O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
CADERNO PEDAGÓGICO
REGIONALISMOS E ESTRANGEIRISMOS –
FACES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA
REGIÃO DA TRÍPLICE FRONTEIRA
ALESSANDRA HAMAN FOGAGNOLI
REGIONALISMOS E ESTRANGEIRISMOS – FACES DA
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA REGIÃO DA TRÍPLICE
FRONTEIRA
ALESSANDRA HAMAN FOGAGNOLI
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_oLTB-uoV5ew/RskJDRk3m_I/AAAAAAAAABM/mo7DvQ5nWu8/s400/folclore1%5B1%5D.gif
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL- PDE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
AUTORA:
ALESSANDRA HAMAN FOGAGNOLI
ORIENTADOR:
PROF. DR. CIRO DAMKE
FOZ DO IGUAÇU
2010
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
INTRODUÇÃO 6
OBJETIVOS 7
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8
UNIDADE 1 – Sensibilização e verificação dos conhecimentos prévios 14
UNIDADE 2 – Aspectos da variação linguística 17
2.1 Fatores que podem originar variação linguística 18
2.2 Norma culta e preconceito linguístico 20
2.3 Gíria 24
2.4 Jargão 28
2.5 Regionalismos 36
2.6 Estrangeirismos 37
2.7 Neologismos 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS 45
REFERÊNCIAS 46
5
APRESENTAÇÃO
“Os limites da minha linguagem
denotam os limites do meu
mundo”.
(LUDWIG WITTGENSTEIN)
Caro professor(a),
Esta produção didático-pedagógica faz parte das atividades do
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Ela foi desenvolvida na
intenção de fornecer subsídios para o educador de Língua Portuguesa pensar
sobre uma pedagogia para a educação linguística, pois nesta importante função
temos o compromisso de formar o aluno, desenvolvendo suas capacidades de
reflexão sobre a linguagem e o uso crítico da língua. Como língua e linguagem
são indissociáveis e fazem parte de nossa identidade, nosso trabalho não pode
deixar de contemplar o maior número possível de suas facetas, em especial
aquelas mais envolvidas na vida social.
Neste material procurei trazer alguns aspectos acerca das linguagens
que permeiam diferentes gêneros textuais (orais e escritos), procurando
demonstrar a língua como fenômeno social e histórico, na sua diversidade,
compreendendo-a como instrumento de apropriação e produto da cultura.
Foz do Iguaçu, julho de 2010.
Alessandra Haman Fogagnoli
6
INTRODUÇÃO
A situação descrita em resultados de avaliações da educação básica
brasileira, discutida por pesquisadores e estudiosos da língua, demonstra que
metodologias utilizadas em sala de aula ainda estão fortemente ligadas às
práticas convencionais. Este fato causa uma situação de incomodação aos
professores, que certamente sabem que não devem mais se restringir à
transmissão de regras e conceitos da gramática normativa, executada por
exercícios sistematizados, mas não sentem segurança em substituir essa forma
de trabalho por outra.
Perante a necessidade de se repensar as aulas de Língua Portuguesa, no
sentido de incluir alunos de todas as camadas sociais, combatendo o preconceito
linguístico e ao mesmo tempo estimulando a apropriação de regras linguísticas de
prestígio, selecionamos atividades relacionadas à variação linguística para a
realização deste trabalho, procurando oferecer recursos para que se adquira uma
competência comunicativa mais ampla.
Já dizia Rubem Alves que ―curiosidade é uma coceira nas ideias‖ e leva ao
aprendizado. Observar a linguagem com olhar curioso é a melhor forma de
perceber as diversas faces que ela pode ter. Descobrindo as muitas variações
linguísticas é a constatação de que a língua não é uniforme, que só poderia ser
única se assim também fosse a sociedade.
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_WfZ8DGpPWsY/SnSVtSsFD_I/AAAAAAAAAEQ/8mjK8EoZ9HE/S1600-R/todas-as-criancas-do-brasil01.jpg
7
OBJETIVOS
Refletir sobre os usos sociais da língua;
Compreender as situações comunicativas, estando atento às
circunstâncias de interação: os interlocutores, contexto, finalidades;
Observar que as escolhas feitas pelo locutor não são aleatórias, mas
consequências do contexto em que ocorre a comunicação;
Perceber a coexistência de diferentes variantes da língua oral;
Atentar para necessidade de dominar a variante padrão da língua
para um exercício pleno como cidadão nos mais variados contextos em que essa
variante é exigida;
Aprofundar os conhecimentos sobre variação linguística;
Observar fatores como regionalismos e estrangeirismos que causam
variação e mudança linguística.
8
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nas últimas décadas, o processo de ensino e aprendizagem da língua
portuguesa tem sido muito discutido por educadores, estudiosos e pesquisadores,
pois ainda se verificam nas salas de aula metodologias tradicionais norteadas por
concepções de linguagem e objetivos que fogem daqueles almejados para o
ensino da língua materna, o que contribui para o fato do fracasso escolar
apontado em exames nacionais da educação básica brasileira.
De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do
Estado do Paraná,
o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses discursos. Para isso, é relevante que a língua seja percebida como uma arena em que diversas vozes sociais se defrontam, manifestando diferentes opiniões. (PARANÁ, 2008, p.50)
Geraldi (1984) compartilha com essa visão bakhtiniana quando diz que é
pela linguagem que ocorre a interação humana, é através dela que ocorrem as
relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos. Sob essa perspectiva
interacionista, pode-se afirmar que a sala de aula seria o ambiente ideal para
acontecer as mais diversas formas de interação.
De acordo com Vygotsky (1998), o desenvolvimento humano não pode ser
analisado somente como uma formação de conexão de neurônios, pois acontece
muito mais com a interação social e o aprendizado prévio do indivíduo. O aluno
não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende junto ao
outro, o que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio
conhecimento e seus conhecimentos prévios servem de alavanca para novas
descobertas.
Jerome Bruner, psicólogo americano, citado por Bortoni-Ricardo (2008, p.
44), corrobora no sentido de utilizar o termo andaime, que seria uma forma
metafórica para se referir ―à assistência visível ou audível que um membro mais
experiente de uma cultura presta a um aprendiz, em qualquer ambiente social,
ainda que o termo seja mais empregado no âmbito do discurso de sala de aula‖.
9
Em qualquer situação de fala, um indivíduo demonstra, através de seu
idioleto, além da mensagem que quer transmitir, algumas informações como sua
origem, seu grupo social, a situação em que se encontra (formal ou informal). Isso
acontece devido à entonação, pronúncia, escolhas lexicais, morfológicas e
construções sintáticas pelas quais esse falante faz opção. Portanto, a linguagem
não somente possibilita a interação, mas faz parte da identidade do indivíduo,
projetando a cultura de uma comunidade no seu sentido mais amplo.
Sendo a sala de aula um microsistema social, é possível verificar
claramente que os alunos refletem variações linguísticas que representam sua
origem regional, de gênero, etária e socioeconômica. Nesse sentido, a
sociolinguística propõe um respeito maior à diversidade social e regional dos
estudantes, tentando encontrar, assim, um caminho para democratizar o ensino,
em que a linguagem dos alunos sirva como exemplo para mostrar a diferença e
não o ―erro‖.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua portuguesa expressam que:
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa - dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem. (BRASIL, 1998, p. 31)
Dessa forma, quando o professor toma como ponto de partida os
conhecimentos linguísticos dos estudantes, incentivando-os a falar usando sua
variedade linguística, demonstra que essas variações não constituem uma forma
de classificação, mas ao mesmo tempo deve propiciar reflexões no sentido de se
dar importância à adequação da linguagem nas várias situações comunicativas. E
ainda que, tanto a norma padrão, quanto as outras variedades são lógicas e bem
estruturadas. É também relevante entender o que contemplam as DCEs, ou seja,
é necessário:
10
reconhecer que a norma padrão, além de variante de prestígio social e de uso das classes dominantes, é fator de agregação social e cultural e, portanto, é direito de todos os cidadãos, sendo função da escola possibilitar aos alunos o acesso a essa norma. (PARANÁ, 2008, p. 65)
Por isso, cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras
linguísticas que gozam de prestígio, de modo a enriquecer seu repertório
linguístico, permitindo a eles o acesso à maior quantidade de recursos para que
possam adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e
diversificada, sem que isso implique a desvalorização de sua própria variedade
linguística, adquirida nas relações sociais dentro de sua comunidade (BORTONI-
RICARDO, 2008).
