UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIALCURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA
VINICIUS SOARES DE SOUSA CARNEIRO
NETFLIX BRASIL NO TWITTER:PRODUÇÃO DE CONTEÚDO E NARRATIVA DE MARCA NA PANDEMIA
NATAL/RN2021
VINICIUS SOARES DE SOUSA CARNEIRO
NETFLIX BRASIL NO TWITTER:PRODUÇÃO DE CONTEÚDO E NARRATIVA DE MARCA NA PANDEMIA
Trabalho de conclusão de Cursoapresentado ao Departamento deComunicação Social da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte (UFRN),como requisito parcial à obtenção do graude Bacharel em Comunicação Social:Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Dr. Breno da SilvaCarvalho
NATAL/RN2021
Carneiro, Vinicius Soares de Sousa. Netflix Brasil no Twitter: produção de conteúdo e narrativade marca na pandemia / Vinicius Soares de Sousa Carneiro. -2021. 60f.: il.
Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras eArtes, Comunicação Social - Publicidade e Propaganda,Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2021. Orientador: Prof. Dr. Breno da Silva Carvalho.
1. Ciberpublicidade - Monografia. 2. Narrativa de Marca -Monografia. 3. Estratégias de comunicação digital - Monografia.4. Twitter - Monografia. 5. Netflix - Monografia. I. Carvalho,Breno da Silva. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA
Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748
VINICIUS SOARES DE SOUSA CARNEIRO
NETFLIX BRASIL NO TWITTER:PRODUÇÃO DE CONTEÚDO E NARRATIVA DE MARCA NA PANDEMIA
Trabalho de conclusão de Cursoapresentado ao Departamento deComunicação Social da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte (UFRN),como requisito parcial à obtenção do graude Bacharel em Comunicação Social:Publicidade e Propaganda.
Apresentado e aprovado em 09 de setembro de 2021.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________Prof. Dr. Breno da Silva Carvalho (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
________________________________________________Prof. Dr. Luis Roberto Rossi Del Carratore
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
________________________________________________Prof. Dr. Luiz Fernando D. P. Nobre
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
AGRADECIMENTOS
Não ando só. Para chegar até aqui, muitas pessoas importantes passaram
pela minha vida e, independente do grau, me ajudaram a acreditar que conseguiria
realizar este sonho: me graduar numa universidade pública, mesmo em cenário tão
desafiador. Começo, portanto, agradecendo àqueles que confiaram sempre no meu
potencial, independente da situação, e que, de olhos fechados, me apoiam
veementemente: meus pais, Ana Angélica Medeiros Soares de Sousa e Sandro
José Guedes Carneiro. Sem vocês ao meu lado isso não seria possível. Obrigado,
mãe, por ser meu apoio, conselheira, e por investir tanto na minha educação.
Sobre minha família, também agradeço minha irmã Isabela Soares de Sousa
Carneiro e Rafaela Soares de Sousa Spano pela companhia, escuta e amizade ao
longo dessa jornada, não só na universidade, como na vida. E, como a família é
grande, estendo esse sentimento a todos os primos, tios e avós que dividiram os
melhores momentos e contribuíram pela construção do meu caráter. Porém, tiveram
aquelas pessoas que conheci há poucos anos, mas que considero igualmente.
Agradeço, dessa forma, os meus amigos da escola, o grupinho não religioso
(pelas pesquisas feitas até aqui) mais religioso do Brasil, vulgo AMÉM, que esteve
comigo em todos os momentos decisivos para estar aqui hoje e que, com muita
paciência, suportaram meus devaneios e piadas sem graça durante os anos mais
complicados. Obrigado, especialmente, Anne, Bia Azevedo, Pedro Afonso, Duda
Onfre, Larissa Galvão, Gabriel Nunes, Bruno Genn, Miguel Victor, Érika Nurmberger,
Kauan Alves, Letícia Cavalcanti e Rafaela Cabral pelos conselhos, alegrias e tantas
histórias escritas juntos. Vocês são amigos incríveis.
Ao longo do curso, também criei laços fortes com muitas pessoas, inclusive
da minha turma de 2017.1. Então agradeço aos meus amigos de sala que me
ajudaram a passar por esse caminho, juntos. Porém, também agradeço a tantos
outros amigos do curso que tive a oportunidade de conhecer e vivenciar nos projetos
de extensão que participei no decorrer desses anos: o movimento empresa júnior, o
projeto Sífilis Não e outras experiências vividas na universidade.
À 59mil, empresa júnior de publicidade e propaganda da UFRN, agradeço
demais aos aprendizados tidos, as habilidades desenvolvidas e as conexões feitas
nesse início de carreira. Obrigado, portanto, Lirex19, setor de redação e meu
primeiro time facilitador de 2019 por todos os desafios enfrentados juntos nessa
empresa, que de júnior só tem o nome.
Ainda sobre o MEJ, quero agradecer a todos do time ENEJ´20 que, mesmo em
cenário tão atípico, conseguiram fazer um evento histórico. Obrigado Gabriela
Araújo, Marcíula Coutinho e Renata Barros pelo voto de confiança, e Thales, Kauay,
Bárbara, Larissa, Larisse pelos momentos de dor e sofrimento (alguns de vitória
também) compartilhados nesse tempo.
Também gostaria de agradecer minha amiga de curso, de Jovem Malsucedido,
de MEJ e de vida, Jéssica Hosokawa, por todo apoio, direcionamentos, incentivos,
caronas e pelas noites viradas de escrita da monografia que me fizeram chegar mais
longe do que acreditei que chegaria. Obrigado por tudo, você é especial.
Aproveitando, quero agradecer aos meus professores da graduação em especial a
Luiz Fernando Dal Pian, Lilian Muneiro, Marcela Costa, Raquel Assunção, Rodrigo
Parron, Luis Roberto Rossi Del Carratore e Breno Carvalho, que me ensinaram o
melhor da publicidade e da comunicação, de forma didática e atenciosa.
Breno, por sua vez, merece um agradecimento especial. Poderia escrever uma
página inteira apenas para tentar explicar o quanto a organização, dedicação,
atenção, disciplina e conhecimento dele foram importantes para me orientar da
melhor forma nessa trajetória que, por algumas vezes, pensei em desistir. Muito
obrigado, Breno, por me orientar nesse trabalho, pelas reuniões leves e produtivas e
pela paciência em guiar um estudante que não sabia quase nada sobre ABNT,
escrita acadêmica e, de quebra, super indeciso. Você foi o melhor. Finalizo
defendendo e agradecendo à ciência acadêmica bem como a universidade pública
deste país, pela oportunidade de formar, informar e fomentar um futuro melhor para
tantas pessoas. Que privilégio ter feito parte disso!
“Mas enquanto estou viva e cheia de graça,talvez ainda faça um monte de gente feliz”
Rita Lee
RESUMO
A pandemia do novo coronavírus, estabelecida em meados de 2020, trouxemudanças significativas para muitas pessoas e, dessa forma, impactou diversoscontextos. Nessa realidade, organizações se adaptaram investindo fortemente emciberpublicidade ao construir novas estratégias de comunicação, aprimorar aprodução de conteúdo nas redes sociais, bem como desenvolver novas narrativasde marca que conversassem com esse momento atípico. O presente trabalho,portanto, objetiva selecionar e analisar os tweets realizados pela Netflix Brasildurante o início da pandemia no período de 02 de abril a 02 de maio de 2020, dadoo tempo de um mês a partir da primeira postagem da marca na rede. O referencialmetodológico utiliza a etnografia em mídias sociais e a netnografia. Esse estudotorna-se importante a partir da condição especial de desenvolver conteúdo digital emum cenário pandêmico, fazendo com que a publicidade mantenha abordagenspersuasivas, alinhado ao posicionamento da companhia. Conclusivamente,identifica-se como as estratégias publicitárias online adotadas pela Netflix Brasilcumpriram o objetivo de fortalecer a narrativa sobre a marca, apoiada na retrataçãoda rotina dos indivíduos com o surgimento da pandemia, permitindo ainda educar eorientar o público com dicas e ações de saúde sanitária.
Palavras-chave: ciberpublicidade; narrativa de marca; estratégias de comunicaçãodigital; Twitter; Netflix.
ABSTRACT
The new coronavirus pandemic, established in mid-2020, brought significant changesto many people and thus impacted many contexts. In this reality, organizationsadapted by investing heavily in cyber advertising by building new communicationstrategies, improving content production on social networks, as well as developingnew brand narratives that spoke to this atypical moment. The present work,therefore, aims to select and analyze the tweets made by Netflix Brasil during thebeginning of the pandemic from April 2nd to May 2nd, 2020, given the time of onemonth after the brand's first post on the network. The methodological framework usesethnography in social media and netnography. This study becomes important giventhe special condition of developing digital content in a pandemic scenario, makingadvertising maintain persuasive approaches, in line with the company's positioning.Conclusively, it is identified how the online advertising strategies adopted by NetflixBrasil fulfilled the objective of strengthening the narrative about the brand, supportedby the portrayal of the routine of individuals with the onset of the pandemic, alsoallowing to educate and guide the public with tips and actions of health health.
Keywords: cyber advertising; brand narrative; digital communication strategies;Twitter; Netflix.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Diferenciação da Economia Global Contemporânea……………………... 16
Figura 2 - Vídeos da Campanha de Divulgação de Orange Is The New Black……. 27
Figura 3 - Vídeos da Campanha de Divulgação da Série Stranger Things e La Casade Papel……………………………………………………………………………………. 27
Figura 4 - Tweets Feitos Pelo Perfil da Netflix Brasil………………………………….. 28
Figura 5 - Representação Organizacional da Web 2.0……………………………….. 31
Figura 6 - Print da Busca Avançada no Twitter a Partir da Barra de Pesquisas…… 33
Figura 7 - Exemplo de Tweet de Divulgação…………………………………………… 38
Figura 8 - Exemplos de Tweet de Interação……………………………………………. 39
Figura 9 - Exemplos de Tweet de Interação……………………………………………. 39
Figura 10 - Primeiro Tweet Sobre a Temática do Covid-19 pela Netflix Brasil…...… 41
Figura 11 - Thread da Netflix para Divulgação de Conteúdos Concorrentes……… 43
Figura 12 - Covid - Interação Entre GNT e Netflix no Twitter….…………………….. 45
Figura 13 - Resposta de Usuário à Thread de Divulgação de Concorrentes………. 45
Figura 14 - Tweet de Indicação de Filmes Com Base na Roupa Que Tem Usado EmCasa………………………………………………………………………………………… 46
Figura 15 - Tweet Mosaico Representando a Nova Rotina na Pandemia………….. 47
Figura 16 - Tweet da Netflix Sobre Fazer Bolo e Cortar Cabelo na Pandemia……. 48
Figura 17 - Tweet da Netflix Sobre Mudanças na Percepção do Tempo…………... 50
Figura 18 - Tweets da Netflix Sobre Nova Rotina Pandêmica………………………. 50
Figura 19 - Tweet da Netflix Sobre Especial…………………………………………... 51
Figura 20 - Representação Visual das Abordagens dos Tweets …………………… 53
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Redes Sociais da Netflix Brasil…………………………………………….. 12
Quadro 2 - Quantidade de Tweets da Netflix Brasil Feitos por Dia Dentro de Cada
Eixo Temático……………………………………………………………………………… 35
Quadro 3 - Percentual de Tweets da Netflix Brasil em Cada Eixo Temático……….. 36
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: CONTEXTO PANDÊMICO, NETFLIX E TWITTER 11
2 O NOVO SOCIAL PANDÊMICO: IMPACTOS NO DIGITAL 15
2.1 NOTAS DE CONTEXTO SOBRE O DIGITAL NA PANDEMIA 15
2.2 REDES SOCIAIS E STREAMING: ATENÇÃO AO TWITTER E À NETFLIX 21
3 NETFLIX BRASIL NO TWITTER: NETNOGRAFIA E NARRATIVA DE MARCA 30
3.1 UM PROJETO ETNOGRÁFICO NO TWITTER DA NETFLIX 32
3.2 OS TWEETS FALAM: COLETA E ANÁLISE DE DADOS 34
3.3 TWEETS PANDÊMICOS: A ABORDAGEM DO COVID-19 40
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 54
REFERÊNCIAS 56
11
1 INTRODUÇÃO: CONTEXTO PANDÊMICO, NETFLIX E TWITTER
No primeiro trimestre de 2020 o mundo presenciou uma conjuntura sanitária
atípica que revolucionou a maneira como, até então, as pessoas se relacionavam. A
pandemia causada pelo novo coronavírus, uma tragédia declarada, gerou mudanças
irreparáveis no comportamento humano e que, por sua vez, também modificou
fortemente os hábitos e o consumo. Para melhor ilustrar o início desse período,
Giselle Beiguelman explana que foi preciso: “… parar, ficar em casa, fechar
fronteiras e abrir muitas torneiras…” (BEIGUELMAN, 2020, p. 5), fazendo luz à
política de lockdown e medidas de proteção, como a de distanciamento social,
praticadas por diversos países de modo a amenizar o contágio do vírus.
