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CLARA DOS ANJOS, DE LIMA BARRETO, E A QUESTÃO RACIAL: UMA INTERVENÇÃO NA ESCOLA

Autora: Tereza Cordeiro 1

Orientadora: Keli Cristina Pacheco 2

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo trazer a tona o debate sobre o preconceito racial através da leitura da obra “Clara dos Anjos”, contextualizando com as características da história da época do autor Lima Barreto. Além disso, pretende-se mostrar qual era o papel do negro na sociedade brasileira no início do século, alguns históricos de marginalização e os aspectos do racismo na sociedade contemporânea. Este projeto será aplicado no Colégio Estadual Antônio Dorigon - EFMP, localizado na Avenida Brasil, 330, na cidade de Pitanga – PR, nas turmas do 2º ano do Ensino Médio. A relevância em produzir um trabalho com esta temática advém do fato de o negro ser um dos elementos cruciais na formação da nação brasileira. Sendo assim, o artigo divide-se em subtítulos que trarão uma visão mais abrangente da leitura, através do debate do preconceito racial à luz da literatura.

Palavras-chave: Literatura. Leitura. Questão Racial. Ensino.

CLARA DOS ANJOS, DE LIMA BARRETO, AND THE RACIAL ISSUE: AN INTERVENTION IN SCHOOL

ABSTRACTThis article aims to bring forward the debate on racial prejudice by reading the work "Clara dos Anjos" context, with the characteristics of the history of the author's time Lima Barreto. In addition, it is intended to show what was the role of blacks in Brazilian society at the beginning of the century, some histories of marginalization and the aspects of racism in contemporary society. This project will be implemented in State College-Dorigon Antonio, EFMP located on Avenida Brazil, 330, in the town

1Graduada pela Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO e Pós-Graduado pela Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO.

2Doutora em Literatura pela UFSC. Professora do Departamento de Letras, UNICENTRO, entre os anos de 2010 e 2012. Atualmente é professora adjunta na UEPG, PR.

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of Pitanga – PR, in classes of 2nd year of high school. The crucial in producing a work with this theme, comes from the fact that the negro is one of the crucial elements in the formation of the Brazilian nation. Thus, the article is divided into subheads that will deal with a broader vision of reading through the discussion of racial prejudice in the light of literature.

Keywords: literature. Reading. Racial Issue. Teaching.

INTRODUÇÃO

Este artigo busca meios de demonstrar, através do diálogo constante e de

atividades diversificadas, que ler pode ser uma experiência agradável e prazerosa,

capaz de atuar sobre os nossos sentidos, provocando sensações, mexendo com os

sentimentos e transformando a visão de mundo.

Para isso foi necessário realizar a leitura da obra: “Clara dos Anjos” de Lima

Barreto, dando abordagem a um problema de interesse social, buscando o

entendimento dos alunos a respeito deste tema, como também a sua

conscientização.

É certo afirmar que os negros sofreram torturas absurdas na época do Brasil

colônia e até hoje vivem marcas que tanto fustiga a sua raça. O negro brasileiro

ainda sofre com discriminação explícita e implícita.

Um dos fatores que se pretende é ressaltar aos alunos a importância da

consciência da cultura negra através dos textos literários. No Brasil, pode-se

encontrar, sobretudo, na voz dos descendentes de africanos, uma poética que

rememora a Mãe África, denuncia a condição de vida dos afro-brasileiros e, nas

últimas décadas, apresenta-se afirmando um sentimento positivo de etnicidade.

Além do trabalho em sala de aula, foi necessário fazer com que os alunos

compreendessem o contexto da vida do autor, observando atentamente a

representação do negro em “Clara dos Anjos” e também o período histórico da

produção da obra, bem como aguçar a curiosidade dos discentes a procurarem os

trechos do livro em que há representação de tratamentos racistas em relação aos

afro-descendentes.

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Pode-se perceber que durante um bom tempo da história, o negro foi violado

moralmente e também em sua integridade física, devido ao regime escravocrata.

Houve também políticas segregacionistas em todos os países que tiveram o sistema

escravocrata; isso é tema presente na literatura, como temos Toni Morrison, Alice

Walker nos Estados Unidos. No Brasil tem-se hoje uma série de escritores que

abordam temas sobre a vida do negro pós-escravo. Um exemplo disso é Conceição

Evaristo.

Sendo assim, uma das maneiras de ensinar este conteúdo reside no estudo

da obra literária que, além de revelar o comportamento de intolerância e de pouco

respeito às personagens negras, sensibiliza os alunos a pensarem sobre este tema,

além de incentivar a leitura literária.

Pensando nisso, o artigo aborda a questão racial na obra: “Clara dos Anjos”,

de Lima Barreto, com o intuito de apresentar aos alunos uma visão crítica da história

e da sociedade colocados e apresentados já na literatura deste autor, e

oportunizando aos mesmos o crescimento de conhecimento e de visão crítica da

violência social.

1 CONTEXTO ESCOLAR BRASILEIRO

A autora Marisa Lajolo (1994) pontua que o contexto escolar brasileiro revela

“uma escola amarga e curtida por políticas educacionais equivocadas”. Sendo

assim, ela ressalta que “a função desse professor bem-sucedido confina-se ao papel

de propagandista persuasivo de um produto (a leitura)”. Com essa prática o aluno

poderá fazer várias inferências e perceber que a leitura o coloca em contato com

outras culturas e a partir daí lerá o mundo, percebendo que:

Do mundo da leitura à leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática circular e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos círculos da escola. (LAJOLO, 1994, p. 7).

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Esta mesma autora destaca que não existem técnicas milagrosas para

convívio harmonioso com o texto, e as que assim se proclamam são mistificadoras,

pois estabelecem uma harmonia aparente, mantendo inato, quando já instalado, o

desencontro entre leitor e texto.