Com o apoio da Sociolinguística interacionista e educacional, o trabalho
com a língua materna se volta para atividades mais significativas para os alunos
no que se refere aos usos da língua no domínio escolar e fora dele, tanto na
modalidade oral, quanto na escrita. Dessa forma é possível analisar ações que
envolvem o uso da variedade padrão, de prestígio e das variedades regionais e
locais.
As variações regionais são inerentes à natureza das línguas, então surgem
os regionalismos, que são registros da língua próprios da população de diferentes
regiões. Distinguem-se pela pronúncia, pelos diferentes significados e diferentes
construções de palavras e frases.
O que se deve superar é a primazia de uma variedade sobre as demais,
pois cada forma de falar é, antes de tudo, instrumento que confere identidade a
um grupo social com sua cultura, mesmo verificando-se que alguns falares têm
mais prestígio no Brasil como um todo do que outros.
A língua é ―propriedade‖ de uma nação, de uma comunidade linguística,
mas nem por isso é inerte, isolada, ao contrário, vive em constante construção e
reconstrução, devido não somente, mas também, ao contato com outras línguas.
Isso faz com que elas sofram influência a nível fonético, lexical, semântico e
morfossintático. Muitas vezes, nós mesmos sem notar, fazemos uso de palavras
estrangeiras, pois não há como negar o fato de que em todos os idiomas existem
termos provenientes de outros.
11
A língua portuguesa no Brasil foi influenciada desde a própria invasão
portuguesa a partir de 1500, quando as línguas faladas pelos nativos, entre elas o
Tupi e o Guarani, foram de certa forma, devastadas pelos colonizadores, mas
também contribuíram com o léxico brasileiro. A chegada dos escravos, as
invasões e dominações deixaram também marcas na língua falada no Brasil. E os
imigrantes, a partir do séc. XVII trouxeram muitos vocábulos, que até hoje
cooperam para manter diferenças regionais.
Hoje, esse contato entre as línguas no mundo, devido principalmente à
queda das fronteiras comerciais e ao avanço dos meios de comunicação,
ocasiona dois fenômenos linguísticos: os estrangeirismos e os empréstimos,
sendo que alguns deles são neologismos.
Ocorre estrangeirismo quando a unidade lexical estrangeira é aceita como
elemento integrante da língua receptora, sendo considerada uma inovação nesse
idioma. Para Mattoso Câmara Jr. (1989), estrangeirismos são ―empréstimos
vocabulares não integrados na língua nacional, revelando-se estrangeiros nos
fonemas, na flexão e até na grafia, ou os vocábulos nacionais empregados com a
significação dos vocábulos estrangeiros de forma semelhante‖ e empréstimo é a
―ação de traços linguísticos diversos dos do sistema tradicional‖
A criação de novos itens lexicais representa uma necessidade social. Como
a língua é sócio-histórica, é natural que essas palavras sejam criadas, uma vez
que a vida moderna exige ―o novo‖, já que tudo está continuamente se
transformando. Os neologismos são resultantes das necessidades do homem
contemporâneo, cada vez mais em busca de novidades, criações e inovações
(ALVES, 1990; CARVALHO, 1989).
O sistema lexical é enriquecido com novas palavras, que são resultantes da
criatividade linguística inserida na competência do falante nativo, acompanhando
assim, a evolução humana. Como usuário da língua, o falante percebe os
arcaísmos, termos que estão ficando ultrapassados, e os neologismos, elementos
de criação recente, além dos estrangeirismos, palavras em língua estrangeira que
começam a ser adotadas e, uma vez adaptadas ao novo idioma, são
caracterizadas como empréstimos linguísticos.
Essa criatividade linguística, manifestada na fala, faz com que haja
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mudanças na língua, pois surgem outras necessidades de expressão, porque
o homem não pensa e diz aquilo que se pensou e disse antes. Como a língua não é um produto acabado, ela se refaz continuamente e se fundamenta em modelos anteriores. Ela é dinâmica, porque a atividade linguística é falar e entender algo novo por meio de uma língua. (CARVALHO, 2009, p. 37)
Todas as mudanças no léxico resultam dos usos da língua, através da fala
é que se processam, alterando as normas e, por consequência, criando novas
normas. Como afirma Carvalho (2009):
A mudança começa a se desenvolver como deslocamento de uma norma. Ela se modifica, sobretudo onde o sistema não corresponde às necessidades expressivas e comunicativas dos falantes. Só conseguimos comprovar uma mudança quando adotada por vários falantes, salvo raros casos. (CARVALHO, 2009, p. 38)
Há ainda que se considerar os regionalismos como fatos linguísticos
situados no âmbito da variação lexical diatópica, ou seja, a variação que se
processa no eixo horizontal ou espacial. Segundo o lingüista Mattoso Câmara Jr.
(1989), por regionalismo devemos entender ―os traços linguísticos privativos de
cada uma das regiões em que se fala uma dada língua‖, ou seja, refere-se à
variação do uso da língua de acordo com as diferentes regiões em que vivem os
falantes.
Vivendo e convivendo nesta região de tríplice fronteira, a miscelânea
linguística a que o falante tem acesso é riquíssima, pois conta com as
contribuições regionais trazidas pelos operários que vieram para a construção da
Hidrelétrica de Itaipu, incluindo o jargão utilizado por esses profissionais. Também
o comércio fronteiriço e a indústria turística fazem com que haja contato entre a
língua portuguesa com outras, principalmente com o Espanhol e o Guarani.
O contato entre esses idiomas latinos resulta no uso do Portunhol, que não
é uma língua, mas um fenômeno linguístico. Essa proximidade leva o falante a
acreditar que as semelhanças sejam maiores que as diferenças, o que pode levar
a certos equívocos.
Do ponto de vista linguístico, o estudo desse contato é importante para
compreender o contato entre o português e o espanhol (sincrônica e
diacronicamente) e o funcionamento da variação linguística. Pela visão educativa,
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conhecer alguns aspectos sobre o relacionamento entre essas línguas, nesta
zona de contato é relevante no sentido de reconhecer e respeitar particularidades
culturais e linguísticas regionais para subsidiar ações pedagógicas adequadas
para melhorar a competência linguística do falante desta comunidade.
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UNIDADE 1
SENSIBILIZAÇÃO E VERIFICAÇÃO DE
CONHECIMENTOS PRÉVIOS
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_XLLxdDQA3bw/Sos-F7bIcwI/AAAAAAAAAXA/1o7RqI4rL1I/s320/13599323.jpg
Professor, proponha as questões abaixo e outras que possam surgir
durante a interação com os alunos, para averiguar o conhecimento que eles têm a
respeito do assunto:
a) O que é língua?
b) O que é linguagem?
c) Você percebe diferenças na fala das pessoas? Se sim, dê exemplos de
situações em que verificou este fato.
d) A língua ensinada na escola é diferente da que você traz do ambiente em
que vive?
e) Acha importante estudar a Língua Portuguesa? Explique.
