DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: SENTIDOS E
SIGNIFICADOS COMPARTILHADOS EM PESQUISA NARRATIVA
Filomena Maria de Arruda Monteiro
Universidade Federal de Mato Grosso
Resumo
O presente estudo faz parte de uma pesquisa maior que vem sendo desenvolvida
com o propósito de compreender o desenvolvimento profissional de professores em
exercício que atuam no primeiro ciclo em três escolas municipais, concebendo a
experiência como um dos contextos formativos diferenciado no processo de tornar-se
professor O recorte apresentado neste momento emergiu das análises iniciais na
tentativa de explicitar indagações em torno de como os professores que atuam no
primeiro ciclo significam e ressignificam o trabalho docente, buscando compreender
como suas experiências vividas na docência são percebidas, narradas e como explicam a
relação destas com o processo de aprender a ensinar. Nessa perspectiva, fazemos uma
aproximação com a pesquisa narrativa (Clandinin e Connelly, 2011), passando a
considerar as experiências profissionais e as histórias pessoais dos professores
pesquisados, obtidas por meio de relatos orais e escritos no contexto do exercício
docente, interrelacionando perspectivas individuais e culturais. Tal aproximação se
ancora na busca de encontrar novas formas de estudar o desenvolvimento profissional
da docência a partir da “experiência/sentido”, contando e/ou vivendo histórias
narrativamente, enfatizando principalmente sua dimensão temporal e relacional, em prol
de práticas de formação e investigação socialmente mais justas e de transformações
educacionais significativas (Zeichner, 2009).
Palavras chaves: Desenvolvimento profissional da docência, pesquisa narrativa,
aprendizagem docente
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Introdução: reflexões teórico-metodológicas
As reflexões oriundas de pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Estudos e
Pesquisas em Política e Formação docente, que coordeno na UFMT, são o foco deste
texto. Em trabalhos anteriores, procuramos problematizar processos de
formação/investigação narrados em experiências de formação inicial e continuada
(MONTEIRO et al, 2010). A atual pesquisa vem sendo desenvolvida com o propósito
de compreender o desenvolvimento profissional de professores em exercício que atuam
no primeiro ciclo em três escolas municipais, concebendo a experiência como um dos
contextos formativos diferenciado no processo de tornar-se professor, uma vez que
devem ao mesmo tempo ensinar e aprender a ensinar num contexto complexo “de
descoberta, aprendizagem, adaptação e transição” (MARCELO & VAILLANT, 2009).
O recorte apresentado neste estudo emergiu das análises iniciais da pesquisa em
desenvolvimento na tentativa de explicitar indagações em torno de como os professores
que atuam no primeiro ciclo significam e ressignificam o trabalho docente, buscando
compreender como suas experiências vividas na docência são percebidas, narradas e
como explicam a relação destas com o processo de aprender a ensinar.
Larrosa (2002, p.24) nos propõe pensar a experiência/sentido, ressaltando que é,
sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E acrescenta ainda o autor
ser a experiência aquilo que se adquiri no modo como alguém responde ao que lhe vai
acontecendo ao longo da vida e no modo como damos sentido ao acontecer do que nos
acontece. Em outro texto o mesmo autor esclarece que a experiência é um percurso,
uma passagem, é sempre o real singular..., cujo resultado seja a formação ou
tranformação do sujeito da experiência (LARROSA, 2011, p.17).
Assumimos que compreender a experiência de outrem, implica em se colocar ao
lado desta, dialogando com dela, para através da indagação colaborativa possibilitar que
esta seja reconstituída e ressignificada.
Nessa perspectiva, a concepção de desenvolvimento profissional aqui defendida
tem como propósito recontextualizar o profissional docente, o que significa
reconhecermos que o sentido desse processo para os professores vai sendo construído
pelo entrelaçamento das dimensões pessoais/profissionais, dos contextos e demais
aspectos constitutivos da profissionalidade docente, das políticas e práticas formativas
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num movimento permanente de indagação, problematização, experienciação e
ressignificação do exercício docente. Embora esse processo revele tamanha
complexidade e multidimensionalidade, é uma necessidade individual/coletiva e
organizacional que pressupões comprometer-se com uma aprendizagem contínua e com
o desejo “de marcar a vida dos alunos” (DAY, 2001). Significa também, o processo pelo
qual os professores revivem, renovam e ampliam seu compromisso refletindo sobre os
propósitos éticos e morais do ensino, considerando que as conseqüências desses
compromissos se alimentam das experiências. (DAY,2001;CONTRERAS, 2002;
ZEICHNER,2008).
Vaillant & Marcelo (2012) citando Ávalo (2000) ressaltam
[...] Junto ao poder epistemológico dado pelo fortalecimento de seuconhecimento, ser profissional significa poder decidir e influir namudança educacional, quer dizer, contar com poder público... Odesenvolvimento profissional envolve, então, a oportunidade parafortalecer as condições que permitem o exercício de poderprofissional: o que se denomina em inglês deempowerment.(VAILLANT& MARCELO, 2012, p.170)
Em síntese o desenvolvimento profissional está intimamente entrelaçado ao
trabalho docente e suas condições, ás experiências e aprendizagens formativas,
incluindo tomada de decisões para melhoria na prática pessoal/profissional e nos
aspectos organizacionais. É preciso conhecer e compreender todo cenário profissional
para se estabelecer políticas públicas que possam apoiar inovações institucionais,
fortalecendo o trabalho docente.
Em razão disto, reafirmamos que os processos de desenvolvimento profissional
demandam modos mais flexíveis de organização e desenvolvimento do trabalho docente
com foco em um trabalho mais colaborativo, necessidade de tempo e espaço para
consolidação das aprendizagens oriundas de diferentes contextos e formas coletivas de
negociação.
Cabe salientar que há muito para compreendermos sobre os múltiplos
significados construídos pelos professores nesse movimento contínuo e dinâmico que
envolve o processo de desenvolvimento ao longo de sua carreira profissional.
Nesse sentido, é relevante a importância que assume as investigações que
buscam compreender como se dá o processo de aprender a aprender a ensinar, tomando
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como referencia as experiências/aprendizagens vividas no exercício da docência.
Arroyo (2007, p.194) argumenta ser necessário dedicarmos mais tempo a indagarmos
sobre como são vividas as experiências na docência, as tensões e os impasses na
educação, pois saber mais sobre a docência seria um dos saberes mais formativos, seria
o norteador para a conformação do currículo de formação. Ainda nesse sentido,
Rabelo (2011, p.184) enfatiza que resgatar a dimensão do ofício de ensinar é uma forma
de romper com o professorado anônimo, sem nome e impessoal.
Diante das reflexões apresentadas, passamos a olhar a docência como
experiência-saber dotada de sentidos e significados, lugar de produção de subjetividades
e intersubjetividades, num movimento de ressignificação, ancorado pelos
conhecimentos problematizados no entrecruzamento de diferentes culturas em um
contexto específico - a escola, lugar privilegiado de aprendizagem e de desenvolvimento
profissional da docência.
Clandinin & Connelly (1988), enfatizam que o conhecimento prático dos
professores é constituído de um conjunto de convicções e significados que surge tanto
da experiência pessoal como social e que se expressam nas ações, pressupondo uma
relação dialética entre teoria e prática. É um conhecimento que vai sendo construído
pela convergência de várias aprendizagens (dimensão teórica, dimensão experiencial,
dimensão afetiva e outras) à medida que o profissional vai confrontando-as com a
prática real e as internaliza em suas ações. Tais aprendizagens são construídas
inicialmente nas primeiras experiências escolares e acompanham a trajetória
profissional dos professores em vista da natureza dinâmica e complexa dos contextos
em que atuam.
Nesse sentido, Mizukami et al. (2006) tomando como referência diversos
estudos sobre as aprendizagens da docência, destaca alguns pontos importantes que
caracterizam os processos de aprendizagem ao longo das trajetórias dos professores.
Pontos que envolvem a natureza individual e coletiva das aprendizagens, o contexto de
influência da escola, os conhecimentos necessários para a docência, os aspectos
relacionados às práticas e aos conhecimentos da e para a prática, assim como aspectos
relacionados à reflexividade dos professores.
Desse modo, as aprendizagens profissionais dos professores precisam ser
compreendidas a partir de múltiplos contextos e diversas experiências vivenciadas ao
longo dos percursos pessoais e profissionais.
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Os estudos que focalizam a aprendizagem da docência indicam que pesquisadores
como Cochran Smith e Lytle, sugerem que para favorecer o desenvolvimento
profissional é preciso oportunizar aos professores explorarem e questionarem ideologias
e práticas suas e de outros professores. Esse processo de indagação, problematização,
segundo Mezirow (1990, apud VAILLANT& MARCELO, 2012, p. 41) se apresenta
como o processo de interpretar ou reinterpretar o significado de uma experiência.
Nesse sentido, do diálogo entre os pressupostos teórico-metodológico, nasce
nossa opção metodológica numa aproximação com a pesquisa narrativa (CLANDININ
E CONNELLY, 2011), passando a considerar as experiências profissionais e as
histórias pessoais das professoras pesquisadas, obtidas por meio de relatos orais e
escritos no contexto do exercício docente, interrelacionando perspectivas individuais e
culturais. Tal aproximação se ancora na busca de encontrar novas formas de estudar o
desenvolvimento profissional de professores a partir da “experiência/sentido”, contando
e/ou vivendo histórias narrativamente, enfatizando principalmente sua dimensão
temporal e relacional, em prol de práticas de formação e investigação socialmente mais
justas e de transformações educacionais significativas (Zeichner, 2009).
Retomando os argumentos de Clandinin e Connelly (2011, p.99), estes
apontam para a necessidade de se “negociar relacionamentos, propósitos, transições e
modos de ser útil”, visto que o que se busca é a interpretação/compreensão das
experiências enquanto fenômenos historiados e narrados conforme as significações de
quem narra. Esse é um processo que além de complexo exige um tempo de aproximação
que pode ser longo, implicando negociação e colaboração com as escolas envolvidas. A
interação e a colaboração entre pesquisador e participantes ao longo da pesquisa, é
condição essencial, visto que nesse processo relacional o pesquisador passa a ser parte
do fenômeno em estudo e das experiências historiadas. Para Day (2005, p. 232), a
colaboração supõe uma negociação cuidadosa de confiança e comunicação eficaz, em
que ambas as partes são aprendizes em um contexto reforçado pelo diálogo profissional.
Por isso, concordamos com Rabelo (2011, p. 177) ao salientar que a interação entre
investigador e participante guia um contar e recontar mútuo e colaborativo, pois a
narrativa é uma interpretação da pessoa que será também interpretada por nós e somente
através dessa interpretação podemos fazer jus ao mundo cultural. Assumimos um
comprometimento cada vez maior com as experiências narradas.
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Assim, a imersão na escola e o diálogo com as experiências, aprendendo a
trabalhar colaborativamente num contexto marcado por tensões, desafios e
possibilidades, nos fez reconhecer que essa opção metodológica colocava em confronto
algumas de nossas concepções como professores/formadores/pesquisadores. Ao mesmo
tempo demarcava um quadro de referências que permitia caracterizar e compreender a
complexidade dos processos de aprender a aprender a ensinar em uma revalorização
epistemológica da experiência (NÓVOA, 1995). Desse modo, as narrativas obtidas
nesta pesquisa revelam, num esforço interpretativo, essa tentativa de elucidar as
explicações das intenções do que fazem ou tentam fazer naquele contexto específico.
