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OS ESPAÇOS DE FORMAÇÃO COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA IDENTIDADE
INDIVIDUAL E COLETIVA DO SUJEITO:UMA REFLEXÃO SOBRE O PROFESSOR DO MST
Gilberto Ferreira CostaDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.
Professor do Departamento de Educação/CAMEAM/UERN.E-mail: [email protected]
Marta Maria Castanho Almeida PernambucoDoutora em educação pela USP. Docente da UFRN. Professora orientadora.
E-mail: [email protected]
RESUMO:
Esse artigo se constitui numa reflexão que fizemos durante nosso trabalho de dissertação como alunodo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, noperíodo de 2004 a 2006, quando investigamos aspectos da formação do professor no que se refere àinfluência da cultura presente nos espaços de socialização e a construção de sua identidade. Analisamosesses aspectos a partir de textos escritos pelos alunos que estavam no curso de formação de professores,Pedagogia da Terra/UFRN, durante a disciplina História da Educação Brasileira. Nesses textos estãoregistrados seus percursos de vida desde a infância até o momento em que ingressam no Curso.Utilizamos os relatos de trinta professores, todos eles vinculados ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra e que desenvolviam atividades no Setor de Educação do Movimento. Identificamosnos textos quatro espaços de formação a que os mesmos se referiam com mais freqüência, que foram: aFamília, a Escola, o Trabalho e o MST. Tendo esses espaços como referências e baseados nopensamento JOSSO (2004), FREIRE (2001) CASTELLS (1999) CHARLOT (2005), entre outros,argumentamos que o professor é um sujeito construído a partir de determinantes culturais que setornam influenciadores de sua forma de pensar e agir. Nessa construção estão em pauta duas dimensõesque se inter-relacionam constantemente: trata-se da dimensão individual e coletiva do sujeito. Assim,constituído de uma identidade que se forma a partir dessa duplicidade o professor faz parte de umcontexto onde a educação e a aprendizagem lhe acompanha em todo seu percurso de vida refazendo erecriando sua identidade. Esses elementos podem influenciar seu modo de pensar e agir na sala de aula.Nesse sentido, pensar a formação de professores implica estarmos atentos a idéia de que ela se dá em
vários momentos e lugares.
Palavras-chaves: Educação, Formação de professores, Identidade.
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De onde partimos
Ao escolhermos o tema formação, optamos por trabalhar com o conceito defendido
por Josso (2004) quando em sua tese de doutoramento defende que formação é um conceito que não se
constitui sozinho, ele deve e precisa estar associado a outros conceitos como os de: “processos,
temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão dialética,
consciência, subjetividade, identidade”. (JOSSO: 2004. p. 38). Assim, para nós, trabalhar com essa
concepção de formação significa estar discutindo, também, outros elementos que estão a ele
imbricados. Disso resulta, a forma como a compreendemos nesse trabalho. Aqui a formação tem um
sentido amplo e ocorre durante toda a vida do indivíduo. Nessa definição, a formação extrapola a noção
de currículo, legislação e qualquer outro aspecto formal que a ela possa estar vinculado.
Pensando assim, nenhum indivíduo está fora desse processo mais amplo que envolve
a coletividade, a comunidade na qual está inserido. Pela sua convivência em comunidade que, em parte,
produz o seu agir coletivo, pela idéia de pertencimento a um grupo é que se desenvolve no sujeito o que
consideramos como identidade coletiva, construída a partir desse convívio com o outro, a partir do seu
estar no mundo.
Sobre identidade é na sociologia que vamos buscar maiores referências de como elapode ser construída. Em Castells (1999) encontramos uma definição bem próxima do que pensamos.
Para ele identidade é: “... o processo de construção de significado com base em um atributo cultural”
(CASTELLS, 1999, p. 22).
Para o autor a cultura assume um papel fundamental no processo. É o que pensamos
quando dizemos da importância de se entender a realidade do sujeito para que, em seguida, possamos
falar sobre ele, visto que é nessa realidade que está a cultura com a qual ele convive.
Cultura aqui é entendida nas palavras de Paulo Freire (2001) como “todo o resultado
da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do seu trabalho por transformar e
estabelecer relações de diálogo com outros homens” (FREIRE, 2001, p. 38). No nosso entender, a
cultura é resultado da ação do homem ao utilizar a linguagem na comunicação com outros homens, do
uso das técnicas para explorar a natureza e transformá-la, bem como na transformação de si próprio.
