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  • Mdulo 4Os modelos cosmolgicos

    Ensino a DistnciacosmologiaDa origem ao fim do universo

    2015

  • Imagem que ilustra a hiptese de um "atalho" atravs do espao e do tempo, de acordo com a teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Essa hiptese conhecida por Buraco de Minhoca no espao, pois tornaria mais curto o caminho entre dois pontos distantes. O termo Buraco de Minhoca foi criado pelo fsico John Archibald Wheeler em 1957, apesar desta ideia ter sido proposta em 1921 pelo matemtico Hermann Weyl.

    Crdito: Wormhole Anomalous criado por 3RDAXIS Design

    Esta publicao uma homenagem a Antares Cleber Crij (1948 - 2009) que dedicou boa parte da sua carreira cientfica divulgao e popularizao da cincia astronmica.

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  • Mdulo 4

    Ensino a DistnciacosmologiaDa origem ao fim do universo

    2015Os modelos cosmolgicos

  • 224 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    AS CONSEQUNCIAS DE UM UNIVERSO EM EXPANSO

    Entender o que significava a expresso universo em expanso foi a am-bio dos cientistas do sculo XX. Esta uma questo to sutil que ainda hoje aflige tambm muitas pessoas interessadas em cosmologia e sua explicao, muitas vezes, serve para afast-las de uma das partes mais elegantes da ci-ncia moderna. Vamos tentar simplificar o assunto baseando-nos no que j foi apresentado at agora, em particular o conceito de deslocamento para o vermelho das galxias.

    A frase universo em expanso , por si mesma, muito estranha. J dis-semos que a palavra universo engloba tudo: toda a energia, toda a matria, enfim tudo, absolutamente tudo que existe. Ao mesmo tempo, qualquer um de ns sabe bem o que significa expandir: crescer, aumentar, ocupar mais espao.

    Existe ento algo confuso na expresso universo em expanso. Se o uni-verso se expande, isso quer dizer que ele cresce, aumenta, ocupa mais espao. Mas como isso possvel? Se o universo representa tudo, como ele pode cres-cer? Como ele pode ocupar mais espao?

    Existem duas maneiras de explicar o significado de universo em expan-so. A primeira delas astrofsica e ser a nica abordada no momento.

    J vimos que a luz proveniente das galxias distantes est sofrendo um deslocamento para o vermelho ou redshift. Muitas tentativas foram fei-tas para mostrar que esse deslocamento era apenas algum efeito especial tal como o efeito de Sitter comentado anteriormente. Todas falharam. A nica explicao vivel que esse deslocamento das linhas espectrais para o ver-melho est revelando que todas as galxias esto se afastando de ns. Alm disso, a relao distncia-velocidade descoberta por Hubble e Humason nos diz que quanto mais afastadas esto duas galxias mais rpido elas continuam a se afastar.

    Esse afastamento no est ocorrendo por existir alguma coisa especial com a nossa Galxia. O que a astrofsica mostrou que, ao mesmo tempo em que todas as galxias esto se afastando de ns, elas tambm esto se afastando umas em relao s outras. Todas as galxias se afastam de todas as outras ao mesmo tempo. Na verdade no existe qualquer regio especial, em algum lugar entre as galxias onde essa expanso comeou. Os cosmlogos dizem que no so as galxias que esto se afastando como resultado de algum pro-cesso dinmico existente no universo, algum processo de interao que ocorre simultaneamente sobre todas elas. Para eles o que est se expandindo o es-pao-tempo que existe entre as galxias.

    importante que fique bem claro que as galxias no esto se expandindo dentro do Universo. No se trata de ocupar um espao que j existe. O Uni-verso no um grande balo onde, no seu interior, as galxias se afastam umas das outras. Quando falamos de Universo em expanso dizemos que o prprio Universo, o espao-tempo, o substrato dentro do qual esto as gal-xias e todas suas estruturas menores tais como as estrelas, o gs interestelar, os planetas e at mesmo ns, seres humanos, que esto se expandindo.

    Imediatamente os cosmlogos verificaram que o conceito de universo em expanso possua outras importantes consequncias. Se ele est se expandin-do agora isso significa que, em um futuro longnquo, as galxias podero estar incrivelmente afastadas uma das outras. Nosso universo ter um fim? Mais ainda, se o universo est se expandindo continuamente isso quer dizer que, olhando para trs no tempo, j houve uma poca em que as galxias estavam muito mais prximas umas das outras. Ao longo de todas as fases de maior aproximao entre as galxias o universo era muito mais denso do que vemos

    29 As consequncias de um universo em expanso

    Ilustrao sobre a expanso do Universo (singularidade).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 225

    hoje. Poderamos at mesmo pensar que, em algum momento toda a matria do universo estava agrupada em uma estrutura superdensa. Teria havido um incio para o universo? Teria havido um incio para o tempo?

    LEMATRE E SEU TOMO PRIMORDIAL

    J vimos que em 1922 o matemtico russo Alexander Alexandrovich Friedmann abriu caminho para a noo de que o Universo teria tido um incio ao propor uma soluo cosmolgica das equaes da teoria relativsti-ca da gravitao (ou teoria da relatividade geral) na qual o raio do Universo variava com o tempo, ou seja, havia a possibilidade do Universo sofrer uma expanso ou contrao. O termo contrao aponta para um modelo de Universo com um incio. O trabalho de Friedmann, entretanto, teve pouco impacto e suas ideias seriam novamente apresentadas por outros autores al-guns anos mais tarde.

    Em 1927 o padre catlico belga Georges Lematre publicou na revista cientfica Annales de la Socit Scientifique de Bruxelles um artigo com o ttulo Un Univers homogne de masse constante et de rayon croissant rendant compte de la vitesse radiale des nbuleuses extragalactiques (Um Universo homogneo de massa constante e raio crescente explicando a velo-cidade radial das nebulosas extragalcticas), no qual apresentava novamente a ideia j proposta anteriormente por Friedmann de que o raio do Universo variava com o tempo. Ambos os trabalhos foram muito pouco divulgados e, embora Einstein tivesse conhecimento de ambos, manteve-se fiel ideia de que o Universo era esttico ou melhor, tinha um raio constante no tempo.

    Em 1930 o astrofsico ingls Arthur Eddington publicou na revista cien-tfica inglesa Monthly Notices of the Royal Astronomical Society um longo comentrio sobre o artigo escrito por Lematre em 1927. Em 1931 o artigo ori-ginal de Lematre foi publicado, de forma resumida, na Inglaterra juntamente com a resposta de Lematre aos comentrios feitos por Eddington.

    Lematre foi ento convidado a participar, em Londres, de um encontro que debateria a possvel relao existente entre o Universo fsico e a espiri-tualidade (Lematre era padre). Foi nesse encontro que Lematre, ao apre-sentar a ideia de que o Universo se expandia, props que ele teria comeado a partir de um tomo primordial, que teria dado origem a tudo que existe hoje no Universo.

    30 Lematre e seu tomo Primordial

    George Lamatre (1894 - 1966).

