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    DO PARADIGMA ETIOLGICO AO PARADIGMA DAREAO SOCIAL: MUDANA E PERMANNCIA DE

    PARADIGMAS CRIMINOLGICOS NA CINCIA E NOSENSO COMUM

    Vera Regina Pereira de Andrade

    1 Introduo

    Neste artigo abordamos, numa perspectiva sincrnica antes que diacrnica (his-trica), a mudana do paradigma etiolgico para o paradigma da reao social que aCriminologia experimenta desde a dcada de sessenta de nosso sculo, situando adesconstruo epistemolgica que o novo paradigma operou em relao ao tradicional ea permanncia deste, para alm desta desconstruo, pela sua importante funcionalidade(no declarada) como cincia do controle scio-penal. Muitas razes justificam, pensa-mos, a ateno aqui dedicada ao tema. Mas ao invs de explicit-las - o que ensejariabasicamente um outro artigo - deixamos que o leitor extraia suas prprias concluses.

    2. O paradigma etiolgico de Criminologia.

    A Antropologia criminal de C. Lombroso e, a seguir, a Sociologia Criminal de E.Ferri constituem duas matrizes fundamentais na conformao do chamado paradigmaetiolgico de Criminologia, o qual se encontra associado tentativa de conferir disciplina o estatuto de uma cincia segundo os pressupostos epistemolgicos dopositivismo e ao fenmeno, mais amplo, de cientificizao do controle social, naEuropa de finais do sculo XIX.

    Na base deste paradigma a Criminologia ( por isto mesmo positivista) defini-da como uma Cincia causal-explicativa da criminalidade ; ou seja, que tendo porobjeto a criminalidade concebida como um fenmeno natural, causalmente determi-nado, assume a tarefa de explicar as suas causas segundo o mtodo cientfico ouexperimental e o auxlio das estatsticas criminais oficiais e de prever os remdios para1Professora nos cursos de graduao e ps-graduao em Direito da UFSC.2 O LUomo delinqente de LOMBROSO (publicado em 1876), a Sociologia Criminale de FERRI(publicada em 1891)e a Criminologia - studio sul delitto e sulla teoria della represione de GARFALO (publicada em 1885) com enfoque,respectivamente, antropolgico, sociolgico e jurdico, so consideradas as obras bsicas caracterizadoras da chamadaEscola Positiva italiana e os trs seus mximos definidores e divulgadores. Sobre a insero histrica e os condicionamen-tos deste paradigma, bem como sua transnacionalizao ver ANDRADE,1994.3 Sobre a caracterizao do positivismo ver ANDRADE, 1994 e TAYLOR, WALTON, YOUNG, 1990.

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    combat-la. Ela indaga, fundamentalmente, o que o homem (criminoso) faz e porque o faz.O pressuposto, pois, de que parte a Criminologia positivista que a

    criminalidade um meio natural de comportamentos e indivduos que os distinguemde todos os outros comportamentos e de todos os outros indivduos. Sendo acriminalidade esta realidade ontolgica, preconstituda ao Direito Penal (crimes na-turais) que, com exceo dos chamados crimes artificiais,4 no faz mais do quereconhec-la e positiv-la, seria possvel descobrir as suas causas e colocar a cinciadestas ao servio do seu combate em defesa da sociedade.

    A primeira e clebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo mdicoitaliano LOMBROSO que sustenta, inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa docrime identificada no prprio criminoso. Partindo do determinismo biolgico(anatmico-fisiolgico) e psquico do crime e valendo-se do mtodo de investigaoe anlise prprio das cincias naturais (observao e experimentao) procurou com-provar sua hiptese atravs da confrontao de grupos no criminosos com crimino-sos dos hospitais psiquitricos e prises sobretudo do sul da Itlia, pesquisa na qualcontou com o auxlio de FERRI, quem sugeriu, inclusive, a denominao criminosonato. Procurou desta forma individualizar nos criminosos e doentes apenados ano-malias sobretudo anatmicas e fisiolgicas5 vistas como constantes naturalsticasque denunciavam, a seu ver, o tipo antropolgico delinqente, uma espcie partedo gnero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes.

    Sobre a base destas investigaes buscou primeiramente no atavismo umaexplicao para a estrutura corporal e a criminalidade nata. Por regresso atvica, ocriminoso nato se identifica com o selvagem. Posteriormente, diante das crticas sus-citadas, reviu sua tese, acrescentando como causas da criminalidade a epilepsia e, aseguir, a loucura moral. Atavismo, epilepsia e loucura moral constituem o que Vonnackedenominou de trptico lombrosiano.6

    Desenvolvendo a Antropologia lombrosiana numa perspectiva sociolgica,Ferri admitiu, por sua vez, uma trplice srie de causas ligadas etiologia do crime:individuais (orgnicas e psquicas), fsicas (ambiente telrico) e sociais (ambientesocial) e, com elas, ampliou a originria tipificao lombrosiana da criminalidade.

    Assim FERRI (1931,p.44,45,49 e 80) sustentava que o crime no decorrncia dolivre arbtrio, mas o resultado previsvel determinado por esta trplice ordem de fatores queconformam a personalidade de uma minoria de indivduos como socialmente perigosa.

    4 Segundo a distino entre delitos naturais e artificiais, que ficou a dever-se a GAR0FALO, se considera que apenasos delitos artificiais representam, excepcionalmente, violaes de determinados ordenamentos polticos e econmicos eresultam sancionados em funo da consolidao dessas estruturas.5 Como pouca capacidade craniana, frente fugidia, grande desenvolvimento dos arcos zigomtico e maxilar, cabelo crespoe espesso, orelhas grandes, agudeza visual, etc.6 A respeito do exposto ver LOMBROSO (1983); SOUSA (1977, p.17-8) e LAMNEK (1980, p.20).

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    Seria fundamental, pois, ver o crime no criminoso porque ele , sobretudo, sintomarevelador da personalidade mais ou menos perigosa (anti-social) de seu autor, para aqual se deve dirigir uma adequada defesa social.

    Da a tese fundamental de que ser criminoso constitui uma propriedade dapessoa que a distingue por completo dos indivduos normais. Ele apresenta estigmasdeterminantes da criminalidade.

    Estabelece-se desta forma uma diviso cientfica entre o (sub)mundo dacriminalidade, equiparada marginalidade e composta por uma minoria de sujeitospotencialmente perigosos e anormais (o mal) e o mundo, decente, da normalidade,representado pela maioria na sociedade (o bem).

    A violncia , desta forma, identificada com a violncia individual (de umaminoria ) a qual se encontra, por sua vez, no centro do conceito dogmtico de crime,imunizando a relao entre a criminalidade e a violncia institucional e estrutural.

    E este potencial de periculosidade social, que os positivistas identificaramcom anormalidade e situaram no corao do Direito Penal7 que justifica a pena comomeio de defesa social e seus fins socialmente teis: a preveno especial positiva(recuperao do criminoso mediante a execuo penal) assentada na ideologia dotratamento que impe, por sua vez, o princpio da individualizao da pena comomeio hbil para a elaborao de juzos de prognose no ato de sentenciar.8

    Logo, trata-se de defender a sociedade destes seres perigosos que se apartamou que apresentam a potencialidade de se apartar do normal (prognstico cientficode periculosidade) havendo que ressocializ-los ou neutraliz-los. (BUSTOS RAMIREZin BERGALLI e BUSTOS RAMREZ, 1983b, p.17)

    Este saber causal gerou, pois, um saber tecnolgico: no apenas o diagnsti-co da patologia criminal, mas acompanhada do remdio que cura.

    Instaura-se, desta forma, o discurso do combate contra a criminalidade ( omal) em defesa da sociedade (o bem) respaldado pela cincia . A possibilidade deuma explicao cientificamente fundamentada das causas enseja, por extenso,uma luta cientfica contra a criminalidade erigindo o criminoso em destinatrio de umapoltica criminal de base cientfica. A um passado de periculosidade confere-se umfuturo: a recuperao.

    Obviamente, um modelo consensual de sociedade que opera por detrs des-te paradigma, segundo o qual no se problematiza o Direito Penal - visto como ex-presso do interesse geral - mas os indivduos, diferenciados, que o violam. A socie-dade experimenta uma nica e maniquesta assimetria: a diviso entre o bem e o mal.

    A s r e p r e s e n t a e s d o d e t e r m i n i s m o / c r i m i n a l i d a d eo n t o l g i c a / p e r i c u l o s i d a d e / a n o r m a l i d a d e / t r a t a m e n t o / r e s s o c i a -

    7 Foi GAROFALO (1983) quem, projetando as concepes antropolgicas e sociolgicas do positivismo para o Direito Penal,formulou o conceito de temibilidade do delinqente significando a perversidade constante e ativa do delinqente e aquantidade do mal previsto que h que se temer por parte dele, depois substitudo pelo termo mais expressivo de periculosidade.8 E justifica, tambm, a introduo das medidas de segurana por tempo indeterminado. Pois elas devem durar at que ocriminoso aparea recuperado para a vida livre e honesta.

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    lizao se complementam num crculo extraordinariamente fechado conformando umapercepo da criminalidade que se encontra, h um sculo, profundamente enraizadanas agncias do sistema penal e no senso comum.