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Apresente o vídeo 1* do ator Marco Luque em entrevista no programa do Jô
Soares (3'10''), em 28/08/2007, da TV Globo. Como o vídeo é engraçado,
certamente os alunos ficarão motivados a comentá-lo, então faça um
levantamento dos conhecimentos deles acerca das variedades não-padrão da
língua.
<http://www.youtube.com/watch?v=9kVYwfvQr0s>. Acesso em 21/04/10.
Segue abaixo um roteiro que pode ser seguido:
a) Vocês conhecem alguém que fale como o personagem Jackson Five?
b) Vocês usam alguma expressão dele em situações do dia a dia? Quando?
c) Uma pessoa que fale como o Jackson Five pode ser de alguma forma
discriminada ou sofrer preconceito na sociedade?
d) A forma de falar de Jackson Five pode ser considerada um ―português
errado‖?
Agora, apresente o vídeo 2† com o mesmo ator (1'24''), também
humorístico, onde Marco Luque expõe suas ideias espontaneamente.
<http://www.youtube.com/watch?v=nVO7H00kGoE&feature=related>. Acesso em
21/04/10.
As questões abaixo podem ser feitas para instigar os alunos a falar:
a) Vocês conhecem alguém que fale de forma semelhante a do personagem
que aparece no vídeo?
b) Alguém que fale como ele pode sofrer algum tipo de preconceito na
sociedade?
c) A forma de falar do personagem é adequada à situação ou é exagerada?
d) O ator Marco Luque aparece nos dois vídeos. Vocês acham que a forma de
fala que ele pessoalmente utiliza se aproxima mais da usada por qual
personagem interpretado por ele? Justifiquem.
* Link alternativo: http://alefogagnoli.blogspot.com/
† Link alternativo: http://alefogagnoli.blogspot.com/
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Assista ao vídeo 3‡ e pense um pouco sobre como Jô Soares e seu
entrevistado, o rapper Gabriel O Pensador (8'16''), utilizam a Língua Portuguesa.
Discuta com os alunos sobre os conhecimentos prévios que eles têm sobre
situações em que se exige o uso da norma-padrão. Por se tratar de um
entrevistado jovem, conhecido do público em geral, certamente os alunos ficarão
interessados em expressar opiniões.
<http://www.youtube.com/watch?v=PX8NAJjGHbs>. Acesso em 21/04/10.
Pode-se seguir o roteiro abaixo:
a) Vocês conhecem a pessoa entrevistada? E o entrevistador?
b) Já assistiram ao programa em que a entrevista foi veiculada?
c) Como aconteceu a entrevista? De maneira formal ou descontraída?
d) A forma como as duas pessoas, entrevistador e entrevistado usaram a
língua é parecida ou diferente? Explique por que isso ocorre.
e) A forma como os dois usam a Língua Portuguesa pode levá-los a alguma
situação de preconceito?
f) Jô Soares e Gabriel O Pensador usam um ―português correto‖? Por quê?
Após as discussões propostas, é o momento de estabelecermos
comparações com relação à linguagem utilizada e às situações de comunicação
demonstradas em cada um dos vídeos. Para isso, pode utilizar as questões
seguintes:
a) Sobre os vídeos 1 e 2, o que você consegue ver em comum entre os
personagens e situações sociais apresentadas?
b) Compare agora os vídeos 1 e 2 como o vídeo 3. O que conseguiu observar
nas situações apresentadas?
c) As pessoas dos vídeos 1 e 2 deveriam falar como as pessoas do vídeo 3?
‡ Link alternativo: http://alefogagnoli.blogspot.com/
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UNIDADE 2
ASPECTOS DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Fonte: http://flog.clickgratis.com.br/jaquemiranda/foto/giria-ou-variacao-linguistica/166490.htm
Todas as línguas existentes no mundo podem ser caracterizadas como um
sistema composto por elementos interdependentes e possui regras para sua
combinação. Mesmo respeitando-se as normas desse sistema, a língua apresenta
variações, pois seu uso varia de época para época, de região para região, de
classe social para classe social, e assim por diante. Nem individualmente pode-se
afirmar que seu uso seja sempre igual, pois conforme a situação, a mesma
pessoa pode utilizá-la de diferentes formas.
Quando nos comunicamos pela fala, deixamos revelar não só nosso
pensamento, mas quem somos, ou seja, nosso nível cultural, social, além de
aspectos de nossa personalidade. Além disso, mostramos nossa visão de mundo,
por isso a forma como usamos a linguagem pode nos abrir ou fechar
oportunidades. Então, quanto mais variedades da língua nós conhecermos, mais
preparados estaremos para nos comunicarmos em qualquer contexto.
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A língua é viva, dinâmica e tem formas variáveis porque a sociedade é
dividida em grupos e o uso de determinada forma serve para inclusão em um
desses grupos, dando uma identidade a seus membros.
Sociolinguística é a ciência que estuda a língua da perspectiva de sua
estreita ligação com a sociedade onde se origina, por isso cabe a ela estudar os
fenômenos das variações linguísticas ou níveis de linguagem, que podem ser
evidenciados em vários aspectos: morfossintático, fonológico (pronúncia,
entonação), e no léxico (vocabulário), nestes dois últimos é que vamos nos ater,
pois são os mais reveladores e mais facilmente perceptíveis no que se refere à
variação.
2.1 Fatores que podem originar variação
linguística
Vários fatores podem ocasionar variações linguísticas:
a) Geográficos: relacionam-
se a diferenças linguísticas
verificadas no espaço físico,
observadas entre pessoas de
regiões diferentes onde se fala a
mesma língua. Por exemplo, as
diferenças entre o falar catarinense
e o falar baiano, o português falado
no Brasil e em Angola, etc.
Fonte: http://img185.imageshack.us/img185/369/folsmalliz2.jpg
19
b) Sociais: referem-se a determinantes que têm a ver com a identidade
dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala,
como: classe social, idade, sexo, profissão e grau de instrução. Esta variante
abrange os jargões profissionais (linguagem dos médicos, dos policiais, de
jogadores de futebol, etc.) e as gírias, que podem ser comuns ou podem
identificar grupos sociais restritos, fechados, de presidiários, por exemplo.
c) Históricos: remetem a fatores de mudança no decorrer do tempo, têm
relação com a mudança no modo de viver, nos costumes, na cultura, tradições e
modernização tecnológica da sociedade. Neste sentido, se estabelece ao menos
dois momentos de uma língua, descrevendo e distinguindo as variantes em
desuso, chamadas arcaísmos. Exemplos:
Ceroula – cueca
Asinha – depressa
Físico – médico
Fremoso – formoso
Entonces – então
Coita – angústia, dor.
Formidável – amedontrador (hoje tem
sentido de ―excelente‖)
d) Estilísticos: têm relação com a adequação do falante em utilizar a
língua em função da situação de comunicação: se está num ambiente familiar,
profissional, o grau de intimidade, o tipo de assunto tratado e quem são seus
interlocutores. A fala e a escrita também envolvem variações da língua, visto que
na modalidade escrita há um planejamento maior, enquanto que na falada há
maior espontaneidade, mas não se deve confundir estilo formal e informal com
língua escrita e língua falada, pois os dois ocorrem em ambas as formas de
comunicação.
Fonte das imagens: http://office.microsoft.com
20
2.2 Norma culta e preconceito linguístico
Há uma variante que tem status privilegiado, é a norma culta, que pode
ser fator de mobilidade social e reflete um índice de cultura a que todos
pretendem chegar. É a variante mais próxima da língua padrão e a variedade de
maior prestígio na sociedade, uma vez que se prende mais às regras da
gramática tradicionalmente considerada normativa, veiculada pela escola; tem
exemplo na linguagem literária e é muito mais conservadora. Os meios de
comunicação que buscam uma imagem de idoneidade, a literatura técnica e a
científica também têm preferência por ela.
