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INTERPSI INSTITUTO DE PESQUISA E INTERVENO PSICOSSOCIAL PUC-GO - PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

CONVERGNCIAS PS-MODERNAS ENTRE A ANLISE DO COMPORTAMENTO E A TERAPIA FAMILIAR SISTMICA

ENRIQUE MAIA ROCHA

BRASLIA (DF) Setembro de 2010

INTERPSI INSTITUTO DE PESQUISA E INTERVENO PSICOSSOCIAL PUC-GO - PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS CURSO DE ESPECIALIZAO LATO SENSU EM TERAPIA FAMILIAR E DE CASAIS

CONVERGNCIAS PS-MODERNAS ENTRE A ANLISE DO COMPORTAMENTO E A TERAPIA FAMILIAR SISTMICA

Trabalho apresentado ao Interpsi Instituto de pesquisa e interveno psicossocial e Pontifcia Universidade Catlica de Gois, PUC-GO para a obteno do ttulo de ps-graduado em Terapia Familiar e de Casais

Orientadora: Ana Maria Fonseca Zampieri Autor: Enrique Maia Rocha

BRASLIA (DF), 24 DE SETEMBRO DE 2010.

RESUMO O presente artigo teve por objetivo estabelecer pontos de convergncia entre a Anlise do Comportamento, em seu vis contextualista, e a Terapia Familiar Sistmica, na suas verses contemporneas, no que se refere aos aspectos do discurso ps-moderno e a natureza do self presente em ambas as escolas. Para tanto, so apresentados os aspectos formadores das duas teorias, suas trajetrias do paradigma moderno transio ao pensamento ps-moderno e suas concepes de self. So sinalizados os pontos de aproximao e convergncia das duas abordagens. Conclui-se que as duas escolas apresentam notveis similaridades e sugere-se uma maior interlocuo entre as duas com benefcios para ambas e para o desenvolvimento da psicologia como um todo. PALAVRAS-CHAVE: Terapia Familiar Sistmica; Anlise do Comportamento; ps-modernidade; terapias ps-modernas; conceitos de self, Teoria Sistmica e Behaviorismo radical.

ABSTRACT This article aimed to establish points of convergence between Behavior Analysis, in its contextual bias, and Family Therapy, in its contemporary versions, with regard to aspects of postmodern discourse and the nature of the self present in both schools. To this end, we present the former aspects of theories, their trajectories of the modern paradigm in transition to postmodern thought and their conceptions of self. Are marked points of approximation and convergence of these two approaches. We conclude that both schools have remarkable similarities and suggest that a dialogue between the two, benefits both, and for the development of psychology as a whole. KEY WORDS: Family Therapy, Behavior Analysis, post-modernity, post-modern therapies, concepts of self, Systems Theory and radical behaviorism.

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INTRODUO A psicologia tem sido considerada uma cincia fragmentada e com divergncias tericas, a despeito dos esforos pela busca da unidade e integrao das diversas teorias (RAL, 2006). Tais empreendimentos, no sentido de estabelecer uma unidade entre as diversas escolas de psicologia, so parcos e ainda no alcanaram xito (YANCHAR; SLIFE, 1997). Identificam-se similaridades e, at mesmo, sobreposio de conceitos entre diferentes abordagens e apontam-se ganhos no dilogo e nas convergncias entre preceitos tericos, metodologias, compreenso fenomenolgica e modelos experimentais destas escolas e abordagens (CZUBAROFF, 1993;1991; NEURINGER, 1991; YANCHAR; SLIFE, 1997). De uma forma geral, a comunicao entre diferentes escolas em psicologia bastante escassa. Um exemplo disso a relao entre a Anlise do Comportamento (ou sua filosofia chamada behaviorismo radical) e a teoria sistmica (ou mesmo o movimento da terapia familiar como um todo). Tal lacuna se mostra dissonante com a quantidade de aspectos relativos s bases filosficas e epistemolgicas, alm do olhar reflexivo, do foco nas interaes, da rejeio aos modelos diagnsticos estruturantes e da trajetria em psicologia (em paralelo a um modo intrapsquico de se entender e tratar o funcionamento humano), presentes e semelhantes em ambas as abordagens (AMORIM, 2006). Desse modo, o presente artigo pretende estabelecer pontos de convergncia entre a Anlise do Comportamento, em seu vis contextualista, e a Terapia Familiar Sistmica, na sua verso contempornea, no que se refere aos aspectos do discurso ps-moderno e a natureza do self presente em ambas as escolas. Para tanto, sero considerados aspectos formadores das duas teorias, suas trajetrias at o pensamento ps-moderno e por fim a concepo de self depreendida de ambas. TERAPIA FAMILIAR E TERAPIA FAMILIAR SISTMICA A terapia familiar como movimento na psicologia inicia-se de forma dispersa, mas com uma proximidade temporal que pode ser localizada na dcada de 1950 (BLOCH; RAMBO, 1998; SHOLEVAR; SCHWOERI, 2003). Como movimento, ela se configura de forma bastante heterognea, pois se desenvolve na mudana da prxis de alguns terapeutas formados e afiliados a outras escolas, e em institutos e centros de pesquisa cujos

