EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 10° VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL - SP
Autos de nº XXXXXXXX
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, já
qualificada nos autos do processo em epígrafe que move em face da ESTADO DE
SÃO PAULO, vem, através do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos
Humanos, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, em cumprimento à r.
decisão de fl., oferecer sua RÉPLICA, nos termos a seguir aduzidos, requerendo o
seu recebimento e regular processamento.
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1. SÍNTESE DO PROCESSADO
Aduziu o Ministério Público, em sua Manifestação,
resumidamente, o seguinte:
I) que deve haver o indeferimento da petição inicial por carência
da ação, por entender que a Defensoria Pública não pode intervir no feito por não
ser o caso de “defesa de pessoas hipossuficientes ou que de qualquer forma
possam se enquadrar nessa qualidade”, conforme art. 5º, LXXXIV, da Constituição
Federal;
II) que haja prévia oitiva do demandado antes da apreciação da
liminar pleiteada;
III) que os casos relatados na inicial pela Defensoria Pública não
são situações de habituais, de modo que não deve se impedir a atuação estatal para
a manutenção da ordem pública com base em situações excepcionais, opinando
pelo indeferimento da liminar;
Requereu, assim, o indeferimento da inicial por carência da ação.
Aduz que deve ser ouvida a parte ré antes da decisão liminar, a qual o Parquet se
manifesta pelo indeferimento.
Já o Estado de São Paulo, por meio da Procuradoria Geral do
Estado, afirma, resumidamente, o seguinte:
I) que há continência entre a presente ação e a Ação Civil Pública
n. 0024010-95.2013.8.26.0053, que se processa perante a 14ª da Vara da Fazenda
Pública;
II) que seja reconhecida a incompetência absoluta do juízo civil
para processar e julgar o pedido na parte que afeto à esfera criminal;
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III) que seja extinto o processo, sem resolução de mérito, sendo
reconhecida a ausência de interesse e legitimidade ativa da Defensoria Pública
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para atuar em favor de pessoas indeterminadas, sem aferição de hipossuficiência,
conforme arts. 134 e 5º, LXXIV, da Constituição Federal;
IV) que seja julgado extinto, sem resolução de mérito, também por
falta de interesse processual;
V) que seja julgado extinto, sem resolução de mérito, por ausência
de pressuposto processual (inépcia da inicial);
VI) no mérito, que:
a) é lícito o ato praticado no exercício regular de direito (art. 188,
I, do Código Civil);
b) é incabível o pleito de multa cominatória;
c) devido ao fato da Polícia Militar, por força do art. 5º, XVI, da
Constituição Federal, cc. ao art. 2º, da Lei Estadual n. 616/74, ter atribuições de
policiamento ostensivo (a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da
ordem pública e o exercício dos poderes constituídos), atuação de maneira
preventiva (onde se presuma ser possível perturbação da ordem) e atuação de
maneira repressiva (em caso de perturbação da ordem), é legítimo o uso da força
para o restabelecimento da ordem pública, condição essencial para a manutenção
do Estado Democrático de Direito;
d) não há que falar em dano moral coletivo, sob pena de afronta
aos arts. 186 e 944, do Código Civil;
e) é inadmissível a aplicação das regras de inversão do ônus
probatório contra a Fazenda Pública, porque incompatível com as normas de
distribuição contempladas em nosso ordenamento jurídico; e
f) que não tem cabimento o pedido de condenação ao pagamento
de honorários advocatícios, conforme Súmula n. 421 do STJ.
A liminar foi deferida parcialmente, havendo recurso pendente de
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julgamento no E. TJ-SP.
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2. DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA FAZENDA PÚBLICA
Aduz a Fazenda Pública que o “Juízo Cível” seria incompetente
para julgar a presente demanda.
Porém, sem razão a agravante quanto à suposta competência do
Juízo Criminal.
A ação pretende tutelar liberdade constitucional, não se
relacionando a matérias de competência do Juízo criminal, as quais dizem respeito
às infrações penais taxativamente previstas em lei e seus sucedâneos.
Assim dispõe o Código Judiciário do Estado de São Paulo
(DECRETO-LEI COMPLEMENTAR N. 3, DE 27 DE AGÔSTO DE 1969):
Artigo 28. - Aos juízes das varas criminais compete, ressalvados os
casos de competência específica:
I - processar e julgar as ações penais e seus incidentes, por crimes e
contravenções:
II - conhecer e decidir as questões relativas a «habeas-corpus»,
prisão em flagrante, prisão preventiva e liberdade provisória, não
abrangidas no número anterior;
III - praticar todos os demais atos atribuídos pelas leis processuais
penais a Juiz de primeira instância.
Na ação em questão não se imputa fato típico a ninguém, de modo
que não há que se cogitar de jurisdição penal.
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Bem ao contrário, a matéria diz respeito a funções estatais e existe
no ordenamento Juízo específico para conhecer de tais ações: a Vara da Fazenda
Pública.
Neste sentido, dispõe o Código Judiciário do Estado de São Paulo
(DECRETO-LEI COMPLEMENTAR N. 3, DE 27 DE AGÔSTO DE 1969):
Artigo 35. - Aos Juízes das Varas da Fazenda do Estado compete:
I - processar, julgar e executar os feitos, contenciosos ou não,
principais, acessórios e seus incidentes, em que o Estado e
respectivas entidades autárquicas ou paraestatais forem
interessados na condição de autor, réu, assistente ou opoente,
excetuados: a) os de falência; b) os mandados de segurança contra
atos de autoridades estaduais sediadas fora da Comarca da Capital;
c) os de acidentes do trabalho (...)
Ademais, trata-se de competência funcional, logo absoluta, não
podendo ser afastada.
Ao contrário do que dá a entender a agravante, em nenhum
momento se está a imputar conduta típica a alguém, o que levaria a competência
ao Juízo Criminal, conforme precedente citado na inicial do agravo (REsp
541.174/RS, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em
09/02/2006, DJ 27/03/2006, p. 358).