No Brasil, as camadas sociais mais abastadas têm mais acesso à escola e
aos bens culturais, por isso, utilizam mais a variante culta, ao contrário das
camadas menos favorecidas que se expressam de acordo com as variações
ligadas à sua realidade cultural. Esse fato leva, muitas vezes, a conceitos de
―certo‖ e ―errado‖, que carregam juízos de valor, levando ao preconceito
linguístico, onde o falante que não domina a norma denominada padrão é
estigmatizado e excluído da esfera dos privilegiados.
De acordo com Bagno (2000, p.40), ―o preconceito linguístico se baseia na
crença de que só existe uma única Língua Portuguesa digna deste nome e que
seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos
dicionários...‖
Então, ninguém comete erro em língua, a não ser em casos de ortografia, o
que se comete são violações da norma culta. Deve-se considerar o momento do
discurso, por exemplo: numa situação íntima, familiar ou entre amigos, é
perfeitamente coerente construções como: “Eu não vi ele hoje”. Já numa
situação neutra, num veículo de comunicação, por exemplo, a forma adequada
seria “Eu não o vi hoje‖; como forma de respeito à norma culta.
ATIVIDADES
A letra de música é um gênero textual que está sempre presente na vida
das pessoas, através de rádio, televisão, Internet, ―baladas‖, CD, etc. Apresenta,
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em algumas ocasiões, além do ritmo, do lúdico e do lirismo, uma visão crítica, um
olhar diferente, uma nova forma de pensar e ver o mundo.
O universo linguístico em que as letras de música se inserem caracteriza-
se por variantes circulantes na sociedade, incluindo as formas mais populares e a
língua mais formal, demonstrando assim a heterogeneidade da Língua
Portuguesa falada no Brasil.
Por ser uma forma de manifestação pessoal, popular traz, muitas vezes,
marcas da oralidade e normalmente está relacionada com o contexto social em
que o compositor vive ou quer criar, o que justifica transgressões da norma culta
verificadas em muitas letras de canções.
1. Leia o trecho a seguir, retirado de uma canção de Seu Jorge:
Tô namorando aquela mina
Mas não sei se ela me namora
Mina maneira do condomínio
Lá do bairro onde eu moro
Seu Jorge. Mina do condomínio. In: http://letras.terra.com.br/seu-jorge/1089752/
a) Identifique no trecho uma variação de pronúncia.
b) Identifique no trecho uma variação linguística típica de alguns grupos de
jovens.
c) Releia este verso: ―Mina maneira do condomínio‖. Que recurso expressivo
torna o trecho mais sonoro? Explique.
2. Leia um trecho da música ―Mama África‖, de Chico César, a seguir:
[...] mama África tem tanto o que fazer
além de cuidar neném
além de fazer denguim
Chico César. “Mama África‖. In: http://letras.terra.com.br/chico-cesar/45197/l
a) Na música, há a utilização de uma variação de pronúncia. Identifique-a e
aponte outra forma de grafar essa mesma palavra.
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3. Observe o fragmento da música ―Inútil‖, do grupo Ultraje a Rigor:
(Vô cantar tudo de novo, ô ?!)
A gente não sabemos
Escolher presidente
A gente não sabemos
Tomar conta da gente
A gente não sabemos
Nem escovar os dente
Tem gringo pensando
Que nóis é indigente...
Inútil!
A gente somos inútil!
Ultraje a Rigor. Inútil. In: http://letras.terra.com.br/ultraje-a-rigor/49189/
O trecho acima faz parte de uma música que foi sucesso na década de 80,
onde o compositor – Roger Moreira – utiliza a língua de uma forma debochada.
a) Nesta música, a língua se aproxima da modalidade falada. Você concorda?
Justifique.
b) Há nesse fragmento uma demonstração de variação sintática, inadequada em
relação ao padrão culto da língua. Aponte essa ocorrência.
c) Como ficaria esse trecho no padrão culto da língua? Ao fazer essa modificação,
a mensagem da música perdeu seu significado? Explique.
d) Você já observou no seu dia a dia essa transgressão da norma culta? Em que
situações isso ocorreu?
e) Pesquise outras letras de música que demonstram tipos diversos de variação.
Os textos humorísticos também são instrumentos eficazes para se observar
aspectos linguísticos. Mais do que provocar riso, levam à compreensão da língua
e seu funcionamento, muitas vezes se valem do fenômeno da variação linguística
para produzir humor.
23
4. Observe a tira abaixo, onde o personagem da esquerda está furioso pelo fato
da filha dele estar de namoro com um homem muito mais velho que ela.
Variação diacrônica Alline Laufer
a) A forma como o namorado fala, reforça o que o pai diz ou o contraria? Por quê?
b) Que tipo de variação linguística foi empregado para produzir humor?
c) Como ficaria a fala do namorado se fosse na gíria jovem?
5. Havia em São Paulo, no passado, uma farmácia muito famosa, chamava-se
―Botica ao Veado de Ouro‖. Hoje o nome indica uma rede de farmácias de
manipulação. ―Botica‖ e ―boticário‖ se usavam antigamente para designar o que
hoje, para nós, é ―farmácia‖ e ―farmacêutico‖. Tente descobrir, na cidade onde
você mora algum estabelecimento comercial antigo e pesquise se ele já foi
conhecido por algum nome que hoje já não se usa mais, como: armazém,
empório, casa de secos e molhados, etc. ou se houve mudança no nome para se
modernizar.
6. O poeta Carlos Drummond de Andrade já provou através de sua obra que tem
o maior carinho com as palavras. Além de poemas, ele escreveu também
crônicas, entre elas o texto ―Antigamente‖, onde recupera muitas palavras e frases
feitas que não estavam mais em uso, sendo consideradas arcaísmos. Localize no
trecho seguinte algumas delas e procure compreendê-las através do contexto ou
pesquise os seus significados.
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ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. (....) ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. (...)
ANTIGAMENTE, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda.(... )
Fonte: http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond07.htm.
Acesso em 21 de julho de 2010.
2.3 Gíria
A gíria é um fenômeno
linguístico específico usado
por um determinado grupo, os
jovens, por exemplo. Ela teve
origem na maneira de falar de
indivíduos de comunidades
marginalizadas, que não
queriam ser entendidos por
quem não pertencesse ao
grupo.
Elas entram e saem da moda de tempos em tempos, sendo passageiras e
muitas acabam caindo em desuso. Usada no momento certo, a gíria é um
elemento da linguagem que denota expressividade e criatividade, desde que
esteja adequada à situação. Essa variação da língua é admitida na modalidade
25
falada, já na escrita se admite seu uso na reprodução da fala de determinado
meio ou época ou em casos especiais de comunicação entre amigos, familiares,
etc.
Fonte: http://www.princesasonline.com.br/wp-content/uploads/2008/08/girias_ff.jpg
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_1UIuyUTozVc/S8PcFHpMOdI/AAAAAAAAAPM/Y4Ibp1E2D5s/s1600/girias+2+a5.jpg
Veja alguns casos de gírias antigas:
À beça – muito.
Bacana – legal.
Barra limpa – fora de perigo.
Bicho – amigo.
Boa pinta – gente boa, elegante,
bonito(a).
Borocoxô – triste.
Bulhufas – nada.
Careta – pessoa conservadora.
Chapa – amigo.
Chato de Galocha – pessoa muito chata.
Dançou – perdeu.
Fichinha – muito fácil.
Grilado – preocupado.
Joia – legal, bonito.
Pão – homem bonito.
26
Patota – turma, galera.
Pela madrugada! - Pelo amor de Deus!
Pra frente – moderno.
Sacou? – entendeu?
Supimpa – bom, legal.
Xispa – cair fora.
Xuxu beleza! – tudo bem!