Diálogos compartilhados sobre as experiências/aprendizagens vividas na docência:
Neste tópico apresentamos como fomos compondo o estudo narrativamente,
procurando entrelaçar contextos, tempos, aprendizagens, experiências e significados
resultantes das narrativas produzidas nas escolas durante o ano de 2013.
Compor textos de campo significa estar alerta para as coisas que osparticipantes fazem e dizem como parte de sua experiência em curso eisso significa manter registros sobre como eles vivenciam aexperiência de estar na pesquisa. Os participantes também têmsentimentos e pensamentos sobre a pesquisa. (CLANDININ &CONNELLY, 2011, p.128)
Os contextos escolhidos para desenvolvimento da pesquisa foram três escolas
municipais que possuíam apenas o 1º Ciclo, atendendo alunos na faixa etária de 6 a 9
anos. A pesquisa será desenvolvida ao longo de quatro anos, tendo iniciada nas escolas
no primeiro semestre de 2013. Os encontros aconteciam nos momentos de formação
definidos pelas respectivas escolas e denominados Roda de Conversa, momento
destinado a formação na unidade educativa e prevista no calendário escolar. Constitui-se
em momento para o estudo coletivo, em consonância com a política da SME segundo a
qual
A formação dos profissionais da educação está prioritariamentecentrada na escola, e se constituirá em um processo de estudos ereflexões contínua visando o fortalecimento da consciência coletivados profissionais, o fortalecimento da autonomia, da identidadeprofissional, bem como o desenvolvimento de conhecimentos desaberes essenciais ao exercício da prática educativa (CUIABÁ, 2008,p. 22).
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Os professores que estão em exercício nas turmas regulares do 1º ciclo das
escolas pesquisadas, abrangem um total de cinquenta e sete, destes vinte e quatro são
principiantes (possuem de 2 meses a cinco anos de experiência) e trinta e três
experientes (exercem a docência a mais de seis anos) conforme mostra tabela abaixo:
Distribuição dos professores em Principiantes e Experientes
Escolas Total de Professores Nº de ProfessoresPrincipiantes
Nº de Professores Experientes
A 18 05 13
B 22 11 11
C 17 08 09
Total 57 24 33
Fonte: Dados organizados com base no levantamento feito nas escolas.
Todos possuem formação em nível superior e a maioria desses professores
continuou os estudos em cursos de pós-graduação, o que demonstra que estes estão
imbricados em um processo de busca do conhecimento e de formação continuada. Das
três escolas, a escola A apresenta um número elevado de professores experientes e as
demais (B e C) possuem um corpo docente dividido equilibradamente entre professores
principiantes e professores experientes. Encontramos também, dentre os professores
principiantes, um elevado número de contratados. Vale ressaltar, no entanto, que a
passagem da fase de principiante para experiente requer muito mais do que o passar do
tempo, pois implica na construção de uma “cultura profissional em ação”, possibilitando
ao professor a construção de repertórios que lhe auxiliam a como lidar com a
improvisação.
Dada à extensão do estudo, as análises narrativas realizadas consideram cada
escola como estudos de caso com suas situações particulares, composto por um
conjunto de textos de campos com descrições dos contextos, acontecimentos, eventos e
pelas narrativas dos professores coletadas em diferentes momentos, produzindo a
análise “historiada”. Ou seja, o encontro da narrativa partilhada e ressignificada do
participante e do investigante (CLANDININ E CONNELLY, 2011).
Como não é possível, no escopo deste artigo, trazer a análise detalhadas dos
vários relatos narrativos obtidas para comporem o estudo, nossa opção foi por destacar
primeiramente excertos da “narrativa de apresentação” de um grupo de professores
iniciantes. Tal narrativa foi proposta com intuito de estabelecer o dialogo colaborativo
inicial entre participante e investigante nas escolas pesquisadas, aqui identificadas pela
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inicial do professor (P), seguida pela identificação da escola (A, B ou C) numa
sequência numérica. Posteriormente evidenciaremos os relatos de entrevista de uma
professora iniciante que atua na escola B, por sinalizarem um contexto diferenciado e
significativo articulado a um trabalho mais coletivo, com sentidos e significados
potencializadores sobre fazer e saber .
a) O que professores tem a nos dizer sobre a docência:
Nas narrativas de apresentação os professores afirmam gostar do que fazem, se
identificando com o trabalho realizado com as crianças, destacando a dimensão afetiva
nesse processo. Mostram também dificuldades próprias da docência nos anos iniciais do
ensino fundamental, visto às especificidades requeridas ao profissional nessa etapa.
Gosto do que faço e tenho prazer em ensinar através da didática com a ludicidade. (PB1)Embora eu seja iniciante eu amo muito o que faço. (PB3)Minha jornada de trabalho é um tanto cansativa devido a distância entre as duas escolas, mas a paixão quetenho pela educação e a vontade de ver mudanças na mesma é o que me motiva a levantar-me as quatroda manhã e tomar dois ônibus para estar aqui. (PC1)Amo minha profissão apesar dos percalços, mas as crianças são minha inspiração para desempenhar omeu trabalho. (PC2)Nesta escola estou com uma turma de segundo ano e a experiência de alfabetizar tem sido desafiadora egratificante. (PC3)
Day (2005, p.30), citando Michael Eraut (1995), afirma que a responsabilidade
moral e profissional dos docentes devem constituir a principal motivação para seu
desenvolvimento profissional . O referido autor aponta, ainda, que o desenvolvimento
profissional deve considerar a “apaixonada vocação” dos professores, mantendo a sua
motivação e entusiasmo para construir o processo de “comportar-se como
profissionais” durante toda a carreira. Ao destacarem o prazer, o amor, a paixão, a
inspiração e a gratificação os professores participantes da pesquisa parecem se
aproximar dessa “apaixonada vocação” como elemento motivador, citada pelo autor.
Embora fosse solicitado aos professores que se apresentassem compartilhando
aspectos de suas histórias, experiências, aprendizagens, reflexões e também dúvidas,
questões, etc., alguns acrescentaram suas perspectivas de futuro articulando
temporalmente à sua condição no presente. Marcam tempos e temporalidades diferentes
Pretendo continuar meus estudos construindo e enriquecendo cada dia mais meu conhecimento. (PC1)Estou realizando metas que propus desde a minha formação e só agora estou conseguindo fazer umaespecialização. (PC2)
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Como profissional da educação procuro dar o melhor de mim pesquisando o tema a ser trabalhado antesde levar para a sala de aula e estou sempre procurando aprender mais para obter o bom resultado nestaminha profissão. [...] estou procurando sempre buscar conhecimento. (PB3)Como professora procuro descobrir as várias maneiras para ajudar meus alunos, buscando também comos colegas mais maduros na profissão experiências que deram certo, que me ajudam a direcionar a minhapratica pedagógica. (PB2)
Day (2005) ressalta que os professores são sujeitos ativos e precisam estar
preparados para cumprir os fins educativos devendo demonstrar compromisso e
entusiasmo frente à aprendizagem contínua. O autor adota um conceito de
desenvolvimento profissional que inclui a aprendizagem a partir da experiência, que
pode ser individual e sem ajuda externa ou da partilha de experiências dos seus pares.
Tais aprendizagens tendem a desencadear processos de reflexão e
ressignificação de crenças, valores, percepções e compreensões acerca do “ser
professor”. Isso implica também em significativos processos de ressignificação
identitárias (NÓVOA, 1995; ZEICHNER, 2009).
b) Compondo sentidos e significados iniciais sobre aprender a ensinar
As narrativas da professora iniciante refletem os sentidos construídos na
experiência como lugar de criação do possível, significada a partir das relações
estabelecidas entre as tensões e os desafios enfrentados no contexto específico de
inserção profissional ao mesmo tempo em que vai ampliando, negociando e
ressignificando esse lugar no cotidiano escolar, e igualmente, apontando alternativas
compartilhadas no fazer docente.
Eu passei no concurso agora, assumi em 2011. Porque o que eu ouvia na rede é que as pessoas se fechame não sei nem por que direito, eu não sei explicar, mas, elas se fecham né, minha sala, meus alunos,minhas lembrancinhas... num individualismos muito grande. Então a gente soube articular isso aquidentro da escola e a coordenadora também conseguiu fazer essa articulação com os professores queestavam aqui, entendeu? Com os novos e com aqueles que tinham uma experiência, então deu certo.
No cotidiano a gente continua tentando desenvolver uma prática em conjunto... é o planejamento emconjunto, mas eu já to vendo outras necessidades né, porque se tratando de ciclo a gente vai ter váriosencaminhamentos dentro da sala, várias outras necessidades.Eu senti esse ano que só o planejamentocoletivo não dá um suporte, para direcionar a questão de conteúdos a se trabalhar.... a questão de projetos,isso ai eu acho que ele atende bem, a gente consegue atingir com um planejamento coletivo, mas oplanejamento de uma escola em ciclo exige muito do professor...., então eu sei que se eu chegar lá semalguma coisa pensada, vai ser complicado...
Acho que errei muito, é muito difícil não trazer a nossa vivência... teve dia de não render quase nada, dechegar em casa desesperada, principalmente porque a tarde eu conseguia desenvolver o que tinhaplanejado e de manhã não ia de jeito nenhum... vai chegando a quinta a sexta feira e você já está esgotadatem vez que não rende mais não dá, é incrível.... vejo a necessidade de ter outras estratégias, como osjogos... é do terceiro bimestre pra cá que eu comecei a achar os meios para começar a lidar com cada um,extremamente complicados...a sala de aula é uma caixinha de surpresa, não da para gente prevê. Porque é
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lá que a gente sente o reflexo de muitas coisas...todas as coisas que acontecem chegam lá na sala, entãoesses encaminhamentos são difíceis... durante o ano você vai sofrendo várias angustias (risos). Mas nãotive medo, porque eu sabia que se a coisa ficasse muito crítica alguém ia me socorrer (risos), esse é umponto muito positivo nesta escola. Se você não tiver quem te apóia aqui dentro, se for uma escola maior,com mais dificuldade de apoio, sofre. Eu tenho necessidade ainda de formação continuada, ela deveexistir.... o que é sempre significativo para o professor, pelo menos para mim, é ver esses avanços, essasaprendizagens, esse desenvolvimento das crianças.
Em se tratando do cenário institucional, diferentemente do que ocorreu com
outras professoras iniciantes das demais escolas pesquisadas, esta professora iniciante
enfatiza como um dos aspectos formativos e significativo, a qualidade das relações
estabelecidas com colegas de apoio permanente, o que passou a ser uma fonte de
desenvolvimento profissional. Ou seja, a existência de momentos contínuos de apoio e
partilha colaborativa de situações a serem enfrentadas no cotidiano da sala de aula
contribuíram significativamente na constituição do processo de aprender a ensinar dessa
professora. Entretanto, esse cenário institucional também é narrado como complexo,
com contradições, tensões e conflitos.
