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Dazinimigas às azamigas: sororidade como transformação do imaginário sobre o
feminino na experiência das Madalenas Teatro das Oprimidas1
Patricia da Gloria F. GOMES2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
Resumo
O presente artigo parte do ‘mito da inimizade feminina’ para investigar porque ainda hoje
tal ideia persiste e continua a fazer parte da construção da identidade cultural e do
imaginário sobre o feminino e em que medida a sororidade, termo bastante em voga nos
debates feministas e de gênero, consegue ultrapassar o mito e ser incorporado por grupos e
indivíduos, contribuindo para combater o estigma feminino que, entre outros, desvaloriza a
mulher e lhe atribui a incapacidade de fazer aliança com outras mulheres. Para tal, adota-se
como objeto de pesquisa o I Festival Internacional Madalenas, realizado em setembro de
2015, na Argentina, que contou com grupos de Madalenas Teatro das Oprimidas, de várias
regiões do Brasil e diversos países.
Palavras-chave: Sororidade; Imaginário; Identidade cultural; Madalenas Teatro das
Oprimidas.
Introdução
“Amizade entre mulheres não existe”, “Mulher trabalhando junta não presta”. Quem nunca
ouviu essas frases, ditas muitas vezes em tom de brincadeira e adornadas por risos de
homens e de mulheres? E igualmente é dito, adotando ainda a linha de raciocínio do senso
comum, que “toda brincadeira tem um fundo de verdade”. E é na junção dos sentidos dessas
frases corriqueiras que se fortalece a ideia de um mito da inimizade feminina.
Tomando emprestada a compreensão de que o mito é “uma narração relativa à
origem de tudo o que pode preocupar-nos, atemorizar-nos ou surpreender-nos” (RICOEUR,
1993), não é de se estranhar que, com essa força de ideia originária, ele passe de geração
em geração e torne mais forte seus contornos de características de práticas sociais e de
identidade.
Mas se a identificação da data de origem de tal mito é imprecisa3 (mas é possível
encontrar traços dessa ideia em mitos como o da Medusa ou Hera), atualmente livros,
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Imagem e Imaginário, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ-RJ, email: [email protected].
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programas de televisão, filmes e músicas, podem ser preciosas fontes primárias de
exemplos de sua perenidade. De versos de letra de funk da Valeska Popozuda, como “Às
inimigas, vida longa”, passando por títulos ‘blockbuster’, como “Noivas em Guerra” (2009)
ou “Você de novo” (2010), entre outros produtos da indústria cultural; a propalada
inimizade feminina vai sendo afirmada e reafirmada.
Contudo, se é verdade que tal mito é reforçado, também o é que há toda uma sorte
de outras experiências sociais que vão concomitantemente demonstrar exatamente o
contrário. Isto é, seria ingenuidade (para não falar em superficialidade de análise) negar o
fato de que há amizade entre as mulheres. E, assim como o mito, nada disto é recente. Há
relatos de experiências desta dimensão desde a Idade Antiga, como nos rituais da Adonia e
Tesmosforia (LE GOFF & TRUONG, 2012). Mas ao que parece nada disso foi suficiente
para derrubar a ideia-força do mito.
O interesse deste artigo parte do mito da inimizade feminina para indagar porque ele
ainda segue sendo reforçado no imaginário? Ainda mais se ele for compreendido como uma
característica atribuída ao feminino, funcionando como mais um elemento de
desvalorização, depreciação e opressão da mulher. Instiga igualmente a pergunta de que
maneira mitos como este contribuem na construção de identidades culturais e nas práticas
sociais?
