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Cenários Geopolíticos e Tendências de Longa Duração : implicações
para a competição internacional, para a Grande Estratégia brasileira e
para a Integração Sul-Americana
Lucas Kerr de Oliveira
Bruno Magno
Besna Rodriguez Yacovenco
Patrícia de Freitas
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar como as principais tendências geopolíticas dasprimeiras décadas do século XXI influem nos desafios para a Grande Estratégia doBrasil e para a Integração Regional na América do Sul. Entende-se como as principaistendências geopolíticas (KERR OLIVEIRA, et al, 2017) que tem impulsionado astransformações do Sistema Internacional: (I) a consolidação de uma multipolaridadedesequilibrada e competitiva, marcada pela horizontalização das capacidades militares eprocessos de difusão tecnológica e digitalização (MARTINS, 2008). Este processo émarcado pela substituição dos confrontos armados diretos (tradicionais) por conflitosmais indiretos e regionais, cujas disputas se mostram progressivamente maisinstitucionalizadas nas organizações multilaterais (SOARES DE LIMA); (II) aintensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos,especialmente dos recursos finitos como petróleo, gás natural e minérios radioativos(KLARE, 2012); (III) o aumento da competição inter-regional diante da tendência deformação de formação de blocos regionais e de integração regional. Estas são variáveisrelevante para o debate sobre a construção de uma Grande Estratégia Brasileira noséculo XXI. Historicamente o Brasil, em situações de transição e crise do SistemaInternacional, recorrentemente buscou reconstrução de suas capacidades através da suainserção na América do Sul. Assim, sustenta-se a hipótese de que o Brasil necessitaampliar suas capacidades diplomáticas, econômicas e de defesa para responder osdesafios impostos pelas tendências aqui analisadas, estabelecendo uma GrandeEstratégia mais eficiente, que permita fortalecer o processo de Integração Sul-Americano no longo prazo. Por fim, espera-se demonstrar que independentemente dospossíveis perfis que o processo de transição do Sistema Internacional possa adotar, aopção pela inserção estratégica brasileira a partir da América do Sul, com aconsolidação do processo de integração regional, ainda se constitui como melhor opçãopara a manutenção da soberania e da autonomia brasileira no Sistema Internacional.
INTRODUÇÃO
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O objetivo deste artigo é analisar os principais desafios para a inserção
internacional estratégica do Brasil em um Sistema Internacional em transição. Dessa
forma, sustenta-se a hipótese de que a inserção na América do Sul é uma constante nos
objetivos estratégicos brasileiros desde o período colonial e que, no momento atual, se
torna ainda mais premente, seja para aumentar o poder de barganha brasileiro em arenas
multilaterais, seja para ampliar suas capacidades.
Deste modo, procurou-se identificar as principais tendências geopolíticas, que
tem impulsionado as grandes transformações do Sistema Internacional. A partir da
identificação destas forças, é possível notar que a principal tendência consiste no
aprofundamento ou acirramento da competição interestatal internacional, seja no campo
diplomático, seja na área securitária. Esta é uma variável bastante relevante para a
discussão sobre a formulação de uma Grande Estratégia Brasileira no século XXI e sua
consequente inserção internacional. Este debate se torna ainda mais urgente se
considerarmos a conjuntura atual do Sistema Internacional e a possível emergência de
um mundo pós globalização.
Sendo assim, em primeiro lugar é apresentado alguns antecedentes históricos da
aproximação brasileira com a América do Sul e sua relevância geopolítica. Em seguida,
são apresentados, de forma breve, as principais tendências geopolíticas de longa
duração consideradas determinantes para a inserção e a defesa da soberania brasileira.
São elas: (I) A institucionalização dos conflitos na arena internacional em oposição a
horizontalização das capacidades em um Sistema Internacional multipolar em transição;
(II) a intensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos e, por
fim, (III) o aumento da competição global entre as grandes potências diante dos
processos de formação de blocos regionais, que podem vir a se constituir em novos
polos do sistema internacional.
Por fim, espera-se demonstrar que independente dos possíveis perfis que o
processo de transição do Sistema Internacional possa adotar, a opção pela inserção
estratégica brasileira a partir da América do Sul ainda constitui como melhor opção para
a manutenção da soberania brasileira no sistema.
Para atingir estes objetivos, se utiliza do conceito de Grande Estratégia,
conforme apresentado por Celso Amorim (AMROIM, 2016):
“O conceito de grande estratégia remete à necessidade de emprego detoda a gama de recursos à disposição do Estado, e não apenas dosrecursos militares, para a manutenção de sua segurança, seja durante
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um conflito, seja para garantir a paz em termos que lhe sejamfavoráveis. De um modo genérico, grande estratégia é definida comoa correspondência entre os meios e as finalidades políticas de umEstado nos planos interno e externo. Do nosso ângulo, importasublinhar a lógica da coordenação entre diferentes órgãos de Estadocom vistas à proteção da soberania do Brasil e à sua projeção pacíficano mundo. Nesse sentido, Defesa e Relações Exteriores, militares ediplomatas, são os responsáveis mais diretos pela execução dessastarefas. Mas elas se realizam sobre a base de fatores econômicos,sociais e culturais.” (AMORIM, 2016, p. 133).
