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  • Criminologia e Psicologia Criminal

    Nestor Sampaio Penteado Filho Delegado de

    Polcia, Mestre em Direito Processual Penal,

    Professor no Curso Marcato, na Faculdade de

    Jaguarina (FAJ), e na Academia de Polcia Civil de

    So Paulo. Autor de diversas obras na rea jurdica.

    I CRIMINOLOGIA

    1. Conceito, mtodos, objetos e finalidade da Criminologia. 1.1. Conceito de Criminologia Etimologicamente criminologia vem do latim crimino (crime) e do grego logos (estudo, tratado), significando o estudo do crime. Entretanto, a criminologia no estuda apenas o crime, como tambm as circunstncias sociais, a vtima, o criminoso etc. Criminologia a cincia emprica (baseada na observao e experincia) e interdisciplinar que tem por objeto de anlise a personalidade do autor do comportamento no delito, da vtima e do controle social das condutas criminosas. A palavra criminologia foi pela primeira vez usada em 1883 por Topinard e aplicada internacionalmente por Rafael Garfalo, em seu livro Criminologia.

    1.2. Objeto do estudo da criminologia

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    A criminologia tem mltiplo aspecto de aplicao e estudo, porm nos primrdios ocupava-se de definir o crime (dcada de 30, Paris). Apesar de o direito penal e a criminologia estudarem o crime, cada qual o faz de seu modo: direito penal (cincia normativa crime como regra anormal de comportamento); criminologia (cincia causal-explicativa crime, criminoso, esquemas de combate criminalidade, preveno, vtima e teraputicas ressocializantes). Objeto tudo o que se relacionar com o crime e o criminoso, a saber: conduta do criminoso; forma de execuo do crime; tempo e lugar de execuo; caractersticas do delinqente (idade, sexo etc); exame da vida pregressa; papel da vtima; mecanismos de controle etc. Assim: delito, delinqente, vtima e controle social.

    1.3. Mtodos na criminologia Mtodo o meio empregado pelo qual o raciocnio humano procura desvendar um fato, referente natureza, ou sociedade ou ao prprio homem. No campo da criminologia essa reflexo humana deve estar apoiada em bases cientficas, sistematizadas por experincias, comparadas e repetidas, visando buscar a realidade que se quer alcanar. No campo da criminologia recorre-se aos mtodos biolgico e sociolgico. Observando com mincias o delito, a criminologia, portanto, usa de mtodo cientfico nos seus estudos.

    1.4. Finalidade da Criminologia

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    Os fins bsicos da criminologia so informar a sociedade e os poderes constitudos acerca do crime, do criminoso, da vtima, e dos mecanismos de controle social. Ainda: uma luta contra a criminalidade (controle e preveno criminal). A criminologia tem enfoque multidisciplinar porque se relaciona com o direito penal, com a biologia, a psiquiatria, a psicologia, a sociologia, etc.

    Unicidade da Criminologia: necessidade de juno da criminologia clnica e sociolgica, com mtodos prprios e unificados, criminologia integral.

    2. Histrico da Criminologia Cdigo de Hamurabi (punio de funcionrios corruptos); Homero (Ilada e Odissia, relao entre crimes, guerras e crueldades a seu tempo); Hipcrates (460 377 a.c.; alterao da sade mental pelos humores); Protgoras (485 410 a.c.; o homem a medida de todas as coisas, lutou para que a pena pudesse corrigir e intimidar); Digenes (desprezo s riquezas e convenes); Confcio (desigualdades sociais impossibilitam o governo do povo); Plato (a Repblica, reeducar o criminoso se possvel, se no, deveria ser expulso do pas - primeiros traos do direito penal do inimigo); Aristteles (causas econmicas do delito). Telogos: So Jernimo (vida o espelho da alma); Santo Toms de Aquino (pobreza gera o roubo, justia distributiva). Filsofos e humanistas: Tomas Morus (utopia ideal, o ouro a causa de todos os males); Hobbes (governantes devem dar segurana aos sditos); Montesquieu (o legislador deveria evitar o delito em vez