Adota-se o I Festival Internacional Madalenas, realizado de 15 a 20 de setembro de
2015, em Puerto Madryn (Argentina), como objeto de análise buscando investigar em que
medida é possível promover uma aliança entre as mulheres, rompendo com o imaginário de
uma inimizade feminina. A hipótese levada na mala era a de que o encontro se daria muito
mais por conta de trocas de experiências técnicas – em virtude da utilização em comum da
metodologia teatral do Teatro do Oprimido – do que da necessidade de construir laços de
solidariedade, de afeto. Serão adotados como referenciais teóricos o conceito de estigma
cunhado por Ervin Goffman, Identidade cultural, na perspectiva de Stuart Hall; o de
Imaginário, compreendendo-o como algo constituinte e presente através das culturas e
grupos sociais; e o de sororidade. Para a análise, parte-se da etnografia como metodologia
de pesquisa, na perspectiva de Canclini (2009) de que para se coletar dados é preciso ir a
campo e finca-se o pé nos Estudos Culturais, como um campo que acolheu as teorias
feministas, sendo, inclusive, modificado por elas, como destaca Escosteguy:
3 É verdade que não há registros da evidência de um mito histórico especificamente sobre a inimizade entre mulheres,
como no caso do Mito de Narciso ou da Caverna. Entretanto, as disputas entre mulheres muitas vezes estão presentes
como ações secundárias dentro de mitos principais, como é o caso de Medusa e Atenas dentro do mito de Perseu.
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Hall aponta o feminismo como uma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma
prática acumulada em Estudos Culturais, reorganizando sua agenda em termos bem
concretos. Desta forma, destaca sua influência nos seguintes aspectos: a abertura
para o entendimento do âmbito pessoal como político e suas consequências na
construção do objeto de estudo dos Estudos Culturais; a expansão da noção de
poder, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido apenas trabalhada no espaço
da esfera pública; a centralidade das questões de gênero e sexualidade para a
compreensão da própria categoria de ‘poder’; a inclusão de questões em torno do
subjetivo e do sujeito e, por último, a ‘reabertura’ da fronteira entre teoria social e
teoria do inconsciente – psicanálise (ESCOSTEGUY, 2001, p.162).
O que também reforça e respalda a relevância de pesquisas sobre as teorias
feministas para o campo da Comunicação.
1 – Azinimigas
A História não segue um curso retilíneo ou mesmo imutável. É possível afirmar que no caso
do Brasil há um oceano de distância entre o período colonial e o atual, que vai desde a
arquitetura das residências até a utilização dos pronomes de tratamento. Tais mudanças não
são instruções alheias ao dia-a-dia da sociedade, mas promovidas pelo próprio ser humano,
único ser vivente capaz de registrar e narrar a História, e integram e constituem o caldo de
cultura em que ele está imerso. Como pontua Laraia: “tudo o que o homem faz, aprendeu
com os seus semelhantes e não decorre de imposições originadas fora da cultura”
(LARAIA, 1986, p.51)
Neste contexto, e a partir da compreensão do mito como uma forma de narrativa,
como sugere Ricoeur, é possível perceber igualmente sua importância como função
educadora, com o intuito de “revelar modelos e fornecer uma significação ao mundo e à
existência humana” (ALMEIDA, 1998, p.63). Isto é, uma espécie de ‘manual de práticas e
costumes sociais’, mostrando o que pode ou não ser aceitável, indicando inclusive punições
a quem escolhesse o ‘caminho errado’. Passados de geração em geração, os mitos
contribuíram para dar sentido ao mundo e organizar os indivíduos, atribuindo a estes
identidades e papéis sociais.
Mas, como a História, as narrativas, e, por conseguinte, os mitos, não são imutáveis,
sofrem mudanças e ganham novas vestes ou usos, conforme a sociedade vai se
transformando. E o interesse deste artigo recai justamente nos elementos culturais que
perpassam as marcas temporais. E, ao que parece, o mito da inimizade feminina segue com
fôlego. Mas por que ele persiste?
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Uma das célebres frases de Simone de Beauvoir é que mulher não nasce mulher,
torna-se (BEAUVOIR, 1970, p.172). E a construção da identidade feminina se daria como
qualquer outra, a partir dos elementos e práticas culturais existentes na sociedade. No
entanto, é preciso ter em mente que “toda a história das mulheres foi feita pelos homens”
(BEAUVOIR, 1970, p.167). Assim, os ingredientes para que a mulher ‘se torne’ foram
escolhidos e postos pelos homens.