No que se refere à sala de aula, percebe-se que para a professora esta é
enfatizado como sendo o lugar privilegiado da docência, de reconhecimento e
legitimação profissional. Ao relatar como pensa a docência emergem dificuldades
relacionadas com os alunos e com a gestão do trabalho escolar, dificuldades que
parecem impossíveis de serem antecipadas. Já o tempo é revelado como um dos
aspectos que muito interferiu no fazer dessa professora quando declara “durante o ano
você vai sofrendo várias angustias”. Um tempo vivido em constante instabilidade e
insegurança, de reorganizações freqüentes à realidade. As situações de dificuldades,
muito embora perturbadoras do fazer profissional, tornaram-se, para esta professora,
um desafio, conduzindo à reflexão e à tentativa de resolução dos problemas, passando
a ser potencializador do desenvolvimento pessoal/profissional. Por outro lado, ao longo
desse tempo, podemos notar que a professora vai deixando aquela situação inicial de
instabilidade ao ir confrontando-se com a necessidade de ressignificar as aprendizagens
advindas de contextos formativos diversos, os seus desejos e as suas concepções
relativas à realidade, apontando que a ressignificação do exercício profissional não se
dá de forma imediata. Pacheco e Flores (1999) por sua vez, destacam a forte influência
das primeiras experiências de ensino na trajetória do professor iniciante que implica
num processo de reanálise e ressignificação de suas crenças inicias e práticas e
consequentemente uma redefinição de sua identidade profissional. Assim, aponta para
a necessidade do processo de inserção profissional centrar no desenvolvimento da
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construção das identidades docentes através de uma articulação entre biografia pessoal,
prática reflexiva, apoio dos pares e uma conscientização crescente do contínuo
desenvolvimento profissional.
O desenvolvimento do sentimento de pertença ao grupo e da identidade profissional não
é um processo linear e sim um lugar de lutas e de conflitos e de construção de maneiras
de ser e de estar na profissão (Nóvoa, 1992). É nesse processo de desenvolvimento do
sentimento de pertença e da identidade que cada um se apropria do sentido da sua
história pessoal/profissional , reconstruindo identidades, para assimilar mudanças, novas
perspectivas, inovações,(ibdem). Por isso as percepções narradas pelas professoras
sobre o seu próprio desenvolvimento revelaram-se essenciais para a construção desse
processo.
Percebemos que a professora destaca um ponto importante para compartilhamento de
sentidos sobre o processo de aprender a ensinar: o pensar sobre o que se vai fazer é
necessário, mas com isso novas indagações se colocam, novos percursos deverão ser
trilhados. No final de sua fala, declara que o que é significativo para o professor é ver o
avanço de seus alunos, revelando sua satisfação pessoal e profissional, consubstanciadas
numa experiência profissional positiva. Além disso, seu relato está enredado por uma
política curricular e educativa. E revela acreditar na política de formação continuada
como possibilidade de desenvolvimento profissional quando diz “Eu tenho necessidade
ainda de formação continuada, ela deve existir...”
Algumas palavras finais ainda que provisórias
A dimensão colaborativa da pesquisa compartilhada no cotidiano das escolas
tem possibilitado a compreensão sobre alguns aspectos do emaranhado de
complexidades que envolvem o processo de aprender a aprender a ensinar tanto para os
participantes quanto para os investigantes. Esse diálogo com diferentes processos de
desenvolvimento profissional construído em diferentes escolas, requerendo processos
formativos diferenciados, tem nos apontado a necessidade de considerarmos nessa
trama de complexidade, o entrelaçamento das várias dimensões: pessoais, institucionais,
organizacionais, bem como das diretrizes de políticas públicas.
Por outro lado, as narratividades vêm provocando algumas reflexões e ações
para que os professores não só passem a acreditar em suas práticas, mas especialmente,
nas tomadas de decisão para suas intervenções no processo de aprender a ensinar. Ou
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como afirma IMBERNÓN (2010), para que os professores percebam que são capazes de
construir, a partir de suas próprias experiências, um conhecimento profissional docente
teoricamente.
Por fim, na tentativa de ressignificar também esse processo para nossos
percursos como investigantes, temos procurado nutrir nossas experiências de forma
mais ampla, tentando nos deixar atravessar por aquilo que investigamos.
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AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E INSTITUCIONAIS E SUAS
RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Ilma Passos Alencastro Veiga
UniCEUB-UnB
Introdução
O excesso dos discursos faz lembrar o final do século XIX, quando osprofessores eram investidos de todos os poderes (até o de ganharguerras), mas, nessa época, havia um consenso social em torno damissão dos professores. Hoje, não há. E o excesso de discursos tende,apenas, a esconder a pobreza das políticas (NÓVOA, 1999, p.14).
As colocações de Nóvoa referenciam a importância política, social e pedagógica
do tema escolhido para o presente estudo. O desenvolvimento profissional não é um
tema novo, sempre esteve em evidência nas discussões políticas e nos programas
oficiais. A partir da década de 1990, os docentes de forma geral, e em particular os da
educação superior, ficaram em evidência no que diz respeito à falta de formação ou
formação inadequada, à desvalorização financeira, ao desprestígio social, à dificuldade
em lidar com uma população estudantil heterogênea em virtude da democratização do
acesso à educação superior, entre outros motivos.
Neste estudo, procuro compreender as relações entre as políticas educacionais e
institucionais e o desenvolvimento profissional docente na educação superior.
Inicialmente, apresento a concepção de desenvolvimento profissional docente. Na
segunda parte, tenho como foco o ciclo de políticas, baseada nas ideias de Ball (2004-
2006) e Mainardes (2006-2007). Na terceira, situo a proposta de formação docente
concretizada por instituições de educação superior e suas articulações com os ciclos de
políticas. Na parte final, procuro vislumbrar possíveis rumos para o desenvolvimento
profissional de docentes da educação superior.
1- Desenvolvimento profissional docente para a educação superior
Parto do pressuposto de que o processo de desenvolvimento profissional vai
mais além da formação inicial e continuada de docentes para a educação superior,
capazes de compreender sua atuação profissional no contexto em que estão inseridos,
contribuindo para a inovação da prática pedagógica. O desenvolvimento profissional
docente, no meio acadêmico, constitui-se como uma área de pesquisa que apresenta
expressiva preocupação, tendo em vista a relevância de se desenvolverem ações
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formativas direcionadas para as dimensões pessoais, profissionais e organizacionais da
profissão docente (NÓVOA, 1992).
É também compreendido como um processo individual e coletivo que se
concretiza no espaço-tempo de trabalho do professor, contribuindo para a apropriação e
ou revisão de concepções e práticas (VEIGA et al., 2012). O conceito de
“desenvolvimento” tem conotação de processo em continuidade, evolução, movimento.
Para Imbernón (2005), o termo desenvolvimento supera a tradicional justaposição entre
a formação inicial e continuada dos professores. Como processo contínuo e coletivo, o
desenvolvimento profissional não se conclui. A proposta colaborativa favorece a
constituição de culturas inovadoras coletivas e compartilhadas que contribuem para
revitalizar os processos de ensinar, aprender, pesquisar e avaliar na educação superior.
Cruz (2006, p.145) chama a atenção para o objetivo primordial do
desenvolvimento docente “[...] melhorar a habilidade dos professores para pensar; para
ele o desenvolvimento do curriculum não somente deverá conhecer seu conteúdo, mas
também adquirir habilidade para planejá-lo”. Dessa forma, a compreensão do
desenvolvimento profissional dos docentes como um processo contínuo e planejado
significa entender que a formação abarca a trajetória do professor em exercício na
educação superior. Trata-se de uma proposta sistemática de um programa voltado para a
melhoria da ação docente, por meio do desenvolvimento teórico e da investigação da
prática. Benedito, Ferrer e Ferreres (1995, p.311) destacam o entendimento de
desenvolvimento profissional no trecho, a seguir:
[...] qualquer projeto de melhorar a prática, crenças e conhecimentosprofissionais, com o propósito de aumentar a capacidade docenteinvestigadora e da gestão. Este conceito inclui o diagnóstico dasnecessidades atuais e futuras de uma organização e seus membros, e odesenvolvimento de programas e atividades para satisfação destasnecessidades.
Os autores compreendem que o processo de desenvolvimento profissional
docente engloba desde os momentos iniciais de ingresso na atividade docente. O
processo é coletivo, integrado, institucional e planejado, tendo como foco a ação
profissional. Um projeto institucional e integrado implica dar voz aos professores e
torná-los autores da proposta de formação que abre espaços para o diálogo. O programa
de desenvolvimento profissional que ocorre no espaço formal da instituição, “[...] além
de responder às necessidades institucionais, precisa também ter uma visão de conjunto,
tanto dos indivíduos participantes e alvo de formação, como da sociedade globalizada”.
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(VEIGA et al., 2012, p.133). Vale ressaltar que desenvolvimento profissional nessa
perspectiva envolve a formação, a profissionalização, estabelecendo entre elementos
uma relação dialética.
As concepções abordadas não só enfatizam a função educativa e formativa,
como envolvem a melhoria das condições de trabalho, a remuneração, o plano de
carreira para destacar alguns elementos mais comuns que devem ser incorporados no
desenvolvimento profissional docente. Isto significa que o desenvolvimento não se
reduz à melhoria do trabalho pedagógico, mas vê o processo como algo voltado para o
institucional como um todo. Ele se refere à teoria e à prática, está relacionado com as
questões gerais da profissão. É uma concepção mais ampla, que visa à melhoria da
profissão, do profissional, do institucional e do contexto social onde o professor está
inserido.
2- Breves considerações sobre o ciclo de políticas educacionais
A opção pela abordagem do ciclo de políticas foi motivada pela importância dos
diferentes atores na produção, interpretação e implementação das políticas; as possíveis
interpretações dos textos da política; a necessidade de articular as políticas com o
desenvolvimento profissional docente. A abordagem do ciclo da política é constituída
de três contextos: de influência da política, de produção da política (textos) e da prática
ou efeitos das políticas aos quais se agregaram posteriormente mais dois contextos: o
dos resultados e o da estratégia política.
Considero que o ciclo de políticas, apresentado por Ball (2006), em especial os
três primeiros contextos, possibilitam a reflexão sobre as relações entre políticas
institucionais e o desenvolvimento profissional docente.
Conforme Ball (2006), o contexto da influência política abrange grupos de
interesse que procuram formular as políticas, elaborar os discursos, momento em que a
agenda é organizada. A política recebe influência das ideias e do contexto em que foi
produzida, no âmago do contexto institucional, momento em que a Instituição de Ensino
Superior (IES) formula a política institucional e desenvolvimento profissional docente
com participação de seus atores (professores, gestores, tutores, assessores,
funcionários), definindo finalidades, metas, objetivos a serem atingidos.
O segundo contexto, o da produção das políticas, contempla os textos
institucionais. São geralmente textos complexos que assumem várias formas, tais como:
discursos, pronunciamentos, textos normativos, legais, formais que precisam ser
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(re)interpretados. Esses textos são identificados como padrões discursivos e são produto
de acordos realizados em diferentes esferas administrativas. A produção de textos
políticos é que dá forma à “política de fato”, como explicita Mainardes (2007, p.27). Do
ordenamento legal e normativo no âmbito institucional, destaco os seguintes
documentos: Estatuto e Regimento, Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
Proposta Pedagógica Institucional (PPI), Projetos Pedagógicos de Curso (PPC),
Programa de Desenvolvimento Profissional, portarias e informativos diversos.
