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CAMINHOS ETNOMETODOLÓGICOS NO DESVELAR DA LUDICIDADE

NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Resumo

Diante das demandas de que a escola se constitua um espaço de construção da cidadania, diversas pesquisas da área de Educação têm se voltado para a compreensão dos processos de transformação por que passa a sala de aula. Nesse sentido, a etnometodologia tem se mostrado como um olhar compreensivo e diferenciado acerca das problemáticas educacionais. Inquietações transitam no campo da formação de professores, destacando-se intempestivas mudanças, que ao acontecerem no mundo, também se incorporam no mundo da educação, na prática educativa, portanto no âmago da formação dos professores. Aqui, concebemos a dimensão da ludicidade contemplada na formação de professores, no imbricamento com as novas exigências educacionais que emanam dessa sociedade em transformação. Neste artigo, um recorte da dissertação, cujo título provisório: “Formação Continuada de Professores no Jaboatão dos

Guararapes: caminhos e descaminhos no desenvolvimento de uma prática docente humanizadora”, objetiva compreender como a etnometodologia nos permite desvelar a importância da ludicidade na formação de professores. Exploramos as temáticas do lúdico, reflexão-crítica, formação de professores. Os parceiros do estudo foram três professores de formação inicial em Licenciatura em Pedagogia com mais de 20 anos de docência na formação de professores no Curso Normal Médio. Optamos pela entrevista narrativa, como instrumento para coleta, tendo como lente de análise dos dados os conceitos-chaves da etnometodologia, quais sejam: prática-realização, indicialidade, reflexividade e accountability. Encontramos nessa abordagem aproximação teórico-metodológica, para qual nos apontou a construção crítico, sensível-racional dos atores na compreensão e exercício de sua prática docente envolta pela ludicidade e humanização. A compreensão etnometodológica, em diálogo com nosso objeto investigativo nos possibilitou identificar e compreender como as realizações das práticas sócio – educativas são expressas com objetividades, subjetividades e ludicidade.

Palavras-chave: Formação de Professores. Ludicidade. Etnometodologia.

Ludicidade e formação de professores: tempos de incertezas e mudanças.

Tomamos como ponto de partida para nossa reflexão a relação

multidimensional: sensibilidade, lúdico, prazer e formação de professores. Buscamos

essa compreensão nos escritos de Paulo Freire em Pedagogia da autonomia na “boniteza

de ser gente”, a ética e a estética do ser professor; o que ele deve saber para ser

professor, como ele deve ser para ser professor, da boniteza de ser professor. Para

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Fernanda Regina Dos Santos Araújo

Gadotti (2003, p.45) “Sentido” quer dizer caminho não percorrido, mas que se deseja

percorrer, portanto, significa projeto, sonho, utopia. Aprender e ensinar com sentido é

aprender e ensinar com um sonho na mente. Assim, concebemos neste trabalho o

lúdico,

não como uma abordagem de forma isolada em uma ou em outra atividade (brinquedo,

festa, jogo, brincadeira, etc.), mas como um componente inerente à condição humana, e,

cuja manifestação e expressão são culturalmente situadas, ou seja, varia de acordo com

o meio em que o sujeito-docente vive os caminhos e descaminhos percorridos na

travessia do aprender a ser professor. Caminhos esses, que por vezes, oscilam entre as

alegrias e as tristezas da prática docente.

Um rápido olhar sobre o que acontece nas sociedades que estão num fluxo

contínuo de transformação, principalmente nas classes dos anos iniciais do fundamental,

já nos possibilita enxergarmos o quão distantes estamos do que poderíamos chamar de

formação de professores voltada para uma prática docente lúdica. Há que se (re) pensar

a dimensão da ludicidade na formação de professores no imbricamento com as novas

exigências educacionais que emanam dessa sociedade em transformação. Exigências

estas que na afirmativa de D’Ambrósio (2001, p. 20) perpassam a racionalidade

tecnicista de se pensar o ato educativo “O mundo atual está a exigir outros conteúdos,

naturalmente outras metodologias, para que se atinjam os objetivos maiores de

criatividade e cidadania plena”. Entendemos que o profissional da educação é

responsável pela formação de outros indivíduos e tem sua prática fundamentada em

concepções e posturas educativas, absorvidas por ele, subjetivamente, e postas em

práticas de acordo com suas histórias de vida, com valores morais, sociais e religiosos

que construirão sua visão de homem, de sociedade e de educação, as quais guiarão suas

ações pedagógicas.