Evidente, que nos dias atuais já há exemplos de muitas mulheres, grupos de
mulheres, entre outros, que escrevem e contam sua própria história. Porém, ainda assim e
precisamente porque muitos traços permanecem, não anula o processo histórico secular,
onde o ‘ser mulher’, suas características e os papéis sociais atribuídos eram formulados a
partir da perspectiva masculina. Esta dava ao feminino e tudo o que lhe cercava valores
negativos, de menos-valia, pois a identidade da mulher foi cunhada em oposição ao homem
e seus atributos, estes sim positivados.
Nada disso surpreende, uma vez que o poder político – no que diz respeito às
sociedades ocidentais, pelo menos – sempre teve supremacia masculina e seriam eles a
ditarem as regras. Como pontua Hall: “As identidades, portanto, são constituídas no interior
das relações de poder. Toda identidade é fundada sobre uma exclusão e, nesse sentido, é
‘um efeito do poder’” (HALL, 2013, p.95). Assim se a questão da amizade entre os homens
é tida em alta conta e alardeada em mitos, versos e prosas; esta característica faltaria à
mulher, ela seria incapaz de deter tal predicado. Ou como indicou Beauvoir: "A fêmea é
fêmea em virtude de certa carência de qualidades" (BEAUVOIR, 1970, p.10). Em certa
medida, não parece incoerente pensar a aproximação das características do ‘ser mulher’
com o conceito de estigma de Erving Goffman, o qual
será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é
preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo
que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não
é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso (GOFFMAN, 1988, p.13).
Dos três tipos de estigma analisados, ainda pelo autor, o que mais se relaciona à
construção de um imaginário sobre a mulher seria o segundo, o das
culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou
não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir
de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo,
homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político
radical (GOFFMAN, 1988, p.14).
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O mito da inimizade feminina seria, desta forma, um atributo junto a tantos outros
que estigmatizaria a mulher, indicando um defeito de caráter, uma incapacidade. A
identidade feminina, construída em relação à do homem, foi ganhando concretude a partir
da construção de teorias e narrativas de filósofos, médicos, teólogos e até Santos cristãos,
que produziram discursos auxiliando na construção do imaginário sobre o feminino como
inferior, o que pode-se perceber na questão do calor corporal, na antiguidade, como indica
Sennett:
A compreensão antiga sobre o calor do corpo levou a crenças a respeito da vergonha
e da honra. O registro médico, passando de fêmea, fria, passiva e frágil, para macho,
quente, forte e participante, formava uma escala de valores; tratava os machos como
superiores às fêmeas, embora fossem da mesma matéria (SENNETT, 2008, p .44).
Com o respaldo do religioso ao científico, a narrativa que apresentava a mulher
como algo secundário, inferior e repleto de deficiência foi sendo incorporada pelos
indivíduos como um fato dado, uma verdade e passou a integrar o tecido social, as relações
e práticas sociais, como destaca Laraia:
A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos
condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que
agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos
o comportamento desviante (LARAIA, 1986. p. 68).
Sim, isso ocorre e pode ser um dos fatores para a presença do mito da inimizade
feminina até os dias atuais, pois é constituinte do imaginário partilhado, isto é “‘a matéria
subterrânea das coisas’, que assegura a coerência secreta do natural e do cultural, do espaço
social e do sentimento estético” (LEGROS et al, 2014, p.101). Contudo, cabe ressaltar que
isso não significa dizer, que nunca houve resistência, transgressões ou práticas dissidentes
ao status quo. Pelo contrário, este trabalho parte da teoria da sociedade intercultural
(HALL, 2013), onde para além do discurso dominante havia (e há) toda uma sorte de outros
discursos, incluindo os que situavam a mulher em um espaço de protagonismo, que
dialogam neste imenso caldo cultural que é a sociedade. Mas não se pode, igualmente,
negar que o peso da herança cultural, reforçada por diversos dispositivos (como programas
de TV, música, novelas, livros, revistas, discursos religiosos ou políticos etc.), é um dos
fatores para a manutenção do mito da inimizade feminina.
Desta forma, sendo colocadas em uma posição social abaixo dos homens, as
mulheres e as formas de conhecimento do feminino, foram postas na invisibilidade,
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desmerecidas. E se a sociedade adotava esse imaginário atribuído à mulher, ela própria foi
incorporando o papel social no qual ela não poderia ser protagonista.