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pesquisadores de formao ecltica estudam novas relaes e explicaes para os transtornos psiquitricos (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007). Embora existam muitos precursores, podemos delimitar o surgimento da terapia familiar no desenvolvimento e nos trabalhos dos seguintes tericos: Ackerman, Bowen, Wynne, Lydz, Bell, e o grupo de Palo Alto - Bateson, Jackson, Weakland e Haley. Em complemento, outros profissionais foram importantes para este salto inicial, como Carl Withaker, Salvador Minuchin, Virgnia Satir e Ivan Boszormenyi-Nagy (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007; SHOLEVAR; SCHWOERI, 2003). Em diferentes lugares, e com formaes diversas, estes profissionais produziram conceitos e formas de se trabalhar com os problemas e transtornos psicolgicos em que, apesar dos enfoques diferenciados, todos apontavam para um olhar sobre as relaes no ncleo familiar, como determinantes ou influenciadoras dos transtornos psicolgicos e suas psicopatologias (CARR, 2006; SHOLEVAR; SCHWOERI, 2003). A terapia familiar comumente identificada de forma genrica com a sua vertente mais influente e abrangente, a terapia familiar de referncia sistmica (FRESCARNEIRO; PONCIANO, 2005). A terapia sistmica considera a famlia como um sistema interpessoal com qualidades cibernticas. Os relacionamentos entre os membros da famlia, componentes do sistema, so no lineares, e as interaes so entendidas sob uma perspectiva de causalidade circular. H um complexo sistema de inter-relao e de retroalimentao entre os membros da famlia em que os sintomas so vistos com uma tica sistmica de regulao e homeostase (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007). Este modelo sistmico foi profundamente influenciado pela teoria dos sistemas de Bertalanffy e pela ciberntica de Wiener, ambos considerados os precursores e pais conceituais e epistemolgicos da teoria (VASCONCELLOS, 1995). O movimento da terapia familiar toma fora nas dcadas seguintes ao seu nascimento - 1960 1970 e 1980 - com o surgimento de diversas escolas relacionadas aos seus pioneiros: a terapia estratgica (Haley), a terapia estrutural (Minuchin), e a terapia experiencial (Withaker), dentre outras, todas com algumas caractersticas diferentes no modo como se conduz a famlia e se tratam os sintomas/problemas de seus membros (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007). No se deter nas especificidades e caractersticas das diversas escolas em terapia familiar, o que tomaria espao excessivo e fugiria ao escopo deste artigo. Relevante notar que estas escolas sob influncia do modelo sistmico ainda

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se encontravam vinculadas a um paradigma moderno de cincia, com os terapeutas especialistas, detentores do conhecimento e condutores do processo teraputico, num enfrentamento homeostase e s resistncias da famlia tratada (VASCONCELLOS, 1995). Com os passar das dcadas os terapeutas familiares acabaram por ultrapassar as prprias dissenses entre os tericos sistmicos, com terapeutas no mais se autodenominando bowenianos, estratgicos ou estruturalistas. Este ecletismo auxiliou a mudana ps-moderna que influenciou o movimento nos anos seguintes (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007). Para Vasconconcellos (2009), a terapia familiar sistmica uma abordagem em constante mudana, e seus desenvolvimentos tericos epistemolgicos, vinculados aos conceitos da chamada primeira ciberntica, evoluram com o desenrolar das dcadas para uma proposta afinada com a ciberntica de segunda ordem. Esta nova terapia familiar ela denominou terapia familiar sistmico-si-ciberntica ou terapia familiar novo-

paradigmtica. Segundo Lax (1998), a mudana na terapia familiar para um modelo ps-moderno iniciou-se a partir dos modelos de Milo de terapia familiar, num retorno ao pensamento recursivo de Bateson, com os tericos Tom Andersen, Harold Goolishian, Harlene Anderson e Lynn Hoffman e suas propostas colaborativas, alm dos tericos da terapia narrativa Michael White e David Epston. Estes tericos foram influenciados pelas teorias construtivistas, o construtivismo radical e outros de Von Glasersfeld, Watzlawick e de Bruner (WATZLAWICK, 1994). Tambm pela forte disseminao do construcionismo social (de Gergen e/ou Shooter) e pela filosofia de Foucalt, Rorty e Wittgenstein (GRANDESSO, 2000). Estas influncias de tericos, filsofos, pesquisadores e terapeutas modificaram as prticas teraputicas na retirada do papel do terapeuta como especialista (detentor da verdade), e no fortalecimento da crena de um processo teraputico em que cliente e profissional so coautores, coparticipantes, coconstrutores de suas realidades a partir de suas interaes (GRANDESSO, 2001). Outrossim, os movimentos feministas e outros movimentos de expresso de liberdades civis apresentaram crtica aos modelos tradicionais de se conceituar e tratar a famlia, abrindo caminhos para verses alternativas e relativistas sobre a famlia, seu funcionamento e tratamento (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

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Com o florescimento do pensamento ps-moderno, a terapia familiar foi, na psicologia, uma das abordagens que mais sofreu o impacto desta tendncia. Mas o que o pensamento ou paradigma ps-moderno? O que chamado pensamento, discurso ou paradigma ps-moderno no tem uma definio clara e consensual na literatura cientfica; pode-se assumir que esta tradio transcende a modernidade, rejeitando a busca sobre a verdade ltima, numa viso antirepresentacionista na linguagem, antiessencialista do self e relativista histrica, tica e culturalmente quanto aos parmetros universais de verdade (ABIB, 1999; GRANDESSO, 2000). Alguns autores simplesmente definem o pensamento ps-moderno como sendo todo aquele que transcende e critica o modelo moderno, modelo este de crena no discurso de uma realidade ltima verdadeira, no progresso linear, crescente e cumulativo da cincia, no essencialismo e estruturalismo das teorias explicativas do funcionamento humano em psicologia e nas metanarrativas (ou metadiscursos) de legitimao de verdades atemporais e universais (HABERMAS, 1981; KVALE, 1981; GRANDESSO, 1981; MOXLEY, 2001; LYOTARD, 2002). Alguns destes autores ps-modernos em terapia familiar, como Harold Goolishian e Harlene Anderson, propem um modelo de terapia colaborativo em que a famlia apresenta ao terapeuta suas competncias e a construo da terapia se faz por meio desta troca, terapeuta-cliente, a qual diminui o papel do terapeuta como especialista e coloca a famlia como detentora das foras e dos conhecimento para mudar a si mesma nesta coconstruo (MINUCHIN, 2009; GRANDESSO, 2001). Esta mudana para o paradigma ps-moderno pode ser identificada principalmente nas abordagens chamadas de narrativas, nas quais no se procura uma correspondncia estruturante entre o relato da famlia (cliente) e as vivncias no mundo. A linguagem deixa de ser um meio de se identificar a realidade, um reflexo da realidade, e torna-se, ela mesma, objeto de enfoque e de trabalho teraputico, na medida em que constri e reconstri realidades na vida da famlia (GRANDESSO, 2000; LAX, 1998; WHITE, 2000). O modelo de terapia familiar influenciado pelo discurso ps-moderno na incorporao de conceitos de filsofos como Foucalt e de teorias como o construcionismo