Neste sentido, não se trata na ação de tutela direta da liberdade
individual em razão de ilegalidade no cerceamento de liberdade praticado por
autoridades, o que exigiria o manejo do habeas corpus.
Pretende-se garantir, isto sim, as liberdades de expressão,
pensamento e reunião de todos os cidadãos que exercem tais direitos nos limites
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assegurados na Constituição Federal, impondo-se obrigações ao Estado para que
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se abstenha de agir com força desproporcional e de frustrar indevidamente
aquelas liberdades.
Assim, não há qualquer cabimento na pretensão da agravante,
bastando a leitura atenta da ação para verificar que não há ali qualquer matéria
afeta ao Juízo Criminal.
3. DA LEGITIMIDADE ATIVA E DO INTERESSSE DE AGIR
O réu afirma inexistir interesse de agir e legitimidade ativa da
Defensoria Pública para atuar em favor de pessoas indeterminadas. Se razão,
entretanto.
Já foi explicitada na inicial a legitimidade do Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo para propor a
presente ação.
Deve-se ressaltar, neste sentido, que um dos objetivos da
Defensoria Pública é justamente a promoção dos direitos humanos, consoante art.
134, CF, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014: “A
Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal”.
No mesmo sentido é o art. 5º, inciso VI, alínea b da Lei
Complementar Estadual nº 988/06: Artigo 5º - São atribuições institucionais da
Defensoria Pública do Estado, dentre outras: (...) VI - promover: (...) b) a tutela dos
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direitos humanos em qualquer grau de jurisdição, inclusive perante os sistemas
global e regional de proteção dos Direitos Humanos”.
Ora, diante destes dispositivos, vemos que a Defensoria Pública
tem vocação e atribuição para a defesa e promoção dos direitos fundamentais dos
cidadãos.
Neste sentido, em parecer acerca da legitimidade da defensoria
para a proposição de ação civil pública, a Professora Ada Pelegrini Grinover
sustenta tal legitimidade, inclusive na defesa dos direitos difusos, em razão de a
mesma implicar maior acesso à Justiça e contribuir para dar máxima eficácia às
normas constitucionais.
Ademais, indubitavelmente, o objeto da ação que originou o
presente agravo está afeta aos necessitados a que se refere o inciso LXXIV do art.
5º da Constituição Federal.
Por exemplo, em certos casos de uso da força desproporcional
pela polícia, não se está em manifestações políticas, mas em manifestações
culturais, como se verifica da leitura da petição inicial. É o caso exemplificado na
inicial da ação sob a rubrica “(g) Paraisópolis. Direito de Reunião na Periferia”.
Nestes casos, são diretamente atingidas pessoas economicamente
necessitadas, sendo certo que a ação em tela tutela o direito destas pessoas.
Efetivamente, pela observação do que normalmente acontece, sabe-se que esta
parcela da população é muito mais vulnerável à violência policial do que parcelas
mais abastadas.
Nos demais casos abordados na ação que originou o presente
agravo, os quais são também exemplificativos, é certo que os necessitados a que se
refere o inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal estão presentes e podem
ser alvos de danos causados por ações desastradas das forças estatais.
E não se pode cogitar em restringir o acesso à Justiça de tais
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pessoas em razão de os direitos das mesmas aparecer de maneira difusa, com
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objeto indivisível e titularidade indeterminável, como no caso do direito de
reunião, que se exerce de forma coletiva por qualquer pessoa no exercício de seus
direitos civis e políticos, não havendo remédio no ordenamento jurídico a tutelar
apenas parcela dos que pretendem se reunir.
Daí porque é de rigor que o pedido seja deduzido em nome de
todos os que pretendem exercer o direito de reunião, o que envolve a tutela dos
necessitados econômicos e, em essência, a tutela de necessitados organizacionais
ou jurídicos.
Em tais casos, a tutela dos direitos dos necessitados pode
acarretar, por via reflexa, interferência positiva na esfera de terceiros que não se
caracterizariam como necessitados econômicos, mas tal não pode implicar na
exclusão da legitimidade da Defensoria Pública, sob pena de desamparo total
daqueles, que dificilmente teriam acesso à tutela de direitos difusos por meio da
Defensoria Pública, afrontando-se, assim, os princípios da isonomia e do acesso à
Justiça (CF, art. 5º, caput e incisos XXXV e LXXIV).
Em suma, a promoção dos direitos humanos dos necessitados não
pode ser obstada em razão de os não necessitados também terem os mesmos
direitos humanos violados.
Assim, deve ser afastada esta preliminar brandida pelo réu.
No que tange ao interesse processual, ressalte-se a necessidade de
evitar a leitura enviesada da petição inicial. O que se pretende tutelar na presente
ação é precipuamente o direito de reunião constitucionalmente assegurado.
O uso excessivo e desproporcional da força tem o condão de
afrontar tal direito, e é isto que se debaterá no mérito.
O réu argumenta como se a ação coletiva estivesse voltada a
simplesmente impedir as forças policiais de agirem diante de “vândalos” e
“delinquentes”.
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Ao contrário, o que se pretende é que a ação das forças policiais
não sejam indiscriminadas, mas que tenham precisão cirúrgica, coibindo
indivíduos que pratiquem atos ilícitos valendo-se da multidão, mas sem que isto
implique em dissolver manifestações legítimas, em afronta às liberdades de
reunião e de livre expressão.
Como se sabe, o interesse de agir é dividido em interesse-utilidade
(ou seja, o processo deve implicar em algum proveito com a ação) e em interesse-
necessidade (ou seja, a utilidade atingida pelo provimento judicial só pode ser
atingida pelo processo, não havendo outro meio para tanto).
No caso, o proveito é a garantia de direitos constitucionais
básicos, em especial do direito de reunião e do direito de livre expressão, para não
falar do direito à segurança pública, que envolve a necessidade de eficiência das
ações de garantia da ordem e a segurança de manifestantes pacíficos, que não
podem ter a sua esfera de direito arbitrariamente atingida por forças de segurança.
