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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
Seminário de doutorado: Os perigos da bomba informática
Professor: Prof. Dr. Aires Rover
2° Trimestre de 2008
Doutoranda: Rosane Leal a Silva
WILBER, Ken. O espectro da consciência. Traduzido por Octavio Mendes Cajado. São
Paulo: Cultrix, 2007.
I. PRÓLOGO
O autor inicia a obra explicando que ela consiste na tentativa de sintetizar os
enfoques orientais e ocidentais que são utilizados para abordar a consciência, e para isso
descreve a consciência como semelhante a um espectro eletromagnético. Ao propor este
modelo científico (pois o próprio autor adverte que a consciência não é um espectro),
pretende deixar evidente as dificuldades de comunicação entre os cientistas ocidentais e
orientais, posto que os primeiros consideram que a mente oriental seria regressiva,
primitiva ou débil. Os orientais, em contrapartida, consideravam que a parte ocidental
representa as ilusões, ignorância e despojamento espiritual.
As controvérsias entre os cientistas, que se colocam em dois universos distintos
(ocidente e oriente) ocorre porque não é percebido que, em verdade, a diferença entre eles
é que abordam espectros distintos da consciência, o que aponta para a inexistência de real
controvérsia, pois esta só ocorreria se ambas as correntes tivessem falando sobre o
mesmo aspecto, o que não acontece. Assim, longe de serem antagônicas, em verdade as
abordagens ocidentais e orientais da consciência são complementares, sendo que cada
nível só existe em razão do outro.
A abordagem realizada na obra recai sobre três níveis principais, escolhidas em
razão de sua fácil identificação, que são: 1) nível do ego, 2) nível existencial, 3) nível da
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mente. Junto com eles serão estudadas faixas menores, que são: 1) nível transpessoal, 2)
nível biossocial, 3) nível filosófico, 4) nível da sombra, objetivando sobretudo coordenar
as conclusões que os diversos cientistas apresentaram sobre o assunto, com vistas a
oferecer um apanhado dos vários enfoques orientais e ocidentais, bem como coordenar as
várias sínteses que se apresentam no âmbito do próprio enfoque ocidental (enfoques da
psicoterapia e da psicologia, pois as várias escolas – freudiana e junguiana, por exemplo,
se dirigem a níveis diferentes do espectro da consciência).
Desta forma, a consciência apresenta níveis, cada um responsável por uma função,
a saber:
1) o nível do ego é o da consciência, que tem a função de compreender o papel de cada
pessoa em seus aspectos conscientes e inconscientes. Neste nível se encontram os vários
papéis que a pessoa desempenha (pai, profissional, amigo, marido, etc) e ele inclui a
mente;
2) o nível existencial, que é o principal, abrage o organismo como um todo, em suas
manifestações ligadas a psique, ligando-se ao símbolo da auto-imagem que cada pessoa
tem de si mesma e forma a consciência separada do eu. No nível existencial inclui a
mente e o corpo e é o que se percebe sob a auto-imagem, produzindo a sensação de que a
existência do sujeito se dá de forma apartada ou independente das suas experiências. O
nível existencial inclui a mente e o corpo;
3) o terceiro nível (mente), por sua vez, envolve a consciência mística, proporcionando a
sensação de que a pessoa se integra ao universo, ou seja, este nível constitui uma síntese
dos anteriores, pois inclui a mente, o corpo e o resto do universo, numa espécie de
simbiose.
A maioria dos enfoques ocidentais teve como objeto de análise os níveis do ego e
existencial, o que resulta na visão de que a pessoa é um individuo existente em si mesmo
e separado. Os enfoques orientais, por sua vez, privilegiam o nível da mente, o que faz
com que ultrapassem o egocentrismo no qual está limitado o enfoque ocidental, em
direção à transcendência da análise do eu individual.
O autor sustenta que cada enfoque oferece grandes contribuições e que podem ser
utilizados separados, como ocorre hoje, mas que as contribuições seriam ainda maiores se
fossem utilizados de maneira complementar, pois as psicologias ocidentais podem
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auxiliar as pessoas que vivem com o ego isolado, como se somente houvesse elas no
universo, para que percebam os demais seres e elementos que o integram, o que serviria
de preparação preliminar para a utilização dos enfoques orientais.
O que se constitui em equívoco é a visão fragmentada dos diferentes enfoques,
como se fossem antagônicos, pois são complementares: enquanto o ocidental visa a
fortalecer o ego e o fortalecimento da confiança, a integração do eu e a correção da auto-
imagem, com o estabelecimento de metas realizáveis (o que não libertaria a pessoa de
todas as dores e problemas, mas atenuaria as neuroses normais), a abordagem oriental se
propõe a transcender o nível do ego, no qual fica centrado o enfoque ocidental, buscando
a libertação, a virtude do absoluto e a iluminação, o que conduziria a um nível de
entendimento mais rico.
O autor critica aqueles que não ultrapassam o nível do ego em direção ao da
mente, embora não negue o valor das descobertas daqueles que ficam no nível do ego,
pois isso contribui para que se alcance o nível da mente. Todavia, diz que não se pode
pretender ter um visão total renegando-se o que existe nos outros níveis e com isso
introduz a noção de subavaliação, processo que permite a avaliação do que foi obtido
num determinado nível de consciência quando se ascende a outro. Assim, ao atingir um
outro nível, considera-se que aquele é mais real, mais básico e significativo que o
anterior, conduzindo ao sentimento de que os anteriores são ilusórios.
II. DOIS MODOS DE CONHECER
Da mesma forma que ocorrem os dualismos entre espírito e matéria, entre os
enfoques ocidentais e orientais da consciência, também ocorre entre os modos de
conhecer, que operam a partir de cisões.
Ao analisar os modos de conhecer, o autor sustenta que a busca pelo
conhecimento produz, paradoxalmente, ao desconhecimento, pois são produzidos campos
simbólicos para explicar o que é conhecido (para traduzir o que se conhece), e estes
campos simbólicos operam uma cisão entre o sujeito e o objeto, o pensador e o pensado,
o conhecedor e o conhecido, etc. Cria-se, assim, uma visão dualista do conhecimento que
acaba tornando o objeto falso em si mesmo.
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A forma de conhecimento dualística, que opera em cisão (colocando em campos
opostos o sujeito e objeto; mente e corpo; bem e o mal; verdade e falsidade; destino e
livre arbítrio; espaço e tempo...) é própria do ocidente, manifestando-se em sua filosofia,
teologia e ciência, todas oriundas da filosofia grega, que se estabelece sobre dualismos.
O enfoque dualístico produz uma série de contradições, mas apesar delas, ele se
encontra enraizado na forma de pensar e agir das pessoas, mostrando-se uma tarefa
bastante difícil superá-lo. A superação desta condição exige, segundo o autor, que se leve
às últimas conseqüências este enfoque, pois só assim será possível perceber as suas
insuficiências, possibilitando o discernimento dos enganos.
Um caminho para se levar às últimas conseqüências este enfoque, revelando seus
enganos, seria pela experimentação, mas o próprio autor revela as dificuldades disso,
posto que a maioria dos ramos da ciência também opera sob esta lógica. Assim, a
exceção da matemática, da física e da ecologia, que têm desafiado esta lógica, as demais
se mantêm dentro dela, o que demonstra que a percepção das fragilidades e insuficiências
do modo dualístico de conhecer é algo recente.
Ao evidenciar como se construiu este dualismo, o autor deixa claro que as idéias
de mensuração, de quantidade e a busca pelo conhecimento que tivesse como base a
razão (e não mais as revelações divinas) deram impulso às visões dualísticas, pois
operavam a partir de um corte, onde a realidade, vista como objetiva e mensurável ficava
separada das dimensões subjetivas, que envolviam a possibilidade de emoção. A
verdadeira observação e apreensão do sentido das coisas dependeria da separação entre
observador e observado, impondo-se ao primeiro neutralidade e afastamento para não
contaminar o objeto. A crença que vigorava era de que a ação do observador (o ato de
observar, mensurar, medir, verificar) não alteraria a realidade da coisa em si e que o
universo ficaria limitado somente ao que era passível desta verificação. Logo, tudo o que
fugisse deste limitado esquema, desta moldura, não existia ou sua existência era
insignificante.
Nesta acepção, o conhecimento é limitado a uma moldura criada, tornando-se um
conjunto de dogmas hermeticamente fechados e todo aquele que ousasse adotar posição
diferente diante da realidade seria logo criticado.
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A evolução da ciência, especialmente na área da física (com a revolução
quântica), conduziu os cientistas a perceberem que a construção dualística era um mito
(muito bem engendrado, mas um mito) e que a suposição, até então em vigor, de que era
possível trabalhar “[...] como amadores no universo, sem afetá-lo, era insustentável.”
(WILBER, 2007, p. 31). Finalmente, começava-se perceber, naquela área do
conhecimento, que sujeito e objetos estavam intimamente ligados, o que acaba por abalar
os fundamentos que serviram de base para a construção do conhecimento científico.