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social. Segundo Grandesso (2000), Foucalt demonstra a importncia dos discursos sobre a realidade como prtica de manuteno de verdades discursivas e de relaes de poder sobre os indivduos e a sociedade. O construcionismo social desenvolve que a realidade de cada indivduo construda a partir de sua interao discursiva com o mundo a partir da linguagem, que , por sua vez, construda socialmente; portanto, as narrativas so construdas e constroem a experincia (GRANDESSO, 2000; ANDERSEN, 2002). Nesse sentido, no existem verdades e sim mltiplas narrativas que iro competir, algumas mais funcionais, outras precipitadoras de maior sofrimento. As prprias teorias so entendidas como narrativas, e uma teoria passa a ser considerada til, conforme oferea subsdios para a construo de significados que faam sentido para organizar a experincia vivida pela famlia e a evoluo do sistema teraputico. (GRANDESSO, 2001 p. 7). H na citao de Grandesso (2001) a incluso de uma caracterstica nem sempre explicitada no debate ps-moderno em terapia familiar, qual seja, a existncia de um critrio pragmtico de utilidade para as narrativas. A busca da verdade deixada de lado com o pensamento moderno, e o critrio pragmtico define a manuteno da determinada teoria/narrativa. Tal afloramento deve sua influncia ao pragmatismo, como o do filsofo norte-americano Richard Rorty (GRANDESSO, 2000; 2001). A perspectiva dos modelos ps-modernos em terapia familiar que apresentam os discursos e narrativas como fundamentais para a construo de realidades pessoais tem implicaes sobre a natureza e a construo do que chamado de self na psicologia. Este tema ser tratado posteriormente neste artigo. BEHAVIORISMO E ANLISE DO COMPORTAMENTO A Anlise do Comportamento, conhecida por sua base filosfica, o behaviorismo radical, inicia-se na psicologia com os trabalhos de Burrus Frederic Skinner, psiclogo norte-americano e um dos maiores expoentes da escola comportamentalista ou Behaviorismo. O behaviorismo surge com Watson (1913) em seu artigo seminal Psychology as the behaviorist views it, como uma provocao em contraposio s verses estruturalistas e ao modelo introspeccionista de pesquisa em psicologia, na defesa de uma psicologia emprica que se comprometesse com previso e controle. O movimento comportamental foi influenciado pelo trabalho do fisiologista Ivan Pavlov e pelo

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funcionalismo americano de William James (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992). Com uma forte influncia de mtodos experimentais, apelo emprico e objetividade, o behaviorismo floresce em sua verso metodolgica. Hull, Tolman e outros desenvolvem suas pesquisas e modelos, mas o mais influente deles Skinner que desenvolve a anlise experimental do comportamento, transcendendo o modelo estmulo-resposta e criando sua prpria filosofia do comportamento, denominada Behaviorismo Radical, e cindindo com o Behaviorismo metodolgico ento vigente (ABIB, 1985;TOURINHO, 2006). O behaviorismo radical enquanto filosofia est intrinsecamente relacionado sua cincia, a Anlise do Comportamento. As afiliaes filosficas da Anlise do Comportamento so diversas. Alguns autores apontam ao operacionismo, enquanto preocupao com definies operacionais dos termos e conceitos desta nova cincia; ao positivismo, dada sua nfase na objetividade e no fisicalismo dos fenmenos estudados; ao empirismo com seu forte vis experimental de mtodo indutivo; e ao selecionismo da teoria da evoluo darwiniana. Outros autores realam a influncia do pragmatismo e do contextualismo, presente no critrio funcional de seleo por consequncias e na explicitao da complexidade de relaes entre as variveis envolvidas no processo comportamental (ABIB, 1985;CHIESA, 1994). Polmicas parte, Skinner desenvolve suas concluses a partir de uma trajetria emprica de pesquisa em laboratrio, e suas descobertas, relacionadas s variveis que afetam o comportamento, levam-no a desenvolver um modelo explicativo das relaes encontradas entre os eventos ambientais e os comportamentos: o modelo de seleo por consequncias (SKINNER, 1953/1998; SKINNER, 1974/1982; SKINNER, 1981/2007). O modelo de seleo por consequncias contempla as relaes funcionais entre o ambiente e o comportamento dos organismos em trs nveis de variao e seleo: 1- o nvel filogentico, que determina a partir da seleo natural os organismos e suas caractersticas fenotpicas e genotpicas; 2- o nvel ontogentico, da histria de vida do sujeito; e 3- o nvel cultural relativo s prticas culturais de uma comunidade (SKINNER, 1981/2007). Pesquisador produtivo, Skinner desenvolve um programa de pesquisa baseado em seu mtodo experimental, a Anlise Experimental do Comportamento, e seus demais escritos expandem os achados em seleo por consequncias com repercusses biolgicas, educacionais, sociais, de planejamento cultural, psicoterpicas e religiosas (SKINNER, 1953/1998). A trplice contingncia, proposta por Skinner, mostrou-se um modelo