Nesse contexto de esvaziamento do espaço público, considerado a primeira
vítima da pandemia (BEIGUELMAN, 2020), e, consequentemente, invasão aos
ambientes domésticos, as pessoas além de procurarem formas diferentes de
trabalhar e conversar, por exemplo, também precisaram encontrar maneiras distintas
e “indoor” para se divertir. Nessa busca pelo entretenimento, as plataformas de
streaming de vídeo, portanto, pareceram uma excelente alternativa para
acompanhar essas mudanças, principalmente pela mecânica do uso funcionar 100%
de modo online.
Apesar da trágica realidade fomentada pelo Covid-19, para muitas
plataformas de streaming, foi vislumbrada uma oportunidade de crescimento,
principalmente decorrente de novos hábitos. De acordo com pesquisa feita pela NZN
Intelligence1, com o objetivo de entender mais as motivações para tal adesão, cerca
de 30% dos participantes comunicaram que estar em casa por conta da
recomendação de isolamento social foi um fator determinante para novas
assinaturas (SILVA, 2021). A Netflix, inclusive, foi uma empresa que se beneficiou
com essa conjuntura.
Segundo levantamento feito pela Conviva, a Netflix foi considerada o maior e
principal serviço de streaming ao redor do mundo, observando o público total da
plataforma, no primeiro trimestre de 2021. De fato, a corporação tornou-se a
plataforma referência de streaming de audiovisual do planeta, tanto pela quantidade
e qualidade de suas produções, como pela grande audiência nas redes sociais:
1 Disponível em:https://forbes.com.br/forbes-money/2021/03/um-ano-depois-do-inicio-da-pandemia-plataformas-de-streaming-contabilizam-ganhos/ Acesso em: 20 jul. 2021.
12
somando o número de seguidores da empresa em suas contas globais no
Facebook, Instagram, TikTok, Twitter e YouTube, por exemplo, são mais de 234
milhões de usuários.
Mas há motivos para justificar tal crescimento para além das mudanças de
comportamento dos usuários online: a empresa teve um bom desempenho em suas
comunicações durante esse período. Ao criar conteúdos constantes, conversar
efetivamente com o seu público e envolver a temática da pandemia no seu
planejamento de maneira consistente, foi possível crescer não só na quantidade de
assinantes como também em número de seguidores, potencializando a imagem da
marca e gerando resultados significativos para expansão de mercado em território
brasileiro, mesmo com o crescimento de concorrentes (como o Globoplay e Amazon
Prime). O Quadro 1, a seguir, detalha a quantidade de seguidores, inscritos e afins
dos canais digitais da Netflix Brasil:
QUADRO 1 - REDES SOCIAIS DA NETFLIX BRASIL
Canal Quantidade de seguidores
Facebook 76,7 milhões seguidores
Instagram 25,4 milhões seguidores
Twitter 14,1 milhões seguidores
YouTube 8,1 milhões inscritos
TikTok 4,4 milhões seguidoresFonte: O autor (2021)
Além do alto número de seguidores e inscritos em suas redes, a Netflix
também teve a página mais engajada entre os meses de abril a junho de 2020, de
acordo com relatório da plataforma de marketing Socialbakers2. O conceito de
engajamento, no entanto, pode ser bastante controverso na comunicação, sendo
atribuído a diferentes significados de acordo com espaço secionado.
Na publicidade, a ideia de engajamento está associada às contestações dos
usuários nas redes sociais, conforme defende Sterne (2010) ao associar o conceito
à dinâmica de participação e envolvimento dos usuários no ambiente digital - o que é
2 Disponível em:https://www.socialbakers.com/website/storage/2020/05/Trends-Report-Q1-2020_PortugueseVersion.pdf Acesso em: 20 jul. 2021.
13
identificado a partir do estudo das métricas nas redes. Assim, o “engajamento é
quando alguém se interessa por algo e interage com isso” (STERNE, 2010, p. 123).
No extenso campo digital da Netflix, apesar do crescimento e expansão de
outras redes como o Instagram, atualmente é possível enxergar o Twitter como um
dos seus principais meios de comunicação como parte da estratégia geral. Criada
em 2006 por Jack Dorsey, a rede é considerada um microblogging, espaço onde as
pessoas podem escrever textos rápidos e curtos de até 240 caracteres - os
chamados “tweets”. Hoje, há opções de suporte para outras mídias como fotos,
vídeos e áudio para alguns sistemas operacionais específicos, apesar de ainda ter o
texto como mídia principal, o que expande ainda mais as possibilidades de conteúdo
e interação na plataforma.
Diante da emergência e consolidação dos serviços de streaming, bem como a
relevância da Netflix no meio publicitário atual, é pertinente o olhar científico para
estudos sobre essa temática, uma vez que as interações homem e máquina são
modificadas e reconfiguradas em suas dinâmicas de socialização. Ademais, urge,
cada vez mais, acompanhar essa crescente e sua relação com as dinâmicas
presentes nas redes sociais. Afinal, plataformas de streaming têm se utilizado cada
vez mais das redes sociais para fortalecer suas marcas, alcançar novos públicos e
gerenciar sua comunidade online de forma assertiva.
É justamente o reconhecimento acerca da presença e atuação da Netflix
Brasil no Twitter o objeto do presente estudo. Desde todo, seleciona-se o período de
20 de março a 02 de maio de 2020, sendo feito o corte para a análise, considerando
sua primeira publicação sobre esse tema na rede em 02 de abril de 2020. Assim,
pode-se cumprir os seguinte objetivos traçados: (i) analisar a produção de conteúdo
realizada pela Netflix ao pautar a pandemia em suas postagens no Twitter, de modo
a (ii) identificar a estratégia de comunicação adotada pela marca para se comunicar
com seu público durante o início da pandemia do Covid-19.
Para alcançar esses objetivos, o trabalho recorre à etnografia em mídias
sociais a partir dos estudos de Zanini (2016) e ao método de coleta da netnografia
de dados arquivais proposto por Kozinets (2014). Assim, é possível selecionar e
apurar dados na internet tal qual realizar o mapeamento da devida análise da cultura
em contexto digital de maneira mais assertiva. A etnografia digital, junto a todo esse
processo, se torna possível quando Howard Rheingold (1993) afirma:
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Pessoas em espaços virtuais usam palavras projetadas em telas para trocarafeto e argumentar, engajar em discussões intelectuais, comercializar, trocarconhecimentos, dividir emoções, fazer planos, fofoca, conhecer pessoasnovas, namorar, encontrar amigos e perdê-los, jogar, flertar, criar coisas muitoboas e jogar papo fora. Pessoas em comunidades virtuais fazempraticamente tudo o que pessoas fazem na vida real, com exceção daquelasque exigem a presença física de seu corpo. Você não pode beijar nem dar umsoco em ninguém, porém uma série de coisas podem ser feitas sem asfronteiras físicas (RHEINGOLD, 1993, p. 3).
Tratando-se de um estudo com ênfase na produção de conteúdo online, a
presente monografia não diferencia as terminologias “rede social”, “mídia social” e
“mídia digital”, conforme discussão promovida por Recuero (2009), Gomes (2017), .
Dessa forma, para atingir os objetivos respeitando a visão dos autores, o trabalho
seguirá uma ordem na apresentação dos fatos e argumentos distribuídos nos
seguintes capítulos:
O capítulo 2, “O novo social pandêmico: impactos no digital”, apresenta o
contexto da pandemia do Covid-19 e as novas realidades, comportamentos, hábitos
e contextos que fazem, hoje, não só o consumo de streamings aumentar em todo
planeta, como também o uso de redes sociais - em que o Twitter faz parte. Assim,
recorre-se a pesquisadores como Beiguelman (2020), Kotler (1999), Alves (2019),
Santaella e Lemos (2010), Kischinhevsky (2015) entre outros.
No capítulo 3, nomeado como “Netflix Brasil no Twitter: netnografia e narrativa
de marca”, são analisados os tweets da marca no período selecionado, respeitando
os parâmetros metodológicos da etnografia digital. Assim, chega-se a conclusões
analíticas que respondem aos objetivos traçados à luz de autores, como Ries e Trout
(2009) e Carrascoza (2007, 2015). Para isso, são usadas imagens e quadros para
ilustrar de maneira mais didática os conteúdos apresentados - cerne da narrativa
publicitária desenvolvida pela marca em sua rede digital.
Por fim, as considerações finais buscam compreender e sistematizar todo o
processo desenvolvido com o objetivo de trazer clareza para as discussões que
foram levantadas no decorrer do projeto. É o momento de apresentar, de forma
clara, os resultados encontrados na análise fazendo paralelo com o que foi
apresentado no desenvolvimento do trabalho.
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2 O NOVO SOCIAL PANDÊMICO: IMPACTOS NO DIGITAL
2.1 NOTAS DE CONTEXTO SOBRE O DIGITAL NA PANDEMIA
A sociedade vive, hoje, uma mudança de era. Deixando para trás as
estratégias e pensamentos da fase industrial, caracterizada pelo avanço da
indústria, de tecnologias específicas de potencial baixo, que, no que lhe diz respeito,
sucedeu à agricultura, o mundo começa a adentrar e dar valor às informações, à
análise e retenção de dados, e tecnologias refinadas e super potentes. Nasce,
portanto, um novo conceito que mudou a maneira como as pessoas consomem, se
relacionam e aprendem: a era da informação.
Nessa realidade, o espaço físico geográfico divide, portanto, um campo
imagético e invisível, o ciberespaço, ou espaço digital, desenvolvido em parte como
consequência do forte investimento das empresas em tecnologia da informação.
Kotler (1999), desdobra essa nova realidade quando traz conceitualmente
características pertinentes envolvendo, inclusive, outras áreas, como a cultura, os
negócios e a sociedade, quando pontua:O ciberespaço nos conduzirá a uma era em que a compra e a venda setornarão mais automatizadas e convenientes. As empresas estarãoconectadas umas às outras e a seus clientes em uma rede virtual perfeita. Asinformações na Internet fluirão pelo globo em um instante, sem custonenhum. Os fornecedores identificarão os compradores em potencial, ecompradores terão facilidades em identificar os melhores fornecedores eprodutos. As distâncias e o tempo necessário para transpô-las, grandesbarreiras para o comércio no passado, encolherão de maneira indescritível.Comerciantes que continuarem a vender de maneira antiga desaparecerãopaulatinamente de cena (KOTLER, 1999, p. 250).
A partir desses pequenos avanços, ideias de negócios e novas possibilidades
de conexão começaram a surgir. Pequenas empresas que antes possuíam baixa
participação de mercado, se tornaram grandes polos financeiros e de tecnologia nos
principais países de primeiro mundo. Por exemplo, a Apple e a Microsoft,
consideradas pioneiras no segmento de computadores e desktops.
Com o avanço e modernização dessas ferramentas, houve um processo para
tornar essa tecnologia ainda mais acessível para as pessoas e novas indústrias.
Isso, inclusive, culminou no fomento de uma leva totalmente nova de profissionais
para o mercado, que começam, a partir deste momento, a trabalharem para uma
demanda também muito recente. Essa transformação digital pelo qual o mundo
16
passou também transformou a forma como é enxergado o consumo em diversos
segmentos. Na indústria cinematográfica e fonográfica, os streamings
acompanharam esse avanço e, atualmente, faz império especialmente no ramo
audiovisual, com filmes, séries e documentários.
Na perspectiva de Alves (2019), essa mudança de paradigmas deve-se
especialmente à expansão do simbólico, que pela criação e avanço da internet, vem
se digitalizando com o tempo. Segundo o autor, os serviços de streaming ocupam
uma última etapa da diferenciação da economia global contemporânea, onde é
possível encontrar:Os serviços culturais-digitais (atividades de produção, distribuição econsumo de conteúdos artístico-culturais por meio de plataformasespecializadas em serviços de streaming...) (ALVES, 2019, p. 139).