Portanto, ao lado da crença da cisão, começam a surgir alguns questionamentos,
tais como: se tudo pode ser medido e se somente o que pode ser verificável existe, quem
mede o verificador? Isso mostra que nenhum sistema observador pode observar-se
enquanto observa, o que evidencia um ponto cego, ou seja, o reconhecimento da
incompletude daquela construção.
III. A REALIDADE COMO CONSCIÊNCIA
A crença de que tudo era certo começa a ser abalada pelo sentimento de incerteza,
o que coloca em suspenso (ou interroga) a velha ciência, que reconhecia como existente
somente aquilo que era passível de verificação.
A maior dificuldade em refutar os argumentos contrários ao conhecimento
dualístico era a fonte de onde os questionamentos provinham, eis que a insuficiência de
suas bases tinha sido revelada pela física (pois se fosse denunciada pela filosofia seria
mais fácil desconsiderá-los). Era a própria racionalidade mostrando as insuficiências do
pensamento racional.
Os novos físicos (com destaque para Albert Einstein) tentam abandonar o
dualismo, a começar pelo dualismo entre espaço e tempo, energia e matéria e espaço e
objetos.
Wilber cita Eddington (2007, p. 35), numa passagem em que este autor explica
que há duas espécies de conhecimento: o íntimo e o simbólico, sendo que enquanto o
primeiro não se sujeita às codificações, não se traduzindo em conceituações e por isso
mantendo-se mais perto da realidade, o segundo se afasta dela, justamente porque tenta
codificá-la, o que conduz a que se perca a intimidade, substituindo-a pelo simbolismo.
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Assim, os símbolos que são criados para explicar a realidade acabam por distorcê-la,
criando uma imagem ilusória. Esta foi a atividade realizada pelas ciências, que não
trabalhavam com o própria realidade, mas com a impressão distorcida que se fazia dela,
ou seja, com as representações simbólicas do mundo, com suas imagens.
Assim, foram construídos mapas simbólicos para explicar a realidade, que é o
território. O maior problema consiste em que muitos, a partir disso, passaram a acreditar
que o território (a realidade em se tratando de conhecimento; a mente em relação à
consciência) consistia realmente naquilo desenhado no mapa geográfico, numa atitude
perigosamente reducionista.
Embora a ciência em geral tenha começado pelo modo simbólico de analisar a
realidade (atendo-se ao mapa), os progressos da física revelaram sua insuficiência,
apontando a necessidade de se chegar ao território. Da mesma forma isso acontece com
as abordagens religiosas, pois, conforme o autor, o Taoísmo reconhece duas formas de
conhecer: o conhecimento convencional (tal como o universo é convencionado pelas
pessoas) e o natural (como ele é realmente). O Hinduísmo caminha no mesmo sentido,
falando do modo superior e do inferior de conhecer as coisas, sendo o último a forma
inferencial de conhecer, baseada em conceitos e comparações que separam o conhecedor
do conhecido; ao passo que o conhecimento superior não opera nesta lógica de cisão. De
igual forma isso acontece na teologia cristã, com o conhecimento crepuscular (dual,
operando com mapas simbólicos) e o alvorecente (maneira divina de conhecer,
reconhecida pela teologia cristã. Isso não se mostra diferente do Budismo (WILBER,
2007, p. 38).
Portanto, quer na área das ciências, quer na das abordagens da consciência
(realizadas no ocidente e no oriente), ou nas religiões, o que fica evidente é que o modo
de conhecer e de explicar as coisas se dá pelo pensamento simbólico, calcado em
conceituações e representações construídas a partir da cisão entre sujeito e objeto,
representação da realidade e realidade, na qual esta última acaba limitada ao que
convencionalmente se entende como tal, havendo muita resistência em romper com este
modelo.
O autor refere que embora se saiba que a física já evoluiu, revelando que há duas
formas de conhecer a realidade e que o enfoque calcado nos simbolismos não conduzirá
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ao conhecimento do território (realidade), mesmo assim há grande resistência em
reconhecer as incompletudes desta visão, o que contribuiria para dificultar a sua
ultrapassagem. Desta forma, a pessoa fica presa, lutando com todas as forças para manter
a ilusão que construiu.
Ao transferir os ensinamentos sobre as duas maneiras de conhecer para os
diferentes níveis da consciência, diz que a identidade pessoal esta ligada ao nível da
consciência a partir do qual se opera e que as mudanças na forma de conhecer produzirão
alterações no sentido básico da identidade. Adverte, porém, que quando se afirma que o
conteúdo da forma não-dual de conhecer é a realidade absoluta (revela o universo como
realmente é e não como é convencionado e simbolizado), isso é apenas uma forma
metafórica de expressar esta idéia, vez que, ao separar em realidade e conhecimento da
realidade estar-se-ia recaindo no mesmo enfoque dualístico repudiado, o que o leva a
concluir (WILBER, 2007, p. 45):
Chegamos, portanto, a uma surpreendente conclusão. Visto que os modos de conhecer correspondem aos níveis de consciência, e visto que a Realidade é um modo particular de conhecer, disso se segue que a Realidade é um nível de consciência, o que, todavia, não quer dizer que a “substância” da realidade seja a “substância da consciência”, nem que os “objetos materiais”sejam realmente feitos de consciência, nem que a consciência seja alguma nuvem nebulosa de algum grude não-diferenciado. Quer dizer apenas – e aqui precisamos voltar atrás temporariamente, e recorrer à linguagem dualística – que a Realidade é o revelado a partir do nível não-dual da consciência a que demos o nome de Mente. Que ela é revelada é uma questão de fato experimental; o que é revelado, contudo, não pode ser precisamente descrito sem voltarmos ao modo simbólico de conhecer. Assim sendo, sustentamos que a realidade não é ideal, não é material, não é espiritual, não é concreta, não é mecanicista, não é vitalista – a Realidade é um nível de consciência, e só este nível é Real. (grifos do autor).
Com a percepção acima transcrita é possível, segundo o autor, juntar num só nível
o observador e o observado, ou seja, o sujeito e o objeto estariam fundidos e isso
proporcionaria a superação do modo dualístico de conhecer, o que, por conseguinte,
abalaria a própria noção de identidade, pois o objeto não seria mais estranho.
Para corroborar sua tese, apresenta as tradições que subscreveram esta idéia,
comunicando suas principais bases. Antes de adentrar na abordagem, porém, adverte que
é preciso tomar bastante cuidado com as palavras que serão utilizadas para indicar ou
sugerir a realidade, pois a linguagem recorre a imagens e símbolos, o que permite um
retorno às representações.
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Explica que no primeiro tipo de elaboração simbólica, as palavras podem ser
utilizadas de forma linear, unidimensional, analítica e lógica, reduzindo a complexidade
da realidade a simples linhas, como é comum nos tratados jurídicos e publicações
científicas. Esta classe pode dividir-se em dedutiva, indutiva, alógica, analógica, binária,
metalógica.
No segundo tipo, aparece a imaginação, o que relaciona esta elaboração simbólica
com as atividades artísticas, com os sonhos e, embora não se apresente de forma lógica,
como o anterior, em verdade carrega um significado que pode ser percebido com um
simples olhar.
O problema destas duas formas de elaboração simbólica é que nenhuma delas
consegue explicar a realidade, pois utilizam os meios: a) analógico (descreve a realidade
como parece ser), b) negativo (descreve a realidade de modo negativo, o que significa
que é desviando os olhos dos mapas que se consegue chegar ao território) c) e injuntivo
(que convida a conhecer a realidade por si só, o que demonstra que embora a realidade
não posa ser descrita, pode ser indicada por grupos de regras e experiências, o que leva a
sustentar que a mente ou consciência é a realidade; apresenta a idéia do que se pode fazer
para chegar à realidade). Assim, somente este último meio permitiria que se chegasse à
realidade.
Faz um retorno às tradições para mostrar que o modo de conhecer que não faz a
separação entre sujeito e objeto, mas que os integra (universo que se conhece a si mesmo)
corresponde à mente.
Capítulo IV. TEMPO/ETERNIDADE, ESPAÇO/INFINITO
O autor inicia o capítulo dizendo que a realidade é um nível de consciência, o da
mente não-dual e que falar sobre isso é bastante difícil, porque quase todos os autores e
pessoas trabalham com a idéia de que a consciência não pode estar no objeto,
pertencendo apenas ao sujeito que conhece, reproduzindo uma forma de raciocínio que é
resultado da visão dualística. A partir do momento em que se reconhece que a
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consciência é a realidade e que esta é não-dual, a consciência pode ser encarada como a
Subjetividade Absoluta, que fica acima do dualismo, abrangendo os dois.
Ele faz uma crítica porque a maioria das pessoas sente que o seu ego, o seu eu, é o
sujeito das suas experiências e pensamentos, mas na verdade, o eu subjetivo é apenas um
objeto de percepção, não sendo um sujeito real. O que olha, vê, não é o eu (ego
subjetivo), pois seu o meu eu pode ser percebido, ele não pode ser o que percebe.
