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Participação do Supremo Tribunal Federal do Brasil no SEMINARIO Constitución y potestad sancionadora del Estado, 22 a 25 de fevereiro de 2010, Cartagena das Índias
Garantias e limites constitucionais ao poder sancio nador do Estado
Roger Galino
Princípios penais limitadores decorrentes da dignid ade humana
Perfil democrático do Estado brasileiro
A Constituição Federal brasileira, em seu art. 1º, definiu o perfil político-
constitucional do Brasil como um Estado Democrático de Direito:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Trata-se, sem dúvida, de um dos mais importantes dispositivos da Carta
de 1.988, pois dele decorrem todos os demais postulados fundamentais de
nosso Estado.
Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela
proclamação formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposição
de metas e deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e
solidária.
Significa, em outras palavras, não apenas um Estado que impõe a
submissão de todos ao império da mesma lei, mas onde as leis possuam
conteúdo e adequação social, descrevendo como infrações penais somente os
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fatos que realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a
sociedade.
Diante desse quadro, o que se persegue, no Brasil, é um direito penal
legítimo, democrático e obediente aos princípios constitucionais que o
informam. O conteúdo do tipo penal, pois há de ser preenchido em harmonia
com os princípios derivados deste perfil político-constitucional.
Pode-se afirmar, então, que em consonância com o Estado Democrático
de Direito está o princípio da dignidade humana – valor constitucional supremo
-, o qual orienta toda a formação do Direito Penal.
Nesse contexto, crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo
(conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser
considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores
fundamentais da sociedade.
Da dignidade da pessoa humana nascem os demais princípios
orientadores e limitadores do Direito Penal, dentre os quais, sem a pretensão
de esgotar o rol dos postulados reconhecidos pela jurisprudência da Corte,
merecem destaque:
1) Princípio da Intervenção Mínima
Assenta-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de
1.789, cujo art. 8º determina que o direito penal deve ser acionado somente
quando estritamente necessário.
Tal princípio comporta duas acepções:
Acepção negativa: orienta as hipóteses em que o direito penal deve
deixar de intervir. Recentemente, no Brasil, tal acepção foi suscitada para
descriminalizar as condutas de rapto consensual, adultério e mendicância.
Acepção positiva: orienta as hipóteses em que o direito penal deve
passar a intervir.
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À luz de tal princípio, diz-se que o direito penal é subsidiário e
fragmentário. Ou seja:
Subsidiário: direciona a intervenção em abstrato (enquanto fonte de
produção legislativa). O direito penal deve ser a última ratio, a derradeira
trincheira no combate aos comportamentos humanos indesejados.
Fragmentário: conduz a intervenção no caso concreto. O direito penal só
intervém diante de relevante lesão ao bem jurídico tutelado.
Da fragmentariedade nasce o princípio da insignificância.
2) Princípio da insignificância
Trata-se de instrumento de interpretação restritiva do tipo penal.
Para que o fato seja materialmente típico exige-se relevante e intolerável
lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Isso significa que, se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico,
sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o
interesse protegido, não haverá adequação típica.
O Supremo Tribunal Federal, então, fixou vetores, paradigmas, cuja
presença legitima a aplicação deste postulado de política criminal,
descaracterizando a tipicidade penal em seu aspecto material.
É o que se vê nos seguintes julgados:
“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, "CAPUT") DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam
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essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser anali sado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mín ima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a pr ópria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter materi al. Doutrina. Precedentes. Tal postulado - que considera necessária, na aferiç ão do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tai s como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma pe riculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comp ortamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoi ou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o cará ter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objet ivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU. - A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se
reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes (HC nº 98.152, Rel. Min. CELSO DE MELLO , DJ de 05.06.2009);
“HABEAS CORPUS. PENAL. TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. REINCIDÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a co nfiguração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência d e alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do obj eto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzi do grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídic a causada. 4. No caso dos autos, em que o delito foi praticado com a invasão do domicílio da vítima, não é de se desconhecer o alto grau de reprovabilidade do comportamento do Paciente. 5. A reincidência, apesar de tratar-se de critério subjetivo, remete a critério objetivo e deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, já que não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou a análises discricionárias. O criminoso reincidente apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser
considerada materialmente típica. 6. Ordem denegada” (HC nº 97.772, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA , DJ de 20.11.2009);
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“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE DESCAMINHO (CP, ART. 334, "CAPUT", SEGUNDA PARTE) - TRIBUTOS ADUANEIROS NOS VALORES DE R$ 2.144,35 E R$ 1.462,80 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO, COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AO CO-RÉU. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA ("DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR"), QUANDO CONFIGURADA A POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO, TEM POR EFEITO A DESCARACTERIZAÇÃO, NO PLANO MATERIAL, DA PRÓPRIA TIPICIDADE PENAL: VETORES CUJO RECONHECIMENTO LEGITIMA A APLICAÇÃO DESSE PRINCÍPIO. - O postulado da insignificância - que se qualifica como expressivo instrumento de política criminal - subordina-se, quanto à sua incidência, à presença, a ser constatada em cada situação ocorrente, de determinados vetores, que assim podem ser identificados: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO DE DESCAMINHO. - O direito penal não deve ocupar-se de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Aplicabilidade do postulado da insignificância ao d elito de descaminho (CP, art. 334), considerado, para tanto, o inexpressivo valor do tributo sobre comércio
exterior supostamente devido. Precedentes” (HC nº 97.927, Rel. Min. CELSO DE MELLO , DJ de 04.12.2009).