Essas atividades são majoritariamente representadas por grandes empresas
da categoria fonográfica e audiovisual, como, por exemplo, a Netflix e a Amazon
Prime, como aponta Alves (2019), ilustrando o segmento com a Figura 1:
FIGURA 1 - DIFERENCIAÇÃO DA ECONOMIA GLOBAL CONTEMPORÂNEA
Fonte: Alves (2019)
Recorrendo a Alves (2019) e à sua representação, é possível entender de
maneira mais didática a relação da sociedade pós-industrial e todas as suas etapas
de diferenciação na economia do conhecimento.
17
Complementando essa abordagem, Kischinhevsky (2015), no que lhe
concerne, dedica a sua análise aos estudos dos serviços de streamings no recorte
da indústria fonográfica, quando defende que eles desempenham um papel
importante ao substituírem a antiga cultura da portabilidade pela cultura do acesso
(KISCHINHEVSKY, 2015).
Isso significa, portanto, uma transição social. A sociedade passa, dessa
forma, do consumo da vitrola, toca discos, mp3 player e aparelhos de som, para
novas ferramentas pertencentes a uma etapa digital, com músicas e álbuns, por
exemplo, ocupando o espaço de uma nuvem simbólica estritamente virtual (ALVES,
2019).
Porém, quando os streamings de vídeo entram em pauta, é possível destacar
que essa cultura nunca foi portátil. Existia dificuldade para transformar materiais
audiovisuais em outros objetos ou ambientes mais acessíveis do que, por exemplo,
a sala de cinema. Enquanto a sociedade possuía tecnologias portáteis de
transmissão sonora como mp3, as pessoas ainda estavam imersas em um contexto
de não portabilidade de filmes, séries e outras produções audiovisuais. Porém, essa
realidade muda com a tecnologia de streamings, fazendo com que materiais
cinematográficos sejam assistidos em qualquer ambiente.
Esse processo e dinâmica entre tecnologias, mídias e produtos, pode ser
compreendida mais profundamente através dos estudos de Jenkins (2014), quando
defende que a sociedade, hoje, possui uma cultura não totalmente digital, mas
convergente. A cultura da convergência, portanto, mostra que novas e tradicionais
mídias interagem entre si, mídias corporativas e alternativas se cruzam e o poder do
produtor de mídia e do consumidor se estreitam (JENKINS, 2014).
Isso explica porque, mesmo com a internet e outras tecnologias como os
streamings de vídeo, a televisão ainda existe. Porém, não só existe como se torna
cada dia mais forte, acompanhando o crescimento das plataformas de streamings.
Afinal, elas se complementam. Esse paradigma presente na cultura da
convergência: “presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada
vez mais complexas” (JENKINS, 2014, p. 33).
Essa complexidade aumenta as possibilidades de ascensão. A indústria
cinematográfica, por exemplo, passou por grandes transformações desde que a
internet começou a fazer parte dos seus modelos de negócio. Além de comercializar
materiais de outras produtoras, começaram a investir em filmes próprios. Produções
18
originais de plataformas de streamings, por exemplo, começaram a alcançar novos
espaços e patamares de reconhecimento: em 2021, concorreram ao Oscar, principal
premiação de cinema do mundo, 18 produções originais da Netflix nas mais diversas
categorias.
Porém, apesar de ser uma tendência mercadológica durante toda a década,
os streamings também foram potencializados, em parte, pelos novos hábitos de
consumo e acontecimentos históricos que aconteceram neste tempo, como o
avanço da internet e os novos modelos de negócios criativos. Nesse caso, nada tão
transformador, ao mesmo tempo catastrófico, quanto à nova realidade proveniente
da maior crise sanitária que aconteceu em décadas: a pandemia do Covid-19.
Ela foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março
de 2020 e, desde lá, muito mudou, principalmente o estilo de vida, o trabalho e os
hábitos de consumo das pessoas que, isoladas, viram na internet uma das únicas
formas de conexão com familiares, amigos e colegas de trabalho.
De acordo com o Ministério da Saúde, a Covid-19, também popularmente
conhecida como coronavírus, é “uma infecção respiratória aguda causada pelo
coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de
distribuição global". Portas se fecharam, comércios pararam, pessoas ficaram em
casa e buscaram se isolar. Enquanto isso, cientistas do mundo inteiro trabalhavam
para a elaboração de vacinas, a única maneira de conter o vírus cientificamente
comprovado até a presente data de escrita desse estudo (BRASIL, 2020a).
Todo esse contexto foi muito novo para todos, exigindo organização e
planejamento. No Brasil, o primeiro decreto federal feito para adotar medidas
urgentes de proteção sanitária decorrente do surto de coronavírus em 2019
aconteceu no dia 06 de fevereiro de 2020. Porém, foi no dia 20 de março de 2020
que o Governo Federal decretou que a lei deveria definir serviços públicos
essenciais e atividades essenciais. O Brasil adotou medidas preventivas em âmbito
legal nos meses de fevereiro e março de 2020 (BRASIL, 2020b; BRASIL, 2020c), o
que levou ao reconhecimento dos serviços essenciais, de modo a garantir o seu
funcionamento.
As ideias de segurança, saúde e cuidado, logo se estabeleceram e
começaram a tomar conta do dia a dia dos brasileiros. Governos estaduais também
protocolaram medidas de segurança e começaram a estruturar equipes de
enfrentamento para pensar na logística de combate ao vírus. Em paralelo, medidas
19
de proteção pessoal, como o uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento
social, foram estritamente deliberadas pelas autoridades da saúde.
Com o pedido de afastamento social pelas autoridades responsáveis, as
casas pareciam o único ambiente seguro para muitas pessoas. Verificando o Índice
de Isolamento Social, um banco de dados atualizado diariamente pela empresa
especialista em identidade Mobile por localização para apps, o índice de isolamento
social no Brasil no dia 23/03/20 chegou a 62,2% (INLOCO, 2021).
Portanto, isso mostra que a maioria das pessoas do país se mantive em
distanciamento social no início da pandemia no Brasil, mesmo que não em cenário
ideal. A partir dessa ideia, novos hábitos e comportamentos surgiram e, dessa
forma, alguns costumes que já aconteciam antes, como a cultura dos streamings,
apenas se intensificaram dentro dessa nova realidade.
Para ilustrar e justificar essa ideia, Giselle Beiguelman (2020), artista,
curadora e professora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, em seu texto Coronavida: pandemia, cidade e cultura
urbana, evidencia alguns aspectos elementares desses novos comportamentos que
invadiram a rotina dos brasileiros no início da pandemia do Covid-19. No texto, a
autora trabalha a ideia de que o coronavírus, em sua primeira ação, esvaziou os
espaços públicos, fazendo com que as pessoas se deslocassem deles para o
ambiente de suas casas (BEIGUELMAN, 2020).
Entre tantas mudanças de paradigmas, ela destaca: a alteração do espaço
urbano, físico e suas consequências, a nova utilização das imagens e janelas como
também plataforma política, o fenômeno das lives, o crescimento exacerbado dos
aplicativos de reuniões de vídeo online, por exemplo, além de uma série de
mudanças no trabalho - uma das áreas mais afetadas e trouxe reflexões importantes
para o mundo corporativo. A seguir, estas novas dinâmicas de socialização e
interação são exemplificadas com variadas pesquisas:
Levantamento realizado pelo Instituto Becker Friedman, da Universidade de
Chicago (GIBBS, MENGEL, SIEMROTH, 2021) observou o trabalho de 10 mil
funcionários de uma empresa de tecnologia em 2019 (sem pandemia) e em agosto
de 2020 (em pandemia). A pesquisa mostrou que, em casa, apesar de realizarem
mais horas de trabalho (cerca de 30% mais), as pessoas começaram a produzir
menos, tendo uma queda de 18% com relação à coleta realizada no ano anterior.
20
Em live feita no início da pandemia no canal da editora UBU, Beiguelman
(2020) faz luz a essa dinâmica quando mostra que o home office, na verdade,
funciona mais como um “office home”. Com o isolamento, ela fala que apesar das
pessoas estarem em casa, são as tarefas do trabalho que preenchem a maior parte
do tempo e espaço, como uma invasão ao cotidiano. Porém, o trabalho foi apenas
uma entre tantas áreas que passaram por transformações nesse contexto. Para
elucidar as novas dinâmicas de espaço trazidos por Gisele, podemos ilustrar e
reconhecer alguns outros exemplos alusivos a essa nova dinâmica de socialização.
Por exemplo, ao observar o relatório do Google (BATISTA, 2020) de termos
mais pesquisados em 2020, apresentado à imprensa, é possível ver que questões
como “aprender novos instrumentos musicais”, novas línguas, bem como o
desenvolvimento de artesanato, como o crochê e a costura, ganharam bastante
relevância. As atividades manuais, no geral, foram super valorizadas nesse período
inicial, principalmente pelo fechamento de diversas lojas de variados departamentos
em decorrência das medidas de proteção.
Nesse cenário inicial, a procura por máscaras e álcool gel foram intensas e os
preços subiram, portanto, as buscas por fazer esses e outros produtos em casa,
pela perspectiva do it yourself (movimento do “faça você mesmo”) cresceram
absurdamente, segundo o relatório (BATISTA, 2020). Inclusive, o movimento de
fazer as coisas em casa também foi validada pelo pensamento de desaceleração e
“volta ao simples” presente nesse período, que a autora comenta em seu texto
quando diz:Os mais otimistas identificaram nesse cenário sinais positivos para um slowdown geral, que nos faria repensar o modo de vida 24/7 do capitalismo tardioe os fins do sono e da Sociedade do Cansaço, conforme analisaram JonathanCrary e Byung Chul-Hang. O argumento é que o isolamento poderia funcionarcomo um chamado para acalmar-se, usar o que a tecnologia das redes temde melhor e fazer tudo o que é possível a distância: dar aulas, assisti-las,fazer compras, gerir galerias de arte, administrar finanças (pessoais ealheias), conversar… (BEIGUELMAN, 2020, p. 6).
Porém, esse olhar sob uma perspectiva otimista e tranquila não durou por
muito tempo. As interações online aumentaram durante o início da pandemia e as
lives dominaram o ambiente digital. Afinal, quando tudo se tornou distante e o fato
de ficar em casa foi uma das maneiras mais fortes de evitar o contágio do vírus, a
internet e os meios digitais foram ferramentas importantes na solução de diversos
problemas, geraram conexão e aprendizagem, mesmo à distância. Esse fenômeno
permitiu com que as imagens e os espaços domésticos fossem protagonistas e, com
21
isso, o público pudesse se aproximar de espaços íntimos de autoridades como
pesquisadores, políticos, professores e economistas (BEIGUELMAN, 2020).
Com isso, é impossível negar a presença massiva da tecnologia e das redes
sociais no cotiano das pessoas. Essa rotina digital assídua, em parte, é composta
pelos novos hábitos dessa realidade de isolamento, fazendo-se presente os jogos
online, as reuniões de trabalho, as redes sociais e os streamings de vídeo e filmes
que também ganharam ainda mais volume.
É o que comprova uma pesquisa nacional realizada em 2021 pelo Kantar
Ibope Media (SILVA, 2021). O estudo mostra que o consumo de vídeos de streaming
pago no Brasil, por exemplo, aumentou 320% desde 2019, saindo de 3h e 14min de
vídeos pagos assistidos por semana para um montante de 13h semanais, um
crescimento significativo. Este número apenas tende a aumentar tendo em vista que
estamos ainda nesta transformação.
Dessa forma, toda essa mudança de contexto, do crescimento das
tecnologias ao surgimento de novos hábitos e interesses das pessoas na realidade
pandêmica, mostra as novas dinâmicas de socialização trazida por Beiguelman
(2020) em seu texto e transmissão. Tendo isso em vista, será feito um recorte dessa
dinâmica nas redes sociais dos streamings, justamente pela relevância desses dois
temas no estudo.
2.2 REDES SOCIAIS E STREAMING: ATENÇÃO AO TWITTER E À NETFLIX
Enquanto surge um novo contexto para a população, nasce também uma
oportunidade para as empresas, que apesar de também estarem imersas em um
mar de planejamentos refeitos, decisões difíceis e mudanças internas de equipe,
começaram a buscar discursividades e argumentos que conversam com o novo
contexto de sociedade em suas ações de comunicação em vários canais,
principalmente os digitais.