Aulas tradicionais já não satisfazem a essas demandas, necessitamos inovar,

ressignificar a ação pedagógica, buscar novas metodologias que atendam às

necessidades atuais, sendo preciso, às vezes, resgatar ideias e práticas educativas que se

adequaram a essas necessidades, mas foram sendo deixadas de lado com o passar do

tempo. Nesse contexto, associamos o lúdico ao sentimento de prazer, do prazer em se

fazer, realizar algo, do gostar de fazer, da alegria, do contentamento. Sobretudo, que

busca uma (re) construir outros novos sentidos e significados para ludicidade enquanto

expressividade humana (FRANÇA, 2003). Dito isso, nos parece que uma questão se

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manifesta acentuadamente no debate: a indissociabilidade entre formação pessoal e

formação profissional. Quando pretendemos compreender a ação docente, temos que

considerar, sobretudo, que o processo de formação do professor é um crescente e um

continum, portanto, a dimensão lúdica na formação do profissional se faz parte

integrante de todo o processo, amplo, complexo e integral. É algo indissociável de

autoconhecimento na relação concreta entre os conhecimentos pedagógicos

(técnico/científicos) e os saberes dos sujeitos construídos e vividos em experiência viva,

entre a reflexão individual e entre a interação coletiva, isso dentro de um confronto de

ideias e troca de experiências vivenciadas. Pois, educandos e educadores, ambos são

sujeitos oriundos de contextos (forjados individual e coletivamente) que necessitam ser

conhecidos para que o processo ensino-aprendizagem aconteça de forma mais criativa

(OLIVEIRA, 2002). De modo, que esses posicionamentos teóricos nos conduziram à

reincidente indagação em cada leitura que fazíamos sobre a temática da ludicidade:

Qual a importância da dimensão lúdica na formação de professores num tempo e espaço

de mudanças e incertezas?

Tomamos dois objetivos para produção deste artigo que se alimenta dos

conhecimentos da pesquisa: 1) refletir sobre a ludicidade na formação de professores, na

compreensão do professor numa dimensão do ser que é pleno, que senti e pensa numa

realidade sensível e racional, num mundo contraditório de incertezas; 2) Propor a

socialização dos conhecimentos gerados a partir de outros conhecimentos oriundos dos

saberes, os da experiência vivida, aos nossos pares da comunidade científico-acadêmica.

Para tanto, tomamos aqui como referências para análise do fenômeno anunciado,

Luckesi (2000), França (2003), Shiller (2002), dentre outros que nos ajudaram a pensar

a dimensão da ludicidade na formação de professores, no imbricamento com as novas

exigências educacionais que emanam dessa sociedade em transformação. Buscamos

compreender, à luz da etnometodologia com seus conceitos-chave: prática, realização;

indicialidade; reflexividade e accountability, nosso objeto, na complexidade do

fenômeno, as relações objetivas e subjetivas de um processo, onde entendemos o sujeito

como ator e autor, interventor na realização das práticas vividas em seu cotidiano.

Ampliando o conceito de ludicidade na formação de professores

Quando se fala em ludicidade, em geral vem à tona: o brincar da criança, o lazer

do indivíduo, assim como o jogo lúdico como recurso pedagógico. Tais aspectos, entre

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outros, comumente associado à ludicidade são bastante compreensivos se observarmos,

no âmbito, institucional de ensino, as finalidades que foram sendo atribuídas ao lúdico

no decorrer das construções e reconstruções das práticas curriculares de ensino.

Sobretudo, nas pesquisas do cenário nacional e internacional sobre a ludicidade no

campo das ciências físicas e sociais.