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relacional til no entendimento do comportamento humano, ao facilitar previso e controle, e direcionou centenas de publicaes. Funda na psicologia tradio de cincia do comportamento, em que para o estudo do comportamento, especifica fazer-se necessrio no apenas a ao do organismo, mas tambm a situao ou contexto que a antecede (e/ou em que ela se insere) e as consequncias, nos trs nveis apontados anteriormente. Tal modelo, alm de inserir uma perspectiva de retroalimentao, pois as consequncias reforam a resposta emitida, fortalece uma perspectiva selecionista, na qual nossas aes esto em constante interao com o meio, que as fortalece e/ou as extingue. Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez so modificados pelas conseqncias de sua ao (SKINNER, 1957/1978 p.15). Diferentemente de algumas crticas Anlise do Comportamento, este modelo de seleo por consequncias contextualista e no mecanicista, pois enxerga a previso e o entendimento do comportamento dependente de um conjunto de condies complexas relacionadas ao contexto histrico e/ou atual. O comportamento fluido e evanescente, sua conceituao intrinsecamente relacional, no h comportamento independente de um contexto, e ele est inserido num paradigma de variao e seleo. Seu critrio de validade pragmtico, e no h determinismo se no probabilstico, j que no se pode determinar com preciso as relaes funcionais que afetaro a ocorrncia de determinado padro de ao. Seu modelo de trplice contingncia com aspectos recursivos no delimita temporalmente as variveis antecedentes e nem cerceia estas relaes a aspectos mecanicistas (CARRARA, 1998). Os trabalhos de Skinner at 1945 estavam sob influncia e necessidade de uma metodologia naturalista e empiricamente forte, e, neste sentido, seus desenvolvimentos estavam sob o paradigma da cincia moderna. Aps a publicao de The operational analysis of psychological terms, em 1945, Skinner inicia uma mudana em seu pensamento que influenciar toda a continuidade de seu empreendimento cientficofilosfico, diferenciando-se da tradio behaviorista metodolgica e dando incio ao seu behaviorismo radical (TOURINHO, 2006; MOXLEY, 1999;2001). Tal artigo inicia um questionamento, que ser posteriormente detalhado por Skinner, sobre o papel da definio operacional dos termos, o que o leva construo de sua abordagem para os eventos privados (tudo o que acontece dentro da pele) e para o comportamento verbal de uma forma geral divergente da proposta comportamental de outros tericos. Com este artigo de 1945, Skinner insere seu tratamento sobre o critrio de verdade cientfica, o critrio

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funcional, distanciando-se dos positivistas lgicos e fortalecendo seus laos pragmatistas (TOURINHO, 2006). Skinner vem se filiar ao ps-modernismo, definitivamente, com a publicao de Verbal Behavior em 1957, quando explicita seu entendimento de linguagem e comportamento verbal. A viso de Skinner sobre a linguagem e o comportamento verbal antirepresentacionista, pois rejeita a proposta de linguagem como referncia e de comportamento verbal como representando ideias e/ou coisas. Skinner insere sua concepo funcional do significado, em que o comportamento verbal comportamento dos indivduos e a linguagem se refere s prticas de uma comunidade lingustica (SKINNER, 1957/1978; ABIB, 1994). O comportamento verbal modelado e mantido pelas contingncias verbais de uma cultura, ele se instala como uma relao indissocivel entre uma situao, uma resposta e uma consequncia. Esta relao que constitui significado; um significado contextual, portanto (ABIB, 1999; SKINNER, 1957/1978). A concepo de comportamento verbal na Anlise do Comportamento se une crtica ps-moderna aos modelos tradicionais de linguagem como representao, e afilia-se aos jogos de linguagem de Wittgenstein e aos atos da fala do filsofo ingls John Austin. O comportamento verbal s pode ser compreendido contextualmente, e a linguagem dependente do contexto da cultura. Portanto, o comportamento verbal como discurso sobre o mundo, sobre as coisas e sobre o prprio sujeito constitudo e mantido nas relaes contingenciais (contextuais) entre o os sujeitos falantes e a comunidade lingustica da qual fazem parte (SKINNER, 1957/1978). Talvez o ataque mais contundente do pensamento de Skinner ao mentalismo. Presente na psicologia em quase todas as suas escolas, o mentalismo filia-se a uma tradio dualista em filosofia. Skinner defende, com a Anlise do Comportamento, uma tradio monista acerca dos fenmenos ditos psquicos (SKINNER, 1974/1982; BAUM,1999). Para este autor, somos organismos que agem, que pensam, que sentem; na viso comportamentalista tudo isto comportamento, e o comportamento relao, por definio. Falar em comportamento falar de uma relao entre o que se faz (sente, pensa, etc), o contexto e as consequncias. No preciso se recorrer a construtos hipotticos, transcendentes e imateriais para explicar o comportamento, basta se olhar para a relao contextual que o constituiu, mantm e/ou fortalece. Neste sentido a Anlise do

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Comportamento foge a qualquer concepo representacionista da realidade e se afilia ao pensamento ps-moderno de crtica antirrepresentacionista (ABIB, 1999). A clnica comportamental teve sua evoluo marcada tambm por uma transio ao longo das dcadas. Num primeiro momento a prtica da terapia comportamental emerge sob a influencia do condicionamento pavloviano e das teorias de aprendizagem estmuloresposta. Terapeutas como J. Wolp, A. Lazarus, S. Rachman e H. Eysenck, dentre outros, desenvolvem a chamada terapia comportamental, com tcnicas empiricamente validadas e um enfoque em modificar, atenuar ou eliminar respostas inadequadas e/ou mal-adaptadas. Seus trabalhos foram determinantes em muitas das tcnicas ainda hoje utilizadas em clnica, como a dessensibilizao sistemtica e o contracondicionamento