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    Logo em seguida a esse encontro, Lematre publicou na conceituada revista cientfica inglesa Nature um artigo (Lematre, G. The beginning of the world from the point of view of quantum theory., Nature (9 maio 1931) vol. 127, pg. 706) no qual desenvolvia sua teoria do tomo primordial. Nesse artigo Lematre propunha que um evento de criao do Universo deveria ter ocorri-do em um determinado momento. Segundo Lematre, o Universo primordial seria muitssimo denso, algo semelhante a um grande ncleo atmico radioa-tivo. Esse ncleo csmico, ou tomo primordial, teria explodido e lanado os fragmentos que mais tarde se tornaram as galxias. Em suas prprias palavras o Ovo Csmico explodindo no momento da criao.

    Por esse motivo, a origem csmica, que havia sido chamada inicialmente por Lematre de tomo primordial logo passou a ser conhecida por vrios outros nomes, entre eles ovo csmico e big squeeze (squeeze significa aperto, esmagamento, compresso).

    Vemos ento que foi o padre catlico belga George Lematre o primeiro cientista a propor o que mais tarde viria a ser chamado de Teoria do Big Bang da origem do Universo, embora sem usar esse ttulo para a sua teoria.

    GEORGE GAMOW

    George Gamow nasceu no dia 4 de maro de 1904 na cidade de Odessa, na poca pertencente ao Imprio Russo e hoje parte da Ucrnia. Seu nome original era Georgiy Antonovich Gamov.

    Gamow iniciou sua formao cientfica na Universidade de Leningrado sob a superviso do famoso cosmlogo Alexander Friedmann. Ele tambm es-tudou na Universidade de Gttingen, Alemanha, na poca um dos principais centros cientficos do mundo. Mais tarde Gamow trabalhou no Instituto de F-sica Terica da Universidade de Copenhagen, Dinamarca, e por um pequeno tempo com o fsico neozelands Ernest Rutherford no Cavendish Laboratory, em Cambridge, Inglaterra.

    At 1933 Gamow trabalhou na Rssia, quando ento fugiu para o ocidente pe-dindo asilo poltico nos Estados Unidos em 1934, naturalizando-se norte-america-no em 1940, passando a usar o nome pelo qual mais conhecido, George Gamow.

    Durante sua permanncia nos Estados Unidos, na George Washington University, Gamow produziu importantes artigos cientficos em parceria com renomados fsicos da poca tais como Edward Teller, o pai das bombas de fisso e fuso dos Estados Unidos, o brasileiro Mario Schnberg e o norte-a-mericano Ralph Alpher.

    Gamow realizou importantes descobertas e trabalhos fundamentais que se espalham por vrios campos da fsica e astrofsica. Deve-se a ele a descoberta do decaimento alfa via tunelamento quntico, alm de trabalhos fundamen-tais sobre o decaimento radioativo dos ncleos atmicos, formao estelar, nucleossntese estelar, nucleossntese no Big Bang e cosmologia.

    A COSMOLOGIA DE GEORGE GAMOW

    Um dos mais importantes trabalhos apresentados por George Gamow foi desenvolvido em colaborao com seu estudante Ralph Alpher. Esse trabalho, The Origin of Chemical Elements foi publicado na revista cientfica Physical Review (Phys. Rev., april 1, 1948) e considerado fundamental no estudo de como podemos explicar os atuais nveis dos elementos qumicos hidrognio e hlio no Universo.

    Poucos fsicos tinham interesse nas observaes astronmicas durante os anos das dcadas de 1930 e 1940. A expanso observada do Universo levava

    George Gamow (1904 - 1968).

    George Gamow morreu no dia 19 de agosto de 1968 em Boulder, Colorado, Estados Unidos

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 227

    alguns cientistas, tal como Lematre, a acreditar que o universo poderia ter tido um comeo de existncia a partir de uma sopa densa e quente de par-tculas onde estavam misturados prtons, nutrons e eltrons. Mas isso era considerado esotrico demais por muitos cientistas da poca.

    Havia, entretanto, um outro problema. As estrelas so constitudas es-sencialmente de hidrognio (~75%) e de hlio (~25%). Como o material que forma as estrelas (e, obviamente, as galxias) poderia ter sido criado a partir de reaes nucleares que ocorreram nessa sopa primordial de partculas? Era necessrio ou encontrar o processo fsico que deu origem a esses elemen-tos ou descartar a teoria de uma sopa primordial de partculas na origem do Universo.

    Na dcada de 1940, Gamow se interessou pelo problema. Entender a exis-tncia do hidrognio a partir da sopa primordial de partculas era fcil: os eltrons e prtons teriam se combinado formando os tomos de hidrognio. Mas, como o hlio, que existe em grande quantidade no Universo, teria sido formado?

    Gamow, na poca trabalhando na George Washington University, nos Es-tados Unidos, deu a seu aluno Ralph Alpher a tarefa de elaborar os detalhes de como o hlio poderia ter sido formado a partir de prtons e nutrons existen-tes nessa sopa primordial densa e quente.

    Gamow e Alpher chegaram concluso de que era, de fato, possvel pro-duzir uma mistura de 75% de hidrognio e 25% de hlio a partir da sopa primordial. No entanto, eles perceberam que medida que o Universo ex-pandia e ficava rarefeito, sua energia diminua o que fazia com que as rea-es nucleares fossem se tornando cada vez mais raras. Rapidamente a taxa de reaes nucleares chegaria a zero, implicando que elementos qumicos, com estruturas mais complicadas, no pudessem ser fabricados a partir dessa sopa inicial.

    Gamow no se preocupou com essa aparente falha na capacidade de pro-duzir todos os elementos qumicos conhecidos durante o processo de criao do Universo, justificando que estava bastante satisfeito em saber que mais de 99% da matria visvel do Universo, que percebemos na forma de estrelas e galxias, foi criada nos momentos iniciais do Universo.

    Os detalhes do trabalho de Gamow e Alpher foram publicados em um ar-tigo na revista cientfica norte-americana Physical Review. Mantendo sua ca-racterstica brincalhona, Gamow acrescentou como autor do trabalho o fsico Hans Bethe, revelia desse ltimo. Esse artigo fundamental sobre a formao dos elementos leves no incio do Universo ficou sendo conhecido como o arti-go alpha, beta, gama devido s iniciais dos nomes de Alpher, Bethe e Gamow.

    Este artigo forneceu o suporte terico ideia de que o Universo havia sido formado a partir de uma sopa densa e quente formada por partculas, teoria essa que mais tarde seria chamada de teoria do Big Bang. Entretanto, Ga-mow s conseguia explicar a abundncia dos elementos mais leves existentes no Universo, mas que constituem cerca de 99% de toda a matria existente nele. A abundncia dos elementos qumicos mais pesados do que o hlio que encontramos no Universo somente foi explicada na dcada de 1950 pelo astro-fsico ingls Fred Hoyle.

    Gamow e seus colaboradores se referiam ao estado denso e quente do Uni-verso primordial como sendo o grande esmagamento(big squeeze). Ele tam-bm se referia substncia densa que formava o Universo primordial como ylem, significando o material original a partir do qual os elementos qumi-cos foram feitos. Esse termo no foi amplamente adotado e, como veremos mais tarde, o termo big squeeze acabou sendo substitudo por Big Bang, criado pelo astrofsico ingls Fred Hoyle.

    Ralph Asher Alpher (1921 - 2007).