ATIVIDADES
1. Converse com pessoas mais velhas com as quais você convive e pergunte que
gírias elas usavam quando eram mais jovens e se ainda as utilizam. Faça uma
lista com as palavras que você conseguiu levantar e seus significados.
2. Leia a piadinha:
— E aí, tudo joia?
— Que nada! Metade é roupa...
(autor desconhecido)
a) Em que situação essas frases poderiam ser ditas? Quem as diria? Quem seria
o receptor da mensagem?
b) Que recurso foi utilizado no texto para produzir efeito de humor?
3. Como você já sabe, a linguagem deve estar adequada à circunstância de
comunicação, ao interlocutor e à intencionalidade do usuário da língua, seja ela
oral ou escrita. Abaixo são descritas algumas situações que você irá analisar se
são adequadas ou não, sempre justificando suas conclusões.
a) Texto de um e-mail enviado por uma adolescente a uma amiga:
―E aí, cara?
Vamos no cinema à noite? Me responda logo.
Bj,
Ju‖
b) Texto de um e-mail enviado por uma adolescente a uma professora:
―Professora,
Mando-lhe este e-mail para justificar minha ausência no dia da prova.
Adoeci de repente, mas amanhã estarei de volta na escola e levarei o atestado
27
médico.
Obrigada,
Juliana da Silva‖
c) Fala de um adolescente ao telefone, direcionada a um amigo:
―Boa tarde. Como você está? Gostaria de saber se poderíamos ir ao
cinema no sábado. Divertiríamo-nos muito.‖
d) Fala de um adolescente ao telefone, direcionada à secretaria da escola.
―E aí, mermão, to te ligando pra saber se amanhã vai rolar aula ou não.‖
4. Com certeza, você conhece a Turma da Mônica e a do Chico Bento, criação de
Maurício de Sousa. Recentemente ele lançou também a revista ―Turma da Mônica
Jovem‖, que traz os mesmos personagens, mas agora eles são adolescentes,
vivem na maior capital brasileira – São Paulo – e representam a fala das pessoas
que vivem num ambiente moderno, que valoriza a tecnologia. As histórias
apresentam temas relacionados à fase da vida em que se encontram agora e
ainda têm uma novidade – são escritas no estilo dos mangás japoneses. Observe
em seguida alguns trechos retirados da nova revista.
Fonte: http://www.facef.br/novo/letras/rel/edicao03/Os_Quadrinhos_Linguagem.pdf.
28
a) Destaque das falas dos personagens palavras e expressões que demonstram a
linguagem usada atualmente por eles e explique seus significados.
b) Outro personagem muito conhecido criado por Maurício de Souza é o Chico
Bento, porém ele não aparece nas novas histórias.
Qual seria um motivo para esse fato? Não seria uma forma de preconceito
linguístico?
Como você imagina que seria a vida dele na adolescência? Crie junto com
um colega uma tirinha como esse personagem rural, demonstrando como
ele estaria na mesma fase da ―Turma da Mônica Jovem‖
2.4 Jargão
Fonte das imagens: http://office.microsoft.com
O jargão também pode ser considerado um tipo de gíria, pois faz parte da
linguagem de um grupo específico, mas neste caso, é uma modo de falar de
profissionais da mesma área, como: economistas, médicos, advogados,
jogadores de futebol, etc.
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Você vai ver no texto abaixo gírias comuns e conhecer também muitas
palavras que fazem parte do jargão dos ―barrageiros‖, que são os profissionais
que trabalham na construção de barragens e usinas hidrelétricas. O texto foi
escrito por José Melquíades Ursi, que trabalhou na Usina Hidrelétrica Binacional
de Itaipu, em Foz do Iguaçu, e atualmente mora em Curitiba.
Buchicho de barrageiro
À surdina e com rapidez de um rastilho de pólvora, a rádio-peão dava conta
de que o facão corria solto pelo Tio Nico. A hora não era propícia. Mesmo assim,
Mixaria queria tentar seu fichamento na Firma porque estava matando cachorro a
grito. Faltava-lhe grana até para o chibata que serrava, com cara-de-pau, dos
amigos mais próximos. Como quem não arrisca não petisca, ele desceu ao
Recrutamento, mesmo sabendo que só se ofereciam vagas para severino. Entrou
na fila, puxou a mentirosa do bolso traseiro e amarrou um buchicho com o peão
da frente:
─ Será que vai dar pedal? A história do meu trampo tá aqui no gibi,
30
compadre. Fui meloso. Cheguei a cachimbo em Águas Vermelhas, dei uma dica
pra muito pica-pau novato e, agora, vou ter de me contentar com trampo do
pesado.
Fichado pela janela, Mixaria encostou o galo num canto, deu um plá com o
samango, que lhe prometeu ficar de olho na sua trouxa, botou a cachorrinha nas
costas e tomou o discoteque, encostando-se ao lado do ferrugem, com quem
conversava na fila, ainda há pouco.
E fichou. Na Barreira de Controle, a caminho do Canteiro de Obras, o roda-
presa segurou para a fiscalização. Um marron-glacê entrou pela porta e conferiu
as chapas. Como a inspeção demorasse, disfarçando a voz, um peão gritou lá
atrás:
─ Chega o reio, motoca, senão vai dar sapo por aqui. Tem qualquer
quantidade de barrageiro pintado ali no pedaço.
O discoteque seguiu pelo tapete negro. O motoca engatou uma segunda e
comentou com o pinga-fogo que se sentara no banco da frente:
─ O cabaço ali é pra frente. Assim, logo ele arruma rebosteio e não passa
nem pela experiência na gata, sobretudo se topar com um vaqueiro.
─ É, deve ser um Zé-mané qualquer, sem muita tarimba de barragem. Aqui
o peão tem de ficar veiaco, mesmo porque a boca não tá fácil por aí não. Até a
pintada anda devagar. Além disso, esse cara tá com jeito de nó-cego: muito
buchicho e pouco trampo.
Mixaria ouvia e conversava, de olho na paisagem do Canteiro de Obras,
que via pela primeira vez. Quando o discoteque estacionou na chapeira, ele atirou
a quimba pela janela, quase acertando o barraco azul escuro do entorta-alicate
que passava por ali.
No pátio da chapeira, meia dúzia de pescoços-moles despertaram-lhe a
atenção, porque não os conhecia de outras barragens. Ficava também curioso
para conhecer o marrom-glacê, com letrero da gatona estampado na lataria. A
gata era mesmo uma potência, como lhe haviam batido.
Estacionado, um peninha entrou pela porta do ônibus e avisou que
começaria então uma visita às frentes de produção. Nesse caso, se alguém
precisasse ir até a casa-de-força, poderia fazê-lo nos próximos quinze minutos.
Por volta de dez horas, o discoteque zarpou para o buracão. Passando
31
pelo bom da boca, Mixaria já tinha uma visão das malocas lá embaixo, ao lado da
Barragem. Sobre a Casa-de-Força, os pés-gelados vibraram o barro. Mais tarde,
ficaria sabendo que a maioria deles eram pés-vermelhos, vindos do norte do
Paraná. Viu também centenas de joões-de-barro, operetes, eletrocuteros puxando
aterramentos, engenhos acompanhados de leiteiros, chiruns falando portunhol,
mata-cobras subindo escadas, muitas mãos armando gambiarras. Por fim, tomou
contato com a produção empurrada por homens e equipamentos, desde o jerico
ao pé-de-ferro.
Depois de duas horas, a fome começou a abrir um vazio no estômago dos
cabaços, aumentando quando observaram caminhões descarregando
embalagens de sonrisal. Felizmente, era hora de ir ao bandeco, onde os peões
que saíam davam conta do cardápio que os esperava.
