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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 1º

LIVRO I

DO PROCESSO EM GERAL

` TÍTULO I – DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:I – os tratados, as convenções e regras de direito internacional;II – as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes

conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100);

III – os processos da competência da Justiça Militar;IV – os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17);V – os processos por crimes de imprensa.Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos ns. IV e V, quando

as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso.

1. BREVES COMENTÁRIOS

O CPP consagra a adoção do princípio da territorialidade (locus regit actum). Com isto, teremos a aplicação da lei processual penal brasileira aos crimes praticados em território nacional, ressalvadas, apenas, as exceções expressamente previstas em lei. Não se admite a aplicação, no Brasil, de direito processual estrangeiro. Saliente-se, todavia, que o Brasil aderiu à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (art. 5º, § 4º, CF), podendo, portanto, entregar o autor de crime praticado em solo nacional, sendo espécie de jurisdição complementar à brasileira.

A primeira exceção prevista pelo artigo para aplicação da lei processual penal corres-ponde às normas de Direito Internacional. Nesta senda, devemos salientar que os agentes diplomáticos não estão sujeitos à lei (processual) penal brasileira. Os agentes consulares, por sua vez, de acordo com antiga e sedimentada jurisprudência do STF, estarão imunes à legisla-ção nacional, apenas quando praticarem infrações penais no exercício de suas funções (RHC 50.155/SP, Rel. Min. Barros Monteiro).

Ainda no que tange aos tratados internacionais, cumpre destacar que estes possuem status de norma constitucional, quando versam sobre direitos humanos e se submetem ao processo legislativo das Emendas Constitucionais (art. 5º, § 3º, CF). Já os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que não tenham se submetido ao processo legislati-vo das Emendas Constitucionais serão recepcionados com status de norma supralegal1, vale dizer, superior à lei ordinária e inferior à Constituição Federal. É o entendimento do STF, que, recentemente, decidiu que “o status normativo supralegal dos tratados internacionais de di-reitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele

1. ARAÚJO, Fábio Roque. A prisão civil do depositário judicial: (in) constitucionalidade. Revista Dialética de Direito Processual, v. 70, p. 31-36, 2009.

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Art. 2º TíTuLO I – DIsPOsIções PReLImInaRes .

conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão” (RE 349.703/RS, Rel. Min. Carlos Britto).

Também não se sujeitam à lei processual penal a chamada jurisdição política, consistente no julgamento pelos crimes de responsabilidade de algumas autoridades. Nestes casos, o julgamento ocorre perante o Legislativo. É o que ocorre nos julgamentos, perante o Senado Federal, do presidente e vice-presidente da República, por crime de responsabilidade, bem como de ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas, nos crimes de mesma natureza e conexos com aqueles (art. 52, I, CF). De igual sorte, o julgamento dos crimes de responsabilidade praticados por ministro do STF, membro do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado geral da União (art. 52, II, CF).

Aos processos de competência da Justiça Militar não se aplicam as regras do CPP, ca-bendo a observância das regras insculpidas no Código de Processo Penal Militar. A ressalva prevista no inciso IV do artigo já não possui aplicação, na medida em que o Tribunal Especial a que se refere estava previsto na Constituição de 1937 (Tribunal de Segurança Nacional) e já foi extinto. De igual sorte, já não se aplica a ressalva relativa aos crimes de imprensa (inciso V), porquanto o STF considerou a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) não recepcionada pela CF/88 (ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto).

Devemos salientar que o CPP será aplicado subsidiariamente aos procedimentos especiais previsto em lei especial (ex.: Lei de drogas).

2. QUESTÕES DE CONCURSO

01. (Juiz Substituto – TJ/AC/CESPE/2012 – Adaptada) Em relação à aplicação da lei no espaço, vigora o prin-cípio da absoluta territorialidade da lei processual penal.

02. (Juiz Substituto – TJ/BA/CESPE/2012 – Adaptada) Aplica-se às normas processuais penais o princípio da extraterritorialidade, visto que são consideradas extensão do território nacional as embarcações e aerona-ves públicas a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem.

03. (Juiz Substituto – TJ/PR/PUC/2012 – Adaptada) Considere que um determinado ilícito penal fora prati-cado a bordo de uma aeronave privada a serviço do Governo Uruguaio que se encontrava em pouso no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Neste caso, é correto afirmar que a lei processual penal brasileira será aplicada, haja vista tratar-se de delito praticado em solo nacional.

04. (Juiz Substituto – TJ/PR/PUC/2012 – Adaptada) Considere que um determinado ilícito penal fora pratica-do a bordo de uma embarcação mercantil brasileira fundeada no porto de Fort Lauderdale/FL, nos Estados Unidos. Mesmo sendo o autor do delito e a vítima de nacionalidade brasileira, não será aplicada a lei pro-cessual penal do Brasil por se considerar, no particular, que o delito fora cometido em solo estrangeiro.

05. (Juiz Substituto – TJ/PR/PUC/2012 – Adaptada) As sedes diplomáticas e consulares são consideradas território estrangeiro e, por esse motivo, não se aplicam as leis processuais penais brasileiras aos delitos perpetrados no interior de suas dependências.

GAB 01 V 02 F 03 F 04 V 05 F

Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 2º

1. BREVES COMENTÁRIOS

Consagra-se a adoção, entre nós, do princípio da aplicação imediata2 (ou princípio do efeito imediato) da lei processual. Portanto, no processo penal, vigora a regra do tempus regit actum, de onde podemos extrair duas consequências:

a) a lei processual penal aplica-se imediatamente;

b) os atos processuais já realizados são considerados válidos. Assim, se, por exemplo, a lei processual estabelece novas regras para a citação do acusado, as citações já efetuadas são válidas e a nova regra deverá ser aplicada às citações ulteriormente realizadas.

Percebemos que no Direito Processual Penal, não vigora o princípio da irretroatividade ou princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XXXIX e XL, CF e art. 2º, CP), como ocorre no Di-reito Penal. Assim, benéfica ou maléfica, a lei processual será aplicada de pronto. Em sentido diverso, minoritário na doutrina, Aury Lopes Jr. sustenta que à norma processual penal aplica--se a regra da retroatividade benéfica, segundo a mesma rotina da lei material3.

Questão palpitante diz respeito à solução para aplicação da lei mista (ou híbrida), en-tendida como aquela que comporta aspectos de direito material e direito processual. Nesta situação, na esteira do entendimento pacífico no STF, deve prevalecer o aspecto material, valendo a regra da retroatividade benéfica para o réu (HC 83.864/DF, Rel. Min. Sepúlveda Per-tence). É dizer, cabe ao intérprete centrar-se na análise do aspecto material, e duas soluções se apresentam:

1) Se for benéfico, retroagirá, e a parte processual da lei terá aplicação a partir da sua vigên-cia, já que os atos processuais eventualmente já praticados reputam-se válidos;

2) Sendo maléfico, não há retroação, e a parte processual da lei só é aplicada aos crimes ocorridos após a sua entrada em vigor, ou seja, nenhum aspecto da norma é aplicado aos delitos que lhe são anteriores.

LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO

REGRA: lei estritamente processual

EXCEÇÃO: lei mista ou híbrida

Noção É a lei que contém apenas preceitos de di-reito processual

É a lei que traz preceitos de direito proces-sual e de direito penal

Como se aplica

Aplicação imediata com preservação dos atos anterioresPrincípio do efeito imediato ou da aplica-ção imediata

Não pode haver cisãoPrevalece o aspecto penal: se este for be-néfico, a lei retroage por completo; se for maléfico, a lei não retroage.

2. ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. v.I. Campinas: Bookseller, 2000, p. 203.3. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p.

214. No mesmo sentido, QUEIROZ, Paulo de Souza; VIEIRA, Antônio. Retroatividade da lei processual penal e garantismo. Boletim do IBCCrim, nº 143, out de 2004.

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Art. 2º TíTuLO I – DIsPOsIções PReLImInaRes .

2. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

` STF/727 – Lei penal no tempo e combinação de dispositivos – 1. É vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (“§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons an-tecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), combinada com as penas previstas na Lei 6.368/76, no tocante a crimes praticados durante a vigência desta norma. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu parcialmente recurso extraordinário para determi-nar o retorno dos autos à origem, instância na qual deverá ser realizada a dosimetria de acordo com cada uma das leis, para aplicar-se, na íntegra, a legislação mais favorável ao réu. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, relator. Inicialmente, o relator frisou que o núcleo teleológico do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna consistiria na estrita prevalência da lex mitior, de observância obrigatória, para aplicação em casos pretéritos. Afirmou que se trataria de garantia fundamental, prevista no art. 5º, XL, da CF e que estaria albergada pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 9º). Frisou que a Constituição disporia apenas que a lei penal deveria retroagir para beneficiar o réu, mas não faria menção sobre a incidência do postulado para autorizar que algumas partes de diversas leis pudessem ser aplicadas separadamente para favorecer o acusado.

` Lei penal no tempo e combinação de dispositivos – 2. O relator destacou que o caso em exame dife-renciar-se-ia da simples aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, pois preten-dida a combinação do caput do art. 12 da Lei 6.368/76 com a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Explicou que a lei anterior estabelecera, para o delito de tráfico, pena em abstrato de 3 a 15 anos de reclusão, mas a norma atual cominara, para o mesmo crime, reprimenda de 5 a 15 anos de reclusão. Assim, este diploma impusera punição mais severa para o delito, mas consagrara, em seu art. 33, § 4º, causa especial de diminuição a beneficiar o agente primário, de bons antecedentes, não dedicado a atividade criminosa e não integrante de organização criminosa. Concluiu, no ponto, que o legislador teria procurado diferenciar o traficante organizado do traficante eventual. Observou, entretanto, que essa causa de dimi-nuição de pena viera acompanhada de outra mudança, no sentido de aumentar consideravelmente a pena mínima para o delito. Assim, haveria correlação entre o aumento da pena-base e a inserção da minorante.

` Lei penal no tempo e combinação de dispositivos – 4. O Ministro Luiz Fux acrescentou que o Código Penal Militar contém norma que serviria de norte interpretativo para solucionar a questão, em seu art. 2º, § 2º (“§2º Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”). Vencida a Ministra Rosa Weber e os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que proviam o recurso. Consideravam cabível a retroação da norma penal nos aspectos em que beneficiaria o réu, sem que isso implicasse a criação de terceira lei. Ressaltavam que a minorante não existia na legislação pretérita e, por seu ineditismo, constituiria lei nova mais benéfica, razão pela qual deveria retroagir. Nesse caso, adequar a causa especial de diminui-ção à pena prevista na lei antiga não significaria combinar normas, porque o juiz, ao assim agir, somente movimentar-se-ia dentro dos quadros legais para integrar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Vencido, também, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso, por considerar que o caso diria respeito apenas à inadmissível mesclagem de normas, sem que se pretendesse relegar ao juízo de origem a definição da lei a ser aplicada. RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013.

` STF/602 – Lei 11.719/08: interrogatório e “tempus regit actum”. O interrogatório do paciente ocorreu em data anterior à publicação da Lei 11.719/2008, o que, pela aplicação do princípio do “tempus regit actum”, exclui a obrigatoriedade de renovação do ato validamente praticado sob a vigência de lei anterior. HC 104555, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.10. 1ª T.

` STF/589 – Aplicação da lei no tempo. Porte ilegal de arma. Denúncia e sentença. Aplicação da lei no tempo. Norma instrumental. Envolvida na espécie norma instrumental, como é o caso da revelada no art. 384 do CPP, tem-se a validade dos atos praticados sob a vigência da lei anterior – art. 2º do CPP.//Denúncia e sentença. Porte ilegal de arma. Descabe cogitar de descompasso entre denúncia e sentença quando a primeira, baseada no art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei 10.826/03, muito embora consig-nando a posse ilegal de arma, retrata a apreensão em via pública, havendo ocorrido a prisão em flagrante, lastreando-se o título condenatório na posse ilegal. HC 96.296-RS, rel. Min. Marco Aurélio.

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 2º

` STJ/509 – Direito penal e processual penal. Natureza da ação penal. Norma processual penal material. A norma que altera a natureza da ação penal não retroage, salvo para beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação penal influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto tem efeito ma-terial. Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e processual) não tem pronta aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando a irretroatividade da lei, salvo para beneficiar o réu, conforme dis-põem os arts. 5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP. Precedente citado: HC 37.544-RJ, DJ 5/11/2007. HC 182.714-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2012.

3. QUESTÕES DE CONCURSO

01. (Delegado de Polícia – PA/UEPA/2013 – Adaptada) Uma lei que reduza o prazo para a interposição de recurso não pode ser aplicada aos processos em andamento, haja vista que, em se tratando de norma mais gravosa, não pode retroagir para alcançar processos iniciados antes de sua vigência.

02. (Delegado de Polícia – PA/UEPA/2013 – Adaptada) A superveniência de lei alterando o procedimento da ação penal surte efeitos imediatos sobre os processos em andamento, determinando a renovação dos atos já praticados que com ela sejam incompatíveis.

03. (Defensor Público – DPE/MS/Vunesp/2012 – Adaptada) Uma pessoa condenada no ano de 2010 a 23 anos de reclusão pelo crime de homicídio tem direito à interposição do recurso denominado “protesto por novo júri” em virtude do crime a ela imputado ter sido praticado em 2006.

04. (Juiz Substituto – TJ/PA/CESPE/2012 – Adaptada) A Lei nº 12.403/2011, que alterou o quantum da pena máxima para a concessão de fiança, segue o direito material nesse aspecto, sendo, por isso, aplicado o prin-cípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, não o do tempus regit actum.

05. (Promotor de Justiça – MPE/TO/CESPE/2012 – Adaptada) Se, após decisão que tiver concedido liberdade provisória a determinado preso, entrar em vigor nova lei que proíba a concessão do benefício para condena-dos por crime da espécie do cometido por esse preso, deverá o juiz da causa revogar a liberdade provisória, em razão da superveniente proibição legal.