Ela está representada nas artes, de um modo geral, nos sentimentos humanos, enfim, a cultura são os
símbolos representados nas ações humanas, seja de forma individual ou coletiva.
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Se a cultura é produto humano ela é, portanto criadora de formas de organização, de
pensamento, de espaços de socialização e de definição de valores. Nela se dão as lutas e nela seafirmam as identidades.
Educação e aprendizagem como processos de formação
Quando, em algum momento, questionamos sobre o homem, quem é, o que faz, para onde
vai, vem logo em nossa mente uma das grandes questões da filosofia ainda não resolvida. A discussão
sobre quem é o homem atravessa toda a história da filosofia. A pergunta existe desde os pré-socráticos
passando pela filosofia moderna até a contemporânea. Além da filosofia, a religião e a ciência tambémtêm se preocupado em responder a questão. Em meio a esse universo de respostas percebemos a
existência de várias concepções que tentam dar conta da temática.
Entendemos que, diferente dos outros animais, ele possui uma característica que lhe é única:
o raciocínio. Aqui compreendido como a capacidade de observar, refletir e agir. O intelecto do qual é
dotado lhe oferece certas habilidades de pensamento que o coloca numa posição privilegiada em
relação aos demais animais. Essa capacidade de raciocinar, de articular a linguagem ao pensamento o
torna um ser que, na terra, pode atuar sobre o meio transformando-o, de acordo com as suas
necessidades.
Para definirmos como pensamos o homem, podemos nos referir a Paulo Freire (1927-1997)
quando ele afirma: “O homem e somente o homem é capaz de transcender, de discernir, de separar
órbitas existenciais diferentes, de distinguir “ser” do “não ser”; de travar relações incorpóreas.
(FREIRE, 1979 p. 63). São essas características que lhe permitem diferenciar os elementos da
realidade, dando-lhe a oportunidade de fazer análises e identificar opções. Essas relações incorpóreas a
que Paulo Freire se refere podem ser resultado dessa capacidade de interpretação da realidade e que
ocorre a partir do exercício da reflexão. Suas escolhas resultam desse ato e consistem na busca da
compreensão e explicação das coisas que o rodeiam.
O mesmo autor (idem) atribui significativa importância ao fato do homem poder exercer sua
capacidade de refletir, mas isso não acontece sem que o homem se perceba num determinado tempo e
espaço. Essa necessária noção de temporalidade o faz situar-se num momento histórico. Esse tempo
precisa ser compreendido como algo dinâmico, conflitante e, portanto construído humanamente. Sentir-
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se enquanto ser histórico dá ao homem a capacidade de compreender o porquê das coisas, como elas
foram se organizando para que se apresentassem exatamente como são hoje.Entender o hoje como resultado de um processo histórico implica compreender o futuro
como reflexo do atual momento. Nessa compreensão, o próprio homem é percebido como sujeito da
história e ao se encontrar como sujeito ele assume sua posição de ser homem. Ser sujeito é a grande e
desafiadora tarefa, pois consiste em superar a simples capacidade de raciocinar. Mais que isso, significa
que o homem pode extrapolar esse limite e se situar como ator da história. (FREIRE, 1980).
O compromisso com a realidade parte da reflexão e essa não termina em si, mas é o início
de um processo que tem como passo seguinte a ação sobre essa realidade. É nesse momento que o
homem se percebe como um ser coletivo. Suas ações não podem existir a partir de um pensamento
solitário, mas elas se dão no conjunto das relações que ele estabelece com os outros homens.
É o agir que partindo de uma reflexão transforma-se em prática. Essa, por sua vez, passa
novamente pelo processo de reflexão. Assim, produz-se um movimento circular onde cada ação
desencadeia uma nova reflexão. A nova realidade, agora transformada torna-se objeto de reflexão
crítica. Esse movimento ação-reflexao-ação é exatamente o que Paulo Freire chama de “práxis
humana” [...] “a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo”. (FREIRE;
2001 p.37).Nesse sentido, o homem é um ser inacabado, imperfeito. Sua construção, enquanto sujeito,
na busca da completude se dá e se constrói a partir das relações que esse estabelece com o semelhante.
É com o outro, no convívio social que o homem vai se construindo como um ser de relações. Nessa
definição é impossível omitir os elementos da cultura como referência para entendermos como o
homem se constrói e se assume.