No Brasil, 87,5% das empresas começaram a pensar em projetos de
transformação digital em 2020, ficando acima da média mundial, que foi de 80%,
segundo o Índice de Transformação Digital da Dell Technologies 2020 (DT INDEX,
2020). Isso mostra que, com o crescimento do uso dos canais digitais por parte dos
consumidores, as empresas precisaram descentralizar o poder das suas lojas físicas
22
e começaram a investir em presença online. Esta mudança se tornou vital para
alguns negócios.
Nesse sentido, lojas de departamento, supermercados, shoppings e outros
segmentos, como os serviços de streamings, começaram a usufruir mais fortemente
desses canais. Quando realizado um levantamento quantitativo global das redes de
editores e plataformas de streaming, por exemplo, é visto que a quantidade de
postagens de corporações desse segmento específico no Facebook, Instagram,
Twitter e YouTube quase dobrou desde o primeiro trimestre do ano passado (2020),
tendo um aumento de 99% (CONVIVA, 2021).
Ou seja, houve um investimento forte das empresas desse mercado em uma
digitalização e na produção de conteúdo nessas plataformas digitais. Tudo isso
gerou bons resultados: o engajamento total das contas dessas empresas cresceu
cerca de 24% e, o público, em 61% no Facebook, Instagram, TikTok, Twitter e
YouTube (CONVIVA, 2021).
Relevância similar pode ser observada no Twitter especialmente com a
realidade do Covid-19. Essa rede foi usada para análises e monitoramento por
especialistas para melhor entendimento do comportamento das pessoas com
relação ao vírus, bem como o estudo das melhores alternativas para ajudar nesse
processo. Estes profissionais conseguem tomar decisões importantes e estratégias
mais assertivas para o combate do vírus, ganhando um grande aliado no processo
de fomento a políticas de saúde pública.
Para exemplificar essa realidade, durante o tempo de pandemia, a quantidade
de tweets (nome do texto publicado na rede, referente ao “post”), aumentou
significativamente na plataforma, assim como o investimento publicitário em
estratégias de conteúdo e influência. Conforme o relatório referente ao balanço do
segundo trimestre da companhia, houve um crescimento de 74% no rendimento da
empresa com relação ao mesmo período do ano passado. Já considerando o
crescimento dos usuários na plataforma, esse número foi de 11%.
Esses resultados são decorrentes do aumento no investimento publicitário na
rede, que teve um crescimento de usuários com todo o contexto de hábitos mais
digitais advindos da pandemia e do isolamento social. Sendo um ambiente onde a
empresa pode entrar em contato mais diretamente com o seu público, criar conexão
e personalizar a marca conforme o tom e voz da marca, no livro Redes Sociais
Digitais: a cognição conectiva do Twitter, as autoras Lúcia Santaella e Renata Lemos
23
(2010) também mostram que o Twitter funciona como uma mídia social que une
“design de colaborativo de ideias" (SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 66) com a
capacidade de alterar e dinamizar os "processos globais da mente coletiva"
(SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 66) em tempo real. As pesquisadoras aprofundam:Essa é uma mídia que pode ser usada simultaneamente para engajar osmembros de uma comunidade ao redor de uma ideia, aferir o entendimentocoletivo do grupo sobre determinado conceito, e também para detectarlideranças e tendências. Tudo isso em tempo real (SANTAELLA, LEMOS,2010, p. 82).
Uma característica importante desta rede social são as conversas e pautas
que conseguem acontecer sobre qualquer assunto. Em consonância a essa ideia, as
pesquisadoras defendem que a rede funciona como uma “ágora digital global”
(SANTAELLA e LEMOS, 2010), que consegue unir e trazer muito do que acontece
no mundo e de áreas distintas, como entretenimento, política, educação, saúde e
cultura, para um único espaço.
As empresas aproveitam dessa característica para entrarem em conversas
que fogem do assunto principal: a empresa. Portanto, é comum ver perfis
corporativos que conseguem associar suas imagens com alguma pauta ou meme
em alta na rede em momentos específicos. “Ganha” quem consegue melhor
entender a pauta da sua comunidade e entender como a empresa consegue
conversar sobre aquele assunto da maneira dela. Assim, as pessoas também
entram na conversa e, como consequência, interagem com as empresas por lá.
De modo geral, o aspecto “multidisciplinar” do Twitter, referenciado por
Santaella e Lemos (2010), também acaba entrando em outras particularidades:
todos esses assuntos acontecem simultaneamente, em tempo real. São tantas
informações e acontecimentos síncronos que as autoras defendem que, para
realizar qualquer entrada na rede, é preciso desenvolver uma habilidade cognitiva
híbrida, a infoatenção, “attention litteracy” (RHEINGOLD, 2009).
Ainda na visão de Rheingold (2009), o Twitter funciona dentro de uma lógica
de fluxos informacionais inflow e outflow, sendo a primeira a ideia de usar o seu
perfil como uma base receptora de informações e a segunda carregando a
responsabilidade também em produzir microconteúdos. Esse último processo é
denominado de “microdesign de ideias”. De modo geral, esses fluxos funcionam
como uma estrada de mão dupla: ao mesmo tempo que, por exemplo, a Netflix atua
24
enquanto produtora de conteúdo, ela também trabalha como um perfil que pode
receber mensagens de outras pessoas.
Tudo isso é potencializado quando entendemos a ferramenta do “RT” ou
“retweet”, outra característica fundamental para caracterizar essa rede como tão
distinta e importante para a produção de conteúdo e gerenciamento de comunidades
digitais hoje. Por conta dessa ferramenta, um usuário consegue se apropriar de um
conteúdo de outra conta, trazendo significados de outras pessoas para o seu próprio
feed. Isso pode ser feito através de retweet direto, onde o usuário apenas replica o
conteúdo sem comentário, ou dando RT comentado, em que é possível replicar o
conteúdo realizando comentários em cima dele, gerando, dessa forma, outros
significados.
As hashtags também são interessantes na plataforma. Segundo as autoras,
“elas funcionam como indexadores de temas, tópicos e/ou palavras-chave que
agregam todos os tweets que as contêm um mesmo fluxo” (SANTAELLA e LEMOS,
2010), além de serem comuns para delimitarem um espaço para comunidades
digitais atuarem de forma organizada na rede. De maneira prática, hoje, as marcas
utilizam hashtags, também simbolizadas pelo “#”, para destacarem linhas editoriais
no planejamento, tornando a estratégia de produção de conteúdo mais clara e
consistente.
Rheinglod (2009) e Miemis (2009) destacam que, apesar do Twitter, na sua
totalidade, possa ser considerado uma única comunidade apenas, existem outras
tantas comunidades presentes dentro dessa plataforma. Essa ideia pode ser
ilustrada e defendida como uma ecologia de comunidades integradas em um
ecossistema flexível.
Na prática, o Twitter caracteriza-se como uma rede social em que as
mensagens são transmitidas em sua maioria por textos curtos, de até 280
caracteres, por meio de uma linguagem informal, dependendo, de certo modo, das
características individuais de cada usuário. Essa propriedade torna, portanto, a rede
um espaço sem muitas fronteiras e formalidades: as marcas desempenham a sua
versão mais cool, humana e sincera, se apropriando de um tom mais jovial, fazendo
piadas, utilizando gírias e, claro, se comunicando através de uma linguagem
memética forte, tanto verbal quanto visual.
25
Em relação a memes, o Twitter é o melhor ambiente para isso. Principalmente
pelo contexto rápido, dinâmico e transmissão "ao vivo" dos fatos: quando acontece
algo “fora da curva” habitual, organicamente vira pauta. Ou melhor, meme.
Por isso, o timing dentro dessa rede é tão significativo: o usuário que primeiro
comentar, fizer referência, publicar imagem, começar o assunto ou levantar hashtag,
consegue um maior alcance, que vale a pena reiterar, orgânico (mesmo tendo a
opção de tráfego pago). Em comparação a outras plataformas, por exemplo, essa
ideia se torna ainda mais forte, afinal, o Instagram, a cada ano, diminui ainda mais a
sua entrega sem precisar de investimento em mídia paga.
A Netflix, entretanto, nunca precisou de muito esforço de mídia paga para
fazer com que sua imagem ganhasse força com o seu público no Brasil. Fundada
em 1997, a companhia foi criada na Califórnia, Estados Unidos, com o intuito de ser
uma locadora de DVD´s por assinatura. Na época, o cliente pagava um valor fixo,
assistia a quantos filmes quisesse e, para alívio de muitos, não se preocupava em
pagar taxas extras, como o atraso na devolução dos filmes para a locadora
(KLEINA, 2017). Porém, esse processo evoluiu.
Com inovação fazendo parte do DNA desde a origem, foi em 2007 que a
companhia começou a trabalhar com o mercado de streaming, uma tecnologia super
moderna para o momento, e, dessa forma, se aproximou do modelo de negócios
encontrado hoje. Desde lá, segue em pleno crescimento de mercado, atraindo mais
investidores e conquistando novos públicos, inclusive de outros países. No Brasil, a
empresa começou a atuar em setembro de 2011. Mas foi em 2015 que ganhou mais
destaque, devido, principalmente, aos seus investimentos em campanhas
publicitárias para divulgação de novos filmes e séries do catálogo - parte deles
destinados à publicidade online.
Apesar de os esforços comunicacionais da companhia também terem sido
alocados para mídias de propaganda offline, como mobiliário urbano, busdoors,
empenas e cartazes em diversas cidades, foi através das campanhas propagadas
em meios digitais que fizeram da Netflix, por conta de características dessa
modalidade, referência de publicidade online no país. Como defende Santaella
(2017), as vantagens da publicidade em campo digital perpassam desde a facilidade
com que o anunciante e as agências possuem de metrificar as estratégias
abordadas nas campanhas, até o preço para a realização delas, que acabam saindo
bem menos custoso para as empresas.
26
Ainda pela perspectiva da autora, o investimento no online garante outros
benefícios, como descreve Santaella (2017), a saber:
a) fazer com que a mensagem, por mais específica que seja, consiga chegar
ao público certo devido às plataformas funcionarem com inteligência, algoritmos e
bom armazenamento de dados;
b) promover a flexibilidade de edição dos materiais já publicados;
c) diversificar as mensagens abordadas nas campanhas entre novos
formatos, como vídeo, áudios, links e a própria interatividade;
d) facilitar o processo de mensuração dos resultados obtidos em uma
campanha, entre outros.
Apropriando desses conhecimentos e vantagens, a Netflix realizou uma série
de campanhas digitais voltadas para a divulgação de suas produções no decorrer
desses anos, principalmente as originais, aquelas assinadas e produzidas por ela.
No Brasil, algumas campanhas, inclusive, viralizaram. Isso tornou a Netflix uma
empresa referência em propaganda no país, porém se afastando do tradicional,
produzindo materiais publicitários modernos, característicos de uma nova realidade
e, consequentemente, que conversa perfeitamente com as redes sociais: mais
digital, interativa e dinâmica.
Nesse sentido, é impossível negar o impacto da campanha feita, por exemplo,
para a divulgação de Orange Is The New Black, uma das séries originais mais
famosas. Para o desenvolvimento dessa campanha, a Netflix utilizou a narrativa da
trama, que envolve uma personagem muito querida pelo público, chamada Poussey
Washington.
Devido à relação das palavras ao gerar um trocadilho, foi criada uma versão
da música Minha Pussy é o poder, da Valesca Popozuda, cantada por ela e com
clipe inspirado no visual da série. Hoje, o material conta com mais de 1,5 milhões de
visualizações no Youtube e, por conta do movimento gerado por ela, a Netflix
manteve a receita e convidou a Valesca, para que, juntamente a Inês Brasil e
Narcisa, fizessem outra campanha para a divulgação da nova temporada da série
em 2017.
27
FIGURA 2 - VÍDEOS DA CAMPANHA DE DIVULGAÇÃO DA SÉRIE ORANGE IS THE NEW BLACK
Fonte: Youtube Netflix Brasil3 (2017)
Seguindo as mesmas técnicas utilizadas nesses lançamentos, a Netflix
também realizou outras campanhas de divulgação para outras produções, dessa vez
com outras personalidades, mas que tiveram o mesmo impacto, ou até maior. Para
exemplificar, é possível trazer a campanha de lançamento da quarta temporada de
Stranger Things, com Xuxa, e a campanha desenvolvida para a estreia da nova
temporada de La Casa de Papel, com o comediante e influenciador digital,
Whinderson Nunes. Ambas as campanhas tiveram diversificações para outras
mídias, mas foram divulgadas primordialmente no YouTube. Somados, somente os
vídeos nesta plataforma, contabilizam mais de 9.5 milhões de visualizações.