Considera-se que a sustentabilidade da Grande Estratégia pode ser uma variável
determinante para analisar a capacidade de um Estado qualquer de transformar poder
potencial em poder concreto, especialmente recurrsos de poder em poder militar
relativo. Neste contexto, a capacidade de ampliar seu poder relativo ou ampliar suas
capacidades gerais (militares, econômicas, diplomáticas, tecnológicas) em termos
relativos, de forma sustentável no tempo, pode ser considerado um critério relevante
para avaliar as perspectivas para que um Estado se torne e/ou se mantenha como uma
grande potência, sendo assim reconhecido entre as demais potências mundiais.
Neste contexto, é possível delimitar que os Estados Unidos, os países do grupo
BRIC (Brasil, China, Rússia e Índia), são os únicos cinco países que se encontram
simultaneamente em quatro importantes listas de avaliação de recursos de poder e de
capacidades, como a (I) lista dos dez maiores territórios do mundo, (II) das dez maiores
populações totais, (III) entre as dez maiores economias do mundo (considerando o PIB
pareado pelo poder de compra), e ainda, estão na lista dos (IV) dez maiores
consumidores de energia primária total, incluindo os (V) dez maiores consumidores de
petróleo e (VI) dos dez maiores consumidores energia elétrica (KERR OLIVEIRA,
2012). Portanto, são os cinco países que, na atualidade, parecem ter as melhores
condições de consolidar uma Grande Estratégia, que lhes permitam sustentar
logisticamente suas respectivas estratégias de competição internacional no século XXI.
Ademais, como demonstrado por Quedi Martins (2013) importa considerar o papel de
outras potências regionais, como Inglaterra, França, Alemanha, Japão e Turquia, que
possuem recursos de poder e capacidades consideráveis, com peso regional e relevância
para a governança mundial.
A Grande Estratégia do Brasil na atualidade pode ser sintetizada como o
conjunto de políticas voltadas para a construção gradual e pacífica de um mundo
multipolar, em que a inserção internacional brasileira se torne mais favorecida
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(BRANDS, 2010, p 3-5). Em linhas gerais, o Brasil estaria se utilizando, especialmente
durante o governo Lula (2003-2010) de táticas comumente utilizadas por outras
potências médias (BRANDS, p.4 e 16-28), como o multilateralismo e a construção de
coalizões, consolidando sua participação e influência em organizações multilaterais
globais ou regionais, estabelecendo redes de alianças políticas e comerciais bilaterais ou
multilaterais, aumentando a flexibilidade estratégica da Política Externa brasileira.
Brands destaca ainda a liderança brasileira em uma América do Sul mais unida como
outro procedimento para aumentar a base regional de poder visando alçar
reconhecimento em escala global. O autor identifica ainda quatro grandes tipos de
problemas ou desafios para o Brasil continuar sua Grande Estratégia (BRANDS, 2010,
p. 4-5): (I) constrangimentos econômicos envolvendo a infraestrutura deficiente do país,
a alta criminalidade, o excesso de impostos e a regulação à economia (BRANDS, 2010,
p. 32-37); (II) as dificuldades da elite política brasileira para lidar com a ideia da
necessidade de arcar com os custos da integração regional e de dividir os benefícios da
integração regional com os parceiros mais pobres (p. 37-42); (III) Brands considera
como problemática a formação de múltiplas “alianças estratégicas” e coalizões amplas
demais, com interesses claramente divergentes entre os países membros (BRIC, IBAS)
e que dificilmente evoluiriam para além de questões comerciais ou políticas pontuais (p.
42-47); e (IV), o risco de que uma política multilateralista e independente, caso não seja
bem implementada e cuidadosa, resulte em atritos desnecessários com os EUA em
questões sensíveis, que vão desde a política comercial até a diplomacia para o Oriente
Médio, envolvendo o Irã, ou ainda, o papel diplomático e militar dos EUA na América
Latina (p. 47-54).
A apreciação dos elementos mais relevantes considerados na descrição analítica
de Brands (2010) permite verificar que o autor apresenta alguma dificuldade para ver o
Brasil como um país com autonomia estratégica e de política externa em relação aos
interesses dos EUA. O autor também apresenta alguma dificuldade para perceber que o
Brasil, enquanto país emergente, apresenta inúmeros interesses comuns aos de outros
países emergentes participantes de coalizões como os BRICS e o IBAS. Por outro lado,
a análise de Brands acerta no diagnóstico de que uma parcela conservadora da elite
brasileira tem sérias dificuldades para lidar com a ideia de que o Brasil terá que arcar
com os custos da integração sul-americana, inclusive de investir na construção da
infraestrutura e no desenvolvimento econômico e social dos parceiros menores
envolvidos na integração regional. Esta dificuldade parece ser das mais graves quando
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se considera o quão vital é a integração regional para o Brasil e os países sul-americanos
obterem mais soberania.