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    PREVENDO A RADIAO DE FUNDO

    O processo fsico que deu origem ao Universo necessariamente ocorreu a uma temperatura extremamente alta. Os clculos realizados por Gamow e Alpher mostravam que a proporo de hlio produzido a partir da sopa csmica inicial dependia da temperatura da bola de fogo primitiva, como era ento chamada, a partir da qual o Universo se formou. No entanto, as equaes da teoria relati-vstica da gravitao mostram que a temperatura da radiao inicial diminui medida que o Universo se expande. Era preciso, portanto, calcular qual seria a temperatura que o Universo deveria ter nos seus momentos iniciais de forma a se ajustar s observaes de que as estrelas contm 25% de hlio. O grupo de pesqui-sadores de Gamow tinha, portanto, que determinar de modo bem preciso qual seria a temperatura inicial do Universo para que esse percentual fosse obtido.

    George Gamow fez, ento, a previso de que existiria em todas as partes do Universo uma radiao csmica de fundo, resultado do prprio processo vio-lento de criao do Universo. Em 1948, Gamow e Robert Herman, tambm seu aluno, publicaram um artigo no qual calculavam a temperatura desta radiao, que havia sido deixada como resduo aps a formao do Universo e que deveria perme-lo completamente. Eles calcularam que, hoje, essa radiao deveria ter uma temperatura de cerca de 5 graus na escala absoluta de temperaturas, ou esca-la Kelvin (5 graus acima do zero absoluto). Isso corresponde ao valor de -268o C.

    Gamow tambm dizia que, devido expanso do Universo, essa radiao primordial teve seu comprimento de onda modificado. Como consequncia disso, a frequncia dessa radiao primordial estaria agora na regio de mi-croondas do espectro eletromagntico. Por esse motivo ela chamada de ra-diao de fundo de microondas.

    Por estar atualmente na regio de microondas (parte da regio radio do espectro eletromagntico), a radiao de fundo poderia ser detectada pelos radiotelescpios. Mas, na poca em que Gamow props sua teoria, a radioas-tronomia ainda estava dando seus primeiros passos e Gamow no notou que, na verdade, era possvel medir esse fundo de microondas. A deteco dessa radiao primordial seria uma forte evidncia a favor da teoria do Big Bang.

    Somente em 1964 que os fsicos norte-americanos Arno Penzias e Robert Wilson mediram, acidentalmente, o valor da temperatura da radiao csmi-ca de fundo chegando ao resultado de 2,7 Kelvin.

    A descoberta da radiao de fundo de microondas, postulada pela teoria do Big Bang, mudou a viso dos fsicos em relao a essa teoria. Alis, mudou a viso que os fsicos tinham do estudo da Cosmologia.

    Vemos, portanto, que Gamow e seu grupo de pesquisa, fez a previso de que o Universo deveria estar preenchido com radiao que foi deixada como resduo de seu processo de formao e que teria esfriado at um valor que hoje sabemos ser prximo a cerca de 2,7 K como consequncia da expanso do Universo.

    Hans Bethe (1906 - 2005), Fred Hoyle (1915 - 2001), Robert Herman (1914 - 1997), Arno Applan Penzias (1933- ) e Robert Woodrow Wilson (1936 - ).

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    MAS, AFINAL, O QUE O BIG BANG?

    Essa , talvez, a primeira pergunta feita por aqueles que se interessam pelo estudo do Universo. Causa um grande efeito comear um discurso sobre cos-mologia dizendo que o Universo foi formado a partir de uma grande exploso, um Big Bang, que o Big Bang criou as galxias, que no Big Bang tivemos a origem do tempo, etc. Ocorre que o termo Big Bang usado de forma abusi-va, e na maioria das vezes errada.

    E qual a dificuldade com esse termo? Porque ele d margem a tantas in-terpretaes erradas?

    O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA

    O fsico ingls Fred Hoyle era um forte crtico da teoria que defendia um processo de criao para o Universo. Ele havia proposto uma teoria alternativa na qual o Universo permanecia esttico. Essa era a teoria do Estado Estacion-rio, uma teoria concorrente quela que dizia que o Universo tivera uma origem.

    O termo foi usado novamente por Hoyle em outras entrevistas radiof-nicas no incio dos anos da dcada de 1950, quando ele participou de uma srie de cinco palestras com o ttulo The Nature of Things (A Natureza das Coisas). O texto correspondente a cada uma dessas palestras foi publicado na revista The Listener uma semana aps o programa ter ido ao ar. Essa foi a primeira vez que o termo big bang apareceu impresso.

    Ao contrrio do que Hoyle pretendia, o nome Big Bang passou a ser as-sociado teoria criada por Georges Lematre que postulava um momento de criao para o Universo.

    UM NOME ERRADO (?)

    O termo Big Bang, ou Grande Exploso, traz ao pblico uma ideia mui-tas vezes errada sobre o que essa teoria prope. Se, por um lado, o termo Big Bang parece sintetizar o conceito de Universo em expanso, por outro lado seu uso, sem o devido cuidado, leva a erros abominveis.

    No houve uma exploso (no sentido usual da palavra) que deu origem ao Universo. Entendemos bem o conceito do que uma exploso por v-la ocorrer no espao tridimensional onde existimos. Uma exploso a liberao violenta de energia por um processo sbito. Como a formao do Universo teria ocorrido com a violenta liberao de uma quantidade anormalmente grande de energia de modo sbito, o nome grande exploso pode ser associado, de certo modo, a esse processo. No entanto, preciso que fique claro que o nome grande ex-ploso (Big Bang) no tem absolutamente nenhuma outra relao com o pro-cesso comum de exploso que conhecemos no dia-a-dia. No caso comum uma exploso um processo qumico que ocorre no interior de um espao tridimen-sional. No caso do Big Bang essa exploso extremamente especial, um pro-cesso de sbita liberao de energia que d origem ao espao e ao tempo. O Big Bang no ocorre dentro de um espao tridimensional. Ele cria o espao-tempo.

    UM COMEO PARA O UNIVERSO

    Considerando que a observao das galxias tem sido interpretada pelos as-trnomos como a indicao de que o Universo se expande, podemos pensar que essa expanso teve incio em algum momento no passado. Isso pode nos levar a pensar que o Universo comeou a se expandir a partir de um determinado volu-me inicial. Isso no correto, pois no existe nada que nos induza a pensar que

    31 Mas, afinal, o que o

    Big Bang?

    CURIOSIDADE: No dia 28 de maro de 1949, Hoyle,

    ministrando uma palestra no BBC Third Programme da rede de rdio e televiso

    inglesa BBC, e usando sua maneira sarcstica de criticar, ironizou a teoria da criao do

    Universo referindo-se a ela como esta ideia de Grande Exploso (this big bang idea).

  • 230 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    a matria existente no Universo j ocupava um determinado volume, embora permanecendo com um comportamento esttico, e que a partir de algum mo-mento esse espao-tempo que formava o volume inicial comeou a se expandir.

    Somos ento levados a pensar que, voltando no tempo, em um determina-do momento toda a matria existente no Universo (qualquer que seja o estado em que ela se encontrava) estava concentrada no em um volume inicial, mas em um nico ponto. Isso quer dizer que teramos um local onde o raio do Uni-verso seria nulo, fazendo com que o seu volume tambm fosse nulo. Ao mes-mo tempo, a densidade da matria localizada nesse ponto (densidade igual a massa dividida pelo volume) tenderia ao infinito! Esta seria uma situao completamente no usual. Dizemos ento que esse ponto onde toda a matria do Universo estaria concentrada uma singularidade do espao-tempo.