FIGURA 3 - VÍDEOS DA CAMPANHA DE DIVULGAÇÃO DA SÉRIE STRANGER THINGS E LACASA DE PAPEL
Fonte: Youtube Netflix Brasil (2021)
Esses números são reflexo do trabalho realizado em comunicação pela marca
nas campanhas, que consegue integrar as narrativas contadas nas histórias das
séries com o universo de cada artista convidado. Eles, inclusive, são próximos da
linguagem da internet. Xuxa possui o clássico meme do “Senta lá, Cláudia” -
presente na campanha, além de ser um ícone do mundo pop brasileiro, já
3 Disponível em: https://youtu.be/dgZfydaVMmI Acesso em: 3 set. 2021.
28
Whindersson é humorista, influenciador e produtor de conteúdo há anos e, no vídeo,
usufrui do humor para interagir com os atores da série.
Porém, os bons resultados e da Netflix não ficam apenas com relação aos
vídeos “carro-chefe” das campanhas, mas é possível identificar sucesso na
comunicação da empresa nas redes sociais, incluindo no Twitter. Nessa rede, a
empresa foi protagonista de uma mudança de como as marcas trabalhavam
comunicação e construção de marca. Com o tom leve e bem-humorado, a empresa
não perde a oportunidade de conversar com a sua comunidade, gerando interações
e engajamento, e, por consequência, empatia e conexão com o seu público. A
seguir, na Figura 4, podemos ver alguns exemplos da linguagem adotada no Twitter
bem como suas interações com usuários da rede.
FIGURA 4 - TWEETS FEITOS PELO PERFIL DA NETFLIX BRASIL
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2018)
Pelas imagens é possível entender que a Netflix no Twitter tem bastante
liberdade para conversar sobre os mais diversos assuntos pautados na rede. De
política às notícias de entretenimento, existe uma diversidade de assuntos que a
empresa consegue adentrar, porém, o que mais chama atenção na atuação da
Netflix nessa plataforma é que, através das respostas e tweets publicados, ela
proporciona uma maior identificação do seu público com a marca, criando um
sentimento de personalização. A personalização, no que lhe concerne, consegue:
“gerar maior aproximação e confiança na relação” (SANTAELLA, 2017, p. 172).
Entendendo um pouco mais sobre o desempenho da Netflix nas redes sociais
e visto a atuação dela no Twitter, cabe, agora, estudar mais a fundo as estratégias
de comunicação adotadas para a produção de conteúdo nessa plataforma. Afinal,
29
como dito, a empresa se tornou referência no segmento, portanto, pode servir de
aprendizado e inspiração para outras empresas da área, para a academia e outros
profissionais do campo da comunicação - especialmente da publicidade.
30
3 NETFLIX BRASIL NO TWITTER: NETNOGRAFIA E NARRATIVA DE MARCA
Para analisar da melhor maneira os tweets feitos pelo anunciante no período
selecionado, é preciso, antes, entender mais sobre a metodologia que norteará toda
a construção da análise apresentada. A etnografia é um protótipo tradicional e muito
utilizado na área da antropologia, principalmente para o estudo da cultura de grupos
sociais (ZANINI, 2016). No início, os profissionais da antropologia dedicavam seu
tempo e trabalho para o estudo de pesquisa baseado em hipóteses e, de fato, em
pouco campo prático.
A etnografia surgiu para revolucionar esse processo: conectar ainda mais o
antropólogo do seu objeto de estudo, não só traçando hipóteses baseadas, muitas
vezes, em achismos, mas também aprendendo com uma maior proximidade, se
enquadrando no contexto, analisando e vivendo de perto as vivências práticas e
situações reais do dia a dia. Em outras palavras, a etnografia surge para tornar o
processo de estudo ainda mais assertivo, de forma humana e ainda mais próxima, a
partir da “importância de ouvir aqueles que pretendemos entender” (ZANINI, 2016, p.
166).
Porém, com o avanço da sociedade e da tecnologia, a antropologia também
começa a adentrar novos espaços e culturas, que, por sua vez, passam a serem
campos e objetos de estudo, tal qual os espaços físicos estudados por anos. A
internet se configura como um exemplo disso. Nesse sentido, Zanini (2016) explana
que o ciberespaço não se trata apenas de um lugar onde é possível acessar
conscientemente em um horário específico do dia, nem tão pouco um ambiente
imagético, inexistente. Assim, para entender mais dessa construção, se faz
importante observar o processo de desenvolvimento desse espaço digital a seguir.
Nos anos 90, a internet ficou registrada como a Web 1.0, onde se popularizou
o computador pessoal e as pessoas reservam um tempo específico para ficarem
online. Naquele momento, o envio de textos, a presença nos chats, os servidores de
arquivos, os sites no geral e os mecanismos de buscas dominavam o campo
cibernético. A internet era menos acessível e custava mais para as pessoas. Porém,
com o avanço das tecnologias, ela consegue adentrar em uma próxima etapa: a
Web 2.0. Nela, existe uma ênfase importante no usuário, além de uma
democratização das informações, do acesso às tecnologias e as conexões entre as
pessoas (SANTAELLA, 2017).
31
Defendida por Pierre Lévy (1996), filósofo francês da cibercultura
contemporânea, a Web 2.0 se caracteriza em um período em que a internet se
encontra em vários lugares, de maneira massiva, adentrando o dia a dia das
pessoas.FIGURA 5 - REPRESENTAÇÃO ORGANIZACIONAL DA WEB 2.0
Fonte: Zanini (2016)
Isso pode ser visto, por exemplo, com a internet das coisas: plataformas de
streamings, smartphones, televisões inteligentes, assistentes virtuais, tecnologia nos
carros, todos esses objetos estão integrados ao digital de alguma maneira. Lévy
(1996), comenta mais sobre essa transição e as novas mediações dessa etapa de
hiperconexão quando diz:A mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais queenvolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginaçãoinventiva. A escrita, a leitura, a escuta, o jogo e a composição musical, avisão e a elaboração das imagens, a concepção, a perícia, o ensino e oaprendizado, reestruturados por dispositivos técnicos inéditos, estãoingressando em novas configurações sociais (LÉVY, 1996, p. 17).
Tendo esse contexto em vista, o estudo seguirá na etnografia em mídias
sociais para analisar as publicações da Netflix Brasil no Twitter, realizados no
período de um mês desde a primeira postagem da marca sobre o tema “Covid-19”,
que aconteceu no dia 02 de abril de 2020. Dessa forma, será seguido a ordem
apresentada por Zanini (2016) para realização de estudos e análises no ambiente
digital, composta pelos seguintes passos: (a) apresentação do projeto etnográfico;
(b) indicação de mapas descritivos; (c) coleta e análise de dados. As três fases são
ilustradas por registros etnográficos obtidos no decorrer da investigação. Nas
próximas páginas, serão apresentados esses resultados.
32
Além disso, é importante ressaltar que as análises serão embasadas
teoricamente vislumbrando os estudos de Carrascoza (2015), principalmente
entendendo que, apesar do processo metodológico de Zanini (2016) ser suficiente
para entender mais sobre os objetos e tirar as melhores conclusões a partir disso, no
campo comunicacional e neste presente trabalho, existe a necessidade de se
complementar teoricamente com conceitos próprios da comunicação.
Para entender mais sobre a produção textual explorada nos tweets, são
adotadas as perspectivas teóricas de Carrascoza (2007, 2015) relacionadas à
natureza do texto publicitário, abordagem criativa e a construção de narrativas
ficcionais para as marcas. Este conjunto de princípios permite o estabelecimento de
um mundo imaginário (CARRASCOZA, 2015) para o anunciante em sua relação
contínua com o consumidor. Assim, nas próximas seções, analisa-se mais
profundamente os conteúdos obtidos com Netflix Brasil em seu canal no Twitter.
3.1 UM PROJETO ETNOGRÁFICO NO TWITTER DA NETFLIX
Antes de iniciar qualquer processo de análise, é preciso recordar o objeto de
estudo. É preciso estreitar o campo de visão e aprofundar nos questionamentos sem
perder o foco, trazendo maiores resultados e informações relevantes sobre o objeto.
Para a realização de uma boa seleção de projeto etnográfico, faz-se necessária a
definição de três preceitos, como indica Zanini (2016, p. 176):Local escolhido: determinar se o local escolhido favorece de fato aabordagem do tema proposto; Propriedades do local: medir as propriedadesdo local (tamanho, população, complexidade) em comparação com osrecursos do pesquisador (tempo, recursos financeiros, habilidades); e por fimEntrada no local: colher informações que favoreçam a negociação de entradano local escolhido (grifos da autora).
Neste sentido, a Netflix no Twitter passa a ser um objeto muito bem aplicável,
tendo em vista alguns pontos. O primeiro deles consiste na ideia de que essa rede
social é um ambiente excelente para percepção de interação, produção de
conteúdo e gerenciamento de comunidade, bem como o entendimento de um grupo
seleto sobre determinado assunto e mapeamento de tendências (SANTAELLA,
2010). Além disso, tudo fica registrado e não pode ser editado. Todas as interações
e postagens que qualquer usuário já publicou fica na rede, diferentemente de outros
33
recursos de plataformas concorrentes: os stories do Instagram, por exemplo,
esvaem-se após 24h de exibição.
Com o local do estudo escolhido, o Twitter, e o entendimento maior das suas
propriedades, o processo de busca se tornou ainda mais fácil e direto. Para
selecionar o material de estudo no período de análise e realizar o processo de
entrada da melhor maneira, foi utilizada uma ferramenta própria da rede social: as
“buscas avançadas”. Através dele foi possível selecionar o perfil analisado
juntamente com um período. Para o presente estudo, foi buscado por @netflixbrasil
na barra de pesquisas e selecionado o espaço de tempo entre 02/04/2020 e
02/05/2020.
Resumidamente, o processo pode ser feito e visto digitando o seguinte trecho
na barra de pesquisas do seu twitter: (from:netflixbrasil)until:2020-05-02
since:2020-04-02-filter:replies. Para o trabalho, foram feitas duas pesquisas, uma
geral e uma de revisão, que aconteceu para ter a certeza de que nenhum tweet foi
perdido no processo de seleção. A imagem a seguir mostra como realizar a busca
avançada no Twitter diretamente da barra de pesquisas:
FIGURA 6 - PRINT DA BUSCA AVANÇADA NO TWITTER A PARTIR DA BARRA DEPESQUISAS
Fonte: Twitter (2021)
Um alinhamento importante: esse estudo não possui o objetivo de analisar os
tweets feitos por outros usuários em resposta ao post inicial principal da empresa,
assim como os tweets que se complementam: as threads. Ou seja, majoritariamente
serão considerados apenas as publicações principais, não focando em sequências
de tweets dentro de uma mesma linha, conectados.
No entanto, durante o processo de coleta, existiu uma thread muito
importante que será analisada mais profundamente no projeto, tendo em vista as
novas discursividades trazidas por ela na pandemia que impactam diretamente no
mercado e na sociedade civil. Nessa postagem específica em sequência, a empresa
34
indica conteúdos de outras empresas, muitas delas concorrentes diretas. Porém,
como dito, trata-se da única exceção.
É importante destacar ainda o seguinte intervalo temporal: entre a data de
publicação dos primeiros decretos no país (BRASIL 2020a, 2020b, 2020c), até o
primeiro post feito pela Netflix Brasil com esta temática, transcorrem-se 10 dias.
Portanto, a escolha do período de análise dos tweets foi estabelecida a partir
da primeira postagem da empresa no Twitter sobre a covid-19. Entende-se também
que o período de um mês é suficiente para avaliar a situação na esfera
comunicacional, tendo em vista que foram colhidos materiais suficientes para
destacar pontos de estudo relevantes.
3.2 OS TWEETS FALAM: COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Após o processo inicial de definição de local, objeto de estudo e do
entendimento mais a fundo sobre as propriedades da rede social analisada, o
próximo passo foi de começar a coletar o material selecionado. Dentro de todas as
possibilidades, a primeira impressão foi a partir da delimitação quantitativa: no
período selecionado, a Netflix Brasil realizou um total de 98 conteúdos, ou seja, não
considerando os tweets em sequência ou respostas à postagem principal.