Como explicitado na inicial, a utilidade só poderá ser atingida por
meio deste processo judicial, uma vez que há inércia da Secretaria de Segurança
Pública estadual na adoção de medidas concretas para tutela do direito de reunião,
mesmo com a provocação e recomendação de ações por esta Defensoria.
Portanto, o interesse processual está presente, seja na dimensão
do interesse-utilidade, seja na dimensão do interesse-necessidade.
4. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Estão presentes todos os pressupostos processuais para o regular
seguimento da presente ação.
O réu alega que desconhece o teor de cada ato específico quanto
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ao qual se pretende a condenação em danos morais.
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Ora, não há qualquer inviabilização do direito de defesa, uma vez
que estão claramente descritos na petição inicial quais são os direitos que estão
sendo violados pelo Estado em manifestações públicas.
A condenação, no caso, tratará de reconhecer a responsabilidade
do Estado por tais violações e viabilizar que as pessoas lesadas sejam indenizadas,
o que será feito necessariamente mediante os procedimentos legais da liquidação e
do cumprimento de sentença.
Portanto, plenamente possível a aferição do objeto da lide, não
havendo que se exigir que se apresente prova de todas as violações já perpetradas
pelo réu no policiamento de manifestações públicas, já que se trataria de
verdadeira prova impossível.
O rol exemplificativo de fatos lesivos trazidos na inicial é
suficiente para se aferir que o réu tem se excedido no policiamento de
manifestações pacíficas e que não tem havido qualquer punição aos responsáveis
pelo excesso.
Entendidas estas questões, não há que se falar em inépcia da
inicial, uma vez que está claramente delineado quais os direitos que o réu tem
violado.
5.MÉRITO
Ao contrário do que a ré quer fazer crer, não se questiona na
presente ação a legitimidade do uso da força para a manutenção da ordem pública
e do próprio Estado Democrático de Direito. Tal demanda, claramente, não teria
qualquer cabimento.
O que se pretende na presente ação é justamente que o Poder
Judiciário, diante da inércia do Executivo e do Legislativo na regulamentação da
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matéria, imponha a estes o dever de estabelecer normativamente parâmetros
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mínimos para o uso da força pela polícia em manifestações públicas, parâmetros
estes adequados a um contexto democrático.
O fato de diversos fatos terem ocasionado lesões em pessoas que
se manifestavam legitimamente já indica a necessidade de ação efetiva do Poder
Executivo, o qual, quedando-se inerte, deve ser condenado pelo Poder Judiciário a
cumprir com suas atribuições constitucionais.
Mais alguns pontos devem ser trazido ao conhecimento de Vossa
Excelência para balizar a instrução probatória e o sentenciamento do presente
feito.
Um exemplo internacional de boas práticas policiais em
manifestações, na Europa, a partir de estudo realizado em nove países, foi
desenvolvido no projeto “Boas práticas para o diálogo e comunicação como
princípios estratégicos para o policiamento de manifestações políticas na Europa”
(“Good practice for dialogue and communication as strategic principles por policing
political manifestations in Europe” – GODIAC), que tem como propósito a
identificação e a propagação de boas práticas em relação ao diálogo e à
comunicação como principais estratégias no gerenciamento e prevenção de
desordem pública nas manifestações políticas a fim de preservar os direitos
humanos fundamentais e aumentar a segurança pública nas manifestações em
geral1.
Para tanto, realizaram um estudo de campo nos nove países e em
dez locais diferentes, no período entre novembro de 2010 e outubro de 2012, para
identificar as boas práticas nas manifestações. A partir desses relatórios, foi
elaborada, dentre outros trabalhos, uma lista de recomendações para o
policiamento das manifestações políticas, do que se passará a tratar.
1 http://www.polisen.se/Global/wwwochIntrapolis/Rapporter-
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utredningar/01Polisennationellt/Ovrigarapporter- utredningar/GODIAC/GODIAC_BOOKLET_130503_manifest.pdf
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Tanto as observações, como as recomendações obtidas a partir
delas, incorporam quatro princípios de redução de conflitos, quais sejam:
conhecimento e educação; comunicação; facilitação; e diferenciação.
Primeiramente, serão trazidas recomendações que concernem
sobre a interação policial com os organizadores, grupos ou indivíduos, as quais,
para uma melhor análise, serão apresentadas de acordo com cada um dos referidos
princípios.
a) Quanto ao conhecimento e educação, ressalta-se a importância
de entender a forma e o histórico, bem como o impacto que certos indivíduos
podem gerar sobre todo um agrupamento, confluindo até em massivas
manifestações.
Para tanto, recomenda-se agrupar toda uma sorte de informações
sobre os principais grupos que devem integrar o evento e seus respectivos
conhecimentos acadêmicos, objetivos e táticas, bem como promover programas
regulares de treinamento que abarcam a temática da ordem pública, dinâmicas de
manifestação e o entendimento do modus operandi dos protestantes. Tais
informações devem ser constantemente atualizadas e repassadas aos policiais, por
diferentes meios de comunicação.
Com isso, sugere-se, tanto no planejamento, quanto mesmo no
policiamento, a destinação de policiais para o evento que tenham conhecimento
sobre os grupos específicos que o integram, o que pode implicar no
envolvimento de policiais de diferentes regiões ou países. Ademais, aconselha-se
entender o contexto em que se dá a manifestação e identificar os locais e atos
significantes aos manifestantes, permitindo a utilização de táticas mais
apropriadas e uma maior prevenção às reações destes.
b) Em relação à comunicação, deve-se atentar para, além do que é
comunicado, a forma que ela se dá e para quem ela se destina. Dessa forma,
recomenda-se uma estratégia de comunicação compreensiva, realizada porENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
diferentes meios (incluindo sites, mídias sociais e SMS) e consubstanciada em
tentativas de prévio contato com os organizadores do evento, promovendo-se a
maior quantidade de reuniões possíveis, para que, assim, sejam solucionados um
número maior de questões antes da manifestação (como questões políticas,
operacionais e logísticas), bem como permitir que os organizadores tenham tempo
de repassar as informações ao seus coligados e, principalmente, construir uma
relação de confiança entre eles.