    3. O labelling approach9 e o paradigma da reao social :uma revoluo de paradigma em Criminologia.

    Este paradigma, com a qual nasceu a Criminologia como cincia no final dosculo XIX liberta-se, assim, de suas condies originrias de nascimento para setransnacionalizar em grande escala permanecendo, no apenas na Europa, na base deposteriores desenvolvimentos da disciplina, inclusive os mais modernos que, inda-gao sobre as causas da criminalidade, forneceram respostas diferentes das antro-polgicas e sociolgicas do positivismo originrio e que nasceram, em parte, dapolmica com ele (teorias explicativas de ordem psicanaltica, psiquitrica,multifatoriais, etc.). (BARATTA, 1982b, p.29)

    Mas enquanto a Criminologia europia permanece relativamente estanque, doponto de vista epistemolgico, no mundo anglo-saxo, em particular na Amrica doNorte, que experimentar um posterior desenvolvimento, sobretudo como SociologiaCriminal, assumindo a dianteira terica da disciplina e preparando o terreno para umamudana de paradigma em Criminologia.10

    Foi assim que a introduo do labelling approach, devido sobretudo influ-ncia de correntes de origem fenomenolgica (como o interacionismo simblico e aetnometodologia) na sociologia do desvio e do controle social e de outros desenvol-vimentos da reflexo histrica e sociolgica sobre o fenmeno criminal e o Direitopenal determinaram, no seio da Criminologia contempornea, a constituio de umparadigma alternativo relativamente ao paradigma etiolgico: o paradigma da reaosocial (social reation approach) do controle ou da definio.(BARATTA, 1983b,p.147 e 1991a, p.225)

    9 O labelling approach designado na literatura, alternativa e sinonimiamente, por enfoque (perspectiva ou teoria) dointeracionismo simblico, etiquetamento, rotulao ou ainda por paradigma da reao social (social reation approach),do controle ou da definio. Ele surge nos Estados Unidos da Amrica em finais da dcada de 50 e incios da dcadade 60 com os trabalhos de autores como H. GARFINKEL, E. GOFMANN,K. ERICSON, A. CICOUREL, H.BECKER, E.SCHUR, T. SCHEFF, LEMERT, KITSUSE entre outros, pertencentes Nova Escola de Chicago com o questionamentodo paradigma funcional at o momento dominante dentro da Sociologia norte-americana.Considera-se H. Becker, sobretudo atravs de seu j clssico Outsiders ( publicado em 1963) o fundador deste paradigmacriminolgico. E na verdade, Outsiders persiste ainda como a obra central do labelling, a primeira onde esta nova perspec-tiva aparece consolidada e sistematizada e onde se encontra definitivamente formulada a sua tese central.10 justamente este desenvolvimento da Criminologia desde os anos 30 do nosso sculo que BARATTA (1991a, p.35 et seq.e 1982b, p.33-36) reconstri para demonstrar que, no obstante demarcado num sistema jurdico e numa Cincia do DireitoPenal muito diversos dos caractersticos da Europa Ocidental, preparou o terreno para esta mudana paradigmtica queocorre, pois, como um processo sem soluo de continuidade na histria da disciplina.

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    Modelado pelo interacionismo simblico11 e a etnometodologia12 como esque-ma explicativo da conduta humana (o construtivismo social) o labelling parte dosconceitos de conduta desviada e reao social, como termos reciprocamenteinterdependentes, para formular sua tese central: a de que o desvio e a criminalidadeno uma qualidade intrnseca da conduta ou uma entidade ontolgica preconstituda reao social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuda a determinados sujei-tos atravs de complexos processos de interao social; isto , de processos formaise informais de definio e seleo.

    Uma conduta no criminal em si (qualidade negativa ou nocividade ineren-te) nem seu autor um criminoso por concretos traos de sua personalidade ou influ-ncias de seu meio-ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como umstatus atribudo a determinados indivduos mediante um duplo processo: a definiolegal de crime, que atribui conduta o carter criminal e a seleo que etiqueta eestigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas.

    Conseqentemente, no possvel estudar a criminalidade independentementedesses processos. Por isso, mais apropriado que falar da criminalidade (e do criminoso) falar da criminalizao (e do criminalizado) e esta uma das vrias maneiras de cons-truir a realidade social. (BARATTA,1982b, p.35; PABLOS DE MOLINA, 1988, p.581-583; HASSEMER,1984, p.81-2; HULSMAN, 1986, p.127-8; ALVAREZ, 1990, p.15-6 e 21)

    Esta tese, da qual provm sua prpria denominao (etiquetamento,rotulao) se encontra definitivamente formulada na obra de BECKER (1971,p.19) nos seguintes termos: os grupos sociais criam o desvio ao fazer as re-gras cuja infrao constitui o desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas

    11 Direo da Psicologia Social e da Sociolingstica inspirada em Charles COOLEY e George H. MEAD.Do interacionismo desenvolvido por MEAD, cuja tese central pode ser resumida em que a sociedade interao e que adinmica das instituies sociais somente pode ser analisada em termos de processos de interao entre seus membros, sederivaram diversas escolas dentre as quais a Escola de Chicago que pertencem LEMERT e BECKER, a escola dramatrgicade GOFFMAN e a Etnometodologia.O interacionismo simblico representa uma certa superao da antinomia rgida das concepes antropolgicas e sociol-gicas do comportamento humano, ao evidenciar que no possvel considerar a sociedade - assim como a natureza humana- como dados estanques ou estruturas imutveis. A sociedade, ou seja, a realidade social, constituda por uma infinidadede interaes concretas entre indivduos, aos quais um processo de tipificao confere um significado que se afasta dassituaes concretas e continua a estender-se atravs da linguagem. O comportamento do homem assim inseparvel dainterao social e sua interpretao no pode prescindir desta mediao simblica. (ALVAREZ G,1990, p.19; DIAS eANDRADE, 1984, p.344-5)12 Direo inspirada na sociologia fenomenolgica de Alfred SHUTZ. Segundo a etnometodologia, tambm, a sociedade no uma realidade que se possa conhecer objetivamente, mas o produto de uma construo social obtida mediante umprocesso de definio e de tipificao por parte dos indivduos e grupos diversos.Conseqentemente, para o interacionismo e a etnometodologia, estudar a realidade social (por exemplo, a conduta des-viada e a criminalidade) significa, essencialmente, estudar esses processos, partindo dos que so aplicados a simplescomportamentos para chegar s construes mais complexas, como a prpria ordem social. (BARATTA,1991a, p.85-6; DIASe ANDRADE, 1984, p.54)

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    em particular e qualific-las de marginais (estranhos). Desde este ponto de vista, odesvio no uma qualidade do ato cometido pela pessoa, seno uma conseqnciada aplicao que os outros fazem das regras e sanes para um ofensor. Odesviante uma pessoa a quem se pode aplicar com xito dita qualificao (etique-ta); a conduta desviante a conduta assim chamada pela gente.

    Numa segunda aproximao, a criminalidade se revela como o processo deinterao entre ao e reao social de modo que um ato dado seja desviante ouno depende em parte da natureza do ato (ou seja, se quebranta ou no algumaregra), e em parte do que outras pessoas fazem a respeito. (BECKER,1971, p.13)

    Pois, ainda no dizer de BECKER (1971, p.14) devemos reconhecer que nopodemos saber se um certo ato vai ser catalogado como desviante at que seja dadaa resposta dos demais. O desvio no uma qualidade presente na conduta mesma,seno que surge da interao entre a pessoa que comete o ato e aqueles que reagemperante o mesmo.

    Ao afirmar que a criminalidade no tem natureza ontolgica, mas social edefinitorial e acentuar o papel constitutivo do controle social na sua construoseletiva, o labelling desloca o interesse cognoscitivo e a investigao das causasdo crime e, pois, da pessoa do autor e seu meio e mesmo do fato-crime, para a reaosocial da conduta desviada, em especial para o sistema penal.

    Como objeto desta abordagem o sistema penal no se reduz ao complexoesttico das normas penais mas concebido como um processo articulado e din-mico de criminalizao ao qual concorrem todas as agncias do controle socialformal, desde o Legislador (criminalizao primria), passando pela Polcia e a Jus-tia (criminalizao secundria) at o sistema penitencirio e os mecanismos docontrole social informal. Em decorrncia, pois, de sua rejeio ao determinismo eaos modelos estticos de comportamento, o labelling conduziu ao reconhecimentode que, do ponto de vista do processo de criminalizao seletiva, a investigaodas agncias formais de controle no pode consider-las como agncias isoladasumas das outras, auto-suficientes e auto-reguladas mas requer, no mais alto grau,um approach integrado que permita apreender o funcionamento do sistema comoum todo. (DIAS e ANDRADE, 1984, p.373-4).