Para Charlot (2005) o homem não nasce pronto, ele se constrói a partir do que lhe é exterior
e em contato com outros iguais. Aqui fica clara, a importância fundamental que tem o grupo social paraa formação do sujeito. Nascer é apenas o início de um processo que, não é apenas biológico, mas de
algo onde os sujeitos, usando a linguagem, entre outros instrumentos, crescem socialmente, criando e
recriando maneiras de relacionarem-se e de vencer os desafios que lhe são colocados.
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Se o homem nasce inacabado, imperfeito e cabe ao meio que lhe é exterior dar-lhe um
caráter humano, existirá então um processo que também não nasce junto com o indivíduo e que éfundamental nessa tarefa de tornar-se humano. Trata-se da educação.
Sendo a educação um processo externo ao indivíduo e permanente, ele não pode ser
considerado homogêneo, pois sendo processo torna-se dinâmico, construído e, portanto vai se alterando
de acordo com determinadas mudanças que vão ocorrendo seja na sociedade ou no percurso individual
do sujeito.
Para Libâneo (2002) a educação pode ser entendida como um processo social e, portanto
humano, seja intencional ou não ela ocorre no contato com o outro. Concordamos com ele quando a
coloca como um conjunto que engloba os processos de formação.
O caráter social da educação fica explicitado também em Charlot (2005). Ele considera a
educação a partir de dois âmbitos: interno e externo. No interno porque para haver o ato de educar é
necessário o nosso querer, o estar disposto, é necessário o desejo, mas principalmente é preciso que nos
reconheçamos como seres inacabados sempre dispostos a aprender. Mas não é só isso, a educação
ocorre numa via de mão dupla, onde o interior está em sintonia com o exterior, local onde estão as
relações sociais e com elas o conhecimento, objeto do aprender, do educar-se.
Pelo que expomos fica evidente o papel da educação no processo de construção do ser homem. No entanto, ao discutir sobre essa função da educação três aspectos merecem ser abordados,
pois o processo de construção do sujeito, que passa necessariamente por um processo educativo tem
outros elementos que estão a esse imbricados. Falamos da hominização, da socialização e da
singularização. Para o autor (idem): “A educação é essa apropriação do humano pelo indivíduo. A
educação é hominização. (...) A educação é indissociavelmente hominização e socialização: o ser
humano é sempre produzido sob uma forma sociocultural determinada”. (id. Ibid).
Ao mesmo tempo em que a educação hominiza e socializa, ela desperta em cada indivíduoum aspecto singular. Entendemos que isso ocorre porque cada sujeito absorve e utiliza diferentemente
os conhecimentos que são produzidos nos diversos ambientes educativos. O universo cultural do sujeito
é rico em conhecimentos que se materializam nas diferentes ações, valores, comportamentos e atitudes.
Essas três dimensões do ato educativo não se separam, não há, entre elas, fronteiras que as
isolem. Pelo contrário, estão interligadas. O homem que se forma processo assume inconscientemente
essas dimensões. Disso resulta que o homem enquanto ser que vive em sociedade tem também suas
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especificidades, suas diferenças, sua individualidade, que entendemos ser sua forma de pensar e agir,
baseando-se em suas escolhas, em suas preferências. Apesar do aspecto socializador da educação emesmo que esta tenha a capacidade de hominizar o indivíduo, este não perde sua singularidade,
entendida aqui como forma pessoal de absorver e interpretar os conhecimentos que estão a sua volta e
atuar a partir dessa singularidade.
Sendo constituído por escolhas constantes que não cessam, aprender é estar sempre diante
do querer mais, de continuar na busca do novo, pois cada aprendizagem desperta um novo desejo. Estar
no mundo é estar aprendendo sempre. A completude do aprender é inatingível. É possível observarmos
essa disponibilidade no relato da professora Carla Alves ao definir: “O MST foi e continua sendo uma
das maiores escolas [...] porque eu continuo aprendendo a viver, a cooperar, a unir, a lutar, a vencer, a
desafiar...” Nesse sentido, estar no mundo é estar aprendendo sempre. A completude do aprender é
inatingível.