─ O grude de hoje tá joia! Tonico e Tinoco, com brita e relógio de pulso. Na
salada, cabelo de negro e leitoa de rama. Mas bom mesmo são as carnes, tanto o
boi-de-bico, como a granada e o fuçante.
Um chirum, que também saía, esboçou uma reclamação pela falta de
motor-de-arranque e solado de coturno, estranhando também que não tivessem
servido bailarina de sobremesa.
Como Mixaria levantara muito cedo, a fome, acumulada por tantas horas,
fez com que pedisse repeteco, embora o raizero de sua terra de origem sempre
lhe aconselhasse comer menos porque apresentava excesso de peso.
À tarde, a integração dos novatos completou-se com a projeção de ―slides‖
sobre a Obra e sua infraestrutura. Exausto pela tensão natural de seu primeiro dia
como empregado, Mixaria nem pegou o cai-duro das dezenove horas. Foi direto
ao barraco para, depois de um banho frio, subir ao puleiro e descansar o cadáver.
Dia após dia de trampo pesado, completou seu primeiro mês de gata,
trabalhando direitinho, sem voar, pra não descadeirar a gata. Próximo ao
fechamento do mês, conferiu seu manjado, certo de que o mão-pelada puxara
suas horas de trabalho corretamente. Assim, no dia do pagode, deixou logo cedo
o barraco em direção ao posto 2, porque sabia que marcolino cozinha miolos na
fila, debaixo do sol maluco de Foz do Iguaçu. Recebeu e contou.
─ É, o minguado tá gorduchinho. Vai ter festança no Pé Inchado ─,
comentou com o companheiro de barraco que viera com ele.
32
À noitinha, espremeu bom cheiro de ―spray‖ nas axilas, deitou o cabelo e
saiu na fumaça para a boca. Saltou do discoteque direto para o balcão. Pediu mé
já de olho na mina. Aproximou-se e deu um recado adocicado:
─ Morena linda, valeu à pena ter trampado no pesado. Essa noite você
será meu consolo.
Nem bem completara o plá, sentiu o ferro frio de um berro num dos
ossinhos de sua coluna dorsal. Com um rabo-de-olho flagrou a figura enorme de
um moreno cabo-aéreo e troncudo que lhe assoprava uma ameaça ao pé do
ouvido
─ Fica frio, barrageiro! Mas essa mina aí ninguém toca, não! Amanhã tu
pede a quita e morde a boca, porque se tua fuça pintar mais uma vez por estas
bandas, taco essas seis azeitonas em sua caixa-de-catarro.
Mais uma vez acabara seu sossego. Seria melhor aceitar o conselho. No
outro dia, Mixaria pediu a quita e correu o trecho. Ninguém nunca mais o viu pelos
lados da barragem. Deixou apenas uma lembrança: por desprezo ao pistoleiro,
seus amigos barrageiros passaram a chamar aquela mina de Mixaria.
José M. Ursi. Buchicho de barrageiro. In: Pedaços de emoções. São Paulo: Loyola, 1987.
Vocabulário da gíria barrageira:
Aí anda: assim está certo; tudo bem.
Azeitona: bala de revólver.
Baba-ovo: bajulador do chefe; puxa-saco.
Bailarina: gelatina.
Banda: local, lugar.
Bandeco: refeição servida em bandeja; bandeja.
Barraco: quarto do alojamento; capacete.
Barrageiro: trabalhador em barragens.
Barro: concreto.
Bater: informar; contar.
Berro: revólver.
Boca: zona de meretrício; situação; oportunidade; vaga.
Boi-de-bico: frango.
Bom da boca: britador, chefe com autoridade real.
Brita: carne moída.
Buchicho: conversa; bate-papo.
Buracão: canal de desvio do rio, em barragens; escavação de grandes proporções.
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Cabaço: empregado novato; inexperiente; recém-contratado.
Cabelo de negro: repolho.
Cabo-aéreo: pessoa muito alta.
Cachorrinha: mala pequena que o trabalhador leva nas costas.
Cai-duro: refeição.
Caixa-de-catarro: peito.
Cara-de-pau: sujeito entrão, atrevido.
Casa-de-força: latrina, privada.
Chapa: crachá; número de identificação do empregado numa empresa.
Chapeira: local onde se registra o ponto.
Chega o reio: vá em frente; pegue firme; pode começar.
Chibata: cigarro.
Chirá: amigo paraguaio, companheiro.
Chirum: amigo paraguaio; companheiro.
Correr o trecho: ir de um lugar a outro à procura de emprego; deixar a empresa em que trabalha.
Dar pedal: dar certo.
Deitar o cabelo: deixar um lugar rapidamente; ir embora.
Devagar: sem interesse; sem impulso, sem entusiasmo.
Dica: informação, explicação.
Discoteque: ônibus sem bancos, utilizado no transporte de passageiros, onde as pessoas se equilibram
segurando-se em barras de ferro.
Eletrocutero: eletricista.
Engenho: engenheiro.
Entorta-alicate: eletricista.
Facão: demissão de empregados; referência à redução de pessoal.
Ferrugem: armador de ferragens.
Ficar veiaco: advertência para que o indivíduo tome precauções contra situações desagradáveis; tomar
cuidado.
Fichado pela janela: fichar mal; empregar-se num cargo abaixo das próprias
Fichar: empregar-se com registro em empresa.
Fuça: rosto, face, cara.
Fuçante: porco.
Galo: mala grande onde o peão carrega seus pertences.
Gambiarra: improvisação para superar uma dificuldade no serviço; viração; quebra-galho.
Gata: empresa, firma.
Gatona: UNICON, grande empresa na construção civil.
Gibi: carteira profissional.
Granada: almôndega.
Grude: comida; refeição.
Jerico: trator agrícola.
Joia: bom; legal; formidável; bonito.
João-de-barro: pedreiro.
Leiteiro: bajulador; puxa-saco.
Leitoa-de-rama: abóbora.
34
Letreiro: logotipo.
Macarrão: fio de telefone.
Maloca: pequenos escritórios de madeira, à margem da Barragem, junto às frentes de serviço.
Manjado: cartão-de-ponto.
Mão-pelada: apontador; dedo-duro.
Marcolino: pessoa desatenta, imprevidente; que marca bobeira.
Marron-glacê: guarda de segurança da Itaipu; ônibus nas cores marrom e bege.
Mata-cachorro: guarda; policial.
Mata-cobra: auxiliar de topografia; qualquer empregado da topografia.
Matando cachorro a grito: passar por dificuldades financeiras.
Mé: qualquer bebida alcoólica.
Mentirosa: carteira profissional.
Mina: mulher; menina-moça; namorada.
Minguado: pagamento; salário.
Morder a boca: sair da firma.
Motoca: motorista.
Motor-de-arranque: mandioca.
Na fumaça: com rapidez, com pressa.
Nó-cego: empregado desleixado no serviço; trabalhador relapso.
Operete: operador de máquinas.
Pagode: pagamento; salário.
Pé Inchado: Zona de meretrício, nas proximidades do Canteiro de Obras.
Pedaço: local; lugar.
Pé-de-ferro: trator de esteira.
Peninha: empregado que trabalha na administração; administrativo.
Pescoço-mole: caminhão papa-fila, cujo cavalo é independente do reboque, utilizado no transporte de
operários.
Pé-vermelho: natural do Estado do Paraná.
Pica-pau: carpinteiro.
Pinga-fogo: soldador, maçariqueiro.
Pintada: bolsa (página) de empregados de ―A Gazeta Esportiva‖ de S. Paulo.
Plá: conversa, recado, informação.
Portunhol: língua falada na fronteira, mistura entre o português e o Espanhol.
Pra-frente: peão entrão; intrometido; ousado.
Puleiro: beliche.
Qualquer quantidade: bastante; muito; porção considerável.