A Suprema Corte, porém, veda a aplicação do princípio da
insignificância aos delitos contra a fé pública . Ex. não aplicação do postulado
ao delito de moeda falsa.
3) Princípio da responsabilidade pessoal
Proíbe-se o castigo penal por fato cometido por outra pessoa.
A CF/88, na linha do disposto no art. 5º, 3, da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), prevê na 1ª parte do inc.
XLV do art. 5º que: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”.
À luz deste postulado, o Supremo Tribunal Federal apreciou as
denominadas “denuncias genéricas” ou “arbitrárias” oferecidas pelo Ministério
Público, sobretudo nos crimes societários, firmando entendimento no sentido
de que a denuncia deve conter, ainda que minimamente, a descrição
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individualizada da conduta supostamente praticada por cada um dos
denunciados, sob pena de ser considerada inepta.
Confiram-se:
"HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI Nº 7.492/86 (ART. 17) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM , DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE VINCULEM OS PACIENTES AO EV ENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presen te a natureza dialógica do processo penal acusatório, ho je impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrá tico - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato societari o", a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individ ualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O orde namento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressiv os vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado es sencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do "due process of law" (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputa ções criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não in dividualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal a tribuída ao denunciado . Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA. - A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes. DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AOS DIRETORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE OS VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS DELITUOSOS - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. - A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. - Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa ("nullum crimen sine culpa"), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do "versari in re illicita", banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. AS
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ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de for ma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusad o. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes. - Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os ele mentos estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, s ob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não i ncide) de provar que é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, n ão se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade d e o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, rec onhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema j urídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por
presunção nem responsabilidade criminal por mera su speita” (HC nº 84.580, Rel. Min. CELSO DE MELLO , DJ de 18.09.2009);
“HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIMES SOCIETÁRIOS. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem se firmad o no sentido de que a denúncia deve conter, ainda que minimamente, a desc rição individualizada da conduta supostamente praticada por cada um dos denu nciados nos delitos societários, sendo certo que o atendimento, ou não, do art. 41 do Código de Processo Penal, há que ser analisado caso a caso. P recedentes. 2. O trancamento de ação penal só se verifica nos casos em que há prova evidente da falta de justa causa, seja pela atipicidade do fato, seja por absoluta falta de indício quanto à autoria, ou por outra circunstância qualquer que conduza, com segurança, à conclusão firme da inviabilidade da ação penal. 3. O exame da alegada não participação do Paciente nos crimes societários a ele imputados não se coaduna com a via processual eleita, sendo essa análise reservada aos processos de conhecimento, nos quais a dilação probatória tem espaço garantido. 4. Na espécie dos autos, não se pode ter a denúncia como genérica ou inepta, a ponto de se tornar inaceitável para os fins do dever do Estado de investigar e punir, se for o caso, os responsáveis pelas práticas. 5. Habeas corpus
denegado” (HC nº 96.100, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA , DJ de 07.08.2009);
4) Princípio da Culpabilidade
Ninguém pode ser punido por fato quando incapaz, sem potencial
consciência da ilicitude ou sendo dele inexigível comportamento diverso.
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O direito penal não pode punir um fato cometido por quem não reúne
capacidade mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar
de acordo com esse entendimento.
Logo, pode figurar como sujeito ativo do crime (praticam infrações
penais) as pessoas capazes, com idade igual ou superior a 18 anos.
Surge, aqui, a conspícua questão referente à responsabilidade penal da
pessoa jurídica.
É que, segundo o § 3º do art. 225 da CF/88: “As condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados”.
Daí, surgiram três correntes na doutrina pátria:
1ª corrente: a pessoa jurídica não pode praticar crime ou ser
responsabilizada penalmente. A responsabilidade penal ofende: i) princípio da
responsabilidade subjetiva, ii) princípio da culpabilidade, iii) princípio da
responsabilidade pessoal e iv) princípio da personalidade das penas;
2ª corrente: a pessoa jurídica pode ser autora de crime ambiental e,
portanto, responsabilizada penalmente: i) trata-se de responsabilidade objetiva
autorizada pela CF, ii) a pessoa jurídica deve responder por seus atos,
adaptando-se o juízo de culpabilidade às suas características e iii) não viola o
princípio da personalidade da pena, transmitindo-se, eventualmente, os efeitos
da condenação.