A partir desse número, foram encontrados três grandes blocos de conteúdo
que funcionaram como eixos temáticos norteadores dos conteúdos por lá: um eixo
voltado para divulgação de conteúdos institucionais, vendas de séries e filmes (tanto
que já estão no catálogo quanto que estão por vir); outra seção voltada apenas para
produzir conteúdo que fomente a interação e engajamento dos usuários; e o último,
nesse caso, um eixo voltado para a temática do Covid-19, onde é possível encontrar
postagens mais leves e relacionadas aos novos hábitos do contexto pandêmico.
Dessa forma, é possível entender de maneira mais estratégica a atuação da
Netflix no Twitter durante o início da pandemia: venda institucional e do seu
catálogo, interação direta com o seu público e introdução dos seus filmes e séries no
cenário de quarentena, novos hábitos e cuidados. Para ilustrar a forma como foram
distribuídos os tweets entre os dias, são apresentados os Quadros 2 e 3. Eles
resumem e mapeiam, de maneira quantitativa, a distribuição dos tweets. Dessa
forma, facilita-se a identificação e a compreensão do planejamento de comunicação
da Netflix Brasil no Twitter.
35
QUADRO 2 - QUANTIDADE DE TWEETS DA NETFLIX BRASIL FEITOS POR DIA DENTRO DECADA EIXO TEMÁTICO
Data Tweets de divulgação Tweets Interativos Tweets Covid-19
02/04 3 0 1
03/04 6 0 0
04/04 4 0 0
05/04 4 0 0
06/04 3 0 0
07/04 3 0 0
08/04 3 0 1
09/04 3 0 1
10/04 2 0 1
11/04 2 0 1
12/04 1 0 0
13/04 1 2 0
14/04 2 0 0
15/04 3 0 0
16/04 1 0 1
17/04 2 0 0
18/04 3 0 0
19/04 4 0 0
20/04 2 0 0
21/04 3 0 1
22/04 2 1 0
23/04 3 1 0
24/04 0 1 0
25/04 3 0 0
26/04 3 0 1
27/04 3 0 0
28/04 3 0 1
29/04 3 0 0
30/04 4 1 0
01/05 3 1 0
02/05 2 1 0Fonte: O autor (2021)
36
Pelo Quadro 2, é possível observar, primeiramente, que dentro do Twitter, a
Netflix Brasil não possui uma distribuição padrão considerando a quantidade de
tweets realizados por dia. Nesse sentido, existe uma certa flexibilidade e
adaptabilidade que pode ser percebida por esses números e que também é validada
pelo contexto de pandemia, onde tudo era muito novo - exigindo um olhar mais
aberto, e também pelas próprias características de dinamicidade e rapidez da rede.
Veja: em alguns momentos o perfil da empresa consegue disparar seis
postagens institucionais apenas, porém, em outro momento na mesma semana, a
distribuição se torna mais equilibrada e é possível encontrar um tweet voltado para
interação e outro destinado ao covid-19. Porém, quando somados, não chegam aos
seis tweets feitos anteriormente, por exemplo. Isso demonstra, mais uma vez, que o
Twitter é uma rede pautada por conversas: em alguns momentos são mais
frequentes, em outro são menos, mas todas acontecem rapidamente. Segundo
Alexandre Matias (2010):É uma rede social sim, mas também uma enorme conversa online em quepessoas, marcas e instituições conversam simultaneamente, usandolinguagens formal, informal e até mesmo cifrada, criando um enorme mosaicode informação rápida que funciona como um mashup de MSN, SMS, RSS esala de bate-papo [...] A grande mudança, portanto, não diz respeito àinterface, mas a uma noção nova de um jargão que ficou banalizado desde apopularização da web, nos 90 - o chamado “tempo real” (grifo do autor).
Quando observado percentualmente, a divisão dos tweets se torna ainda
mais clara, afinal, é possível entender quanto, de maneira mais estratégica, de
recursos foi destinado para cada categoria de conteúdo. Confira o Quadro 3, a
seguir, para visualizar os números percentuais:
QUADRO 3 - PERCENTUAL DE TWEETS DA NETFLIX BRASIL FEITOS EM CADA EIXOTEMÁTICO
Tweets dedivulgação
Tweets Interativos Tweets Covid-19
Total 81 tweets 8 tweets 9 tweets
Porcentagem do eixo comrelação ao total do período
82,8% 8,1% 9,1%
Fonte: O autor (2021)
Através do Quadro 3 é possível entender que quase 10% dos conteúdos da
Netflix no Twitter durante o período analisado foi destinado à temática do Covid-19,
37
entendendo tamanha importância e impacto dessa calamidade na vida das pessoas,
que consequentemente, conversavam sobre esse assunto nas redes sociais.
No entanto, é importante ressaltar a importância, juntamente do foco
pandêmico, dos outros dois outros eixos temáticos encontrados na pesquisa: o de
divulgação/institucional, e de interação. Juntos, eles funcionam em um balanço
muito funcional, trazendo para perto da empresa a temática do novo coronavírus, a
interação com a comunidade digital, porém, sem deixar de vender os serviços,
promover novas atrações e, ainda, fortalecer a marca.
Na prática, existem algumas interseções nesse processo. Algumas vezes se
torna possível encontrar tweets que falam sobre a rotina do novo coronavírus, mas,
que ao mesmo tempo, divulga filmes. Do mesmo jeito que existem publicações
interativas que abordam conteúdos de produções existentes no catálogo. Porém,
para não haver dúvidas, a seleção foi feita pelo conteúdo principal, ou seja,
considerando a análise, a principal abordagem/temática levantada em cada
publicação.
A seguir, os eixos serão analisados com mais profundidade com a intenção
de entender como se caracterizavam cada categoria de conteúdo na estratégia no
início da pandemia, mesmo que não sejam o foco principal do trabalho, mas que
foram igualmente relevantes para a comunicação da empresa naquele período.
O eixo temático de divulgação, por exemplo, corresponde à produção de
conteúdo voltada, em sua maioria, para a propagação da mensagem da empresa,
anúncios dos seus materiais, filmes, séries, documentários, entre outros. Como visto
na análise de estratégia de distribuição, esses conteúdos refletem quase 80% de
todas as publicações realizadas na rede, um quantitativo que demonstra o
protagonismo dessa linha na estratégia adotada pela empresa. Afinal, é importante,
apesar das circunstâncias, realizar uma boa divulgação das produções que chegam,
visto que gerar o conhecimento desses materiais para as pessoas consumirem,
desejarem e, principalmente, gerarem valor, é vital para qualquer negócio.
Porém, essa divulgação acontece de maneiras distintas. Algumas vezes,
existe a necessidade da empresa comunicar a chegada de novos materiais. Para
isso, utiliza-se de um conteúdo mais comercial, anunciando apenas informações
importantes, como data de chegada, nome da série, etc. Em outros momentos,
promovem campanhas específicas para aqueles materiais que já estão no catálogo.
Nesse contexto, inclusive, é importante fazer a distinção entre a divulgação de filmes
38
que chegaram recentemente e a de outras produções que já estão há bastante
tempo na lista. Para representar como isso funcionou na prática, será apresentada a
Figura 7:
FIGURA 7 - EXEMPLO DE TWEET DE DIVULGAÇÃO
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Neste tweet de 19 de abril, por exemplo, a empresa produz um conteúdo de
divulgação temático, fazendo referência a filmes especificamente da atriz Anne
Hathaway. Nele, existe a intenção de divulgar seu catálogo, porém, não de uma
maneira tradicional, mas inserindo uma narrativa que faz sentido com os filmes da
atriz, com a própria atriz e com a marca, como é possível ver no “...eu não sou
princesa”, fazendo referência ao famoso filme protagonizado por ela. O mesmo
acontece com a divulgação de um filme feito pelo ator Chris Hemsworth, que
também faz Thor nos cinemas. Neste último, a Netflix se apropria do humor e da
narrativa dos personagens fazendo apenas uma menção ao filme, sem adotar
diretamente o discurso de: “assistam ao filme agora”, por exemplo.
Quanto aos tweets do eixo de interação, eles são a minoria na estratégia,
porém, mesmo com cerca de 8% de participação, o fato de ter sido identificada uma
categoria específica para esse tipo de conteúdo consegue ser reveladora para os
estudos. Afinal, é perceptível que a Netflix se preocupa com manter um
relacionamento, gerenciar a sua comunidade, conversar e provocar diálogo com seu
público há anos, e, por conta desse eixo, isso se torna evidente.
Considerando estudos de Comunicação e Sustentabilidade, a ideia de
interação está inserida diretamente ao conceito de engajamento, junta, também, aos
39
preceitos de relacionamento e envolvimento (HIGGINS, 2006). Isso demonstra a
importância desse modelo de visão que o perfil da Netflix Brasil no Twitter promove
ao produzir conteúdos voltados para a conversa. Ao incentivar o diálogo, a empresa
gera aproximação com o seu público e, dessa forma, faz com que a marca esteja no
dia a dia dessas pessoas.
A maneira como a Netflix materializa esse eixo temático no Twitter varia.
Porém, na maioria das vezes, acontece quando propõe ao usuário que realize
alguma atividade ou prática em troca de outra realizada por ela - um claro efeito de
ação e retribuição, como ocorre, por exemplo, quando pede: "comente que eu
indico". Conteúdos dessa categoria podem ser vistos nas Figuras 8 e 9
disponibilizadas a seguir:
FIGURA 8 - EXEMPLOS DE TWEET DE INTERAÇÃO
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Nesse sentido, é válido observar como a empresa consegue gerar mais
comentários, representados pelo ícone de balão à esquerda, através dessa
estratégia de argumentação. Porém, esse eixo temático, assim como o de
divulgação, possui variáveis. Por exemplo, em um dessas publicações interativas, a
empresa, inclusive, chega a incentivar a leitura. Esse apelo de conteúdo pode ser
visto em um tweet representado na imagem a seguir.
FIGURA 9 - EXEMPLOS DE TWEET DE INTERAÇÃO
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
40
Através deste tweet, é possível identificar a gama de conteúdos que a
empresa consegue fazer para conversar com o seu público na rede. Essas
conversas, inclusive, acontecem sobre diversos contextos, e em 2020, o tema do
Covid-19 foi um dos principais deles. Embora os eixos de divulgação e interação
terem sido importantes para construir uma comunicação mais assertiva, que vende e
gera pontes de conexão com o público, será analisando mais a fundo o eixo
temático da pandemia, o último até aqui, que se torna plausível identificar os mais
novos e importantes aprendizados da comunicação em um período tão atípico,
porém transformador da história da humanidade moderna.
3.3 TWEETS PANDÊMICOS: A ABORDAGEM DO COVID-19
De acordo com Ries e Trout (2009), o posicionamento não pode ser
caracterizado pelo determinado uso de produto ou qualquer situação semelhante,
mas pelo que se faz na mente do seu potencial cliente. Se cria, portanto, uma
manipulação a partir do que já existe na mente humana de modo a gerar conexões
pré-existentes. Ao falar sobre a pandemia, a Netflix Brasil se posiciona de uma
maneira interessante: fugindo do padrão educativo e formal das autoridades de
saúde, mas, ainda assim, conseguindo pautar questões do novo coronavírus, os
cuidados que se deve ter para evitar a doença, a mudança de rotina causada pelo
vírus, entre outros.
Neste sentido, é válido pontuar que todos os tweets realizados sobre essa
temática aconteceram de forma autêntica, respeitando o tom de voz (SANTAELLA,
2017) utilizado pela empresa nas redes sociais historicamente: jovem, divertido,
informal etc., adaptando, apenas, em poucos momentos.
Isso demonstra que a empresa conseguiu introduzir a questão do Covid-19 de
maneira muito assertiva e natural, ainda que o planejamento dos conteúdos tenha
sido feito em um curto período: 10 dias somente entre o primeiro decreto realizado
no país e o primeiro tweet feito pela companhia. Afinal, no momento em que foi
declarada a pandemia no Brasil, as empresas tiveram que adaptar os seus
planejamentos para começarem a entender mais sobre quais circunstâncias haviam
sido alteradas. Foi preciso replanejar conteúdos, rever estratégias, entender como
as marcas poderiam se posicionar dentro desse novo contexto e construir uma
41
mensagem, entre tantas outras atividades. Isso o perfil da Netflix Brasil fez - e
rapidamente.