(RIMM;MASTERS, 1983). A revista Behavior Research Therapy, fundada em 1963, e posteriormente o peridico Behavior Therapy, fundado em 1970, tm seu incio e desenvolvimento marcados por este grupo (DOUGUER, 2000). Em paralelo, os psiclogos e pesquisadores influenciados pelo modelo operante da anlise do comportamento fortaleciam a chamada modificao do comportamento, com intervenes em instituies psiquitricas e em sujeitos com dficits cognitivos e transtornos invasivos do desenvolvimento. As aplicaes da chamada anlise aplicada do comportamento desenvolveram um caminho prprio, com intervenes, em sua maioria, realizadas em ambientes diversos, tendo pouco enfoque em pesquisas no setting teraputico, como pode ser observado pelas publicaes do JABA (Journal of Applied Behavior Analisys), fundado em 1968 (DOUGUER, 2000;VANDENBERGUE, 2007). A segunda onda em clnica comportamental surgiu com o advento dos modelos cognitivos e a ascenso do cognitivismo na psicologia, gerando um sincretismo chamado terapia cognitivo-comportamental, um retorno a um modelo mecanicista de funcionamento psquico. A metfora da cognio era o computador, onde inputs do meio eram processados e analisados na mente. Com enfoque mediacional, este modelo clnico priorizava o uso de tcnicas comportamentais e as inovaes nos modelos cognitivos nos quais os processos cognitivos so o objeto de mudana e interveno. Esta tradio clnica tem afiliaes filosficas e epistemolgicas com o cognitivismo (BECK et al, 1997; VANDENBERGUE, 2007). A terceira onda em clnica comportamental, chamada tambm de anlise comportamental clnica, retoma os princpios da Anlise do Comportamento com um

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enfoque marcado no contextualismo e nos estudos sobre o comportamento verbal proposto por Skinner. Este retorno aos princpios filosficos analtico-comportamentais buscou superar as limitaes impostas pelas tradies clssicas e cognitivas no uso indiscriminado de tcnicas e na preocupao excessiva com validao emprica das tcnicas de interveno. Assim, retomou-se o aspecto vivencial, a relao teraputica e, como dito, a nfase na viso funcional contextualista, fugindo do paradigma tradicional linear ou dos modelos do comportamentalismo metodolgico (DOUGUER, 2000; VANDENBERGUE, 2007). Em suma, salienta-se alguns aspectos filosficos presentes na anlise do comportamento em seu modelo clnico atual. A concepo contextualista, em contraposio a um modelo mecanicista; o olhar funcionalista, em contraposio a uma viso estruturalista dos fenmenos psicolgicos; uma posio ontolgica monista, diferente da esmagadora maioria dualista em psicologia, consequentemente uma atitude no mentalista em desacordo com os modelos mentalistas e substancialistas; uma proposta no reducionista no entendimento dos processos comportamentais, no identificando uma estrutura ou causao ltima gentica; e por fim um modelo idiogrfico, ou, para ser mais esclarecedor, idiossincrtico no estudo e entendimento dos processos comportamentais. As pesquisas em Anlise do Comportamento propiciam o estudo do sujeito nico, e tal caracterstica contrape-se aos mtodos nomotticos e estatsticos presentes

majoritariamente na psicologia (DOUGUER, 2000). Para Abib (1999), o pensamento de Skinner no se compromete com as principais teses do discurso moderno. Segundo ele: 1- a epistemologia interativa-pragmtica da Anlise do Comportamento incorpora um conceito de linguagem com notveis semelhanas com os conceitos de linguagem e significado como uso elaborados por Wittgenstein (ABIB, 1999 p.245); 2- A epistemologia interativa-pragmtica de Skinner est prxima da perspectiva do filsofo Rorty, no sentido de que a justificao do conhecimento uma questo de prtica social (ABIB, 1999 p. 245); 3- o behaviorismo radical capaz de participar de uma conversao holstica sobre a natureza da cincia, ou de investigar a justificao do conhecimento como uma questo de prtica social (ABIB, 1999 p. 245) e neste caminho compartilhar com o pragmatismo filosfico de Rorty tambm em sua epistemologia e hermenutica (ABIB, 1999). A Anlise do Comportamento no circunscreve a experimentao como a nica fonte vlida de conhecimento sobre o comportamento humano (SKINNER, 1953/1998).