A sustentabilidade da estratégia brasileira depende, de um lado, da conquista e
manutenção de uma elevada margem de manobra política e estratégica para estabelecer
alianças e processos de cooperação, que só será possível com o fortalecimento da
soberania nacional. De outro, significa que o país terá que viabilizar o fortalecimento do
processo de integração sul-americano, inclusive a integração energética e produtiva,
para fortalecer a soberania e a autonomia do conjunto dos países do continente. Ao
mesmo tempo, será necessário ampliar a capacidade de investir em pesquisa e inovação
de forma a viabilizar a ampliação da autonomia tecnológica e produtiva. Neste contexto,
torna-se determinante o processo de decisão referente ao planejamento e implementação
de uma estratégia energética eficiente e sustentável, que favoreça a integração regional e
o desenvolvimento econômico e social. Portanto, as escolhas que o país fará na área
energética, serão determinantes para o sucesso ou fracasso da grande estratégia
brasileira (KERR OLIVEIRA, 2012).
FIGURA 1. – MAPA DO BRASIL NO CONTEXTO DA AMÉRICA DO SUL E DO ATLÂNTICO
SUL
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A América do Sul e o Atlântico Sul aparecem como regiões prioritárias para a Grande Estratégia do Brasil. MapaAzimutal Equidistante centrado em Brasília, DF. Fonte: KERR OLIVEIRA (2012).
Ademais, considera-se que as possibilidades de sucesso da Grande Estratégia
brasileira dependem fundamentalmente da capacidade que o país terá, no médio e longo
prazo de liderar e arcar com os custos da Integração Regional Sul-Americana (CEPIK,
2008; KERR OLIVEIRA, 2012; KERR OLIVEIRA, CEPIK & BRITES, 2014).
Antecedentes Históricos
Apesar dos diferentes perfis de inserção internacional que o Brasil buscou ao
longo da história, é possível identificar algumas tendências constantes na formulação de
sua grande estratégia. Pode-se considerar que, estas tendências seja o mais próximo de
uma política de Estado que se construiu ao longo dos séculos. Estas tendências dizem
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respeito à defesa da soberania da faixa litorânea e dos mares territoriais e das sucessivas
tentativas de aproximação com os vizinhos e liderança regional.
Estas duas tendências possuem suas raízes geopolíticas mais remotas no próprio
processo de colonização brasileiro a partir do litoral e no conceito de insulamento
geográfico. Ainda no período das Bandeiras já era possível identificar o interesse
português de expansão ao oeste para além do delimitado no Tratado de Tordesilhas.
Apesar do movimento bandeirante muitas vezes ser considerado independente da
metrópole, Synesio Sampaio Goes Filho identifica, a partir de historiadores lusos como
Jaime Cortesão, a orientação de Lisboa no reconhecimento e na ocupação territorial das
novas terras se utilizando do conhecimento guarani e do antigo mito da Ilha-Brasil
(GOES FILHO, 2015). Segundo Cortesão:
“Seria errado [...] supor que todas as bandeiras e todos os bandeirantesobedecessem estritamente a objetivos econômicos, sem a menor consciênciada política e das realizações geográficas que a expansão das bandeirasentranhava. Houve também, ora anterior ora conjuntamente com os ciclos dacaça aos índios e da busca do ouro, aquilo que poderíamos chamar umapolítica de realização da ilha-Brasil” (CORTESÃO apud GOES FILHO,2015, p. 141).
Com efeito, a coroa portuguesa passa a partir desse momento expandir sua
ocupação para oeste baseados em informações e manipulações cartográficas de modo a
buscar ocupar esta Ilha Brasil. Este preceito geopolítico irá guiar tanto as disputas com
os espanhóis, quanto a própria formação territorial do Brasil moderno. Ainda segundo
Goes Filho:
“os lusos, desde o primeiro quartel do primeiro século da colonização,procuraram moldar sua colônia americana numa forma geográfica orgânica,com fronteiras naturais.[...] Tudo revelando o desejo português de que a ilhaBrasil ficasse inteiramente na sua parte do continente.[...] Que os portuguesessempre procuraram dar uma forma compacta e com limites nítidos à colônia,não há dúvida. Não bastassem os resultados práticos dessa políticaexpansionista, que não seriam possíveis sem o Governo, há váriosdocumentos oficiais que provam a determinação estatal de expandir o Brasilaté fronteiras naturais convenientes” (GOES FILHO, 2015, pp. 146-147)1.
O impulso inicial de expansão territorial a oeste acabaria por informar a
concepção geopolítica e as inciativas do período do Reino Unido e do Império. Em
última análise esse quadro pode ser considerado como parte das raízes ancestrais dos
1 Em última análise, a tentativa luso-brasileira de tornar real o mito da ilha Brasil, dentro de uma concepção de Estudos Estratégicos mais atual, poderia ser equiparada ao conceito do poder parador da água (stopping power of water) de John Mearsheimer (2001).
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projetos de integração latino-americana e posteriormente sul-americana. Como observa
Severino Cabral:
“Trata-se na verdade do fato de que antes de ser visto como um Estado, oBrasil já havia nascido como nação, irmanada com o mundo hispano-americano. Mais do que isso: antes do sonho bolivariano e antes de Monroe,o mundo ibero-americano viveu a união das duas coroas e a antecipação dasua possível e necessária unidade (CABRAL, 2004: 211).