    Neste sentido, no apenas a criminalizao secundria insere-se no continuumda criminalizao primria, mas o processo de criminalizao seletiva acionado pelosistema penal se integra na mecnica do controle social global da conduta desviadade tal modo que para compreender seus efeitos necessrio apreend-lo como umsubsistema encravado dentro de um sistema de controle e de seleo de maior ampli-tude. Pois o sistema penal no realiza o processo de criminalizao e estigmatizao margem ou inclusive contra os processos gerais de etiquetamento que tem lugar noseio do controle social informal, como a famlia e a escola (por exemplo, o filho estig-matizado como ovelha negra pela famlia, o aluno como difcil pelo professor

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    etc.) e o mercado de trabalho, entre outros. (HASSEMER, 1984, p.82; CODE, 1985,p.37)

    E desta perspectiva relativizado fica tanto o lugar do Direito e da Justia Penalno controle social formal quanto o lugar deste em relao ao controle social global.

    Assim, ao invs de indagar, como a Criminologia tradicional, quem crimino-so?, por que que o criminoso comete crime? o labelling passa a indagar quem definido como desviante? por que determinados indivduos so definidos comotais?, em que condies um indivduo pode se tornar objeto de uma definio?,que efeito decorre desta definio sobre o indivduo?, quem define quem? e,enfim, com base em que leis sociais se distribui e concentra o poder de definio?(BARATTA, 1991a, p.87; DIAS e ANDRADE, 1984, p.43).

    Da o desenvolvimento de trs nveis explicativos do labelling approach,cuja ordem lgica procede aqui inverter:

    a) um nvel orientado para a investigao do impacto da atribuio do statusde criminoso na identidade do desviante ( o que se define como desvio secund-rio)13; b) um nvel orientado para a investigao do processo de atribuio do statusde criminoso (criminalizao secundriaou processo de seleo)14; c) um nvel ori-entado para a investigao do processo de definio da conduta desviada(criminalizao primria)15 que conduz, por sua vez, ao problema da distribuio dopoder social desta definio, isto , para o estudo de quem detm, em maior ou menormedida, este poder na sociedade. E tal o nvel que conecta o labelling com as teoriasdo conflito.(BARATTA, 1991a, p.87; PABLOS DE MOLINA, 1988, p.588, 592-3)

    A investigao se desloca, em suma, dos controlados para os controladores e, reme-tendo a uma dimenso macrosociolgica, para o poder de controlar. Pois ao chamar a atenopara a importncia do processo interativo (de definio e seleo) para a construo e

    13 Este nvel prevalece entre os autores que se ocuparam particularmente da identidade e das carreiras desviadas, comoHoward Becker, Edwin M. Schur e Edwin M.Lemert a quem se deve o conceito de desvio secundrio (secondary deviance)que teorizado pela primeira vez em seu Social Pathology em 1951, foi por ele retomado e aprofundado em HumanDeviance. social problems and social control (1972) tendo se convertido num dos tpicos centrais do labelling.Relacionando-se com um mais vasto pensamento penalgico e criminolgico crtico sobre os fins da pena este nvel deinvestigao pe em evidncia que a interveno do sistema penal, em especial as penas privativas de liberdade, ao invsde exercer um efeito reeducativo sobre o delinqente, determinam, na maior parte dos casos, uma consolidao de umaverdadeira e prpria carreira criminal, lanando luz sobre os efeitos crimingenos do tratamento penal e sobre o problemano resolvido da reincidncia. De modo que seus resultados sobre o desvio secundrio e sobre as carreiras criminosasrepresentam a negao da concepo reeducativa da pena e da ideologia do tratamento. (BARATTA, 1991a, p. 89 e 116)14 Tal o processo de aplicao das normas penais pela Polcia e a Justia, que corresponde ao importante momento daatribuio da etiqueta de desviante (etiquetamento ou rotulao)15 Correspondente ao processo de criao das normas penais, em que se definem os bens jurdicos a serem protegidos, ascondutas que sero criminalizadas e as respectivas penas numa determinada sociedade. No obstante, no se limitam aanlise das definies legais, levando tambm em considerao ( com maior ou menor nfase) as definies informais dadaspelo pblico em geral (definies do senso comum).

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    a compreenso da realidade social da criminalidade, o labelling demonstrou tambmcomo as diferenas nas relaes de poder influenciam esta construo. ((HULSMAN,1986, p.127) Assenta, pois, na recusa do monismo cultural e do modelo do consensocomo teoria explicativa da gnese das normas penais e da sociedade, que constituaum pressuposto fundamental da Criminologia positivista.16

    Manifesta , pois, a ruptura epistemolgica e metodolgica operada com aCriminologia tradicional, traduzida no abandono do paradigma etiolgico-determinista(sobretudo na perspectiva bio-psicolgica individual) e na substituio de um mode-lo esttico e descontnuo de abordagem por um modelo dinmico e contnuo que oconduz a reclamar a redefinio do prprio objeto criminolgico.17

    Opera por este caminho como se autoatribuem seus representantes e a litera-tura em geral subscreve, um verdadeiro salto qualitativo - uma revoluo deparadigma no sentido kuhneano -consubstanciado na passagem de um paradigmabaseado na investigao das causas da criminalidade a um paradigma baseado nainvestigao das condies da criminalizao, que se ocupa hoje em dia, fundamen-talmente, da anlise dos sistemas penais vigentes (natureza, estrutura e funes). ACriminologia contempornea desenvolvida na base deste paradigma, especialmentea Criminologia crtica, tende a transformar-se, assim, de uma teoria da criminalidadeem uma teoria crtica e sociolgica do sistema penal. (BERGALLI, in BERGALLI eBUSTOS RAMREZ, 1983a, p.146-7; BARATTA, 1991a, p.167 e 1982b, p.40-1ALVAREZ, 1990, p.15-6 e 31; MUOZ GONZALEZ, 1989; HASSEMER, 1984, p.84;LARRAURI, 1991, p.1; PAVARINI, 1987, p.127)

    Alm dos j referidos resultados da investigao sobre o impacto doetiquetamento podemos enunciar, ainda que sumariamente, um conjunto de resulta-dos irreversveis deste paradigma sobre a seletividade do sistema penal que, oriundados demais nveis referidos, reconhece nele uma complexa formulao.18

    Desde o ponto de vista das definies legais, a criminalidade se manifestacomo o comportamento da maioria, antes que de uma minoria perigosa da populaoe em todos os estratos sociais. Se a conduta criminal majoritria e ubqua e aclientela do sistema penal composta, regularmente, em todos os lugares do mun-do, por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, isto indica que h umprocesso de seleo de pessoas, dentro da populao total, s quais se qualificacomo criminosos. E no, como pretende o discurso penal oficial, uma incrimina-

    16 A respeito ver BECKER (1971, p.26)17 Ruptura que se traduz, por outro lado, na desqualificao das estatsticas oficiais como instrumento fundamental de acesso realidade criminal, devido s insuperveis aporias a que conduziam do ponto de vista gnoseolgico.18 Tais resultados so tributrios de trs outros campos de investigao em que o labelling se baseia: as aquisies da teoriajurdica relativamente tese do papel criador do juiz, as investigaes sociolgicas relativas criminalidade de colarinhobranco, cifra negra da criminalidade e a crtica das estatsticas criminais.

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    o (igualitria) de condutas qualificadas como tais. O sistema penal se dirige quasesempre contra certas pessoas, mais que contra certas aes legalmente definidascomo crime. A conduta criminal no , por si s, condio suficiente deste processo.Pois os grupos poderosos na sociedade possuem a capacidade de impor ao sistemauma quase que total impunidade das prprias condutas criminosas.(ZAFFARONI,1987,p.22 e 32; BARATTA,1982b, p.35, 1991a, p.172 e 1993, p.49)

    Desta forma, a minoria criminal perigosa a que se refere a explicao etiolgica(Criminologia positivista) resulta de que as possibilidades (chances) de resultar etiquetado,com as graves conseqncias que isto implica, se encontram desigualmente distribudas. Eum dos mecanismos fundamentais desta distribuio desigual da criminalidade so precisa-mente os esteretipos de autores e vtimas que, tecidos por variveis geralmente associa-das aos pobres ( baixo status social, cor, etc) torna-os mais vulnerveis criminalizao: o mesmo esteretipo epidemiolgico do crime que aponta a um delinqente as celas dapriso e poupa a outro os seus custos. (DIAS e ANDRADE, 1984, p.552)

    A clientela do sistema penal constituda de pobres no porque tenham umamaior tendncia para delinqir mas precisamente porque tem maiores chances deserem criminalizados e etiquetados como criminosos.

    Em suma, como conclui SACK, a criminalidade (a etiqueta de criminoso) umbem negativo que a sociedade (controle social) reparte com o mesmo critrio dedistribuio de outros bens positivos (o status social e o papel das pessoas: fama,patrimnio, privilgios etc.) mas em relao inversa e em prejuzo das classes sociaismenos favorecidas. A criminalidade o exato oposto dos bens positivos (do privil-gio). E, como tal, submetida a mecanismos de distribuio anlogos, porm emsentido inverso distribuio destes.

    4. A desconstruo epistemolgica do paradigma etiolgico:a traio da Criminologia matriz positivista de cincia.

    importante ento pontualizar como esta mudana de paradigma permitiu evi-denciar o dficit causal do paradigma etiolgico e desconstruir seus fundamentosepistemolgicos a partir da constatao de que o substrato ontolgico que confere criminalidade no se apoia, em absoluto, sobre a criminalidade como fenmeno oufato social, mas sobre o Direito e o sistema penal.

    que a Criminologia positivista tem como referente para a individualizao doseu objeto a prpria lei penal e os resultados finais e contingentes do processo decriminalizao acionado pelo sistema penal investigando assim a criminalidade talcomo resultante de uma dupla seleo.