Etimologicamente, o lúdico tem sua origem na palavra latina "ludus" que quer

dizer "jogo". Caso, pensássemos o termo de forma isolada, poderíamos estar nos

referindo apenas ao jogar, ao brincar, ao movimento espontâneo. Entretanto, a evolução

semântica da palavra nos permite caminhar para além de suas origens. De modo que, a

definição deixou de ser o simples sinônimo de jogo antes implicando na dimensão

lúdica como uma das formas de expressão humana.

Oliveira (2002, p.72) fala em relação á ludopedagogia, a ludicidade na educação,

em que se concentrou a associação do lúdico como “[...] transmissão de conteúdos e/ou

para construção do conhecimento”. Contudo, o autor chama atenção para uma limitação

nessa ação educativa, em que se perde a essencialidade da ludicidade, que seria a

plenitude da atividade lúdica que se caracterizaria pela presença de sete elementos, a

saber: A) Plenitude da experiência: máxima ocupação possível de nosso próprio espaço

interior, pelo prazer de estar; B) Intencionalidade no exercício da vontade num desejo

de estar; C) Absorção e ressignificação das diferenças culturais de cada pessoa; D) A

espontaneidade dos sujeitos em participar da atividade lúdica sem restrições

impositivas; E) Flexibilidade onde se resolvam em exercício democrático de liberdade

as restrições cabíveis e necessárias; F) Incerteza dos resultados é a vivência plena da

experiência presente com a finalidade em si mesma; G) Relevância dos processos em

que cada momento tem sua importância pelo valor singular de cada momento. O autor

nos adverte que tais características são incompatíveis com o: “[...] entretenimento

consumista ou com a busca de um lazer que se preste a nos ajudar na fuga de nossa

realidade”(OLIVEIRA, 2002, p.70). O que destacamos como fundamental no estudo é a

associação da atividade plenamente lúdica com “um tipo de jogo democrático”. São

poderes, interesses, flexibilizações, absorções que podem servir a interesses ora

individuais, ora coletivos, em detrimento de alguns e sobreposição de outros. Segundo

Luckesi (2000, p. 96) o que caracteriza o lúdico "[...] é a experiência de plenitude que

ele possibilita a quem o vivencia em seus atos". A ludicidade é então compreendida

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como um estado de plenitude, de estar pleno naquilo que faz com prazer pode estar

presente em diferentes situações de nossas vidas.

No campo da filosofia, França (2003, p.33) vai buscar a filosofia Nietzschiana

para pensar sobre um permanente processo de formação humana, fugindo para além do

comodismo carcerário e dominador do mundo contemporâneo, por um processo

formativo, através do estímulo ao correto desejo de ascender ao conhecimento pelo

movimento de desconstrução, reconstrução (re) criação. “Pensar o ser em um constante

processo de crescimento e desenvolvimento, ou seja; “o sendo”, deve ser a tônica do

conhecimento que se coloca a serviço desse mesmo homem”. O estudo trata do resgate

da ludicidade como princípio fundante da condição humana. Para a autora as

experiências vividas num jogo, na ida ao cinema, na contemplação da natureza, na

família, em viagens, em trabalhos voluntários, etc. São ações que sob o olhar

socioeducativo-sensível-racional poderão ser vistas como “[...] processos de educação

ampliada, deverá fornecer elementos para o despertar de atitudes formativas no sentido

moral, ético e/ou emocional, sem ferir a sensibilidade lúdica do viver tais

experiências[...]”(FRANÇA, 2003, p.57). Realça o entendimento da ludicidade como

uma das categorias principais para materialização de uma práxis sensível, para além dos

saberes científicos, e da racionalidade técnica norteadora do processo formativo. Uma

práxis sensível à amplitude do próprio processo formativo docente que considere a

complexidade dos saberes da experiência cultural.

Em Shiller (2002) reconhecemos a natureza humana como mista da

sensibilidade e da razão, sem que se possa desconsiderar essa “natureza mista” em favor

do enaltecimento da razão sobre a sensibilidade. Para o autor há o “impulso lúdico”

onde razão e sensibilidade atuam em potencial para liberdade do homem (entre a o

sentido e a razão). Nessa “disposição lúdica”, que se dá na contemplação do belo (arte)

é que o homem vive plenamente sua liberdade de pensar em harmonia com seu mundo

sensível. Há, porém, nessas reflexões, uma relação dicotômica; pois o que se percebe no

processo de formação do professor é que há uma prevalência em torno de questões

epistemológicas e metodológicas, não atentando para o aspecto humano e pessoal, o

aspecto ontológico que também faz parte do desenvolvimento profissional.