    Vemos ento que a expanso observada do Universo implica que ele se ori-ginou de uma singularidade, um ponto de densidade infinita. A singularidade no existia dentro do Universo. A singularidade era o Universo.

    O problema que a Fsica odeia singularidades! Isso se deve ao fato que as leis usuais da fsica no so vlidas em situaes onde os parmetros fsicos tendem para o infinito. Assim, no sabemos determinar as propriedades dos parmetros fsicos na singularidade que formou o Universo.

    ASSISTINDO O COMEO DO UNIVERSO

    Comumente vemos filmes onde o Big Bang representado por um ponto que explode sobre um fundo escuro. Essa representao absolutamente er-rada! Como j foi dito acima, a singularidade o Universo mais primordial e a expanso dessa singularidade que d origem ao Universo atual. Os filmes mostram a singularidade explodindo dentro de algo que j existe, no caso um fundo escuro, que podemos ser levados a interpretar como sendo o espao infinito. Isso seria correto se o Universo j existisse e uma singularidade, ao explodir, desse origem ao seu contedo material.

    No o caso. a singularidade que, ao explodir (se quiser usar esse termo) d incio ao processo de criao e a expanso contnua que observamos hoje.

    Mas, como representar o nada? Se o Universo o todo e esse todo era uma singularidade, como represent-lo? Como representar algo singular com nada sua volta?

    importante sublinhar que toda a descrio acima diz respeito chamada Teoria do Big Bang. At o momento essa tem sido a teoria aceita pela maio-ria dos astrnomos, mas ela uma teoria. As observaes astronmicas tm mostrado, at agora, que a descrio do Universo feita pela teoria do Big Bang a mais correta. Os dados observacionais se ajustam bem ao que previsto pela teoria. Existem muitas teorias, baseadas na ideia de um Big Bang, que tentam descrever esses instantes iniciais, mas nenhuma delas pode ser consi-derada como a teoria correta.

    UMA EXISTNCIA FINITA

    Outra concluso que decorre da aceitao da Teoria do Big Bang o fato de que o Universo passa a ter uma idade finita. Se considerarmos que o Big Bang o incio de tudo, o comeo do espao e do tempo, podemos concluir que o Universo teve uma data de nascimento. Ele pode, ento, ser infinito no espao, mas sempre ser finito no tempo.

    A teoria do Big Bang aceita implicitamente que o Universo teve um incio, mas em momento algum ela prova que o tempo foi criado no mesmo mo-mento da criao do espao. Esse um problema extremamente complexo que

    Simulao do possvel "Big Bang".

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 231

    tem sido rapidamente abordado por alguns fsicos, mas que ainda est alm da fronteira do nosso conhecimento. Para decidirmos se o tempo foi criado junto com o espao ou se o tempo sempre existiu, seria preciso primeiro entender muito bem o que o tempo. O tempo e continuar a ser, por muito tempo ainda, uma imensa pedra no sapato dos cosmlogos.

    Crticas Teoria do Big Bang

    Muitas vozes da cincia se levantaram contra a teoria do Big Bang, quase sempre em funo de sua proposta de comeo para o Universo. Um dos im-portantes crticos dessa teoria foi o fsico sueco Hannes Alfven, prmio Nobel de fsica em 1970, que considerava o Big Bang um mito cientfico inventado para explicar a criao religiosa. Alfven dizia que No h razo racional para duvidar que o Universo tenha existido indefinidamente, ao longo de um tempo infinito. apenas um mito as tentativas de dizer como o Universo passou a existir, ou a 4 mil ou a 20 bilhes de anos.

    IMPLICAES FILOSFICAS E TEOLGICAS DE UM COMEO PARA O UNIVERSO

    A ideia de que o Universo teve um momento de criao est na base de muitos escritos antigos, em particular na chamada Bblia Sagrada. Ao mesmo tempo, a ideia de que o Universo eterno, ou seja, sempre existiu e no passou por qualquer ato de criao tambm est presente em religies e filosofias que tm suas origens em pocas bastante remotas (algumas filosofias so recentes).

    Durante os anos entre 1920 e 1930, quando ainda no se tinha observado que o Universo se expandia, quase todos os fsicos interessados em cosmologia apoiavam a ideia de um Universo Eterno, ou seja, um Universo sem incio. At mesmo Albert Einstein aceitava esse pensamento como fundamental. No entanto, em 1922 o russo Alexandre Friedmann obteve a primeira soluo matemtica cosmolgica das equaes da teoria relativstica da gravitao que mostravam a possibilidade do Universo estar em expanso.

    A discusso se o Universo teve ou no um incio, questo extremamente polmica, s tomou bases cientficas a partir da verificao observacional de que o Universo se expandia, feita por Willem de Sitter, ratificada por Edwin Powell Hubble e finalmente pelo fsico belga Georges Lematre, ao que cha-mou de tomo primordial. Mais tarde essa ideia foi alimentada e defendida pelo fsico ucraniano (naturalizado norte-americano) George Gamow.

    MAS, PORQUE A POLMICA EM TORNO DA TEORIA DO BIG BANG?

    Embora sendo uma teoria estritamente cientfica, e, portanto, continua-mente submetida a testes observacionais que visam ou confirm-la ou mostrar que ela errada, essa teoria mexe com algo que sempre esteve ligado ao meio religioso ou filosfico: a criao do Universo.

    Muitos cientistas viram a ideia de um comeo para o Universo com grande desconfiana. Para eles aceitar um comeo do espao e do tempo significa-va trazer para a fsica conceitos religiosos que deveriam permanecer fora da cincia. Mais ainda, a ideia original de uma teoria fsica que justificava um comeo para o Universo foi apresentada por um padre da Igreja Catlica Ro-mana, Monsenhor Georges Lematre. Isso levantou suspeitas em vrios meios filosficos, notadamente grupos ateus ou marxistas, que viam com suspeita esse casamento entre um padre e a apresentao de ideias sobre a criao do

    Hannes Alfven (1908 - 1995), Herman Bondi (1919 - 2005) e Thomas Gold (1920 - 2004).

  • 232 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    Universo. Como alguns livros religiosos, em particular a Bblia, apresentava ideias sobre a criao do mundo, esses crticos viram a sugesto de Lematre com suspeita, achando que ela era, meramente, uma tentativa de dar carter cientfico a postulados religiosos.

    Quando surgiu a chamada Teoria do Estado Estacionrio, criada pelos fsicos Herman Bondi e Thomas Gold e mais tarde defendida e ampliada pelo fsico ingls Fred Hoyle, e que concorria com a Teoria do Big Bang quanto melhor descrio do Universo, crticas desse tipo (mistura da religio com a fsica) ficaram ainda mais evidentes. Os defensores da Teoria do Estado Esta-cionrio acusavam abertamente os defensores da Teoria do Big Bang de pro-porem uma teoria com o escancarado propsito de se adaptarem a preceitos religiosos.

    POR QUE O CU ESCURO NOITE?

    A imagem acima mostra o aglomerado de galxias de Virgo. O que mais nos chama a ateno nesta imagem? Veja que os pontos luminosos, que so imagens de galxias e estrelas existentes no campo fotografado, esto bastante espaadas. Vemos nela o domnio do espao vazio.