A partir disso o autor faz toda a análise da questão da subjetividade e introduz o
conceito absoluto do eu-eu, a mente que pensa antes de pensar-se, explicando que isso é a
chamada Subjetividade Absoluta (antes nominada como consciência não-dual). Quando
ele fala em mente como subjetividade, não quer caracterizá-la como objetiva ou
subjetiva, mas se refere a algo que mantém em harmonia o sujeito e o objeto.
Diz que é um equívoco tomar o ego pelo eu, separando o eu dos objetos externos,
pois isso vai recair no modo dualístico e simbólico de conhecimento.
Todo o equívoco e fonte de ilusão é o processo de objetivação, em que se tenta
reduzir a realidade num objeto que é visto através de um sujeito. A ilusão se origina da
forma como se trabalha com os mapas simbólicos, sendo que a realidade nunca é vista
como um sujeito e sim como um símbolo que expressa a realidade.
A conceituação e a objetivação são atos primordiais da objetividade e isso causa a
falsidade da Subjetividade Absoluta. Esta constatação não significa que o homem deva
abandonar o uso da linguagem, apenas deixa claro que para chegar até o território é
necessário identificar os símbolos que são utilizados para representá-lo e não confundir
os símbolos com a realidade.
O modo de conhecer não-dual é universalmente reconhecido, da mesma forma da
metáfora da Subjetividade Absoluta. Na teologia cristã se utiliza a idéia de divindade
(reino dos céus), no Hinduísmo é tratado por Artman (o conhecedor supremo em cada um
de nós); no Budismo Mahayana este dentro do qual é além chama-se Dharmadhatu ou
campo universal; no Budismo Ch’na, a posição de Subjetividade Absoluta é do estado de
conhecer a realidade não-dualmente e denomina-se Anfitrião, em oposição a conviva, que
é o que conhece a realidade através de conceitos objetivos. No Taoísmo, o homem que
conhece a realidade é o homem superior.
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É interessante que o autor faz uma síntese disso dizendo que toda a discussão
sobre a Subjetividade Absoluta, o que conhece (também chamado de homem supremo, o
anfitrião, a testemunha, a subjetividade absoluta, a divindade, homem universal) é a
Mente, a própria realidade. O que é separado, o homem como objeto de conhecimento, é
o ego, a pessoa individual, separada e alienada.
Para o autor, a separação entre sujeito e objeto é feita pelo espaço. O espaço, ao
criar a separação, conduz a que se pense que o eu subjetivo é real e que ele está separado
dos objetos de percepção. O autor diz que isso é falso, pois o eu não é real, já que pode
ser observado e percebido. No momento em que se coloca o sujeito separado, ele é
apenas um complexo de elementos com os quais o homem se identifica, sendo apenas um
pseudo-sujeito.
Na procura do verdadeiro eu, o que se encontra na verdade são objetos de
percepção. Na Subjetividade Absoluta, por outro lado, não há o espaço entre sujeito e
objeto, não há distanciamento e sim comunhão entre sujeito e objeto.
Toda a criação, inclusive o espaço, é uma ilusão, pois o verdadeiro eu não
conhece o universo à distancia. Da mesma forma, o infinito está presente em cada ponto
do espaço e todo o infinito está presente em cada ponto do tempo, pois todo o tempo é
agora e todo o espaço é aqui (WILBER, 2007, p. 75).
O autor refere que há um consenso filosófico de extensão universal que entende
que a realidade é eterna.
O Budismo tem como meta despertar para o presente eterno, e isso mostra a idéia
de que o tempo não tem existência real. Na mesma senda segue o Islamismo, pois
Jalalu’d Rumi, ao falar de Deus, diz que a Sua existência em relação a um tempo passado
ou futuro é convencionado pelas pessoas e que o verdadeiro seguidor o Islamismo
Esotérico se chama Filho do Momento (WILBER, 2007, p. 77).
Na mesma linha vão os físicos quânticos, que destruíram a noção de tempo serial
e substituíram isso pelo aqui-agora infinito e é por isso que a mente não pode ser
destruída pelo tempo.
A idéia central é de que a mente não pode ser destruída pelo tempo, pois ela é
atual, é agora.
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A mecânica quântica e a teoria da relatividade produziram uma nova teoria, de
que espaço, tempo e objetos são contínuos. O espaço é algo que encerra objetos e ele não
existe fora dos objetos, pois circunda os objetos. Espaço e objeto, então, são um. Como
os objetos precisam ter uma duração no tempo, a existência da duração depende dos
objetos, pois sem eles não haveria esta duração. Isso mostra que tempo e objeto são um e,
por conseguinte, espaço e tempo também são um, mostrando que espaço, tempo e objeto
são dependentes e inseparáveis (WILBER, 2007, p. 77).
O autor lembra que as coisas são produtos do pensamento (convencionais) e não
reais e segundo sua visão, a coisa é apenas uma figura recordada.
O autor apresenta uma explicação para a linha do tempo, dizendo que o homem
corta o mundo num vasto número de fatias e vai dispondo delas linearmente,
sucessivamente. Esta linha pela qual utiliza as coisas é o tempo. Assim, o tempo nada
mais é do que a maneira sucessiva de que se vale o pensamento para encarar o mundo
(WILBER, 2007p. 79).
Como o homem olha para as coisas de forma linear, sucessiva e temporal, conclui
que a natureza segue desta forma e ignora que esta linearidade não existe, sendo apenas
uma maneira como as coisas são vistas. Na verdade, há um número infinito de processos
que ocorrem ao mesmo tempo, simultaneamente: acontece a todo o momento, em toda a
parte, e isso faz com que a natureza não prossiga numa linha linear.
A idéia de que há uma coisa que procede a outra está ligada à memória, pois sem
memória não se teria a noção de passado, que é o que informa e projeta um tempo futuro.
É a memória que conduz esta informação sobre estes fenômenos, criando a ilusão do
tempo.
Com isso fica-se com a idéia de que a memória informa sobre algo real, o que
produz um sentido vivo do tempo, fazendo crer que ele está se movendo em direção ao
futuro. Na verdade, quando se utiliza a memória, não se está trabalhando com o passado
real, mas como imagens que são um pensamento presente. A mesma coisa vai acontecer
com o futuro, que vai ser sempre um pensamento presente. Só se consegue conhecer o
passado e o futuro como parte do presente. A mente será sempre o agora e este é somente
o único tempo que existe (isso já era dito por Santo Agostinho). O passado se identifica
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com a memória e o futuro com a expectativa e ambos ocorrem no presente, conforme
entendimento de Bertrand Russell (WILBER , 2007, p. 80).
Quando se consegue compreender que a memória é percebida como experiência
do presente, tal qual a expectativa do futuro, a ilusão do tempo cai por terra. Isso conduz
ao desmoronamento do passado e do futuro e o tempo se esvai na eternidade.
O autor nega a existência do tempo e do espaço e diz que para ver o mundo
corretamente, experimentando a Subjetividade Absoluta, além de abolir o dualismo
temporal e o dualismo espacial (todos ilusórios) tem que se compreender que tempo e
espaço não podem ser abolidos porque não existem, não passando de ilusões criadas.
O estado de percepção que não é dual é a mente, pois é ela que mostra que o
sujeito não se desprende do objeto. A percepção não-dual é a Subjetividade Absoluta.
O verdadeiro conhecedor é o que está em comunhão com o universo de
conhecimento: a Subjetividade Absoluta conhece o universo simultaneamente, sem
seqüência de tempo ou espaço.
O autor diz que como a maioria das pessoas esquece disso, ele seguirá a idéia do
espectro da consciência desde a base até o momento em que somos egos divorciados do
corpo.
CAPÍTULO V. EVOLUÇÃO DO ESPECTRO
Para acontecer a compreensão, para descrever a geração do espetro a partir da
Subjetividade Absoluta é preciso compreender que existe a só mente não dual, e que
isso faz a pessoa se identificar com o todo e ficar em comunhão com o universo.
Quando isso acontece se está no primeiro nível da consciência, que é a mente.
Como o homem apresenta dualidades e cria mundos (irreais, aparentes) acaba se
segurando no dualismo eu/não-eu, organismo/meio ambiente, e com isso se transfere de
uma identidade cósmica, com o todo, para uma identidade pessoal, com o seu organismo.
Quando isso ocorre tem-se o segundo nível da consciência, que é o existencial,
mostrando o homem identificado com o seu organismo.
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Isso é tão sério que a maioria das pessoas não se identifica nem mesmo consigo,
pois não se considera um corpo, mas que tem um corpo. O eu que tem é o ego e com isso
faz com que a pessoa se transfira de um organismo como todo para o ego, ficando
resumida a ele. Neste momento, tudo fica centrado no terceiro nível da consciência, que é
o ego.
O autor explica que cada nível do espectro da consciência representa a aparente
identificação da Subjetividade Absoluta com um grupo de objetos, como se estivessem
um contra os outros. O espectro tem várias faixas e níveis, embora o autor advirta que só
escolheu alguns níveis para trabalhar mais pormenorizadamente e que seu estudo será das
distinções sobrepostas à realidade.