Essa comunicação deve ser mantida após a realização da
manifestação e também ser estendida ao público em geral, havendo um
engajamento em relação às comunidades residenciais e empresárias e afastando,
consequentemente, os rumores e alardes midiáticos.
A postura policial também deve ser de apoio; os policiais devem se
manter alertas para a necessidade de prestarem assistência durante o evento e
sugere-se o uso de alto-falantes para manter todos informados das intenções
policiais, garantindo-lhes legitimidade. Ademais, recomenda-se a implantação
de unidades de diálogo especializadas, em tempo integral ao evento, formadas por
policiais de diferentes origens étnicas e das mesmas regiões dos protestantes.
Com isso, a comunicação estabelecida em um ambiente calmo é
mais provável de se manter nas situações mais difíceis, porém, se houver
relutância na comunicação pelos protestantes, sugere-se o uso de mediadores
independentes da instituição policial.
c) A facilitação deve ser enfatizada em todos os níveis da operação
policial, em especial quando os policiais necessitam impor limites aos
manifestantes ou onde atitudes violentas estão prestes a eclodir. Assim,
manifestações autorizadas normalmente incluem acordos. Recomenda-se à
policia atuar em conjunto com os organizadores, para, dessa forma,
administrar a manifestação, controlando o tráfego, mantendo a ordem
pública, prevenindo crimes e, se apropriado, até auxiliando o acesso e a saída
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dos protestantes do evento. Tal planejamento pode minimizar o impacto das
manifestações sobre terceiros.
Recomenda-se focar na facilitação até nos eventos mais
desafiadores, buscando facilitar o contato com os organizadores e garantindo
flexibilidade nas reuniões de acordos. As manifestações não autorizadas também
podem ser facilitadas, sendo estas, porém, decisões de comando, as quais podem
ter sido influenciadas pelo nível de comunicação e cooperação estabelecidos entre
a polícia e os grupos manifestantes. Essa facilitação, perante grupos de
manifestantes mais difíceis, geralmente envolve um grande número de policiais,
para que seja garantido o controle.
Dessa forma, manifestações legais e pacíficas podem ser
facilitadas pelo forte compromisso dos policiais com o diálogo, pela escolta dos
protestantes ou delimitando uma área próxima ao evento para protestos
contrários.
d) Por último, há a questão da diferenciação, que se refere ao
reconhecimento da variedade existente em um conglomerado de pessoas.
Diante disso, pessoas suspeitas devem ser abordadas individualmente, de
modo que não afete observadores, e as partes hostis e violentas devem ser
rapidamente contidas ou separadas, para restarem claras quais atitudes
serão toleradas. Portanto, bons exemplos de prisões são aqueles em que os
policiais agem rápido e discretamente sobre os suspeitos identificados, não
ameaçando os outros manifestantes ou observadores e sem perturbar o
evento.
Assim, uma atuação avançada pela polícia diminui o perigo de
envolvimento de pessoas terceiras à situação, o que se constitui pela competência
policial em se adaptar conforme a alteração das situações de risco e agir de
maneira calma durante tensões e pela sua capacidade de aproximação amigável,
cortês e comunicativa durante o policiamento de baixo risco.
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Como se vê, parâmetros mínimos como os indicados acima não
pretendem suprimir o policiamento em manifestações – ao contrário, pretendem
aperfeiçoar a garantia da ordem pública e da integridade física de manifestantes e
de policiais, legitimando o uso da força física num contexto democrático.
O doutrinador português Antônio Francisco de Sousa, na obra “A
Polícia no Estado de Direito” (São Paulo, Saraiva, 2009, pgs. 321 e seguintes), em
item que trata de “Reação estratégica em caso de concentrações de pessoas total
ou parcialmente amotinadas”, esclarece que
“Como regra geral, a polícia não deve fazer face a conflitos
violentos, nem mesmo contra as pessoas que revelem
agressividade contra os agentes, recorrendo ao uso de arma de
fogo e outras formas demonstrativas de agressividade.
Por razões de estratégia, o uso da arma de fogo deverá ser,
quanto possível, evitado, recorrendo-se preferencialmente ao
emprego de outros meios auxiliares de coação física menos
ablativos e que envolvam menor risco, mesmo que, em certos
casos já estivesse justificado o emprego de arma de fogo. Na
verdade, em certas situações o uso da arma de fogo pode revelar-
se especialmente perigoso pelo incitamento à violência que pode
causar (poderá ser entendido como ‘provocação’,
desencadeando a escalada da violência, qual ‘faísca no bidão de
pólvora’) ou pelas consequências graves que poderão resultar de
uma multidão em fuga desordenada, motivada pelo pânico geral.
Assim, especialmente no caso de manifestantes radicais e
‘altamente sensíveis’, a acção policial deve procurar evitar
despertar neles um estímulo agressivo.
O simples avançar da ‘polícia de choque’ no sentido da multidão
constitui nestes casos uma demonstração de força (forte aparato
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policial bem equipado e pronto a intervir) e tanto pode ter um
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efeito preventivo, como um efeito ‘provocatório’. A previsão do
efeito nunca será segura, mas terão de ser adoptadas as cautelas
necessárias. A decisão mais adequada só poderá ser tomada in
loco, pois exige a apreciação adequada das circunstâncias do
caso concreto (que se vivem no momento). A prudência, a
experiência e o bom conhecimento da realidade e do tipo de
pessoas envolvidas por parte de quem dirige as operações aqui
são fundamentais. Estamos num domínio em que terá de ser
reconhecido, necessariamente, não um poder discricionário, no
sentido de ter livre decisão, mas um poder de apreciação
funcional (apreciação com respeito escrupuloso pelas regras do
bom desempenho da função – funcionário diligente) para a
definição da estratégia, o qual obriga a autoridade a reagir
adequada e proporcionalmente, com ‘conta, peso e medida’, às
circunstâncias do caso concreto, acompanhando a evolução dos
acontecimentos e adaptando constantemente as suas previsões
do perigo e essa evolução”.