De fato, para além da União Ibérica (1580-1640) ou do Reino Unido de Brasil e
Portugal (1815-1822), a política bragantina buscou ativamente unir os territórios
ibéricos ultramarinos, seja pela tentativa de aclamar Carlota Joaquina como a legítima
rainha da Espanha durante a ocupação napoleônica da Península Ibérica, seja pela
tentativa de atrair as colônias espanholas para uma união com a coroa brasileira em
contraposição à tentativa de Fernando VII de recolonizar a América Hispânica
(MACARTHY MOREIRA, 2009; ALAMZÁN LOZIER, 2011). Esse impulso veria seus
últimos estertores na tentativa frustrada de Dom Pedro I de unificar as coroas
portuguesa e espanhola no intento de construir um grande império sul-americano de
caráter ibero-americano, sob o controle da dinastia de Bragança (BRANCATO, 1999).
Estas tentativas expansão, anexação ou união territorial progressivamente deram
lugar a soluções políticas e acordadas. Estas soluções teriam como objetivo melhor
posicionar territorialmente o Brasil, seja no sentido jurídico, no sentido geopolítico, ou
no sentido político diplomático no coração da América do Sul. Entretanto, para além
destes objetivos, também se buscava, através do consentimento e da cooperação dos
vizinhos evitar interferências extra regionais. E esta é a tendência observada a partir do
pacto ABC2 (1915), que procurava arrefecer as tensões platinas e excluir potências extra
regionais da resolução de disputas entre as partes (GRANATO, 2012; BARNABÉ,
2014). Apesar de posteriormente a Argentina não ratificar o acordo sob alegações de que
na realidade traria um desequilíbrio entre os países latino-americanos e que
representaria em última instância a realização de uma política estadunidense (DULCI,
2013; HEINSFELD, 2012) estas tentativas de aproximação persistiram. Durante o
primeiro governo Vargas (1930-1945) houve um novo impulso de aproximação com a
Argentina corporificado em uma série de tratados e na construção da ponte entre
Uruguaiana e Passo de los Libres, a resolução da Guerra do Chaco (1932-1935), durante
o segundo governo Vargas (1951-1954) a tentativa infrutífera de resgatar o Pacto ABC,
2 Argentina, Brasil e Chile ou Tratado de Cordial Inteligência Política entre os Estados Unidos do Brasil, a República do Chile e a República Argentina.
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posteriormente no governo Kubitscheck o lançamento Operação Pan-americana (1958)
em oposição à proposta estadunidense da Aliança para o Progresso, a constituição da
ALALC (1960), o acordo nuclear entre Brasil e Argentina (1991), para citar os
principais eventos (GRANATO, 2012; SILVEIRA, 1997; ALMEIDA, 1998; MAGNO,
IVES & FEDDERSEN, 2014; OLIVEIRA, 1996). Este processo culminou com a
criação do MERCOSUL (1991) e, posteriormente, a UNASUL (2008) e a aclamação
deste acúmulo histórico em forma de política de Estado no artigo quarto em seu
parágrafo único da constituição de 19883 (CABRAL, 2004; COSTA, 2003).
Obviamente, este percurso também foi marcado por desentendimentos,
incertezas e insegurança. Entretanto, o que se busca demonstrar é a tendência histórica
da busca brasileira pela consolidação de um espaço latino-americano ou sul-americano,
a depender da perspectiva e do período histórico. Este processo é resultante da
necessidade, incialmente de garantir profundidade estratégica em um território
espremido pela linha de Tordesilhas pela faixa litorânea e, posteriormente pela
necessidade de garantir um ambiente regional favorável à revelia das alterações e
flutuações do Sistema Internacional4.
Deste modo, sustenta-se que, qualquer projeto brasileiro de inserção
internacional que leve em conta os seus objetivos estratégicos historicamente, devem
levar em consideração a sua inserção na América do Sul ou Latina, sob pena de
abandonarmos um acúmulo histórico de política externa de mais de quatro séculos e um
dos únicos consensos programáticos que perduraram pela maior parte da história do
país.
A institucionalização dos conflitos na arena internacional em oposição a
horizontalização das capacidades em um Sistema Internacional multipolar em
transição
O período último do processo de integração sul-americana testemunhou a
consolidação da UNASUL. Este intervalo coincidiu com a ascensão dos países
emergentes, mais especificamente dos BRICS. O Sistema Internacional que engendrou
estes fenômenos estaria caracterizado pela vitória estadunidense sobre a URSS durante
3 A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (BRASIL, 1988, art 4º Parágrafo Único)4 Evidentemente, existem outros motivos, como a questão da escala econômica, similaridades culturais, entre outros. Porém, para as finalidades deste artigo, acredita-se que estes dois fatores sejam os primordiais.
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a guerra fria. Em outras palavras, segundo Maria Regina Soares de Lima e Daniel
Castelan (2012), um Sistema Internacional caracterizado pela vitória do modelo liberal
de globalização e uma ordem política unipolar centrada nos EUA. Neste cenário os
objetivos dos países dos BRICS seriam dois nesta aliança, desconcentrar o poder
decisório das instituições internacionais e defender a autonomia nacional na formulação
de políticas econômicas (LIMA, CASTELAN, 2012). Nesse sentido, o processo de
integração sul-americana em andamento neste período, para o Brasil, estaria relacionado
com estes objetivos na arena internacional. Por um lado, a escala que o continente sul-
americano proporcionaria impulsionaria a economia, por outro a construção de uma
rede de aliados para atuar na arena internacional defendendo interesses comuns.