    Esta imagem bastante semelhante ao cu noturno que observamos a olho nu no nosso dia a dia. O cu escuro, salpicado por inmeros pontos luminosos.

    Mas, por que o cu escuro?Esta pergunta foi feita h muitos anos por vrios pensadores. Ela foi pro-

    posta por Johannes Kepler em 1610, por Edmond Halley e Jean de Chseaux no sculo XVIII, e finalmente por Heinrich Olbers em 1826.

    32 Por que o cu escuro noite?

    Aglomerado de galxias Virgo.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 233

    Embora perguntar por que o cu escuro noite possa parecer uma ques-to simples ela no o e sua resposta nos leva a concluir coisas bastante pro-fundas sobre o Universo.

    O PARADOXO DE OLBERS

    Uma das primeiras pessoas que questionou formalmente a escurido do cu noturno foi o astrnomo e matemtico suo Jean Philippe Loys de Chse-aux. Isso ocorreu em Lausanne, Sua, em 1744.

    Chseaux formulou a seguinte questo:

    Por que o cu escuro? Se o nmero de estrelas infinito, um disco estelar deveria cobrir todos os trechos do cu

    Chseaux tentou resolver o problema argumentando que uma pequena di-minuio na luz emitida pelos corpos celestes seria suficiente para resolver o problema.

    Ocorre que esta explicao no correta. Vamos supor que a luz emiti-da pelas estrelas fosse suficientemente absorvida por algum tipo de matria existente entre elas e ns. Isto necessariamente faria com que essa matria fosse aquecida e, consequentemente, emitisse luz na mesma taxa na qual ela foi absorvida. Isto garantido pelo princpio de conservao de energia e este processo que faz com que o cu fique brilhante durante o dia pois a luz solar incidente sobre a nossa atmosfera espalhada pelas molculas de ar ou gotas de gua l existentes. O processo descrito por Chseaux faria o cu ser brilhante o tempo todo.

    Muitos anos mais tarde o assunto chamou a ateno de Heinrich Wilhelm Matthus Olbers (1758 - 1840), um astrnomo alemo que, aps praticar a medicina durante o dia, dedicava o seu tempo noturno astronomia. Esse trabalho observacional fez com que ele descobrisse o asteroide Pallas no dia 28 de maro de 1802 e o asteroide Vesta no dia 29 de maro de 1807.

    Olbers colocou o problema da seguinte forma:

    Por que o cu escuro noite? A intensidade da luz diminui com o quadrado da distncia ao observador. Se a distribuio das estrelas uniforme no espao, ento o nmero de estrelas situadas a uma distncia particular ao observador deveria ser proporcional rea superficial de uma esfera cujo raio aquela distncia. Para cada raio, por conseguinte, a quantidade de luz deve ser tanto proporcional ao quadrado do raio e inversamente proporcional ao quadrado do raio. Estes dois efeitos se cancelaro e deste modo toda concha deve adicionar a mesma quantidade de luz. Em um universo infinito o cu seria infinitamente brilhante.

    Heinrich Wilhelm Matthus Olbers (1758 - 1840).

    - Jean Philippe Loys de Chseaux (1758 - 1840).

  • 234 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    Podemos colocar os argumentos acima de forma mais clara:

    Se o Universo fosse esttico e preenchido com uma distribuio uniforme de estrelas, ento cada linha de visada no cu terminaria em uma estrela e, consequentemente, o cu seria uniformemente brilhante.

    ou ento:

    Se o Universo fosse infinitamente grande o cu inteiro seria to brilhante quanto a superfcie de uma estrela.

    Vemos que os raciocnios desenvolvidos por Jean de Chseaux e Heinrich Olbers nos fazem imaginar um cu to brilhante, ou mais brilhante, que o Sol!

    Ocorre que qualquer um que olhe para o cu noturno v que isso no acon-tece. O cu noturno absolutamente negro, pontilhado por muitas estrelas, mas de modo algum exageradamente brilhante.

    O QUE HAVIA DE ERRADO?

    Resolvendo o paradoxo Desde os anos de 1600 astrnomos e filsofos propuseram muitas ma-

    neiras possveis de resolver este paradoxo. Como era de se esperar, todas as anlises feitas no passado s podiam se basear nos conceitos cosmolgicos predominantes. Por exemplo, em 1848 o poeta Edgar Allan Poe, um dos gran-des nomes da literatura norte-americana, sugeriu uma sada para o impasse. Ele props que o universo poderia ser infinitamente grande mas com uma ida-de finita. Se fosse assim, uma vez que ns ainda no recebemos luz das estrelas mais distantes haveria intervalos entre as estrelas visveis e, deste modo, o cu poderia aparecer escuro.

    A soluo padro atualmente aceita depende de concordarmos com a te-oria do Big Bang, que indica que o universo tem uma idade finita e est se expandindo.

    se o universo existe por somente uma quantidade finita de tempo, como a teoria do Big Bang postula, ento somente a luz proveniente de um nmero bastante grande mas finito de estrelas teria tido a chance de nos alcanar at o momento. Deste modo, o paradoxo destrudo.

    se o universo est se expandindo e as estrelas distantes esto se afas-tando de ns, o que uma previso fundamental da teoria do Big Bang, ento a luz proveniente delas deslocada para o vermelho (redshift) o que diminui o seu brilho. Outra vez o paradoxo est resolvido.

    Note que ambos os efeitos citados acima podem, isoladamente, contribuir para a resoluo do paradoxo. No entanto, de acordo com a teoria do Big Bang, ambos contribuem para a soluo sendo que a durao finita da histria do Universo usualmente julgada como o efeito mais importante dos dois.

    Em muitos textos de cosmologia dito que a escurido do cu noturno fornece uma confirmao da teoria do Big Bang. No entanto, isso no deve ser aceito, pois parece a cobra mordendo o prprio rabo: a teoria do Big Bang usada para explicar porque o cu noturno escuro e em seguida diz-se que o cu escuro confirma o Big Bang!

    Edgar Allan Poe (1809 - 1849).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 235

    A RADIAO DE FUNDO: UMA DESCOBERTA ACIDENTAL...E MUITO IMPORTANTE

    Em 1964 dois radioastrnomos norte-americanos Arno A. Penzias e Ro-bert W. Wilson fizeram uma descoberta acidental que revelou ser da maior importncia para a confirmao de que o Universo teve uma origem. Os dois cientistas estavam estudando uma antena usada em satlites de comunica-es da companhia norte-americana AT & T Bell Laboratories, localizada na pequena cidade de Holmdel em New Jersey, Estados Unidos. O objetivo de Penzias e Wilson era estudar o rudo rdio que chegava do espao neste lugar rural to quieto. A imagem ao lado mostra os cientistas Penzias ( direita), Wilson e a antena utilizada.

    Para melhorar a qualidade das comunicaes os cientistas tm que pro-curar meios de suprimir rudos esprios (falsos) que chegam s antenas. s vezes suprimir os rudos no possvel e ento s cabe aos cientistas reduzir o mximo possvel o seu nvel. O rudo rdio usualmente expresso em termos de uma temperatura, pois ele causado pelo movimento irregular de eltrons. Quanto mais alta a temperatura, mais violento o movimento desses el-trons e maior o rudo. Deste modo h uma relao bem definida entre nvel de rudo e temperatura. Por exemplo, a temperatura na superfcie da Terra cerca de 300 Kelvin e, portanto, o nvel de rudo tambm de cerca de 300 K.