Esta não é nenhuma novidade no policiamento de manifestações
em São Paulo e o que se busca é um sinal claro das autoridades de que este é o
modo de ação padrão que deverá ser adotado em manifestações públicas.
Como constou na decisão liminar, o que se vê em diversas
ocasiões é o despreparo das tropas, seja com o uso excessivo e desproporcional da
força, seja com a completa omissão na repressão aos focos de violência.
Caso emblemático disto é a manifestação do MPL, citada pelo réu
como se fosse este um exemplo de “traição” a um voto de confiança dado pela PM a
manifestantes.
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termos.
Excelênciaa, é inadmissível que a questão seja tratada nestes
A referida manifestação foi acompanhada de perto pela “Comissão
da Copa” formada pela Defensoria Pública do Estado para acompanhamento de
manifestações públicas por ocasião do Mundial de Futebol no Brasil.
O que se pôde constatar foi o despreparo da polícia para coibir os
atos isolados, dispersando novamente uma manifestação com gases e balas de
borracha, quando deveria na verdade ter intervindo contra os causadores de danos
ao patrimônio particular.
Como relatado pela imprensa, “A manifestação começou pacífica,
por volta das 15h, na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista. Os manifestantes
seguiram em passeata pela Avenida Rebouças, onde algumas dezenas de
mascarados destruíram as fachadas de ao menos quatro agências bancárias. Outro
grupo de manifestantes, alguns também com o rosto coberto, conseguiu impedir
depredações em diversas ocasiões, fazendo um cordão humano para proteger
estabelecimentos no caminho. Durante o percurso, manifestantes picharam
paredes e muros com os dizeres “PM ama FIFA”, entre outros bordões.”2
Nestes primeiros atos de depredação, notou-se a completa
ausência da polícia.
Após, “Cerca de uma hora depois, o MPL deixou a marginal em
direção ao Largo da Batata, onde terminaria o ato. Nesse momento, entretanto,
mascarados retomaram as depredações, incluindo uma concessionária de carros.
Vários veículos de luxo foram destruídos, além de objetos dos escritórios. Pouco
depois, a Tropa de Choque chegou ao local e usou bombas de gás para dispersar o
protesto. Pequenos grupos adeptos da tática black bloc continuaram no bairro de
Pinheiros, usando lixo e objetos para obstruir algumas ruas. Em vários momentos
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2 http://www.dw.de/protesto-contra-a-copa-e-por-transporte-gratuito-acaba-em- depreda%C3%A7%C3%A3o-em-s%C3%A3o-paulo/a-17723279
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do protesto, bandeiras do Brasil e adereços da Copa, presos a carros ou edifícios,
foram destruídos. Por volta das 20h, a situação já estava normalizada.”
Naquela ocasião, enquanto uma meia dúzia de pessoas se
aproveitava da multidão para quebrar concessionárias de veículos, a manifestação
pública seguia para o Largo da Batata e, ao chegar neste local, foi completamente
dispersada, frustrando-se a reunião sem qualquer diálogo com os manifestantes
pacíficos e sem qualquer medida efetiva que preservasse, ao mesmo tempo, o
direito de reunião destes e direitos que estavam sendo violados por
aproveitadores da multidão.
Este é apenas um outro exemplo que está a exigir a elaboração de
plano pelo Governo Estadual e as outras medidas pleiteadas na petição inicial.
Ao contrário do quanto alegado pelo réu, a necessidade deste
plano não despreza a existência de "vândalos ou depredadores de patrimônio
público ou particular”, mas é justamente em razão destes que se pretende um
plano de atuação, pois se as manifestações fossem inteiramente pacíficas e sem
intervenção policial não haveria qualquer necessidade de tal plano.
A versão do agravante de que as manifestações populares têm se
esvaziado não por receio de agressões policiais, mas “por conta das consequências
que se seguem aos atos criminosos, apesar da contenção policial” é apenas
parcialmente correta – a função do Estado, em tais casos, está justamente em
garantir a segurança dos que se manifestam, agindo com proporcionalidade contra
atos de indivíduos que ultrapassem a barreira da legalidade.
No momento em que o Estado ostensivamente realiza exibições de
força e, efetivamente, utiliza da violência contra manifestantes a pretexto de coibir
atos ilícitos isolados praticados em meio à multidão, isto também influencia
decisivamente no esvaziamento noticiado pelo agravante.
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Frise-se: em momento algum se pretende obstar o uso da força
pelas forças policiais, tratando-se esta leitura, data venia, de distorção do quanto
requerido na petição inicial.
É preciso observar que os parâmetros que devem constar no
plano de atuação, conforme já reconheceu a decisão liminar, não são aleatórios,
nem arbitrários, muito menos são estranhos à atividade da segurança pública em
manifestações públicas, mas estão respaldados nos estudos mencionados na
petição inicial.
Para exemplificar, especificamente sobre o uso da munição de
elastômero, deve-se observar que o próprio governo estadual já proibiu
momentaneamente o seu uso, o que absolutamente não significou nenhum “caos
social”, mas sim o respeito às garantias das pessoas que se manifestavam
pacificamente.
O retrocesso consistente na nova autorização do uso de tal arma
de fogo contra manifestações não contemplou aquilo que seria de se esperar
acerca desta utilização: que a mesma fosse utilizada apenas nas situações
excepcionais, contra pessoas armadas, nunca contra multidões em manifestação
pacífica.
A ausência de sinais e normas claras no sentido de que os
princípios da necessidade e da proporcionalidade do uso da força serão
observados em manifestações leva às ruas grande insegurança tanto a
manifestantes, quanto a policiais, degradando a pujança da democracia brasileira
em benefício de violência desnecessária de lado a lado.