    Em primeiro lugar, das definies legais de crime e das estatsticas oficiais e emsegundo lugar, da seleo dos criminosos deste modo tornados disponveis para aobservao e experimentao clnica atravs da priso e dos manicmios.

    Ao aceitar que crime a concreo de uma conduta legalmente definida

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    como tal j no pode investigar a criminalidade como fenmeno social, mas apenasenquanto definida normativamente. Na prpria delimitao de seu objeto j se realiza,pois, uma subordinao da Criminologia ao Direito Penal. E ao identificar os crimino-sos com os autores das condutas legalmente definidas como tais e, mais do que isso,com os sujeitos etiquetados pelo sistema como criminosos, identifica populao cri-minal com a clientela do sistema penal . Neste nvel sua dependncia metodolgicaestende-se da normatividade ao resultado da prpria operacionalidade, altamenteseletiva, do sistema penal. Seu laboratrio de experimentao que, coerentementecom o interesse originrio na investigao da criminalidade como fenmeno, deveriaser a sociedade converte-se, na prtica, nas prises e manicmios.19 (PLATT, 1980;ZAFFARONI, 1991, p.44; DIAS e ANDRADE, 1984, p.66; PAVARINI, 1988, p.53-4;PABLOS DE MOLINA, 1988, p.583)

    Assim, o criminlogo positivista no conhecer nunca o fenmeno da pros-tituio, do trfico de drogas, do crime organizado, etc., podendo conhecer algumasmulheres, traficantes e mafiosos, por exemplo, que foram selecionados pelo sistema.E isto vale independentemente para todas as formas de criminalidade.

    Pelo que se chega a uma concluso verdadeiramente paradoxal: opositivismo criminolgico que havia se dirigido para a busca de um fundamentonatural, ontolgico, da criminalidade, contra toda sua boa inteno a demons-trao inequvoca do contrrio; ou seja, de que a criminalidade um fenmenonormativo. Certamente impossvel de ser conhecido desde um ponto de vistafenomenolgico. (PAVARINI, 1988, p.54)

    Suas teorias etiolgicas somente podem concluir, pois, por causas indissocivele exclusivamente ligadas ao tipo de pessoas que integram a clientela do sistema,buscando nelas todas as variveis que expliquem sua diversidade com respeito aossujeitos normais, com excluso, todavia, do prprio processo criminalizao, queaparece como o fundamento da diversidade. sobre os baixos estratos sociais, por-tanto, que recai o estigma da periculosidade e da maior tendncia para delinqir.

    precisamente esta situao de dependncia na qual a Criminologia positivistase encontra na prpria definio de seu objeto de investigao e as aporias daresultantes, que do lugar ao profundo questionamento de seu status cientfico le-vando concluir que a sua pretenso de proporcionar uma teoria das causas dacriminalidade no tem justi f icao do ponto de vista epistemolgico(BARATTA,1982a, p.29 e 1983b, p.146)

    E isto porque uma investigao causal-naturalista no aplicvel a objetos defini-dos por normas, convenes ou avaliaes sociais ou institucionais, j que faz-lo acar-reta uma coisificao dos resultados destas definies normativas que aparecem comocoisas que existem independentemente delas. A criminalidade, os criminosos so,sem dvida, objetos deste tipo. E so impensveis sem a interveno da rea-

    19. Basta lembrar a engenharia lombrosiana de medio e quantificao de crneos dos presos italianos, imortalizada noMuseu de Turim.

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    o social e penal (BARATTA, 1983, p.146)Em sntese, pois, a aporia desta Criminologia consiste em que ela se declara como

    uma cincia causal-explicativa da criminalidade, exclui a reao social de seu objeto(centrando-se na ao criminal) quando dela inteiramente dependente; ao mesmo tempoem que se apoia, aprioristicamente, numa noo ontolgica da criminalidade. Assim, aoinvs de investigar, fenomenicamente, o objeto criminalidade, este aparece j dado pelaclientela das prises e dos manicmios que constitui ento a matria-prima para a elabo-rao de suas teorias criminolgicas, com base nas estatsticas oficiais.

    A coisificao da criminalidade produzida pelo paradigma etiolgico comportaento, como reverso da medalha, uma grave conseqncia. Esta matria-prima obti-da e coincide, no se sabe em virtude de que harmonia preestabelecida, com o produ-to da reao social e penal a qual, segundo a hiptese de que parte este paradigmadeveria ser indiferente para a existncia do seu objeto de investigao, porque deexistncia ontolgica.

    Chegamos, assim, a um ponto fundamental. A partir desta desconstruoepistemolgica, fica claro como a Criminologia positivista, mesmo nas suas versesmais atualizadas (atravs da aproximao multifatorial) no opera como uma ins-tncia cientfica sobre a criminalidade, mas como uma instncia interna e funcionalao sistema penal, desempenhando uma funo imediata e diretamente auxiliar, relati-vamente a ele e poltica criminal oficial.20

    Neste sentido, no apenas coloca seu prprio saber ( causal e tecnolgico) aoservio dos objetivos declarados do sistema, mas produz (e reproduz) o prpriodiscurso interno que os declara, avalizando, do ponto de vista da cincia, uma ima-gem do sistema que dominada por esses objetivos. A sua contribuio para a raci-onalizao do sistema , sobretudo, uma contribuio legitimadora (auto-legitimaooficial). (BARATTA, 1983a, p.152)

    Verifica-se, desta forma, uma autntica traio criminolgica aos pressupos-tos epistemolgicos do positivismo cientfico.

    5 A Criminologia positivista como cincia do controle s-cio-penal: das promessas s funes latentes e reais

    Pois no se trata de explicar causalmente a criminalidade, mas de instrumentalizare justificar, legitimando-a, a seleo da criminalidade e a estigmatizao dos criminososoperada pelo sistema penal. E no se trata, igualmente, de combat-la, porque afuno do sistema , precisamente, a de constru-la ou geri-la seletivamente.

    Com seu proceder, a Criminologia positivista contribui para mistificar osmecanismos de seleo e estigmatizao ao mesmo tempo em que lhes confereuma justificao ontolgica de base cientfica (uma base de marginalizao

    20. por isso que o seu universo de referncias praticamente imposto pelo mesmo sistema e ela obrigada a pedir-lhe adefinio do seu prprio objeto de investigao.

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    cientfica aos estratos inferiores). Contribui, igualmente, para a produo e reproduo deuma imagem estereotipada e preconceituosa da criminalidade e do criminoso vinculada aosbaixos estratos sociais - que condiciona, por sua vez, a seletividade do sistema penal - numcrculo de representaes extraordinariamente fechado que goza - repita-se - de uma secularvigncia no senso comum em geral e nos operadores do sistema penal em particular.

    Ao definir-se, pois, como cincia causal-explicativa a Criminologia positivistaoculta o que na verdade sempre foi: uma cincia do controle social (ANYAR DECASTRO, 1987, p. 22-32) que nasce como um ramo especfico da cincia positivistapara instrumentaliz-lo e legitim-lo .21

    Tal contributo legitimador destacado por PAVARINI (1980, p.49-54) ao assi-nalar que foi precisamente pela aportao determinante do positivismocriminolgico que o sistema repressivo se legitimou como defesa social. O conceitode defesa social tem subjacente uma ideologia cuja funo justificar e racionali-zar o sistema de controle social em geral e o repressivo em particular. (...)A defesasocial portanto uma ideologia extremamente sedutora, enquanto capaz de enri-quecer o sistema repressivo (vigente) com os atributos da necessidade, da legitimi-dade e da cientificidade.

    Conseqentemente, a sobrevivncia secular desta Criminologia e suas represen-taes da criminalidade, na cincia e no senso comum, para alm de sua desconstruoepistemolgica, se explica pelo cumprimento de outras funes latentes e reais, distintasdas prometidas. Eis a o fascnio pelo qual saiu da academia para ganhar as ruas e legiti-mar o sistema penal, em uma palavra, como cincia do controle social.

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    CCRRIIMMIINNOOLLOOGGIIAA MMIIDDIITTIICCAA EE AA SSEELLEETTIIVVIIDDAADDEE DDOO

    SSIISSTTEEMMAA PPEENNAALL

    CRIMINOLOGY MEDIA AND SELECTIVITY OF THE PENAL SYSTEM

    Fbio Freitas Dias 1

    Felipe da Veiga Dias 2

    Tbata Cassenote Mendona 3

    RESUMO

    O presente estudo tem como tema central o debate acerca da criminologia miditica e a seletividade imposta pelo sistema penal, bem como busca respostas a indagao acerca da aceitao social desse discurso. Para fundamentar o estudo, utiliza-se da teoria do Labeling Aproach para explicar como ocorre essa seletividade. Para tanto, utiliza-se aqui o mtodo de abordagem dedutivo, juntamente a adoo dos mtodos de procedimento monogrfico e da tcnica de pesquisa de bibliografia indireta. Contudo, cabe aludir como concluses que h alternativas como a modificao cultural ou at mesmo a simples adoo do paradigma constitucional-penal e processual penal como prisma orientador das atividades miditicas, de forma a estruturar uma atividade informadora e justa para com todos os indivduos na rea criminal. Palavras-chave: Criminologia miditica; Teoria do Labeling Aproach; Seletividade do sistema penal.