O autor explica (p. 89) que quando o homem corta alguma um espaço, cria dois
mundos a partir de um e pousa diretamente num mundo de aparências. Este rompimento
é o dualismo primário (separa entre conhecedor e conhecido, infinito/finito).
O autor diz que ao criar mapas simbólicos, o homem se perde e não chega até o
território. O ato de cortar, de criar o universo a partir de corte dá origem ao dualismo
primário.
Na verdade, segundo sua tese, todas as pessoas são ignorantes porque não
conseguem superar o modo dualístico de ver e o pensamento é o principal instrumento
que produz esta ignorância, pois é ele que é responsável pela criação do universo
convencional.
O autor mostra como se deu a cisão, fala da teologia cristã, onde são utilizadas
imagens para apresentar ao intelecto algumas sugestões do infinito e fala da forma como
se criam palavras para representar o pensamento, produzindo cisões: luz e trevas, água e
águas (Gênese), dia e noite, macho e fêmea (expressa muito mais a dualidade do que
sexualidade). Quando Adão come o fruto da árvore do conhecimento, este conhecimento
é do bem e do mal, ou seja, tudo expressa uma idéia dualística (WILBER, 2007, p. 92-
93).
As duas metades do dualismo podem ser chamadas de sujeito/objeto;
macho/fêmea; interior/exterior; céu/terra; sol/lua; ying/yang; eu/outro; libido do
ego/libido do objeto; organismo/meio ambiente.
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Da mesma forma como o dualismo primário, o homem se vê identificado com o
seu organismo e em confronto com o meio ambiente. Isso o faz imaginar real este
dualismo, o que principia o espectro da consciência.
Utilizando-se de uma série de desenhos, a começar por uma grade, explica que a
partir do que é construído já não se enxerga mais a unidade que estava sob ela, que é não
notada quando fica reprimida e entrecortada pela grade, tornando-se a multiplicidade de
coisas separadas. Representa o que acontece quando se pega a não-dualidade, reprime e
projeta ela como multiplicidade, originando o dualismo-repressão-projeção (WILBER,
2007, p. 96).
Wilber (2007, p. 97), a partir de um complexa construção, explica que o dualismo
primário é o dualismo-repressão-projeção, que desmembra o processo, reprime-lhe o
caráter não-dual ou unitário e projeta-o como dois pontos aparentemente antagônicos.
Isso gera uma nova faixa do espectro da consciência, o que aumenta a ignorância do
homem sobre a sua Identidade Suprema.
As faixas entre o nível da mente e o nível existencial são denominadas de faixas
transpessoais, onde se encontra o inconsciente coletivo, a percepção extra-sensorial, a
testemunha transpessoal, a projeção astral, as experiências fora do corpo, as
clarividências (WILBER, 2007, p. 97).
O autor explica que o nível existencial é produzido com o dualismo primário-
repressão-projeção, no qual se desmembra a mente, reprimindo-se a sua não-dualidade e
logo a projetando como organismo versus meio ambiente. Isso faz com que tudo se
concentre na identidade pessoal e o todo é convertido para o seu organismo, fazendo com
que ele saia da subjetividade absoluta para o mundo de dualidade, marcado pela cisão
sujeito/objeto.
Este processo origina a criação do espaço (o espaço é produzido pelo
distanciamento entre o vedor e o visto) ocorrendo a produção do tempo, cuja gênese traz
a evitação da morte pelo homem.
O medo da morte surge exatamente da separação que ele produz entre o homem e
o meio ambiente, o que faz com que a existência do seu organismo ganhe destaque e se
torne um problema soberano para o homem. Como ele não consegue compreender que a
vida e a morte são uma coisa só, passa a temer a morte e a aniquilação, e deste dualismo
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primário segue-se o segundo dualismo: repressão-projeção: “[...] o homem desmembra a
unidade entre a vida e a morte, reprime-a e projeta-a como guerra contra a
morte”(WILBER, 2007, p. 100).
O autor explica que ao fazer isso o homem desmembra a unidade do momento
presente, pois ao recusar a morte, ele recusa o fato de não ter futuro. Ao fazer isso, ele
também recusa o momento presente e ao recusá-lo, não vive de maneira alguma.
No nível existencial, a fuga da morte, além de gerar a cega vontade de vida, ainda
colore cada parte da vida, fazendo com que se produza uma imagem idealizada das
coisas, que é o ego. Wilber (2007, p. 101) explica que “[...] na ansiedade de fugir à morte,
a vida do próprio organismo se desmembra, sua unidade se reprime e, em seguida, se
projeta como psique versus soma, como a alma versus o corpo, como o ego versus a
carne.”
Como a imagem ideal de si mesmo (o ego) parece prometer algo mais ao homem
(a imortalidade) a sua fuga da morte é, ao mesmo tempo, a fuga ao corpo, origina-se o
terceiro dualismo-repressão-projeção: psique versus soma. Tudo o que resta à mente é a
percepção do corpo, que é sentido como algo sobre o qual o homem tem propriedade.
No momento em que ocorre a identificação exclusiva do homem com o ego e a
simultânea alienação do corpo, o homem é conduzido ao modo dualístico e simbólico de
conhecer.
O autor refere que ao lado da percepção dual e simbólica existe a percepção
organísmica, que é sensual e não-simbólica, não-conceitual. A percepção organísmica é a
percepção do presente, sendo intertemporal e inespacial. Esta percepção, por ser pura,
participa da Subjetividade Absoluta.
Os dualismos construídos (primário e secundário, com a separação simbólica
entre interior e exterior; passado e futuro) limitam e reduzem a Identidade Suprema do
homem, fazendo com que ele fique no nível existencial, ou seja, identificado tão-somente
com o seu organismo tal como existe no espaço (dualismo primário) e no tempo
(dualismo secundário). Estes dois dualismo, operando juntos, transformam a percepção
organísmica não-limitada (Subjetividade Absoluta) em percepção existencial. (WILBER,
2007, P. 104).
16
Como a percepção existencial envolve tempo e espaço e o homem tenta
desesperadamente ter outro presente a sua frente (ou seja, ter futuro, fugir da morte),
acaba produzindo um presente efêmero. A geração do tempo, sobretudo como presente
passageiro, está intimamente ligada à vontade, fazendo com que o nível existencial seja
marcado pela vontade que o homem tem de vida contra a morte (vontade deve ser vista
como um ato de ser total da pessoa) (WILBER, 2007, p. 105).
O autor diz que todos estes aspectos do nível Existencial são o que parecem ser a
Mente após a ocorrência do Dualismo Primário (cisão entre interior/exterior – espaço) e
do Dualismo Secundário (cisão entre passado e futuro – tempo) e que embora o homem
compreenda mal o que acontece, em verdade, neste nível Existencial, o homem ainda
está em comunhão com os sentidos e o corpo. A percepção existencial pode se chamar
centáurea.Todavia, no momento em que se produz o Dualismo Terciário (separação da
psique da carne, fuga do homem para um mundo de símbolos estáticos) o centauro se
esfacela e o homem passa a identificar-se unicamente com o seu ego. O Dualismo
terciário nada mais é do que a cisão entre a psique e a soma, o que conduz o homem ao
Nível do Ego.
Quando o homem atinge o nível do Ego, ele corta todos os vínculos
remanescentes com a consciência organísmica não-dual e ele aceita que, em lugar da
realidade, seja colocada a intelecção, a fantasia, a imaginação. O conhecimento do mapa
simbólico se cristaliza plenamente.
O autor, após apresentar algumas evoluções sobre o nível do Ego, retorna ao
Nível Existencial para dizer que nele o homem, embora erroneamente, ainda está em
contato com o seu organismo total, sua unidade psicossomática e que este nível apresenta
como principais dualismos o eu versus o outro (o organismo versus o meio ambiente) e a
vida versus a morte.
O autor refere que neste nível o dualismo que se mostra mais facilmente é o eu
versus o outro, ou seja, o sentimento de identidade parece estar destacado do meio
ambiente. Caso este dualismo se dissipasse, haveria a transferência do homem para o
Nível da Mente.
Conforme ressaltado, há inúmeros fatores (biológicos, culturais e sociais) que
interferem na formação do Nível Existencial, moldando como o organismo percebe e age
17
em relação ao meio ambiente. Cada indivíduo interioriza a sociedade de uma forma, o
que produz a faixa Biossocial, que representa os limites superiores do nível Existencial.
Esta faixa é inconsciente (WILBER, 2007, p. 108).
Dentre os vários conjuntos de relações que constituem esta faixa, a linguagem
desempenha um importante papel, pois ela cria distinções, ou seja, a linguagem e seu
produto de intelecção abstrata constituem a principal fonte de dualismos do homem.
Desta forma, os processos lingüísticos cumprem importante papel de fatiar a
realidade, introduzindo dualismos e depois, ingenuamente, o homem acredita neles.