Neste sentido, retome-se a doutrina de Antônio Francisco de
Sousa:
“Pressuposto mínimo do uso de armas de fogo contra pessoas em
concreto é, geralmente, a prática de actos de violência grave que
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ponh
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aquela conduta que, empregando força, atenta contra os bens
pessoais e patrimoniais de valor significativo de outrem. Para o
conceito de conduta violenta é relevante o fim da conduta. Assim,
se a conduta apenas se orienta no sentido de alertar a opinião
pública ou os governantes para um certo problema social, não
estando a ela associado qualquer outro “efeito perigoso”, não
deverá ser considerada conduta violenta (em termos jurídico-
policiais), embora possa ser reprovável (o que desencadeia o
dever de intervir, mas não com arma de fogo). (...) De Igual modo,
o acto de danificar coisas, como por exemplo o pintar ou salpicar
paredes ou placards ou o “pintar” automóveis com spray, não
constitui geralmente uma conduta violenta, em sentido jurídico-
policial, para efeitos de emprego de arma de fogo, embora seja
uma conduta reprovável, que geralmente desencadeia dano,
originando, assim, o dever de indemnizar e o dever de intervenção
policial
(...)
Para que uma concentração de pessoas (por exemplo uma
manifestação) possa ser considerada como não pacífica, as
condutas violentas devem ser adoptadas de forma colectiva. No
entanto, já é suficiente que uma parte minoritária da multidão
pratique actos de violência e que esses actos sejam aprovados ou
apoiados pela restante multidão. Em qualquer caso, as pessoas
não se transformam em envolvidas (na violência) apenas pelo
factop de terem sido exortadas a abandonar o local onde se
encontra a multidão amotinada e o não terem feito.
(...)
Já foi referido que o uso de arma de fogo contra pessoas é o último
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e o mais extremo meio de coacção directa. Pelo grande risco que
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implica para a integridade da vida humana, o uso de armas de fogo
contra pessoas deve estar rigorosamente regulado na lei. Isto
significa que as normas que regulam esta matéria devem ser
quanto possível exaustivas e claras [grifamos]. À grande
relevância dos bens que poderão ser afectados alia-se o facto de,
geralmente, as intervenções policiais com arma de fogo se
caracterizarem pela extrema urgência. Por isso, as normas que
regulam o uso de armas de fogo contra pessoas terão de ser bem
conhecidas dos agentes policiais, o que naturalmente pressupõe
grande pormenor para se evitarem lacunas da lei e clareza da
regulação. Só assim estas normas desempenharão a função que
delas se espera: a de orientação e limitação da actuação dos
agentes policiais, por um lado, e de garantia dos cidadãos, por
outro lado. Em casos de extrema urgência não há tempo para
longas ponderações e reflexões dos agentes policiais. Por isso, os
regimes de legítima defesa e do estado de necessidade policial
devem desde logo ser bem conhecidos dos agentes claramente
distinguidos. O uso de arma de fogo pela polícia está estritamente
vinculado aos princípios da juridicidade e da proporcionalidade.
No caso concreto, a última palavra sobre legitimidade do uso
de arma de fogo pela polícia pertence ao tribunal [grifamos].
Se o uso de armas de fogo contra pessoas já é
excepcionalíssimo, é ainda mais excepcional em certos casos:
quando as pessoas se encontram em multidão [grifamos];
quando conduzem um automóvel numa rua movimentada;
quando se trate de crianças; quando se trate de pessoas em
situação de ‘abandono’ (pessoas que, dadas as circunstâncias do
caso concreto, não se podem valer a si próprias, por estarem, por
exemplo, fortemente embriagadas ou drogadas).ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
Por outro lado, no Estado de direito, só poderão ser usadas armas
de fogo contra pessoas para as incapacitar de agressões ou de
fuga. Em geral, incapacitado de agressão ou de fuga está aquele
que não pode movimentar os seus membros com a destreza
necessária.
(...)
O uso de armas de fogo contra pessoas assenta em duas ideias
fundamentais: por um lado, proporciona uma igualdade de armas
relativamente àqueles que, armados, praticam violência; por
outro, é uma forma indispensável para eficazmente suster uma
pessoa que representa um grande perigo para a vida humana.
Assim, por exemplo, a polícia pode desde logo usar arma de
fogo quando uma pessoa esteja armada (particularmente no
caso de arma de fogo) e haja o perigo de ela se opor a uma
ordem da autoridade usando a arma que tem em seu poder
( maxime quando apontada à autoridade ou a uma vítima)
[grifamos]. (...) A perigosidade da pessoa armada verifica-se
também quando essa pessoa, ainda que tenha autorização para
trazer a arma, não acata a ordem policial de entregar ou deitar
fora. Porém, esta perigosidade não justifica ainda o uso de arma
de fogo pela polícia contra estas pessoas ‘perigosas’. Só quando o
detentor da arma a aponta em direção ao agente policial ou
em direção a outra pessoa (vítima, por exemplo um refém) se
passam a verificar os pressupostos do uso de arma de fogo
contra o agressor, precisamente com o fim (preventivo) de
inviabilizar essa agressão [grifamos].
(...) Mesmo quando a arma de fogo é usada no âmbito da
actividade de perseguição ao crime e aos criminosos, o seu fim
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último deverá ser preventivo e nunca repressivo, embora esta
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distinção, como já por diversas vezes temos salientado, não seja
fácil de fazer em muitas situações concretas. No Estado de direito,
o uso da arma de fogo contra pessoas nunca poderá ser
concebido como punição.”
Neste sentido, a necessidade de um plano de atuação aparece em
razão mesmo da não observância, na prática, destes parâmetros mínimos aceitos
pela doutrina e pela prática internacional, o que absolutamente não implica
pleitear a ausência de policiamento, muito menos em deixar que aproveitadores
cometam atos ilícitos valendo-se da multidão – esta interpretação da petição inicial
é completamente enviesada e deve ser afastada de plano.