De uma maneira geral, os tweets da empresa, no período selecionado,
apropriam-se de algumas das abordagens apresentadas por Carrascoza (2015),
como o humor e a surpresa, majoritariamente. Em alguns outros momentos, é
possível identificar também a intertextualidade, atuando em forma de paráfrase,
gerando entrelaçamentos midiáticos que somam de forma positiva na mensagem
propagada. Cada abordagem utilizada será desdobrada no decorrer da análise
realizada nos próximos momentos.
Para iniciar e ilustrar a forma como a organização trabalhou essa temática no
Twitter, são trazidos os tweets feitos pela empresa em uma série de imagens:
FIGURA 10 - PRIMEIRO TWEET SOBRE A TEMÁTICA DO COVID-19 FEITO PELANETFLIX BRASIL
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
O primeiro tweet sobre a temática foi feito no dia 02 de abril de 2020 e teve
um total de 9.2 mil curtidas, cerca de mil retweets e 239 comentários. Estes números
indicam o nível de "engajamento" da página - terminologia complexa e debatida por
pesquisadores da comunicação.
Cinara e Mariana (2014), por exemplo, entendem o engajamento como uma
métrica que se relaciona com o envolvimento da audiência com o “conteúdo, ação
ou página” (MOURA e OLIVEIRA, 2014, p. 8) apresentados pela marca. Karhawi e
42
Tamura (2020) complementam o entendimento ao listar os elementos que fazem
parte do universo do engajamento, como números de curtidas, comentários,
compartilhamentos, cliques, bem como menções à hashtag. A devida análise de
engajamento requer o uso de programas computacionais especializados - proposta
que escapa do foco do presente estudo.
No início da pandemia, era comum ver as empresas produzindo conteúdos de
orientação voltados para a educação sanitária: lavagem de mãos, uso do álcool em
gel, distanciamento social, por exemplo. No entanto, poucas conseguiram adentrar
nesse universo e se inserir nesse contexto tão bem quanto a Netflix. Com sutileza e
bom humor, a primeira postagem da empresa sobre a temática consegue imergir no
mundo pandêmico sem deixar de tirar o contexto do seu público: pessoas que
assistem séries, filmes, mexem no celular, etc.
Já sinaliza Carrascoza (2015, p. 133), que "o humor é uma abordagem
criativa de grande poder persuasivo”. Neste caso, o teor humorístico da postagem
caracteriza-se pelas vezes excessivas de lavagem de mãos e pelo “grito” no “TIRA
ESSA MÃO DO OLHO!” - dito para enfatizar os cuidados e grafado em alta na
publicação. Assim, consegue potencializar a mensagem apresentada, facilitando o
processo de memorização do anúncio e da mensagem.
No tweet apresentado, entre as medidas de proteção e recomendações, o “vê
+ um episódio” sempre esteve presente, fazendo com que, literalmente, Netflix e as
medidas preventivas do Covid-19 se interligassem em uma narrativa forte de
proteção e cuidado. A partir dessa conexão, no entanto, o discurso da marca se
expande: agora, além das medidas de proteção, adota uma postura mais branda e
colaborativa no diálogo com seus consumidores. Uma nova perspectiva estratégica
foi adotada.
Empresas de telecomunicações, canais fechados e companhias de outros
segmentos passaram a disponibilizar seus serviços de forma diferenciada, além de
ofertas materiais, aulas e workshops gratuitos. As grandes empresas de telefonia
como a Claro/Net, Sky, Vivo TV e Oi TV liberam alguns canais gratuitamente, além
do Telecine Play, plataforma de streaming que ficou aberta por um mês inteiro para
incentivar que as pessoas permanecessem em isolamento através de uma
campanha denominada “fique em casa” (GRAMA, 2020; ARBULU, 2020).
Revestido de gesto de solidariedade, estas ações também serviram para
aumentar o awareness e fazer com que os nomes das marcas atingissem outros
43
públicos, alcançando ainda mais visibilidade. Para a Netflix, esse sentimento
colaborativo se apresentou em formato de uma thread (sequência de tweets feitos
em uma mesma linha), em postagem no dia 08 de abril de 2020, quando
compartilhou filmes e séries de outras empresas, como o HBO e algumas
concorrentes diretas, como a GloboPlay. A thread pode ser vista a seguir:
FIGURA 11 - THREAD DA NETFLIX PARA DIVULGAÇÃO DE CONTEÚDOSCONCORRENTES
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Na lógica do sistema capitalista, quando uma empresa produz conteúdos
publicitários indicando produtos de concorrentes, ela recorre a uma estratégia que
foge dos padrões tradicionais. Diante do ineditismo do evento pandêmico, a
representação de ações colaborativas e solidárias entre instituições é uma ação
original em relação à produção de conteúdo.
Na thread apresentada, a instituição não foca diretamente na venda de seus
serviços. Ela prefere criar e pautar a "narrativa ficcional de marca" (CARRASCOZA,
44
2015) a partir da noção de ajuda mútua e companheirismo entre as empresas diante
do momento vivenciado. A construção deste apelo é um trunfo publicitário.
Ainda sobre a thread indicada pela Figura 11, a Netflix realiza uma ação
estratégica e bem planejada. Ao apurar se o espectador viu determinado conteúdo
da própria Netflix, ela indica alguma produção de um concorrente. No tweet, a
empresa indica: se o usuário assistiu Black Mirror, poderá gostar de Years and
Years, exibida na HBO; se viu Atypical, sugere-se The Good Doctor, da GloboPlay;
Se gosta de Orange Is the New Black, poderá gostar de Fleabag, da Amazon Prime;
E, por último, caso alguém goste de reclamar sobre o fato de não ter Harry Potter no
catálogo, indica o Telecine, que tem todos eles.
Portanto, indiretamente, a corporação mantém-se na narrativa e não de uma
forma competitiva. Pelo contrário, fornece ao seu público outras opções de filmes e
séries de empresas diferentes, de acordo com o que ele já gosta do próprio
catálogo.
No início desse capítulo, foi dito que haveria uma exceção na análise, pois
seria analisada uma thread. Isso aconteceu porque, de certa maneira, esse
conteúdo em linha apresentado foi muito importante para entender sobre o
comportamento das marcas na plataforma e a forma como o conteúdo foi produzido
pela Netflix. Com a thread, ela conseguiu dar visibilidade para outras empresas que,
juntamente, entraram na conversa principal. Todas se beneficiaram da repercussão,
porém, a Netflix garantiu seu protagonismo.
Essa publicação, para tornar o contexto ainda mais complexo, se tornou um
grande anúncio entre marcas. Em resposta à thread, por exemplo, é possível
enxergar comentários do Canal Brasil, Nickelodeon, Canal Viva, GNT, Multishow,
banda Eva, SBT. Desse modo, a ação funcionou como um canal de interação entre
grandes marcas para divulgação e colaboração. Porém, as mais interessantes,
comentadas e compartilhadas foram as que conseguiram melhor conectar o
conteúdo produzido entre empresas e as que exploraram a redação para realizar um
texto mais persuasivo.
Por exemplo, o perfil da GNT no Twitter aproveitou a oportunidade dada pela
Netflix para divulgar a produção Que história é essa Porchat?, o novo programa de
Fábio Porchat. Na postagem, aborda-se que, se alguém consegue assistir as
dezesseis temporadas da série Grey´s Anatomy (disponível na Netflix), também
consegue assistir as 70 histórias do Porchat. Como resposta, a Netflix cita outro
45
programa da GNT, o Cozinha Prática com Rita Lobo, além de mencionar o de
Porchat. Assim, as marcas foram criando um intercâmbio de interações, surfando no
bom desempenho e alcance da thread.
FIGURA 12 - COVID - INTERAÇÃO ENTRE GNT E NETFLIX NO TWITTER
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
O público cortejou as trocas feitas, reiterando que, naquele momento, não
deveria haver concorrência, apenas solidariedade. Dessa forma, as conversas entre
as empresas pareceram maiores do que a briga pela audiência e receita do público,
o que se alinha às pautas existentes naquele momento de ajuda mútua. Nesse
mesmo tweet, a própria companhia se posiciona em resposta a um usuário dizendo
que “a prioridade nesse momento é que todos fiquem bem”.
FIGURA 13 - RESPOSTA DE USUÁRIO À THREAD DE DIVULGAÇÃO DE CONCORRENTES
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
46
Outra pauta importante no contexto do novo coronavírus que adentrou a
internet foi a questão das vestimentas utilizadas em casa, a moda. A realidade de
lockdown e quarentena, em que as pessoas precisavam fazer quase todas as suas
atividades diárias direto de suas casas, como o trabalho em home office, por
exemplo, foi uma forte conversa naquele momento. Portanto, o terceiro tweet
relacionado à pandemia acontece no dia 9 de abril de 2020, quando diz:
FIGURA 14 - TWEET DE INDICAÇÃO DE FILMES COM BASE NA ROUPA QUE TEM USADO EMCASA
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Apropriando-se dessa conversa, a Netflix, dessa vez, encontra uma
interseção entre os seus eixos temáticos estratégicos de conteúdo: realiza um tweet
de divulgação de catálogo, porém, entrando também no eixo pandêmico, já que faz
referência ao uso de roupas em casa, indicando filmes e séries presentes em seu
site. Além disso, essa indicação gera engajamento através de interações nas
respostas. Afinal, o internauta provavelmente estaria lendo essa publicação vestindo
alguma roupa específica, o que facilita o processo de identificação.
É importante ressaltar que, neste tweet, a empresa utiliza a abordagem da
surpresa defendida por Carrascoza (2015), quando destaca que “proposições
surpreendentes motivam e ganham a simpatia do consumidor” (CARRASCOZA,
2015, p. 134). Esse caráter pode ser visto quando o perfil da empresa utiliza o emoji
de pêssego, que faz referência à nudez. Essa ideia se relaciona fortemente com a
série recomendada, Elite, que tem em seu roteiro uma trama adolescente com apelo
sexual.
Também é interessante observar que a escolha das produções para os tweets
feitos pela Netflix no eixo temático da pandemia também possui, mesmo que não
47
diretamente, certas características dos outros eixos de interação e de divulgação.
Afinal, as produções selecionadas para os tweets, de certa forma, estão
aproveitando da mesma visibilidade e, muitas delas, foram feitas para gerar novas
interações.
Isso acontece, por exemplo, no próximo tweet feito pela marca (Figura 15),
em que se retrata um contexto de pandemia, porém, simultaneamente, divulga
produções, como O poço, Stranger Things e O mundo Sombrio de Sabrina, que
estavam em alta no momento. Também faz referência ao BBB21, representado pelo
cantor Projota, que ficou conhecido no programa pelas suas reclamações diárias.
Esse tweet, representado pela Figura 15, mostra como a Netflix consegue se
apropriar, a partir de um único conteúdo, de várias fontes e referências, tanto
próprias quanto de outras empresas, para criar uma mensagem eficiente. Veja a
seguir:
FIGURA 15 - TWEET MOSAICO REPRESENTANDO A NOVA ROTINA NA PANDEMIA
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Essas representações fazem parte, novamente, de uma narrativa que mostra
a rotina de uma pessoa em isolamento social, dessa vez evidenciando a monotonia
causada pelo bloqueio das suas atividades presenciais. Por isso, as pessoas ficam
em casa, dormem, comem, "maratonam" séries (hábito de assistir uma série inteira
de uma vez) e reclamam da falta da saga de Harry Potter no catálogo, uma piada
entre empresa-comunidade.
Naquele momento, o público da Netflix já estava sentindo a fadiga da nova
rotina advinda com o isolamento, portanto, fazia sentido a mensagem abordada na
48
publicação. Mais uma vez a empresa consegue pautar uma conversa da sua
comunidade muito bem: de forma leve, bem humorada e objetiva. Além disso, o fato
deste tweet utilizar-se primordialmente de imagens na composição, é um ponto
relevante para se observar, principalmente entendendo mais das características da
rede. Porém, mesmo usufruindo desse recurso visual, a escrita se faz presente,
dando o toque importante que o Twitter tanto preza: os textos.
Carrascoza (2007) defende essa relação entre texto e imagem como uma
abordagem de intertextualidade, em que ambas as mídias se complementam para
potencializar a narrativa presente. Neste caso, as linguagens verbais e visuais no
tweet ajudam no entendimento da mensagem e reforça, mais ainda, o formato
memético apresentado, que se caracteriza, na maioria das vezes, por essa estética
de imagem no fundo com fontes de cor branca.