A faixa Biossocial (com a linguagem e as instituições sociológicas) é a matriz das
distinções que dividem convencionalmente o universo, reforçando os dualismos (como
sujeito/verbo que reforça o dualismo primário organismo versus meio ambiente).
A Faixa Biossocial ainda cumpre outras três funções: a) faz parte do sentimento
de o homem ser separado e distinto do meio ambiente, modelando e enrijecendo o
dualismo entre o eu e o outro; b) fornece símbolos para o pensamento, produzindo idéias;
c) oferece alimento para o pensamento e também alimento para o ego, agindo como
reservatório a partir do qual muitas características do ego são modeladas.
Wilber (2007, p. 111) resume da seguinte maneira a geração do espectro da
consciência no Nível do Ego:
O dualismo Primário ocorreu, reprimindo a Mente, projetando-a como
organismo versus meio ambiente, e gerando o Nível Existencial à
medida que o Homem se identifica com o seu organismo em contraste
com o meio ambiente. Isso desencadeia o Dualismo Secundário da vida
versus morte, o qual, por seu turno, gera o dualismo Terciário entre a
psique e o soma, que assinala a emergência do Nível do Ego.
O Nível existencial é definido como identificação sentida mais ou menos total
(organismo psicossomático existente no tempo e no espaço) e o Ego é a representação
simbólica e mental do organismo psicossomático, ou seja, é uma auto-imagem
relativamente precisa, de acordo com a convenção, sendo relativamente aceitável e
saudável. O eu, desta forma, é apresentado como um conjunto de lembranças,
identificado com o passado.
18
Como esta constante miragem do passado não lhe traz felicidade, ele projeta o
futuro, como se houvesse um bonito prêmio ao final da caminhada. A ilusão da
premiação o consola e faz agüentar as misérias do presente.
Como o ego passa o tempo todo correndo atrás da felicidade futura, logo ele
começa a identificar a felicidade com o fato de correr atrás, e isso faz com que se corra
cada vez mais depressa. O Ego jamais consegue experimentar a alegria, que é do
momento presente. Como ressalta Wilber (2007, p. 113) “Assim o homem, no Nível do
Ego, tenta evitar a morte do Momento intertemporal vivendo num passado que não existe
e buscando um futuro que nunca chegará.”
Segundo o autor, o instrumento que o homem utiliza para esta tentativa é o mapa
simbólico. Isso oferece problemas quando se confunde o mapa com o território,
passando-se a acreditar que a realidade é tal qual a forma como é reproduzida.
Nesta linha de idéias, o autor diz que o conhecimento do mapa simbólico é um
dos ingredientes do processo de transferência de informação, conhecido por
comunicação, fenômeno complexo, que pode operar em vários planos distintos, pois
junto com a linguagem há a metalinguagem (o autor fala da linguagem do corpo), que
pode contribuir para que se entenda a mensagem (ou não). Muitas vezes a pessoa se
confunde na análise da linguagem e da metalinguagem, o que a conduz a atribuir
significados diversos a esta última, produzindo problemas em seus hábitos
metacomunicativos. Isso forma o quarto Dualismo-Repressão-Projeção ou dualismo
quaternário-Repressão-Projeção - o que acontece quando as mensagens e metamensagens
se contradizem mutuamente (WILBER, 2007, p. 114).
A distorção dos processos de comunicação e metacomunicação podem se dar ao
Nível do Ego - predominantemente (embora não se dêem somente neste Nível), o que
ocorre quando o indivíduo separa e aliena de si certas facetas, não as percebendo em si
mesmo, mas as projetando no meio ambiente. Isso conduz ao empobrecimento da auto-
imagem da pessoa.
O autor chama a auto-imagem inexata e empobrecida de persona e as facetas
repudiadas e alienadas ao meio ambiente ele denomina de sombra. Com isso, o homem
impõe um dualismo ao seu próprio Ego, gerando o Dualismo Quaternário-Repressão-
Projeção (WILBER, 2007, p. 116).
19
Quando o homem renega facetas que são suas, fazendo-as parecer que pertencem
ao outro, estas facetas acabam por persegui-lo (efeito bumerangue), produzindo sintomas
neuróticos. Esta fusão quaternária origina o nível final do espectro da consciência, que é a
Sombra.
Estes níveis estão interligados e é por isso que o autor não apresenta uma
cronologia real aos quatro dualismos principais, apenas propondo que os dualismos
começam pelo primário e terminam no quaternário.
VI. RESENHANDO AS TRADIÇÕES
Neste capítulo o autor não apresenta nenhuma idéia nova, apenas explora o modo
como as diversas tradições analisam ou trabalham com os dualismos (primário,
secundário, terciário e quaternário) antes apresentados.
Retoma a idéia de que os dualismos fazem com que a percepção da realidade, do
mundo e da pessoa fique distinta de si e, por conseqüência, apresente falsidade,
afirmando que o universo só existe realmente quando é percebido por meio do senso e da
sensibilidade não-dual.
As idéias apresentadas neste capítulo são acompanhadas de diagramas que,
segundo o autor, facilitariam o entendimento. Apesar de seu esforço, ele mesmo admite
que a utilização dos diagramas não apresenta corretamente os níveis da consciência, pois
a mente fica disposta em lugar como se fosse do mesmo nível ou igual a qualquer outro
nível do espectro, o que não é correto. Informa que a mente é o não-nível, ou seja, a base
de todos os níveis, mas que como não é possível desenhar imagens sobrepostas, usa
diagramas para representar as idéias, embora ciente de suas insuficiências.
Refere o mito da Caverna, de Platão, para dizer que o homem, porque tem as
costas voltadas para a luz, vê apenas as sombras e fica fascinado por esta visão ilusória,
construindo grandes sistemas de ciência e filosofia para explicar estes fantasmas
ilusórios.
Ao confrontar a descrição da consciência com as várias tradições metafísicas, o
autor traça a seguinte explicação:
Na Psicologia vedântica há a introvisão de que o Brahman-Atman é a única
realidade e sua busca é pela compreensão do porquê o homem não conseguir identificar
20
sua básica e suprema identidade com Brahman, aceitando cegamente os dualismos, um
mundo de ilusões (maya) e um mundo de sofrimento (samsara). O homem ficaria preso
em invólucros (kosas) o que obscurece sua própria identidade com o Absoluto.
Semelhante a uma cebola, o homem seria constituído de várias camadas, ficando a
realidade enterrada no centro da cebola, sendo a casca mais externa (invólucro da
existência material) equivalente ao ego. As camadas entre o ego e a realidade constituem
o corpo sutil, sendo o invólucro da vitalidade (vontade de viver, de sobreviver a tudo) da
discriminação e do raciocínio (inclinação básica, parte adquirida e parte inata, para
estender sobre o real uma série de dualismos). A parte mais central é ocupada pela
Realidade do Centro, consciência de Brahman que sustenta os cinco invólucros.
A idéia dos invólucros, utilizada pela psicologia vedântica (Hinduísmo Vedântico)
é muito semelhante, segundo o autor, aos espectros da consciência.
No Budismo Mahayana há oito vijnanas, que correspondem à evolução do
espectro da consciência. Ao nível da mente corresponde o Citta (consciência absoluta ou
não-dual). No momento em que surge o primeiro dualismo, os oito vijnanas evolvem ,
sendo que o primeiro a evolver é a consciência do depósito (alaya-vijnana), onde ficam
guardadas todos os arquétipos de todas as ações do homem. Para cima e para fora da
Citta tem-se o manas (pensar, tencionar, sendo que aqui se cria a idéia de sujeito e objeto
discriminados da pura unicidade e se produzem os desejos baseados em visões e juízos
errados – dualismos). A manas corresponde ao segundo dualismo, onde fica
desmembrada a vida e a morte e o homem tem cega compulsão por sobreviver, o que dá
origem à terceira função da manas, que é o sentimento do EU como sujeito isolado de
todas as demais experiências. O manas se identifica com o nível existencial. Continuando
a evolução dos vijnanas, o autor diz que o nível seguinte ao manas é o Mano-vijnana,
traduzido pelo intelecto (poderes simbólicos e abstrações, o que leva o homem a
identificar-se com a apreciação intelectual de si mesmo, com seu ego). Os demais
vijnanas correspondem aos cinco sentidos. Nesta tradição, o alaya é o equivalente de
Atman (para o Hinduísmo vedântico) e a Mente (para o autor).
No Budismo Zen há harmonização com estes oito vijnanas, o que não impediu
que os mestres budistas desenvolvessem suas próprias interpretações, apresentadas pelo
autor na seqüência do livro (WILBER, 2007, p. 139-141).
21
O Busdismo tibetano também apresenta, em sua psicologia, similaridade com o
espectro da consciência, sendo quase idêntica ao Hinduísmo Vedantino (construída sobre
a idéia dos cinco invólucros – metáfora das cascas da cebola).