06. (Delegado de Polícia – RJ/FUNCAB/2012) Um Delegado de Polícia, em 10/04/2012, ou seja, após o julga-mento pelo STF da ADI 4424 (09/02/2012), que entendeu ser a ação penal por lesão corporal leve, no âmbito da violência doméstica contra a mulher, pública incondicionada, se depara com notícia de um crime de lesão corporal leve, no âmbito da violência doméstica contra a mulher, ocorrido em 04/01/2012, ou seja, antes do julgamento da referida ADI 4424, sem que a vítima tenha representado. Tendo em conta o controle de constitucionalidade na via abstrata pelo STF, em matéria penal, doutrinariamente é possível dizer que:

(A) Nesse caso, por força do art. 5º, LX, da CRF (princípio da retroatividade benéfica e irretroatividade in malan partem), os efeitos do controle abstrato devem ser adstritos à técnica de declaração de inconstitucionalida-de sem pronúncia de nulidade, ou seja, efeito extunc, devendo o Delegado instaurar o inquérito.

(B) O STF, no controle de constitucionalidade pela via abstrata, exerce função típica, jurisdicional, e, mesmo em tema de normas processuais mistas, sua decisão é erga omnes, com efeito vinculante inter partes. O Dele-gado deverá instaurar o inquérito.

(C) Quando a lei processual mista for declarada inconstitucional ou tiver interpretação fixada cujo efeito seja prejudicial ao réu, por força do princípio da irretroatividade da lei penal prejudicial (art. 5º, LX, CRF/88), seus efeitos deverão ser prospectivos, ou seja, ocorrerá declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. O Delegado não poderia instaurar o inquérito.

(D) Nesse caso, indiscutivelmente, o Delegado de Polícia deverá instaurar o inquérito independentemente de representação da vítima, pois a decisão do STF é vinculante e erga omnes, não encontrando qualquer outro limite, vez que a Corte atua como legislador positivo.

(E) Por se tratar de lei material, o caso reclama a técnica de controle de constitucionalidade com pronúncia de nulidade, atribuindo-se efeito ex nunc. Assim, não poderia o Delegado instaurar inquérito.

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Art. 3º TíTuLO I – DIsPOsIções PReLImInaRes .

07. (Juiz Substituto – TJ/BA/CESPE/2012 – Adaptada) A lei processual aplica-se de imediato, devendo-se respeitar, entretanto, a data em que o crime foi praticado e observar a pretensão punitiva já estabelecida.

08. (Analista – MP/PI/CESPE/2012 – Adaptada) A lei processual penal, no tocante à aplicação da norma no tempo, como regra geral, é guiada pelo princípio da imediatidade, com plena incidência nos processos em curso, independentemente de ser mais prejudicial ou benéfica ao réu, assegurando-se, entretanto, a valida-de dos atos praticados sob a égide da legislação anterior.

09. (Juiz Substituto – TJ/PR/PUC/2012 – Adaptada) Em 10.02.2011, o acusado fora citado para apresentar resposta à acusação no prazo máximo de 10 (dez) dias. Em 12.02.2011, lei nova entrou em vigor reduzindo o prazo de defesa para 03 (três) dias. Nesse contexto hipotético, considerando que a aplicação da lei processu-al penal no tempo obedece ao princípio do tempus regit actum, seria correto afirmar que o réu teria apenas mais um dia para apresentar a sua defesa.

10. (Juiz Substituto – TJ/AC/CESPE/2012 – Adaptada) Por expressa previsão legal, a lei penal e a lei processual penal retroagem para beneficiar o réu.

11. (Juiz Substituto – TJ/AC/CESPE/2012 – Adaptada) De acordo com o princípio da aplicação imediata da lei processual penal, os atos já realizados sob a vigência de determinada lei devem ser convalidados pela lei que a substitua.

GAB 01 F 02 F 03 F 04 F 05 F 06 C 07 F 08 V 09 F 10 F 11 F

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

1. BREVES COMENTÁRIOS

Interpretação extensiva é aquela em que o intérprete amplia o conteúdo da lei, quando ela disse menos do que deveria. No processo penal, podemos utilizar como exemplo as cau-sas de suspeição do juiz (art. 254, CPP, supra), que também devem ser aplicadas aos jurados, porquanto estes também são juízes, embora leigos.

Analogia é um processo de auto-integração da lei, consistente na aplicação a um fato, não regido pela norma jurídica, de disposição legal aplicável a fato semelhante. Com isto, consagra-se a ideia de que “onde existe a mesma razão deve existir o mesmo direito” (ubi eadem ratio, ibi eadem ius). Releva salientar que a analogia é vedada no Direito Penal, salvo se beneficiar o réu (analogia in bonam partem). O processo penal não conhece a mesma vedação, pois, aqui, não se trata de norma penal incriminadora.

Princípios gerais de direito são “postulados que procuram fundamentar todo o sistema jurídico, não tendo necessariamente uma correspondência positivada equivalente”4. Consti-tuem premissas éticas que fundamentam o ordenamento jurídico. Sobre o tema, afirma Júlio Fabbrini Mirabete que “o direito processual penal está sujeito às influências desses princípios como os referentes à liberdade, à igualdade, ao direito natural etc”5.

4. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.24.

5. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 86.

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 3º

2. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

` STF/585 – Intimação. Réu preso. Aplicação analógica do art. 370, §2º, do CPP. 1. A intimação do acórdão do “habeas corpus” impetrado ao STJ se efetivou pelo Diário de Justiça, muito embora se tratasse de réu preso, sem formação jurídica e atuando em causa própria. 2. O paciente preso não poderia ter conhecimento da intimação realizada via Diário da Justiça, uma vez que, sabidamente, tal periódico não circula em esta-belecimentos prisionais. 3. Em casos como o presente, deve-se aplicar por analogia o art. 370, § 2º, do CPP. HC 100103, rel. Min. Ellen Gracie, 4.5.10. 2ª T..

` STF/525 – Substituição de Testemunha Não Encontrada. Aplicação analógica do art. 408, CPC. O Tri-bunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que deferira substituição de testemunha não localizada. Na espécie, sustentava-se que a substituição de testemunha fora deferida com base no art. 397 do CPP (“Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz pode-rá deferir o pedido de substituição, se esse pedido não tiver por fim frustrar o disposto nos arts. 41, in fine, e 395.”), dispositivo que, quando da prolação da decisão agravada, já teria sido revogado pela Lei 11.719/2008. Alegava-se, ademais, que tal procedimento não poderia mais ser admitido, por ausência de previsão legal. Considerou-se que, embora a possibilidade de substituição de testemunha não encontrada não estivesse mais expressamente prevista no CPP, não se haveria de entender que o legislador teria adotado um silêncio eloquente na matéria, sobretudo por não ter havido uma revogação direta e expressa do antigo texto do art. 397 do CPP, mas sim uma reforma de capítulos inteiros do Código, por leis esparsas, alcançando aquele dispositivo, sem que se pudesse concluir, contudo, que a inacessível volutas legislatoris seria no sentido de impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução, mesmo quando não localizada a que fora arrolada originalmente, sob pena de se inviabilizar uma prestação jurisdicional efetiva e justa. Assim, reputou-se perfeitamente aplicável à hipótese, por analogia (CPP, art. 3º), o art. 408 do CPC (“Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antecedente, a parte só pode substituir a tes-temunha: I – que falecer; II – que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III – que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça.”), enquadrando-se o caso em análise no inciso III do referido dispositivo legal. Não se vislumbrou, por fim, qualquer tentativa de burla ao pra-zo processual para o arrolamento das testemunhas. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso. AP 470 AgR/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.10.2008.