2 – Azamigas4
Se o esperado ainda hoje, dentro do estigma feminino, é que mulheres não desenvolvam
relações de amizade, pois competem entre si, qualquer coisa que fuja a isso tende a ser
depreciado. Isto porque, “toda relação entre os homens faz nascer em um uma imagem do
outro” (SIMMEL, 1991, p.10 apud LEGROS et al, 2014, p.70). O problema é que as
imagens não são vazias, elas vêm com uma carga inicial de ‘imaginário’, da herança
cultural. Não raro, mulheres que se reúnem, seja para um bate-papo corriqueiro ou discutir
sobre mudanças nas políticas de gênero, são tratadas como ‘fofoqueiras’ e ouvem frases
como “Mulher só se junta para falar mal da outra”, “Devem estar tramando para pegar um
cara rico”; ou têm sua militância ridicularizada como: “Se tivesse um tanque de roupa para
lavar não tinha tempo para ficar de mimimi”, “Isso é falta de homem”, etc. Comentários
deste tipo não fazem distinção de gênero ou ideologia política do emissor.
E justamente por isso, o I Festival Internacional Madalenas: Teatro das Oprimidas,
realizado de 15 a 20 de setembro de 2015, em Puerto Madryn (Argentina), despertou o
interesse de análise para este artigo. Por que mulheres de vários países teriam interesse em
se reunir? Quais fatores motivariam esse encontro? A hipótese levada na bagagem foi a de
que o interesse era por serem praticantes do Teatro do Oprimido e desejarem um lugar para
troca de experiências sobre a técnica. Contudo, a partir da pesquisa participante, pode-se
perceber que essa hipótese foi ganhando a companhia de outros motivos, para além da
técnica teatral, como a necessidade de uma tomada de decisão política dentro do
movimento internacional de Teatro do Oprimido e também de socialidade, como indica
Fernandes (2009), que seria um desejo de se estar-junto , de comunhão, resgatando o
sentido etimológico da palavra comunicação – que vem do latim communicare, mesma
origem da palavra comungar, que significa repartir, compartilhar, ter e pôr em comum.
Madalenas: teatro das oprimidas
A história das Madalenas: Teatro das Oprimidas (MTO) em muito se assemelha à
trajetória histórica dos movimentos feministas, principalmente com relação à necessidade
4 Apesar de sua origem imprecisa, algumas referências atribuem a autoria da expressão à travesti katylene
(http://katylene.mtv.uol.com.br/). Atualmente, essas expressões se tornaram gírias populares.
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de falar sobre as opressões às mulheres e de transformar a sociedade. O embrião começou a
ser desenvolvido em dezembro de 2009, com duas oficinas no Rio de Janeiro ministradas
por Bárbara Santos, à época Curinga5 do Centro de Teatro do Oprimido6 e hoje é
coordenadora do projeto Kuringa em Berlim, onde mora e desenvolve o Teatro do
Oprimido, e da Rede Internacional Madalenas; e pela diretora teatral, Alessandra Vannucci.
De janeiro a maio de 2010, foi ganhando corpo, com a realização de Laboratórios7
realizados no Rio de Janeiro e Ceará (Brasil) e nos países de Moçambique e Guiné-Bissau.
A ideia de utilizar o nome Madalena veio da inspiração da personagem da bíblia,
que carrega em si uma interpretação ambígua, onde às vezes é representada como santa e
outras como prostituta. Ressalta-se que, apesar do nome, a proposta não é uma discussão
religiosa sobre a personagem, mas parte dela para discutir as referências históricas sobre o
papel da mulher, principalmente nos mitos que ainda estão presentes na construção da
subjetividade da mulher, como o caso da inimizade feminina. Atualmente, há grupos de
Madalenas em várias partes do Brasil, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiânia, Rio de
Janeiro (capital e Búzios); e em países como, além dos acima citados, Argentina Alemanha,
Peru, Itália, Portugal, Áustria e França. Por conta disso, foi criada a Rede Internacional
Madalenas.