A ascensão dos emergentes estaria relacionada a crescente interdependência
econômica provocada pelo processo de globalização. Este fenômeno abriria espaço para
que os grandes emergentes, principalmente os BRICS, granjeassem uma capacidade de
veto player de de sistemas multilaterais e, através de ação coordenada, poderiam
cumprir seus dois principais objetivos supracitados. Lima e Castelan (2012) ainda
observam que, mesmo os países dos BRICS possuindo grandes diferenças entre si, o seu
poder de veto permitiu que resguardassem sua autonomia em matéria de políticas
econômicas, políticas estas que fugiam ao consenso que prevalecia em décadas
anteriores. Desse modo, o sistema internacional estaria em um momento de transição e
em uma era de globalização do capitalismo e mercados interdependentes, onde o palco
central dos conflitos entre os países, não seria mais o da arena militar, mas sim se daria
na esfera das instituições internacionais e em torno de suas regras, naquilo que se
denominou o processo de institucionalização dos conflitos (LIMA, CASTELAN, 2012).
Apesar dos autores corretamente identificarem que, as demandas dos BRICS
neste momento de transição não significam um desafio à ordem liberal5, o fenômeno da
ascensão dos BRICS, que por um lado permitiu a institucionalização dos conflitos,
também está associado a outro processo de longa duração: a tendência relativa de
horizontalização das capacidades militares entre as grandes potências.
Esta tendência advém da 3ª revolução industrial ou científico - tecnológica e tem
como resultado o processo de digitalização do campo militar (MARTINS, 2008;
ÁVILA, MARTINS & CEPIK, 2009). Ou seja, o mesmo processo que permitiu a
5 Segundo Lima e Castelan (2012), estas demandas seriam baseadas no liberalismo do pós-Segunda Guerra caracterizado pelo equilíbrio entre a abertura econômica, salvaguardas nacionais e proteção social, ou seja, dependentes de um ambiente de livre-mercado e da manutenção de valores ocidentais como referência para o Sistema Internacional.
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disseminação da base industrial para os países semiperiféricos, a consolidação de um
Sistema Internacional interdependente, a ascensão dos emergentes e o triunfo da
globalização, também é responsável pela disseminação da tecnologia militar e a
consequente horizontalização de capacidades militares. Se por um lado possuímos um
cenário de institucionalização de conflitos afastando o risco de uma confrontação
central, por outro guerras locais e/ou guerras proxies se tornam mais factíveis
(MARTINS, 2008; OLIVEIRA, 2012).
Caso isso ocorra, as devastadoras guerras centrais entre as grandes potências,
que historicamente serviram para reescalonar e reequilibrar a correlação de forças entre
os polos de poder do sistema internacional, podem vir a ser substituídas (parcial ou
totalmente) por um enfrentamento indireto, permeado de guerras locais e regionais
(MARTINS, 2008). Estas guerras locais seriam travadas principalmente entre as grandes
potências e Estados ou regiões que são áreas de influência ou não são reconhecidos
como potências, portanto, objeto das disputas entre os principais polos de poder do
sistema internacional. Em um contexto internacional competitivo e instável torna-se
mais provável a ocorrência de disputas por áreas de influência entre os polos de poder
do sistema internacional, em que o controle de recursos naturais estratégicos, em
especial os energéticos, continuará sendo objeto de disputa entre as potências que
buscam acumular mais poder em termos relativos (OLIVEIRA, 2012).
Este panorama torna prioritária a continuidade da inserção internacional
brasileira na América do Sul. Esta política revela-se de suma importância para garantir a
profundidade estratégica brasileira, seja no cenário da institucionalização de conflitos,
em que a aliança com os vizinhos permitiria ampliar o poder de barganha brasileiro na
arena internacional, seja no cenário de ameaças nas esferas de segurança e defesa.
A intensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos
A urbanização e a industrialização dos países periféricos, subdesenvolvidos e
emergentes, apresentam como consequência direta o crescimento da renda e da
demanda por recursos naturais, especialmente alimentos e energia. Com o aumento da
demanda global por energia nas próximas décadas, torna-se progressivamente mais
provável a ocorrência de tensões, crises e conflitos entre os países exportadores de
energia e os maiores importadores (KLARE, 2001; OLIVEIRA, 2012; FUSER, 2013).
No caso da América do Sul este cenário também pode ser observado, não só
como desafio, mas também como oportunidade. Em um passado não muito distante, o
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potencial hidrelétrico da bacia do Paraná representou uma das principais disputas entre
Brasil e Argentina, a questão Itaipu-Corpus. O que antes consistia em uma dura disputa
diplomática com um grande potencial para o tensionamento e escalada, a partir do
acordo de compatibilização das duas hidrelétricas em 1979, inaugurou um novo período
de aproximação e cooperação entre Brasil e Argentina (MELLO, 1996). Do mesmo
modo, em períodos mais recentes, no que tange à Venezuela e à Bolívia, a cooperação
energética gera oportunidades de construção de laços de interdependência, como nos
casos do gasoduto Brasil-Bolívia e o abastecimento de Boa Vista com energia
proveniente de Guri (COUTO, 2013).