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    de castigar, liberdade dentro da lei, separao de poderes); Voltaire (pobreza e misria como fatores crimingenos); Rousseau (pacto social, indivduo submetido vontade geral). Penlogos: John Howard (criador do sistema penitencirio em 1777); Jeremias Bentham (utilitarismo, vigilncia severa dos presos); Jean Mabilon (prises em monastrios, 1632). Fisionomistas (estudo do carter das pessoas): Della Porta (1586, o homem de bem teria escassez de sinais fsicos); Kaspar Lavater (sculo XVIII, o criminoso traz os sinais ou marcas no rosto). Frenlogos (medidas do crnio): Franz Gall (precursor de Lombroso, associava s dimenses do crnio certos tipos de delitos); P. Lucas (bases hereditrias do crime). Psiquiatras: analisam as eventuais doenas cerebrais e sua repercusso na imputabilidade do ru. Felipe Pinel: moderna psiquiatria, o louco era doente; Domingo Esquirol: loucura moral, relao entre loucura e crime. Mdicos: Henry Mausdeley (zona cinzenta); Charles Darwin (evoluo natural); Cesare Lombroso (gnese do delinqente, precursor da escola positiva).

    2.1. Escolas Criminolgicas 2.1.1. Escola Clssica (Cesare Beccaria, Francesco Carrara, Carmigniani): responsabilidade penal do criminoso baseia-se na responsabilidade moral; livre arbtrio e o crime um ente jurdico, uma infrao; penas proporcionais ao delito, acusaes no podem ser secretas; a atrocidade das penas se ope ao bem pblico; ao juiz no dado interpretar as leis penais; a tortura inadmissvel; a preveno

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    muito melhor que a represso delitiva; o indulto penal fruto de leis imperfeitas; as penas so castigos queles que violam a lei, como uma retribuio ao mal causado.

    2.1.2. Escola Positiva (Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo): tambm chamada de escola antropolgica; o crime fenmeno social e sintoma do agente. luta contra o absolutismo;

    importncia do evolucionismo e da sociologia;

    determinismo humano e responsabilidade social (pena como defesa social). Lombroso: fase antropolgica, com o estudo do criminoso nato, mtodo experimental, influncia de fatores biofsicos, atavismo, o delito uma conseqncia da organizao moral e fsica do criminoso etc.

    Ferri: pai da sociologia criminal, acrescentou aos fatores biolgicos a influncia de fatores sociais no criminoso; fatores antropolgicos + fsicos + sociais. Os criminosos deveriam ser afastados da sociedade com base na periculosidade que representam. Garfalo: criou o termo criminologia, sob trplice aspecto (criminalidade, delito e pena), partiu da idia de criminosos nato, delito natural e legal, afasta os preceitos morais.

    2.1.3. Escola Ecltica (Lacassagne; Von Lizt; Turatti): tambm chamada de Terza Scuola, a sociedade tem os criminosos que merece.

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    substitui o livre arbtrio pela voluntariedade das aes; delito como fenmeno individual e social; responsabilidade moral e a pena tem carter aflitivo/tico com vistas defesa da sociedade.

    2.1.4. Escola Sociolgica Francesa: exame psicolgico do criminoso quando da execuo do delito; desvalor do resultado material e valorao da vontade delitiva; s repercutiu na prpria Frana.

    2.1.5. Escola Moderna Alem: crime fato jurdico que nasce de fatores humanos e sociais; h

    causas fsicas, sociais e econmicas do crime; imputabilidade relaciona-se capacidade de autodeterminao das pessoas; a pena baseia-se na culpa e se justifica pela necessidade de manuteno da ordem pblica; medida de segurana como fator preventivo dada a periculosidade do criminoso.

    2.1.6. Escola do Tecnicismo Jurdico separao entre direito penal e qualquer investigao de valores do sistema; recusa admitir o livre arbtrio;

    responsabilidade moral dos delinqentes;

    o crime uma relao jurdica; pena como retribuio e expiao; imputveis (pena) e inimputveis (medida de segurana).

    2.1.7. Escola Correlacionista

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    o Estado deve reintegrar o criminoso; Pena de durar o tempo necessrio readaptao; carter profiltico da pena, pois protegia o grupo e recuperava o criminoso.

    2.2. A Moderna Criminologia Cientfica a criminologia mais moderna defende o uso de tratamentos no institucionais, porque haveria inequvoco prejuzo ao indivduo com a restrio de sua liberdade ou afastamento de seu meio. Nesse contexto ressalta-se a importncia da anlise bio-psico-social da criminologia. A biologia criminal (aspectos genticos, anatmicos, fisiolgicos etc) cuida da criminogenese, ou seja, da presena de tendncias de etiologia gentica associada psicologia criminal (estudo do comportamento humano e da sade mental) e ainda sociologia criminal (fenmenos sociais).