Nesse caminho, pensar sob essas bases teóricas na importância da ludicidade na

formação de professores implica, também, pensar: não se pode distinguir formação

pessoal da formação profissional. Quando pretendemos compreender a ação docente,

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temos que considerar, sobretudo, que o processo de formação do professor é contínuo e

permanente, por estar num contexto que ele se dá ao longo da vida. A dimensão lúdica

no processo formativo docente permite trazer à baila sentimentos, sentidos e

significados dos sujeitos, assim como as leituras de mundo desse professor que

caracterizam e orientam muito de sua prática docente.

Formação de professores: da reflexão-crítica, ao impulso lúdico-sensível-racional

de “Ser Mais”.

Diante dos pensamentos até aqui apresentados, não poderíamos deixar de pensar

nos inúmeros desafios que os professores confrontam-se diariamente no exercício da

profissão. Dentro os quais a necessidade de encontrar o equilíbrio, como sustentadores

da formação de novas gerações de seres humanos socialmente inseridos numa sociedade

em crise “é a crise da incerteza, da fragmentação que se atravessa a educação”.

Imbérnom (2009, p. 171)

Nóvoa (2002) destaca que os professores vivem momentos de grande

instabilidade profissional, convivendo com tensões ao lidarem com realidades locais e

situações escolares marcadas por fenômenos de exclusão, de agressividade e de conflito

social. O que nos possibilita pensar nesse professor, situado num contexto micro social,

que por sua vez, interferes no macrossocial. O nosso sistema educativo é crise. E

segundo o autor, cada vez mais se delega ao professor a função de “regenerador social”,

como se fosse o responsável pela educação, sem que se ofereçam condições de formar-

se, de estar ciente de seus processos e limites.

Freire (1996, p.72) chamou por uma das exigências do ato de ensinar a relação

entre a alegria necessária à atividade educativa. Na esperança de que ambos, professor e

aluno pudessem motivar-se e mobilizar-se na e para aprendizagem e de igual forma

posicionarem-se em reação aos obstáculos na alegria, na boniteza do processo ensino-

aprendizagem. Improvável ao homem consciente de seus limites, de seus desejos, não

buscar, esperançosamente, sua condição de “inacabado, inconcluso”, na sua vocação

ontológica “ser mais”. Embora não se ofereça a condição necessária para o

desenvolvimento de projetos mais arrojados. Dentro da escola, ao professor é

depositada, fundamentalmente, a crítica da crise escolar, ao invés de se considerar um

conjunto de fatores e suas inter-relações. A educação para a emancipação em Freire se

configura como libertadora, amorosa, humanizante e politicamente engajada no resgate

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da formação integral do ser humano, é essencialmente uma relação educativa

intersubjetiva entre sujeitos que ensinam e aprendem em comunhão. Relação humana

que se arquiteta de forma objetiva, subjetiva e intersubjetiva que nos permite olhar e ver

o caráter lúdico, no processo e nas relações do campo da formação de professores. É a

expressão da ludicidade como um caminho possível racional e sensível, um processo de

descoberta, redescoberta que permita assumir a importância das reflexões sobre a

importância da ludicidade no processo de formação de professores crítico-reflexivo,

dialética. Fazendo nossas as palavras de Freire (1996, p.29) “[...] O que eu sei”, sei com

o meu corpo inteiro: com minha mente crítica, mas também com os meus sentimentos,

com minhas intuições, com minhas emoções [...] Devo submeter os objetos de minhas

intuições a um tratamento sério, rigoroso, mas nunca desprezá-los.

Morin (2009, p. 90) diz que “A verdadeira complexidade humana só pode ser

pensada na simultaneidade da unidade e da multiplicidade [...] o homem é, também, o

homo ludens [...]. O sentimento lúdico nos acompanha em toda nossa vida [...]”.