    A antena usada por Penzias e Wilson era um instrumento de grande sen-sibilidade. Ela tinha a forma de um chifre deitado com a sua parte mais larga servindo de abertura principal. As duas imagens abaixo mostram detalhes dessa antena (Penzias direita e Wilson esquerda).

    Quando a antena apontava para o cu os 300 K de rudo de fundo somente produziam um nvel de 0,3 K na antena, o que muito baixo se compararmos com o nvel de 20-30 K que obtemos em radiotelescpios.

    Em maio de 1964, Penzias e Wilson comearam a usar essa antena para medir o rudo que vinha do znite. O resultado foi o valor de 6,7 K. Aps retirar a absoro feita pela atmosfera e o efeito da prpria antena, eles ainda obtiveram o valor de 3,5 K vindo do znite, o que era elevado demais. Penzias e Wilson tentaram de todos os modos reduzir esse valor, mas no conseguiram. Mais tarde eles verificaram que esse valor elevado de rudo vinha no apenas quando a antena estava apontada para o znite mas tambm quando ela estava apontada em outras direes no cu. Isso acontecia at mesmo em diferentes estaes do ano.

    Penzias e Wilson no perceberam o significado da descoberta que haviam feito. Somente mais tarde, quando o fsico Dicke e seus colaboradores da Prin-ceton University disseram a eles que essa era uma das principais pesquisas que

    33 A radiao de fundo: uma descoberta

    acidental...e muito importante

    As trs fotografias acima mostram momentos de Wilson e Pensias na antena de comunicao.

  • 236 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    o grupo de Princeton estava realizando nessa universidade, que ficou claro para Penzias e Wilson que os 3,5 K no estavam sendo produzidos na superf-cie da Terra, nem no Sistema Solar e nem por qualquer radio fonte particular. Ele devia ser, portanto, uma radiao difusa que permeava todo o espao, todo o universo, uma radiao de fundo.

    Imediatamente Penzias e Wilson publicaram um artigo apresentando suas medies ao lado de um artigo de Dicke e colaboradores que interpretavam essas medidas como sendo uma radiao de fundo que permeava todo o Uni-verso, resqucio do Big Bang. Curiosamente, o nome de George Gamow, que havia sido o primeiro a postular a existncia dessa radiao de fundo como resultado de um comeo quente para o Universo, no foi citado em nenhum dos dois artigos.

    A descoberta da radiao de fundo s comparvel em importncia descoberta da recesso das galxias, que foi descoberta pelo astrnomo norte--americano Vesto Melvin Slipher em 1912, e acabou sendo atribuda somente a Edwin Hubble.

    As primeiras medies de Penzias e Wilson foram feitas em 4080 MHz ou 7,35 centmetros. Subsequentemente foi realizada uma srie de medies no intervalo de comprimento de onda entre 0,3 e 75 centmetros. Para com-primentos de onda maiores do que 100 centmetros a radiao de frequncia ultra-alta e forte proveniente da nossa Galxia encobre qualquer emisso ex-tragalctica e no podem ser feitas medies.

    Para comprimentos de onda mais curtos do que 3 centmetros a radiao proveniente da atmosfera da Terra provoca problemas e as observaes s po-dem ser feitas no topo de montanhas. Alm disso, a radiao proveniente de fora da Terra s pode ser recebida por meio de certas janelas atmosfricas estreitas em 0,9 centmetros, 0,3 centmetros etc. Para intervalos mais curtos do que 0,3 centmetros tais janelas esto ausentes e as medies somente podem ser obtidas por equipamentos a bordo de bales de alta altitude ou ento a bordo de foguetes e satlites.

    O valor obtido primeiramente por Penzias e Wilson foi de 3,5 K com um erro considervel. Medies posteriores se aproximaram de 2,7 K. Hoje a tem-peratura de radiao de fundo comumente aceita de 2,725 K. Ela est na regio de microondas e, por esse motivo, tambm chamada frequentemente de radiao de fundo de microondas.

    A RADIAO DE FUNDO DE MICROONDAS CSMICA

    J vimos que o fundo de microondas csmico uma previso da teoria do Big Bang. Sua existncia havia sido prevista em 1948 por George Gamow e Ralph Alpher e por Alpher e Robert Herman. Alpher e Herman foram capazes de estimar que a temperatura desse fundo de microondas csmico deveria ser de 5 K. Dois anos mais tarde eles recalcularam o valor dessa temperatura como sendo de 28 K.

    Segundo a teoria do Big Bang, o universo primordial era formado por um plasma quente de ftons, eltrons e brions. Os ftons estavam constantemen-te interagindo com o plasma. medida que o Universo se expandia o esfria-mento adiabtico fez o plasma esfriar at que ficou favorvel para os eltrons se combinarem com os prtons e formarem os tomos de hidrognio. Isso aconteceu por volta de 3000 K ou quando o Universo tinha aproximadamente 379000 anos de idade.

    Neste momento, os ftons comearam a viajar livres pelo espao. Este pro-cesso chamado de recombinao ou desacoplamento. Esses nomes se refe-rem, respectivamente, a dois fatos que aconteceram nessa poca no universo:

    Mapa da distribuio da radiao de fundo csmico no Universo.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 237

    os eltrons se recombinaram com os ncleos e houve o desacoplamento da matria e da radiao.

    Desde ento os ftons continuaram a esfriar. Eles agora tm a temperatu-ra de 2,725 K. Sua temperatura continuar a diminuir enquanto o universo estiver expandindo. Do mesmo modo, a radiao proveniente do cu que ns medimos hoje vem de uma superfcie esfrica, chamada superfcie de ltimo espalhamento. Esta esfera representa a reunio de pontos no espao (atual-mente a cerca de 46 bilhes de anos-luz da Terra) na qual o evento de desaco-plamento ocorreu h muito tempo (h menos de 400000 anos aps o Big Bang ou melhor, h 13,7 bilhes de anos) e que a luz daquela parte do espao est alcanando os observadores exatamente agora.

    A teoria do Big Bang sugere que o fundo de microondas csmico preenche todo o espao observvel e que a maior parte da energia radiante no universo est nesse fundo de microondas csmico. Esse fundo constitui uma frao de aproximadamente 5 x 10-5 da densidade total do Universo.

    Dois dos maiores sucessos da teoria do Big Bang so a previso do seu espectro de corpo negro quase perfeito e sua detalhada previso das anisotro-pias no fundo de microondas csmico. Como veremos abaixo isso foi detec-tado com enorme sucesso pelos satlites norte-americanos COBE e WMAP.

    A radiao de fundo de microondas csmico e o redshift cosmolgico so, juntos, considerados como as melhores evidncias que dispomos a favor da teoria do Big Bang.

    AS MEDIES MODERNAS DA RADIAO DE FUNDO DE MICROONDAS

    Logo aps a descoberta da radiao de fundo de microondas csmica, os cientistas comearam a realizar experincias cujo objetivo era medir com a maior preciso possvel a temperatura dessa radiao e verificar se ela era re-almente isotrpica.

    Como vimos, essa radiao s consegue ser medida com preciso por de-tectores colocados fora da atmosfera da Terra, seja em bales ou a bordo de satlites. Isso foi feito, com excelentes resultados.