    3. Teorias Criminolgicas

    3.1. Teorias da Reao Social reao social a resposta da sociedade ao crime praticado, que pode vir de um grupo ou de uma entidade jurdica institucional; reao pode gerar a preveno, represso, bem como despenalizao, descriminalizao e desprisionalizao.

    3.1.1. Estigmatizao A maior condio de criminalidade resulta da atribuio negativa dada pelos mecanismos de controle social (policiais, juzes,

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    promotores), diferenciando delinqentes de no delinqentes, surgindo assim, criminosos, prostitutas, homossexuais etc.

    3.1.1.1. Interacionismo o exerccio do controle social se realiza com as reaes que reprovam e demonstram a resistncia da ordem violada por meio do processo penal (ao criminosa x reao processual).

    3.1.1.2. Escola de Chicago oriunda dos anos 20 e 30, abrangeu as teorias culturalistas, simplificando a sociologia americana, alegando modelo ecolgico equilibrado (criminologia ecolgica). priorizar as aes preventivas (programas sociais), reduzindo a represso. influncia do todo construdo (cidades). poltica criminal aliada ao estudo da criminalidade das cidades.

    3.1.2. Tcnica do Labeling Approach (Becker, Tannenbaum) crime e criminalidade no so fenmenos ontolgicos; incriminao no segue a padres objetivos, mas, sim, decorre de deciso unilateral dos detentores do poder, incriminando aqueles que estejam longe do poder, dinheiro ou sucesso (rtulos de delinqentes).

    4. Fatores condicionantes: biolgicos, psicolgicos e sociais.

    4.1. Biolgicos ou somticos: sexo (predomnio masculino);

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    idade (predomnio de moos); herana (taras hereditrias ou genticas); cor da pele (decorrncia de marginalizao e preconceito); alteraes patolgicas (leses congnitas, intoxicaes qumicas, alguns traumatismos por leses etc).

    4.2. Psicolgicos: ego fraco ou ablico: fraca fora de vontade maria vai com as outras, influenciveis, pequenos furtos; desejo de lucro imediato: exigem imediatidade, no aturam esperar; carncia afetiva: estrutura deficiente, pela ausncia de familiares, menores de internatos etc; mimetismo: identificao com modelos , lembre-se o bandido da favela; necessidade de status ou notoriedade: compulso para melhoria de nvel social, representam um papel que no lhes correspondem; esprito de rebeldia: anmicos, rebelam-se na juventude e no conseguem estabilidade emocional, quer impor suas regras, quebrando aquelas que existem; perturbaes da personalidade: anti-sociais (sem laos afetivos, conflitos recidivos, no tem ansiedade, nem culpa, egocentrismo e baixos valores ticos, agresses explosivas, no apresentam psicoses) ou dissociais (criminoso comum, no um doente, repleto de sentimentos, apresentam descargas de hormnios, aprendem com a experincia, impulsividade contida, forte auto-crtica, relaes interpessoais intensas, apego pela verdade, inteligentes, planejadores.

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    4.3. Sociais: Desorganizao familiar: lares mal-feitos etc concorrem para a desagregao de jovens; Desorganizao social: inverso de valores, crise social; Reenculturao: choque cultural, quando a pessoa muda de comunidade; Promiscuidade: perda de princpios ticos; Educao e escolaridade: depende de cada caso; Religio: freio ao crime ou estmulo (terrorismo religioso); Fator econmico: falta de dados srios, pois h delitos atribudos a pobres e aos de colarinhos brancos.

    5. Classificao dos Criminosos (Etiologia)

    5.1. Lombroso Criminoso nato: influncia biolgica, estigmas, instinto criminoso, um selvagem da sociedade, o degenerado (cabea pequena, deformada, fronte fugidia, sobrancelhas salientes, maas afastadas, orelhas malformadas, braos compridos, face enorme, tatuado, impulsivo, mentiroso e falador de grias etc), em verdade estudou as caractersticas fsicas do criminoso, no usando da expresso criminoso nato, como se supe; Criminosos loucos: perversos, loucos morais, alienados mentais que devem permanecer em hospcio;

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    Criminosos de ocasio: predispostos hereditariamente, so pseudo-criminosos, a ocasio faz o ladro; assumem hbitos criminosos, influenciados por circunstncias; Criminosos por paixo: sangneos, nervosos, irrefletidos, usam da violncia para soluo de questes passionais, exaltados;