Estamos vivendo numa complexidade mutante, aonde a incerteza se traduz como uma

das grandes conquista da humanidade. A lente da complexidade nos permite olhar para

o ser humano e enxergar um ser complexo, múltiplo que carece de se reinventar e

recriar continuamente. A condição humana, nesse viés de entendimento não se resume

ao conhecimento das ciências, da técnica, puramente racional. Certamente, do pulso de

nossa vida, que em muito se vive no espaço escolar nasce, a necessidade de um ensino

que possa considerar os saberes da vida, do contexto que nos evolve, pertinente que o

autor considera como “uma atitude que consiste em contextualizar o saber” (MORIN,

p.86). Nesse sentido Imbérnom (2002, p.39-40) nos diz de um processo formativo de

professores, voltado para um profissional prático-reflexivo que não deve ter sua prática

como único campo de reflexão, mas, que: [...] A formação deveria dotar o professor de

instrumentos intelectuais que possam auxiliar o conhecimento e a interpretação das

situações complexas com que se depara.

Freire (1987, p. 21) nos faz refletir sobre a relação que se estabelece entre

homem e mundo que é dialética, e não mecanicista – em que a consciência não passa de

mero reflexo da materialidade objetiva; e não idealista – em que a consciência é “[...] a

fazedora arbitrária do mundo”. As relações entre consciência e mundo são mútuas,

naturalmente dialéticas. O fato do ser humano estar no e com o mundo implica em

domínio de processos de refletir, avaliar, programar, investigar, transformar, mas

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sempre à luz de fins, valores propostos. Nesse sentido, ele não é somente razão, é um

ser humano completo, “[...] um ser que faz coisas, sabe e ignora, fala, teme e se

aventura, sonha e ama, tem raiva e se encanta. Um ser que se recusa a aceitar a condição

de mero objeto, que não baixa a cabeça diante do indiscutível poder acumulado pela

tecnologia porque, sabendo-a produção humana, não aceita que ela seja, em si, má”

(FREIRE, 1987, p. 22). Pensar o processo de formação de professores nessa

expectativa implica passar a considerar, professores, como atuantes no processo de

transformação sociocultural e concebem a importância da coragem e da vontade de

mudar suas realidades, há de proporcionar meios de desconstrução, criação e (re)

criação para uma ressignificação da do próprio processo educativo-formativo.

As reflexões aqui colocadas nos possibilita refletir sobre o processo formativo de

professores na dimensão da ludicidade pela emancipação das pessoas não se localiza

isoladamente, seja política, filosófica, antropológica, sociológica ou educativa. Mas, que

aponta para o (re) encantar dos processos educativo-formativos num resgate da natureza

lúdica do ser humano, o “homo ludus” capaz de aprender e emancipar-se como sujeito-

humano, político, histórico, ético, sensível e racional. Caberia então à ludicidade na

formação dos professores o desafio de reencantar o processo, estimular a criatividade-

transformadora de interesses pessoal/individuais em oportunidades de crescimento e

desenvolvimento social/coletivo.

Nesse diálogo a ludicidade apresenta-se como inerente á condição humana,

portanto necessária e importante a um processo formativo de professores que seja capaz

de interrogar e refletir sobre os contrastes epistêmico-metodológicos de uma prática

educativo-formativa. Considerando a aprendizagem do indivíduo no sentido de pensar

para intervir na realidade, a questionar quando necessita compreender em profundidade,

num impulso sensível-racional de refletir criticamente, tomando decisões politicamente

conscientes de não aceitar, de forma subalterna, autoritarismos, manipulações, situações

de verdades absolutas, acomodando-se numa linearidade das pseudo “certezas” das

coisas. Concordamos com Moraes (2004, p.5) nos incita a (re) pensar sobre as práticas

pedagógicas que sofrem a influência do velho paradigma da ciência, que desconsidera a

dinâmica interativa entre indivíduo e meio, emoções e de seus pensamentos.

Necessitamos mais do que nunca, de um novo modelo educacional que, além de colaborar para a formação do ser, também reconheça a aprendizagem como um processo complexo em permanente construção [...] Um paradigma que colabore para a formação integral do ser aprendiz, que seja capaz de

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aproximar a educação da vida e trazer um pouco mais de vida para dentro de nossas salas de aula.