` STF/508 – Prisão Preventiva e Imposição de Condições. Poder geral de cautela. Aplicação analógica do art. 798, CPC. Por não vislumbrar qualquer tipo de constrangimento ilegal no ato que condiciona-ra a revogação do decreto prisional ao cumprimento de certas condições estabelecidas pelo juízo de origem, ato esse mantido sequencialmente pelo TRF da 2ª Região e pelo STJ, a Turma indeferiu habeas cor-pus em que se alegava violação aos artigos 2º; 5º, II, XV e LVII e 22, I, todos da CF. Reputando observados os princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria, asseverou-se não haver direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5º, XV), de modo a existirem situações em que necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. No ponto, registrou-se que o ato impugnado levara em conta, para a imposição das condições, o fato de o paciente possuir dupla nacionalidade, além de residência em outro país, onde manteria o centro de seus negócios, conforme reconhecido pela defesa. Assim, considerou-se que a medida adotada teria natureza acautelatória, inserindo-se no poder geral de cautela (CPC, art. 798 e CPP, art. 3º) que autoriza ao magistrado impor providências tendentes a garantir a instrução criminal e também a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Enfatizou-se, ainda, que os argumentos relativos à eventual transgressão do direito à liberdade de locomoção e dos princípios da legalidade e da não culpabilidade se inter-relacionariam, não havendo como acolhê-los pelos mesmos fun-damentos já expostos. De igual forma, rejeitaram-se as assertivas de ofensa ao princípio da independência dos Poderes e da regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual, haja vista que a decisão não inovaria no ordenamento jurídico e não usurparia atribuição do Poder Legislativo. Prece-dente citado: HC 86758/PR (DJU de 1º.9.2006). HC 94147/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 27.5.2008.

3. QUESTÕES DE CONCURSO

01. (Promotor de Justiça – MPE/SC/2012 – Adaptada) A lei processual penal, em benefício do réu, admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

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Art. 4º TíTuLO II – DO InquéRITO POLIcIaL .

02. (Juiz Substituto – TJ/MG/Vunesp/2012 – Adaptada) A analogia é aplicável somente em caso de lacuna involuntária da lei, ainda que não haja real semelhança entre o caso previsto e o não previsto.

03. (Juiz Substituto – TJ/AC/CESPE/2012 – Adaptada) A lei penal admite a aplicação analógica e a lei proces-sual penal, a interpretação analógica.

GAB 01 V 02 F 03 F

` TÍTULO II – DO INQUÉRITO POLICIAL

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

1. BREVES COMENTÁRIOS

O inquérito policial é um procedimento administrativo preliminar, presidido pela autori-dade policial, que tem por objetivo a apuração da autoria e da materialidade (existência) da infração, e a sua finalidade é contribuir na formação do convencimento (opinião delitiva) do titular da ação penal, que em regra é o Ministério Público, e excepcionalmente, a vítima (que-relante). O art. 144 da CF define a atribuição da polícia judiciária, seja ela federal ou estadual. A regra, é que a atribuição da polícia se estabeleça pelo critério territorial, isto é, do local da consumação da infração. O critério territorial é complementado pelo material, definindo delegados especialistas no combate a determinado tipo de infração. Por sua vez, a Lei nº 10.446/2002 dispõe sobre a atuação da polícia federal em crimes de repercussão interes-tadual ou internacional que exijam repressão uniforme, apresentando rol de delitos que foi ampliado com a inclusão do art. 273 do CP, mediante a edição da Lei nº 12.894/2013.

A presidência de investigação de natureza criminal, como se percebe, não é privativa da polícia judiciária. Outras autoridades administrativas podem presidir investigação, como ocor-re nos inquéritos parlamentares presididos pelas CPI´s; nos inquéritos militares, presididos por oficiais de carreira e até mesmo nas investigações presididas pelo Ministério Público. Apesar de ser uma matéria polêmica, a 2º Turma do STF já admitiu que o MP investigue, o que não implica usurpação de função da polícia civil (HC nº 91661). Além disso, o promotor que atue na fase preliminar, investigando, não estará impedido para o oferecimento da denúncia (enun-ciado nº 234 da súmula do STJ).

Nas infrações penais de menor potencial, que abrangem as contravenções penais e os cri-mes cuja pena máxima não ultrapassem dois anos de privação de liberdade, a Lei nº 9.099/95 contempla a existência de termo circunstanciado da ocorrência como substitutivo do inqué-rito policial.

Por força do princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º., LVII, CF, o fato de a pessoa ser investigada em inquérito policial não é suficiente, por si só, para, em processo por outro crime, ensejar o aumento de pena decorrente da existência de maus antecedentes. É o mais recente entendimento do STJ sobre a matéria, estampado no enunciado nº 444 da súmula de sua jurisprudência, publicada em 13 de maio de 2010, nos seguintes termos:

Súmula nº 444/STJ: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 4º

Cumpre registrar a distinção feita por parte da doutrina, capitaneada por Denilson Feito-za6, que, à luz do art. 144 da CF/88 sustenta a existência de polícias judiciária e investigativa, adotando nítida diferenciação. Nesse contexto, as diligências referentes à persecução preli-minar da infração penal seriam realizadas pela polícia investigativa, enquanto que a função de auxiliar o Poder Judiciário (executar mandado de busca e apreensão, por exemplo) recairia sobre a polícia judiciária. A Lei nº 12.830/2013, no seu artigo 2º, parece adotar esta concepção, ao dispor que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica”.

2. ENUNCIADOS DE SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA

` STJ – Súmula nº 444. É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base

` STF – Súmula nº 397. O poder de polícia da câmara dos deputados e do senado federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.

` STJ – Súmula nº 234. A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

` STF/722 – Poder de investigação do Ministério Público – 1. A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que se discute a nulidade das provas colhidas em inquérito presidido pelo Ministério Público. Além disso, a impetração alega: a) inépcia da denúncia, bem como ausência de elementos aptos a embasar o seu oferecimento; b) ofensa ao princípio do promotor natural; c) violação ao princípio da identidade física do juiz; d) possibilidade de suspensão condicional do processo antes do rece-bimento da denúncia; e) ausência de provas para a condenação; f) possibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP; e g) incompatibilidade entre a causa de aumento da pena do art. 121, § 4º, do CP e o homicídio culposo, sob pena de bis in idem. No caso, as investigações que antecederam o ofereci-mento da denúncia por homicídio culposo foram realizadas pela Curadoria da Saúde do Ministério Público. Segundo os autos, a filha da vítima noticiara ao parquet a ocorrência de possível homicídio culposo por imperícia de médico que operara seu pai, bem como cobrança indevida pelo auxílio de enfermeira durante sessão de hemodiálise.