    5.2. Enrico Ferri (criou 5 tipos) criminoso nato: degenerado, com os estigmas de Lombroso, atrofia do senso moral; Macbeth de Shakespeare; alis a expresso criminoso nato de autoria de Ferri e no de Lombroso, como erroneamente se pensa. criminoso louco: alm dos alienados, tambm os semi-loucos ou fronteirios; Hamlet de Shakespeare; criminoso ocasional: eventualmente comete crimes, o delito procura o indivduo; criminoso habitual: reincidente na ao criminosa, faz do crime sua profisso; seria a grande maioria, transio entre os demais tipos, comearia ocasionalmente at degenerar-se; criminoso passional: age pelo mpeto, comete o crime na mocidade, so prximos do louco (tempestade psquica). Otelo de Shakespeare.

    5.3. Garfalo: parte do delito natural (sentimentos humanos profundos), chamado de pai da criminologia. Criminosos assassinos: so delinqentes tpicos, egostas, seguem o apetite instantneo, apresentam sinais exteriores e se aproximam de selvagens e crianas;

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    Criminosos enrgicos ou violentos: falta a compaixo, no falta o senso moral, falso preconceito, havendo um sub-tipo, os impulsivos (colricos); Ladres ou neurastnicos: no lhes falta senso moral, falta a probidade, atvicos s vezes, pequenez, face mvel, olhos vivacidade; nariz achatado etc. Garfalo props a pena de morte sem nenhuma piedade aos criminosos natos ou sua expulso do pas.

    5.4. Hilrio Veiga de Carvalho Biocriminosos puros (pseudo-criminosos): apresentam apenas fatores biolgicos, aplica-se tratamento mdico psiquitrico em manicmio judicirio; como o caso dos psicopatas ou epilticos que, em crise, efetuam disparos de arma de fogo; Biocriminosos preponderantes (difcil correo): neles j se apresentam alguns fatores mesolgicos, porm em menor quantidade; pois, portadores de alguma anomalia biolgica insuficiente para desencadear a ofensiva criminosa; cedem a estmulos externos e a eles respondem facilmente (a ocasio faz o ladro); orienta-se tratamento em colnias disciplinares, casas de custdia ou institutos de trabalho, com assistncia mdico-psiquitrica e eventual internao em hospital psiquitrico, temporria ou definitivamente, conforme o caso, reincidncia potencial; Biomesocriminosos (correo possvel): apresentam influncias biolgicas e do meio, mas impossvel decidir quais os fatores que mais pesaram na conduta delituosa, reincidncia ocasional, sustenta-

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    se tratamento em regime de reformatrio progressivo e apoios mdico e pedaggico; Mesocriminosos preponderantes (correo esperada): embora presentes ambos os fatores, os mesolgicos ou ambientais so mais numerosos, reincidncia excepcional, aponta-se tratamento em colnias, com apoio scio-pedaggico; Mesocriminosos puros: s atuam fatores mesolgicos, isto , do meio social; agem anti-socialmente por fora de ingerncias do meio externo, tornando-os quase vtimas das circunstncias exteriores, como o caso do brasileiro, em servio no Oriente, que aps sua jornada de trabalho surpreendido, pelas autoridades locais, bebendo e apenado com chibata, pois ilcito naquele lugar, mas, no Brasil tal conduta irrelevante para o direito penal ou ainda do ndio que, no meio da civilizao, pratica ato tido por delituoso, mas no seu meio aceito com normalidade.

    5.5. Jos Maria Marlet (Acadepol/SP e USP) Ocasionais (personalidade normal): sofrem forte influncia de fatores secundrios ou desencadeantes, com rompimento dos meios contensores dos impulsos; Sintomticos (personalidade mrbida): influncia mnima ou ausente dos fatores secundrios e cujo ato sintoma dessa personalidade perturbada; Caracterolgicos (personalidade defeituosa): mnima ou nenhuma influncia de fatores secundrios, cujo ato liga-se natureza do carter do agente; Personalidade Normal: ajustada s normas sociais;

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    Personalidade Mrbida: alteraes patolgicas; Personalidade Defeituosa: comprometida a capacidade de julgamento.