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PONTOS DE CONVERGNCIA ENTRE AS ABORDAGENS A terapia familiar sistmica apresenta em sua prpria formao um sincretismo terico de outras abordagens e teorias. Entretanto, dentre as foras em psicologia, a psicanlise, a teoria humanista, e o behaviorismo, este ltimo historicamente o mais distante entre as escolas que compuseram o movimento de terapia familiar (FRESCARNEIRO, 2005). As publicaes e os trabalhos aproximando outras abordagens em psicologia com o modelo sistmico so, comparativamente s publicaes relacionando Anlise do Comportamento e Teoria Sistmica, muito superiores em quantidade, bastando uma pesquisa combinada entre os termos nos melhores mecanismos de busca de peridicos nacionais e internacionais para constat-lo. O presente artigo no pretende abordar convergncias tericas, metodolgicas ou das prticas de ambas as escolas de forma ampla, pois tal empreendimento pode ser encontrado em outros trabalhos (AMORIM, 2006; FOSTER;HOIER, 1982). Ser circunscrita esta comparao aos aspectos j levantados do discurso ps-moderno em ambas as abordagens e de forma mais detalhada sobre a concepo de self para as duas propostas. Inicialmente v-se uma similaridade entre estas abordagens em sua trajetria, ambas influenciadas e nascidas no paradigma do pensamento moderno. Para a terapia familiar sistmica, nos moldes de primeira ciberntica e para a Anlise do Comportamento com a afiliao, nos trabalhos iniciais de Skinner, ao modelo cientfico linear proposto no princpio do behaviorismo. Em poucas dcadas, ambas as abordagens transitam suas propostas tericas, epistemolgicas e prticas para uma consonncia ao discurso psmoderno (GRANDESSO, 2001; ABIB, 1999;MOXLEY,1999;2001). Na prtica da terapia familiar h esta transio a partir da mudana dos modelos estruturalistas, estratgicos e demais para os modelos narrativos e colaborativos. A trajetria da terapia comportamental segue esta tendncia tambm, tendo um primeiro momento com bases na modernidade, com a terapia comportamental clssica, focada em tcnicas de dessensibilizao e outras baseadas nos modelos estmulo-resposta, e, posteriormente, com as novas concepes como a Terapia da Aceitao e Compromisso, a Psicoterapia Funcional Analtica e a Terapia Integrativa de Casais, com um vis contextualista, baseadas nos desenvolvimentos mais recentes da pesquisa em comportamento verbal e na valorizao da relao e do contexto teraputico norteadores

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das

intervenes

coconstrudas

(DOUGUER,

2000;

KOHLENBERG;

TSAI,

2001;VANDENBERGUE, 2007). Viu-se que esta transio, do paradigma moderno para o ps-moderno, assemelhase em ambas abordagens. E nos aspectos relacionados ps-modernidade, as convergncias entre a Terapia Familiar Sistmica e a Anlise do Comportamento so mais marcantes, nos quatro pontos que se seguem: 1- Na concepo da linguagem como contextual e na negao do modelo representacionista de linguagem. Na terapia sistmica tal mudana fortemente influenciada pelos movimentos construtivistas e construcionista social, que definem os discursos e a linguagem como construdos socialmente; e na Anlise do Comportamento, com a concepo skinneriana de comportamento verbal com significado existindo numa relao, construda na comunidade verbal do falante (GRANDESSO, 2000;2001; SKINNER, 1957/1978; ABIB,1994). Ambas as abordagens tm afinidades com as apresentaes ps-modernas em filosofia da linguagem, marcadas principalmente por filsofos como Ludwig Wittgenstein, John Austin e Jrgen Harbermas. Segundo Marcondes (2005), estes filsofos citados tm comprometimentos com a filosofia da linguagem contempornea e se unem, numa pragmtica da anlise do significado como contexto e da linguagem como ao. 2- Na viso epistemolgica da cincia e da realidade. Para a terapia sistmica familiar ps-moderna, assim como na Anlise do Comportamento, a construo do conhecimento cientfico constituda como os demais conhecimentos, uma construo histrico-social. O conhecimento cientfico discurso cientfico, o critrio de verdade de uma proposio relaciona-se com sua funcionalidade, um critrio pragmtico-funcional (VASCONCELLOS, 1995; ABIB, 1999); 3- Na descrena em metanarrativas de legitimao da verdade e metadiscursos com universais filosficos, ticos e/ou culturais. Em virtude de ambas as abordagens compreenderem a natureza relacional socio-historicamente constitudas da construo de discursos e inclusive da construo dos discursos cientficos, esvaziam-se portanto, os discursos de verdade universal. Para as duas os critrios de validao e sustentao de narrativas so sociais e pragmticos, no podem ser defendidos independentes de um contexto. Neste ponto, cabem algumas observaes acerca dos limites do relativismo cientfico implcito neste item e no anterior.

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Segundo Zuriff (1998), devemos identificar distines entre o construtivismo social metafsico e o construtivismo social emprico. Ambos defendem que atravs da interao social que os indivduos constroem seu conhecimento sobre o mundo no qual interagem. O construcionismo social emprico (CSE) admite que os achados na psicologia como descries do mundo natural so vlidos, enquanto o construcionismo social metafsico (CSM) no, defende que o mundo natural e objetivo da cincia todo uma construo, numa espcie de solipsismo lingustico social. A maior parte da aplicao do construcionismo social em terapia familiar , segundo Zuriff (1998), o chamado construcionismo social emprico, como o de Gergen, embora este aspecto no seja explicitado nos textos. A relevncia de se buscar uma distino entre ambos modelos construcionistas reside em dois pontos: I -no fortalecimento da psicologia como empreendimento cientfico e, principalmente, das pesquisas empricas em psicologia que no so negadas pelo CSE e o so pelo CSM. II - em delimitar o pensamento ps-moderno presente na Terapia Familiar que mais se aproxima da Anlise do Comportamento. No tocante Terapia Familiar PsModerna, as vertentes afetadas pelo construcionismo social, em sua maioria o so pelo CSE, que tm afinidades com a Anlise do Comportamento, dado seu critrio pragmticofuncional de validao (ROCHE; BARNES-HOLMES, 2003; ZURIFF, 1998). Portanto, retomando a crtica crena de verdade em cincia, a terapia familiar sistmica ps-moderna com influncias sociais construcionistas empricas coincide com a Anlise do Comportamento, de forma resumida, em duas implicaes: (a) No h uma nica descrio verdadeira do mundo, ao invs existem muitas; (b) a estrutura e a organizao do conhecimento dependente da interao social e psicolgica humana (ZURIFF,1998 p.14{livre traduo realizada pelo autor}). No entanto, o critrio pragmtico de validao/manuteno dos discursos (comportamento verbal), permite o desenvolvimento cientfico destas vertentes ps-modernas. 4- Na concepo de self, conceito importante na psicologia, que ser detalhado abaixo. O self, em todas as teorias modernas em psicologia, filia-se a uma viso essencialista e/ou substancialista do sujeito, ou seja, o sujeito constitudo por estruturas ou construtos mentais que integram uma personalidade estvel e duradoura, existe uma substncia ou essncia subjacente ou intrnseca ao indivduo, determinante de sua