` Poder de investigação do Ministério Público – 2. O Ministro Gilmar Mendes, relator, negou pro-vimento ao recurso. Entendeu que ao Ministério Público não seria vedado proceder a diligências investigatórias, consoante interpretação sistêmica da Constituição (art. 129), do CPP (art. 5º) e da Lei Complementar 75/93 (art. 8º). Afirmou que a jurisprudência do STF acentuara reiteradamente ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que evidente a materialidade do fato delituoso e presentes indícios de autoria. Considerou que a colheita de elementos de prova se afiguraria indissociável às funções do Ministério Público, tendo em vista o poder-dever a ele conferido na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individu-ais indisponíveis (CF, art. 127). Frisou que seria ínsito ao sistema dialético de processo, concebido para o estado democrático de direito, a faculdade de a parte colher, por si própria, elementos de provas hábeis para defesa de seus interesses. Da mesma forma, não poderia ser diferente com relação ao parquet, que teria o poder-dever da defesa da ordem jurídica. Advertiu que a atividade investigatória não seria exclusiva da polí-cia judiciária. O próprio constituinte originário, ao delimitar o poder investigatório das comissões parlamen-tares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), encampara esse entendimento. Raciocínio diverso — exclusividade das

6. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 202-203.

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Art. 4º TíTuLO II – DO InquéRITO POLIcIaL .

investigações efetuadas por organismos policiais — levaria à conclusão de que também outras instituições, e não somente o Ministério Público, estariam impossibilitadas de exercer atos investigatórios, o que seria de todo inconcebível. Por outro lado, o próprio CPP, em seu art. 4º, parágrafo único, disporia que a apuração das infrações penais e sua autoria não excluiria a competência de autoridades administrativas a quem por lei fosse cometida a mesma função.

` Poder de investigação do Ministério Público – 3. Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atua-ção não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a) observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b) formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c) comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d) autuar, numerar e controlar a distribuição; e) dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f) juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g) garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h) observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedi-mentos administrativos sancionatórios; i) respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j) observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento.

` Poder de investigação do Ministério Público – 4. O Ministro Gilmar Mendes consignou, ainda, que, na situação dos autos, o Ministério Público estadual buscara apurar a ocorrência de erro médico em hospital de rede pública, bem como a cobrança ilegal de procedimentos que deveriam ser gratuitos. Em razão disso, o procedimento do parquet encontraria amparo no art. 129, II, da CF (“São funções institucionais do Minis-tério Público:. .. II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”). Asseverou que seria inegável a necessidade de atuação do Ministério Público, pois os fatos levados a seu conhecimento sinalizariam ofensa à política pública de saúde. Reputou, assim, legítima a sua atuação. Assinalou a impro-cedência das assertivas relativas à falta de elementos lícitos a embasarem o oferecimento e o recebimento da denúncia, bem como a alegação atinente à inépcia da denúncia. Apontou que o entendimento do STF seria no sentido de que o trancamento de ação penal, por falta de justa causa, seria medida excepcional, especialmente na via estreita do habeas corpus. Dessa forma, se não comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e materiali-dade, impor-se-ia a continuidade da persecução criminal. Na espécie, destacou que a peça inicial estaria em consonância com a jurisprudência desta Corte e com os requisitos do art. 41 do CPP, pois se consubstanciaria em contundente conjunto probatório, com a conduta do agente devidamente individualizada. Não haveria, portanto, constrangimento ilegal a ser corrigido.

` Poder de investigação do Ministério Público – 5. O Ministro Gilmar Mendes ressaltou que inexistiria, também, ofensa ao princípio do promotor natural, porquanto a distribuição da ação penal se dera em cumprimento à Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás (Lei Complementar Esta-dual 25/98), que permite a criação de promotorias especializadas. Destarte, não estaria configurada a desobediência à regra de atuação do promotor e, portanto, inviável a anulação da atuação da Procuradoria de Curadoria da Saúde do Estado de Goiás no caso. No que tange à alegação de nulidade por afronta ao princípio da identidade física do juiz, apontou que não teria sido demonstrado o prejuízo. Quanto à au-sência de análise da suspensão condicional do processo, antes do recebimento da denúncia, afirmou que

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seria inviável a concessão do pedido, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que o recebimento da denúncia seria condição para a proposta de suspensão condicional do processo. No que diz respeito à inexistência de prova para condenação por homicídio culposo, enfatizou que a jurisprudência do STF seria pacífica em não admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal e, tampouco, permitir o revol-vimento aprofundado de conjunto fático-probatório. Além disso, ponderou que não mereceria ser acolhido o requerimento para incidência da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP, haja vista que, neste recurso ordinário, a defesa restringira-se a simplesmente invocar a regra normativa, sem fundamentar a aplicação da atenuante. Por último, no que se refere à incompatibilidade entre a causa de aumento de pena (CP, art. 121, § 4º) e o homicídio culposo caracterizado pela negligência, sob pena de bis in idem, observou que nem a sentença condenatória nem o acórdão confirmatório da sentença imputaram ao paciente esta causa de aumento de pena. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, pediu vista o Ministro Ricardo Lewandowski. RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013.

` STF/693 – Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia – 6. O Plenário retomou julgamento de habeas corpus em que pretendido o trancamento de ação penal movida contra acusado da suposta prática de crime de homicídio, e a invalidação da decisão que decretara sua prisão preventiva. Sustenta-se a inexistência de base legal para a custódia, bem como a impossibilidade de se admitir investigação promovida pelo Ministério Público, que viera a servir de base ao aditamento à denúncia, a partir do qual o paciente fora envolvido na ação penal — v. Informativos 471, 671 e 672. O Min. Marco Aurélio, relator, cientificou a Corte a respeito de fatos, suscitados pelos advogados do paciente, alegadamente posteriores ao início do julgamento. A defesa aduz desconhecer, porque não declarados em sessão, os fundamentos dos Ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia e Ayres Britto para a ma-nutenção da segregação cautelar do paciente, afastada por força de liminar deferida em 2004. Ressalta não haver circunstância a indicar necessidade do recolhimento ao cárcere. Requer a apreciação em separado do presente habeas e do RE 593727/MG, sob o argumento de peculiaridades, a obstaculizar a análise conjunta.

` Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia – 7. Em voto--vista, o Min. Luiz Fux acompanhou os votos dos Ministros Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Concedeu, em parte, a ordem, para desconstituir o decreto de prisão preventiva, diante da ausência dos requisitos para a decretação da prisão, à luz do art. 312, VI, do CPP, mantida a liminar que concedera liberdade ao paciente. Observou que os Ministros que negaram a ordem o fizeram baseados na premissa de que não se poderia trancar a ação penal, em face da legitimidade do Ministério Público para o início das investigações, sem que determinassem a revogação da liminar concedida. Aduziu que a Constituição asseguraria o livre exercício das funções institucionais do Ministério Público, consagradas sua auto-nomia e independência. Destacou que a ausência de menção, no CPP de 1941, a modelo de investigação preliminar presidida por promotor decorreria da inexistência das garantias asseguradas hoje aos membros do Ministério Público. Pontuou não haver razão para alijar o Ministério Público da condução dos trabalhos que precedessem o exercício da ação penal de que seria titular. Asseverou que, além de compatível com a Constituição, a investigação direta pelo Ministério Público proporcionaria plena observância do princípio da obrigatoriedade, a militar em favor dos direitos fundamentais do sujeito passivo da persecução penal. Em consequência, evitar-se-iam delongas desnecessárias no procedimento prévio e proporcionar-se-ia contato maior do dominus litis com os elementos que informariam seu convencimento.

` Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia – 8. Assegurar-se--ia, ademais, a independência na condução dos trabalhos investigativos, mormente quando a referida ativi-dade tivesse por escopo a apuração de delitos praticados por policiais. Frisou que a adoção de processo hermenêutico sistemático induziria à conclusão de que o Ministério Público poderia, ainda que em caráter subsidiário e sem o intuito de se substituir à polícia, realizar investigações para fins de instru-ção criminal. Dessumiu que o art. 144 da CF, conjugado com o art. 4º, parágrafo único, do CPP (“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”), conduziria à exegese de legitimidade na atuação do órgão ministerial.

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Art. 4º TíTuLO II – DO InquéRITO POLIcIaL .

` Investigação criminal promovida pelo Ministério Público e aditamento da denúncia – 9. Propôs dire-trizes para o procedimento investigativo conduzido diretamente pelo parquet, que deve: a) observar, no que couber, os preceitos que disciplinam o inquérito policial e os procedimentos administrativos sancionatórios; b) ser identificado, autuado, numerado, registrado, distribuído livremente e, salvo nas hipóteses do art. 5º, XXXIII e LX, da CF, público. A decisão pela manutenção do sigilo deve conter fundamentação; e c) ser con-trolado pelo Poder Judiciário e haver pertinência entre o sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado. Ademais, o ato de instauração deve: a) formalizar o ato investigativo, delimi-tados objeto e razões que o fundamentem; e b) ser comunicado imediata e formalmente ao Procurador--Chefe ou ao Procurador-Geral. Além dessas diretivas: a) devem ser juntados e formalizados todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; b) deve ser assegurado o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, nos termos da Súmula Vinculante 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”); e c) deve haver prazo para conclusão do procedimento investigativo e controle judicial quanto ao arquivamento. Por último, enfatizou que a atuação do Ministério Público deve ser concorrente ou subsidiária e ocorrer quando não for possível ou recomendá-vel a atuação da própria polícia. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski. HC 84548/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 19.12.2012.

` STF/693 – Ministério Público e investigação criminal – 19. O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público. O acórdão impugnado dispusera que, na fase de recebimento da denúncia, prevale-ceria a máxima in dubio pro societate, oportunidade em que se possibilitaria ao titular da ação penal ampliar o conjunto probatório. Sustenta o recorrente que a investigação procedida pelo parquet ultrapassaria suas atribuições funcionais constitucionalmente previstas, as quais seriam exclusivas da polícia judiciária — v. Informativos 671 e 672. Em voto-vista, o Min. Luiz Fux negou provimento ao recurso e reconheceu a legiti-midade do poder investigatório do Ministério Público, com modulação nos efeitos da decisão. Após, pediu vista o Min. Marco Aurélio. RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 19.12.2012.

` STJ/506 – Direito processual penal. Investigação penal. MP. Acesso dos servidores às provas. O MP pode promover, por autoridade própria, atos de investigação penal, sendo permitido o acesso dos servidores da referida instituição à colheita da prova. Com fundamento na CF e na Lei Complementar n. 75/1993, o MP possui a prerrogativa de instaurar processo administrativo de investigação e de conduzir diligências investigatórias. Isso porque a atuação do MP representa o exercício concreto de uma atividade típica de cooperação que, mediante a requisição de elementos informativos e acompanhamento de diligên-cias investigatórias, promove a convergência de dois importantes órgãos estatais incumbidos da persecução penal e da concernente apuração da verdade real. Tratando-se de escutas telefônicas, não se pode con-cluir do art. 6º da Lei n. 9.296/1996 que apenas a autoridade policial é autorizada a proceder às inter-ceptações. No entanto, esses atos de investigação não comprometem ou reduzem as atribuições de índole funcional das autoridades policiais, a quem sempre caberá a presidência do inquérito policial. Ademais, a eventual escuta e posterior transcrição das interceptações pelos servidores do MP não anulam as provas, pois se trata de mera divisão de tarefas dentro do próprio órgão, o que não retira dos promotores de justiça a responsabilidade pela condução das diligências, conforme o art. 4º, V, da Res. n. 76/2009 do CNMP. Prece-dentes citados do STF: RE 468.523-SC, DJ 19/2/2010; do STJ: HC 131.836-RJ, DJe 6/4/2011, e REsp 998.249-RS, DJe 30/5/2012. HC 244.554-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/10/2012.

4. QUESTÕES DE CONCURSO

01. (Delegado de Polícia – PR/UEL/2013 – Adaptada) A polícia judiciária será exercida pelas autoridades po-liciais em todo o território nacional, independente de circunscrição, com o fim de apurar as infrações penais e sua autoria.

02. (Promotor de Justiça – PR/MPE/2012) A respeito da investigação criminal pelo Ministério Público, assinale a alternativa correta:

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 5º

(A) De acordo com o entendimento consagrado pelo STJ a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal acarreta o seu impedimento para o oferecimento de denúncia;

(B) Quando a Constituição da República, ao tratar das funções da Polícia Federal, utiliza a expressão "exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União" deve ser interpretada no sentido de excluir das demais polícias (Civil, Militar, etc.) a destinação de exercer as funções de Polícia Judiciária da União e não no sentido de afastar o Ministério Público da atividade investigativa em procedimento próprio;

(C) No atual modelo constitucional do processo penal brasileiro, após as reformas recentes, o Inquérito Policial deve ser considerado como imprescindível para o oferecimento da ação penal (uma quarta condição da ação chamada de justa causa e considerada como um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação), não podendo ser suprido por iniciativa investigatória do Ministério Público;

(D) O argumento de que o processo penal brasileiro é orientado pelo Sistema Acusatório, assim considerado pela moderna doutrina quando as partes são as gestoras da prova, é suficiente para afastar a legitimidade investigatória criminal do Ministério Público;

(E) A Constituição da República veda o deferimento por lei de funções de investigação criminal a outros entes do Poder Público, sejam agentes administrativos ou magistrados.

03. (Juiz Substituto – TJ/PI/CESPE/2012 – Adaptada) O membro do MP possui legitimidade para proceder, diretamente, à colheita de elementos de convicção para subsidiar a propositura de ação penal, incluindo-se a presidência de inquérito policial.

GAB 01 F 02 B 03 F

Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:

a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de pre-sunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a reque-rimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

1. BREVES COMENTÁRIOS

A notícia crime (notitia criminis) é a comunicação da ocorrência de uma infração penal a autoridade que possui atribuição para atuar, no intuito de que o inquérito se inicie. Normal-mente, é endereçada a autoridade policial. Nada impede que funcionem como destinatários o MP e o juiz.

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Art. 5º TíTuLO II – DO InquéRITO POLIcIaL .

A instauração de ofício (inc. I) do inquérito é perfeitamente possível nos crimes de ação pública incondicionada, onde o delegado atuará, independente de provocação. É notícia cri-me direta, ou de cognição imediata, pois o ato é atribuído à própria polícia. É possível ainda que a notícia crime seja prestada pela imprensa, e sendo plausível a informação, caberá ao delegado investigar.

A requisição oriunda do magistrado ou do Ministério Público obriga a instauração do inquérito (inc. II). Não há vinculo hierárquico do delegado e o cumprimento é devido por imposição da lei. Ressalva-se a hipótese da ordem ser manifestamente ilegal, onde a recusa é legítima. O requerimento do ofendido ou do representante legal é um pedido, e se for nega-do, caberá recurso administrativo ao chefe de polícia (art. 5º, § 2º, CPP).