Segundo Leandro Couto (2013), a integração sul-americana via infraestrutura é o
que pode efetivar uma verdadeira parceria estratégica entre o Brasil e o restante da
América do Sul. Entretanto, os projetos executados através da IIRSA, careceriam de
orientação estratégica, pois muitas vezes deixariam em segundo plano projetos
prioritários para favorecer os mais rentáveis para os atores privados envolvidos
(COUTO, 2013). Ainda segundo o autor seria através dos projetos de integração de
infraestrutura energética que se alcançaria uma parceria estratégica regional:
“A integração energética, mais ainda, implica não apenas um contato entreterritórios, mas uma relação comercial de longo prazo em torno de um bemestratégico. Cria, pois, uma parceria estratégica na qual o objetivo passa a sera garantia de provimento, de um lado, e a potencialização dos benefíciosauferidos pela transação de um recurso estratégico em termos dedesenvolvimento endógeno de outro” (COUTO, 2013, p. 209).
Entretanto, para a efetivação de uma parceria harmoniosa devem-se observar as
disparidades entre os países da região. Couto observa a grande disparidade na balança
comercial, favorável ao Brasil, a carência de investimentos brasileiros na região e a
grande disparidade econômica e populacional entre o Brasil e os vizinhos. Estas
assimetrias podem ser exemplificadas no relacionamento entre Brasil e Bolívia em torno
do gasoduto. Enquanto o gás representa 40% de todas as exportações bolivianas e o
Brasil consome 95% desse total. Do mesmo modo, para o Paraguai a energia consumida
pelo Brasil em Itaipu representa 50% de todas as importações brasileiras de produtos
paraguaios (COUTO, 2013).
Nesse sentido, as rivalidades históricas e as disparidades hodiernas, representam
um grande desafio para a integração sul-americana. Samuel Pinheiro Guimarães (2005)
propõe a integração sul-americana como um dos principais eixos da inserção
internacional brasileira, com o objetivo de constituir um bloco econômico e político.
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Entretanto, este relacionamento deve se dar de forma não hegemônica “com
mecanismos de compensação e com processos efetivos de redução de desigualdades
entre os Estados da região” (GUIMARÃES, 2005, p. 294).
Questões energéticas e a disputa por recursos naturais também são alvos de
competição e disputas no Sistema Internacional como um todo. Considerando que as
grandes potências são os maiores consumidores de energia do mundo, pode-se
vislumbrar que estas venham a se envolver nas principais disputas pelo controle de
recursos energéticos nas próximas décadas. Consequentemente, tendem a aumentar as
chances de ocorrência de novas guerras por recursos energéticos, especialmente por
petróleo na medida em que as grandes potências tentem controlar cada vez mais
diretamente as reservas de recursos energéticos dos países fornecedores (KLARE, 2003;
OLIVEIRA, 2011).
Não é à toa que a proteção dos recursos naturais, especialmente da Amazônia
Azul, ganhou destaque na Estratégia Nacional de Defesa (2008) e no Livro Branco de
Defesa Nacional (2012). A defesa dos recursos naturais também se tornou prioridade
para os demais países da América do Sul, como é possível constatar através do Estatuto
do Conselho de Defesa Sul-Americano da UNASUL (2008) em seu artigo 3, alínea j6. E
é também sob a liderança da diplomacia brasileira que a defesa da reivindicação
Argentina e o cumprimento das resoluções da ONU de 1965 se tornaram consenso para
toda a América Latina, como é possível constatar pelas reuniões de cúpula da
UNASUL, Mercosul, CELAC e ALADI (PAMPLONA, 2012; MERCOPRESS, 2015)
Esta análise mostra-se pertinente, até aqui, para demonstrar a importância do Pré-Sal na
mudança de percepção de ameaças por parte do Brasil, assim como da importância da
inserção brasileira na região sul-americana no campo da segurança e defesa, para a
garantia da paz, estabilidade e soberania da região. Neste sentido, importa destacar que
o principal consenso atingido até o presente momento na UNASUL envolvendo os
debates relativos à percepção de ameaça, é justamente referente à criação de uma
estratégia comum para assegurar a soberania dos países sul-americanos sobre os seus
respectivos recursos naturais e energéticos, expressa no Estatuto do Conselho de Defesa
da UNASUL e aqui exemplificada pela fala do Secretário-Geral Ali Rodriguez Araque:
"(...) ter um continente com potencial de recursos naturais e ter o resto domundo exigindo esses recursos naturais, razoavelmente nos leva a crer que
6 Artigo 3. O Conselho de Defesa atuará conforme os princípios a seguir: j) Fomentar a defesa soberana dos recursos naturais de nossas nações. (UNASUL, 2008)
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pode haver um ponto de tensão (...) assistimos um cenário em que haverálutas globais persistentes pelos recursos naturais. Neste cenário os desafiosno que diz respeito à propriedade e alocação de recursos críticos (...) não sãoimaginários (...) os países da UNASUL têm uma oportunidade única para darum exemplo histórico com relação à abordagem regional para a gestão, odesenvolvimento e o uso dos recursos naturais (...) o Conselho de Defesa Sul-Americano entende que os desafios que terão que enfrentar as políticas dedefesa nos próximos anos, seguramente serão atendidos de forma maissatisfatória, na medida em que dermos respostas regionais e não respostasexclusivamente locais ou individuais de cada um dos nossos países” (CEED,2014).