Por fim, deve-se observar que, como observado pelo próprio réu, a
Polícia Militar, conforme diretrizes da Secretaria da Segurança Pública, desenvolve
procedimentos padrão, os quais, no caso, estão basicamente previstos no Código
de Controle de Distúrbios Civis e no Manual Básico de Policiamento Ostensivo da
Polícia Militar (M-14-PM).
O Código para “controle de distúrbios civis”, elaborado em plena
ditadura militar, já determina, quanto à ordem de dispersão, que “sempre que
possível o Cmt da tropa de CDC deve, através de amplificadores de som, alto-
falantes das viaturas ou utilizando megafones, incitar os manifestantes a
abandonarem pacificamente o local. Essa proclamação deve ser feita de modo
claro em termos positivos e incisivos. Os manifestantes não devem ser
repreendidos, desafiados ou ameaçados, mas devem sentir firmeza da decisão de
agir da tropa, caso não seja atendida a ordem de dispersão.”3
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3 Item 3.2.3 do Código de Distúrbios Civis da Polícia Militar do estado de São Paulo.
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O que se observa, na prática, porém, é completamente diverso do
disposto no próprio Código que regula internamente os procedimentos de atuação
da polícia em manifestações.
Excelência, a apresentação de um plano de atuação pelo Poder
Executivo é uma maneira clara de apresentar para as tropas e para seus comandos,
encarregados do policiamento em manifestações públicas, que as diretrizes já
existentes, a partir de agora, deverão ser cumpridas – e não há qualquer excesso ou
delírio quando se busca que em tal plano constem não apenas as regras do Código
de Controle de Distúrbios Civis, mas também regras atualizadas e
internacionalmente discutidas sobre o policiamento de manifestações.
No referido código, todo o policiamento em manifestações
públicas é pautado pela proporcionalidade e pela gradatividade do uso da força:
3.0 - PRIORIDADE NO EMPREGO DOS MEIOS
3.1 - Como o objetivo principal de uma operação de CDC é a
dispersão da turba, o Cmt da fração de Tropa de choque
empregada deve se utilizar de tática adequada ao local, número de
participantes e grau de agressividade da turba. É auxilio valioso as
informações processadas pelos órgãos competentes, municiando o
Cmdo da Operação de itens importantes para a decisão.
3.2 - É claro que a tática a ser adotada dependerá de fatores do
momento, contudo, visando o objetivo final, o emprego dos meios
disponíveis podem ser relacionados em uma ordem de prioridade,
evitando ao máximo o uso de meios violentos. Essa ordem de
prioridade pode ser assim determinada:
...
3.2.2.1. Caso se tenha conhecimento de armas de fogo e
predisposição ferrenha em agir contra a ação policial recomenda-
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se suspensão de demonstração de força, substituindo-a por um
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ataque com armamento químico ou utilização de viaturas
blindadas.
...
3.2.9 - Atiradores de Escol: dotados de armas de precisão
executam a segurança da tropa de CDC durante uma operação,
desde que possuam um bom campo de tiro, sem atirar contra a
massa, neutralizando prováveis franco-atiradores. Dai a
importância dos órgãos de informação para a segurança da
tropa.
3.2.10 - Emprego de Arma de Fogo: medida extremada a ser
tomada pelo Cmt da tropa e só utilizada em último recurso
quando defrontar com ataques armados .
Assim, não é nenhuma novidade normativa para a polícia militar
ou para os “profissionais habituados ao trato do assunto” que não se deve atirar
contra a massa e que o emprego da arma de fogo deve ser dá como “último
recurso quando defrontar com ataques armados”.
O Procedimento Operacional Padrão (POP) 5.12 da Polícia
Militar4, documento tido como secreto e não divulgado pela Polícia Militar ou pela
Secretaria de Segurança Pública, prevê como agir em caso de tais ataques armados:
“2. Identificar os agressores à tropa, em meio aos manifestantes. 3.
Posicionar-se em local privilegiado (atrás do escudeiro) e
preparar-se para o disparo na direção do infrator citado no item
anterior. 4. Manter contato direto com seu comandante,
aguardando orientações para efetuar o disparo, que deverá ser
preciso e direcionado para os membros inferiores do agressor
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4 Texto disponível em http://ponte.org/wp-cntent/uploads/2014/10/POP_Bala_de_borracha_Ponte_ Jornalismo.pdf
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ativo. 5. Respeitar o limite de distância que o fabricante do
cartucho indica para o disparo (20 metros no mínimo), atentando
para existência de obstáculos ou pessoas que possam ser
atingidas. 6. Cessar os disparos quando o agressor ativo for
contido. 7. Isolar a área e retirar o indivíduo do meio da multidão
(se possível), socorrendo ou providenciando o socorro aos feridos,
após o disparo ou a dispersão da massa... ”
No tópico “ações corretivas”, o POP é claro ao indicar que “se não
for possível identificar os agressores à tropa, não realizar disparo com munição de
elastômero”.
Em qualquer caso, o Código de Controle de Distúrbios Civis deve
ser observado: são atiradores de Escol que executam a segurança da tropa de CDC
durante uma operação, só podendo agir se possuirem um bom campo de tiro, sem
atirar contra a massa, neutralizando prováveis franco-atiradores – em outras
palavras, a arma de fogo (e entre estas está a arma com munição de
elastômero) não é usada para dispersar a multidão, mas para neutralizar
franco-atiradores.
E o POP 5.12 é expresso ao colocar como hipótese de uso errôneo
da munição de elastômero a sua utilização para “dispersar a manifestação ou
movimentação da massa”.
Também são hipóteses de uso errôneo da arma de fogo com
munição de elastômero: “4. Fazer visada na região da cabeça, pescoço, órgãos
genitais, mamas femininas, mulheres grávidas, crianças, idosos ou pessoas
visualmente incapacitadas; 5. Fazer uso do armamento em espaço que contenha
obstáculo entre o policial e o agressor ativo ou com o objeto que possa permitir o
desvio do disparo”.