Desta forma, o autor conclui que os sistemas psicológicos das grandes tradições
metafísicas se harmonizam com a construção que ele propõe e que o espectro da
consciência é uma versão moderna desta psicologia que ele chama de perene, que
congrega a um só tempo as introvisões ocidentais (centrada no nível do EGO) e orientais
(calcada no nível da MENTE). Volta a referir a importância de se entender que as
abordagens se complementam misteriosamente, pois tomadas em conjunto elas exploram
todos os espectros da consciência.
Wilber (2007, p. 144-154) se utiliza da mesma lógica impressa nos capítulos
iniciais e mostra que a complementaridade dos enfoques do espectro da consciência
(entre ocidente o oriente) também se apresentam nas maneiras de conhecer
(epistemologicamente) e que isso se dá a partir das idéias de mapa simbólico e de
percepção não-dual.
Sustenta que a ciência e a filosofia do ocidente se propõem a separar o
conhecimento falso do verdadeiro; enquanto o oriente tenta chegar ao conhecimento
absoluto, à verdade absoluta e estas noções diferentes de realidade, existentes em cada
um dos enfoques, conduzem a que se identifiquem e se construam noções distintas de
psicopatologias.
Wilber apresenta, sucintamente, o pensamento de três autores que ele considera
mais “ocidentais”. Em síntese, o primeiro autor apresentado – Gurdjieff – sustenta que no
nível das sombras (de dor e medo consideráveis) pode-se chegar ao outro extremo, ou
seja, embora muito raro, é possível que o nível das sombras conduza aos níveis mais
positivos do espectro (embora advirta que eles continuarão não passando de uma
caricatura dos aspectos positivos) (WILBER, 2007, p. 147).
Na seqüência, invoca o psicanalista e intérprete da filosofia oriental Hubert
Benoit, que apresenta níveis da consciência similares aos propostos por Wilber,
reconhecendo o nível da Mente, o Nível Existencial, o Nível do Ego e o Nível da
Sombra, que os apelida de Princípio Absoluto, consciência emotivo-subjetiva,
consciência objetiva e diabo (respectivamente). O que chama mais a atenção de Wilber
22
(2007, p. 148) é a forma como Benoit associa o Absoluto com Energia, dizendo que a
reação primária que se tem quando é agredido, por exemplo (a enorme explosão de
energia) é o modo não-dual de sentir. Quando se desenvolve a reação secundária, ou seja,
quando esta energia é traduzida em raiva, em algo negativo, ela aflora numa grande
explosão (forma simbólica de conhecer e sentir). Segundo os ensinamentos de Benoit os
fenômenos do universo são formas de energia e ela pode ser mobilizada de forma não-
dual ou de forma dual. A energia mobilizada no nível da Mente é pura, sem forma,
intertemporal e infinita, mas começa a se desintegrar à medida que vai se elevando aos
demais níveis do espectro da consciência.
VII. INTEGRANDO A SOMBRA
A partir da narrativa de uma experiência assistida por Freud e que teria modulado
todo o seu pensamento, Wilber introduz a idéia de que a verdadeira razão do homem é
inconsciente e que em verdade este não sabe o que determina suas necessidades e
motivações. A inconsciência das suas motivações e desejos faria com que nunca
conseguisse satisfazê-las plenamente, produzindo insatisfações que resultariam em
doenças.
Wilber (2007, p. 159) diz que o próprio Freud foi o causador de algumas
confusões, pois para ele primeiro a natureza dos desejos se ligava ao sexo e à
sobrevivência; depois teria pensado que eram relacionados ao amor e á agressão e, por
fim, que estariam relacionados à vida e à morte, sendo que desde este momento, segundo
Wilber, Freud estaria tentando descobrir as verdadeiras necessidades do homem.
O autor apresenta uma série de outros pensadores, dizendo que cada um deles
identifica as necessidades, desejos ou instintos de forma diversa, o que produz uma série
de escolas psicoterapêuticas, gerando enorme confusão. Segundo ele, esta confusão seria
resolvida utilizando-se o modelo que criou (o espectro da consciência), que permitiria o
desvelamento do que há por trás da aparência de ordem.
Reitera que cada escola ou psicoterapia se dirige a um espectro diferente da
consciência e que as conclusões a que chegam são complementares. Cada nível do
espectro da consciência (Mente, Nível Existencial, Nível do Ego) é produtor de uma
23
classe de doenças, sendo que sua natureza piora na medida em que o espectro é escalado.
Explica que desenvolverá seu raciocínio a começar pelo nível da sombra, avançando em
direção ao Nível da Mente, fazendo, logo a seguir, o caminho inverso.
Sustenta que no Nível da sombra não existem somente os aspectos maus e
demoníacos (agressividade, etc), havendo também os bons, enérgicos e divinos e que por
mais que se tente alienar estes aspectos, projetando para outros, eles fazem parte da
pessoa.
No Nível do Ego, além dos aspectos ou facetas não parecerem da pessoa, elas
ainda parecem existir no meio ambiente, nos outros, o que faz com que as energias
projetadas nos outros acabem se voltando contra a própria pessoa que as alienou, num
efeito bumerangue. Sustenta que o homem projeta tanto as emoções positivas, quanto as
negativas, criando verdadeiros bichos-papões que depois passam a aterrorizá-los
(WILBER, 2007, p. 163).
A projeção produz dualismos como os bons contra os maus/ honestos contra
desonestos/ belos contra feios e assim por diante e que o homem projeta nos outros e nas
coisas o que está dentro dele. Entender este mecanismo se projeção permite que se
conheça alguém a partir do que ela diz a respeito dos outros. Assim, as emoções não são
intersubjetivas, mas são experimentadas dentro da pessoa, entre seus diversos níveis do
espectro da consciência.
O autor apresenta vários exemplos de projeções: projeção de emoção positiva
(caso de John que tem encontro marcado com Mary e que ao se dirigir para a casa da
moça é recebido pelo pai dela - p. 164); exemplo de Jack que quer limpar a garagem (p.
165); projeção de emoções negativas, como o exemplo de Marta, que manteve contato
com emoções negativas de ódio enquanto estudava em escola no leste, o que fazia com
que sua experiência com o ódio não fosse do tipo violento e quando ela muda de escola e
perde contato com o seu ódio, passa a achar que o mundo a odeia e com isso não percebe
que é ela que odeia o mundo. Como reprime e projeta o ódio, passa a não ter mais
controle sobre ele, que explode de forma descontrolada (p. 168-169). A projeção Pode
acontecer a projeção de qualidades positivas (como acontece quando se projeta toda a
admiração e a sabedoria num professor, terapeuta, namorado, etc) e projeção de
qualidades negativas, como preconceitos e formalismos.
24
Wilber sustenta que a projeção que acontece no nível do ego é identificável
facilmente, afirmando (2007, p. 171-172): “[...] se uma pessoa ou uma coisa no meio
ambiente nos informa, provavelmente não estamos projetando; por outro lado, se ela nos
afeta, o mais provável é que sejamos vítimas de nossas próprias projeções.”
Segundo ele, o primeiro passo para obter a cura das projeções da sombra é
assumir a responsabilidade pelas projeções e o segundo passo consiste em inverter a
direção da própria projeção, pois o que parece estar nos outros, em verdade está na
própria pessoa. Na mesma linha de raciocínio, o que parece provocado ou causado pelos
outros, em verdade é produzido pela própria pessoa.
Assim, antes de tentar enfrentar as demais pessoas (opostos), é necessário que se
tente enfrentar o desejo secreto de conservar e manter os próprios sintomas. Não se pode
se livrar (simplesmente dos sintomas), pois isso é mascarar a situação, não enxergando
que eles são produzidos pela própria pessoa. Ao contrário de se livrar do sintoma, o ideal
é que a pessoa tente experimentá-lo em toda a sua extensão e profundidade, pois isso
permitirá que se perceba que sua origem está na própria pessoa, lhe dando condições de
parar com aquele comportamento. Com isso o autor propõe que a pessoa assuma a
responsabilidade pela sua sombra e, no passo seguinte, inverta a projeção.
VIII. O GRANDE FILTRO
Neste capítulo o autor se propõe a explorar o que acontece na faixa Biossocial e o
seu uso equivocado. Esta faixa se encontra acima do nível Existencial e representa os
limites superiores deste nível. Os dualismos mais salientes desta Faixa são vida/morte;
passado/futuro; eu/outro; organismo/meio ambiente e aqui o homem se sente
fundamentalmente separado. Isso desperta o interesse dos investigadores e sociólogos,
que querem saber os fatores que influenciam nas interações entre duas ou mais pessoas.
A Faixa Biossocial assinala a primeira acumulação dos símbolos que faz com que
sejam construídos os mapas simbólicos. O indivíduo transforma suas experiências em
algo socialmente aceitável para sentir-se pertencente (sentimento de pertencimento) a um
grupo ou sociedade. A pessoa introjeta os valores daquela sociedade para sentir-se
pertencente a ela e esta manufatura de significados e valores que o homem assume é,
25
segundo Wilber (2007, p. 184), a única fonte de todos os problemas fundamentais,
lógicos e psicológicos.