Neste sentido, percebe-se nas salas de aula o distanciamento que os alunos

vivenciam em relação ao universo da leitura, sendo assim vale ressaltar que: “..o

que afasta uma criança ou um adolescente da leitura de um livro não é só a

televisão, o mundo fascinante dos videogames e etc”. (PENNAC, 1998, p.250)

Assim, parece possível uma mudança de orientação do ensino escolar da

leitura, de modo a eliminar exigências específicas que reproduzem diferenças sócio-

culturais entre os alunos em sala de aula. Segundo Freire, “a leitura envolve uma

compreensão crítica do ato de ler, que vai além da decodificação pura da palavra

escrita ou da linguagem escrita, ela se envolve na inteligência do mundo”. (FREIRE,

1987, p.11)

Observa-se que alguns professores ainda insistem em fazer com que os

estudantes leiam num semestre, vários capítulos de livros, caindo na compreensão

errônea que às vezes a quantidade no ato de ler é mais importante.

Os jovens estudantes muito mais devoram do que lêem as extensas

bibliografias solicitadas, e assim não se concretiza o devido adentramento nos

textos, que são, muitas vezes, mecanicamente memorizados.

Justamente por, muitas vezes, faltar o devido debate e contextualização

histórica em que a obra foi produzida. Propomos, assim, desenvolver a leitura da

obra de Lima Barreto, “Clara dos Anjos”, considerando o contexto, ou seja, o debate

das raças que já circula no Brasil alguns anos antes do lançamento deste romance,

conforme Lilia Schwarcz. (SCHWARCZ, 1993).

2 CONDIÇÕES IDEAIS PARA O ENSINO DE LEITURA

Diversos pesquisadores e estudiosos relatam a respeito da falta de leitura

por parte dos estudantes e também sobre a falta de conhecimento das obras

literárias e textos dos diversos gêneros que circulam pela nossa sociedade. Nesse

sentido é que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, há

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a necessidade de garantir o acesso à cultura e à informação; estimular a leitura de

diversos gêneros e levar os alunos a exercitar a prática da leitura com o apoio da

reflexão crítica, da criatividade, e de uma leitura proficiente como instrumento capaz

de fortalecer a autonomia dos educandos.

Sabemos que os propósitos que devem orientar a leitura no contexto escolar

devem ser diferenciados dos postos em prática atualmente, onde “[...] deve se

começar a ler para enxergar melhor o mundo [...] começar a ler para compreender

esta nossa sociedade e para nos compreendermos criticamente dentro dela [...]

começar a ler para descobrir os porquês dos diferentes aspectos da vida. (SILVA,

1995, p.13)

Além disso, Silva pontua que os professores devem estar atentos a uma

concepção de leitura “[...] que faça parte de um processo dinamizador da produção

de sentidos por um grupo de pessoas, enquanto transação ou interação entre leitor e

diferentes tipos de texto”. (SILVA, 1995, p.14)

Para isto, Silva lembra que se faz necessário “[...] traduzir essa concepção

de leitura em programas significativos de ensino, que resultem na transformação, na

emancipação, na libertação dos leitores”. (SILVA, 1995, p.14)

Com isso, pode-se perceber que muitas vezes ficamos presos as algemas

do preconceito, que através de uma aula e/ou uma leitura direcionada, podemos

tentar extinguir o preconceito.

Segundo as OCNs (Orientações Curriculares Nacionais) dá algumas

sugestões para o ensino de literatura na escola:

O estatuto do leitor e da leitura, no âmbito dos estudos literários, leva-nos a dimensionar o papel do professor não só como leitor, mas como mediador, no contexto das práticas escolares de leitura literária. A condição de leitor direciona, em larga medida, no ensino da Literatura, o papel dos mediadores para o funcionamento de estratégias de apoio à leitura da Literatura, uma vez que o professor opera escolhas de narrativas, poesias, textos para teatro, entre outros de diferentes linguagens que dialogam com o texto literário. Essas escolhas ligam-se não só às preferências pessoais, mas a exigências curriculares dos projetos pedagógicos da escola. Há nessa dupla perspectiva aspectos que devem ser considerados: o dos tempos escolares, que levam à necessidade de organização sistemática (o que supõe um projeto pedagógico para os três anos do ensino médio); o dos gêneros (noção também ela tributária a Bakhtin, como condição básica de inserção dos sujeitos no mundo letrado) e dos autores que serão lidos pelos alunos (organização imprescindível para que se garanta uma seqüência lógica, não necessariamente cronológica) com uma margem para outras leituras não previstas e, por que não, “anárquicas”. (OCNs, p. 72).

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Após esse esclarecimento de idéias as OCNs elenca alguns fatores que

podem contribuir para o Ensino de Literatura:

Temos a seguir algumas perguntas que podem orientar o processo de seleção das leituras integrais para os três anos, em sintonia com outros projetos de ampliação de tempos e espaços escolares: Quais são as obras e os autores que devem fazer parte do “acervo básico”, aqui entendido como livros que serão lidos integralmente durante os três anos do ensino médio? (seleção que pode ser reavaliada periodicamente – talvez de três em três anos –, desde que não comprometa o fluxo proposto inicialmente aos alunos). Que projetos desenvolver com vistas a possibilitar que os alunos leiam outros livros além das indicações do “acervo básico”? (nessa vertente de discussões, inclui-se a possibilidade de realização de projetos interdisciplinares, que levem à reflexão sobre os gêneros literários e outros gêneros, sobre a linguagem literária e as outras linguagens, entre outras relações possíveis). Pensamos que se deve privilegiar como conteúdo de base no ensino médio a Literatura brasileira, porém não só com obras da tradição literária, mas incluindo outras, contemporâneas significativas. Nada impede, e é desejável, que obras de outras nacionalidades, se isso responder às necessidades do currículo de sua escola, sejam também selecionadas. Também é desejável adotar uma perspectiva multicultural, em que a Literatura obtenha a parceria de outras áreas, sobretudo artes plásticas e cinema, não de um modo simplista, diluindo as fronteiras entre elas e substituindo uma coisa por outra, mas mantendo as especificidades e o modo de ser de cada uma delas, pois só assim, não pejorativamente escolarizados, serão capazes de oferecer fruição e conhecimento, binômio inseparável da arte. (OCNs, pp. 73-74).