    6. Vitimologia

    6.1.Noes: a vitimologia o terceiro componente da trade criminolgica: criminoso, vtima e ato (fato crime). Acrescentamos tambm os meios de conteno social. 6.2. Conceito evolutivo: religioso (imolado ou sacrificado, evitar a ira dos deuses) para o jurdico. Vtima que sofre um resultado infeliz dos prprios atos (suicida), das aes de outrem (homicdio) e do acaso (acidente). A vtima sempre ficou relegada a um plano inferior, porque desde a Escola Clssica (preocupava-se com o crime), passando pela Escola Positiva (preocupava-se com o criminoso), por conta de razes culturais e polticas, a sociedade sempre devotou muito mais dio pelo transgressor o que piedade pelo ofendido. Primeiros Trabalhos sobre vtimas: Hans Gross (1901), a partir da dcada de 1940, Von Hentig e Mendelsohn. 1 Simpsio Internacional de Vitimologia, 1973, Israel impulsiona os estudos e ateno comportamentais, buscando traar perfis de vtimas potenciais.

    6.3. Alcance da vitimologia: o criador desse ramo da criminologia, Benjamim Mendelsohn, entendia que ela deveria ser estuda sobre

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    mltiplo aspecto jurdico (direito penal, processual penal, civil etc), alm das relaes com a poltica criminal, sociologia etc.

    6.4. Definio: cincia que se ocupa da vtima e da vitimizao, cujo objeto a existncia de menos vtimas na sociedade, quando esta tiver real interesse nisso (Mendelsohn).

    6.5. Dupla Penal: criminoso x vtima. importante a anlise da relao criminoso e vtima (par penal), para se aferir o dolo e culpa daquele, bem como a responsabilidade da vtima ou de sua contribuio involuntria para o fato-crime. Isso repercute na adequao tpica e na aplicao da pena (art. 59, CPB). inegvel o papel da vtima no homicdio privilegiado, por exemplo. Nos crimes sexuais, muitas vezes, o autor seduzido pela vtima, que no to vtima assim etc.

    6.6. Vtimas Autnticas ou Verdadeiras ou Inocentes: da mesma maneira que existem criminosos reincidentes, certo para a criminologia a existncia de vtimas latentes ou potenciais. que certas pessoas padecem de um impulso fatal e irresistvel para serem vtimas dos mesmos crimes. Exemplos: vigias de bancos e lojas; mdicos vitimados por denncias caluniosas, policias acusados de agresses etc. Assim que como h delinqentes recidivos, h vtimas voluntrias, como os encrenqueiros, os truculentos, piadistas etc. No entanto, h muitas pessoas vtimas autnticas que nem por ao ou omisso contribuem para o evento criminal, nem

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    interagem com o comportamento do autor do delito, so completamente inocentes.

    6.7. Tipos de vtimas e sua classificao

    6.7.1. Classificao de Mendelsohn (segundo a participao ou provocao da vtima): a) Vtimas ideais (completamente inocentes); b) Vtimas menos culpadas que os criminosos (ex ignorantia); c) Vtimas to culpadas quanto os criminosos (dupla suicida, aborto consentido, eutansia); d) Vtimas mais culpadas que os criminosos (vtimas por provocao que do causa ao delito); e) Vtimas como nicas culpadas (vtimas agressoras, simuladas e imaginrias). Desta forma, Mendelsohn sintetiza a classificao em 3 grupos: a) Vtima inocente, que no concorreu de forma alguma com o injusto tpico; b) Vtima provocadora que, voluntariamente ou imprudentemente colabora com o nimo criminoso do agente; c) Vtima agressora, simuladora ou imaginria, que uma suposta ou pseudo-vtima, que acaba justificando a legtima defesa a seu agressor. muito importante aferir o binmio criminoso-vtima, sobretudo quando esta interage no fato tpico, de forma que a anlise de seu perfil psicolgico desponta como fator a ser considerado no desate judicial do delito.

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    6.7.2. Classificao de Hans Von Hentig 1 grupo criminoso-vtima-criminoso (sucessivamente), reincidente que hostilizado no crcere vindo a delinqir novamente por repulsa social que encontra fora da cadeia; 2 grupo criminoso-vtima-criminoso (simultaneamente), como o caso das vtimas de drogas que, de usurias passam para o trfico; 3 grupo criminoso-vtima, (imprevisvel), como por exemplo, linchamentos, saques, epilepsia, alcoolismo etc.

    7. Prognstico criminolgico 7.1. Conceito: a probabilidade do criminoso reincidir, em razo de certos dados. Nunca teremos uma certeza, dado no conhecermos por completo o consciente do autor. 7.2. Prognsticos criminais: clnico e estatstico 7.2.1. Prognstico clnico: faz-se um detalhamento do criminoso, por meio da interdisciplinaridade: mdicos; psiclogos, assistentes sociais, etc.