O terceiro momento do ciclo é o contexto da prática ou efeitos da política.
Nesse momento, os textos políticos são (re)interpretados com suas contradições,
consequências e efeitos. É nesse contexto da prática que os professores, especialistas e
outros fazem a leitura dos textos com base em suas experiências, valores, objetivos,
necessidades sentidas e detectadas. É o momento da implantação da política. Para
efetivar as políticas propostas, a Instituição implanta o Núcleo de Assessoria
Pedagógica, acompanha sua execução e avalia para colher os efeitos do processo de
desenvolvimento profissional docente. A instituição educativa procura estabelecer
pontos, aspectos que sirvam de base para analisar os efeitos da proposta de
desenvolvimento profissional docente. No contexto da prática, “[...] os educadores são
influenciados pelo discurso da política; contudo, a leitura diferenciada dos mesmos
pode conduzir a consequências não práticas pelos reformadores e levar a implicações
práticas diferentes” (SHIROMA et al., 2005, p.434).
3- O ciclo de políticas e o desenvolvimento profissional docente: análise de uma
proposta institucional
Para exemplificar o movimento do ciclo de políticas institucionais e a relação
com o desenvolvimento profissional docente, considero relevante a análise de um
Programa implementado por uma Universidade Comunitária. Para tanto, busco suas
origens, pressupostos, objetivos e práticas, clarificando suas possibilidades formativas e
investigativas.
O ciclo das políticas ocorre também no plano das instituições de educação
superior. Estas não são isentas das influências internacional e nacional. Nesse contexto,
os efeitos da globalização sobre a mudança organizacional são de larga extensão e
ambíguas. As instituições sofrem pressões para atingirem sua missão, suas finalidades
para que sejam empreendedoras e promovam a inovação que as garanta como
sustentáveis.
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A presença de agências internacionais de auxílio financeiro e de cooperação
técnica destacou-se na sociedade brasileira; as mais diretamente ligadas à educação são
o Banco Mundial (BM) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO). Esses atores, isto é, as agências multilaterais desenvolveram
uma série de ideias e discursos que marcaram a agenda do governo brasileiro para a
educação, com ênfase na política neoliberal. A universidade incorpora a lógica
empresarial tanto em sua estrutura de poder como na organização do trabalho docente,
incluindo-se aí os processos avaliativos institucionais e externos. O Estado avaliador
segue orientações dos organismos internacionais, instituindo, assim, a avaliação
centralizada e controladora para os diversos níveis educacionais do país. A tecnologia,
as inovações e a produção de ciência fazem parte do movimento para o crescimento
econômico. A educação é subordinada à economia mediada pelas influências das
políticas. A universidade, como instituição educativa, e os docentes também sofrem os
impactos das mudanças oriundas de documentos, resoluções, pareceres internacionais e
nacionais. Nesse sentido, a universidade precisa estar atenta ao alerta feito por Goergen
(2002, p.71):
As incertezas que afligem a universidade não são apenasinstitucionais. Os próprios docentes universitários, como não poderiadeixar de ser, encontram-se envolvidos nessa crise de identidade.Invadem-nos incertezas a respeito do que somos, do que e comodevemos ensinar, de quais temas devemos privilegiar em nossaspesquisas, a serviço de quem estamos ou deveríamos estar.
O desenvolvimento profissional docente encontra-se em uma situação complexa
que exprime as tensões, conflitos e contradições da sociedade. De um lado, estão as
propostas que visam à adaptação da universidade às orientações hegemônicas; de outro,
a concepção reducionista de docência e distante das dimensões epistemológicas e
humanas da profissão. O ordenamento legal e normativo no âmbito nacional é: a
LDBEN nº 9394/96 que, em seu art. 66, se refere à formação docente da educação
superior da seguinte forma: “A preparação para o exercício do magistério superior far-
se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e
doutorado”.
O amparo legal para o processo de formação de docentes para a educação
superior é bastante tímido. O docente, de acordo com o ordenamento legal, será
“preparado” e não formado. O parágrafo único do art. 66 reconhece o notório saber,
título concedido por universidade com curso de doutorado em área afim e sem formação
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pedagógica. O art. 67 enfatiza a valorização dos profissionais de educação ao assegurar-
lhes por meio de estatutos e planos de carreira do magistério público progressão
funcional, período reservado a estudos, condições adequadas de trabalho e outros
elementos necessários à valorização profissional.
O Decreto nº 2.207/97, que regulamenta o Sistema Federal de Ensino, determina
que as instituições de ensino superior, no segundo ano de sua existência, tenham seus
professores titulados na pós-graduação stricto sensu, estabelecendo o percentual de
mestres e doutores até o oitavo ano. Os programas de pós-graduação voltam-se para a
formação de pesquisadores em seus campos científicos e sem exigência quanto à
formação pedagógica de professores. A CAPES, em 1998, instituiu para bolsistas de
mestrado e doutorado os estágios de docência ou docência orientada e, muitas vezes,
sob a coordenação de um professor-tutor sem formação pedagógica. A resolução nº 3/99
do Conselho Nacional de Educação (CNE) exige a oferta de uma disciplina sobre
Metodologia do Ensino Superior ou outra terminologia nos cursos de pós-graduação
lato sensu.
Assim, o desenvolvimento profissional docente fica a cargo das iniciativas
individuais e dos regimentos das instituições responsáveis pela oferta de cursos de pós-
graduação. Veiga (2006, p.91) afirma que
[...] O Governo (MEC/SESU/CAPES/INEP) determina os parâmetrosde qualidade institucional, e muitas instituições de educação superiororganizam e desenvolvem um programa de preparação de seusdocentes, orientados por tais parâmetros.
Fica evidente que as políticas públicas não estabelecem diretamente orientações
para o desenvolvimento profissional do professor da educação superior. Não existem
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação
Superior, nem Pareceres ou Resoluções voltadas para o desenvolvimento profissional de
docentes para esse nível de ensino, de forma mais ampla e mais exigente.
Esclareço que as influências internacionais e nacionais, apresentadas no item
anterior e retiradas de documentos oficiais, são pontos de partida para a compreensão
das influências políticas no tocante ao tratamento legal que se tem dado à educação e,
em particular, à educação superior.
3.1- O ciclo de políticas e a proposta institucional de uma Universidade
Comunitária
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Para analisar o processo de desenvolvimento profissional docente da educação
superior, optei pela abordagem do ciclo de políticas por reconhecer os atores e grupos
de interesses que disputam e influenciam na definição da política; os discursos e a
produção de textos, no caso, a proposta de desenvolvimento profissional docente; o
contexto da implantação da política, ou seja, o da prática.
O contexto da influência da política no âmbito institucional torna evidente que
ela é parte de uma totalidade maior em que devem ser pensadas as influências
internacionais e nacionais. A política pública posta à educação brasileira pelas
agências/atores multilaterais, brevemente discutidas no item anterior, articulou com os
ditames neoliberais. A influência internacional ressoou nas proposições nacionais e,
consequentemente, no âmbito das instituições de ensino superior, como, por exemplo,
na formação sob a perspectiva da pedagogia das competências e na concepção
mercadológica. A política institucional para tratar do desenvolvimento profissional do
corpo docente foi desencadeada pela influência e visão do reitor à época que propôs a
criação do Núcleo de Pedagogia Universitária (NPU), como espaço formativo e
investigativo.
O contexto da produção das políticas em nível institucional é o momento que
dá forma à política, gerando textos que servem de suporte para que, posteriormente,
sejam colocados em prática a fim de serem trabalhados. Para exemplificar o movimento
da produção da política institucional, considero necessário explicitar os documentos
legais que orientaram o processo de desenvolvimento profissional docente, tais como o
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a Proposta Pedagógica Institucional
(PPI) e os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC), entre outros.
O Núcleo de Pedagogia Universitária teve como um de seus pilares principais a
influência de uma política institucional para tratar da formação do corpo docente,
oferecendo condições necessárias ao trabalho. Esse programa de formação funcionou
desde 1992, instituído por meio da Resolução nº 004/92, do Conselho Universitário
(CONSUNI).
[...] acompanhando o movimento que ocorre no Brasil e emoutros países, veio implementando algumas ações no sentido depossibilitar a qualificação pedagógica de seus docentes (PPP,1999, p.11).
Foi um programa institucional desenvolvido de 1992 até fevereiro de 2010. O
NPU, em seus vários projetos e atividades, produziu diferentes políticas institucionais,
como ter um caráter permanente para romper com o didatismo, ser um processo de
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mudança de práticas conservadoras de formação docente, destinar recursos financeiros,
materiais, físicos e humanos para sustentar as condições necessárias ao funcionamento
do Núcleo.
A primeira característica do Núcleo é partir da prática, da aula analisada como
espaço e tempo da produção de conhecimentos. Outra característica importante é o
fortalecimento das dimensões epistemológica, pedagógica e política. São dimensões
básicas do processo de desenvolvimento profissional docente. Entre as
intencionalidades definidas pelo NPU, destaco:
a) planejar, coordenar e realizar ações voltadas para a qualificação pedagógica dos
professores da IES;
b) articular diretrizes e ações de qualificação pedagógica com os demais programas
institucionais, particularmente com o Programa de Avaliação.
Não é possível compreender as intencionalidades expressas nos documentos do
NPU, de forma compartimentada e estanque. São intenções que se entrelaçam.
Em fevereiro de 2010, foi criado o Programa de Formação de Professor,
vinculado à Pró-Reitoria Acadêmica, visando contribuir para o desenvolvimento
profissional do corpo docente da Universidade. O Programa tem sua origem nos
fundamentos teórico-metodológicos do NPU, assumindo as atividades já programadas.
Por um período de crise institucional, o NPU passou por um processo de redução em
alguns aspectos. Novos ordenamentos legais foram produzidos no sentido de organizar
o Programa. Uma das orientações normativas é o acompanhamento de professores
iniciantes. O assessoramento como “[...] um ato de intervenção para o que está em crise
ou o que escapar à ordem, no sentido terapêutico, é uma possibilidade” (VEIGA, 2012,
p.179).
Percebi que o Núcleo de Pedagogia Universitária (NPU), na prática,
implementou vários projetos, atividades e avaliou qualitativamente o ensino de
graduação. Vale destacar os objetivos atingidos:
envolver professores na pesquisa e na reflexão do processo de
desenvolvimento de suas práticas pedagógicas;
inserir inovações no campo da didática e da avaliação;
assumir um novo paradigma epistemológico e não ficar só na questão
metodológica;
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melhorar o desempenho na sala de aula, o que resultou em boas avaliações
institucionais e do MEC;
propiciar avanço importante no desempenho do professor.
Pelo exposto, o NPU procurou ir além das respostas prontas, oferecendo ao
docente a possibilidade de pensar sua prática a fim de tomar consciência de sua
profissão. Para atingir tais objetivos, os assessores pedagógicos assumiram um papel
fundamental ao se colocarem na posição de um interlocutor, de um assessor ou de um
tutor qualificador que acompanharam e avaliaram o processo de desenvolvimento
profissional docente.