Pensando em se dispor a ensinar literatura, o professor deverá ter

consciência e transmitir o aluno que toda leitura custa tempo, envolvimento

intelectual e rompimento de valores que muitas vezes se encontram cristalizados,

mas também deve ressaltar que todo esse esforço resultará em desenvolvimento,

crescimento e aperfeiçoamento pessoal e profissional.

O professor deve ter em vista que um aluno leitor que consegue expandir

sua criatividade e desenvolver o senso crítico aprende a trabalhar com emoções,

sensações e intuições que permeiam a vida, bem como aprimora sua percepção

frente ao mundo.

Ao trabalhar o processo de literatura com seus alunos, o professor deve ter

em mente a seguinte premissa: o escritor consciente é marcado pelo uso correto de

inferências intercontextuais, interdisciplinares e intertextuais; o leitor maduro é capaz

de percebê-las e interpretá-las.

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O professor deve assumir o papel de orientador, não apenas transmitindo

textos consagrados, mas possibilitando ao jovem leitor contato com diversas

descobertas literárias, visto que é este que deve dar sentido a uma obra. E, como o

professor trabalha com diversos alunos ao mesmo tempo, podem surgir diversos

sentidos. O professor deve estar receptivo às diversas leituras que surgem, pois ele

está tratando com diversos horizontes de expectativa que irão, conseqüentemente,

ampliar as relações contextuais e recepcionais na sala de aula.

2.1 A LITERATURA E A NECESSIDADE DO ATO DE LER

O conhecimento muitas vezes é visto através da leitura, pois por meio dela é

possível adquirir experiências, valores, sabedoria, posicionamento em relação ao

certo e o errado, enfim, a criticidade de uma ou outra idéia.

Além disso, a leitura proporciona aos indivíduos em geral, sejam eles

estudantes ou meros leitores, um mundo fantástico e maravilhoso que oferece um

universo imenso e desconhecido, ou até mesmo, um universo conhecido, porém,

longínquo, onde só é possível chegar por meio de uma obra literária.

Quando se fala no espaço escolar propriamente dito, nada melhor do que

ofertar aos alunos os horizontes literários, para que possam conhecer o mundo e

suas histórias. E isto é perfeitamente possível quando se leva o conhecimento a eles

através das letras, gravuras, figuras, ilustrações que acompanham uma história.

Contudo, nem sempre os alunos estão dispostos a realizar leituras. Não

foram raras as vezes em que um professor, para castigar um aluno, mandava-o

para a biblioteca fazer leituras. Isto pode explicar a falta de gosto com a leitura, bem

como a falta de hábito para realizá-las.

Outra questão reside na obrigatoriedade e imposição do professor para a

realização da leitura, onde os mesmos ditam os livros a serem lidos e nada sobre

eles é questionado posteriormente.

É necessário, então, que os docentes proporcionem um espaço adequado e

obras agradáveis que despertem o gosto dos alunos para a leitura.

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Além disso, a partir das escolhas feitas pelos próprios leitores, haverá maior

entendimento e vontade para ler ocasionando consequentemente leituras mais

aproveitáveis e significativas.

3 HISTÓRICO DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Padre Vieira, em 1633, mais ou menos 160 anos após o descobrimento do

Brasil relata no Sermão XIV do Rosário, para a Irmandade dos Pretos de um

engenho baiano que:

Em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeireiros, e a vossa em um engenho é de três. (BOSI, 1997, p.46).

Desta forma, pode-se perceber que desde os registros mais antigos da

Literatura Brasileira, é relatado o sofrimento do povo negro no território brasileiro.

Com o passar dos anos, o sofrimento dos negros deixou de ser tão brutal e severo

em termos de trabalho pesado e força física, pois no dia 13 de maio, de 1888, a

princesa Isabel assinou a abolição da escravidão.

Mesmo após a abolição da escravatura os negros não desfrutaram dos

direitos plenos de cidadãos em nosso país, sendo altamente discriminados

socialmente no convívio com pessoas de outras raças na sociedade brasileira.

Com relação ao tratamento dado aos negros, por parte da literatura, França

(1998, p. 8) afirma que durante os três primeiros séculos que sucederam ao

descobrimento, os africanos não mereceram quase nenhuma atenção dos nossos

homens de letras.

Este autor ainda afirma que José de Anchieta, em relatos escritos a partir de

1584, oferece-nos alguns fragmentos que denotam a presença do africano em terras

brasileiras, desta forma, os registros da época continham as seguintes informações

sobre os trabalhadores negros no território brasileiro. França relata que:

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Na [...] Capitania de Pernambuco há muitas fazendas e alguns 60 ou mais engenhos de açúcar a três, quatro, cinco e oito léguas por terra, cada um dos quais é uma boa povoação com muita gente branca. Negros de Guiné e Índios da terra. A todos estes acode a Companhia com pregações, doutrinas e confissões... (FRANÇA, 1998, p. 10).

Sobre o autor Gregório de Matos, no seu livro Obra Poética, França (2008,

p.19) comenta que, através de suas obras poéticas, os negros e mulatos são quase

sempre associados a aspectos negativos, como à moral frouxa da sociedade baiana:

“Muitos mulatos desavergonhadosTrazidos pelos pés os homens nobres,Posta nas palmas toda picardia.Estupendas usuras nos mercadosTodos, os que não furtam, muito pobres,E eis aqui a cidade da Bahia”(MATOS apud FRANÇA, 2008, p. 19)

Atualmente, o censo da fundação IBGE do ano de 2007 aponta que os

brasileiros identificados como negros e pardos somam um total de 45 % da

população brasileira, sendo quase a metade do total do nosso país.

