Nova Aurora, 03 de agosto de 2017
Ref: Análise – Solicitação de anuência à Goiás Peixes
O presente documento faz referência ao Relatório Ambiental elaborado em 2016 pela
empresa Rurale Desenvolvimento Rural e Gestão Social, cuja responsável técnica é a Sra.
Fernanda Matos Távora – CRMV/DF: 1486 CTF: 5890545. O referido documento foi
solicitado pelo empreendedor, Goiás Peixes Indústria e Comércio de Rações e Peixes
LTDA, inscrita no CNPJ sob o número 11.705.099/0001-43 e pretende descrever o
empreendimento e seus potenciais impactos ambientais.
Para o licenciamento ambiental deste empreendimento, foi exigido pelo órgão ambiental
de Goiás (Secima) que o empreendedor obtenha uma anuência da Goiás Sul Geração de
Energia S/A no sentido de que a empresa de geração de energia responsável pelo
reservatório e APP da PCH Goiandira, onde se pretende instalar o empreendimento,
possa anuir com a atividade de aquicultura consistente em criação de peixes em tanques-
rede, além de operação de galpões de armazenamento de rações, manutenção dos
tanques e escritórios.
Dados Gerais do Empreendimento proposto (aquicultura):
• Área aquícola de 1,5 hectares x 15m de profundidade;
• Estão sendo propostos 23 tanques com 37,5 m³ cada;
• Cada tanque terá medidas 5m x 3m x 2,5m;
• Haverá 3 linhas distanciadas 50m uma da outra, sendo 2 dessas linhas com 8
tanques e 1 linha com 7 tanques;
• Os tanques distarão 5m um do outro;
• A produtividade esperada é de 70kg/m³/ciclo;
• O peso médio para abate é de 800g por espécime;
• Tempo de cultivo será igual a 6 meses;
• A espécie proposta é a Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus);
• Serão 700 alevinos por m³, que ficarão 6 semanas em tanque com malha de 5mm.
Peixes juvenis acima de 25g são transferidos para outro tanque;
• Despesca prevista será de 10 tanques por mês;
• Previsão para produtividade é de 315 ton/ano
Observações preliminares sobre os dados apresentados
• Sobre a espécie proposta, nos monitoramentos realizados pela Goiás Sul, a
mesma nunca foi encontrada. Foram identificados durante monitoramento no
ano de 2013, no reservatório, a espécie Tilápia do Congo (Tilapia rendalli). O
relatório da Goiás Peixes cita que há presença da Tilapia rendalli, inclusive citando
uma tabela do PACUERA da Goiás Sul. Apesar disso, é importante salientar que
esta espécie só foi encontrada no monitoramento de 2013 e sua ocorrência
quantitativa estava classificada como rara;
• Sobre o manejo dos peixes, incluindo transferência dos mesmos entre tanques
de malhas diferentes, pergunta-se: Como será feita essa transferência? Há
possibilidade dos alevinos caírem no lago?
Análise quanto aos impactos levantados pelo empreendedor
Eutrofização
O próprio relatório elaborado pela Goiás Peixes deixa claro que os efluentes da
aquicultura contribuem para a eutrofização. Entre as medidas mitigadoras propostas,
basicamente constam ações no sentido de controlar a ração que será utilizada, inclusive
utilizando biometrias com a finalidade de se ajustar a ração dos peixes. Há também, ação
de monitoramento de qualidade da água. Em que pese as medidas mitigadoras
propostas serem, de fato, importantes, não há no projeto um detalhamento de como
serão realizadas as operações de alimentação, limpeza, entre outros. Pergunta: Como e
qual será a periodicidade para a retirada do excedente da ração? E quanto ao depósito
de excedente no fundo do reservatório?
A eutrofização de corpos hídricos pode levar à proliferação de macrófitas. Essas plantas
aquáticas alteram profundamente a dinâmica do reservatório, APP e prejudicam as
usinas, ao se depositarem nas grades dos canais de adução, podendo causar prejuízos
ambientais, econômicos e financeiros visto que uma vez que ocorre a proliferação das
macrófitas, é praticamente impossível eliminá-las, constituindo um problema por toda a
vida útil do reservatório;
Fuga de Espécies
Este é um impacto importante, pois a inserção de espécies exóticas poderá comprometer
as espécies nativas existentes no reservatório.