    ABSTRACT

    This study is focused on the debate about the criminology media and selectivity imposed by the penal system, as well as seeking answers to inquiries about the social acceptance of this discourse. To support the study, it was utilized the Labeling Aproach Theory to explain how this selectivity occurs. For that we use here the method of deductive approach along the adoption of methods monographic of procedure and technique research bibliography indirect. However, it is alluding to conclusions that there are alternatives such as cultural change or even the simple adoption of the constitutional-penal paradigm and criminal procedure as the guiding prism media activities, in order to structure an activity informant and fair to all individuals in the criminal area. Key-words: Criminology media, Labeling Aproach Theory; Selectivity of the penal system

    INTRODUO

    O presente texto tem o objetivo de apontar a relao entre a mdia e as formas da

    seletividade penal. A partir disso busca responder por que o discurso da criminologia miditica

    1 Mestre em Direito (Coimbra). Professor do Centro Universitrio Franciscano (UNIFRA). [email protected]. 2 Doutorando em Direito (UNISC). Professor da Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES). [email protected]. 3 Graduada em Direito (UNIFRA). Advogada. [email protected].

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    aceito pela sociedade? Possvel resposta: Porque diferencia o ns e o eles. Alm disso, visa

    alertar que, muito possivelmente, em decorrncia dessa seletividade penal criada pela mdia e

    aceita pelo senso comum, eleva-se a crena da priso como nica alternativa para estabelecer a

    segurana pblica e a ordem, vez que nada mais eficaz do que uma pena privativa de liberdade

    para afastar eles do convvio social.

    A expresso eles, utilizada no presente artigo, est embasada na ideia de Eugenio Ral

    Zaffaroni, no seu livro A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. Neste texto,

    quando o referido autor se utiliza de tal expresso durante a abordagem do tema da criminologia

    miditica, quer sustentar o posicionamento de que essa criminologia, que segundo suas palavras se

    diferenciam substancialmente da criminologia acadmica4, pretende criar uma realidade onde

    existam pessoas boas, que somos ns, expectadores, vulnerveis a eles como um todo: uma

    massa criminosa de diferentes5.

    Posto isso, a explorao da temtica da mdia e da seletividade do sistema penal adota o

    mtodo de abordagem dedutivo, haja vista que parte de consideraes gerais a fim de aplacar

    elementos especficos, no obstante cabe aludir tambm a adoo dos mtodos de procedimento

    monogrfico e da tcnica de pesquisa de bibliografia indireta, todos convergindo para uma

    construo terico-crtica do tema.

    1 Teoria do Labeling Aproach (ou etiquetamento)

    Pensar um ato intrnseco prpria condio humana, processo intrapsquico que

    engloba todos os sentimentos, valores, concepes, crenas e a conscincia6. Portanto, o

    4 ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 303. 5 Eis o entendimento do referido autor na ntegra: A criminologia miditica cria a realidade de um mundo de pessoas decentes frente a uma massa de criminosos, identificada atravs de esteretipos que configuram um eles separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. O eles da criminologia miditica incomodam, impedem de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as frias, ameaam as crianas, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos os nossos problemas. Para tanto, necessrio que a polcia nos proteja de suas ciladas perversas, sem qualquer obstculo nem limite, porque ns somos limpos, puros e imaculados. ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 307. 6 O termo foi aqui utilizado no sentido freudiano, ou seja, como ato psquico que tem a noo da realidade do nosso meio ambiente imediato, que permite enxergarmos nossa presena no mundo com os outros e assim reconhecer atributos essenciais. Ver A Teoria Freudiana da Conscincia, por Gilberto Gomes, Disponvel em . Acesso em 10 de abr. 2013.

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    ato de pensar est num espao de plena liberdade de desenvolvimento intelectivo, espao

    personalssimo, secreto, privado.

    Todavia, o homem, como um ser essencialmente social, tende agrupar-se

    comunitariamente, acercar-se do outro, instituir com o seu semelhante uma convivncia e

    coexistncia comunicacional7, ambiente de concretizao do pensar em expresso real.

    Ns nos relacionamos com o semelhante, pois o nosso ser s ser perceptvel se for

    refletido na presena dos outros. A formao da nossa personalidade e da nossa prpria

    histria depende das experincias reais com os outros. O eu s poder indicar a

    individualidade do seu ser, se existir ao seu lado a alternatividade do ns8, dizer, o

    eu, para que exista e se desenvolva enquanto ser, necessita da convivencialidade

    comunitria. Dessa forma, as relaes intersubjetivas so marcadas pela superao da

    natureza puramente natural e instintiva do homem por uma natureza social, ou seja, o

    homem se relaciona e age como membro de uma coletividade e, como tal, expressa seu

    pensamento.

    Nesse contexto de inteligncia, o ato de pensar se inter-relaciona com a natureza

    social intrnseca ao ser humano, e o interesse em propagar o prprio pensamento e

    conhecer o pensamento do outro passa a ser algo, no s gentica e biologicamente, como

    comunitariamente natural.

    Tal interesse torna os homens sujeitos dialticos que dialogam entre si, instituem

    necessrias relaes comunicacionais, vias de mo dupla, de reciprocidade, de percepo,

    enfim de manifestaes do pensar. Por outras palavras, o dilogo comunicacional entre os

    indivduos algo concreto, externado por algum meio, que ultrapassou os limites daquele

    espao personalssimo antes mencionado9.

    Em sntese, pode-se afirmar que a opinio nada mais do que um [...] movimento

    do pensamento de dentro para fora; a forma de manifestao de pensamento, resume a

    7 TZITZIS, Stamatios, Filosofia penal, traduo de Mrio Ferreira Monte, Legis, 1999. p. 82. 8 TZITZIS, Stamatios, Filosofia penal, traduo de Mrio Ferreira Monte, Legis, 1999. p. 81. 9 Nesse sentido possvel sustentar que a liberdade de expresso possui uma dimenso substantiva e outra instrumental. Como afirma Machado, deve-se sublinhar a dupla dimenso deste direito. A dimenso substantiva compreende a actividade de pensar, formar a prpria opinio e exterioriz-la. A dimenso instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados divulgao do pensamento. MACHADO, Jnatas E. M.. Liberdade de Expresso. Dimenses constitucionais da esfera pblica no sistema social. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 417.

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    prpria liberdade de pensamento, encarada, aqui, como manifestao do fenmeno

    social10.

    Feita essa introduo sobre a formao de opinio, o presente trabalho objetiva

    salientar os efeitos da criminologia miditica sobre a populao brasileira no tocante

    reproduo de ideias equivocadas e preconceituosas sobre o sistema penal. Esse fenmeno

    d-se, principalmente, pela fabricao dos esteretipos do criminoso.11

    A seletividade dos esteretipos pode se dar pela observao das caractersticas

    comuns populao prisional, por exemplo. De acordo com Eugenio Ral Zaffaroni,

    estes esteretipos permitem a catalogao dos criminosos que combinam com a imagem

    que corresponde descrio fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes

    (delinquncia de colarinho branco, dourada, de trnsito, etc.).12

    Porm, antes de adentrar na crtica sobre o assunto, imprescindvel fazer uma

    breve anlise sobre a Teoria do Labeling Approach, conhecida tambm como teoria do

    etiquetamento. Essa teoria difere-se da criminologia tradicional, vez que esta se

    preocupa em investigar questes sobre quem o criminoso, como se torna um desviante

    ou porque reincide. J a teoria do labeling approach, teorizada por autores interacionistas,

    questionam quem definido como desviante?, que efeito decorre desta definio sobre

    o indivduo?, em que condies esse indivduo pode se tornar um objeto de definio? e,

    enfim, quem define quem?.13

    De acordo com Alessandro Baratta, os tericos precursores dessa teoria, quais

    sejam, Howard S. Becker, Edwin M. Lemert e Edwin M. Shur, apontaram a pesquisa em

    duas direes: uma para a anlise da formao da identidade desviante, bem como para

    definir o desvio secundrio, o que consiste no efeito do etiquetamento de criminoso

    pessoa que recebe essa etiqueta; e outra em investigar o que constitui o desvio como

    10 CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. So Paulo, 1997. p. 59. 11ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130. 12ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130. 13 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: Introduo Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p 88.

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    caracterstica imposta aos comportamentos e aos indivduos, alm de destacar a quem

    incumbe esse poder de atribuio, sendo neste caso as agncias do controle social14.