Se o sujeito vive num processo de aprendizagem constante que não se restringe apenas à
educação formal nem se pauta numa transmissão de conhecimentos fechados em torno de uma grade
curricular, de algum nível de ensino ou curso de qualificação entendemos que o aprender faz parte de
um processo que antecipa a educação escolar, caminha no mesmo sentido, extrapola e se estende por
toda a vida do sujeito. (CHARLOT: 2005).No pensamento do autor a aprendizagem não se limita a uma ação isolada do sujeito, mas
no contato com os outros, nas diferentes formas de relações sociais, na troca do conhecimento e das
informações que circulam no universo de relações em que convive. Delizoicov, Angotti, Pernambuco
(2002) reforçam essa idéia ao afirmar que “se a aprendizagem é resultado das ações de um sujeito, não
é resultado de qualquer ação: ela se constrói em uma interação entre esse sujeito e o meio circundante,
natural e social” (DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO: 2002 p. 122). Também para esses
autores é na vida cotidiana, naquilo que é fruto do desejo, da necessidade, da vontade, mas ao mesmotempo do enfrentamento e da coerção que se dá a aprendizagem.
A busca, o desejo de aprender e a convicção de que está sempre aprendendo passam pela
noção da consciência. (FREIRE, 2001) Se entendermos que é no mundo que está o ser do homem então
podemos assegurar que o homem só deseja ser a partir do momento em que ele, em contato com o
mundo, desperta para a possibilidade de ser. Este despertar para o ser implica no agir a partir de uma
reflexão. Essa ação parte do sujeito consciente.
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No pensamento de Paulo Freire, para que a consciência se desenvolva é necessário que haja
a interação do sujeito com o mundo (FREIRE: 2001). É em ações conjuntas com os demais, na troca deexperiências, no diálogo constante entre homens e grupos que a consciência pode, através do
pensamento, desenvolver uma postura crítica das coisas, dos acontecimentos. Essa postura consiste
numa ação refletida que resulta de uma consciência.
Na fala do professor Alberto Silva observamos esse envolvimento aliado ao ideal de
transformação quando relata: “Minha participação no Movimento está contribuindo para minha
formação política, social, pedagógica e cultural [...] é essa dinâmica que possibilita-me enxergar o
mundo e suas contradições fazendo-me atuar nesta realidade de forma consciente, contribuindo para a
formação de uma sociedade mais justa”.
O desenvolvimento da consciência consiste exatamente no fato do sujeito tomar partido,
assumir posições, fazer escolhas, assumir-se frente às demandas do cotidiano. Isso consiste em
apreender a realidade e interpretá-la. Assim, para Paulo Freire (2001) ser consciente é ultrapassar “a
esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se
dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica”. (FREIRE, 2001
p. 26).
Essas considerações nos permitem entender as falas dos professores/as como umademonstração clara de que a vivência nos espaços de formação que analisamos foi geradora de
situações de aprendizagem.
As relações sociais produzidas no espaço escolar deixaram marcas que são evidentes em
suas falas. A idéia de preconceito, de exclusão, a forma como lembram dos professores, a inspiração
que a Escola despertou para o magistério, são alguns dos exemplos de que esse convívio for formador
de valores, de opiniões e condutas que ate hoje estão presentes servindo como referência.
Da mesma forma, ao se referirem ao trabalho, eles o associam imediatamente adeterminados valores. Esse convívio, que no início era partilhado pelos membros da família, teve
aspectos positivos na sua formação, não aparecendo, portanto, críticas mais contundentes a certos
problemas que esse fato traria, como não freqüentar a escola ou deixar de brincar com os colegas.
A idéia de conscientização como reflexão crítica, pode ser entendida quando, nos relatos, os
professores/as se reconhecem como sujeitos de uma luta, de um Movimento Social. O assumir-se como
sujeito num grupo, significa não apenas envolver-se nas atividades propostas por esse grupo no qual ele
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está inserido, mais que isso, o sujeito engajado absorve os ideais defendidos pelo coletivo e busca
desenvolver ações que possibilitem as transformações almejadas. Percebemos que é a partir da atuaçãocomo militantes, assumindo-se como “sem-terra” que conseguem desenvolver uma reflexão crítica
sobre a realidade. Nessa formação política dada pelo Movimento eles têm a possibilidade de refletir e
agir, despertando assim a consciência daquilo que são e do que podem ser.
A construção da identidade individual e coletiva
Pensar, refletir e agir são características comuns a todos os homens, no entanto, o pensar, o
refletir e o agir assumem ao mesmo tempo características bem individuais. Se a educação pode tornar o
indivíduo hominizado, socializado e singularizado (CHARLOT, 2005), pode-se dizer que cada homem,
em particular, se constitui tanto social como individualmente.