Quimba: resto de cigarro; ponta de cigarro; bituca.
Quita: demissão de empregado.
Rabo-de-olho: olhar pelos cantos dos olhos; olhar de soslaio.
Rádio-peão: fonte de comunicações gerada espontaneamente entre os barrageiros para passar informações
de interesse coletivo.
Raizero: médico.
Rebosteio: confusão, tumulto.
Relógio-de-pulso: relógio de pulso.
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Repeteco: repetição.
Roda-presa: motorista lerdo; aquele que dirige em baixa velocidade.
Samango: guarda, soldado.
Sapo: penetra de transporte coletivo.
Severino: ajudante de serviços gerais.
Solado de coturno: bife passado na chapa quente.
Sonrisal: marmitex; marmita térmica para servir refeições.
Tapete preto: rua ou estrada asfaltada.
Tarimba: aquele que tem larga experiência, grande prática.
Tio Nico: UNICON, empresa de construção civil em Itaipu.
Tonico e Tinoco: Arroz e feijão.
Topar: encarar de frente.
Trampo: serviço, trabalho.
Trouxa: pertences de uma pessoa; boboca.
Vaqueiro: feitor exigente, rude.
Zé-mané: denominação pejorativa; zé-ninguém;
Zé orêia: denominação pejorativa; zé-ninguém.
José M. Ursi. Buchicho de barrageiro. In: Pedaços de emoções. São Paulo: Loyola, 1987.
ATIVIDADES
1. Faça uma leitura do texto procurando imaginar a situação narrada e transporte-
se para o interior da narrativa. Provavelmente você terá dificuldades para
compreender muitos trechos por desconhecer a linguagem do grupo que é
retratado no texto.
a) Leia novamente sublinhando e relacionando todas as palavras que você não
conhece e tente, pelo contexto, entender o que é contado.
b) As palavras cujo significado continue ignorado por toda a classe deverão ser
consultadas no vocabulário.
c) É possível perceber que o autor do texto teve a preocupação de contar uma
situação comum no espaço focalizado na narrativa, entretanto buscou
principalmente evidenciar a linguagem usada por aquele grupo de profissionais.
Agora você vai reescrever a história, utilizando uma variação mais formal, mais
próxima da norma culta, possibilitando assim a leitura e o entendimento a
qualquer pessoa.
d) Alguns textos escolhidos, depois de corrigidos, poderão ser encenados.
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2.5 Regionalismos
Durante e após a construção da Usina de Itaipu, observou-se a ocorrência
de outras variações linguísticas – os regionalismos – ocasionados pelo intenso
movimento migratório de trabalhadores vindos de todas as regiões do Brasil, onde
conviveram também operários paraguaios.
Essa enorme integração de pessoas propiciou uma ―miscelânea‖
linguística, fazendo com que houvesse ainda o contato do Espanhol com a Língua
Portuguesa, resultando no uso do Portunhol. Esses fatos linguísticos são
percebidos nos sotaques, na pronúncia, na variedade de vocábulos e na
construção de frases. Fenômenos como esses é que dão um ―sabor especial‖ a
nossa língua e servem como marca registrada de cada cultura local, refletindo as
influências históricas, étnicas e culturais.
1. A partir de agora, você aluno, será um linguista, ou seja, um pesquisador que
quer descobrir como a língua funciona através de dados que você vai coletar.
Siga o roteiro abaixo:
Forme grupo com mais três ou quatro colegas, vocês vão precisar de um
gravador de voz, que pode ser um aparelho de mp3 ou um telefone celular.
Em grupos ou ainda individualmente, pesquise na Internet palavras e
expressões que sejam características da forma de falar de outras regiões
do país.
Elabore algumas questões para uma entrevista. A pessoa entrevistada
pode ser alguém do bairro onde vocês residem, da escola, um amigo, um
familiar, etc.
Pense numa situação em que a pessoa entrevistada sinta-se à vontade,
solta, ―relaxada na fala‖, por exemplo, peça a ela para falar sobre um
momento da vida escolar ou uma situação engraçada que tenha vivenciado
em família.
De posse do material gravado, analisem a linguagem empregada no
sentido de verificar: se é formal ou informal, se aparecem variações
regionais, gírias, jargões profissionais e registrem todas as informações
37
colhidas por escrito.
Após todo esse trabalho, cada grupo irá expor para os demais os
resultados de sua pesquisa.
Há regionalismos que, algumas vezes, são utilizados em textos
humorísticos, não no sentido de se depreciar o falante dessa variedade, mas
como uma forma de ―brincar‖ com a língua. Exemplo disso é a ―tradução‖ de
nomes de filmes conhecidos, se esta fosse feita por um baiano. Veja:
Uma linda mulher – A nega é toda boa.
O paizão – O grande painho.
Taxi Driver – O taquiceiro.
O Senhor dos anéis – O coroa dos balangandan.
Mamma Mia! - Ó pai ó!
O chamado – Venha cá, véi.
À beira da loucura – Tu tá doido é muito.
Corra que a polícia vem aí – Se pique que os homi tão descendo.
2. Agora é a sua vez. Usando a criatividade, escolha alguns nomes de filme e
procure reescrevê-los usando termos regionais da linguagem utilizada em outros
locais brasileiros.
2.6 Estrangeirismos
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A Língua Portuguesa no Brasil foi influenciada desde a própria invasão
portuguesa a partir de 1500, quando as línguas faladas pelos nativos, entre elas o
Tupi e o Guarani, foram de certa forma, devastadas pelos colonizadores, mas
também contribuíram com o léxico brasileiro. A chegada dos escravos, as
invasões e dominações deixaram também marcas na língua falada no Brasil. E os
imigrantes, a partir do séc. XVII trouxeram muitos vocábulos, que até hoje
cooperam para manter diferenças regionais.
Não há como negar a presença de outros idiomas no nosso dia a dia, são
os estrangeirismos – palavras ou expressões de outras línguas, empregadas por
nós – fazendo com que nossa língua seja cosmopolita, como nosso país, e se
acomode aos usos estrangeiros.
O sistema lexical vai sendo enriquecido com novas palavras, que são
resultantes da criatividade linguística do falante, acompanhando assim, a
evolução humana. O usuário da língua vai percebendo os arcaísmos – termos
que estão ficando ultrapassados – e os neologismos, elementos de criação
recente, além dos estrangeirismos, palavras em língua estrangeira que começam
a ser adotadas e, uma vez adaptadas ao nosso idioma, são caracterizadas como
empréstimos linguísticos.
O empréstimo linguístico ocorre quando utilizamos uma palavra com um
traço linguístico de outra língua, que não existia anteriormente na nossa. Isso
aconteceu, por exemplo, com a palavra stress, que acabou sofrendo adaptações
e hoje grafamos estresse.
Pode-se citar como exemplo de estrangeirismo a palavra iceberg, que não
tem outra que possa substituí-la, nem sofreu qualquer tipo de mudança. Observe
como a questão do estrangeirismo é abordada nos quadrinhos da Mafalda:
39
Fonte: http://pirosfera.files.wordpress.com/2009/07/mafalda-estrangeirismo.jpg
As palavras estrangeiras geralmente passam por um processo de
aportuguesamento fonológico (som) e gráfico (escrita). A Academia Brasileira de
Letras, responsável pelo Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa, tem a
função de aportuguesar essas palavras.
As pessoas, em geral, estão tão acostumadas com a presença dos
estrangeirismos na língua que, muitas vezes, desconhecem que uma série de
palavras tem sua origem em outros idiomas. Esse fenômeno se percebe nos
espaços da ciência, da tecnologia, da diplomacia, da publicidade, da moda e da
informática.