    7.2.3. Prognstico estatstico: tabelas de predio que no levam em conta certos fatores internos e s servem para orientar estudo de um tipo especfico de crime e de seus autores (condenados).

    7.3. ndice de Criminalidade (Odon Ramos Maranho): devem ser levados em conta os fatores psico-evolutivos, jurdico-penais e ressocializantes (penitencirios).

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    7.3.1. Fatores Psico-evolutivos (levam em conta a evoluo da personalidade): a) Doenas graves infanto-juvenis com repercusso somtico-psquica; b) Desagregao familiar; c) Interrupo escolar ou do trabalho; d) Auto-manuteno precoce; e) Instabilidade profissional; f) Internao em febem etc; g) Fugas de casa, da escola etc; h) Integrao com grupos improdutivos; i) Distrbios precoces de conduta; j) Perturbaes psquicas.

    7.3.2. Fatores Jurdico-penais (vida delitiva) a) Incio da criminalidade antes dos 18 anos; b) Muitos antecedentes penais e policiais (folha corrida); c) Reincidncia rpida; d) Criminalidade interlocal; e) Quadrilhas (faces criminosas) ou qualificadoras ou agravantes; f) Tipo de crime (patrimnio, costume, pessoa).

    7.3.3. Ressocializantes (aproveitamento das medidas repressivas) a) Inadaptao disciplina carcerria e s regras prisionais; b) Precrio ou nulo ajuste ao trabalho interno; c) Pssimo aproveitamento escolar e profissional na cadeia; d) Permanncia nos regimes iniciais de pena

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    Quanto mais desses fatores estejam presentes, maior a periculosidade e reincidncia penal. A isso se acrescentem os fatores condicionantes... Biolgicos (sexo, idade etc); genticos (anomalias) e sociais (desemprego, cooptao por gangues etc).

    8. Preveno Criminal e Modelos de Reao ao Crime

    8.1. Conceito de preveno: Entende-se por preveno delitiva, o conjunto de aes que visam evitar a ocorrncia do delito. a) Preveno, dissuaso e obstaculizao: pena como ameaa acaba agindo no intelecto, motivando o indivduo a no delinqir. Alguns acrescentam certos obstculos no penais que possam encarecer o crime (desenho arquitetnico, atitudes de vtimas, propaganda estatal etc); b) Preveno primria, secundria e terciria Primria: ataca a raiz do conflito (educao, emprego, moradia, segurana, etc); aqui desponta inelutvel necessidade de o Estado, de forma clere, implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo-se a fatores exgenos a etiologia delitiva; assim, preveno primria liga-se garantia de educao, sade, trabalho, segurana e qualidade de vida do povo, como instrumentos preventivos de mdio e longo prazo. Secundria: destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e no ao indivduo, manifestando-se a curto e mdio prazo de maneira seletiva, ligando-se ao policial, programas de apoio, controle das comunicaes, etc.

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    Terciria: voltada ao recluso, visando sua recuperao e evitando a reincidncia (sistema prisional), realizando-se por meio de medidas scio-educativas, como a laborterapia, a liberdade assistida, prestao de servios comunitrios etc.

    8.2. Modelos de Reao ao Crime a ocorrncia de ao criminosa gera uma reao social (estatal) em sentido contrrio, no mnimo proporcional quela. Da evoluo das reaes sociais ao crime, prevalecem hodiernamente trs modelos: dissuasrio, ressocializador e restaurador (integrador). modelo dissuasrio (direito penal clssico): represso por meio da punio ao agente criminoso, mostrando a todos que o crime no compensa e gera castigo. Aplica-se a pena somente aos imputveis e semi-imputveis, pois aos inimputveis se dispensa tratamento psiquitrico; modelo ressocializador: intervm na vida e pessoa do infrator, no apenas aplicando uma punio a ele, como tambm possibilitando-lhe reinsero social. Aqui a participao da sociedade relevante para a ressocializao do infrator, prevenindo-se a ocorrncia de estigmas; modelo restaurador (integrador): recebe tambm a denominao de justia restaurativa, procura restabelecer, da melhor maneira possvel, o status quo ante, visando a reeducao do infrator, a assistncia vtima e o controle social afetados pelo crime, gerando sua restaurao, mediante a reparao do dano causado pelo crime.