O Programa de Formação de Professores, ao assumir as intencionalidades e os
fundamentos teórico-metodológicos do NPU, toma-os como marcos de referência para
avaliar, definir prioridades, propor e desenvolver ações formativas, tais como:
Seminário de formação para a docência; Seminário de formação pedagógica para
atuação na educação a distância; Seminário de tecnologias de formação; Seminário de
capacitação pedagógica para docentes; Minicursos de processos cognitivos e aplicação
em sala de aula. Do ponto de vista da responsabilidade institucional, há um
compromisso por parte dos assessores e docentes em formação, com o objetivo de
melhorar a qualidade da educação superior em fase de expansão e reconstrução.
Continuando as referências quanto ao Programa de Formação de Professores,
apresento a trajetória formativa visando à constituição da identidade pessoal,
profissional e institucional. A proposta contempla os seguintes aspectos:
levantamento de necessidades e definição de prioridades:
a) resultados da avaliação de desempenho docente pelo discente,
b) resultados das avaliações institucionais;
contexto institucional: PDI, PPI, PPC;
necessidades e expectativas docentes: pessoal, profissional e institucional;
atividades formativas: Seminários; Cursos lato sensu; assessoramento/orientação
individuais; eventos acadêmicos em diferentes campi; pós-graduação lato e
stricto sensu;
modalidades de formação em serviço: presencial, semipresencial, a distância;
avaliação percorrendo todo o processo formativo.
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A trajetória formativa possui uma estrutura flexível, uma proposta compartilhada e
que atende às orientações do PDI, PPI e dos PPCs. De acordo com Veiga et al. (2012,
p.181),
A formação é favorecida quando os professores têm oportunidade derefletir, pesquisar de forma crítica com seus pares sobre as práticaspedagógicas contextualizadas, experimentar novas formas pararepensar e rever a própria prática. Além de possibilitar uma autonomiacompartilhada, o processo possibilita a relação de unicidades da teoriae prática.
Para a autora, a ideia norteadora é formar docentes que têm uma relação estreita
com a prática pedagógica. A prática é o objeto de reflexão e de desenvolvimento
profissional e o eixo estruturante do processo formativo. Dessa forma, os docentes não
se separam do mundo social no qual estão inseridos e é impossível separar pensamento
e ação.
O contexto da prática é o momento de explorar os efeitos da prática institucional
pelos diferentes atores: mentor, assessores e professores cursistas. O professor, no
contato com a prática, constrói novos conhecimentos, sistematiza conceitos, vivencia o
processo. A mentora do NPU defende essa concepção ao afirmar que “[...] o mote
principal é aprender para a construção do conhecimento a partir da prática”. Alguns
assessores revelaram ter consciência da especificidade da educação superior e das
possibilidades que podem favorecer a reflexão coletiva sobre a prática docente. A
coordenadora explicita que “[...] inserir inovações no campo da didática e da
avaliação”.
Em relação ao papel do docente, os assessores responderam: “[...] É criar
possibilidades de autonomia, ter a base para alçar voos principalmente na educação
superior” (Coordenadora); “[...] Hoje, é uma profissão que trata da construção do
conhecimento individual e coletivo. É um papel facilitador da aprendizagem. Tem que
ter profissionalismo” (Assessora Nívia);”[...] o professor tem o papel mediador”
(Assessora Neide).
As respostas das interlocutoras indicaram algumas evidências, tais como: a
docência é concebida como profissão e, portanto, requer formação, cria possibilidades
para facilitar a aprendizagem, o professor tem papel mediador. Muitas ações estão sendo
desencadeadas, como explicitou a coordenadora do Programa: “[...] o uso das
tecnologias é para ampliar o Programa para o ambiente virtual”.
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Os professores cursistas que participaram das atividades do Programa pensaram
de forma mais ampla: “[...] levar o Programa até os Centros” (Direito); “[...]
flexibilizar os horários das atividades formativas e do mestrado” (Matemática); “[...] o
professor iniciante tem que conhecer o modelo pedagógico e a nossa forma de
trabalhar” (Engenharia); “[...] o Programa deve ser ampliado e estimulado” (Letras).
Apesar de não ter sido possível realizar observações da prática docente, pude
perceber nas respostas dos professores entrevistados que há uma expectativa maior de
resultados e maior compromisso dos docentes. As sugestões de ampliação e a aceitação
do Programa, apontados pelos interlocutores demonstraram que o processo de
desenvolvimento profissional docente é reconhecido e valorizado por eles.
As dificuldades apresentadas giram em torno de “[...] redução da carga horária
de sete professores assessores interdisciplinares” (Pró-Reitor); “[...] falta de tempo
para planejar e adequar o plano ao grupo de alunos” (Letras); “[...] superação do
modelo tradicional e recuperação do conhecimento” (Mentora); “[...] resistências
pessoais dos professores a serem orientados” (Coordenadora). As dificuldades
apontadas não impediram a continuidade do Programa que, mesmo sofrendo os
impactos da crise institucional, conseguiu estabilizar o processo. O desenvolvimento
profissional docente é um processo complexo de mudança social que envolve também
políticas de resistência e contestação.
A discussão continua
Em termos de síntese da discussão apresentada ao longo deste estudo, evidencio
alguns aspectos a serem analisados pelos professores e suas instituições. Para os
professores, assessores, tutores, é preciso destacar as seguintes iniciativas: compreender
a especificidade da educação superior no contexto das políticas públicas internacionais e
nacionais; analisar as concepções de ciência e os campos epistemológicos que
fundamentam os cursos ofertados pela Instituição; entender o desenvolvimento
profissional docente como uma política institucional para a melhoria do trabalho
docente, englobando desde os momentos iniciais da profissão, acompanhando a
trajetória profissional docente e relacionando com o desenvolvimento da organização
institucional.
Para as instituições, os pontos relevantes são:
instituir políticas de desenvolvimento profissional docente sistematizado e de
caráter permanente e participativo como condição de ingresso na carreira e no
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espaço do período probatório, experiência que vem sendo empregada por
algumas instituições de ensino superior;
viabilizar o desenvolvimento profissional docente em redes presenciais, virtuais
ou mistas;
articular um movimento reivindicatório para alterar o Art. 66 da LDB junto ao
Conselho Nacional de Educação, com o objetivo de fortalecer a solicitação já
encaminhada pela Rede Inter-Regional Norte, Nordeste e Centro-Oeste sobre
docência na Educação Superior e Básica (RIDES), para que a profissionalização
docente se torne uma política pública nacional como profissão e como campo de
investigação e produção de conhecimento.
Vale, ainda, destacar a situação complexa da docência que expressa as
contradições da sociedade que, de um lado, procura a adaptação das IES ao
modelo neoliberal e, de outro, tem a convicção de que para ser professor basta o
conhecimento específico.
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EdUECE - Livro 400742
Eixo A Didática e a Prática de Ensino na relação com a Formação de ProfessoresSubeixo Desenvolvimento Profissional e Práticas Formativas.
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO DEPROFESSORES NO CENÁRIO DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO
Iria BrzezinskiRESUMOIntenta-se analisar diversas concepções de políticas educacionais, formação deprofessores, desenvolvimento profissional, profissionalismo, profissionalização eprofissionalidade docente, formação continuada e fazer uma avaliação da políticaemergencial do Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica(PARFOR) da CAPES/EB. Resulta de uma ampla pesquisa de abordagem qualitativa,interpretativa, cujo recorte dá realce à análise de questionários. Seis egressos do cursode Segunda Licenciatura em Dança, do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia deBrasília (IFB) são os sujeitos da pesquisa. Conclui-se que as políticas de formação deprofessores são pontuais e inorgânicas, o que instiga ainda mais a luta em defesa daconstituição de um subsistema nacional de formação e valorização dos profissionais daeducação articulado ao sistema nacional de educação.Palavras chaves: Políticas Educacionais, Desenvolvimento Profissional; FormaçãoContinuada no Parfor
Em particular, os políticos e líderes educativos queremter evidências concretas do impacto do desenvolvimentoprofissional nos resultados de aprendizagem dosestudantes (GUSKEY; SPARKS 2002).
SOBRE O QUE TEMATIZO?
A presente comunicação, organizada em forma de artigo, a realizar-se no
Simpósio no XVII ENDIPE (11-14/11/2014), na Universidade Estadual do Ceará
(UECE), vincula-se ao Subeixo “Desenvolvimento Profissional e Práticas Formativas”.
É uma pesquisa de abordagem qualitativa interpretativa, com análises conceituais,
documental e de questionários.
Este artigo tem por escopo tematizar concepções de políticas educacionais,
formação de professores, desenvolvimento profissional, profissionalismo,
profissionalização, profissionalidade docente, formação continuada, bem como razer a
público uma avaliação da política emergencial de desenvolvimento profissional
implementada pelo governo popular brasileiro: o Plano Nacional de Formação dos
Professores da Educação Básica (PARFOR) fomentado pela Diretoria de Formação de
Professores da Educação Básica (presencial) da Coordenação de Desenvolvimento de
Pessoal da Educação Superior da Educação Básica (CAPES/EB). O recorte necessário
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diante da natureza deste trabalho ─ um artigo com limites de caracteres ─ recai no
realce da análise de questionários respondidos pelos egressos do curso presencial de
Segunda Licenciatura em Dança, ministrado pelo Instituto de Educação, Ciência e
Tecnologia de Brasília (IFB).
No que tange ao método de investigação a pesquisa é orientada pelo
materialismo histórico dialético, pois esse instiga a pensar em movimento. Instiga tanto
a ação de pensar os fatos como elementos de uma totalidade histórica, quanto a
submetê-los a uma análise crítica que sustenta epistemologicamente a elaboração de
uma síntese, com vistas à superação daquilo que consistiu o ponto de partida. Trata-se
de uma forma de investigação da realidade com o propósito de captar as relações
estabelecidas na dinâmica das ações humanas.
Em síntese, este artigo é derivado fortemente de minhas aproximações com a
Escola, a formação de professores, as políticas educacionais, a investigação e a
“militância acadêmica” nas entidades de estudos e pesquisas em Educação. Aliás,
acredito que o envolvimento com a escola da educação básica e com as instituições de
ensino superior são minha vida e meu constante labor.
Compartilho ideias de Nóvoa (1992) de que a profissionalização docente,
entendida por mim como sinonímia de desenvolvimento profissional, tem que se
articular com as escolas quer sejam de educação básica, quer seja de ensino superior,
bem como com seus projetos políticos pedagógicos e planos de desenvolvimento
institucional..
Concordo com Costa (2003) que, em minha vida a escola e o trabalho docente
vêm sempre roubando a cena. O interesse investigativo no tocante às políticas
educacionais e de formação de professores também roubam a cena.
Dedicar-me-ei a seguir, de forma breve, à contextualização das políticas
educacionais brasileiras hoje em desenvolvimento, a serviço de um determinado projeto
de mundo, de Estado, de educação, de formação de professores, de escola para dar
realce às reflexões mais detalhadas acerca da formação docente, em particular, do
desenvolvimento profissional por meio de políticas emergenciais de preparo para o
exercício da docência na educação básica.