Considerando que o homem tem uma vida em comunidade, e que nela desenvolve sua
capacidade de socialização, é oportuno dizer que ele é o resultado da relação entre o seu eu e o outro ou
o seu eu e a comunidade. Refletindo dessa forma, Charlot (2005) nos faz entender que em cada sujeito
existe a fusão desses dois elementos: o individual e o coletivo. Nesse sentido, Charlot (2005) considera
que:
Todo ser humano é indissociavelmente social e singular, e não há nenhumsentido em se perguntar qual a parte do social e singular. Sou 100% social(senão, não seria um ser humano) e 100% singular (porque não há doisseres humanos semelhantes) e o total ainda é 100% e não 200%.
Pelo que os autores colocam e observando as falas dos professores/as percebemos que a
singularidade do sujeito resulta, do fato de que cada um está inserido num universo de relações que não
são comuns aos demais. Cada indivíduo nasce num ambiente familiar muito específico e mesmo
morando em localidades muito próximas há experiências que não são vividas por todas as pessoas,
sejam elas membros da família, amigos, ou outros grupos sociais que ele freqüenta. Essas vivências
tornam cada sujeito único, portadores de experiências individuais. Isso fica evidente nos relatos
analisados quando se referem as suas experiências de vida, aos acontecimentos que iam se sucedendo.
Apesar de terem passado pelas mesmas situações, como por exemplo, a disciplina dos pais, o
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preconceito na escola, o trabalho em idade escolar, elas surgem acompanhadas de posicionamentos
bem individuais. Como também são muito pessoais, as impressões que ficam dessas experiências.No entanto, essas experiências individualizadas acontecem no meio social onde o sujeito
desenvolve suas relações. Assim, é possível que, dessas especificidades, se desenvolva uma identidade
que não pode ser entendida apenas do ponto de vista individual, mas que considere também o aspecto
coletivo.
Partimos de uma definição de Castells (1999) quando, do ponto de vista da sociologia,
esclarece como se dá a construção da identidade. Na sua opinião, ela se constrói a partir dos elementos
fornecidos pela própria humanidade no seu percurso. Essa seria a matéria-prima que absorvida pelo
indivíduo vai sendo organizada a partir das suas referências culturais, sociais e pessoais. É com essas
palavras que o autor esclarece. (CASTELLS: 1999)
Estar no mundo em contato com o outro, com as diversidades culturais, com as diferentes
formas de pensar possibilita uma constante mudança na forma de ver e entender a realidade. Dessa
forma, a construção da identidade não se dá apenas de dentro para fora do sujeito, nem tão somente de
fora para dentro, mas ela é resultado dessa interação entre o desenvolvimento individual e sua fusão
com os elementos que a cultura oferece.
Os fatos e acontecimentos podem mudar as concepções que um sujeito antes tinha comoabsolutamente verdadeiras. Isso é demonstrado quando os professores/as escrevem sobre as mudanças
nas suas formas de pensar e agir. As palavras da professora Judite Pereira ao se referir à Escola na sua
adolescência é um exemplo dessa nossa afirmação. Ela relata: “O tempo ia passando e eu pouco ia para
a escola, não me tocava que estudando poderia ter um futuro melhor, afinal não tinha perspectivas de
sair daquela comunidade [...] Somente abri os olhos para uma outra realidade quando fui morar um ano
em Macau”. O que a professora deixa transparecer é que houve uma mudança na sua forma de ver a
Escola. A mudança do local onde morava tornou possível, para ela, adotar essa outra postura. Partindo do pressuposto de que o sujeito é singular e ao mesmo tempo social queremos
ressaltar a existência de um outro tipo de identidade que destacamos em nosso trabalho e que pudemos
perceber nos professores/as pesquisados: trata-se da identidade coletiva que consiste na formação de
um sujeito que vive em determinada comunidade e ou organização e que pensa e age coletivamente.
Percebemos esse pensar coletivo a partir do seu convívio logo nos primeiros grupos como a
Família e a Escola. Essa convivência coletiva nos relatos dos professores/as aparece quando se referem
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às relações que a família estabelece com outros espaços ou instituições, como os Partidos Políticos e a
Igreja. Aspectos destacados na fala da professora Ana Rosa deixam claro esse aspecto: “Minha mãeprocurou nos educar nos princípios religiosos de tal forma que logo ao me tornar adolescente entrei no
Grupo de Jovens”. O ideal de um convívio coletivo aparece logo nos primeiros contatos que o
indivíduo faz dentro do próprio grupo familiar, pois ali ele está em meio às regras estabelecidas. Ao
mesmo tempo, isso ocorre fora desse grupo, pois a Família não está isolada desse contexto mais amplo,
assim como também não está a Escola, ou qualquer um outro espaço que ele freqüente.