Segundo o autor, ao assumir (ou construir) mapas e símbolos adequados à
sociedade que integra, o homem confunde o mapa com a realidade (território real), não
conseguindo perceber que os mapas nada mais são do que ficções.
Salienta o papel da linguagem, que filtra o mundo externo, e com isso ele retoma
os conceitos básicos, antes apresentados, sobre os diferentes dualismos, o que faz com
que aqueles que não obedecem às regras dos grupos (as leis) sejam tratados como fora da
lei.
A Faixa Biossocial determina como a pessoa trabalha com suas experiências para
adequá-las à sociedade, sujeitando-se às regras que modelam o comportamento social.
Sustenta que o comportamento social forma jogos sociais e toda a questão consiste em
saber o que acontece quando a pessoa, para sentir-se pertencente a um grupo, estabelece
distinções inadequadas, ou seja, adota comportamento ou jogos que frustra a si mesma. O
resultado disso é o aparecimento de neuroses e psicoses (WILBER, 2007, p. 189).
Diz que a insanidade no indivíduo (tomado individualmente) é rara e que a regra é
a insanidade em grupos, partidos e nações, o que mostra que as questões relativas à Faixa
Biossocial não dizem respeito ao homem ou ao seu ego individual, mas às instituições
sociais que sustentam este ego.
IX. O HOMEM COMO CENTAURO
A percepção do homem como centauro nada mais é do que o reconhecimento de
que a pessoa é o resultado do corpo e da mente e que para cada problema ou nó mental
corresponde um nó corpóreo e vice-versa. A partir de uma série de exemplos, Wilber
(2007, p. 197-198) mostra como acontece esta interferência (quem deseja reprimir o
choro e os gritos, por exemplo, retesa violentamente os olhos e os músculos dos olhos).
Conforme visto ao longo da obra, há diferentes abordagens, sendo que algumas
privilegiam o corpo e outras a mente e o autor diz que aquelas que trabalham
prioritariamente o corpo serão denominadas por ele de existencialismo somático e as que
trabalham com ênfase na mente serão chamadas de existencialismo noético, sustentando
que se elas forem levadas a cabo de forma favorável pode-se alcançar um contato cabal
26
com o nível existencial. Este nível pode ser alcançado a partir de massagens e exercícios
(rolfing) e de outras abordagens existenciais somáticas, como a hatha yoga, que desperta
o corpo e promove a sua união com a psique.
O existencialismo noético trabalha com o mesmo nível que o somático, tentando,
igualmente, por fim ao dualismo terciário. Um exemplo de existencialista noético é Jean-
Paul Sartre.
Wilber diz que os existencialistas noéticos tentam autenticar a plenitude concreta
da pessoa, o que deixa evidente que a psicoterapia convencional, que trabalha com a
personalidade humana vista como ego isolado deve ser substituída por uma abordagem
mais abrangente, pois só assim será possível chegar ao Nível Existencial, pois chega-se
ao nível Existencial pela expansão da identidade (a partir do ego em direção ao centauro,
ao organismo total).
O autor menciona que a verdadeira terapia existencial deve levar em conta a
capacidade de filtração da Faixa Biossocial, que é o maior filtro da percepção existencial.
A forma de reviver o centauro é a partir da percepção do próprio corpo, dar-lhe percepção
e explorar-lhe os sentimentos ou impulsos, ou seja, deve-se enfrentar o corpo e em
seguida entrar em contato com ele.
Há muitas pessoas que já não percebem partes do seu corpo e que em lugar dos
órgãos têm verdadeiros buracos, ou seja, é preciso perceber esta lacuna para depois poder
trabalhar sobre elas. Outras pessoas apresentam retesamento nos músculos e sua
tendência é tentar relaxá-los. Segundo a teoria de Wilber (2007, p. 204), o correto é
contrair ainda mais os músculos, para que se tome consciência que a causa da tensão
reside na própria pessoa (e não responsabilizar algo de fora como causa), pois este é o
primeiro passo para começar a ter responsabilidade por todas as atividades orgânicas.
Aduz que apesar de ser perfeitamente possível utilizar as duas abordagens do
existencialismo, é raro combinar os dois enfoques. Há alguns existencialistas noéticos
que, na esteira dos estudos de Reich trabalham com as três dimensões da realidade
pessoal, a saber: Umwelt (mundo biológico), Mitwelt (mundo social) e Eigenwelt (mundo
dos processos psíquicos ou egóticos), o que permite o enfrentamento direto e a
manipulação desses dois dualismos principais. Este trabalho proposto pelos
existencialistas noéticos possibilita que se compreenda que a pessoa não pode escolher o
27
seu destino, mas ela pode decidir (pela vontade) a atitude que adotará em face dele, ou
seja, ela se reserva a sua liberdade existencial.
Em vez de uma recusa por perceber os dualismos, o existencialismo prega a
adoção de atitude corajosa, que permitirá antecipar nova fragmentação ascendente na
direção dos níveis do Ego e da Sombra (WILBER, 2007, p. 208).
X. UMA TERRA DE NINGUÉM
O autor começa o capítulo dizendo que entre o Nível Existencial e o da Mente
encontra-se uma porção do espectro da consciência que é inexplorada e misteriosa, que é
a Faixa Transpessoal. É aqui que ocorrem as experiências paranormais, que podem
conduzir o homem para uma viagem para fora do corpo. O autor explica que a
importância de se identificar isso é porque, quando a pessoa rompe o dualismo primário
incompletamente e depois entra nas faixas transpessoais, costuma levar consigo os mapas
que recebeu nos níveis Biossociais e do Ego e que isso determinará como ele encara o
território. Os mapas de muitas pessoas lhes dizem que estas faixas não existem ou que
elas são patológicas.
O autor sustenta o caráter plenamente curativo das autênticas terapias das Faixas
Transpessoais, pois uma característica destas faixas é a suspensão dos dualismos (com
exceção de algumas formas de dualismo primário) e isso inclui o dualismos
persona/sombra; psique /alma. Ao minar estes dualismos, são minados o apoio das
neuroses individuais (tanto egóticas, quanto existenciais). A terapia da faixa Transpessoal
possibilita que a pessoa olhe para os complexos emocionais e ideacionais individuais,
deixando de distorcê-los. O fato de olhar para eles significa que a pessoa já não se
identifica exclusivamente com estes complexos. Só que quando o indivíduo compreende
que sua mente e seu corpo podem ser percebidos objetivamente, compreende
espontaneamente que não podem constituir um eu subjetivo verdadeiro.
Partindo desta construção, Wilber defende que os estados místicos têm diferenças
e que nos estados místicos menores do eu transpessoal a pessoa testemunha a realidade;
enquanto no outro (estado místico verdadeiro) a pessoa é a realidade.
28
Ao comentar as chamadas ocorrências paranormais (percepção extra-sensorial,
clarividência, visões do outro mundo, viagem astral) diz que elas, a exemplo de todas as
outras experiências que acontecem na faixa transpessoal, têm em comum a suspensão
incompleta do dualismo primário, pois embora a pessoa ainda esteja experimentando
como sendo mais ou menos separado do mundo, já avançou no entendimento do seu
limite. O autor diz que os estudos pela percepção extra-sensorial despertam interesse da
parapsicologia porque seus resultados podem ser submetidos a critérios ortodoxos de
verificabilidade, criando-se controles de laboratório e dados que justificariam uma
conclusão. Acentua que estas áreas nada têm a ver com o nível da Mente, pois ele não
pode ser provado exteriormente - já que não existe lugar que se possa ir que esteja fora da
Mente (WILBER, 2007, p. 221).
O autor, ao encerrar a análise da Faixa Transpessoal, reitera a necessidade de se
identificar e compreender cada Nível do espectro da consciência, para que seja possível
adotar a terapia adequada. Lembra que a Mente ou a Subjetividade Absoluta não podem
ser vistas, pois ali é onde se desvanesce o hiato entre sujeito e objeto e é a partir da
Subjetividade Absoluta que evolui o espectro da consciência.
O autor chama a atenção de que há possibilidade de se chegar a pseudo-
subjetividades, daquilo que é sentido como o sujeito separado da pessoa, e o mundo lá
fora é enfrentado como objeto fora da pessoa. Ele repisa a idéia de que cada nível do
espectro é um nível da pseudo-subjetividade, assinalando em cada nível um determinado
dualismo-repressão-projeção. Assim, cada nível de pseudo-subjetividade equivocada com
a metade do dualismo que cria este nível (WILBER, 2007, p. 224). Conforme sustentou
ao longo do livro, quando se percebe isso e se reverte a situação, muitas doenças
desaparecem, pois ficam sem o suporte para o seu desenvolvimento.
Enfatiza que as necessidades básicas não satisfeitas porque o indivíduo se utilizou
de repressão, alienação ou algum mecanismo projetivo acabam retornando em doenças,
tornando-se necessidades neuróticas insaciáveis e que isso se dá no nível da sombra.