3ª corrente: apesar de a pessoa jurídica ser um ente autônomo e distinto
de seus membros, dotado de vontade própria, não pratica crimes, mas pode
ser responsabilizada penalmente nos danos ambientais. Trata-se de
responsabilidade penal social. Requisitos: i) dano praticado seguindo ordem da
pessoa jurídica e ii) em benefício da pessoa jurídica (art. 3º da Lei no 9.605/98)
(Superior Tribunal de Justiça ).
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão
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de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.
Embora a questão não tenha sido apreciada pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, há julgados da 2ª Turma, no sentido de que: “O art. 2º da Lei
nº 9.605/98 prevê expressamente a responsabilidade do administrador da
empresa que de qualquer forma concorre para a prática de crimes ambientais,
ou, se omite para tentar evitá-los” (HC nº 97.484, Rel. Min. ELLEN GRACIE ,
DJ de 07.08.2009).
“Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Confiram-se:
“HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. ATENDIMENTO ÀS EXIGÊNCIAS DO ART. 41 DO CPP. RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DA PESSOA JURÍDICA. ART. 2º DA LEI 9. 605/98. PRECEDENTES DO STF. ORDEM DENEGADA. 1. Entendo que a conduta do paciente foi suficientemente individualizada, ao menos para o fim de se concluir no sentido do juízo positivo de admissibilidade da imputação feita na denúncia. 2. Houve, pois, atendimento às exigências formais e materiais contidas no art. 41, do Código de Processo Penal, não se podendo atribuir a peça exordial os qualificativos de ser "denúncia genérica" ou "denúncia arbitrária". Existe perfeita plausibilidade (viabilidade) na ação penal pública ajuizada pelo órgão do Parquet. 3. O art. 2º da Lei nº 9.605/98 prevê expressamente a responsabilidade do administr ador da empresa que de qualquer forma concorre para a prática de crimes am bientais, ou, se omite para
tentar evitá-los. 4. Habeas corpus denegado” (HC nº 97.484, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 07.08.2009);
“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ADVOGADO. INTIMAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CRIMES AMBIENTAIS. RESPONSABILIDADE DOS DIRIGIENTES DA PES SOA JURÍDICA . REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. 1. A intimação para sustentação oral em habeas corpus pode ser feita por qualquer meio que possibilite à parte ter conhecimento da data da sessão e dela participar. Precedentes. 2. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é medida excepcional, justificando-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria. 3. A denúncia que descreve as condutas dos co-réus de forma detalhada e individualizada, estabelecendo nexo de causalidade com os
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fatos, não é inepta. 4. A responsabilidade por crimes ambientais é, por expressa previsão legal, atribuível aos dirigentes da pessoa jurídica. Precedente. 5. O habeas corpus não é a via processual adequada à análise aprofundada de matéria fático-
probatória. Ordem indeferida” (HC nº 94.842, Rel. Min. EROS GRAU, DJ de 07.08.2009);
“HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. DIREITO CRIMINAL AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE DE DIRIGENTES DE PESSOA JURÍDICA. ART. 2º DA LEI Nº 9.605/1998. Rejeitado pedido de trancamento de ação penal , dada a expressa previsão legal, nos termos da legislação ambiental, da responsabili zação penal de dirigentes de pessoa jurídica e a verificação de que consta da denúncia a descrição, embora sucinta, da conduta de cada um dos denunciados. Habeas corpus indeferido”
(HC nº 85.190, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA , DJ de 10.03.2006);
6) Princípio da proporcionalidade
Além de encontrar assento na imperativa exigência de respeito à
dignidade da pessoa humana, tal princípio aparece insculpido em diversas
passagens de nosso texto Constitucional, mormente quando:
Impede certos tipos de sanções:
Art. 5º. XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
Exige individualização da pena:
Art. 5º. XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
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e) suspensão ou interdição de direitos;
Maior rigor para casos de maior gravidade:
Art. 5º. XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Art. 5º. XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Art. 5º. XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
6) Princípio da Humanidade
Impõe ao legislador e ao intérprete mecanismos de controle dos tipos
legais.
A título de exemplo, cito: a vedação constitucional da tortura e de
tratamento desumano e degradante a qualquer pessoa, a proibição da pena de
morte, da prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e das penas
cruéis, o respeito e proteção à figura do preso e ainda normas disciplinadoras
da prisão processual.
Cuida-se de genuíno limite imposto ao poder sancionador do Estado
insculpido, repita-se, a título de exemplo, nos seguintes incisos do art. 5º da
Carta da República:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
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LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Com fundamento no princípio da individualização da pena, consectário
nevrálgico do princípio da humanidade, o Supremo Tribunal Federal declarou
inconstitucional o §1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, que determinava o
cumprimento integral da pena, em regime fechado, aos condenados por crimes
hediondos.
“PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL . Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, i nciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimen to da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princíp io da individualização da pena , em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º,
da Lei nº 8.072/90” (HC nº 82.959, Rel. Min. MARCO AURÉLIO , DJ de 01.09.2006);
Do substancioso voto proferido, naquela assentada, pelo Min. CEZAR
PELUSO, atual vice-presidente da Corte, destaco:
“É, pois, norma constitucional que a pena deve ser individualizada, ainda que nos limites da lei, e que sua execução em estabelecimento prisional deve ser individualizada, quando menos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
Evidente, assim, que, perante a Constituição, o princípio da individualização da pena compreende: a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamente cominada no preceito secundário da norma penal; b) individualização da pena aplicada em conformidade com o ato singular praticado por agente em concreto (dosimetria da pena); c) individualização da sua execução, segundo a dignidade humana (art. 1°, III), o comportamento do condenado no cumprimento da pena (no cárcere ou fora dele, no caso das demais penas que não a privativa de liberdade) e à vista do delito cometido (art. 5o, XLVIII).
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Logo, tendo predicamento constitucional o princípio da individualização da pena (em abstrato, em concreto e em sua execução), exceção somente poderia aberta por norma de igual hierarquia nomológica.
“A imposição de um regime único e inflexível para o cumprimento da pena privativa de liberdade”, nota MARIA LÚCIA KARAM, ‘com a vedação da progressividade em sua execução, atinge o próprio núcleo do princípio individualizador, assim, indevidamente retirando-lhe eficácia, assim indevidamente diminuindo a razão de ser da norma constitucional que, assentada no inciso XLVI do art. 5° da Carta de 1988, o preconiza e garante’.
Já sob este aspecto, falta, pois, legitimidade à norma inserta no § 1° do art. 2° da Lei n° 8.072/90”.
Principio de legalidad em materia sancionadora
Segundo o renomado autor brasileiro, Celso Antônio Bandeira de
Mello , o princípio da legalidade, basilar no Estado de Direito, significa a
subordinação da Administração Pública à lei.
A notória relevância de tal postulado, perante o ordenamento pátrio, é
aferida, inicialmente, considerando a preocupação do legislador constituinte em
reiterá-lo ao longo do texto constitucional, como se vê no art. 5º,II; art. 37; art.
84, IV; art. 150, dentre inúmeros outros.
Por meio dos dispositivos mencionados cumpre-se o projeto de outorgar
às pessoas a garantia constitucional de que suas liberdades ou propriedades
não serão de nenhum modo reguladas (nem por proibições nem por
imposições) senão em decorrência de mandamento proveniente do corpo
legislativo.
O princípio da legalidade, nessa acepção, cumpre, sobretudo, uma
função de defesa do administrado.
Característica marcante, aliás, do Estado de Direito está na
subordinação do exercício do Poder Público à obediência de normas
previamente concebidas, a fim de conformar-lhe a atuação, prevenindo seu uso
desatado ou descomedido. Deveras, o propósito nele consubstanciado é o de
oferecer a todos os integrantes da Sociedade a segurança de que não serão
amesquinhados pelos detentores do Poder nem surpreendidos com medidas e
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providências interferentes com a liberdade e a propriedade sem cautelas
preestabelecidas para defendê-las eficazmente, complementa o renomado
Celso Antônio Bandeira de Mello .
Surge, então, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no
inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Relevo, entretanto, que o exercício do controle judicial dos atos
administrativos se ajusta somente às hipóteses de anulação .
Isso quer dizer que, em apertada síntese, o Poder Judiciário pode,
sempre, desde que provocado, anular atos administrativos que apresentem
vícios de ilegalidade. O que não se admite é que o Poder Judiciário revogue
um ato editado pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo.
É que a revogação do ato administrativo é matéria atinente ao exercício
de controle de mérito, que se consubstancia na faculdade de a Administração
revogar ou não atos discricionários válidos, os quais se tenham tornado
inoportuno ou inconveniente ao interesse público.
A título de exemplo, o controle judicial em espécie pode ocorrer por meio
dos seguintes instrumentos:
Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX, CF/88): trata-se de remédio
constitucional destinado a proteger direito líquido e certo, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Ação Popular (art. 5º, LXXIII, CF/88): “qualquer cidadão é parte legítima
para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou
de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Ação Civil Pública (art. 129 da CF/88): visa reprimir ou impedir lesão a
interesses difusos e coletivos, como os relacionados à proteção, dentre outros,
do patrimônio público e social, do meio ambiente e do consumidor.
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O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do processo de extradição
do nacional italiano CESARE BATTISTI (EXT no 1.085), ainda não transitado
em julgado, apreciou, preliminarmente, o ato do Ministro de Estado da Justiça
que lhe concedera o refúgio.
Reiterou, o Plenário da Corte, a legitimidade do controle judicial da
legalidade dos atos administrativos disciplinados pela lei.
O Relator, Min. CEZAR PELUSO , em substancioso voto, já
disponibilizado no sítio eletrônico da Suprema Corte, entendeu que:
“(...)
É truísmo jurídico que a atividade administrativa consiste no desempenho de função consolidada no dever de realizar finalidade pública já prevista e predefinida na lei. Sempre que o comportamento da autoridade ou do agen te público como tal se não ajuste à providência suposta pela lei para tute la de interesse público específico, é o ato viciado e comprometido do ponto de vista jurídico, sem que tal contrariedade reflita, necessariamente, busca de ob jetivos ilícitos ou intuitos particulares de favoritismo ou perseguição . Aniquila-o a só desconformidade com a lei:
(...)