    Howard S. Becker foi primeiro autor a se aprofundar na anlise das condutas

    desviadas, em sua obra denominada Outsiders15. Segundo Howard S. Becker, grupos sociais

    buscam traar linhas comportamentais a fim de determinar o certo e errado, para que

    assim quando uma regra imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu (essa

    afirmativa encaixa-se com perfeio nos julgamentos miditicos) pode ser vista como

    um tipo especial, algum de quem no se espera viver de acordo com as regras estipuladas

    pelo grupo. Essa pessoa encarada como um outsider16. Segundo Sergio Salomo

    Shecaira, ainda baseando-se na obra de Becker, afirma que aquele que viola alguma regra

    em vigor pode ser interpretado como uma pessoa no confivel para a vivncia em um

    grupo e que pode alcanar um traficante de drogas ou algum que bebeu em excesso em

    uma festa e que se porta de maneira inconveniente17. Diante disso, conclui o autor que:

    surgindo a intolerncia, haver uma espcie de estigmatizao desse agente.18

    Apenas como meno ao tocar no tema da rotulao tambm acresce na construo

    desse processo as classificaes da obra de Erving Goffman acerca do estigma, haja vista

    que sua abordagem demonstra as possibilidades de tais processos de excluso serem

    somados, funcionado combinadamente para excluso de determinados indivduos19.

    Edwin M. Lemert, outro autor relevante para o tema, contribuiu, principalmente,

    estabelecendo a diferena entre delinquncia primria e delinquncia secundria. Tal

    distino foi imprescindvel vez que demonstrou, segundo Alessandro Baratta, como a

    reao social ou a punio sobre uma primeira conduta desviante gera um estigma, ou

    seja, uma tendncia a permanecer no papela social no qual a estigmao o introduziu.20

    Nesse contexto, cabe transcrever o entendimento de Srgio Salomo Shecaira,

    sobre a Teoria do Labeling Approach:

    14 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: Introduo Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 89. 15 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 16 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 15. 17 SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 292. 18 SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 292. 19 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulao da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. p. 14. 20 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: Introduo Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 89.

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    Quando os outros decidem que determinada pessoa non grata, perigosa, no confivel, moralmente repugnante, eles tomaro contra tal pessoa atitudes normalmente desagradveis, que no seriam adotadas com qualquer um. So atitudes a demonstrar a rejeio e a humilhao nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringir sua liberdade. ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviao secundria e as carreiras criminais..21

    Diante do exposto, tendo em vista que Teoria do Etiquetamento analisa

    principalmente os efeitos estigmatizantes sobre o indivduo, essa de suma importncia

    para compreender que a conduta desviante construda pela sociedade, ou seja, no se

    trata de uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequncia da aplicao

    pelos outros das regras e sanes para o ofensor. Dessa forma, leva-se a crer que a mdia

    tem uma participao muito grande na construo desse conceito de desvio.22

    nesse contexto de inteligncia que deve ser analisada a informao sobre o crime.

    Scheneider sustenta que existe uma espcie de fascinao pelo crime. Parece ser uma

    percepo compatvel com a realidade, ao menos brasileira, j que h anos pesquisas no

    Brasil indicam que as pginas policiais so as mais lidas nos jornais e peridicos23. Por

    bvio, a criminalidade um campo frtil a propiciar informao, oferta de opinio,

    entretenimento e, em face daquela vis atrativa que produz na populao em geral,

    capaz de captar audincia e aumentar a venda de exemplares. Os meios de comunicao

    so conscientes disso e, evidentemente, a produo de notcias sobre a criminalidade

    direcionada aos fins de informar, oferecer opinio, mas fundamentalmente de entreter

    (mesmo que estigmatizando determinados indivduos) e captar audincia.

    2 A construo da informao pela mdia a partir do processo de seletividade penal 21 SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 291. 22 Eis na ntegra o esclarecimento do autor: Para Becker, a conduta desviante originada pela sociedade. Os grupos sociais criam a desviao por meio do estabelecimento das regras cuja infrao constitui desviao, e por aplicao dessas regras a pessoas especficas que so rotuladas como outsiders. Dentro dessa linha de raciocnio, a desviao no uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequncia da aplicao pelos outros das regras e sanes para o ofensor. SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 292. 23 SOARES, Luiz Eduardo. Justia: Pensando alto sobre violncia, crime e castigo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 19.

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    Atualmente, os meios de comunicao de massa, principalmente a televiso, so,

    infelizmente, os principais formadores de opinio da coletividade. Com base nas

    (des)informaes exploradas fortemente pela mdia, observada aquela vis atrativa antes

    mencionada, a maioria das pessoas se imaginam como legitimadas a abordar questes de

    ordem penal, processual penal, bem como de poltica criminal.

    Tendo em vista que o produto crime e o sensacionalismo produzem

    entretenimento, fato este que eleva os nveis de audincia, configura-se tal prtica como

    altamente rentvel, por isso, se encaixando perfeitamente na atuao empresarial e

    lucrativa desenvolvida pela imprensa privada.

    Dessa forma, a mdia acaba configurando parte integrante do exerccio de poder do

    sistema penal, pois tem o poder de criar o punitivismo popular (ou como aduz recente obra

    doutrinria o "populismo penal miditico")24, vez que impe uma forma de analisar os

    problemas sociais de uma forma muitas vezes exacerbada. Com isso, responsvel por

    criaes legislativas s pressas que vo totalmente de encontro com as garantias

    constitucionais.

    Segundo Zaffaroni, a comunicao produzida pela mdia no que tange a fatos

    criminosos se configura numa espcie de criminolgia miditica. A criminologia

    miditica atual tem como principal meio tcnico a televiso para propagar o discurso do

    neopunitivismo. Na viso desse jurista, os crticos mais radicais e precisos sobre a

    televiso so Giovani Sartori e Pierre Bourdieu. Afirma que para Bourdieu a televiso o

    oposto da capacidade de pensar, enquanto que Sartori desenvolve a tese de que o homo

    sapiens est se degradando para um homo videns por culpa de uma cultura exclusivamente

    de imagens25.

    De acordo com Pierre Bourdieu, a televiso o meio mais eficaz na tarefa de

    deformar a opinio da maioria da populao, o que a distancia das informaes que so

    realmente essenciais para o exerccio da democracia. Vejamos seu pensamento na ntegra.

    H uma proporo muito importante de pessoas que no lem nenhum jornal; que esto devotadas de corpo e alma televiso como fonte nica de informaes. A televiso tem uma espcie de monoplio de fato sobre a formao das cabeas de uma parcela muito importante da populao.

    24 GOMES, Luiz Flvio; ALMEIDA, Dbora de Souza de. Populismo penal miditico: caso mensalo, mdia disruptiva e direito penal crtico. So Paulo: Saraiva, 2013. 25 ZAFFARONI. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 305.

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    Ora, ao insistir nas variedades, preenchendo esse tempo raro com o vazio, com nada ou quase nada, afastam-se as informaes pertinentes que deveria possuir o cidado para exercer seus direitos democrticos26.

    Sendo a televiso o nico meio de acesso informao pela parte majoritria da

    populao, forma-se o grande perigo, pois esse meio de comunicao em massa, traz um

    contedo pronto, no deixando margem s crticas, a evoluo do pensamento. No se

    pode perder de vista que a mdia, atravs da imagem, tem o poder de criao de uma

    realidade j posta e acabada. De acordo com Bordieu, a imagem tem a particularidade de

    poder produzir o que os crticos literrios chamam o efeito do real, ela pode fazer ver e

    fazer crer no que faz ver27.

    Partindo da premissa da necessidade de atingir lucro, os meios de comunicao

    realizam um processo de seletividade do que deve ser informado e agregam contribuies

    decisivas sobre a informao de forma transform-la em algo ainda mais atrativo, de forma

    que, esse processo de seleo se sustenta na busca do sensacional, do espetacular28. Na

    verdade, muitas vezes, o discurso de um oferecimento de informao, mas que,

    efetivamente mera opinio, nada tcnica, sem qualquer fundamentao e que atende

    interesses bem claros.

    Diante disso, cria-se um punitivismo quase impossvel de ser desmistificado, criando

    uma ideia totalmente distorcida da realidade criminal principalmente, gerando uma

    vontade de punir a qualquer custo. Observe-se a gravidade disso. A manipulao da notcia

    em busca de audincia cria uma espcie de poltica criminal cujas bases tericas so bem

    conhecidas29. Com relao aos efeitos da criao desse punitivismo, Zaffaroni defende o

    seguinte posicionamento:

    (...) so os meios de massa que desencadeiam as campanhas de lei e ordem quando o poder das agncias encontra-se ameaado. Estas campanhas realizam-se atravs da inveno da realidade (distoro pelo aumento de espao publicitrio dedicado a fatos de sangue, inveno direta de fatos que no aconteceram), profecias que se auto-realizam (instigao pblica para a prtica de delitos mediante metamensagens de slogans tais como a impunidade absoluta, os menores podem fazer qualquer coisa, os presos entram por uma porta e saem pela outra, etc; publicidade de novos mtodos para a prtica de delitos, de facilidades,

    26 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 23-24. 27 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 28. 28 BOURDIEU, Pierre, Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 25. 29 J tivemos oportunidade de mencionar que a cultura do castigo e da vingana legitimam certos discursos e prticas.

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    etc.). produo de indignao moral (instigao violncia coletiva, autodefesa, glorificao de justiceiros, apresentao de grupos de extermnio como justiceiros, etc.)30.

    Porm, o que h de mais perigoso nessa atividade da criminologia miditica,

    consiste na construo do esteretipo do criminoso, ou seja, na seletividade de quem

    so os criminosos perigosos na comunidade31.