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De fato, todas estas normas estão defasadas em relação ao que
está sendo internacionalmente consolidado sobre o assunto e, o que é mais grave,
trata-se de normas secretas, não divulgadas por razões de segurança, o que não é
aceitável, já que deve haver um mínimo de publicidade para que a sociedade em
geral e o Poder Judiciário5 em particular possam realizar o controle acerca da
observância de tais normas.
Excelência, se tais procedimentos não estão sendo observados e se
há inércia estatal no treinamento adequado e na edição e efetivação de normas que
orientem a ação policial em manifestações, é irrecusável a intervenção do Poder
Judiciário para determinar que o executivo cumpra com a sua função,
garantindo a segurança pública da população e dos próprios policiais em
contextos de manifestações públicas.
Finalmente, plenamente cabíveis os danos morais coletivos,
tratando-se de instituto largamente acatado pela doutrina e jurisprudência pátrias:
a) No REsp. 866.636/SP, DJ 06/12/2007, a 3ª Turma do STJ
posicionou-se pela compensação pelos danos morais coletivamente sofridos no
caso das “pílulas de farinha”. O julgado foi assim ementado: “Civil e processo civil.
Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São
Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o
'caso das pílulas de farinha'. Cartelas de comprimidos sem princípio ativo,
utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não
impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo
5 É notável que, no caso mencionado pela agravante, relativo a jornalista atingido por bala de borracha no olho em manifestação, no qual o TJ-SP reconheceu a autocolocação em risco do próprio jornalista, não se analisou nenhum aspecto sobre as regras mínimas sobre uso de arma de fogo pela polícia militar do Estado, como se o uso de tais armas de fogo estivessem ao bel prazer do policial e fora do âmbito de controle de quaisquer órgãos estatais. A não observância das regras existentes sobre o assunto acarreta a responsabilização dos envolvidos em todas as searas, inclusive na seara cível. O caso mencionado pela agravante ainda está sub judice nas instâncias superiores e o que se espera é o reconhecimento da
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responsabilidade civil do Estado em razão da não observância de suas próprias normas a respeito do uso de armas de fogo.
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futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão
vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de
informação e à compensação pelos danos morais sofridos. [...] A mulher que toma
tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha
quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da
mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação
posterior. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp. 866.636/SP, DJ
06/12/2007, a 3ª Turma).
b) Carlos Alberto Bittar Filho (Do dano moral coletivo no atual
contexto jurídico brasileiro. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/
default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf.), assevera que “(...) O dano moral
coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a
violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se
fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio
valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado,
foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico:
quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto
imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há
que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples
fato da violação (damnum in re ipsa)”.
Portanto, não há que se falar em ausência de dano moral coletivo,
já que o direito de reunião, por essência, se expressa de maneira coletiva e a ofensa
ao mesmo deve ser resolvido, na esfera da responsabilidade civil, também de
maneira coletiva.
No mais, reitera-se os termos da petição inicial, requerendo a
procedência de todos os pedidos ali deduzidos.
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6. DA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Cumpre também afastar o argumento referente à impossibilidade
de condenação em honorários, em razão de a Defensoria ser órgão da mesma
pessoa jurídica da Ré, o que implicaria em suposta confusão.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo não é órgão do
Estado, como quer fazer crer a Ré e como o é a Procuradoria do Estado de São
Paulo, que se vincula e serve essencialmente o Poder Executivo do Estado.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo é uma INSTITUIÇÃO,
essencial à função jurisdicional do Estado e dotada de autonomia financeira,
funcional e administrativa, sem QUALQUER vinculação ou subordinação ao Poder
Executivo do Estado, como determina a Constituição da República Federativa do
Brasil em seu artigo 134.
A Lei Orgânica que criou a Defensoria Pública do Estado de São
Paulo (Lei Complementar 988/06) estabelece, em seu art. 8º, as receitas da
Defensoria Pública do Estado prevendo entre elas, no inciso III, “os honorários
advocatícios fixados nas ações em que houver atuado”.
E, no art. 237 do mesmo diploma legal, estabelece que: “A receita
do Fundo de Despesas da Escola da Defensoria Pública do Estado será constituída
por porcentagem dos honorários de sucumbência pagos a favor da Defensoria
Pública do Estado(...)”.
Assim, os valores pagos a título de honorários advocatícios têm
destinação certa, não integrando os cofres da Fazenda Estadual.
São valores que por lei se vinculam a realização de determinado
objetivo.
Ademais, a Defensoria Pública tem capacidade postulatória e,
portanto, pode, perfeitamente, ajuizar ação de execução para cobrança de ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
honorários advocatícios que lhe sejam devidos.
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Seria no mínimo imoral reconhecer a isenção de honorários
advocatícios em face da população atendida pela Defensoria.
Não se pode olvidar que a condenação nos honorários de
sucumbência tem também caráter sancionatório. De tal forma, a Ré quer fazer crer
que o Estado não deve sofrer tal sanção exatamente pelos abusos e omissões
cometidas contra a população mais pobre? Isso represente um verdadeiro
incentivo às ações temerárias da parte do Estado contra os hipossuficientes, uma
vez ciente de que não será condenado em honorários.
Por tal razão, imperiosa é a condenação em honorários, em caso
de sentença procedente - o que se espera -, de acordo com a complexidade da
demanda, que poderá gerar até mesmo atuação junto aos Tribunais Superiores.
7. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, requer que Vossa Excelência determine a
instrução processual e, ao final, se digne a julgar a demanda TOTALMENTE
PROCEDENTE, ante as relevantes razões de fato e de direito retro consignadas,
condenando a ré nos ônus da sucumbência.
Nestes Termos,
Pede deferimento.
São Paulo, 28 de novembro de 2014.
Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXXXX
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