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    II Psicologia Forense 1. Noes Iniciais: A palavra psicologia , etimologicamente, significa psycho = alma e logos = estudo, a cincia que estuda o esprito do indivduo, ou melhor, cincia que se ocupa do estudo da personalidade do indivduo. Conceito: A psicologia criminal o ramo da cincia da sade que se ocupa do estudo do criminoso como autor do delito, no que se refere sua personalidade. Nesse contexto, importante conhecer a personalidade do criminoso em todo seu desenvolvimento psicolgico e as circunstncias em que se processou sua vida. Para isso, devem ser investigadas a personalidade dos pais do criminoso; a infncia do criminoso; o ambiente em que ele se desenvolveu; as influncias morais, religiosas e econmicas naquele perodo; a transio do lar para a escola; aproveitamento e colegas da escola; vida sexual; empregos exercidos; dispensas e vcios adquiridos, vida criminal pregressa etc.

    2. Personalidade Normal e Patolgica

    2.1. Conceito: Entende-se por personalidade a sntese de todos os elementos que concorrem para a conformao mental de uma pessoa, de modo a lhe comunicar fisionomia prpria (Porot). a organizao dinmica dos aspectos ou elementos cognoscitivos, conativos, afetivos, fisiolgicos e morfolgicos do indivduo (Sheldon).

    Esquema da Personalidade:

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    TM = tipo morfolgico (conformao fsica)

    TT = tipo temperamental (emocional)

    C = carter (experincias)

    P = personalidade

    2.2. Caracteres Bsicos: unidade e identidade; vitalidade, conscincia e relaes com o meio-ambiente. No se pode dizer que exista uma personalidade normal, pois no existe um divisor claro entre o que seja normal e anormal; o que importa investigar se o indivduo traz ou no sinais patolgicos de doenas mentais. Portanto, normal o indivduo por excluso (que no tem sinais de molstias mentais).

    2.3. Evoluo da Personalidade: As fases de evoluo da personalidade so: infncia; juventude; idade adulta, maturidade.

    3. Relevncia Jurdica do Tema capacidade civil e criminal.

    TM

    TT

    C

    P

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    Capacidade Civil a aptido para adquirir direitos e contrai obrigaes por si s, sem necessidade de representao (arts. 3 e 4 do Cdigo Civil). Capacidade Penal a aptido mental e maturidade psquica para que se possa responder criminalmente. Implica no trinmio: imputabilidade + conscincia potencial da ilicitude + exigibilidade de conduta conforme a norma.

    Imputabilidade Penal (art.26, CP) INIMPUTVEIS: por doena mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado eram ao tempo da ao ou omisso inteiramente incapazes de entender o carter ilcito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento. SEMI-IMPUTVEIS: por perturbao da sade mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado eram relativamente incapazes de entender o carter ilcito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento.

    4. Perturbaes Mentais As mais importantes condies anormais que podem acontecer ao indivduo so as seguintes: perturbaes do desenvolvimento; da senso-percepo, da ideao e do juzo crtico; da harmonia intra-psquica e da estrutura da personalidade. A Organizao Mundial de Sade, por meio da CID 10 classifica tais perturbaes em 11 categorias, ao passo que a Associao Psiquitrica Americana rotula 16 categorias. Em razo de existirem algumas divergncias entre elas, resolvemos exp-las ao leitor: CID 10 (OMS)

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    I. Transtornos Mentais Orgnicos; II. Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de substncias psicoativas; III. Esquizofrenia; IV. Transtornos do humor; V. Transtornos neurticos; VI. Sndromes comportamentais associadas a perturbaes fisiolgicas e fatores fsicos; VII. Transtornos da personalidade e do comportamento; VIII. Retardo Mental; IX. Transtornos do desenvolvimento psicolgico; X. Transtornos emocionais e do comportamento; XI. Outros transtornos mentais no especificados.