    COBE Mapa de anisotropia da radiao de fundo de

    microondas csmica feito com os dados obtidos pelo COBE.

  • 238 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    No dia 18 de novembro de 1989 foi lanado pela NASA ao espao o satlite Cosmic Background Explorer ou, simplesmente, COBE. Sua misso era estu-dar a radiao de fundo de microondas. Esse satlite permaneceu em rbita at 1996 e foi bem sucedido na sua misso.

    Os resultados obtidos pelo COBE mostravam que essa radiao de fun-do de microondas era extremamente isotrpica e homognea. Mesmo assim, dentro dos limites de sua capacidade de deteco, os equipamentos a bordo do COBE conseguiram detectar e quantificar anisotropias de larga escala nessa radiao de fundo. Isso estimulou os cientistas a realizarem diversas experin-cias, tanto baseadas em terra como com equipamentos a bordo de bales, cujo objetivo era quantificar de modo mais preciso essas anisotropias.

    No dia 23 de abril de 1992, um grupo de cientistas norte-americanos que trabalhava no projeto COBE anunciou que havia encontrado as sementes primordiais nos dados coletados pelo COBE. Esses eram os primeiros traos de anisotropia encontrados na radiao de fundo de microondas csmico, que os cientistas acreditavam serem as possveis sementes que deram origem s estruturas maiores do nosso Universo tais como os aglomerados de galxias e as vastas regies desprovidas de galxias que chamamos de vazios.

    A imagem ao lado mostra o mapa da anisotropia da radiao de fundo de microondas csmica feito com os dados obtidos pelo COBE.

    Uma importante experincia feita pelo COBE foi a medio do espectro da radiao de fundo e sua comparao com a de um corpo negro. Na fsica corpo negro um corpo capaz de receber e reemitir a mesma quantidade de energia. Se o Universo tivesse sido gerado a partir de um Big Bang ento a radiao de fundo de microondas csmica (que seria um resduo desse Big Bang) necessariamente deveria ter um espectro de corpo negro.

    Usando o detector FIRAS (Far-Infrared Absolute Spectrophotometer) que estava a bordo do COBE, os astrnomos obtiveram um espectro que se ajusta-va perfeitamente com a curva terica de um corpo negro para a temperatura de 2,7 K. O ajuste quase perfeito entre os dados obtidos pelo COBE e a curva terica do corpo negro para essa temperatura tornou o espectro da radiao de fundo de microondas csmica o espectro de corpo negro medido com a maior preciso em toda a natureza.

    Grfico que representa o espectro do fundo de microondas csmico.

    Mapas da anisotropia da radiao de fundo csmica.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 239

    Com um outro equipamento a bordo do COBE, o Differential Microwave Radiometer (DMR), os cientistas mapearam durante quatro anos a anisotro-pia da radiao de fundo csmica. Desse modo eles foram capazes de criar mapas inteiros do fundo de microondas csmico aps terem subtrado dos dados registrados pelo COBE as emisses feitas pela nossa prpria Galxia. O resultado mostrado na imagem abaixo nas trs frequncias usadas pelo DMR, ou seja, 31,5, 53 e 90 GHz (gigahertz).

    Uma outra grande contribuio do COBE, usando um outro equipamento, o Diffuse InfraRed Background Experiment (DIRBE), est mais relacionada com a astrofsica do que com a cosmologia, mas importante demais e, por esse motivo, a citamos aqui.

    Dados obtidos pelo DIRBE permitiram que os cientistas estabelecessem um modelo bem mais preciso do disco da nossa Galxia. A imagem ao lado mostra esse modelo do disco da Galxia vista de perfil.

    De acordo com esse modelo, se o Sol est a 8,6 kpc (quiloparsecs) do centro da Galxia, ento ele est 15,6 pc (parsecs) acima do plano mdio desse disco. Esse disco tem um comprimento radial de 2,64 kpc (quiloparsec) e vertical de 0,333 kpc.

    BOOMERanG A experincia BOOMERanG (Balloon Observations Of Millimetric Ex-

    tragalactic Radiation and Geophysics) foi realizada no ano 2000 usando trs bales de alta altitude em vos sub-orbitais. Seus resultados mostraram que as maiores flutuaes ocorriam em escalas de aproximadamente um grau. Ao associarem esses resultados com outros dados cosmolgicos j conhecidos, os cientistas puderam concluir que a geometria do Universo muito aproxima-damente plana, ou seja, uma afirmao terica, segundo a qual poderamos percorrer o Universo linearmente e infinitamente.

    Modelo do disco da Via Lctea visto de perfil.

    A experincia BOOMERanG.

  • 240 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    WMAP No dia 30 de junho de 2001 a NASA lanou ao espao a Wilkinson Mi-

    crowave Anisotropy Probe, ou WMAP, uma segunda misso espacial cujo objetivo exclusivo era estudar a radiao de fundo de microondas. Seus detec-tores deveriam procurar e fazer medies, muito mais precisas do que aquelas feitas pelo COBE, das anisotropias de larga escala que existem por todo o cu. Esperava-se que o WMAP mapeasse pequenssimas diferenas de temperatu-ra existentes na radiao que forma o fundo de microondas csmico. Isso seria de grande valia para testar teorias sobre a natureza do Universo.

    O nome Wilkinson uma homenagem ao cientista David Wilkinson, membro do grupo de cientistas que projetou o satlite e um dos pioneiros no estudo da radiao de fundo csmica.

    Com base nos dados obtidos no primeiro ano de funcionamento do WMAP, a NASA liberou no dia 11 de fevereiro de 2003 as primeiras conclu-ses dos cientistas envolvidos no projeto. Nessa liberao a NASA incluiu a melhor imagem do universo recm nascido.

    Aps trs anos de intenso levantamento do cu, mais dados do WMAP foram liberados no dia 17 de maro de 2006. Esses dados incluam medies de temperatura e de polarizao que reforavam a ideia de que a geometria do universo plana. Alm disso, baseados nesses dados, os cientistas puderam restringir fortemente o intervalo de variao de diversos parmetros cosmo-lgicos. Esses parmetros, muito difceis de serem medidos, so fundamentais para a descrio do Universo. Por essa razo os cientistas possuem apenas intervalos de valores possveis nos quais o valor verdadeiro do parmetro cer-tamente dever estar includo.

    No dia 28 de fevereiro de 2008 foram liberados os dados obtidos pelo WMAP durante cinco anos. Esses dados incluam novas evidncias de que tambm existe um fundo de neutrinos csmicos permeando todo o Universo.

    A imagem ao lado rene os dados obtidos durante cinco anos pelo WMAP, um verdadeiro retrato da radiao de fundo csmica.

    Nessa imagem vemos as flutuaes da temperatura da radiao de mi-croondas csmica ao longo de todo o cu. As cores diferenciam regies com pequenssimas variaes em temperatura. As regies em vermelho so mais quentes e as regies na cor azul tm temperaturas 0,0002 graus, mais baixas que as outras. A temperatura mdia de 2,725 K, equivalente a -270o C.

    Embora o WMAP tenha fornecido medies muito precisas das flutuaes de grande escala angular da radiao csmica de fundo, tendo medido estru-turas aproximadamente to grandes no cu quanto a rea ocupada pela Lua, ele no tinha resoluo angular para medir flutuaes em escalas menores.