E aniquila-o sempre a mera desconformidade com a le i, que lhe impõe severa observância da situação de fato condicionante da pr ática do ato com sua eficácia típica , porque, se há algo “que a lei não se esquece mais de indicar”, são “as condições de facto em que a Administração deve agir”.
Tal advertência é sobremaneira decisiva no plano de controle da legalidade dos atos administrativos ditos vinculados, em relação a os quais, diversamente dos discricionários, a lei disciplina “a conduta do agente público estabelecendo de antemão e em termos estritamente objetivos, aferíve is objetivamente, quais as situações de fato que ensejarão o exercício de uma dada conduta e determinando, em seguida, de modo completo, qual o comportamento único que, perante aquela situação de fato, tem que ser obriga toriamente tomado pelo agente. Neste caso, diz-se que existe vinculação, p orque foi pré-traçada pela regra de Direito a situação de fato, e o foi em ter mos de incontendível objetividade” .
E a averiguação dessa integral correspondência, necessária como condição de validez do ato administrativo vinculado, entre a hipótese legal enunciada em termos de tipicidade e a realidade histórica, é, e sempre foi, passível de controle jurisdicional sobre ambos os termos, o da interpretação da norma e o da verificação da ocorrência do fato nela previsto, porque não incide sobre o chamado mérito do ato, senão apenas sobre sua legalidade, apurável diante dos motivos declarados pela autoridade ou agente administrativo.
“Os motivos do ato administrativo não são apenas condições de oportunidade ou conveniência. O entendimento de que toda matéria de fato é estranha ao exame da
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legalidade já perdeu, há muito, foros de atualidade. Ao Poder Judiciário ou à jurisdição administrativa é lícito examinar os fatos como meio de diagnóstico dos requisitos legais do ato administrativo. É mister não confundir a ponderação dos motivos – que é sintoma típico da discricionariedade administrativa – com a sua existência material ou a sua correlação com a lei - que são aspectos de estrita legalidade.
A distinção desmerece de importância quando se cogita de ato vinculado, ou seja, quando a lei atribui, previamente, a decorrência jurídica de determinadas situações. Na hipótese, a simples existência do motivo condiciona, desde logo, a obrigação de agir segundo a maneira legalmente especificada.
Negar ao juiz a verificação objetiva da matéria de fato, quando influente na formação do ato administrativo, será converter o Poder Judiciário em mero endossante da autoridade administrativa, substituir o controle da legalidade por um processo de referenda extrínseco.”
A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do RE nº 82.355 (Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN), assentou com precisão e de maneira definitiva, nos exatos termos do voto do Relator, esta tese, hoje indiscutível nos domínios da doutrina e da jurisprudência: “A inconformidade do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegalidade, do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente”.
Firmou-se, naquela assentada, que o papel do Judiciário está em verificar se a decisão administrativa observou, no dever de a plicação das normas aos fatos considerados, todos os elementos configurador es da situação hipotética prevista pela lei e cuja realização histórica é nec essária e capaz de autorizar ou impor a prática lícita do ato vinculado . Ou seja, preservando o texto e a terminologia de que, em certo passo, se valeu o acórdão para traduzir que o juízo da adequação lógico-jurídica entre a norma e o fato é inerente ao exame da legalidade do ato administrativo: “o que se deve ter em vista é a legalidade ou não do ato incriminado. Terá ele de ser examinado pela forma com que se apresentar e pelos motivos que o determinarem”, entendendo-se esta última afirmação, como se há logo de ver, no rigoroso sentido de controle da correspondência entre os fatos tidos por existentes ou provados (fattispecie concreta) e os ingredientes factuais da norma que se lhes aplicou (fattispecie abstrata). Noutras palavras, é mister apurar se se deu o fenômeno jurídico da incidência da norma invocada sobre o evento ou eventos históricos que a autoridade ou o agente administrativo reputou verdadeiros à luz da prova, caso em que o ato seria legal, ou, antes, se era imprópria a norma, porque inaplicável à hipótese, ou inverossímeis os fatos, quando nada lhes atestava a ocorrência, casos em que se caracteriza ilegalidade típica, que o Judiciário tem de proclamar com todas as conseqüências.
(...)” (Grifei).
Principio de legalidad em materia penal
O critério geral de validade da lei penal é definido pelo princípio da
legalidade, na plenitude de suas dimensões constitucionais incidentes sobre
crime, penas e medidas de segurança, definidas como (i) lei anterior , que
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proíbe a retroatividade da lei penal para criminalizar ou penalizar fato anterior,
(ii) lei escrita , que proíbe o costume como fundamento de crimes ou de penas,
(iii) lei estrita , que proíbe a analogia como método de criminalização ou de
penalizações de ações humanas e (iv) lei certa , que proíbe indefinições nos
tipos legais e nas sanções penais, ou seja, a lei penal deve ser de fácil
compreensão.