Quando estas necessidades são percebidas e deslocadas, o indivíduo pode começar a agir
sobre elas e com isso encontra um caminho para um nível inferior do espectro, que é o
Nível Existencial. Isso, por sua vez, fará com que emerjam novas necessidades e, ao agir
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sobre este novo conjunto, a pessoa se inicia no mundo das Faixas Transpessoais. Quando
ele evita o enfrentamento destas novas necessidades, acaba produzindo novas patologias.
Destarte, cada dualismo cria, em sentido correspondente, pseudo-subjetividade e a
terapia consiste em trazer, em cada nível, a consciência deste pseudo-sujeito, pois
somente desta forma o individuo compreenderá que não se trata de um sujeito real. Ao
renunciar à identidade deste pseudo-sujeito, a pessoa desce um nível no espectro da
consciência, o que possibilita que tenha uma base mais ampla e mais firme para a
verdadeira identidade. Com isso fica claro que para o autor, cada transferência para o
nível mais baixo do espectro permite que o sujeito se desidentifique do velho sujeito
(falso), rumo à assunção das responsabilidades pelo que, no nível acima, lhe parecera
acidental e involuntário. Embora o novo nível não seja um despertar final e ainda haja um
pseudo-sujeito, este já se encontra em melhores condições, menos infestado de doenças.
XI. AQUILO QUE É SEMPRE JÁ
Wilber inicia o capítulo advertindo que embora diga que está abordando a Mente
no “nível mais profundo” do espectro, em verdade não se trata de um nível determinado,
posto que a mente não está em parte alguma por ser o estado comum e normal de
consciência. A Mente seria, então, um estado de não-nível e que por isso ela não pode ser
um nível separado dos outros (é apresentada desta forma apenas para fins de construção
ou explicitação de sua teoria).
Diz que se a mente, o Tao, ou a divindade é o estado que a pessoa está procurando
e fora da Mente não há nenhum lugar onde se possa ir, a conseqüência lógica é dizer que
a pessoa já está na Mente e que, portanto, a sua busca é um tiro que sai pela culatra, pois
como a busca implica em algo que está fora, um objeto (e a mente não está fora e não é
um objeto), ao buscá-las se está retornando ao dualismo.
O autor diz que há enorme dificuldade de a pessoa compreender que não pode
perceber o seu eu, pois se isso fosse possível, ela estaria tratando a Mente como algo fora
de si. Neste ponto o autor retoma as idéias de dualismo primário (cisão entre sujeito e
objeto, produzido pelo espaço) e secundário (produzido pelo tempo, que faz a cisão entre
vida e morte) e diz que em verdade estes dualismos também não são separados um do
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outro como foi discutido no livro e que isso somente foi feito para que fosse possível
tornar explicáveis os níveis do espectro da consciência.
Na seqüência Wilber (2007, p. 249) começa a falar do que chama de experimentos
habilidosos desenvolvidos por cientistas, ao longo dos séculos, a partir de experiências
pessoais que permitem ao experimentador decidir, por si mesmo, se a mente existe ou
não. Como foram realizados inúmeros destes experimentos e muitos deles guardam
bastante similaridade entre si, o autor fará a abordagem de apenas alguns dos expoentes, a
começar por Hubert Benoit.
Segundo Wilber, Benoit conseguiu identificar com precisão o processo que dá
origem às objetivações e conceituações para que seja possível cortá-la em sua fonte
básica. Como Benoit trabalha com a mobilização da Energia (a cada instante que a
energia da pessoa se ergue constantemente de baixo – nível da mente – que dispõe de
energia pura, intertemporal e inespacial, esta energia parece impulsionar para cima,
desintegrando-se em formas de pensamento e emoção imaginativa, que reina no nível do
Ego).
Quando a energia está no nível do Ego ela não tem relação com a realidade, pois a
energia está toda confundida em mapas simbólicos, o que acaba dificultando que se
alcance o território. Ao traduzir a energia em pensamento e ao fragmentá-la em emoção-
imaginativa a atenção está operando de modo passivo. Ao contrário, quando a atenção
atua de modo ativo (de modo vigilante), os conceitos-pensamentos não surgem, pois foi
impedida a fragmentação da energia. O mundo não fica separado, resultando na
suspensão da visão dualística e a conseqüente libertação da pessoa.
Wilber (2007, p. 253) diz que todos os Experimentos Habilidosos têm fatores em
comum, que seriam: 1) Atenção Ativa: tipo especial de vigilância em que há autorização
total ou aceitação total para as tendências da pessoa, havendo precaução para o
surgimento do pensamento. Esta atenção, se levada a efeito corretamente, redunda em 2)
cessação: da tagarelice, do pensamento e do primeiro modo de conhecer – dualístico.
Quando ocorre a cessação prevalece o silêncio mental absoluto; 3) Percepção passiva:
opera sem esforço algum, de forma espontânea e sem referência ao passado ou ao futuro.
Um instante desta percepção pura é a própria Mente.
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Wilber sustenta que estes três fatores se mostram presentes nos experimentos e
para corroborar sua afirmação apresenta as lições de Krishnamurti, que segundo ele teria
tido maior clareza em descrever a percepção passiva não contaminada pelo pensamento,
pelos símbolos e pela dualidade, percepção capaz de libertar o homem.
Segundo Krishnamurti, o próprio desejo ou a busca da pessoa pela percepção
passiva acaba promovendo o afastamento dela. Sustenta que não há preparação para o
que já é, pois Deus ou a verdade não podem ser objeto de reflexão, pois quando se
reflete nela, não é a verdade. Nesta linha de raciocínio, diz que não se deve procurar as
respostas, pois elas não estão afastadas do problema e sim dentro dele (WILBER, 2007,
p. 254-255).
Krishnamurti propõe que não se aparte os sentimentos da pessoa (medo, alegria,
etc), pois ao vê-los como o outro, são tidos fora da pessoa (e além de ela não se sentir
responsável pelos sentimentos) fazendo com que estes sentimentos se multipliquem de
várias formas. Prega que não se pode lidar com a dor, com o medo, inveja ou raiva
tentando evitá-los, senão compreendendo que os somos.
Para este autor, ver sem a imagem é a questão crucial. Ele se pergunta se a
imagem pode chegar a um fim imediatamente e para responder diz que o mecanismo que
constrói a imagem é a desatenção (chamada de atenção passiva por Benoit) e que a
atenção plena e completa (1º fator visto antes) reverte a suspensão ou cessação da
formação da imagem (2º fator), o que faz com que não surja nenhuma imagem mental.
No Hinduísmo Vedantino também estão presentes os três fatores, embora Wilber
advirta que assumem forma exterior um pouco diferente porque trabalham com a
metáfora da Subjetividade Absoluta em lugar da idéia de energia absoluta (usada pelos
dois autores apresentados acima).
Wilber diz que para Sri Ramana Maharshi o pensamento é a causa fundamental do
dualismo, ilusão e servidão e que embora não se deva renunciar ao pensamento e
conceituações, não se pode confundir pensamento com realidade, mapa com território,
etc. Quando há a confusão, a saída é suspender todo o pensamento e atirar fora os mapas
(por curtos períodos) para conseguir, a partir disso, ver claramente o território.
Para Sri Ramana Maharshi a fonte de todos os outros pensamentos é a insistência
no pensamento do eu, que sempre está por trás de todos os demais pensamentos. Ao
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suspender o pensamento do eu, seria possível suspender todos os outros. Para tanto, seria
necessário auto-indagar sobre quem é, realmente. Ao fazer isso, o que acontece na
maioria das vezes é que a pessoa responda dizendo o nome, o que faz, sua formação,
onde mora, etc, mas dificilmente conseguindo livrar-se das conceituações e definições. À
medida que se indagar novamente (e novamente) por não estar satisfeito com as respostas
conceituais, a pessoa irá se calando, a mente ficando vazia de pensamentos e este silêncio
sem objetos, produzido pela atenção ativa, abre a porta para a percepção infinita.
Partindo da construção acima apresentada, Wilber é levado a dizer que Sri
Ramana Maharshi trabalha com os mesmos fatores antes indicados.
Dito isso, passa a analisar o Budismo, nas escolas Zen e Tendai, procurando ver
se os mesmos fatores também se encontram presentes. Descreve a utilização do Koan
(advertindo que não se trata de mero exercício de concentração - condenados por
entorpecer a mente) que não apenas auxilia para que se perceba os dualismos, como
instiga a fazer a Grande Investigação (pois a partir de uma série de enigmas, não solúveis
pelo enfrentamento racional, implantam na pessoa a Grande dúvida, o que favorece a
grande investigação, que é a chave crucial da meditação Zen).
A eficácia desta meditação é que ela consegue suspender todos os processos de
pensamento em sua origem, antes que ocorra a desintegração da energia. Quando se
consegue alcançar a suspensão, sujeito e o objeto se identificam plenamente, marcando a
destruição do dualismo primário (equivale a dizer que se está diante do 2º fator, tal qual
nas outras construções anteriores).
A análise que faz evidencia que os três fatores (antes apontados por Benoit e os
demais que o seguiram) estão presentes no budismo.