Entretanto, a formulação política brasileira, a sua atuação diplomática e a sua
inserção na região devem ser acompanhadas dos meios necessários para viabilizar sua
política de defesa e dissuadir possíveis agressores. Com a intensificação da competição
internacional entre potências ou blocos de Estados com maiores capacidades militares,
outra tendência geopolítica a ser observada seria a de predominância do enfrentamento
indireto entre as principais grandes potências, ou seja, sem necessariamente a ocorrência
de guerras diretas. Um exemplo do crescimento desta competição fortemente
militarizada é o atual confronto Russo-Ucraniano que, em certa medida, está se
transformando em um confronto entre Rússia e EUA, sendo que este último vem
apoiando as forças de oposição a Moscou sem realizar uma confrontação direta com os
mesmos. Esta é uma tendência resultante das disputas centrais do século XX,
especialmente dos resultados da confrontação geoestratégica entre EUA e URSS durante
a Guerra Fria.
A partir deste período, as grandes potências passaram a restringir o nível de
enfrentamento de forma a evitar uma guerra direta, limitando a estratégia de confronto a
uma série de disputas indiretas, especialmente por áreas de influência. Esta estratégia de
enfrentamento indireto não se limitou ao período da Guerra Fria, e, tudo indica, tornou-
se o padrão de confronto entre as grandes potências. Caso esta tendência se concretize, é
possível “concluir” que essa modalidade de enfrentamento indireto, típico da Guerra
Fria, pode tornar-se o padrão de interação entre as grandes potências. Em um mundo
multipolar isso pode significar uma forma de guerra fria anárquica de todos contra
todos, em que o nível de tensão de uma grande potência com as demais, tende a
depender mais de fatores geopolíticos, embora possa continuar sendo afetado também
por mudanças e incertezas conjunturais.
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O aumento da competição global entre as grandes potências diante dos processos
de formação de blocos regionais
Por fim, a última grande tendência geopolítica que se destaca para o século XXI
refere-se ao processo de formação de blocos político-econômicos e processos de
integração regional. Caso se consolide, a formação de blocos regionais poderá se tornar
a base sobre a qual se dará a governança do sistema internacional no futuro, embora a
rivalidade entre os blocos regionais também pode se tornar mais frequente. Para o Brasil
é de grande destaque o avanço da cooperação e da Integração Regional sul-americana,
em que observamos avanços, mesmo que lentos, na conformação e no aprofundamento
da cooperação e integração de políticas de segurança e Defesa no âmbito da UNASUL.
Isto pode levar à possível transformação da América do Sul em uma unidade
geopolítica, com significativa capacidade para assumir peso estratégico global, podendo
esta ilha-continente constituir-se em um dos polos de poder de um mundo
progressivamente mais multipolar (VIZENTINI & WIESEBRON, 2006, VIZENTINI,
2010, GUIMARÃES, 2007).
Isso só será possível caso, conforme já mencionado anteriormente, o Brasil adote
a política de arcar com os custos da integração regional, ou seja, incentivar, desenvolver
e aprofundar os diferentes eixos da integração, que vão muito além do comércio, e
referem-se à integração político-institucional, à integração econômica e de cadeias
produtivas, da infraestrutura logística da integração (transportes, energia,
comunicações), e das políticas de segurança e defesa comuns (GUIMARÃES, 2005;
COUTO, 2013). Quanto mais integrada, maior será a estabilidade relativa da América
do Sul, com óbvias implicações para a segurança do Brasil. Esta tendência tem
múltiplas implicações para a atualização da estratégia de defesa nacional e inserção
regional, na medida em que impõe a necessidade de se incorporar de forma definitiva ao
pensamento nacional o desafio de fomentar progressivamente a cooperação em
segurança e defesa entre os países sul-americanos, eliminando o risco de guerras locais
na América do Sul e constituindo, no futuro, uma forma institucionalizada de aliança
regional de defesa contra ameaças representadas por potências ou blocos rivais extra-
regionais.
Estes elementos são centrais para a análise dos cenários possíveis nas próximas
décadas, em que um sistema internacional progressivamente multipolar pode se
consolidar como mais pacífico ou mais instável e violento. Para um país como o Brasil,
isto significa ter que se preparar para diferentes cenários, que podem variar muito, desde
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ataques indiretos (como os típicos da Guerra Fria), até ataques diretos, na forma de uma
guerra aberta, deflagrada por virtualmente qualquer uma das grandes potências.
Como já mencionado anteriormente, através da análise de Lima e Castelan
(2013), a transição do Sistema Internacional para uma multipolaridade beneficiou a
inserção brasileira, mas apenas se levarmos em consideração o contexto dos BRICS.