Vianna (1999) diz que para entender como a identidade do sujeito se constitui é preciso
estarmos atentos às contradições e aos antagonismos que constituem a sociedade. Essas diferenças
podem ser analisadas sob os mais variados aspectos, sejam econômico, político ou cultural.
Nesse sentido, as sociedades se desenvolvem a partir de relações nem sempre harmoniosas.
No interior destas, ha diferentes realidades que a constituem e em cada uma dessas realidades iremos
encontrar grupos que se distinguem por objetivos diversos. Nesse caso, nos defrontamos com variadas
formas de interpretar e atuar sobre a realidade. Como exemplo, citamos os grupos que constituem os
Movimentos Sociais, entre eles, o MST.
Observando a prática pedagógica do Movimento ao direcionar uma forma de organização e
de pensamento entre seus membros e mais ainda a partir das falas dos professores e das professorasapresentadas anteriormente nesse trabalho, percebe-se notadamente como essa definição apontada por
Viana (idem) adquire sentido. Exemplificando nosso raciocínio citamos novamente o professor Rafael
Araújo. Ele diz: “Dizer que sou do MST é um orgulho, digo em qualquer lugar aonde vou que estou
ajudando na construção de um projeto de liberdade, vida e produção”.
O que o professor nos coloca é a noção de coletividade, de pertencimento a um grupo, de
um agir baseado numa ação conjunta onde seus objetivos e conquistas não são pensados
individualmente, mas se articulam considerando uma intenção maior que seria a do Movimento.Encontramos aporte no pensamento de Castells (1999) quando discorre sobre a “identidade
de projeto”. Sua definição coincide com o que estamos pensando sobre identidade coletiva. Para ele, a
construção da identidade de projeto é possível “quando os seres sociais, utilizando-se de qualquer tipo
de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na
sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social”.(CASTELLS: 1999, p.
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O que colocamos até aqui sobre a construção da identidade pode ser encontrado em Caldart
(2002) quando ela aponta para uma definição de identidade que tem estreito vínculo com as falas dosprofessores/as, principalmente no momento em que se reconhecem como sujeitos Sem-Terra.
Esse reconhecimento se dá, sem dúvida, a partir do pertencimento ao Movimento, de
identificação com a causa e os objetivos do grupo. (CALDART, 2002)
Podemos perceber, nas falas dos professores, como essa identidade de projeto está presente.
Conforme já apontamos, há em muitos trechos a idéia de pertença ao Movimento, mas também há uma
identificação muito forte com a Família, principalmente na aceitação do modelo de educação e na
defesa dos valores que ela defendia como verdadeiro. Também há identificação com a Escola, mesmo
que, nesse convívio, tenha ocorrido momentos desagradáveis, esse espaço se constitui realmente como
local onde alguns valores são aceitos e determinadas atitudes são desenvolvidas no coletivo. Foi
possível observar esse mesmo aspecto ao se referirem ao Trabalho, enquanto espaço de formação.
Além de aparecer como uma forma de ajudar na renda familiar, o convívio com os pares desenvolveu
formas de pensar coletivamente.
Tendo discorrido sobre essa relação entre os espaços de formação do sujeito e a construção
de uma identidade individual e coletiva, buscamos estabelecer esse vínculo entre a forma como
entendemos os diferentes posicionamentos dos professores/as e o pensamento de alguns autores quenos ajudam nessa reflexão.
Nossa intenção é mostrar como o sujeito se forma a partir de uma cultura. Essa formação
que se dá em todos os lugares e das mais variadas formas contribui para a construção da identidade
individual e coletiva.
Entendemos que, como homem, ele desenvolve sua capacidade de pensar e agir. Esse
pensar, seguido da ação reflexiva, crítica e transformadora ocorre quando o sujeito tem consciência do
lugar que ocupa na sociedade e busca através da ação participar de forma ativa e do processo histórico.O eixo central da discussão que aqui foi proposta tem como foco essa relação entre o sujeito
e a comunidade, entendendo-a como criadora e ao mesmo tempo reveladora de sua identidade
individual e coletiva.
A compreensão sobre quem é o sujeito do qual estamos falando, no caso o professor, passa
necessariamente pelo entendimento desse processo onde sujeito e comunidade interagem numa troca
constante de saberes.