1 CONTEXTO E SIGNIFICADOS CONCEITUAIS
Encontram-se nos objetivos deste trabalho razões para defender que as políticas
sociais, entre essas, as políticas educacionais “representam a materialidade de
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intervenção do Estado ou o Estado em ação” (AZEVEDO, 1997, p. 5). Por isso mesmo,
devem ser construídas com participação dos representantes do Estado ─ sociedade
política ─ e de diferentes atores sociais engajados em movimentos organizados pela
sociedade civil, entre outros, em entidades científicas, instituições educacionais públicas
e privadas, associações da categoria profissional de trabalhadores da educação,
sindicatos, entidades estudantis.
Com base nesta lógica de direito de participação de todas as classes sociais na
elaboração de políticas públicas, representadas nos citados movimentos, entendo que as
políticas educacionais devem constituir-se como políticas de Estado, superando a idéia
de políticas de governo e, muitas vezes, políticas emanadas de um partido político
hegemônico que detém o poder, e no momento de decisões logra-se vencedor na disputa
entre interesses da classe dominante e da classe desfavorecida.
Os elaboradores de políticas de Estado devem, justamente, atender ao princípio
de que elas sejam planejadas para atravessar mandatos governamentais, visando à
qualidade socialmente referenciada da educação, com mudanças e reformas planejadas
a médio e longo prazo. Historicamente, as políticas educacionais tem sido
implementadas em curto prazo e, na maioria das vezes inesperadas pelas escolas da
educação básica e seus profissionais que são obrigados a atender exigências
determinadas pelos governantes.
Saliento que nos últimos trinta anos, as políticas tem sido primorosas em
atribuir aos professores a responsabilização (cf. FREITAS, 2012b) pelo fracasso
discente na escola pública, em face de seu despreparo e de sua imobilidade pessoal no
que concerne ao desenvolvimento profissional docente.
Nessas três últimas décadas tem sido notório o afastamento do Estado em
relação ao financiamento das políticas sociais, entre essas a educacional1 com uma
profunda redefinição do Estado quando o País passou a seguir o modelo econômico de
Estado Mínimo. Esse modelo implica para a política setorial da educação
contingenciamento de recursos financeiros a um projeto de sociedade que, por tal
motivo, revela-se intrinsicamente contraditório, quando obstaculiza o atendimento ao
1 Apesar de a Lei n. 13.005, de 25/6/2014 que aprovou o PNE apregoar na Meta 20, que será ampliado o“investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete porcento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, oequivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”, o dispositivo prevê a contabilizaçãodeste esperado percentual de investimento, também os destinados aos programas Pronatec, ProUni,Ciências Sem Fronteiras e FIES, além de matrículas em creches e pré-escolas conveniadas,. É notória adestinação de recursos para o sistema privado de educação.
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preceito constitucional de ensino obrigatório e gratuito como direito de todos os
cidadãos. A retração de financiamento colide com o ordenamento jurídico expresso no
art. 208, §1º da Constituição Federal (CF/1988): “o acesso ao ensino obrigatório e
gratuito é direito público subjetivo2”.
Desse movimento de refuncionalização do Estado brasileiro emerge uma nova
concepção de gestão imposta ao sistema nacional que advém de determinações
internacionais, sob o qual os espaços públicos foram se privatizando, de tal modo que,
tornou-se difícil discernir se prevalece nesse processo, a privatização do público ou a
publicização do privado.
Na verdade, o discurso do poder instituído exige a elevação do nível de
escolaridade da população, contradizendo também o que fora preconizado como
finalidade da educação no art. 2º da Lei n. 9.394/1996: “pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O projeto do poder instituído assumiu e continua com o compromisso de que a escola da
educação básica deve traçar um perfil de trabalhador e trabalhadora que atenda às
necessidades requeridas pelo mercado de trabalho, uma vez que os governantes da
Nação brasileira almejavam maior inserção na economia mundial e reconhecimento
internacional.
Essa busca de reconhecimento internacional no ranking das dez maiores
economias do mundo, o Brasil foi conquistando espaços até atingir o 6º lugar (2012).
Segundo avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2014, o País
retrocedeu ao 7º lugar, mas, mesmo assim, deixou para trás a França, o Reino Unido e a
Indonésia. Logo, deduzo que o Brasil é um país mais rico do que educado: o número de
analfabetos com mais de 15 anos de idade saltou para 13.200 milhões, conforme dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2013), enquanto, em 2012, a Pnad
computou 12.900 milhões analfabetos. Os dados da PNAD revelam grandes assimetrias
regionais. Concentram-se os analfabetos na região nordeste e o menor índice está na região
sul.
Tais dados tem pertencimento a um país em que, desde 1889 foi proclamado como
República Federativa, com regime democrático presidencialista ─ interrompido por longos e
intercalados períodos de ditadura ─ porém, atualmente, alinha-se à concepção de federação
2 Cury (2005) esclarece que direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigirdireta e imediatamente do Estado o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Qualquer pessoa, dequalquer idade e que não teve acesso à escolaridade obrigatória na faixa etária considerada própria ounão, é titular desse direito (Cury, 2007).
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em uma democracia representativa. Esta governança é garantida por um governo popular,
entretanto, submetido ao capitalismo globalizado, cuja ingerência transfere o poder de
tomada de decisões “dos sistemas políticos para os mercados e, as tecnologias cada vez mais
potentes aumentam a força da mão invisível3“ (GORE JUNIOR, 2013, p. 24) do mercado.
Esses são, entre outros, vetores que atrofiam a autogovernabilidade da Nação democrática
brasileira.
Gore Jr (2013, p. 71) analisa o momento contemporâneo de nova fase do
capitalismo nominada por ele “capitalismo trimestral”. Consoante acepção do autor , a mão
invisível do mercado conduz à obsessão por projeções feitos a “cada três meses”, ensejando
lucros a curto prazo. Essa é uma visão parcial e imperfeita da realidade (aparência) que se
contrapõe às programações a serem atingidas a médio e longo prazo, as quais poderiam
chegar a revelar a essência das necessidades e expectativas da maioria dos cidadãos.
O “capitalismo trimestral” invadiu a educação básica e superior no Brasil,
reafirmando-se no MEC em 24/4/2007 o Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE),
pelo Presidente Lula e o Ministro Fernando Haddad. Esse instrumento de política
educacional, em que pesem alguns programas pontuais em favor do desenvolvimento e
aprendizagem da docência e da valorização da profissão-professor, foi marcado pela
aproximação do poder executivo da educação com os “corporate reformers4" (RAVITCH,
2011, p.13). Esta expressão de Ravitch, ex-secretária adjunta de educação dos Estados
Unidos do governo George Bush, para identificar os empresários reformadores, aos
quais Ravitch se contrapõe, detonando severas críticas às políticas de avaliação que
foram por ela gerenciadas, mediante aplicação de testes estandartizados.
A autora denuncia que os reformadores corporativos argumentam que as
escolas devem se livrar da burocracia estatal e funcionar como empresas, porque a
eficiência do livre mercado é muito maior do que a dos governos. Esses reformadores
“demonstram sua precária compreensão da educação construindo falsas analogias entre
a educação e o mundo empresarial” (RAVITCH, 2011, p.26).
Freitas (2012b) analisa a obra de Ravich (2011) e sinaliza que esse movimento
de novos reformadores “reflete uma coalizão entre políticos, mídia, empresários,
empresas educacionais, institutos e fundações privadas e pesquisadores alinhados com a
ideia de que o modo de organizar a iniciativa privada é uma proposta mais adequada
3 Maiores detalhes podem ser conferidos em obra publicada em 1776 (1 ed.) pelo escocês SMITH, AdamA riqueza das nações, 1988, que serviu de fundamentação teórica para o liberalismo econômico.4 Reformadores cooperativos, tradução livre da autora.
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para "consertar” a educação americana, do que as propostas feitas pelos educadores
profissionais” (FREITAS, 2012b, p. 380).
O PDE no Brasil é fruto de coalizão à semelhança do movimento americano.
Tal coalização foi prevista no Decreto n. 6.094, de 24/4/2007, que dispôs sobre o Plano
de Metas Compromisso Todos pela Educação. O PDE, portanto, mantém suas raízes no
“Compromisso Todos pela Educação”, que consiste de um consenso articulado por
Fernando Haddad, em 2005, ao qual se aliaram a elite empresarial brasileira, a iniciativa
privada e os gestores públicos em defesa da educação básica de qualidade, com o
fortalecimento da ideia de metas. Como se sabe, essa ideia de “cumprimento de metas”,
para alcançar “recompensas” vigora na maioria das empresas do mundo.
A satisfação dos empresários foi manifestada por Antônio Matias, vice-
presidente do Banco Itaú no lançamento do PDE: "vários gestores, professores,
especialistas ajudaram a montar essas metas [...]. Ao adotá-las, o governo está
perseguindo, para as políticas públicas, a mesma eficiência com que as empresas estão
acostumadas a lidar".
Aranha e Clemente (2007), apontam que o PDE tem em seu cerne a
constituição de um “sistema simples de cobrança de resultados e recompensas para as
escolas que cumprirem os objetivos”. Essas soluções apressadas foram assumidas pelo
governo federal e diversos Estados da Federação, inspirados nas políticas educacionais
estadunidenses falidas, consoante Ravitch. Freitas (2012, p.346) explica que essas
proposições de políticas educacionais apressadas se ancoram em
[...] uma espécie de ‘teoria da responsabilização’ gerencialista everticalizada” [...]. Esta "nova abordagem" para as políticas públicas deeducação está sendo construída em torno dos conceitos de responsabilização,meritocracia e privatização.
Tais análises induzem a seguinte indagação: Que implicações têm as políticas
educacionais apressadas sob o modelo do “capitalismo trimestral”, para o
desenvolvimento profissional dos professores brasileiros, em particular pela formação
realizada em programas emergenciais a exemplo do PARFOR?
2 DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO DEPROFESSORES: CONCEPÇÕES E POLÍTICAS EDUCACIONAIS
Ao transportar o “modelo” de resultados a curto prazo para o campo das políticas
educacionais essa “nova ortodoxia educacional” (HARGREAVES et al, 2002, p. 13) atinge
o ethos da educação básica, da educação superior e da formação de professores, quando o
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Estado regulador exige padrões de aprendizagem elevados na educação básica, todavia os
projetos políticos pedagógicos e as matrizes curriculares são padronizados porque induzidos
por exames de medição de desempenho. Este é um dos objetivos do Estado regulador.
A regulação é uma forma de reproduzir conteúdos, visto que pouco importa aos
elaboradores de políticas e aos gestores da educação, o que os professores devem ensinar
para que o estudante alcance o “preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (art. 2º, Lei n. 9.394/1996).
Como afirmam GUSKEY; SPARKS, (2002), em epígrafe , estudados por Vaillart e
Marcelo (2012, p, 178) são os políticos (elaboradores de políticas) e os líderes educativos
(gestores da educação) que “querem ter evidências concretas do impacto do
desenvolvimento profissional nos resultados de aprendizagem dos estudantes”,
preocupados com a competitividade e com o ranqueamento das escolas.
Por seu turno, o professor e a professora que encaram de fato a docência como
profissão, o seu desenvolvimento profissional docente, também sofre impactos significativos
em relação ao nível de aprofundamento e dedicação às investigações que envolvem esse
processo contínuo ao longo da vida ativa.