Visto que, essa “aliança” entre os emergentes, apesar de aumentar o poder de barganha
brasileiro no que tange a ampliação da representatividade nos regimes internacionais, é
efêmera, devido ao momento de transição no Sistema Internacional, e baseada em uma
limitada pauta comum (LIMA, CASTELAN, 2012). Porquanto, o sistema de
governança atual é profundamente assimétrico e antidemocrático, pois apesar dos
Estados serem iguais do ponto de vista jurídico, não o são do ponto de vista de
capacidades (GUIMARÃES, 2007). É nesse sentido que a manutenção de um sistema
multipolar que beneficie a inserção do Brasil necessariamente passa pela constituição da
América do Sul como um polo do Sistema Internacional (GUIMARÃES, 2007).
Se levarmos em conta a possibilidade da manutenção de um sistema multipolar
assimétrico baseado na interdependência econômica, considera-se que as atuais
principais grandes potências do Sistema Internacional EUA, Rússia e China
provavelmente continuarão a ser ao longo da primeira metade do século XXI. Elas
compartilharão a governança do sistema internacional com um grupo ainda não
totalmente definido de outras grandes potências e potências médias regionais. É nesse
contexto, que se torna fundamental para o Brasil constituir a América do Sul como um
polo, pois somente assim poderá se superar as vulnerabilidades políticas, ampliando
suas capacidades atuais e se inserir de forma autônoma no Sistema Internacional,
evitando eventuais interferências de potências extra regionais e auxiliando a
manutenção de um Sistema Internacional multipolar (GUIMARÃES, 2007). Assim, é
muito provável que blocos de Estados – como a União Europeia, UNASUL e ASEAN,
entre outros –, caso logrem sucesso em aprofundar seus respectivos processos de
integração regional, possam vir a assumir, no futuro, a função de grande potência, ou
polo de poder sistema internacional. Desse modo, reduzindo as assimetrias do Sistema
Internacional corrente.
O eventual fracasso desse processo de regionalização provocaria a manutenção
das assimetrias e, eventualmente, a cooptação ou subordinação de outras potências. Por
outro lado, este ainda é um sistema em transição e uma possibilidade que deve ser
aventada é o fim do processo de globalização e uma consequente redução da
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interdependência entre as potências que compõem o sistema. Estes cenários não são
excludentes não são excludentes entre si e aumentam ainda mais a instabilidade do
Sistema Internacional. Os últimos desdobramentos políticos levantam indícios que
apoiariam este cenário, como por exemplo: o fim da Parceria Trans-Pacífico, o
BREXIT, a proposta de reconcentração do parque industrial estadunidense, que
reduziria a mobilidade do capital, e as recentes barreiras contra imigração, que
reduziriam a mobilidade da mão-de-obra. Entretanto, este cenário também requereria
uma maior inserção brasileira na América do Sul, mas, desta feita, não para aumentar o
seu poder de barganha em fóruns multilaterais e participar da construção de regimes
internacionais, mas sim para garantir a defesa e a soberania da região.
Considerações Finais
Procurou-se demonstrar com este artigo a relevância para a Grande Estratégia
brasileira a sua inserção estratégica na América do Sul. Este é um dos objetivos
estratégicos mais ancestrais e que pode ser traçado desde o período colonial. Esta
política foi vital para ampliar o poder de barganha do Brasil e resistir ao assédio de
potências extra regionais em vários momentos de transição do Sistema Internacional,
seja na disputa entre Portugal e Espanha, seja no período napoleônico, seja na ascensão
estadunidense.
Hoje o Sistema Internacional passa por mais um momento de transição e, mais
uma vez a estratégia de inserção internacional via América do Sul se mostra vital. Se
por um lado vivemos um período de institucionalização de conflitos, a integração sul-
americana demonstra-se relevante para a ampliação do poder de barganha brasileiro. Por
outro lado, a ampliação da interdependência e o estágio atual de multipolaridade
assimétrica do Sistema Internacional, pode inaugurar uma nova fase de confrontações
indiretas e guerras locais, mais uma vez a integração sul-americana se demonstra vital
para a ampliação de capacidades brasileira que possibilite a defesa dos recursos e das
soberanias da América do Sul.
Entretanto, como procurou-se demonstrar este é um momento de transição do
Sistema Internacional. Um momento em que se desvelam duas possibilidades: a do
aprofundamento dos processos de regionalização ou o do fim do processo de
globalização como conhecemos. A primeira possibilidade diz respeito a um potencial
aumento de simetria do Sistema Internacional, em que constituir uma região (no caso a
América do Sul) como um polo, seria o principal modo de ampliar o poder de barganha
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brasileiro e sua consequente participação na construção dos regimes internacionais que
irão regulamentar o sistema. A segunda possibilidade é um tanto quanto recente, os
indícios mais fortes que apontam para a sua direção surgiram apenas na última década,
mas caso concretizada tornará o sistema ainda mais competitivo, desigual e assimétrico,
tornando vital a inserção brasileira na América do Sul para a ampliação de suas
capacidades e a sua sobrevivência em um mundo menos interdependente.
Seja qual for o futuro do Sistema Internacional, procurou-se apontar que o
caminho para a inserção estratégica do Brasil encontra-se na América do Sul. Virar as
costas para a região em um momento tão instável não seria apenas renunciar a um
acúmulo de política externa que remonta o período colonial, mas também uma atitude
temerária em uma conjuntura de crescente instabilidade no Sistema Internacional.
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