A Constituição Federal, no inc. XXXIX do art. 5º, prevê, expressamente,
o princípio da legalidade, nos seguintes termos: “Não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Tal dispositivo é, igualmente, reproduzido no art. 1º do Código Penal
brasileiro, com redação semelhante e idêntico conteúdo: “Não há crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Parte da doutrina brasileira entende que o princípio da legalidade, em
matéria penal, equivale, antes de mais nada, à reserva legal (Alberto Silva
Franco).
De outro lado, há ensinamentos no sentido de que o princípio da
legalidade é gênero, que compreende duas espécies: reserva legal e
anterioridade da lei penal.
Nesse sentido, o princípio da legalidade , tal como previsto na
Constituição Federal e no Código Penal, contém, nele embutidos, dois princípio
diversos: o da reserva legal , reservando para o estrito campo da lei a
existência do crime e sua correspondente pena (não há crime sem lei que o
defina, nem pena sem cominação legal), e o da anterioridade , exigindo que a
lei esteja em vigor no momento da prática da infração penal (lei anterior e
prévia cominação).
É certo que o princípio da legalidade constitui-se em real e efetiva
limitação ao poder estatal arbitrário de ingerência na esfera de liberdades
individuais.
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A Carta da República, aliás, disciplinou a matéria em harmonia com os
propósitos definidos na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
San José da Costa Rica), que em seu art. 9º dispõe:
“Princípio da legalidade e da retroatividade
Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o deliquente deverá dela beneficiar-se”.
Igualmente, ajusta-se ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional:
“Artigo 22.º
Nullum crimen sine lege
1 - Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal.
2 - A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objecto de inquérito, acusada ou condenada.
3 - O disposto no presente artigo em nada afectará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente do presente Estatuto.
Artigo 23.º
Nulla poena sine lege
Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto”.
Fundamentos do princípio da legalidade
Fundamento político: trata-se de garantia constitucional fundamental do
homem.
O tipo exerce função garantidora do primado da liberdade porque, a
partir do momento em que somente se pune alguém pela prática de crime
previamente definido em lei, os membros da coletividade passam a ficar
protegidos contra toda e qualquer invasão arbitrária do Estado.
Fundamento democrático: consiste no respeito ao princípio da
separação dos poderes (art. 2º da CF/88).
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A partir da separação funcional dos Poderes, ao legislador passou a
competir a função exclusiva de selecionar, dentre o imenso rol de
comportamentos humanos, os mais perniciosos ao corpo social e, assim,
defini-los como crimes e cominar-lhes a correspondente sanção penal.
Fundamento jurídico: somente haverá crime quanto existir perfeita
correspondência entre a conduta praticada e a previsão legal.
Destaco, sobre a matéria, relevantes julgados da 1ª e 2ª Turmas do
Supremo Tribunal Federal:
“HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. CRIME
SEXUAL. COMPETÊNCIA. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO . OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À RESERVA
DE LEI [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ARTIGOS 5º, INCISOS XXXVII E LIII; 22, I; 24,
XI, 68, § 1º, I e 96, II, ALÍNEAS a e d]. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE E PRINCÍPIOS DA RESERVA DA LEI E DA RESE RVA DA NORMA .
FUNÇÃO LEGISLATIVA E FUNÇÃO NORMATIVA. LEI, REGULAMENTO E
REGIMENTO. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO LEGISLATIVA.
SEPARAÇÃO DOS PODERES [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ARTIGO 2º]. 1.
Denúncia por crime sexual contra menor. 2. Especial ização da 11ª Vara de
Natal/RN por Resolução do Tribunal de Justiça local . 3. Remessa dos autos ao
Juízo competente. 4. Ofensa ao princípio do juiz natural [artigo 5º, incisos XXXVII e
LIII da Constituição do Brasil] e à reserva de lei. Inocorrência. 5. Especializar varas
e atribuir competência por natureza de feitos não é matéria alcançada pela
reserva da lei em sentido estrito, apenas pelo prin cípio da legalidade afirmado no
artigo 5º, II da Constituição do Brasil , vale dizer pela reserva da norma. No
enunciado do preceito --- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei --- há visível distinção entre as seguintes situações: [i]
vinculação às definições da lei e [ii] vinculação às definições decorrentes --- isto é,
fixadas em virtude dela --- de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no
segundo, em face da reserva da norma [norma que pode ser tanto legal quanto
regulamentar ou regimental]. Na segunda situação, ainda quando as definições em
pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa --- mas decorrentes de
previsão implícita ou explícita em lei --- o princípio estará sendo acatado. 6. No caso
concreto, o princípio da legalidade expressa reserva de lei em termos relativos [=
reserva da norma]; não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo e ao
Judiciário, para, no exercício da função normativa, definir obrigação de fazer ou não
fazer que se imponha aos particulares e os vincule. 7. Se há matérias que não podem
ser reguladas senão pela lei --- v.g.: não haverá crime ou pena, nem tributo, nem
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exigência de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui
entendida como tipo específico de ato legislativo, que os estabeleça --- das excluídas a
essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em
regulamentos e regimentos. Quanto à definição do que está incluído nas matéria s
de reserva de lei, há de ser colhida no texto const itucional; quanto a essas
matérias não cabem regulamentos e regimentos. Inconcebível a admissão de que o
texto constitucional contivesse disposição despicienda --- verba cum effectu sunt
accipienda. Legalidade da Resolução do TJ/RN. 8. Não há delegaç ão de
competência legislativa na hipótese e, pois, incons titucionalidade. Quando o
Executivo e o Judiciário expedem atos normativos de caráter não legislativo ---
regulamentos e regimentos, respectivamente --- não o fazem no exercício da
função legislativa, mas no desenvolvimento de funçã o normativa . O exercício da
função regulamentar e da função regimental não decorrem de delegação de função
legislativa; não envolvem, portanto, derrogação do princípio da divisão dos poderes.