Diante de várias obras literárias que tratam da temática da discriminação e

dos maus tratos dados aos negros, este trabalho irá ressaltar a importância de se

combater o racismo, preconceito e discriminação, já que esta problemática existente

possui raízes históricas que deixaram marcas profundas e tristes na nossa história.

Por isso, se faz necessário formar cidadãos mais conscientes, menos excludentes

para mudar esta triste realidade que se faz presente inclusive no contexto escolar.

3.1 AUTOR LIMA BARRETO E A OBRA CLARA DOS ANJOS

Lima Barreto era filho de João Henriques de Lima Barreto (mulato nascido

escravo) e de Amália Augusta (filha de escrava agregada da família Pereira

Carvalho). O seu pai foi tipógrafo, aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico,

que imprimia o famoso periódico "A Semana Ilustrada".

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A sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1º à 4º séries. Ela

morreu cedo e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do

casal. João Henriques era monarquista, ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho

do futuro escritor.

Talvez as lembranças saudosistas do fim do período imperial no Brasil, bem

como suas remotas lembranças da Abolição da Escravatura na infância tenham

vindo a exercer influência sobre a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime

republicano. Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações psiquiátricas,

ocorridas durante suas crises severas de depressão, à época era um dos sintomas

pertencentes ao diagnóstico de “neurastenia”, constante de sua ficha médica - vindo

a falecer aos 41 anos de idade.

Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance: “Clara dos

Anjos” é uma denúncia áspera do preconceito racial e social, vivenciado por uma

jovem mulher do subúrbio carioca.

“Clara dos Anjos” é um romance publicado postumamente. A redação original

está datada por volta de 1904/05. O enredo conta as desventuras de Clara dos

Anjos, uma moça pobre e negra do subúrbio carioca, que se apaixona por Cassi, um

rapaz de extração burguesa. Ele tinha por hábito seduzir jovens incautas, pobres e

empregadas domésticas; depois de prenhas, ele as abandonava.

Em relação a Clara, para atingir seu intento, contratou um assassino para

eliminar um obstáculo, Marramaque, o padrinho dela.

O ponto relevante do romance é a forma como Clara é educada pela família

desde a tenra idade, sempre sob os olhos vigilantes dos pais, sem que lhe deixem

ter qualquer iniciativa própria.

O espaço familiar é o único horizonte possível para ela. Ao conhecer Cassi

Jones, este lhe promete encontrar emprego e casar-se com ela. Os desejos de amor

lhes são arrebatadores, a ponto de ceder aos apelos do sedutor. Ela fica grávida. Ele

foge para São Paulo, antes de ela reclamar o mal sofrido. A mãe dele isenta o filho e

culpa Clara por ser pobre e negra. No final, ela percebeu como foi errônea a

educação recebida dos pais em uma tentativa de encontrar os culpados pelas suas

ações mal sucedidas. Mãe solteira, resumiu sua condição social: “Mamãe, eu não

sou nada nesta vida”. (BARRETO, 1956, p.196).

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Durante a leitura desta obra pode-se perceber a maneira com que as

pessoas de cor negra eram vistas e tratadas pelas pessoas, onde o narrador

comenta sobre o que a mãe de Cassi pensava sobre Clara:

[...] A mãe recebia-lhe a confissão, mas não acreditava; entretanto, como tinha as suas presunções fidalgas, repugnava-lhe ver o filho casado com uma criada preta, ou com uma pobre mulata costureira, ou com uma moça branca lavadeira e analfabeta. (BARRETO, 2003, p.7).

Assim, em relação aos alunos, principalmente do ensino médio, é necessário

fazer com que os educandos encontrem os trechos da obra literária em questão e

que demonstrem a forma cruel e discriminatória com que a sociedade tratava as

pessoas de cor negra, exatamente para que possam entender como se dá a história

que envolve décadas de construção literária baseadas numa realidade já vivida.

3.2 ASPECTOS DO RACISMO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Pode-se definir racismo sob diversos pontos de vista, Guimarães (2010, p.3)

relata que este comportamento persiste em muitas pessoas que:

[...]tratam diferencialmente as pessoas de diferentes raças e culturas, ou seja, discriminam preferências e gostos e valores estéticos de acordo com a idéia de raça ou de cultura, de modo a inferiorizar sistematicamente características fenotípicas raciais ou características culturais.

Observa-se que este problema se faz presente nas escolas, através de

casos retratados pela mídia, como o ocorrido em uma escola do norte do Paraná,

onde Estudantes, de 11 a 12 anos de idade, referiram-se a colega de maneira

pejorativa:

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O Núcleo de Educação reúne nesta sexta-feira 19, na Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA). A aposentada confirmou todas as informações repassadas para a polícia em setembro, quando a queixa foi prestada, época em que teria ocorrido o crime. Alunos de uma escola pública de Apucarana poderão ser processados por racismo. Cinco deles, entre 11 e 12 anos de idade, são acusadas de ofender uma colega de turma, na 6ª série de uma escola estadual. Eles teriam se referido a ela usando termos pejorativos, de conotação racial, como “nêga do cabelo duro”.A coordenadora de Educação Infantil e Cultura Afro-brasileira e Africana do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Apucarana, Isabel Cristina de Oliveira Azevedo, diz que a iniciativa de processar os alunos partiu da mãe da vítima.“Ela primeiramente procurou a Coordenadoria da Consciência Negra (CCN) da Prefeitura de Apucarana, mas quando percebeu que o boletim de ocorrência daria origem a um processo no Ministério Público, ficou apreensiva com a repercussão do caso”, revela Isabel.Com medo das conseqüências para a filha, a mãe da aluna procurou o NRE para apresentar a queixa de racismo. Depois que ela tomou esta iniciativa, outros alunos denunciaram que sofrem discriminação racial na escola. O NRE não divulgou o nome da escola, nem dos envolvidos. Segundo a coordenadora, haverá uma reunião na noite desta sexta-feira, envolvendo os pais dos alunos acusados, os pais dos alunos reclamantes, o Conselho Tutelar, o CCN, a Patrulha Escolar e a diretoria da escola.”Neste encontro, vamos investigar melhor a situação, definir se foi perjúrio ou racismo”, afirma Isabel. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente , quem responde legalmente em um caso como este é o responsável legal pela criança acusada – o pai, a mãe ou o adulto que detém a guarda do menor. A criança não pode ser responsabilizada legalmente pelo crime de racismo. Para a coordenadora do NRE, o surgimento de denúncias de racismo se deve ao maior acesso a informação por parte das crianças. “Desde 2003, o ensino de História e Cultura Afro-brasileira foi instituído na escola pública e, com isso, houve uma valorização do negro”, afirma Isabel. “Essa consciência trouxe mais coragem para as crianças brigarem por seus direitos”, acrescenta. Para o professor Ademir Félix dos Santos, assessor de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Maringá, casos como este também acontecem no município, mas as crianças ainda sentem medo de denunciar.”As denúncias não aparecem porque muitas crianças não possuem uma formação familiar em que se ensina a não aceitar esse tipo de provocação”, analisa Santos. Para ele, muitas crianças aceitam caladas a discriminação e isso se reflete em retração do humor, perda da vontade de ir à escola e prejuízo para o aprendizado.”Até mesmo adultos ficam com medo de colocar a questão de forma pública”, afirma. De acordo com Santos, as vítimas de racismo estão amparadas pela lei e devem lutar por seus direitos.”A vítima deve fazer um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia, que poderá ser encaminhado para o Juizado de Pequenas Causas, se for constatada discriminação, ou para o Juizado Criminal, se o caso for racismo”, explica. (Alunos de escola pública de Apucarana são acusados de racismo. Curitiba, 2008. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/283483/alunos-de-escola-publica-de-apucarana-sao-acusados-de-racismo>. Acesso em 25/03/2012).

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3.3 RAÇA, IDENTIDADE E PRECONCEITO

Quanto à definição do termo raça, o dicionário Aurélio (1998, p. 321) pontua

o conceito de raça como:

s.f. Sucessão de ascendentes e descendentes de uma família, um povo; geração: raça de Davi. Grupo de indivíduos cujos caracteres biológicos são constantes e passam de uma a outra geração: raça branca, raça negra, raça amarela, raça vermelha. História natural Subdivisão de uma espécie: raças humanas. Categoria de pessoas da mesma profissão, de inclinações comuns: os usurários constituem má raça. (Sin.: descendência, família, linhagem, geração, estirpe, classe.) Animal de raça, animal de boa origem.

Sabe-se que o povo brasileiro, desde a sua origem, foi composto por uma

grande diversidade de raças, de pessoas oriundas dos mais diversos lugares do

mundo. Mesmo sendo o brasileiro fruto das misturas, existe ainda pessoas

acreditam que uma determinada raça é superior em relação à outra. Mas, desde os

tempos mais antigos:

[...]o racismo é uma expressão tão configuradora, e até agora inseparável, da espécie humana, com raízes tão antigas, provavelmente , como o dia em que se deu o primeiro encontro entre hominídeos ruivos e hominídeos negro. (SARAMAGO,1999 p.77).

Segundo este mesmo autor, existem algumas causas com relação ao

racismo que foram identificadas, “desde a proposição política de objetivos de

apropriação territorial, dando como pretexto supostas purezas étnicas até a crise

econômica e a pressão demográfica. (SARAMAGO, 1999 p.78).

De um modo geral, os estudos e as atitudes intelectuais e políticas voltados

positivamente à questão do negro no Brasil só se desenvolvem, efetivamente, no

século XX, embora tenha havido, no século XIX, toda uma literatura abolicionista, de

Castro Alves a Joaquim Nabuco que, no entanto, tratou o negro como um problema

homogeneizado pela escravidão, enquanto mácula.

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Entretanto, hoje, temos o dia da consciência negra que é uma tentativa de

resgate histórico, para refletirmos sobre as atrocidades do passado e nos

posicionarmos criticamente. Preservar a memória é uma das formas de construir a

história. É pela disputa dessa memória, dessa história, que nos últimos 32 anos se

comemora no dia 20 de novembro, o “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Nessa data, em 1695, foi assassinado Zumbi, um dos últimos líderes do

Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone da resistência

negra ao escravismo e da luta pela liberdade. Para o historiador Flávio Gomes, do

Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a escolha do

20 de novembro foi muito mais do que uma simples oposição ao 13 de maio:

Os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais. Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca coisa, pois o tema do racismo sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. “Como se não existisse". (VOGT, 2002 p. 2).

A diversidade de formas de celebração de 20 de novembro permite ter uma

dimensão de como essa data tem propiciado congregar os mais diferentes grupos

sociais.

Os adeptos das diferentes religiões manifestam-se segundo a leitura de sua cultura, para dali tirar elementos de rejeição à situação em que se encontra grande parte da população afro-descendente. Os acadêmicos e os militantes celebram através dos instrumentos clássicos de divulgação de idéias: simpósios, palestras, congressos e encontros; ou ainda a partir de feiras de artesanatos, livros, ou outras modalidades de expressão cultural. Grande parte da população envolvida celebra com samba, churrasco e muita cerveja", conta o historiador Andrelino Campos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. (CAMPOS, 2012).

Com relação à identidade negra, pode-se observar que se trata de uma

construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de

diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos

que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação

com o outro.