Veja a relação abaixo com exemplos de vocábulos que foram
aportuguesados, com sua origem e significado:
Palavra Origem Significado
Abajur Do francês abat-jour
Luminária de mesa
Ateliê Do francês atelier
Oficina de artesãos
Basquetebol Do inglês basket ball
Esporte cujo objetivo é fazer com que uma bola de couro entre numa cesta.
Bife Do inglês beef Fatia de carne
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Bói Do inglês boy Garoto de recado, contínuo.
CD Do inglês compact disc (sigla)
Disco usado para armazenamento digital de áudio ou dados.
Maquiagem Do francês maquillage
Conjunto de produtos cosméticos usados para maquiar-se.
Nas regiões de fronteira, devido ao contato e à integração de dois
territórios num mesmo espaço, há uma influência nos fazeres e dizeres do
homem local, que se verifica na mídia, nas falas, nos textos, nas manifestações
culturais, esportivas, econômicas e políticas, entre outras.
No que se refere à língua, no dia a dia, as pessoas que moram nessas
regiões adotam possibilidades de comunicação considerando o seu idioma e o
idioma do país vizinho. As fronteiras nacionais se abrem para aceitar a forma de
falar do outro, adotar termos do idioma do outro, misturados a sua língua materna,
e até mesclar os dois idiomas para poder representar uma situação típica da
região, sem necessariamente criar outra língua.
Na região de Foz do Iguaçu, tríplice fronteira: Brasil, Paraguai e Argentina,
esse fenômeno linguístico é muito evidente, a proximidade da Língua Portuguesa
com o Espanhol resulta no uso do Portunhol, que ainda não é uma língua. Isso
leva o falante a acreditar que as semelhanças entre os idiomas sejam maiores
que as diferenças, o que pode levar a alguns equívocos. Veja alguns exemplos:
Espanhol Português
Apellido Sobrenome
Apurado Apressado
Asignatura Disciplina, matéria
Berro Agrião
Brinco Salto
Contestar Responder
Escoba Vassoura
Escritório Escrivaninha
Pluma caneta
41
Agora observe o uso do Portunhol numa situação engraçada:
ATIVIDADES
1. Como você viu, muitas palavras que usamos tiveram origem no francês e no
inglês. Pesquise exemplos que vieram de outros idiomas.
2. Pense e discuta com seus colegas:
a) Quando se faz empréstimos de outra língua, eles trazem consigo uma parte da
cultura em que estavam inseridos?
b) Seria mesmo imprescindível o uso de estrangeirismos?
3. Leia as frases abaixo e descreva com suas palavras o que cada estrangeirismo
significa:
a) Eu fui ao shopping e comprei roupas e sapatos.
b) Digitei meu trabalho errado! Tive que apertar o botão delete!
42
c) Estou com fome, acho que vou comer um hot dog!
d) Queria ligar o meu rádio novo e não encontrei o botão on.
4. Em 1999, o então deputado Aldo Rebelo, criou o projeto de lei n.º 1676/99, com
o objetivo defender, proteger e promover a Língua Portuguesa no Brasil, ele
justificou sua intenção dizendo que assistimos nos dias de hoje uma verdadeira
―descaracterização da língua brasileira. Com isso, ele pretendia banir o uso de
palavras estrangeiras em anúncios publicitários, meios de comunicação,
documentos oficiais, letreiros de lojas e restaurantes. Imagine quantas dessas
palavras são usadas em nomes de lojas e na mídia em geral.
a) Faça um levantamento de estrangeirismos que você encontra no dia a dia, na
televisão, jornais, revistas, propagandas e pense na pronúncia dessas palavras.
Você pode também coletar material fotográfico com exemplos que você encontrar
no bairro onde mora e nos lugares por onde você passa.
b) Separe os vocábulos por grupos, por exemplo: tecnologia, alimentação, lojas,
informática, moda, economia, etc.
c) Dos exemplos que você levantou na pesquisa, separe os que se referem ao
contato da nossa língua com o Espanhol.
5. Formule frases semelhantes às da atividade 3 com exemplos que você
encontrou na sua pesquisa.
2.7 Neologismos
A globalização e o avanço da tecnologia têm causado o surgimento de
palavras novas, esse é um processo natural e representa uma necessidade
social, pois a vida moderna exige ―o novo‖, já que tudo está continuamente se
transformando. Os neologismos – palavras novas – são resultantes das
necessidades do homem contemporâneo, que está sempre em busca de
novidades.
Esse processo pode ocorrer de duas maneiras: quando a palavra tem
43
origem em outro idioma, que são os estrangeirismos e os empréstimos
linguísticos ou quando se forma uma palavra a partir da própria língua, como
azular (fugir), pistolão (proteção), aeromoça, telespectador, etc.
ATIVIDADES
1. Leia o trecho de um texto que dá instruções sobre como cuidar de gatos.
Depois responda às questões propostas.
Gaticure
Não é preciso recorrer à cruel cirurgia de retirada das unhas —
já proibida em vários países — para evitar arranhões do seu gato.
Basta submetê-lo, a cada 15 dias, a uma sessão de ―manicure‖. [...]
Revista Claudia, abr. 2008
a) O termo gaticure representa um neologismo. O que significa gaticure?
b) Por que, no corpo do texto, a palavra manicure aparece entre aspas?
c) A utilização do neologismo caracteriza a linguagem do texto como formal ou
informal? Justifique sua resposta.
2. Após as reflexões sobre diversas situações de uso da língua e dos dados
pesquisados por você, aluno, certamente você conheceu um pouco mais sobre o
funcionamento da Língua Portuguesa e como adequá-la nas mais diversas
circunstâncias de comunicação. Sua tarefa agora é coletar material escrito que
circulam no seu meio social como textos literários, jornalísticos (de jornais e
revistas), publicitários, blogs, e-mails e ―msn‖. Analisem em grupo as variações
presentes e quais fatores influenciam as variações percebidas.
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3. Como atividade final e avaliativa, resultante dos questionamentos realizados e
conhecimentos adquiridos, reunido com seu grupo, produzam um vídeo com os
recursos de um aparelho celular, por exemplo, simulando situações diferentes de
uso da linguagem, procurando demonstrar diferentes atores sociais, como policial,
dona de casa, médico, jogador de futebol, pessoas de diversas regiões do país,
etc.
Seguem alguns critérios que você deverá observar para desenvolver a atividade:
a) Criatividade na produção do vídeo;
b) Coerência com relação aos papéis sociais escolhidos e suas formas de
utilizar a língua;
c) Utilização a norma culta da língua oral em contextos em que ela se faz
necessária.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de aspectos teóricos e das atividades aqui trabalhadas podemos
verificar que muitos fatores sociolinguísticos variacionistas contribuem para a
formação da diversidade existente no Brasil, alguns deles especialmente na
tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu.
Espero que através do trabalho aqui proposto, nós, professores de Língua
Portuguesa, possamos ampliar nosso ponto de vista com relação à linguagem e
suas variações, percebendo que os estudos de natureza sociolinguística podem
contribuir e muito com a escola, numa perspectiva mais humana e menos
estigmatizante.
Este caderno não traz receitas prontas nem as respostas para todas as
nossas dúvidas sobre os fenômenos da variação e da mudança linguísticas, mas
aponta um caminho para se trabalhar com este assunto em sala de aula no
sentido de não privar o aluno de ter um conhecimento amplo das diversas formas
de usar a Língua Portuguesa, oferecendo recursos para melhorar sua
competência comunicativa.
Na verdade, é um estímulo e um auxílio para o constante trabalho do
educador de língua materna que, como diz Bagno (2007, p. 78), ―reconhece que a
escola é o lugar de interseção inevitável entre o saber erudito-científico e o senso
comum e que isso deve ser empregado em favor do/a estudante e da formação
de sua cidadania‖.
Então, colegas, bom trabalho!!
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