O relatório elaborado pela Goiás Peixes cita que pode ocorrer fuga das espécies durante
os manejos de povoamento, biometria, classificação, despesca ou eventuais
rompimentos da malha do tanque. Como medidas mitigadoras, propõe adotar boas
práticas durante as atividades de manejo; vistorias constantes e capacitação da mão de
obra.
É muito importante, por óbvio, atuar na tentativa de se evitar falhas humanas, mas é
cediço que elas acontecem. Por isso, questiona-se: Caso ocorram falhas humanas, qual
a medida a ser adotada pela Goiás Peixes para que a proliferação desta espécie exótica
no reservatório não ocorra? Há dispositivo de proteção e segurança circundando a área
dos tanques? Esta seria uma forma de contenção de alevinos caso ocorra fuga de algum
dos tanques, mas não há referência no relatório a qualquer sistema ou dispositivo que
possa evitar este impacto, caso ocorra.
Intervenção em APP
O relatório cita a possibilidade de intervenção em APP para a instalação de galpões de
armazenamento de rações, manutenção de tanques rede e escritório. Como medidas
mitigadoras, propõe-se implantar a estrutura em container e implantar estrutura em
água.
A intervenção em Áreas de Preservação Permanente deve ocorrer em caráter
excepcional, não sendo este o caso. Questiona-se: porque não instalar essas estruturas
em área particular, fora da APP? Desta forma, a intervenção em APP seria minimizada.
Como será a operacionalização dessas estruturas de apoio? Como será o tratamento de
efluentes? Como será o armazenamento de produtos químicos? Quantos funcionários
operarão as estruturas?
É necessário ter projetos relacionados aos efluentes, considerando a atividade e o
número de pessoas que utilizarão a planta.
Geração de Resíduos Sólidos
O relatório da Goiás Peixes cita como resíduos sólidos orgânicos as fezes dos peixes,
peixes mortos, restos de rações e como resíduos inertes os sacos de ração, sucata de
gaiolas, equipamentos e utensílios danificados. Como medidas mitigadoras, são citados
o reaproveitamento dos sacos de ração; armazenamento de restos de tela e tanques rede
para a utilização em manutenções; compostagem com orgânicos; disponibilização de
coletores de resíduo orgânico e reciclável para o acondicionamento dos resíduos;
instrução e capacitação da mão de obra visando reduzir a geração de resíduos.
Dentre as medidas mitigadoras, destaca-se a proposta de compostagem, feita sem
maiores detalhes da operacionalização desta, que é uma atividade complexa e, por si só,
capaz de gerar seus próprios resíduos. Não se pode olvidar que a compostagem é técnica
adequada para o tratamento de resíduos orgânicos, porém é necessário elaborar um
projeto (com ART) específico para esta atividade. Qual o volume esperado de resíduos
orgânicos que serão gerados mensalmente?
Novamente, como será a operacionalização do recolhimento dos restos de ração e peixes
mortos (inclusive fezes) nas águas do reservatório? Outro ponto relevante é com relação
aos resíduos metálicos, que de acordo com o relatório disponibilizado pela Goiás Peixes,
serão reutilizados em manutenções, porém restos de cortes, soldas, amarrações e
parafusos, por muitas vezes não podem ser reaproveitados. Haverá um local específico
para armazenamento dos resíduos?
E quanto à impermeabilização do solo? Qual será o tratamento dado às águas pluviais
no empreendimento?
Turismo e Navegação
A Goiás Peixes levantou este potencial impacto como sendo a limitação à navegação e,
como medida mitigadora, propõe sinalizar a área. Outra questão que não levantada é o
possível aumento no número de pescadores na região, atraídos pelo empreendimento,
uma vez que os restos de ração que porventura não sejam recolhidos do reservatório
pela Goiás Peixes (como a empresa alega que irá fazer) poderá atrair cardumes de peixes
do reservatório, fazendo com que surjam ocupações irregulares em APP, trazendo
consigo todos os problemas causados pelas invasões em APP, tais como queimadas,
poluição, pesca predatória, instalação de ranchos em APP, loteamentos irregulares, caça,
entre outros.
Qualidade de Vida das Populações
Alega o empreendedor que a implantação de área aquícola traz benefícios diretos, como
a oferta de empregos e também benefícios indiretos como a oferta de proteína animal.