O § 1º indica os requisitos formais da notícia crime, que devem ser preenchidos sempre que possível, para facilitar a investigação. A deficiência ou ausência de alguns elementos é mera irregularidade, podendo, entretanto, dificultar a atuação da polícia.

A individualização dos fatos é o ponto inicial para constatar-se a própria tipicidade e a ocorrência de delito. Não é necessário que se indique o artigo de lei que se supõe violado.

A indicação do suspeito irá direcionar as investigações. A individualização não exige uma completa qualificação. Os sinais característicos que possam diferenciar o indivíduo dos de-mais são suficientes. Contudo, nem sempre é possível fazê-lo. Os crimes de autoria incerta ou desconhecida acabam conferindo à polícia o ônus de descobrir o responsável. Ademais, serão indicadas as razões que levaram a suposição de ser aquela pessoa a responsável pelo delito, ou a sua impossibilidade.

A indicação, na própria notícia crime, não impede que outras sejam apresentadas em mo-mento posterior. Da mesma forma, é possível que a vítima indique fontes distintas de prova, como documentos, elementos que compõe o corpo de delito, dentre outros.

A negativa de instauração do inquérito será combatida interna corporis, por intermédio de recurso de natureza administrativa, que tramita dentro da própria polícia (§ 2º). Sendo crime de ação pública, nada impede que a vítima vá ao MP, no intuito de que seja requisitada à po-lícia a instauração do inquérito policial.

A delação também é modalidade de notícia crime, sendo adequada quando pessoas es-tranhas ao delito noticiam o fato que caracteriza crime de ação pública incondicionada (§ 3º). Tem-se admitido até mesmo a delação anônima (notícia crime apócrifa ou inqualificada), devendo o delegado cercar-se dos cuidados necessários antes de iniciar o inquérito, para que não ocorra arbítrio.

Foi este o entendimento do STF quando assentou que é vedada a persecução penal ini-ciada exclusivamente em denúncia anônima. Na oportunidade, decidiu o Supremo que o delegado, “ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa `denúncia’ são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações” (HC 98345/RJ, Rel. p/acórdão Min. Dias Toffoli, j. 16/06/2010).

A representação é condição essencial ao início da persecução penal, sendo verdadei-ra condição de procedibilidade (§ 4º). Por essa razão, nos crimes de ação pública, porém

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 5º

condicionada, a autoridade policial depende da manifestação da vítima, feita por intermédio da representação, para iniciar a investigação. Sendo o inquérito iniciado sem a representação, a vítima poderá impetrar mandado de segurança para trancá-lo, fulminando o procedimento investigatório iniciado a sua revelia.

As infrações de iniciativa privada são aquelas que ofendem de tal maneira a intimidade da vítima, que o legislador prefere conferir a ela o próprio exercício do direito de ação, à luz da sua discricionariedade. É que expor a intimidade ao longo do processo pode ser mais gravoso para a vítima do que aceitar a impunidade do infrator. Por essa razão, é a vítima que vai decidir se irá ou não deflagrar o processo, e se vai requerer a instauração do inquérito policial (§ 5º). Sem manifestação da vítima, ou de quem tenha qualidade para representá-la (representante legal, no caso dos menores, ou pessoas indicadas no art. 31 do CPP, havendo morte ou ausên-cia), o inquérito não poderá ser deflagrado.

2. ENUNCIADOS DE SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA

` STF – Súmula Vinculante nº 24. Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

` STF – Súmula nº 594. Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.*

` * Súmula sem efeito em virtude da redução da maioridade civil pelo Código Civil de 2002.

3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

` STF/610 – Inquérito policial. Denúncia anônima. Ausência de nulidade. A 2ª Turma indeferiu “habeas corpus” em que se pretendia o trancamento de ações penais movidas contra a paciente, sob a alegação de que estas supostamente decorreriam de investigação deflagrada por meio de denúncia anônima, em ofensa ao art. 5º, IV, da CF. Reputou-se não haver vício na ação penal iniciada por meio de denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguação dos fatos nela noticiados, o que ocorrido na espécie. Concluiu-se que tanto as ações penais quanto a interceptação decorreriam de investigações levadas a efeito pela autoridade policial, e não meramente da denúncia anônima, razão pela qual não haveria qualquer nulidade. HC 99490, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.10. 2ª T.

` STF/601 – Inquérito Policial e esgotamento da via administrativa – 1. Ao aplicar a Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”), a Turma deferiu habeas corpus para determinar, por ausência de tipicidade penal, a extinção do procedimento investigatório instaurado para apurar suposta prática de crimes de falsidade ideológica e contra a ordem tributária. Na espécie, o paciente, domiciliado no Estado de São Paulo, teria obtido o licenciamento de seu veículo no Estado do Paraná de modo supostamente fraudulento — indicação de endereço falso —, com o fim de pagar menos tributo, haja vista que a alíquota do IPVA seria menor. Inicialmente, salientou-se que o STJ reconhecera o prejuízo do habeas lá impetrado, em face da concessão, nestes autos, de provimento cautelar. Em seguida, observou-se que a operação desencadeada pelas autoridades estaduais paulistas motivara a suscitação de diversos conflitos de compe-tência entre órgãos judiciários dos Estados-membros referidos, tendo o STJ declarado competente o Poder Judiciário paulista. Aquela Corte reconhecera configurada, em contexto idêntico ao dos autos do writ em exame, a ocorrência de delito contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), em virtude da supressão ou redução de tributo, afastada a caracterização do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299). Reputou-se claro que o delito alegadamente praticado seria aquele definido no art. 1º da Lei 8.137/90, tendo em conta que o crimen falsi teria constituído meio para o cometimento do delito-fim, resolvendo-se o conflito aparente de normas pela aplicação do postulado da consunção, de tal modo que a vinculação entre a falsidade ideológica e a

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Art. 5º TíTuLO II – DO InquéRITO POLIcIaL .

sonegação fiscal permitiria reconhecer, em referido contexto, a preponderância do delito contra a ordem tributária. HC 101900/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.9.2010. (HC-101900)

` STF/601 – Inquérito Policial e esgotamento da via administrativa – 2. Ademais, determinou-se que, o reconhecimento da configuração do crime contra a ordem tributária, afastada a caracterização do delito de falsidade ideológica, tornaria pertinente a invocação, na espécie, da Súmula Vinculante 24. Destacou-se que, enquanto não encerrada, na instância fiscal, o respectivo procedimento administrativo, não se mostraria possível a instauração da persecução penal nos delitos contra a ordem tributária, tais como tipificados no art. 1º da Lei 8.137/90. Esclareceu-se ser juridicamente inviável a instauração de perse-cução penal, mesmo na fase investigatória, enquanto não se concluir, perante órgão competente da administração tributária, o procedimento fiscal tendente a constituir, de modo definitivo, o crédito tributário. Asseverou-se, por fim, que se estaria diante de comportamento desvestido de tipicidade penal, a evidenciar, portanto, a impossibilidade jurídica de se adotar, validamente, contra o suposto devedor, qualquer ato de persecução penal, seja na fase pré-processual (inquérito policial), seja na fase processual (“persecutio criminis in judicio”), pois comportamentos atípicos não justificariam a utilização pelo Estado de medidas de repressão criminal. HC 101900/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.9.2010. (HC-101900)