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Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo,

pois só o outro interpela nossa própria identidade. Muitas vezes os negros

encontram um choque de identidade, porque aqui eles se autodenominam como

afro-descendentes, essa denominação é quase que uma aproximação do Ser

africano, porém quando eles se deparam com um sujeito realmente africano há um

confronto de identidades, isso é o que afirma Montes (1996, p. 58):

Depois de libertos, nos finais do século XIX, voltam para a Nigéria. Esses negros, que aqui no Brasil eram denominados africanos, ao chegarem à Nigéria descobrem assustadíssimos, que lá eles são brasileiros(...) se pensarmos no problema de identidade como resultado de um processo de identificação – para voltar à questão da raça, agora traduzida em sua dimensão étnica – o que devemos nos perguntar, nesse caso, é o que significa, no Brasil do século XIX, a idéia de que existem negros de um modo geral. Essa é uma idéia que embasa o preconceito. (MONTES, 1996, p. 58).

Seguindo essa mesma linha sobre identidade, Gomes discorre sobre

identidade os seguintes argumentos:

A identidade negra é também uma construção política. Por isso, ela não

pode ser vista de forma idealizada ou romantizada. O que isso significa?

Significa que, no contexto das relações de poder e dominação vividas

historicamente pelos negros, no Brasil e na diáspora, a construção de elos

simbólicos vinculados à uma matriz cultural africana, tornou-se um

imperativo na trajetória de vida e política dos negros brasileiros. Ser negro e

afirmar-se negro, no Brasil, não se limita à cor da pele. É uma postura

política. É importante que os educadores e as educadoras negras e brancas

compreendam a radicalidade desse processo. Enquanto dois processos

densos, construídos pelos sujeitos sociais, no decorrer da história, nas

relações sociais e culturais, a educação e a identidade negra estão imersas

na articulação entre o individual e o social, entre o passado e o presente, e

são incorporadas, ao mesmo tempo em que incorporam, à dinâmica do

particular e do universal. Nessa perspectiva, quando se pensa a escola

como um espaço específico de formação inserida num processo educativo

bem mais amplo, se encontra mais do que currículos, disciplinas escolares,

regimentos, provas, testes e conteúdos. Depara-se com diferentes olhares

que se cruzam, que se chocam e que se encontram. A escola pode ser

considerada, então, como um dos espaços que interfere e auxilia na

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construção da identidade. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no

interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode

estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. Mas é

importante lembrar que a identidade construída pelo negro dá-se não só por

oposição ao branco, mas, também, pela negociação, pelo conflito e pelo

diálogo com este. As diferenças implicam processos de aproximação e

distanciamento. Nesse jogo complexo, vai se aprendendo, aos poucos, que

a diferença estabelece os contornos da nossa identidade. O problema racial

no Brasil pode ser pensado como, de verdade, um problema de classe, com

raízes na história tão recente da escravidão, e tal tese se apoiava no fato de

que o Brasil supostamente nunca teve barreiras raciais tão rígidas quanto,

por exemplo, os Estados Unidos, e sempre experimentou um grau muito alto

de mestiçagem e convivência entre pessoas de características raciais e

culturais muito distintas. Alguns autores trataram de explicar isto pelas

diferenças entre a Igreja Católica, que trata a todos como iguais, e a

tradição protestante, que tende a manter as comunidades muito mais

isoladas e fechadas. Outros buscam a explicação na cultura portuguesa,

tradicionalmente mais promíscua e menos preconceituosa do que a anglo-

saxã. Seja como for, o fato é que o Brasil nunca teve legislação que tratasse

as pessoas de forma diferente conforme sua raça ou cor, e o preconceito e

a discriminação racial, que nunca deixaram de existir, permanecem no

mundo das relações privadas, e não são comportamentos aceitos nem

aprovados abertamente pela sociedade. A esperança dos defensores da

tese de que o problema racial era uma questão de classe era de que o

Brasil poderia evoluir realmente no sentido de um grande cadinho racial, o

"melting pot" que alguns autores norte-americanos previam para seu país.

(GOMES, 2002, p. 560).

Com relação ao preconceito, Santos (2003, p.2) pontua que há uma

freqüente indagação sobre como é ser negro em outros lugares, forma de perguntar,

também, se isso é diferente de ser negro no Brasil. Sobre o seu conhecimento a

respeito da vivência dos negros ele pontua da seguinte maneira

As peripécias da vida levaram-nos a viver em quatro continentes, Europa, Américas, África e Ásia. Desse modo, tivemos a experiência de ser negro em diversos países e de constatar algumas das manifestações dos choques culturais correspondentes. Cada uma dessas vivências foi diferente de qualquer outra, e todas elas diversas da própria experiência brasileira. As realidades não são as mesmas. Aqui, o fato de que o trabalho do negro

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tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas). Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito.No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo. Desse modo, toda discussão ou enfrentamento do problema torna-se uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário. Veja-se o tempo politicamente jogado fora nas discussões semânticas sobre o que é preconceito, discriminação, racismo e quejandos, com os inevitáveis apelos à comparação com os norte-americanos e europeus. Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é? Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambiguidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica. (Ser Negro no Brasil hoje, São Paulo, 2003. Disponível em<http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=527>. Acesso em: 12 de Mar. de 2012).

Este mesmo autor pontua no seu artigo sobre a hipocrisia permanente a que

os negros são submetidos na sociedade:

Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida". Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente

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desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil. (ANTROPOSMODERNO, 2012).

Sendo assim, através da busca de melhorias nas condições atuais das aulas

de leitura, é necessário procurar despertar a curiosidade e a motivação para o ato de

ler, além de coletar informações pessoais dos alunos sobre o que eles pensam

sobre a questão racial, desenvolvendo a partir daí debates que possam ampliar o

horizonte de conhecimento dos educandos à respeito do tema.

3.3.1 PRECONCEITO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

O preconceito não é um assunto novo na sociedade. Ao contrário remonta

séculos e acaba sempre trazendo à tona certa inquietação quando mencionado.

É possível encontrar ainda hoje pessoas que não sabem como expressar-se

a respeito da diversidade de raças existentes, embora existam diversas outras

formas de comportamento preconceituoso.