Como forma de maximizá-los, visam priorizar a contratação de mão de obra local, buscar
parcerias com instituições para qualificação da mão de obra e, também, destinar parte
da produção para ser comercializada no mercado local. De fato a instalação de uma
indústria, seja ela qual for, é benéfica no que tange à economia local e possível geração
de empregos, mas há de se ter muita cautela quanto aos potenciais impactos negativos,
em especial às alterações no reservatório com possível eutrofização, proliferação de
macrófitas e também caso ocorra fuga de peixes que não são nativos, o que pode alterar
toda a população de peixes da região, não somente do reservatório.
Oferta de Pescado
O empreendedor pontua como impacto positivo a diminuição da pressão de pesca sobre
o estoque do reservatório por haver maior oferta de peixe cultivado. Procura maximizar
esse potencial impacto com ações de educação ambiental para diminuição da pesca
predatória com arpão e, outra vez, alegando que o destino de parte da produção é o
mercado local.
Antes de mais nada, importante destacar que não região não há comunidades pesqueiras
que fazem da atividade seu meio de subsistência. Dito isso, há predominantemente duas
formas de pesca na região, que são a pesca esportiva e a predatória por meio de
petrechos como redes e tarrafas. Conforme observado anteriormente, é comum que em
atividades de aquicultura a população local passe a acreditar que os restos de ração
sejam atrativos também aos peixes do reservatório, supostamente atraindo cardumes de
peixes – ainda que esse fato não ocorra – o que atrai pescadores da região que, além da
pesca predatória, têm o hábito de edificar estruturas (ranchos), desmatar APP, provocar
queimadas e depositar resíduos sólidos às margens do reservatório. Desta forma, pode-
se contestar este suposto impacto positivo relevado pela Goiás Peixes.
Geração de Divisas
Pontua o relatório, que outro impacto positivo seria a geração de divisas pela
arrecadação dos tributos e, como forma de potencializar este impacto, a empresa
buscaria capacitação para controle da qualidade do pescado e aplicação de boas práticas
de manejo.
Com relação a este potencial impacto positivo, ele de fato poderá ocorrer, mas há de se
avaliar se este impacto, em detrimento dos potenciais impactos negativos às águas do
reservatório e às comunidades de peixes, bem como à APP, seria tão relevante como
sugere o relatório da Goiás Peixes.
Outras observações
• A criação intensiva poderá comprometer a qualidade da água devido ao
crescimento de algas e até macrófitas bem como afetar a sua transparência e
também a quantidade de oxigênio e outros parâmetros, devido ao excesso de
carga orgânica proveniente da ração e das fezes dos peixes;
• Qualquer comprometimento da qualidade da água e da redução do número de
espécies nativas no reservatório e no rio, poderão ser creditados à Goiás Sul por
conta da barragem e poderemos ter que responder judicialmente por este
impacto;
• O projeto apresentado não dispõe sobre responsabilidade pela qualidade da
água e nem de monitoramento da ictiofauna pelos usuários, fala apenas de
alguns poucos parâmetros de análise da qualidade da água;
• No projeto apresentado também não é falado nada sobre os potenciais
impactos na perda da qualidade da água e o uso da mesma para abastecimento
e irrigação à jusante do reservatório, podendo ter um impacto significativo da
população que depende desta água
• Outro ponto importante é sobre a ocupação das margens para construção de
bases de apoio em APP, que pode comprometer a vegetação em área de
proteção
• Movimentação de barcos e pessoas dentro do reservatório também podem
ocasionar riscos de segurança e não é comentado sobre quem será responsável
pelo controle e fiscalização destas atividades e sinalização;
Conclusão
Feita a análise acima, com base na documentação que foi apresentada até o momento,
não é possível constatar indubitavelmente que a Goiás Sul não seria afetada
negativamente pela atividade de piscicultura proposta. É necessário maior detalhamento
do projeto das estruturas, em especial os detalhes de como será feito o manejo dos
peixes no reservatório e qual será o destino dos efluentes gerados pela planta industrial,
além dos demais questionamentos apontados por este relatório.
Solicitamos à Goiás Peixes que readéquem os estudos apresentados, de forma a sanar
todas as dúvidas elencadas na presente análise.
GOIÁS SUL GERAÇÃO DE ENERGIA S.A.