Nesta perspectiva, advogo com fundamento em Estrela (1997, p. 9) que os estudos
sobre a profissão-professor devem “desocultar uma profissão que todos conhecem do
exterior”, haja vista a infinidade de profissionais que não são da área da Educação e
alegam entender do trabalho docente. No contexto educacional brasileiro como
supracitado, até empresários que se baseiam na “Pedagogia de Competências e de
Resultados” e nas “recompensas” se julgam capazes de solucionar melhor “problemas”
da profissão em relação à aprendizagem e desenvolvimento cultural, do que os próprios
educadores.
No tocante à concepção de desenvolvimento profissional detenho-me nos escritos
de Carlos Marcelo (1999) que tem por princípio desvelar que formar professores é fazer
ciência (1999). Por tal razão, a formação inicial e o desenvolvimento profissional não
podem ficar aprisionados ao simples domínio de competências e à avaliação de
desempenho por meio de testes. A formação inicial e continuada tampouco devem se
limitar ao exclusivo domínio de conhecimentos básicos para o exercício da profissão.
Ambas formações devem se pautar no princípio da pesquisa como processo formativo,
considerando que todo professor é também um pesquisador.
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Outra afirmação de forte conotação epistemológica, sobre formar professores é
de Denise Vailland e Carlos Marcelo (2012, p. 23-45): “preparar docentes é formar
adultos”.
Nesses autores me respaldo para insistir na ideia de que desenvolvimento
profissional requer continuidade formativa e investigadora por toda a vida Em
particular, o desenvolvimento profissional do professor deve superar “a tradicional
justaposição entre formação inicial e aperfeiçoamento dos docentes” (VAILLAND;
MARCELO, 2002. p. 167) feitos em cursos de curta e curtíssima duração.
DAY (1999, p. 4), mencionado pelos autores Vailland e Marcelo (2012, p. 168)
concebe desenvolvimento profissional docente como um continuun que
[...] inclui todas as experiências de aprendizagem natural e aquelas que,planejadas e conscientes, tentam, direta ou indiretamente, beneficiar osindivíduos, grupos ou escolas e que contribuem para a melhoria da qualidadeda educação nas aulas. É o processo mediante o qual os professores, sozinhosou com outros, revisam, renovam e desenvolvem seu compromisso comoagentes de mudança, com os propósitos morais do ensino e adquirem edesenvolvem conhecimentos, competências e inteligência emocional,essenciais para um bom pensamento profissional, para o planejamento e aprática com as crianças, com os jovens e com os seus companheiros, ao longode cada uma das etapas das suas vidas como docentes.
A complexidade contemporânea da sociedade do conhecimento tem exigido da
profissão docente e da prática pedagógica aproximem para realizar o seu
desenvolvimento profissional, para planejar e para desenvolver o trabalho docente em
salas de aula. Os estudos a respeito recaem em Marcelo (2004, 1999), Alarcão (2004),
Vailland; Marcelo (2012) Hargreaves et al (2002); Hargreaves; Goodson (1996) e, têm
me proporcionado condições de dialogar proficuamente com Isabel Alarcão (2004).
Esses diálogos se voltam notadamente aos conceitos pertinentes à(s) identidade(s) do
professor, à profissionalidade, ao profissionalismo e à profissionalização docente. Essas
concepções constituem fundamentação para o compreender o que é desenvolvimento
profissional do professor.
Profissionalidade, segundo minha compreensão, consiste em um conjunto de
conhecimentos, saberes, capacidades e competências de que dispõe o professor, no
desempenho de suas atividades. Profissionalidade, então, constitui um conjunto de
requisitos profissionais indispensáveis para transformar em professor aquele sujeito
leigo que busca uma formação para o futuro exercício profissional no campo da
docência.
Alarcão (2004, p.1), por sua vez, assinala que
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profissionalização refere-se ao processo de alguém se tornar profissional. Porex., em Portugal, hoje, para alguém ser professor profissionalizado tem de terum mestrado em ensino que inclui unidades curriculares de matérias daespecialidade e de educação e um estágio pedagógico supervisionado e temde passar num exame de entrada na profissão. Só assim poderá concorrer aum lugar de professor. A formação deverá prepará-lo para o exercício daprofissão docente que tem característica própria: a profissionalidade docente .
Concebo por profissionalismo o desempenho qualificado, competente e
compromissado com os deveres e responsabilidades no exercício da profissão de
professor, de professora, enquanto que profissionalização é configurada pela unidade
dialética profissionalidade e profissionalismo.
Profissionalização docente é um processo marcado por um continuum de
transformações que vão ocorrendo por toda a vida do professor que poderá levá-lo a
atingir condições ideais que garantam uma formação e um exercício profissional de
qualidade socialmente reconhecida.
Alarcão (2004, p. 5) assinala que profissionalidade docente é “a
multidimensionalidade dos saberes (teóricos, processuais, contextuais), dos valores, dos
direitos e dos deveres inerentes à função social de educar, ensinando” [e, que]
profissionalismo “tem a ver com a qualidade do profissional. Assim, diz-se de alguém
que é muito competente científica, pedagógica e eticamente falando, que ‘tem grande
profissionalismo’” (ALARCÃO, I; BRZEZINSKI, 2004, p.1).
Com relação a esses conceitos Marcelo assegura que:
[...] junto ao conceito de “profissionalização” tem-se falado do“profissionalismo”, entendido, nesse caso, como a capacidade dos indivíduose das instituições de desenvolver uma atividade de qualidade, comprometidacom os beneficiários da mudança, num ambiente de colaboração. Os estudossobre o profissionalismo levaram em consideração a necessidade dereprofissionalizar a função docente e perceberam que a ampliação dasfunções é positiva, representando um sintoma claro de que os docentes sãocapazes de realizar funções que vão mais além das tarefas tradicionaiscentradas nos alunos e restritas ao espaço físico da aula (MARCELO, 2010).
Para o autor está fadada ao insucesso a formação que pretende transformar o
docente em
consumidor de fast-food [...] quando se tenta embarcá-lo em atividades quepromovam sua aprendizagem contínua, mas as modalidades que lhes sãooferecidas não vão além de cursos curtos, descontextualizados, afastados dosproblemas concretos e sem aplicação prática” (MARCELO, 2010).
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No próximo item será feita uma avaliação, ainda que preliminar da política de
formação continuada presencial de professores, ou desenvolvimento profissional em
forma de Segunda Licenciatura, implementada pelo PARFOR), no Distrito Federal.
3 PARFOR, a pesquisa em movimento: da euforia à desilusão
A educação não suporta voluntariado, improvisação,práticas missionárias ou outro tipo de caridade, já quedireito, e não benesse. Por isso, exige tratamentoprofissional competente, assegurado por relações detrabalho claramente regulamentadas. (KUENZER,2000, p. 92).
As contundentes argumentações de Kuenzer vão em defesa da educação básica
de qualidade que responda com compromisso social, pedagógico, político, técnico e
tecnológico ao que preceitua a CF/1988 no tocante ao direito ao ensino obrigatório e
gratuito para todos os cidadãos brasileiros de 4 a 17 anos, e para os que não tiveram
oportunidade de cursar a educação básica na idade adequada de escolarização.
Ocorre que o déficit de professores na educação pública “adequadamente
capacitados” (KUNZER, 2000, p.92) levou o MEC a propor formação em serviço para
as pessoas leigas que estavam no exercício da docência, em caráter precário.
Vários indicadores estatísticos e a estimativa para atender a demanda da
educação básica de responsabilidade dos Estados da Federação e do Distrito Federal,
que seria provocada pela Ementa Constitucional n. 59/20095 revelavam a premência de
uma política emergencial de formação em nível superior, para até 2014 estarem
preparados para a ocupação de 651.175 postos de trabalho.
Essa política emergencial de formação inicial e continuada foi instituída pelos
Decreto n. 6.755, de 29/1/2009, Portaria Normativa nº 883, de 16/9/2009 e Portaria
Normativa n.9 de 9/6/2009.
Os princípios dessa política constam nos doze incisos do art. 2 do Decreto
supramencionado. Dentre eles, ressalta-se a oferta de formação para os docentes da
educação básica como compromisso público de Estado; garantia de formação como
compromisso com um projeto social, político e ético; a importância do projeto
5 Alterou, entre outros artigos da Constituição Federal, o art 208 e o art 211. No Inciso I do art. 208 foiprescrita a obrigatoriedade e gratuidade da educação básica dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos deidade e a oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. No § 4º do art. 211os legisladores previram a exigência de a União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípiosdefinirem formas de colaboração, com a finalidade de assegurar a universalização do ensino obrigatórioregido pelo citado Art.208, § 4º.
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formativo nas instituições de ensino superior que reflita a especificidade da formação
docente, assegurando organicidade ao trabalho [...]; garantindo sólida base teórica e
interdisciplinar e valorização profissional traduzida em políticas permanentes de
estímulo à profissionalização, bem como a existência de efetiva colaboração entre os
entes federados na consecução dos objetivos da Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica; execução dessa política, mediante
articulação entre o Ministério da Educação, as instituições formadoras e os sistemas e
redes de ensino.
De acordo com art. 4º do citado Decreto, os princípios constantes deste
diploma legal devem reger os Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação
Docente (FPAFD), que são os responsáveis pela elaboração e acompanhamento dos
Planos Estratégicos de Formação de Professores da escola pública em cada Estado da
Federação e no DF. No §1º do art. 4 está preceituado o regime de colaboração entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio de programas e
ações coordenados pela Capes da Educação Básica do Ministério da Educação, o que
reforça o significado dos planos estratégicos nos entes Estados e DF.
O Decreto em pauta, entre outros aspectos, é consequência de estudos tanto da
sociedade civil quanto política acerca da instituição de um Sistema Nacional Público de
Formação dos Profissionais do Magistério, proposto pelo MEC e de um diagnóstico
feito pela CAPES/EB da situação da formação docente em nível superior no País.
Lamentavelmente essa proposta não vingou.
Com o intuito de impulsionar o desenvolvimento da política nacional prescrita,
a Diretoria de Educação Presencial da Capes/EB demandou a elaboração e assinatura
dos Acordos de Cooperação Técnica com as Secretarias Estaduais de Educação e
Secretaria do Distrito Federal, assim como de Termos de Adesão de 90 IES formadoras,
inicialmente previstas. A Capes organizou as planilhas de oferta de cursos e vagas por
intermédio da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica e do Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica
(Parfor), cujo ícone virtual materializou-se na Plataforma Paulo Freire.
Tais políticas implementaram o programa de formação emergencial em cursos
de Primeira Licenciatura para professores atuantes nos sistemas públicos de educação
básica sem formação em nível superior. A Segunda Licenciatura e Complementação
Pedagógica foram ministradas para aqueles docentes que lecionavam disciplinas
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incompatíveis com sua área de formação. Este grupo de professores, embora formados
em nível superior é considerado leigo.
Como já explicitado, aqui o interesse volta-se para a formação continuada
presencial de Segunda Licenciatura em Dança do IFB, estruturada curricularmemte à
luz das Diretrizes Operacionais contidas na Resolução CNE/CP n. 1, de 11/2/2009. A
escolha foi determinada por uma variável: é o único curso de formação continuada em
Segunda Licenciatura do DF, no período de abrangência da pesquisa matricial
desenvolvida em âmbito nacional (2009-2014), da qual derivou a pesquisa pelos
representantes da Anfope no FPAFD/DF.