A partir desse ponto, os outros tweets relacionados ao eixo temático do
Covid-19 seguem com o mesmo padrão: divulgação de alguma série indiretamente
junto a uma constatação que faz referência aos novos hábitos da pandemia. Neles,
sempre a marca sempre consegue introduzir nas conversas suas produções
originais ou outros títulos presentes no catálogo, fazendo com que façam e
permaneçam sempre coerentes a um sentido. Os próximos tweets em sequência,
por exemplo, utilizam desse padrão.
FIGURA 16 - TWEET DA NETFLIX SOBRE FAZER BOLO E CORTAR CABELO NAPANDEMIA
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
49
Na Figura 16, o perfil da companhia novamente faz referência aos novos
hábitos e rotina em casa. No entanto, dessa vez trouxe a narrativa do do it youself
presente no contexto pandêmico, onde muitas pessoas aprenderam novos hobbies e
atividades em seus próprios lares, para evitar realizar essas tarefas fora de casa
decorrente do perigo de contaminação pelo vírus.
Além desse caráter narrativo, o texto do “só eu ou…” configura-se também
como uma chamada para resposta, tendo em vista que não, naquele momento, não
era apenas a “Netflix” que fazia bolo em casa e cortava o seu próprio cabelo, por
exemplo. Muitas pessoas estavam em isolamento social e vivenciaram pelo menos
algumas dessas situações.
Também pode ser observado uma expressão nascida em contexto digital,
super nichada: o “Old que ***”, que, em outras palavras, corresponde a: “claro que
sim/claro que não”. Nesse caso, está mais para um “claro que sim” observando o
contexto das imagens.
Dessa forma, é interessante observar como a internet permite a criação de
novos dizeres, frases e usos para caracteres da língua, nesse caso representado
pela aplicação dos asteriscos e do estrangeirismo. Santaella (2017) acrescenta a
esse pensamento quando explana que as redes sociais proporcionaram a criação de
uma nova linguagem humana, a linguagem hipermidiática.
Ainda sobre a publicação (Figura 16), é observado que o perfil adota uma
linguagem extremamente pessoal - feita pelo uso do tempo verbal em primeira
pessoa do singular, o que ajuda as pessoas a personificar a empresa e a se
conectarem com o conteúdo apresentado mais rapidamente.
Essa ideia também está presente em outros posts. Dessa forma, a Netflix no
Twitter, portanto, não se reconhece enquanto grupo, empresa ou qualquer outro
agente, mas como uma pessoa, com gostos, linguagem e personalidade próprias.
Essa personalização pode ser vista nos próximos conteúdos produzidos pela
empresa dentro dessa temática.
Porém, dessa vez, eles utilizaram outro ponto decorrente do isolamento que
ainda não havia sido trabalhado até então: a nova noção de tempo. Segundo o tweet
feito pela empresa (Figura 17), no lugar dos dias e das noites, as pessoas se
organizam biologicamente através das horas das sessões intercaladas entre os
filmes de comédia e os de terror. Confira:
50
FIGURA 17 - TWEET DA NETFLIX SOBRE MUDANÇAS NA PERCEPÇÃO DO TEMPO
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
Essa publicação serviu para apresentar uma ideia antes não trabalhada pela
empresa. No entanto, a companhia continua pautando o Covid-19 da mesma forma
como vinha anunciando anteriormente: retratando a rotina de cuidados necessários
para evitar o contágio com o vírus, incentivando o uso de álcool em gel, máscaras,
etc, e, dessa forma, falando sobre as atividades manuais feitas em casa já
discutidas anteriormente. Essas ideias podem ser vistas na Figura 18:
FIGURA 18 - TWEETS DA NETFLIX SOBRE NOVA ROTINA PANDÊMICA
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
51
Até então, tem sido analisado e visto apenas a produção de conteúdo voltada
para as redes sociais, como os citados acima. Esses conteúdos foram importantes
para começar a pautar esse assunto para o seu público bem como incentivar
medidas sanitárias preventivas necessárias. Porém, devido tamanha urgência e
impacto gerados pelo Covid-19 na sociedade, a Netflix sentiu a necessidade de
focar ainda mais no tema e inseriu a pandemia na estratégia não só de produção de
conteúdo, como também de produção audiovisual.
No dia 26 de abril de 2020, o episódio especial do documentário Explicando…
o Coronavírus, feito em parceria com a Vox Media, mostra, de maneira educativa,
tudo o que se conhecia sobre o novo vírus e o que as pessoas poderiam aprender
com ele até então. A seguir, o tweet de divulgação desse material será apresentado,
anunciando o episódio especial na rede apenas 2 dias depois do lançamento.
FIGURA 19 - TWEET DA NETFLIX SOBRE ESPECIAL
Fonte: Twitter Netflix Brasil (2020)
É importante destacar que, no período em que o documentário saiu, havia
pouco conhecimento sobre como verdadeiramente o vírus agia em cada organismo.
Ainda havia discussões sobre remédios - hoje comprovadamente ineficazes contra o
tratamento de pacientes com o novo coronavírus - e pouco conhecimento sobre uma
possível vacinação, que ainda parecia distante. Portanto, a produção desse material
tornou a empresa referência de um assunto que quase ninguém no mundo entendia
52
e, dessa forma, foi um dos pontos-chave da atuação da empresa no início do
contexto pandêmico.
Para conversar sobre esse assunto com sua comunidade, no entanto, o perfil
da Netflix Brasil na rede evitou seguir com o tom utilizado nos momentos anteriores.
Dessa vez, no lugar de utilizar do humor e da informalidade, adotou uma postura
mais formal, à altura da seriedade da mensagem que estava sendo apresentada no
documentário. Mas essa abordagem se configura como uma exceção na análise,
visto que foi utilizada pontualmente em apenas um único tweet.
Avaliando, no entanto, a estratégia de produção de conteúdo da Netflix Brasil
no Twitter durante o início da pandemia de forma sistêmica, é possível identificar
narrativas ficcionais (CARRASCOZA, 2015) que foram baseadas e que se
apropriaram dos novos hábitos e da rotina criada a partir da necessidade de
isolamento social decorrente dos cuidados para a prevenção do Covid-19. Essa
rotina perpassou diversos tópicos, dentre eles o home office, o aumento de consumo
de plataformas de streaming, os novos cuidados, como o uso de máscaras, álcool
em gel e distanciamento social, entre outros discutidos anteriormente.
A estruturação que alicerça a narrativa da marca, por sua vez, acontece em
cima de algumas abordagens. Primeiramente, existe um apelo forte de humor, que
está presente em diversos momentos e que ilustra a maneira como o anunciante
lidou com a produção dos seus conteúdos na pandemia: de forma leve e
bem-humorada. Além disso, esses conteúdos mais divertidos auxiliam o público a se
identificar com a marca, criando conexão e envolvimento. Geralmente, o humor se
relaciona fortemente com a surpresa, outra abordagem fortemente encontrada nos
conteúdos produzidos
A surpresa, por sua vez, esteve presente também em alguns tweets de teor
humorístico, principalmente entendendo que ambos andam próximos nessa
construção de sentido. Porém, diferente do tempo em que o humor de fato acontece,
a surpresa auxilia o público a se identificar imediatamente com a ideia apresentada,
fazendo com que as pessoas encarem o conteúdo visto como um dilema, algo
interessante que merece atenção.
No entanto, a boa atuação da Netflix Brasil no Twitter também aconteceu, em
parte, pelo forte uso da intertextualidade em seus conteúdos. Afinal, apesar de parte
dos tweets feitos serem originais e retirados de outras produções da própria
companhia, a empresa precisou e adicionou à narrativa conteúdos e conversas
53
provenientes de outros lugares do país, se apropriando de referências externas,
como o caso da aparição de Projota, participante do BBB, por exemplo, além do
reconhecimento da urgência e desafio pandêmico. De forma geral, isso pode ser
visto na forma como a empresa explora o contexto para a elaboração de tweets com
apelo visual ligados à cultura dos memes.
A interatividade também foi cerne da estratégia de construção da narrativa da
empresa no Twitter. Ao propor diálogo com o seu público e com a concorrência, a
Netflix realizou uma nova categoria de conexão e a relevância dessa abordagem na
produção de conteúdo pode ser vista, simplesmente, pela existência do eixo
temático de interação, que acontece paralelamente ao eixo pandêmico, mas que
também pode ser visto dentro dele. Neste ponto, a empresa gera estímulo à
interação do consumidor, gerando aproximação entre as partes. Afinal, vale lembrar:
o "negócio" da Netflix é digital. (CARRASCOZA, 2007). Na Figura 20, há uma
representação visual das abordagens utilizadas nos Tweets.
FIGURA 20 - REPRESENTAÇÃO VISUAL DAS ABORDAGENS DOS TWEETS
Fonte: O autor (2021)
Dessa forma, se distinguindo da abordagem educativa, densa e generalista
adotada por outras empresas, a Netflix Brasil conseguiu conversar com sua
comunidade digital de uma maneira única e criativa. Na rede, os conteúdos
produzidos possuíram um tom leve, com tiradas inteligentes de humor e publicações
54
que chamaram o público para o diálogo. Isso diferenciou a companhia da
concorrência e foi extremamente relevante para introduzir a questão do Covid-19 de
uma maneira mais contextualizada para a sua comunidade.
A Netflix Brasil, portanto, se torna uma empresa ainda mais forte no mercado
de streaming, devido, mais uma vez, ao seu investimento em publicidade online e à
maneira como lida rapidamente com imprevistos. Afinal, esse conjunto de
estratégias comunicacionais desenvolvidas no primeiro mês de pandemia no Brasil,
posicionou a empresa tanto enquanto uma marca antenada, inteligente, criativa na
comunicação, quanto aliada às corretas e efetivas políticas de saúde pública no
país, ou seja, de cunho não negacionista e preocupada, genuinamente, com o
bem-estar do público.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia do novo coronavírus mudou completamente a realidade das
pessoas ao redor do mundo: novos hábitos surgiram, pautas e necessidades
decorrentes principalmente do isolamento social. Esse acontecimento impactou
diretamente na maneira como a comunicação atuava: empresas precisaram adotar
novas abordagens e apelos para atuarem da melhor forma nas redes, a fim de
obterem, consequentemente, resultados significativos nesse novo contexto
pandêmico.
Conversas sobre cuidados pessoais e saúde entraram em pauta,
principalmente nas redes. Por isso, esse trabalho se apropriou dos conceitos da
ciberpublicidade, tendo em vista a importância de estudar a maneira como a Netflix
se inseriu no contexto da pandemia através das plataformas digitais, especialmente
no Twitter, uma das redes mais importantes para a marca.
Dessa forma, a análise conseguiu entender mais a fundo sobre a
comunicação e a produção de conteúdo digital sob condições especiais, como uma
pandemia, por exemplo. Logo, para examinar as discursividades atreladas às
publicações, foi importante olhar para conceitos da redação publicitária que, quando
anexados a de narrativa de marcas, conseguiu mostrar como a comunicação se
organizou e quais estratégias comunicacionais foram utilizadas pela empresa nos
tweets desenvolvidos.
Considerando os objetivos de entender como a Netflix Brasil pautou a
pandemia nas suas redes sociais, as abordagens textuais trabalhadas bem como a
narrativa construída por ela, o trabalho conseguiu mapear as estratégias da
produção de conteúdo, desenvolvida em cima de três eixos temáticos principais
(divulgações, interação e Covid-19), porém, foram os conteúdos postados no eixo
temático pandêmico que mais interessaram para a análise, tendo em vista o
momento tão atípico que o mundo se encontra hoje.
Nesse processo, é importante destacar que a produção de conteúdo em
outras plataformas da Netflix Brasil, como o Instagram, Youtube e Facebook, pode
ser relevante a título de comparação e visualização da estratégia publicitária de
marca criada amplamente para o universo digital.
Com o trabalho, é possível identificar a comunicação como uma ferramenta
importante para marcas em períodos incertos como este. Conclui-se, portanto, que
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estabelecer uma conversa com sua comunidade respeitando o branding da marca,
pautar questões atuais, bem como desenvolver um plano de conteúdo coerente com
a realidade apresentada, faz a diferença tanto para empresas, quanto para a
sociedade - principalmente, em sua relação com os consumidores.
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