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identidade e/ou personalidade. Na concepo ps-moderna existe um ataque direto filosofia do sujeito, e os alvos deste ataque so as ideias de que o sujeito uma substncia ou agncia (ABIB, 2007). As teorias psicolgicas modernas sobre o sujeito apontam para a constituio de um self, uma personalidade, seja na teoria do trao, seja na humanista, o sujeito, detm uma personalidade, composta de atributos, capacidades e caractersticas que podem inclusive ser mensuradas com testes e inventrios de personalidade. Esta personalidade mais importante que as situaes e os contextos em que a pessoa vive, pois a personalidade pouco afetada pelos contextos e situaes (ABIB, 2007). contra esta concepo de sujeito que se insurge o discurso ps-moderno. Para o construcionismo social, o discurso sobre o sujeito compreendido como discurso social. Como apontado anteriormente, o construcionismo social foi pensamento marcante na construo dos discursos ps-modernos na psicologia social e na terapia familiar. Nos modelos ps-modernos de terapia familiar, o sujeito sujeito narrativo. Melhor dizendo, a construo do self uma construo narrativa. Conforme Lax (1998) A viso narrativa sustenta que o processo de desenvolvimento de uma histria de vida que se torna base de toda a identidade e, portanto, desafia qualquer conceito subjacente de um self unificado ou estvel. (p.88). E ainda Um self permanente meramente uma iluso qual nos aferramos, uma narrativa desenvolvida em relao a outros ao longo do tempo, que viemos a identificar como sendo quem somos (LAX, 1998 p.89). Goolishian e Anderson (1996), em texto crtico sobre os limites do que eles consideram o self encapsulado do pensamento clssico em psicologia, reforam a mesma ideia defendida por Lax (1998), o self no um ator, uma descrio ou uma representao como d a entender a concepo metafsica ou existencial , mas uma expresso cambiante de nossa narrao, uma maneira de contar a prpria individualidade. Muda continuamente e no est limitado ou fixado a um lugar geogrfico ou a um momento no tempo. (GOOLISHIAN; ANDERSON, 1996 p.194). Andersen (2002) em seu livro Processos Reflexivos, apresenta em dois subttulos, suposies bsicas sobre a essncia interior e os vnculos externos (p.188), e Dez suposies sobre linguagem e significados (p.190), uma construo terica crtica sobre os dilogos teraputicos baseados numa essncia interior ou carter, de base psicodinmica, e sugere uma construo dialgica que leve em conta a linguagem, ou

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expresso, constituindo significado. Conforme Andersen (2002) O significado est na expresso, no sob ou por trs dela. [...] As expresses tambm so formativas; nos tornamos aqueles que somos, quando nos expressamos a ns prprios...(p.191). Portanto, estes autores reforam o que est presente nos modelos ps-modernos da terapia familiar, a concepo de um self como narrador, resultado de um processo de interao do indivduo com suas experincias, com a construo do significado de si mesmo por meio da linguagem (GOOLISHIAN; ANDERSON, 1996). Vale salientar que a teoria sistmica e a terapia familiar sistmica como um todo no apresentam um construto conceitual acerca do que o self, exatamente por no constar na tradio de seu pensamento e desenvolvimento o olhar intrapsquico mentalista de discurso essencialista. Os modelos modernos de terapia familiar que utilizam tal conceito, o tomam emprestado das abordagens tradicionais em psicologia humanista e/ou psicodinmica. Os modelos psmodernos em terapia familiar convergem para a verso de self apresentada por Goolishian, Anderson, Andersen e Lax, questionando a viso tradicional de um self interno, estvel e nico e propem um self construdo dentro dos espaos relacionais, apresentando-se na expresso de nossas narrativas sempre em mudana (GRANDESSO, 2000 p. 220). Para a Anlise do Comportamento tambm no existe um self como construo conceitual/terica que represente um lcus de ao e/ou uma essncia interior geradora de aes do indivduo. Ao contrrio, toda a obra de Skinner defende o combate a verses mentalistas de explicao ou determinao do comportamento. Em sua psicologia no h espao para um eu interno, substancial, gerenciador de nossas aes. So poucas as referncias que Skinner faz noo de identidade, mas o que chamado de self e identidade, se misturam, na obra de Skinner, noo de sujeito. O sujeito para Skinner sujeito verbal, e a construo do self se d numa histria de interao com uma comunidade verbal que modela e refora o discurso sobre si mesmo (ABIB, 2007; TOURINHO, 2006; SKINNER, 1957/1978). Kohlenberg e Tsai (2001) explicitam esta questo indicando que o entendimento da experincia do self a especificao dos estmulos controladores da resposta verbal Eu. (p. 141). Na anlise do comportamento quando se fala em estmulos controladores da uma determinada resposta verbal, est se falando de relaes complexas entre o contexto (estmulos antecedentes) e as consequncias relacionadas a esta reposta verbal, numa relao bi-direcional indivduo-ambiente. Para Rubio (2004), o self a construo