Importante salientar também o conceito de raças definido segundo Schwarcz

(1993), citada por Homero (2011) como algo que:

Sempre deu muito que falar no exterior, mas, sobretudo no Brasil, país identificado desde o século XVI com base em sua natureza exuberante, mas suas ‘gentes um tanto estranhas’. Por aqui, o tema proliferou, seja em perspectivas positivas e alentadoras, seja com visões mais negativas. Se a representação onírica, próxima à máxima romântica do ‘bom selvagem’ revelou-se vitoriosa até o século XIX, é desde esse momento que noções mais pessimistas, ligadas às teorias científicas raciais, tenderiam as inverter os termos da equação.3

Assim como citado por Schwarcz (1993) a questão da raça é muito antiga, o

que não se trata de um tema somente brasileiro, mas visto em grande parte no

exterior.

3HOMERO, Vilma. Raça como questão. Disponível em: <http://www.buala.org/pt/a-ler/livro-aborda-conceito-de-raca-brasil>. Acesso em 2 de Mar. de 2012.

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Assim, para estudar e principalmente entender o preconceito é necessário

recorrer a mais de uma área do saber.

Segundo Crochik (1997), embora o preconceito seja um fenômeno também

psicológico, pode ser encontrado no processo de socialização, onde o indivíduo se

forma e se transforma como tal.

Essa manifestação é caracterizada por Crochik (1997) como individual, bem

como as necessidades irracionais que surgem neste processo. Este, por sua vez,

poderá ser entendido como fruto da cultura e da história, o que acaba variando de

indivíduo para indivíduo.

Crochik (1997, p. 11), cita que há “complicações” no que se refere ás

definições de preconceito, sendo uma delas referente ao indivíduo preconceituoso

que desenvolve preconceitos em relação a muitos objetos ou sujeitos (vistos como

objetos), como é o caso do preconceito com judeus, negros, homossexuais, entre

outros.

Esta espécie demonstra que o preconceito diz mais respeito à necessidade

do que às características dos objetos propriamente ditos.

Outra complicação se refere aos conteúdos do preconceito em relação aos

diversos objetos que não são semelhantes entre si. Explica Crochik que: “O

preconceito, ao mesmo tempo em que diz mais do preconceituoso do que do alvo do

preconceito não é totalmente independente deste último”. (1997, p. 12).

Desta forma, não é possível estabelecer um conceito único a respeito deste

tema, uma vez que este apresenta aspectos constantes frente a diversos objetos.

Contribui ainda Crochik (1997) quando menciona que ambas as

complicações resultam de uma “cegueira individual”, daqueles indivíduos que não

podem se ver, uma vez que se a reação é causada por um outro ela encontra

respaldo em si mesmo.

É necessário estabelecer a diferença existente entre “Preconceito” e “Pré-

Conceito”, uma vez que o preconceito é: “Um fenômeno conhecido há muito tempo,

embora o seu objeto e o seu conceito tenham variado historicamente”. (CROCHIK,

1997, p. 26).

Já o Pré-Conceito é visto como: “As percepções, experiências ou conceitos

já formulados, quanto às necessidades emocionais existentes antes da nova

experiência”. (CROCHIK, 1997, p. 27).

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Assim, é possível dizer que estes dois tipos de reações são facilmente

encontrados nos indivíduos, embora de maneira separada. Isto faz com que seja

necessário estabelecer os conhecimentos acerca do Pré-Conceito, de modo que

este não seja reduzido com Preconceito.

Com relação às definições e conceitos propostos por vários autores é

necessário frisar alguns como o de Johada e Ackerman (1969) que citam:

Preconceito é em seu sentido etimológico amplo, o termo que se aplica às generalizações categóricas, que acabam não levando em conta as diferenças individuais. Todos nós prejulgamos continuamente, à respeito de muitos assuntos e essas generalizações redundam em uma economia de esforço intelectual. O preconceito aparece quando os fatos não estão ao nosso alcance, enquanto que no pensar estereotipado, os fatos não contam, mesmo quando os tenhamos à mão. (JOHANA e ACKERMAN, 1969, p. 26, apud, CROCHIK, 1997, p. 28).

Mesmo assim, percebe-se que a definição proposta pelos autores não

esclarece totalmente a diferença entre Preconceito e Pré-Conceito, uma vez que é

dirigida para as características individuais do preconceituoso. Assim, é necessário

citar que:

Em sua acepção mais restrita, o preconceito deve ser distinguido do pré-conceito e do pensar estereotipado. Representa uma sub-categoria do pré-conceito, apóia-se no pensar estereotipado, sem confundir-se com um ou com outro. Do ponto de vista psicológico, o preconceito é uma atitude de hostilidade nas relações interpessoais, dirigida contra um grupo inteiro ou contra um indivíduo pertencente a ele, preenchendo uma função irracional definida dentro da personalidade. (JOHANA e ACKERMAN, 1969, p. 26-27, apud, CROCHIK, 1997, p. 28).

Assim, entende-se, segundo Crochik, (1997) que o indivíduo é levado a se

defender dos conflitos sociais existentes no processo de adaptação, os quais

acabam variando historicamente. Logo, se estas acarretam regressões individuais

não podem ser entendidas apenas na esfera individual.

Neste sentido faz-se necessário citar o ambiente escolar, onde o aglomerado

de alunos poderá, uma vez que o preconceito é entendido além de psicológico como

um processo de socialização, onde o indivíduo se forma e se transforma como tal,

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desenvolver diversas formas de preconceito em relação aos colegas, professores e

demais membros como os funcionários, por exemplo.

Logo, a importância de trazer o tema principalmente para o ensino médio é

mister, pois conscientizará os educandos quanto á esta prática, bem como formará

opiniões acerca do tema, fazendo com que os alunos aprendam a reconhecer as

diversidades existentes na sua escola, cidade ou até mesmo em seu país.

MATERIAIS E MÉTODOS

A formulação da pesquisa encaminha para os resultados esperados durante

a aplicação do estudo de caso, sendo este formatado e tendo como base a pesquisa

bibliográfica elaborada. Sendo este um “processo formal e sistemático de

desenvolvimento do método científico” (GIL, 1999, p.42).