Independente da nacionalidade, a proposta do MTO é mantida, no sentido de ser
uma experiência cênica feita por mulheres e para mulheres (mas apresentada também para o
grande público, sem distinção de gênero ou faixa etária), buscando investigar os motivos
pelos quais elas se deixam oprimir e como reagem à opressão de gênero; além de
possibilitar um espaço de discussão e troca com a intenção de gerar alternativas que
contribuam para a superação de opressões vividas pelas participantes e, de modo mais
amplo, na sociedade. Utilizar a metodologia do Teatro do Oprimido é partir da concepção
de que todas as pessoas são artistas e, portanto, podem atuar cenicamente; e de que o teatro
é uma “arma de libertação” (BOAL, 2011, p.11).
Contudo, o que chama a atenção com relação ao Madalenas – e também anima a
escolha do MTO como objeto de pesquisa para a tese de doutorado – é o tempo de quase 40
4 São chamados Curingas os técnicos artístico-pedagógico, conhecedores da metodologia do Teatro do Oprimido e
responsáveis pela formação dos grupos, por ministrar oficinas e realizar atividades relacionadas à produção cultural de um
trabalho artístico. Essa denominação foi criada por Augusto Boal, a partir do método do Sistema Curinga idealizado e
introduzido por ele no Teatro Arena.
6 O Centro de Teatro do Oprimido localiza-se na Av. Mem de Sá, 31-Lapa/Rio de Janeiro. Outras informações podem pela
página www.ctorio.org.br
7 O Laboratório Madalena foi pensado como uma experiência que utiliza a metodologia do Teatro do Oprimido para
discussão de gênero, mas não é uma técnica do TO, como é o Teatro Invisível, Teatro Fórum, entre outras.
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anos que se levou para que o debate sobre a opressão feminina fosse tratado como algo que
merecia atenção e cuidado específico. Afinal, a metodologia do Teatro do Oprimido
começou a ser desenvolvida no início da década de 1970, por Augusto Boal, em um período
no qual as questões de gênero também tinham um importante papel na luta política (e sem
contar que as opressões contra as mulheres são seculares), mas somente em 2009 que foi
possível começar um trabalho voltado especificamente para à opressão feminina. De acordo
com Bárbara Santos, o MTO surgiu da inquietação de que “Em todo o lugar que a gente vai,
a opressão contra as mulheres é um tema constante. E a gente começou a perceber que era
preciso criar um espaço para falar desses temas com uma certa intimidade, sem os
homens.”8
De alguma forma, a inquietação que motivou o Madalena Teatro das Oprimidas
(MTO) se avizinha e muito da ideia de sororidade, bastante em voga nos debates feministas
atuais. Ressalta-se, no entanto, que o presente artigo não vai se ater às discussões que o
próprio conceito vem levantando entre diferentes grupos feministas9, e escolhe adotar a
propostas geral do conceito que é a de ser uma aliança entre mulheres, em uma dimensão
ética, política e prática do feminismo.
Neste sentido, a proposta dos grupos de Madalenas, presente na fala da Bárbara
Santos citada acima, se coaduna com a intenção da sororidade, nesse reconhecimento de
irmandade entre as mulheres, de companheirismo a partir do afeto (da vontade de estar-
junto) e objetivos em comum, vendo na força da união um motor para o protagonismo
feminino. Um evidente combate ao pregado pelo mito da inimizade feminina. A
especificidade do MTO, em relação a outros grupos feministas, reside na adoção da
metodologia do Teatro do Oprimido e na aposta da arte como mediadora para a
transformação da sociedade.
8 A íntegra do artigo pode ser acessada pela página:
http://www.berlinda.org/BERLINDA.ORG/Pessoas/Eintrage/2011/8/30_Transformar_a_realidade._Barbara_Santos_e_o_
espaco_KURINGA.html
9 Apesar de bastante empregado em muitas discussões de gênero e feministas, o conceito de sororidade não tem aceitação
unânime. Entre as críticas feitas está a de que ele seria excludente, pois seria um privilégio da mulher heterossexual,
branca e de classe média; o que excluiria não apenas os homens, mas mulheres negras, as transexuais, entre outras.
Entretanto, um dos pontos de consonância sobre a definição do conceito é de que ele é um pacto entre mulheres e
possibilidade de construção de um espaço de troca entre elas. Ao não tratar deste tema no presente artigo, não significa
que as críticas não sejam relevantes e nem que há uma ‘pureza’ no conceito, mas parte-se da compreensão de que também
há divergência entre os diversos grupos feministas – e, portanto, na maneira como entendem o conceito – e que tal tema
merece um espaço maior de reflexão.