    DSM IV (Associao Psiquitrica Americana) I. Transtornos em regra diagnosticados pela primeira vez na infncia ou adolescncia (retardo mental; transtornos de aprendizagem; de comunicao ou invasivos do desenvolvimento; transtornos de dficit de ateno e do comportamento diruptivo; transtornos da alimentao da primeira infncia; transtornos de tique; transtornos de excreo; outros transtornos da infncia e adolescncia); II. Delirium, demncia, transtorno amnsico e outros transtornos cognitivos; III. Transtornos mentais devido a uma condio mdica geral; IV. Transtornos relacionados a substncias (lcool; anfetamina; cafena; cannabis; cocana; alucingenos; inalantes; nicotina; opiceos; fenciclidina;

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    sedativos; hipnticos ou ansiolticos; mltiplas substncias; substncias desconhecidas); V. Esquizofrenia e outros transtornos psicticos; VI. Transtornos do humor (depressivos; bipolares); VII. de ansiedade; VIII. somatoformes; IX. factcios; X. dissociativos; XI. sexuais e da identidade de gnero (disfunes sexuais; parafilias; transtornos da identidade de gnero); XII. Transtornos alimentares; XIII. Transtornos do sono (primrios; relacionados a outro transtorno); XIV. Transtornos do controle dos impulsos no classificados em outro local; XV. Transtornos da personalidade; XVI. outras condies de relevncia clnica abusos, relacionamentos etc

    5. Fatores Limitadores ou Modificadores da Capacidade Civil e da Imputabilidade Penal Sabe-se que, para ser considerado normal, o indivduo no deve apresentar limitaes ou alteraes na capacidade civil ou na imputabilidade penal. A classificao abaixo segue proposta formulada pelo Prof. Eduardo Del. Campo (Medicina Legal, Saraiva: 2007).

    5.1- Fatores Biolgicos raa;

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    idade (crimes x menores; idosos etc); sexo (puerprio etc); emoo e paixo (atenuantes, homicdio privilegiado etc); agonia (prenncio da morte); epilepsia (afeco crnica do sistema nervoso central); cegueira (deficincia visual).

    5.2. Fatores Psicopatolgicos transtornos do sono (dissonias, parassonias sonambulismo); surdimutismo (deficincia da audio e da fala); afasia (perda total da fala e da capacidade de compreenso da palavra); prodigalidade (transtorno obsessivo-compulsivo que leva dilapidao patrimonial); embriaguez e toxicomanias (lcool e drogas).

    5.3. Fatores Psiquitricos demncias; retardos mentais ou oligofrenias (no passado, os nveis de debilidade eram quantificados numa escala baseada no quociente de inteligncia QI assim, o indivduo com QI inferior a 25 era tido por idiota, com idade mental menor que 3 anos; o indivduo com QI entre 25 e 50, cuja idade mental situava-se entre 3 e 7 anos era tido por imbecil; e o indivduo com QI entre 50 e 80 era tido por dbil mental ou cretino, com idade mental entre 7 e 12 anos. O QI normal situava-se entre 90 e 110, os quase-normais entre 80 e menos que 90 e os super-dotados, acima de 110.); esquizofrenias e outros transtornos psicticos;

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    transtornos diversos (neuroses e psicoses).

    5.4. Fatores Mesolgicos civilizao (ndio inadaptado, etc); psicologia das multides (crimes multitudinrios, como linchamentos, saques, confrontos entre torcidas de futebol etc).

    5.5. Fatores Legais reincidncia penal (prtica de uma nova infrao penal, aps condenao pela anterior, arts. 61 e 63, CP).

    6. Delinqncia anti-social (psicoptica ou caracterolgica) aquela realizada por indivduos portadores de transtornos especficos da personalidade, que desenvolvem conduta criminosa estruturada e aparentemente irreversvel. Origina-se de aspectos bio-hereditrios. Em regra, o criminoso penalmente semi-imputvel.

    7. Delinqncia dissocial (essencial) aquela realizada por indivduos que so produto de privaes emocionais, de abandono afetivo ou de integrao a grupos sem atividade construtiva ou mesmo delituosas. Por viverem todo o tempo em meio a ambientes imorais, desconsideram os cdigos sociais de conduta. Em regra, so penalmente imputveis e, excepcionalmente, semi-imputveis.

    8. Incidente de insanidade mental (arts. 149 a 154, CPP)

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    Havendo dvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz, de ofcio, ou a requerimento do MP ou por representao do delegado de polcia, poder determinar, incidentalmente, durante o processo ou no inqurito policial, a realizao de exame de sanidade mental, para se saber se , ao tempo da ao ou omisso, o agente possua capacidade de compreenso acerca do ilcito penal ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Trata-se de uma conseqncia do art. 26, CP, que impede a condenao do inimputvel, que absolvido e a ele aplicada uma medida de segurana. Quanto ao semi-imputvel, pode haver condenao, embora com reduo de pena (art. 26, nico, CP) ou mesmo aplicao de medida de segurana, se esta for o melhor caminho para seu tratamento (art. 98, CP).