Denego a ordem” (HC no 91.509, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 12.02.2010);
“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO . CONCURSO DE AGENTES. FIGURA PENAL APENADA COM SANÇÃO AUTÔNOMA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO. IMPOSSIBILIDADE . REINCIDÊNCIA. CAUSA OBRIGATÓRIA DE AUMENTO DE PENA. ORDEM DENEGADA. I - Não pode o julgador, por analogia, estabelecer sanção sem prev isão legal, ainda que para beneficiar o réu, ao argumento de que o legislador deveria ter disciplinado a situação de outra forma. II - Em face do que dispõe o § 4º do art. 155 do Código Penal, não se mostra possível aplicar a majorante d o crime de roubo ao furto qualificado. III - O aumento da pena em função da reincidência encontra-se expressamente prevista no art. 61, I, do CP, não constituindo bis in idem. IV - Ordem
denegada” (HC no 92.626, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI , DJ 02.05.2008).
Principio de irretroactividad
A proibição de retroatividade tem por objeto os crimes, as penas e as
medidas de segurança futuras, mas admite uma exceção fundamental: a
retroatividade da lei penal mais benigna, inscrita na Constituição da República
e na legislação ordinária.
A Constituição da República contém norma específica sobre a regra e a
exceção, assim redigida:
“Art. 5º, XL. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
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O Código Penal brasileiro contém disposição mais detalhada sobre a
retroatividade de lei penal mais favorável, prevista no art. 2º, parágrafo único:
“A lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgada”.
Para o professor Juarez Cirino dos Santos , a aplicação da lei penal
mais favorável resolve conflitos de leis penais no tempo, segundo os critérios
de comparação de leis diferentes ou de combinação de leis sucessivas:
A hipótese de comparação de leis diferentes trabalha com um critério
concreto, que inclui circunstâncias legais agravantes e atenuantes e causas
especiais de aumento ou de diminuição de pena, mediante um método de
ensaio/erro capaz de indicar o resultado mais favorável para o caso concreto,
definido como lex mitior: a1) pena menor, no caso de penas iguais; a2) pena
menos grave, no caso de penas diferentes; a3) substitutivos penais com prazo
menor, ou sob condições favoráveis; a4) regime de execução menos rigoroso
etc.
Já a hipótese de combinação de leis sucessivas é objeto de
controvérsia: b1) posição tradicional rejeita a combinação de leis sucessivas,
sob o argumento de construção de uma terceira lei, proibida ao intérprete; b2)
posição moderna admite a combinação de leis sucessivas, sob o argumento
convincente de que a expressão ‘de qualquer modo’ (art. 2º, parágrafo único,
CP), não conhece exceções.
Aguarda-se o pronunciamento definitivo do Plenário do Supremo
Tribunal Federal sobre a possibilidade ou não de o intérprete proceder à
combinação de leis sucessivas.
É que a matéria comporta conclusões divergentes entre as Turmas,
como se vê nos seguintes julgados:
“Recurso ordinário em habeas corpus. Tráfico de drogas praticado sob a vigência
da Lei nº 6.368/76. Impossibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena
prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 . Paciente que se dedicava à atividade
criminosa. 1. Para que a redução da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº
11.343/06 seja concedida, não basta que o agente seja primário e tenha bons
antecedentes, sendo necessário, também, que ele não se dedique às atividades
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criminosas nem integre organização criminosa. 2. O voto do eminente Ministro Felix
Fischer, Relator do habeas corpus ora questionado, muito bem explicitou o motivo pelo
qual não foi possível a aplicação daquele benefício ao paciente, ressaltando que
"Tribunal a quo negou provimento ao recurso defensivo, a uma, por entender que o
paciente se dedicava a atividade criminosa, fazendo do comércio de drogas seu meio
de vida, a duas, porque a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei
nº 11.343?2006 só se aplicaria àquele que como fato isolado vende substância
entorpecente, a três, tendo em vista que a sua aplicação é restrita às condenações
ocorridas com base na Lei nº 11.343/2006, não se podendo, assim, a pretexto de se
aplicar a lei mais benéfica, combinar partes divers as das duas normas,
porquanto isso implicaria, em última análise, na cr iação de uma terceira lei ." 3. Na
espécie, a dedicação do paciente ao tráfico de drogas ficou devidamente comprovada
nos autos e não foi afastada pela defesa na apelação nem nas impetrações
posteriores. 4. Recurso ordinário desprovido” (RHC no 94.802, Rel. Min.