A fim de garantir a tessitura do referencial teórico, importa neste instante,
distinguir concepções de formação inicial e formação continuada. A rigor, a formação
inicial no Brasil deveria ser realizada em cursos de Primeira Licenciatura, na forma de
pré-serviço. O diploma de licenciatura é condição legal para o licenciado concorrer a
uma vaga na escola básica pública, mediante concurso público de provas e títulos para
ingresso na profissão-professor para atuar nas séries finais do ensino fundamental e no
ensino médio.
Causa estranhamento, todavia, a presença reiterada no arcabouço jurídico que
ancora a legalidade da formação no Brasil, do que é inaceitável em países europeus e da
América Latina: em pleno século XXI, permanecer na LDB/1996 (art. 62) e no Plano
Nacional de Educação (Lei n. 13.005, de 25/6/2014) a admissão no sistema público de
normalistas formados em nível médio (Modalidade Normal) para atuarem na educação
infantil e nos cinco anos iniciais do ensino fundamental.
Esse ordenamento legal consiste um contrassenso à postulação da Associação
Nacional pela Formação de Profissionais de Educação (Anfope) que, desde 1983,
reivindica que o ingresso no sistema estatal ocorra somente por professores formados
em nível superior, na Universidade, lócus de produção da ciência, do livre pensamento,
da criatividade, bem como na condição de IES guardiã e disseminadora do
conhecimento acumulado pela humanidade.
Não é demais recuperar o que escreveu Alarcão (2014) que a formação mínima
para ingresso na carreira de professor em Portugal é o mestrado em ensino.
A propósito, o conceito de formação contínua tem um esclarecimento histórico
de Dias (1991), pois o autor assegura que essa formação emerge e desenvolve-se na
Europa após a segunda 1940, pós guerra decorrente de
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[...] fenómenos tais como a explosão das ciências das técnicas, a planetizaçãono espaço e a aceleração no tempo das dimensões e do ritmo dodesenvolvimento dos sub-sistemas sociais. Tal evolução provoca aobsolescência dos conhecimentos antigos, a emergência de outros novos, acomplexificação de teias de relações cada vez mais sutis entre todos eles(DIAS, 1991, p. 186).
Já na concepção de Patrício, o processo de formação continuada insere-se no
processo de desenvolvimento “profissional, cultural e social” [...] que se confunde com
a própria vida do professor. O autor adverte que neste processo deve ser estimulada
também a “auto-formação” (PATRÍCIO, 1991, p. 202), que parte da volição pessoal,
mas isso não significa que ela seja individualista.
Nóvoa (1991, p. 24) alerta que o engajamento docente é condição precípua para
sua autoformação e heteroformação. É com o “outro” que a formação se concretiza, pela
criação de “redes de (auto) formação participativa, que permitam compreender a
globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo interactivo e
dinâmico”.
Na esteira deste pensamento, um grupo de pesquisadores, em um congresso
realizado na Universidade de Aveiro/Portugal (1991), identificou seis dimensões da
formação docente continuada, e que foram elencadas por (ALARCÃO, 1991, p. 72).
1) Dimensão do desenvolvimento pessoal e social; 2) Dimensão dodomínio da especialidade; 3) Dimensão Pedagógico-didáctica; 4)Dimensão institucional e administrativa; 5) Dimensão histórico-cultural;6) Dimensão investigativa; e 7) Dimensão expressivo-comunicativa
Para a autora a “trilogia: indivíduo, profissão, escola” pode ser contemplada
pelas diversas dimensões da formação continuada propostas pelos pesquisadores
portugueses (1991), caso concebidas de forma dialética, uma vez que “cada uma das
dimensões tem a ver com todas as outras e só adquire o seu sentido pleno no todo que as
integra” (ALARCÃO, 1991, p. 69).
A pesquisadora declara que o desenvolvimento profissional, mediante formação
continuada precisa considerar os destinatários que requerem propostas de formação
diferentes: podem ser professores iniciantes ou professores mais experientes. No caso
do objeto deste artigo, a Segunda Licenciatura é destinada aos experientes em efetivo
exercício no Sistema da Educação Distrital.
A diferença entre o professor experiente e o jovem professor está em que oprofessor no início da sua carreira tem de socorre-se do saber e dasferramentas ainda pouco trabalhadas que adquiriu na sua formação inicial,enquanto o professor experiente tem à sua disposição a ferramenta bem
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oleada do tal saber de experiência, feito que hoje começa de novo a valoriza-se e designa-se por epistemologia da prática (ALARCÃO, 1991, p. 74).
Formação continuada, em suma, deve ser entendida como desenvolvimento
profissional que deve conciliar a dimensão de um projeto institucional e pessoal,
orientado por uma política educacional, que, por sua vez, responde às demandas
educacionais da coletividade traduzidas nos projetos políticos pedagógicos das escolas
da educação básica, lócus no qual o professor, a professora desenvolvem seu trabalho
docente.
3.1 O contexto e o texto resultante da investigação em movimento
O Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal (IFB) foi a
única IES que ofertou curso presencial de Segunda Licenciatura do Parfor aos
professores atuantes no sistema educacional da capital do Brasil. É instituição
transformada em instituto no movimento da expansão da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica por intermédio da Lei n. 11.892, de 29/12/2008.
Suas raízes estão na Escola Agrotécnica de Brasília (1962).
O ingresso no curso deu-se em 2012 com uma matrícula de 71
professores/cursistas distribuídos em duas turmas (matutino e vespertino). A matriz
curricular foi organizada para se integralizar em um ano letivo, com carga horária total
de 1.040 horas, incluídas 200 horas de estágio supervisionado. Contaram 45 os
concluintes como licenciados em Dança, em dezembro de 2013, desvelando um
problema também sucedido em nível nacional ─ alta evasão em todos os cursos
ofertados pelo Parfor (69%). No IFB o índice alcançou 37 %.
Como procedimento de pesquisa foram enviados questionários on line para
todos egressos, entretanto, somente seis responderam, representando essa amostra
aleatória do 13% do universo.
Os dados socioeconômicos dos participantes dessa amostra permitem
identificar que todos ingressaram no sistema educacional por meio de concurso público
como professores e exercem a função docente, um deles há 35 anos e os demais há 28,
24, 20, 18 e 10 anos. Dois deles só cursaram Bacharelado em nível superior, porém são
também normalistas, formados em nível médio profissional.
Antes do curso e, na atualidade também continuam exercendo as funções de
professor (a) de Ginástica em Quadras e Dança (1), Artes Plásticas (1), Educação Física
(2), Geografia (1) e Coordenação do Laboratório de Informática (1). Há evidência de
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que 83% não eram professores de Dança por mais de 3 anos (área distinta de sua
Primeira Licenciatura) e não foram alocados para a disciplina para a qual foram
formados em Segunda Licenciatura, conforme exige a Resolução CNE/CP n.1/2009, de
11/2/2009.
Avalio que não houve impacto positivo para a elevação da qualidade do ensino
de Dança em suas escolas. A dedicação ao curso como desenvolvimento profissional até
o momento parece inóqua, embora uma professora continue sendo professora de dança,
após a conclusão do curso.
Os respondentes reivindicaram que a formação continuada seja feita em nível
de mestrado profissional, pois haveria maior motivação pelo fato de que, pelo menos
teriam promoção na carreira e aumento salarial.
Com efeito, infiro que os recursos públicos foram gastos de modo
irresponsável, visto que o objetivo seria a formação continuada para proporcionar a
superação da distorção formação versus atuação na educação básica, contribuindo para a
qualificação da educação básica do DF.
Os egressos descreveram em suas respostas às perguntas abertas que:
a) não foram dispensados de suas atividades cotidianas de sala de aula para cursarem a
Segunda Licenciatura. As respostas seguintes desvelam essa realidade:
Falta de apoio/interesse por parte da direção da escola, já que a dispensa nohorário de coordenação (planejamento), segundo a direção da escola“atrapalharia” a organização (P/C 1)6.Tive que faltar poucas vezes (sete) ao curso para desempenhar atividades naescola (P/C 2).A grande dificuldade foi conciliar o tempo. Ter que trabalhar, preparar aulas,continuar no seu dia a dia comum da escola e ao mesmo tempo enfrentaraulas todos os dias no IFB, realizar as atividades, tarefas, exercícios etrabalhos da Licenciatura em Dança (P/C 3).
b) o IFB não contava com um grupo eficiente de gestores e de formadores preparados
para a docência na Licenciatura em Dança, tampouco com infraestrutura com salas
especiais, o que levava à improvisação. Tais deficiências são confirmadas nas respostas
que se seguem.
Apesar de o curso proposto ser de licenciatura, 90% das aulas ministradasforam voltadas para a formação de coreógrafos e bailarinos profissionais enão para a aplicação da disciplina em sala de aula [...]Falta de conhecimento e experiência da quase totalidade do corpo docenteem ministrar aulas voltadas para a área do curso em questão – licenciatura(atuar em sala de aula pública ou particular) – lembrando que o corpodiscente era formado exclusivamente por professores da SEEDF e a meta do
6 Para assegurar o anonimato dos respondentes foram identificados por P/C1, PC/2, ... até P/C6.
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curso era formar profissionais para atuarem com essa disciplina dentro darede pública de ensino do Distrito Federal (P/C1).Falta de preparo para o curso, tanto em preparar o corpo docente, quanto aestrutura física e técnica. As salas de aula não eram adequadas às práticasde dança. Suas dependências ainda não estavam prontas para o curso, assimdesempenhamos nossas atividades de aprendizagem em espaçosimprovisados. Isto desmotivou muitos alunos [...] foram trocados oscoordenadores mais de 6 vezes durante um ano de curso. (P/C2)Falta de organização do IFB (P/C3).O IFB não teve o respeito com muitos alunos/professores [...] foram“empurrando com a barriga” para se livrarem” das turmas dos professoresda Secretaria de Educação .Um fato em uma aula chegou a chamar atenção quando um professor doIFB em discussão sobre educação com a turma e um colega citou PauloFreire. O professor respondeu que nem sabia quem era Paulo Freire. Fatobem intrigante para um docente do IFB (P/C4).Um verdadeiro suplício para encontrarmos soluções (PC/6).
Entre as causas apontadas para levaram os colegas ao abandono do curso foram
recorrentes: a) falta de apoio dos gestores das escolas em que atuavam como professores
da educação básica; b) desgaste físico, emocional e financeiro para cumprir 40
horas/semanais na escola de lotação e assistir aulas todos os dias da semana no IFB; c) a
falta de respeito (deboche, gritos, desprezo) de professores formadores com os
professores/cursistas; d) a falta de domínio de conteúdos e práticas das modalidades de
dança pelos professores do IFB;
e) ausência de bolsa de estudos para os professores/cursistas;
e) as despesas aumentaram muito durante o curso.
É preciso apontar algumas conclusões, entre elas a pesquisa serviu para
confirmar que as atividades do Parfor precisam de acompanhamento in loco dos
coordenadores para evitar resultados tão danosos à cidadania dos estudantes da
educação básica;.
A pesquisa até o momento tem sido referência para instigar a mobilização dos
anfopeanos e associações que comungam a defesa da criiação de um subsistema
nacional de formação e valorização dos profissionais da educação articulado ao sistema
nacional de educação.
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