É nesse sentido que nos colocamos no eixo teórico da dimensão do lúdico na

formação de professores como expressão de um (re) encantamento e (re) criação das

situações e experiências no campo da formação de professores para uma prática docente

lúdico-crítica-reflexiva. Quando pretendemos compreender a ação docente, temos que

considerar, sobretudo, que o processo de formação do professor é continuado,

permanente, ao longo da vida. Um processo compartilhado e voltado para o

desenvolvimento humano, provocador de experiências que desencadeiem processos

reflexivos, que conceba o conhecimento como um processo de tornar-se, se opondo ao

modelo da racionalidade técnica de obtenção restrita aos resultados.

Hora da conversa! Falas, indícios e reflexões no dizer dos professores.

Reafirmando nossa indagação provocativa: Qual a importância de estudar a

dimensão lúdica na formação do professor? Buscamos respondê-la, junto ao trabalho de

pesquisa, alimentando nossas reflexões, aproximando-nos ao máximo do contexto de

realização da prática docente. Esta pesquisa se filia aos estudos da abordagem

qualitativa por entendermos nosso objeto envolto num “[...] universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais

profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2010).

Os sujeitos-atores convidados foram 03 (três) professoras efetivas da secretaria

de educação de Pernambuco, com mais de 20 (anos) de docência no curso do Normal

Médio. Procuramos o cuidado de dialogar com o encontro entre homens-sujeito

(pesquisador e colaboradores na pesquisa), como o momento onde cada um escutasse o

“outro” no dizer de sua palavra, com a alegria de estarmos aprendendo um pouco mais a

“ser mais”. Assim, optamos pela entrevista narrativa, por entendê-la, sobretudo como

possibilidade de nos fornecer informações/substratos à luz da reflexão do próprio sujeito

(MINAYO, 2010). Conduzindo as entrevistas, construímos o texto norteador, no qual as

professoras foram convidadas e após a leitura e discussão, ficaram livres para realizar a

entrevista narrativa, sendo a entrega desta, nosso critério de seleção para os atores os

quais denominamos: Avião Rosa; Azul do Papel e Sol Amarelo como metáfora da

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música “Aquarela”vii, aludindo os termos mais presentes nas falas dos atores, como

representações do fenômeno lúdico na formação de professores. Logo após seguimos as

seguintes etapas: A) transcrição imediata; B) revisão do conteúdo e seleção dos

episódios narrativos e C) análise. Organizamos os resultados em dois episódios

interpretativos: Formação docente lúdica e Ludicidade e humanização.

Formação docente lúdica

Ao iniciarmos a escuta dos atores, constatamos que os professores

compreendiam a formação como um processo de grande dimensão, que envolve muito

mais do que técnicas, e métodos de ensino. Um processo que se concretiza no envolve o

ser humano na sua amplitude individual e coletiva do pessoal e do social. Assim, sob o

olhar do etnométodo Prática e realização, em os sujeitos são considerados “práticos de

sentido, em sua realidade social” Coulon (1995), fomos identificando e compreendendo

como eles realizavam suas práticas docentes cotidianamente Conforme, Avião Rosa:

“[...] o processo de formação do professor é um crescente e continum, [...] parte

integrante de um todo, complexo, amplo e integral”. Sol amarelo: “A ludicidade deve

fazer parte do trabalho pedagógico, descartar aulas monótonas”. Azul do papel: “É

necessário um olhar mais criterioso em relação à formação do professor, que requer

um trabalho com significado”. Percebemos a aproximação entre a fala das professoras

com a visão de Imbérnon (2002, p.39-40) “A formação deveria dotar o professor de

instrumentos intelectuais que possam auxiliar o conhecimento e a interpretação das

situações complexas com que se depara”.

Ludicidade e humanização

A ludicidade vem sendo vinculada, a capacidade e comprometimento

profissional docente na tarefa de humanização das pessoas. Pela indicialidade pudemos

identificar as falas dos atores situadas num contexto, construindo significado no

cotidiano por meio da linguagem que se fez expressão (Coulon, 1995).