Os métodos aplicados, assim como a definição da população-alvo, a

amostra e as técnicas utilizadas para coletar dados são de extrema importância para

a obtenção de resultados que forneça uma base relevante a análise e a avaliação do

estudo. Segundo Roesch (1999):

Se o propósito do projeto implica medir ralações entre variáveis (associação ou causa-efeito), em avaliar o resultado de algum sistema ou projeto, recomenda-se utilizar preferentemente o enfoque da pesquisa quantitativa e utilizar o melhor meio possível de controlar o delineamento da pesquisa para garantir uma boa interpretação dos resultados. São chamados delinementos analíticos ou relacionais, planejados para explorar as associações entre variáveis específicas. (ROESCH, 1999, p.130).

O presente estudo utilizou-se da pesquisa quantitativa, esta que tem por

objetivo a análise e a proposta de mudanças no ambiente estudado. Esta decisão

baseia-se no que diz o autor:

Quando executamos projetos de análise, modelagem, organização e melhoria de processos de negócio, é importante que antes de começar tenhamos adotado uma metodologia de trabalho. Essa metodologia pode ter

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qualquer nome, qualquer procedência, e até mesmo ter sido desenvolvida em casa, não importa. O imprescindível é jamais começar um projeto desse tipo sem tê-la. (CRUZ, 2008, p.27).

Para isso foram desenvolvidas pesquisas, para o levantamento dos e

informações os quais deram suporte para o esclarecimento quanto à leitura e o

fundamento para a aprendizagem de Literatura Brasileira.

Logo, a produção das atividades foi feita durante as aulas de leitura, já que

se observa que grande parte dos alunos não apreciava, até então, esta prática.

ANÁLISE DE DADOS

A pesquisa foi realizada no Colégio Estadual D. Pedro I – E. F. M. P. N,

Núcleo Regional de Pitanga/PR, com alunos do 2º ano do Ensino Médio. Foram

trabalhadas 15 aulas onde foi tratada a questão racial por meio da obra: Clara dos

Anjos de Lima Barreto.

Nas aulas foram implementados planos que fizeram com que os alunos

tomassem gosto pela leitura e se tornassem, por sua vez, alunos mais críticos em

relação ao tema.

Deste modo foram utilizadas músicas, leituras, palestras com professores de

história, leitura do livro Clara dos Anjos, contextualização com músicas e produções

textuais.

A aplicação destas aulas voltadas aos temas sociais teve como objetivo

desenvolver a competência de leitura dos alunos, valorizando-a como fonte de

produção, trazendo a tona alguns conhecimentos sobre Literatura Brasileira;

promovendo uma conscientização e um maior conhecimento quanto ao tema das

raças; fazendo a ponte entre o passado e os dias de hoje, percebendo como a

temática abordada hoje se faz presente na sociedade brasileira, observando ainda

as semelhanças e diferenças entre passado e presente.

Pode-se observar em relação aos alunos que as aulas tornaram-se mais

dinâmicas, participativas, críticas e ao mesmo tempo prazerosas.

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Os alunos participaram assiduamente de cada atividade proposta

posicionando-se à favor ou contra as indagações, sempre motivando os seus pontos

de vista.

Notou-se ainda, diante das observações que os mesmos praticaram as

leituras propostas, tanto da obra, seus fragmentos, bem como das letras de músicas

e outros meios, como recortes de revistas e jornais, sem grandes esforços, onde a

leitura não se tornou forçada, mas sim dando ao tema um trato digno de ser

reconhecido pelos educandos como uma forma eficaz de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da pesquisa realizada pode-se perceber que, assim como os

aspectos históricos que envolvem a Literatura, há também os sociais que muitas

vezes não são lembrados.

Logo, as obras são estudadas, na maioria das vezes, de modo que não

despertem o sentido crítico e real, conforme foram criadas, mas sim a análise

literária de personagens, tempo, espaço, onde os alunos não lêem para entender a

história, mas para preencher os requisitos das aulas.

Pensando assim, nesta etapa, foi tratada da obra: “Clara dos Anjos”, do

autor Lima Barreto. Esta obra foi concluída no ano de 1922, ano da morte do autor, a

qual retrata o preconceito racial e de gênero vivenciado pela protagonista. A história

apresenta como cenário o subúrbio do Rio de Janeiro, o qual é descrito pelo autor

com grande riqueza de detalhes tanto do ambiente quanto da vida dos moradores do

lugar.

Como ponto relevante da obra pode-se destacar a forma como Clara, a

protagonista, é educada pela família desde a tenra idade, sempre sob os olhos

vigilantes dos pais, sem que lhe deixem ter qualquer iniciativa própria.

Assim, é necessário que a obra seja acompanhada integralmente pelos

alunos a fim de que eles possam acompanhar as formas de preconceitos existentes

nela, o que por vezes pode denunciar uma realidade ainda vivida hoje.

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Pode-se perceber ainda que a obra não trata somente do preconceito racial

e de gênero, mas principalmente ressalta o aspecto social que envolve tais

preconceitos, no sentido de que é a sociedade que os cria, os nomeia,

compartimenta, atribui-lhes uma diferença, para perversamente excluí-los e

marginalizá-los.

Todas estas informações foram levadas aos alunos e trabalhadas de forma

detalhada em diferentes gêneros textuais, onde os mesmos puderam posicionar-se

de acordo com suas opiniões, e puderam perceber que não se trata de um

condicionamento, ou seja, uma imposição para ler, mas sim, uma atividade que é

feita livremente, onde se dá um processo de reconstrução, sem uma imposição de

uma verdade absoluta, assim os mesmos puderam opinar à respeito da escrita do

livro, das músicas e outros materiais abordados, associando ao cotidiano e suas

vivências diárias, com o intuito de a partir do gesto de leitura, o leitor também se

coloca em aberto e repensa-se social e coletivamente.

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