    Algumas importantes concluses que puderam ser obtidas a partir dos da-dos do WMAP so resumidas:

    a idade do universo de 13,73 0,12 bilhes de anos. a constante de Hubble tem o valor 70,1 1,3 km/s/Mpc os dados obtidos pelo WMAP so consistentes com uma geometria

    plana para o Universo a composio do universo :

    4,6% - matria barinica ordinria 23% - um tipo desconhecido de matria escura que no emite nem

    absorve luz 72% - um tipo misterioso de energia escura que acelera a expan-

    so do universo < 1% - neutrinos

    Este mapa mostra os dados obtidos pelo WMAP ao longo de cinco anos.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 241

    Planck Surveyor Essa foi a terceira misso espacial destinada a estudar a radiao csmica

    de fundo. Ela foi lanada em 2008 e, ao contrrio das duas misses anteriores, o Planck Surveyor uma colaborao entre a NASA e a ESA (European Space Agency). A misso do Planck Surveyor medir a radiao csmica de fundo em escalas muito menores do que o WMAP fez.

    Os detectores que esto a bordo do Planck Surveyor foram testados em observaes da radiao csmica de fundo feitas em Terra. Essa foi a experi-ncia ACBAR (Arcminut Cosmology Bolometer Array Receiver) feita com o telescpio Antarctic Viper, que, como o nome sugere, est localizado no gela-do territrio da Antrtica. Os resultados ali conseguidos foram considerados pelos cientistas como as mais precisas medies em pequenas escalas angula-res feitas at a data de hoje.

    Os instrumentos do Planck Surveyor tambm foram testados a bordo de um balo, o Archeops balloon telescope.

    O UNIVERSO HOMOGNEO E ISOTRPICO

    Duas das principais caractersticas fsicas sobre as quais se apia a descri-o atual do Universo so os conceitos de isotropia e homogeneidade. Vamos considerar que o Universo homogneo e isotrpico e, como veremos, esses conceitos no so deduzidos a partir de observaes mas sim impostos sobre a teoria sob a forma de um Princpio Cosmolgico.

    Primeiramente veremos como a cosmologia entende isotropia e homo- geneidade.

    Isotropia Dizemos que um sistema fsico qualquer isotrpico se suas propriedades

    so as mesmas independentemente da direo que estivermos considerando. Ao dizermos que o Universo isotrpico estamos afirmando que suas proprie-dades fsicas independem da direo considerada, ou seja, suas propriedades so as mesmas em qualquer direo.

    Homogeneidade As propriedades da homogeneidade de um sistema fsico so as mesmas em

    todos os lugares. Para entender melhor esse conceito vamos supor um astro-nauta que tem a capacidade de viajar por todo o Universo. Se, aps percorrer locais bem distantes uns dos outros e situados em regies opostas do Univer-so, o astronauta chegar concluso de que todos os lugares so semelhantes, ele poder ento concluir que o Universo o mesmo em todos os lugares e, portanto, o Universo homogneo.

    Mas o Universo evolui. Como entender ento a homogeneidade? Suponha que o nosso astronauta visite uma certa regio do Universo onde ele encontra estrelas, galxias, aglomerados, etc. Depois ele visita outras regies do Universo, bem afastadas da primeira e nelas encontra o mesmo tipo de matria. O astro-nauta volta para a Terra e aps um milho de anos de espera ele retorna aos mesmos locais visitados anteriormente e verifica que os corpos celestes envelhe-ceram (mais tecnicamente, evoluram) mas, curiosamente, em todos os lugares o envelhecimento foi idntico. Isso quer dizer que as propriedades existentes em todos esses lugares so as mesmas. O astronauta ento deduz que o Universo homogneo: ele evolui mas sempre de acordo com as mesmas leis da fsica que, como consequncia disso, so as mesmas em todos os pontos do Universo.

    Para o nosso astronauta o Universo invariante por translaes no espao. Onde quer que ele esteja, as propriedades so as mesmas.

    34 O Universo

    homogneo e isotrpico

    O satlite Plank Surveyor mostra o universo em microondas. A emisso de poeira da Via Lctea

    vista como uma faixa branca horizontal.

  • 242 Mdulo 4 Os modelos cosmolgicos

    Homogeneidade e Isotropia Temos agora duas maneiras de identificar propriedades iguais no Universo:

    Um dado importante que a condio de homogeneidade implica na exis-tncia de isotropia mas no o contrrio. Vamos supor que o nosso astronauta sabe que o Universo homogneo mas no se ele isotrpico. Ele viaja at uma regio do espao e l verifica que o Universo parece ser o mesmo em todas as direes em torno do ponto onde ele se encontra. O Universo , por conseguinte, isotrpico em torno daquele ponto. No entanto, se ele j sabe que o Universo homogneo, ou seja, que todos os lugares nele so seme-lhantes, obrigatoriamente todos esses lugares tero que ser isotrpicos. Assim, um Universo que homogneo e isotrpico em um lugar ser homogneo e isotrpico em todos os outros.

    Um Universo homogneo pode ser anisotrpico ou seja, nem todas as dire-es so semelhantes. Um Universo no homogneo, melhor dizendo, aquele no qual nem todos os locais so semelhantes, poderia ser isotrpico em um lugar mas no pode ser isotrpico em todos os lugares. Em resumo, um estado de isotropia em um lugar no prova a homogeneidade e um estado de aniso-tropia no refuta a homogeneidade.

    O PRINCPIO COSMOLGICO

    Um dos princpios bsicos da cosmologia moderna o Princpio Cosmo-lgico, assim chamado pela primeira vez pelo astrnomo Edward Milne, em 1933.

    O Princpio Cosmolgico fala que, no considerando as irregularidades de natureza local, o Universo o mesmo em todos os pontos do espao. Vamos discuti-lo por partes.

    O que so as irregularidades de natureza local citadas acima? Sabemos que o Universo povoado por estrelas, que se renem em galxias, que por sua vez se renem em aglomerados de galxias.

    primeira vista, o Princpio Cosmolgico bastante atraente, pois facilita enormemente o estudo do Universo: se o Universo semelhante em todas as suas partes (ou seja, possui as mesmas propriedades em todos os seus re-cantos) logicamente torna-se muito mais fcil estud-lo. Com esse princpio institumos que as propriedades fsicas que ocorrem em uma parte do Uni-verso so as mesmas que ocorrem em qualquer outra regio dele, seja ela bem prxima a ns ou inacreditavelmente afastada da nossa Galxia.

    No entanto, nota-se que isso no demonstrado nem concludo a partir de qualquer tipo de observao. O Princpio Cosmolgico, com sua supera-brangente generalizao, , como diz o prprio nome, um princpio: ele estabelecido como base da teoria e aceito como verdade. Sobre esse princpio que os astrnomos construram a cosmologia moderna.

    se as propriedades em todos os lugares so as mesmas o Universo homogneo

    se as propriedades em todas as direes so as mesmas o Universo isotrpico

    Dizemos que um sistema (no nosso caso o Universo) homogneo se ele invariante por translaes no espao.

    Dizemos que um sistema (no nosso caso o Universo) isotrpico se ele invariante por rotaes no espao.

    Edward Arthur Milne (1896 - 1950).


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