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da subjetividade via cultura, um produto dos trs nveis de seleo pelas conseqncias. (p. 17). Uma distino faz-se necessria. Para Skinner, existe uma diferena entre o organismo, a pessoa e o self. O organismo produto da seleo natural. A pessoa o organismo, com um repertrio prprio de comportamentos que pode ser observado pelos outros e produto de sua histria de vida, j o self constitui-se de algumas caractersticas de uma pessoa, incluindo os eventos privados (o mundo dentro da pele), o que se sente e se percebe atravs da auto-observao e do autoconhecimento que s possvel atravs da linguagem. O autoconhecimento para a Anlise do Comportamento um produto social, portanto, a discriminao de si mesmo e a descrio dos eventos privados so construdas na relao com a comunidade verbal, neste sentido o sujeito produto de interao social (TOURINHO, 2006). Portanto, Skinner relacionou os conceitos de organismo, pessoa e sujeito sua teoria consequencialista do comportamento, em que as consequncias de sobrevivncia natural produzem organismos e as consequncias reforadoras e culturais produzem respectivamente pessoas e sujeitos (ABIB, 2007). Para delimitar esta descrio do self na Anlise do Comportamento, cita-se Abib (2007) em sua explicao sobre a noo de sujeito em Skinner: stricto sensu o conceito de sujeito refere-se ao sujeito verbal construdo pelas comunidades verbais, refere-se, em outras palavras, ao processo de descrio do ato de sentir construdo pelas comunidades verbais; mas latu sensu, refere-se a histria nica que constituda pela diversidade e complexidade oriundas da histria natural, pessoal e cultural.( p. 65)

Temos enfim, nesta descrio da concepo de self na Terapia Familiar Sistmica Ps-moderna e na Anlise do Comportamento mais uma ntida convergncia, seno, sobreposio, de discursos e crenas, ambas afinadas com o discurso ps-moderno sobre o self, a identidade e o sujeito da psicologia. Com marcadas similaridades na incorporao de um sujeito discursivo (ou verbal), de um self mutvel, produto das interaes e vivncias sociais, no enfoque relacional e transitrio da construo destas narrativas de identidade do self e numa rejeio ao modelo de sujeito substancial ou essencialista presente no restante da psicologia.

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CONSIDERAES FINAIS Tratou-se neste artigo de se buscar um recorte de convergncia entre duas escolas (teorias) em psicologia com poucos dilogos e interaes entre si (AMORIM, 2006). No contexto de uma psicologia de abordagens tericas heterogneas e at divergentes, este artigo buscou se somar ao esforo de integrao e interlocuo entre teorias e prticas psicolgicas distintas (YANCHAR; SLIFE, 1997; RAL, 2006). Em concordncia com uma viso de complexidade em cincia que procura interlocuo entre diversidades filosfico-cientficas e tericas, na busca de integraes e at complementariedades (MORIN, 2008); e em reforo a um processo social de construo do conhecimento em psicologia que busca superar oposies e hegemonias temporalmente situadas e historicamente arraigadas (CHAVES; GALVO, 2005), acredita-se que o presente estudo contribui para facilitar o dilogo e a interlocuo entre as propostas ora apresentadas. Constata-se que a Anlise do Comportamento e a Teoria Familiar Sistmica psmoderna tm notveis similaridades, aproximaes e convergncias quanto ao seu tratamento linguagem, s suas vises epistemolgicas da realidade, aos seus discursos interativo-pragmticos respeito do conhecimento cientfico e por fim viso de self presente em ambas abordagens. Os discursos de ambas propostas tericas em psicologia convergem notadamente no caminho do pensamento ps-moderno, no qual se conclui que so teorias em psicologia que sobrevivem ao tempo, convertendo-se em propostas fortalecidas e talvez at melhor entendidas e aplicadas neste novo sculo (sc. XXI), com o fortalecimento do paradigma ps-moderno. O autor deste artigo acredita que o exerccio de aproximao de duas escolas to semelhantes (ao menos nos aspectos analisados neste texto), mas ao mesmo tempo to distantes no ambiente acadmico, pode contribuir significativamente no avano do conhecimento cientfico em psicologia e no fortalecimento das escolas em foco. Tal caminho de convergncia traz benefcios Analise do Comportamento pois a fortalece com a incorporao de prxis e a abertura para a diversidade na produo cientfica presente nos modelos de terapia familiar e narrativas, alm de favorecer a

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divulgao, a aceitao e ampliar o programa cientfico proposto pelo Behaviorismo Radical (CHAVES; GALVO, 2005; CZUBAROFF, 1993;1991; NEURINGER, 1991). A Terapia Familiar Ps-Moderna tambm se beneficia ao incorporar alguns conceitos e mtodos interativo-pragmticos da Anlise do Comportamento com caractersticas filosficas de base contextualistas e ps-modernas. Tal incorporao favoreceria um desenvolvimento e produo cientfica mais coerentes

epistemologicamente com as trajetrias e afiliaes da Terapia Familiar, do que os modelos intrapsquicos ainda utilizados, notadamente nos desenvolvimentos de conceitos como o de transgeracionalidade e lealdades invisveis. Outrossim, a incorporao de partes da teoria comportamentalista no entendimento dos comportamentos individuais dos membros do sistema, permite Terapia Familiar Sistmica Ps-Moderna, estudar e trabalhar com os indivduos e o self ps-moderno, mantendo sua tradio relacional, sem se perder, de um lado, no relativismo conceitual extremo do construcionismo metafsico, e de outro, no labirinto intrapsquico do self encapsulado do discurso mentalista das tradies clssicas em psicologia

(VASCONCELLOS, 1995). Afinal o avano do conhecimento cientfico na Psicologia depende, em parte, de conhecimentos antecedentes produzidos por diferentes enfoques que podem ser considerados teis e salutares ao se superar os limites e diferenas na busca de convergncias.

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