    De acordo com o Zaffaroni, na Amrica Latina, o esteretipo sempre se alimenta

    das caractersticas de homens jovens das classes mais carentes (...).32. Dessa forma, o

    sistema penal operacionaliza uma atuao seletiva, com fulcro nos estigmas j

    estabelecidos, o que acaba por deixar inerte determinadas espcies de indivduos que

    violam a legislao penal33.

    Ainda, porm em obra diversa, explica o autor acima referido que a criminologia

    miditica joga com imagens, selecionando as que mostram os poucos estereotipados que

    delinquem e em seguida os que no cometeram crimes ou que s incorreram em infraes

    menores, mas so parecidos34. No bastasse isso, consolidada a seletividade, aponta o

    autor que surge o exerccio de futurologia aplicada a eles, que consiste geralmente

    em um adolescente de um bairro pobre:

    A mensagem que o adolescente de um bairro precrio que fuma maconha ou toma cerveja em uma esquina, amanh far o mesmo que o parecido que matou uma velhinha na sada de um banco e, portanto, preciso isolar a sociedade de todos eles35.

    30 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 129. 31 Comunidade significa mesmice, e a mesmice significa a ausncia do Outro, especialmente um outro que teima em ser diferente, e precisamente por isso capaz de causar surpresas e prejuzos. Na figura do estranho (no simplesmente o pouco familiar, mas o alien, o que est fora do lugar), o medo da incerteza, fundado na experincia da vida, encontra a largamente procurada, e bem-vinda, corporificao. (...) Dada a intensidade do medo, se no existissem estranhos eles teriam que ser inventados. E eles so inventados, ou construdos, diariamente: pela vigilncia do bairro, pela tev de circuito fechado, guardas armados at os dentes. A vigilncia e as faanhas defensivas/agressivas que ela engendra criam o seu prprio objeto. Graas a elas, o estranho metamorfoseado em aliengena, e o aliengena, numa ameaa. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 104-105. 32 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 131. 33 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130. 34 ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 307. 35 ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 307

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    Zygmunt Bauman analisa o fenmeno ora em discusso sob a tica da Sociologia,

    expondo que a excluso no se d necessariamente pela questo racial ou cor de pele, mas

    que fatalmente ser pobre em uma sociedade rica implica em ter o status de uma

    anomalia social e ser privado de controle sobre representao e identidade coletiva

    constitui um fator determinante de segregao e excluso36. O autor referido reverbera o

    efeito excludente em outras obras37, sendo inclusive possvel associ-las a viso de Ulrich

    Beck, o qual tambm refere o "bode expiatrio"38 e ao mesmo tempo a necessidade

    miditica de aumento dos riscos (como a criminalidade) como base para sua atividade

    hodierna.

    Dessa forma, essa criao artificial de dois grupos que no se encontram, gera

    diversos efeitos inclusive na esfera policial e judiciria. Nesse sentido, Loic Wacquant

    aponta alguns desses efeitos no Brasil, abaixo:

    Um terceiro fator implica gravemente o problema: o recorte de hierarquia de classes e da estratificao etnorracional e a discriminao baseada na cor, endmica nas burocracias policial e judiciria. Sabe-se, por exemplo, que em So Paulo, como nas outras grandes cidades, os indiciados de cor se beneficiam de uma vigilncia particular por parte da polcia, tm mais dificuldade de acessa a ajuda jurdica e, por um crime igual, so punidos com penas mais pesadas que seus comparsas brancos. E, uma vez atrs das grades, so ainda submetidos s condies de deteno mais duras e sofrem as violncias mais graves. Penalizar a misria significa aqui tornar invisvel o problema negro e assentar a dominao racial dando-lhe um aval de Estado39.

    Tendo em vista o exposto acima, a questo se torna clara, ou seja, o discurso

    miditico a respeito da criminalidade legitimado na sociedade porque cria uma distino

    entre ns e criminosos, como se existisse uma diviso imaginria entre pessoas boas

    e ms.

    Nessa linha de raciocnio, Maria Lcia Karam, citada na obra de Rafael Braude

    36 Na ntegra: Os mecanismos de segregao e excluso pode ou no ser complementado e reforado por fatores adicionais de raa/pele, mas no limite todas as suas variedades so essencialmente a mesma: ser pobre em uma sociedade rica implica em ter o status de uma anomalia social e ser privado de controle sobre sua representao e identidade coletiva; a anlise da mancha urbana do gueto norte-americano e da periferia urbana francesa [mostra] a privao simblica que torna seus habitantes verdadeiros prias. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 108. 37 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 38 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. So Paulo: Editora 34, 2010. p. 92. 39 WACQUANT, Loic. As prises da misria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 9-10.

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    Canterji, adverte sobre essa vontade da sociedade de identificar apenas alguns indivduos

    bem especficos para serem eles os criminosos inimigos, de modo a delimitarem a imagem

    do que "o mal" ou "o perigoso", e por conseguinte realizar a "simultnea e conveniente

    ocultao dos perigos e dos males que sustentam a estrutura de dominao do poder"40.

    Estabelecida a seleo de quem so eles, o prximo passo, de acordo com o

    pensamento punitivista da criminologia miditica, o que fazer com isso. Surgindo o culto

    priso (refugo humano)41. De acordo com Wacquant, a priso que faz papel de gueto

    ao excluir as fraes do (sub) proletariado negro persistentemente marginalizado pela

    transio para a economia dual do servio e pela poltica de retirada social e urbana.

    Complementa ainda que a priso assegura a colocao parte (segregare) de uma

    categoria indesejvel, percebida como provocadora de uma dupla ameaa,

    inseparavelmente fsica e moral42.

    Com efeito, na opinio de Nilo Batista, a mdia tambm faz crer na pena como ideal

    para a soluo da criminalidade, vez que tal discurso muito bem aceito pela maioria da

    sociedade, nos seguintes termos:

    O novo credo criminolgico da mdia tem seu ncleo irradiador na prpria idia de pena: antes de mais nada, crem na pena como rito sagrado de soluo de conflitos. Pouco importa o fundamento legitimante: se na universidade um retribucionista e um preventista sistmico podem desentender-se, na mdia complementam-se harmoniosamente. No h debate, no h atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena bem aceito e imediatamente incorporado massa argumentativa dos editoriais e das crnicas. Pouco importa o fracasso histrico real de todos os preventinismos capazes de serem submetidos constatao emprica, como pouco importa o fato de um retribucionismo puro, se que existiu, no passar de um ato de f43.

    Essa crena na priso no surpreendente, vez que corrobora com o pensamento

    legitimador da mdia, pois a priso, nada mais , para o senso comum, a forma mais eficaz

    e rpida de afastar eles da sociedade, e no nos depararmos com os reais problemas, ou

    at mesmo com nossas semelhanas. De acordo com Bauman, gostamos de solues

    imediatas e simples, caso contrrio, torna-se causa de grande indignao, agravada ainda

    40 CANTERJI, Rafael Braude. Poltica Criminal e Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 103. 41 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 81 85. 42 WACQUANT, Loic. As prises da misria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 98. 43 BATISTA, Nilo. Mdia e sistema penal no Capitalismo Tardio. Disponvel em: http://www.bocc.ubi.pt. Acesso em 09 de abr. 2013. p. 03-04.

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    mais quando temos que ver nossas prprias falhas que nos identificam com eles.

    Ficamos indignados diante de qualquer soluo que no consiga prometer efeitos rpidos, fceis de atingir, exigindo em vez disso um tempo longo, talvez indefinidamente longo, para mostrar resultados. Ainda mais indignados ficamos diante de solues que exijam ateno s nossas prprias falhas e iniquidades, e que nos ordenem, ao estilo de Scrates, que conhea-te a ti mesmo!. E abominamos totalmente a ideia de que, a esse respeito, h pouca diferena, se que h alguma, entre ns, os filhos

    da luz, e eles, as crias das sombras44

    .

    Seguindo nesse pensamento, pode-se concluir que atualmente, as prises consistem

    em mecanismos de gesto da misria e dos grupos inconvenientes representados pelos

    mal-adaptados e desajustados sociais45.

    Alm da criminologia miditica influenciar as pessoas que no detm o conhecimento

    jurdico, os variados rgos do Poder Judicirio acabam cedendo s presses punitivistas

    de uma populao que no tem qualquer conhecimento da realidade penal que

    enfrentamos. Dessa forma, de acordo com Salo de Carvalho citando Nancy Gertner, a

    concluso irnica: aqueles que possuem a informao sobre os infratores os juzes

    enfrentam extraordinria presso por aqueles que no possuem o pblico46.

    Diante desse desagradvel pensar imposto pela mdia e aceito pela sociedade, o

    nico vis para alterar tal concepo, na opinio de Eugenio Ral Zaffaroni, no seria a

    censura, pois toda censura inclusive fora de qualquer hiptese se massacre, um

    elemento sempre mo do primeiro massacrador que aparea47, mas sim por meio de

    uma mudana cultural e com maior comunicao. De forma mais precisa, necessrio que,

    por meio da cultura de da comunicao, possa haver uma ressignificao da criminalidade.

