-cial, centrada na vida da comuni-dade brasileira de imigrantes quevive em Londres. “Essa é tambéma minha história”, acredita Gold-man, que mora em Londres des-de 1991. “Meu ponto de vista erafazer um filme sobre ‘outsiders’,essas pessoas que saem de casapara tentar a vida em outro país”,explica. “A história da investiga-ção sobre a morte de Jean eu dei-xo para outro cineasta contar”.

Fio condutor

Se o foco era a vida de Jean Char-les, Henrique Goldman usa a che-gada de sua prima Vivian (inter-pretada por Vanessa Giácomo)como fio condutor da história. É apartir da relação entre os dois queo longa ganha forma e se inspiraem fatos reais para contar umahistória de ficção. “Sou um con-tador de histórias. Documentaris-ta ou não, não me sinto compro-metido com um realismo. Minhaintenção é sempre contar umaverdade a partir da realidade dofilme”, discorre Goldman, quetraz na bagagem documentáriospara a televisão e longas de pouca

repercussão (“Princesas”).Definitivamente, pouca re-

percussão é tudo que “JeanCharles” não vai ter. Primeiraco-produção entre Brasil e In-glaterra, trama polêmica e deconhecimento público e estréiaem circuito nacional são algunsdos elementos que garantem vi-sibilidade ao filme. Mas, talvez,o grande chamariz do longa se-ja a presença de Selton Melloemprestando seus tiques para ojovem mineiro. Consideradoum dos atores mais talentososde sua geração, Mello é um ros-to reconhecido tanto pelos tra-balhos televisivos (a minissérie“Os Maias” e seriados como “OsNor mais” e “Os Aspones”)quanto cinematográficos (“La-voura Arcaica”, “Lisbela e o Pri-sioneiro”, “O Cheiro do Ralo” ea comédia ainda em cartaz “AMulher Invisível”).

Tarefa difícil

“Fui convidado pelo Henrique aparticipar do filme e topei deimediato”, conta Selton Mello pore-mail. “Não sabia nada do Jean,nada que outras pessoas não sou-bessem. Tinha conhecimento bá-sico: um imigrante que foi assas-sinado por engano, ao ser con-fundido com um terrorista”, con-tinua. “Foi a chance de ir maisfundo que me envolveu. Quis co-nhecer o Jean e mostrá-lo para omundo. Ele era uma pessoa nor-mal como qualquer outra que, derepente, em um dia qualquer, te-ve a vida interrompida”.

Apesar da bagagem do ator,Selton Mello considerou inter-pretar Jean Charles uma tarefadifícil. “Minhas únicas referên-cias foram as descrições dosamigos e primos. Não tive umvídeo ou nada parecido, porexemplo. Isso foi complicado”,

afirma. Uma das preocupaçõesdo ator era em relação à pró-pria família de Jean Charles ecomo eles receberiam sua visãodo jovem mineiro. “Precisei sermuito cuidadoso, queria que afamília curtisse o resultado, amaneira de como dei vida aoJean”, explica o ator que teve ainterpretação elogiada pela fa-mília de Charles.

Celebração à vida de JeanCharles ou uma ode aos imi-grantes que enfrentam uma di-fícil vida em Londres. Para Sel-ton Mello, o importante era fa-zer com que Jean Charles nãovirasse apenas mais uma esta-tística. “Eu fiquei muito atraídopela possibilidade de contar ahistória do Jean porque o mun-do sabe que ele foi assassinado,mas não sabe direito quem eleera”, acredita.

“Quando a gente não conhe-ce uma pessoa, ela passa a seruma estatística. Isso é uma dascoisas mais tristes que existem.Não somos números, somos se-res humanos repletos de vida,qualidades, defeitos, idiossin-crasias...”, filosofa Selton Mel-lo. “O fato de mostramos quemJean foi deixa ele mais próximode qualquer um de nós. E con-tar isso é de extrema importân-cia em um caso como o dele”,conclui o ator. o