` STJ/ 483 – Delação através de e-mail. Inquérito. Função. MP. Conforme os autos, por meio de e-mail anônimo encaminhado à Ouvidoria-Geral do Ministério Público estadual, fiscais de renda e funcionários de determinada empresa estariam em conluio para obter informações de livros fiscais, reduzindo ou su-primindo tributos estaduais e obrigações acessórias, causando lesão ao erário. Em decorrência desse fato, o MP determinou a realização de diligências preliminares para a averiguação da veracidade do conteúdo da denúncia anônima. A Turma, reiterando jurisprudência assente no STJ, entendeu que, embora tais informações não sejam idôneas, por si só, a dar ensejo à instauração de inquérito policial, muito menos de deflagração de ação penal, caso sejam corroboradas por outros elementos de prova, dão legitimidade ao início do procedimento investigatório. Assim, no caso, não há nenhum impedimento para o prosseguimento da ação penal, muito menos qualquer ilicitude a contaminá-la, uma vez que o MP agiu em estrito cumprimento de suas funções. Ademais o Parquet, conforme entendimento da Quinta Turma deste Superior Tribunal, possui prerrogativa de instaurar procedimento administrativo de investigação e conduzir diligências investigatórias (art. 129, VI, VII, VIII e IX, da CF; art. 8º, § 2º, I, II, IV, V e VII, da LC n. 75/1993 e art. 26 da Lei n. 8.625/1993). Aduziu ainda que, hodiernamente, adotou-se o enten-dimento de que o MP possui legitimidade para proceder, diretamente, à colheita de elementos de convicção para subsidiar a propositura de ação penal, só lhe sendo vedada a presidência do inquérito, que compete à autoridade policial. Quanto à agravante do art. 12, II, da Lei n. 8.137/1990, não se deve aplicá-la ao caso, pois o próprio artigo restringe seu âmbito de incidência ao delito previsto nos arts. 1º, 2º, 4º, 5º e 7º da re-ferida lei, excluindo expressamente o art. 3º da sua abrangência. Como no caso a imputação é a funcionário público, haveria bis in idem na imposição da mencionada agravante a fato que constitui elemento de crime funcional previsto no art. 3º, II, da Lei n. 8.137/1990. Precedentes citados: HC 159.466-ES, DJe 17/5/2010, e RHC 21.482-RS, DJe 12/4/2010. RHC 24.472-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 15/9/2011.

` STJ/478 – Correspondência apócrifa. Ministério Público Federal. No habeas corpus, sustenta a impe-tração a nulidade da ação penal, alegando que tanto a denúncia quanto a condenação basearam-se exclusivamente em dados colhidos em correspondência apócrifa, ou seja, denúncia anônima median-te e-mail e, por isso, ela deveria ser considerada prova ilícita. No entanto, segundo o Min. Relator, ao contrário do que afirma a impetração, os autos demonstram que o Ministério Público Federal, legi-timado para averiguar a regularidade dos contratos administrativos denunciados, somente formou sua opinio delicti depois de verificar a existência de elementos mínimos e colher, de forma idônea, todos os dados informativos, para então determinar a instauração da investigação criminal. Por outro lado, a condenação da paciente por fraude à licitação (art. 90 da Lei n. 8.666/1993) fundou-se em acervo probatório composto por depoimento de testemunhas e dos réus, informações prestadas pela Superin-tendência do Incra, cópia do procedimento administrativo de licitação sob suspeita e outros documentos; todos comprovaram que somente uma empresa foi contactada para fornecer orçamento prévio, servindo de

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LIVRO I • DO PROcessO em GeRaL Art. 5º

base para a elaboração de edital licitatório, e, depois, a mesma empresa foi vencedora, apesar de não poder participar do certame por estar em dívida com a Receita Federal. Dessa forma, concluiu o Min. Relator que, pelos documentos constantes dos autos, não há, de plano, comprovação que possa evidenciar ser a exordial acusatória ou a sentença condenatória embasadas apenas em denúncia anônima. Assim, até por ser inviável ampla dilação probatória em HC, não há como acatar a irresignação da impetração. Diante do exposto, a Turma denegou a ordem em consonância com o parecer da Subprocuradoria-Geral da República. Precedentes citados: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007, e HC 93.421-RO, DJe 9/3/2009. HC 191.797-PA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/6/2011.

` STJ/430 – Sindicância. Notícia inconsistente. A notícia inconsistente de conduta criminosa não justifica a instauração de procedimento investigatório, sob pena de violação das garantias constitucionais do cidadão. AgRg na Sd 141, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.4.10. Corte Especial.

4. QUESTÕES DE CONCURSO

01. (Juiz Federal Substituto – TRF2/CESPE/2013 – Adaptada) Qualquer pessoa do povo que tiver conheci-mento de qualquer infração penal poderá comunicá-la à autoridade policial, que, então, deverá reduzi-la a termo e, caso verifique a procedência das informações, instaurar inquérito.

02. (Juiz Substituto – TJ/RJ/Vunesp/2012 – Adaptada) É irrecorrível o despacho da autoridade policial que indefere o requerimento de abertura de inquérito.

03. (Juiz Substituto – TJ/RJ/Vunesp/2012 – Adaptada) Em qualquer crime de ação pública não é necessária a representação da vítima para que o inquérito seja iniciado.

04. (Juiz Substituto – TJ/RJ/Vunesp/2012 – Adaptada) Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

05. (Promotor de Justiça – MPE/AP/FCC/2012 – Adaptada) Nos crimes processados mediante ação penal de ini ciativa pública condicionada à representação, é ne cessária a formulação desta para que o inquérito seja instaurado.

06. (Delegado de Polícia – RJ/FUNCAB/2012 – Adaptada) O requerimento do ofendido nos delitos de ação de iniciativa privada é classificado como notícia-crime qualificada.

07. (Juiz de Direito Substituto – PR/PUC/2012 – Adaptada) A notitia criminis inqualificada, de per si, é consi-derada pelos tribunais superiores como fundamento insuficiente capaz de ensejar a instauração de inquérito policial.

08. (Juiz de Direito Substituto – PR/PUC/2012 – Adaptada) Em regra, nos delitos que ensejam ação penal pública condicionada à representação, o inquérito policial somente deverá ser instaurado se houver re-presentação do ofendido ou de seu representante legal. Segundo orientação do STJ, a representação em comento não exige formalidade específica, bastando que expresse a vontade do legitimado na apuração do fato criminoso.

09. (Técnico Judiciário – TJ/MG/FUMARC/2012 – Adaptada) Nos crimes de ação pública o inquérito policial sempre será iniciado de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

10. (Juiz Substituto – TJ/BA/CESPE/2012 – Adaptada) Segundo o entendimento dos tribunais superiores, em hipótese nenhuma, é admitida a persecução penal iniciada com base em denúncia anônima.

11. (Advogado da União – CESPE/2012 – Adaptada) A jurisprudência do STJ admite a possibilidade de instau-ração de procedimento investigativo com base em denúncia anônima, desde que acompanhada de outros elementos.

GAB 01 F 02 F 03 F 04 V 05 V 06 V 07 V 08 V 09 V 10 F 11