    Nas palavras do autor:

    as faltas ticas na comunicao no so resolvidas com censura, mas sim com maior comunicao. (...) A arte autntica um instrumento insupervel que facilita a compreenso do outro, justamente a que o preconceito obstrui. A criminologia cautelar deve dialogar com artistas, pois so eles que podem contribuir muitssimo para a modificao do para

    44 BAUMAN, Zygmunt. Tempos lquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 149. 45 CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo Privilegiado da Aplicao da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 29. 46 CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo Privilegiado da Aplicao da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 246. 47 ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 515.

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    o qu das coisas, para ressignific-las, ou seja, para mudar o mundo

    entendido como conjunto de significados48

    .

    Diante do acima exposto, pode-se concluir que infelizmente, atravs da

    criminologia miditica e de nenhum esforo de quem detm o conhecimento para afirmar

    o contrrio, formou-se uma sociedade majoritariamente convencida de que, prendendo

    aceleradamente pobres e negros, est no caminho certo para reduzir a violncia e fazer

    justia49.

    CONCLUSO

    No entendimento ora firmado, pode-se chegar a concluso de que o discurso da

    criminologia miditica, apesar de ser, na maioria da vezes, equivocado, punitivista e

    seletivo, aceito facilmente pela populao pois faz essa ntida diferenciao entre

    pessoas boas e ms.

    Essa criao de eles e ns deriva de uma construo social que pode ser

    verificada a partir da j referida Teoria do Etiquetamento (ou Labeling Approach), a qual

    se destina identificao e caracterizao das condutas desviantes, tendo como

    consequncia a alterao na prpria identidade do indivduo.

    E para tanto, utiliza-se principalmente a televiso, sendo este meio o principal

    formador de opinio, por trazer um contedo j construdo, pronto e acabado,

    estreitando bastante a possibilidade de pensar mais criticamente sobre o assunto.

    Como consequncia, acaba-se por propagar ainda mais o discurso punitivista,

    fazendo com que a populao enxergue como nica alternativa para resolver os problemas

    da criminalidade a priso, pois consiste no meio mais eficaz para afastar as pessoas

    etiquetadas e indesejveis do convvio com a sociedade e com as pessoas honestas.

    Como mencionado anteriormente, Eugenio Ral Zaffaroni, principal inspirador do

    presente trabalho, prope uma mudana cultural de pensamento, que poderia ser

    alcanado somente com mais informao, com dados verdadeiros sobre a criminalidade, e

    no com limitao da mdia que poderia consistir em uma censura que no levaria a lugar

    48 ZAFFARONI, Eugenio Ral. A palavra dos mortos: conferncias de criminologia cautelar. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 516; 518. 49 SOARES, Luiz Eduardo. Justia: Pensando alto sobre violncia, crime e castigo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 11.

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    algum. Ou seja, a mdia poderia servir a outro papel que no o de formar opinies, mas

    sim de realmente informar, por fontes legtimas e sem interesses diversos, como polticos.

    Dito isso, a opinio dos presentes autores parece convergir para que qualquer mudana

    cultural no sentido de afinar comportamentos evoludos e adequados ao momento histrico

    que se vive sempre um caminho aceitvel. No entanto, sabe-se que tal mudana depende

    de uma conscientizao coletiva alongada no tempo e desprovida de efetividade imediata.

    REFERNCIAS

    BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: Introduo Sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. BATISTA, Nilo. Mdia e sistema penal no Capitalismo Tardio. Disponvel em: http://www.bocc.ubi.pt. Acesso em 09 de abr. 2013. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. _____. Tempos lquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. _____. Vidas desperdiadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. So Paulo: Editora 34, 2010. BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. So Paulo, 1997. CANTERJI, Rafael Braude. Poltica Criminal e Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo Privilegiado da Aplicao da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulao da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. GOMES, Gilberto. A Teoria Freudiana da Conscincia. Disponvel em . Acesso em 10 de abr. 2013. GOMES, Luiz Flvio; ALMEIDA, Dbora de Souza de. Populismo penal miditico: caso mensalo, mdia disruptiva e direito penal crtico. So Paulo: Saraiva, 2013. MACHADO, Jnatas E. M.. Liberdade de Expresso. Dimenses constitucionais da esfera pblica no sistema social. Coimbra: Coimbra, 2002.

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  • ANLISE CRTICA DOS ARTIGOS DE ANDRADE (2013?) E DIAS, DIAS E MEDONA (2013)

    Denilson Prestes GadzinowskiProf. Roberto Bittencourt Olinger

    Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESCDireito (4 fase) Criminologia

    10/07/2014

    Palavras-Chave: Criminologia, Miditica, Seletividade, Penal

    1 ANLISE CRTICA DOS ARTIGOSTanto o artigo de Andrade (2013?) quanto o de Dias, Dias e Medona (2013) fazem

    uma breve imerso bibliogrfica nos clssicos do estudo da Criminologia para consubstanciar suas concluses, chegando Andrade (2013?) a tratar de teorias como os de Lambroso e Ferri, bem como tanto Andrade (2013?) quanto Dias, Dias e Medona (2013) se utilizaram da teoria do Etiquetamento (Labelling Approach).

    No resgate de Andrade (2013?) dos estudos de Lambroso e Ferri, estes alegaram que o criminoso era fruto de sua gentica defeituosa, e que essa anomalia determinaria quem seria criminoso ou no, sendo possvel inclusive, pelos traos fsicos determinar quem criminoso ou no. Claro que teoria ultrapassada e refutada pelos fatos cientficos, mas que, esse determinismo do criminoso por sua fisiologia, segundo Andrade (2013?), ainda influencia nosso atual sistema penal.

    Ambos os autores, Andrade (2013?) e Dias, Dias e Medona (2013), utilizaram a teoria do Etiquetamento (Labelling Approach), cuja teoria infere, em suma, que no h crime a menos que algum o defina como tal, etiquetando um determinado comportamento, e que por assim o fazer, a sociedade j etiqueta quem faz esse tipo de crime.

    Com esse estudo, Andrade (2013?) culmina concluindo que a criminologia passou a perder seu compromisso com a epistemologia, passando apenas a exercer o papel legitimador do vigente controle social penal. Todavia, para Dias, Dias e Medona (2013) ele vai alm, inaugurando a teoria do midiatismo penal, no qual a mdia, principalmente a televiso, vem pressionando os rgos do Estado e, por assim dizer, definindo quem deve

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  • ser preso e quem deve ser solto, separando o eles do ns, salientando que os presos so sempre os mesmos: os pobres e negros.

    Sim, o homem ao criar uma lei, etiqueta o que ou no aceitvel na sociedade... Se assim no o fosse, estaramos em estado selvagem, na lei do mais forte... como os animais, que no conhecem propriedade ou fronteiras, e s o descobrem quando so mortos por invadir o territrio do animal mais forte... Ns delegamos a fora ao Estado, e este legisla para que haja normas mnimos de convivncia em sociedade... Matar, por exemplo, punido, e todos nisso concordam, e ainda mais severamente deve ser punido se a morte foi por motivo ftil... mas o mesmo matar no poder ser punido de forma alguma se por legtima defesa... essa a lei, que toda a sociedade sanciona como justa. Mas criar uma lei pensando especificamente em um grupo de pessoas?

    Ser? Ser que realmente o legislador tem isso em mente quando promulga uma lei penal? Ser que um grupo de deputados se renem e deliberam qual vai ser a lei que vai ferrar ainda mais com a vida do pobre e do negro? Sim, por certo que certos crimes tm maiores incidncias na sociedade mais carente e de predominncia afro-descendente, isto as estatsticas so inegveis... Entretanto, ao se verificar os ndices de educao dessas pessoas, poucas ou sequer uma delas concluiu o ensino mdio, e isso sim, tem maior relao direta com a criminalidade do que a cor ou camada social. Se as leis fossem somente para negros e pobres, a condenao de Suzane Richthofen, que, era de uma classe social alta, sendo loirssima, de aparncia agradvel, diga-se de passagem, todavia, apesar da lei lhe garantir o cumprimento de regime semiaberto, todos os pedidos foram negados, pela presso da sociedade, que no tolera mais crimes desse tipo, no importa se autor ou autora, negro ou branco, pobre ou rico.

    Tanto Andrade (2013?) quanto Dias, Dias e Medona (2013) inferiram que o sistema penal seletivo... que pobres e negros so os que so presos.... Se seletivo ou no, talvez precise de maiores anlises ante ao crivo dos argumentos expostos acima... Mas em um aspecto eles esto certos: o sistema penal falho, e ningum se importa com isso... Mas querendo ou no, o melhor que h at agora, ou at que outro modelo seja proposto (prises privadas? Leis penais mais rgidas?)... At l... preciso haver seletividade... uma seletividade bem maior, bem mais rigorosa... mas no seletividade de criminosos como tem sido feito... mas uma seletividade de polticos!! Polticos decentes! A discusso comea por a...

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  • 2 REFERNCIAS BIBLIOGRFICASANDRADE, Vera Regina de. Do Paradigma Etiolgico ao Paradigma da Reao Social: Mudana e Permanncia de Paradigmas Criminolgicos na Cincia e no Senso Comum. (2013?) - Demais dados bibliogrficos no concedidos para anlise do texto.

    DIAS, Fbio