MENEZES DIREITO, DJ 20.03.2009).
Em sentido contrário:
LEI - APLICAÇÃO NO TEMPO - RETROATIVIDADE - PREJUÍZO PARA O AGENTE -
APRECIAÇÃO. Admite-se a retroatividade da lei penal, a ponto de alcançar fatos
anteriores, no que se mostre mais favorável ao agen te - artigo 2., parágrafo
único, do Código Penal. Separáveis as partes das no rmas em conflito, possível e
a aplicação do que nelas transpareça como mais beni gno . Isto ocorre relativamente
à regência do crime continuado. Datando o delito de época anterior a reforma de 1984,
cumpre observar a redação primitiva do par-2. do artigo 51 do Código Penal (anterior a
reforma de 1984) e não a mais gravosa, atinente aos crimes dolosos, contra vitimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa, introduzida no sistema
jurídico via parágrafo único do artigo 71 do citado Código. Constatada a retroatividade
prejudicial ao agente, impõe-se a concessão da ordem. PENA - DOSIMETRIA - CRIME
CONTINUADO - DETERMINAÇÃO DO AUMENTO. Tanto quanto possível, a fixação
do aumento deve decorrer do critério objetivo referente ao numero de infrações,
evitando-se, com isto, o risco de incidência em verdadeiro "bis in idem", ou seja, o de
levar-se em conta circunstâncias já consideradas anteriormente no calculo da pena
base. Tratando-se de procedimento repetido uma única vez, tudo recomenda a
aplicação do percentual mínimo de aumento” (HC no 69.033, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO , DJ 13.03.1992).
“AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de Liberdade. Prisão. Causa de
diminuição prevista no art. 33 da Lei no 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada
no art. 12, caput, da Lei no 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade.
Criação jurisprudencial de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta
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do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido.
Voto vencido da Min. Ellen Gracie, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF.
A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 d a Lei n o 11.343/06, mais
benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12,
caput, da Lei n o 6.368/06” (HC no 95.435, Rel. p/ Acórdão Min. CEZAR
PELUSO, DJ 21.10.08).
Sobre o princípio da irretroatividade, confira-se, outrossim, o seguinte
julgado da Suprema Corte:
“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO A 38 ANOS E 8 MESES
DE PRISÃO POR ESTUPRO (3 VEZES) E ROUBO (4 VEZES). FALTA GRAVE.
REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. CUMPRIMENTO DE 3/5 DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE. EXAME CRIMINOLÓGICO. QUESTÕES QUE NÃO
FORAM SUBMETIDAS ÀS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DA
IMPETRAÇÃO, NO PONTO, SOB PENA DE INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO SOMENTE QUANTO AOS REFLEXOS DA
FALTA GRAVE NA EXECUÇÃO PENAL. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DENEGADO. ALEGAÇÃO DE
QUE TERIA DIREITO À PROGRESSÃO DE REGIME NOS TERMOS DA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE. FLAGRANTE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA
APLICAÇÃO, NO CASO, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.
1. Se as alegações de que constituiria constrangimento ilegal o cumprimento do
requisito temporal definido na Lei n. 11.464/07 e de que seria indevida a realização do
exame criminológico não foram submetidas às instâncias antecedentes, não cabe ao
Supremo Tribunal delas conhecer originariamente, sob pena de supressão de
instância.
2. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em caso de
falta grave, impõem-se a regressão de regime e a alteração da data-base para
concessão de novos benefícios executórios
3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.
4. A Lei n. 11.464/07 - no ponto em que disciplinou a progressão de regime -
trouxe critérios mais rígidos do que os anteriormen te estabelecidos na Lei de
Execução Penal, vigente à época do fato. Não se apl ica o cumprimento da pena
imposta pelos critérios da Lei n. 11.464/07 aos fat os anteriormente praticado:
afronta ao princípio da irretroatividade da lei pen al mais gravosa (art. 5º, inc. XL,
da Constituição da República e art. 2º do Código Pe nal).
24
5. Concessão de ofício apenas para assegurar ao Pac iente a aplicação das regras
de progressão definidas na Lei da Execução Penal ” (HC no 97.659, Rel. Min.
CÁRMEN LÚCIA , DJ 20.11.2009).
Bibliografia :
A CONSTITUIÇÃO E O SUPREMO: 20 anos Constituição Federal. – Ed.
Comemorativa. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2008.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O princípio da legalidade e
algumas de suas conseqüências para o direito administrativo sancionador. in
Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Del Rey, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal; parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2006.
FRAGOSO. Heleno Cláudio. Lições de direito penal; parte geral. Rio de
Janeiro: Forense, 1995.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1979.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar
Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. São
Paulo: Saraiva, 2007.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal; parte geral. Curitiba: Lumen
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