Concomitantemente, vimos à palavra dita, também passando pela reflexividade “[...] os

membros se desinteressam pelas circunstâncias práticas e ações práticas enquanto

temas. Não se preocupam em teorizar [...]”. (COULON, 1995, p.41). . À medida que

iam descrevendo a constituição de sua realidade, de modo reflexivo, racional e natural

identificamos assim, o princípio da accountability Avião Rosa: “[...]a ludicidade na

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formação do professor permite um desenvolvimento integral da competência técnica

combinada com o compromisso profissional, é viver experiências axiológicas, respeito

mútuo, lealdade, cooperação e solidariedade”. Sol amarelo: “é troca de experiências,

interações sociais, desenvolvimento de sociabilidade, cooperação, respeito pelo outro,

prazer em aprender”. Azul do papel: “É importante que o professor tenha

sensibilidade para propiciar atividades com prazer para ensinar e aprender [...] o

lúdico é o ensinar com sentimento, com emoção, daí sua importância na formação”.

Mas, hoje em dia a maior dificuldade é ensinar o humano a se comportar com

humanidade.

Considerações

Com base na investigação realizada sobre a compreensão da etnometodologia no

desvelamento da importância da ludicidade para formação de professores, dois pontos

nos estimularam. O primeiro, referente ao conceito de accountability e prática-

realização descreve o fato das professoras associarem a ludicidade, para além da

dimensão restrita do brincar, indo na compreensão do lúdico como a capacidade

humana de estar racional e sensivelmente envolvido na sua práxis (no fazer–pensado-

refletido), conforme França (2003), Luckesi (2000) e Oliveira (2002). Ainda nos relatos

a ludicidade é tomada como conhecimento associada ao prazer que permite ao docente a

melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem, independente se é um jogo ou

uma brincadeira. Um prazer também ligado ao desafio, ao gostar de fazer, que provoca

educandos e educadores na sua natureza humana. Pela indicialidade, expressões como:

sensibilidade, cooperação, respeito mútuo foram tomando sentido e significado

fundamentais na formação e prática docente humanizadora, que considera a dimensão

lúdica do ser humano que está num processo formativo. Entretanto, essa compreensão

declarada pelos atores, nos revelou ser, uma atitude de promoção obrigatória individual

do professor, como se não houvesse por base um comprometimento social/coletivo

voltado para formação do profissional, cambiando para o que Nóvoa (2002 apud

TARDIF e LESSARD, 2008) concebe como papel do professor “regenerador social”.

Uma inquietação que nos ínsita pensar: Como poderia a ludicidade, ser contemplada e

assumida nos cursos de e programas de formação de professores?

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O segundo aspecto, provocado pela reflexividade revelou sentidos, sentimentos e

significados entrelaçados pelos atores, em relação a sua formação para uma prática

docente humanizadora que lhes permitisse construir: a sensibilidade, cooperação,

solidariedade, respeito. Elementos por eles apontados, como fundamentais ao

desenvolvimento integral dos educandos. Assim, indagamos: essas vozes vêm sendo

ouvidas, nos espaços institucionais de formação docente? Como esses anseios e desejos

vêm sendo interpretados nas escolas? Pensamos que tais questões transitam de modo

silencioso nos campos de atuação e discussão da formação dos professores que por sua

vez, necessita de urgência consideração e trato. Sobretudo, ao nos questionarmos no

desejo sensível-racional-político de educadora-pesquisadora em superar a consciência

ingênua para consciência crítico-epistemológica: para qual a etnometodologia vem

demonstrando ser uma abordagem teórico-metodológica: crítica, panorâmica,

interpretativa-compreensiva das ações humanas sociais. Considerando os atores em sua

complexidade e plenitude humana.

Referências

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D´AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação para uma sociedade em transição. 2ª ed. Campinas-SP: Papirus, 2001.

FRANÇA, Tereza Luíza de. Educação – Corporeidade – Lazer: saber da

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1. Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

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LUCKESI, Cipriano Carlos (org.) Ludopedagogia - Ensaios 1: Educação e Ludicidade. Salvador: Gepel, 2000.

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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

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