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Por nós, pelas outras, por mim!10
Mas isso tudo poderia funcionar muito bem na teoria e na prática ser de outra
maneira, perdendo, por exemplo, a característica de ser um espaço exclusivo para as
mulheres. De certa forma, a existência de vários grupos de Madalenas dá pistas de que as
motivações iniciais persistiram e ainda servem para alimentar as formações. Mas até que
ponto isso poderia ser percebido ao juntar grupos de vários países e regiões do Brasil, como
no I Festival Internacional Madalenas (FIM)? Ou seja: seria possível a sororidade se operar
também entre grupo de origens e temáticas distintas ou o evento seria apenas para
discussões teóricas?
Já na saída do Rio de Janeiro, ainda no Aeroporto internacional Tom Jobim, a
hipótese inicial de um encontro teórico começou a ser tencionada. Logo no setor de
embarque do Galeão foi possível encontrar duas integrantes do Madalenas Anastácia, um
coletivo de mulheres negras, vinculado ao Centro de Teatro do Oprimido, sendo que uma
mora no Rio de Janeiro e outra em Salvador. E não parou por aí, a conexão em Buenos
Aires, no Aeroparque, provocou o encontro de Madalenas de Porto Alegre, de Paris, do Rio
de Janeiro. O fato de ainda não terem sido apresentadas não evitou a aproximação e,
principalmente, o reconhecimento.
É verdade que como os voos foram na véspera do FIM, tal fato ajudou nesses
encontros. Porém o que o tornou ingrediente capaz de balançar a hipótese foi que as
Madalenas, independente do seu lugar de origem, estavam usando a camisa ou outro item
(bolsa, brinco, etc.) com a logo das Madalenas (Figura 1). Essa ideia foi divulgada nos
canais de comunicação dos grupos, a partir da Rede Internacional Madalenas, com grande
adesão, como uma forma de ajudar no reconhecimento das Madalenas entre si, pensando
que alguma poderia estar tendo alguma dificuldade ou mesmo para já ir estreitando os laços
de socialidade (FERNANDES, 2009).
Figura 1
10 Verso extraído do refrão do funk “Se empodera”, autoria de MC Lidi, idealizadora do Coletivo Pagufunk. A íntegra
desta música pode ser acessada no link: http://soundclound.com/pagufunk/se-empodera
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O FIM reuniu 80 Madalenas (de um total de 180 inscrições feitas), que foram em
grupos ou individualmente representando seu grupo. Do Brasil foram de Santa Catarina,
São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia; além das Madalenas da Argentina (Rosario, Buenos
Aires e Puerto Madryn), França, Guatemala, Alemanha, Áustria, Suíça, Estados Unidos,
Katmandu, Espanha e Itália. O idioma principal era o espanhol, mas havia tradução para o
inglês (feita por participantes que se voluntariavam) e, quando era solicitado, para o
português. Havia Madalenas que se voluntariaram também para alternar no cuidado com as
crianças, filhos de integrantes do grupo Magdalenas Rosario. O que demonstra também que
o FIM não foi percebido pelas participantes como um evento cheio de reservas, mas sim
como um espaço também de convivência, de integração e cuidado com as outras.
Outro ponto que faz a aproximação direta com a noção de sororidade diz respeito à
faísca que fez eclodir a proposta do I Festival Internacional Madalenas. Segundo o relato de
Bárbara Santos, no segundo dia do evento, o FIM começou a ser traçado no III Encontro
Latinoamericano de Teatro do Oprimido, realizado de 10 a 15 de fevereiro de 2014, em La
Paz (Bolívia), quando observaram que apesar da maioria da plateia ser composta por
mulheres, nas mesas de debate não havia essa representação – e o que não falta são
praticantes de TO e curingas mulheres.
Foi sugerida a inclusão de mulheres nas palestras, explicando a necessidade de
colocar em pauta a discussão de gênero e a opressão à mulher, mas a produção do Encontro
negou e um dos comentários feitos foi que as mulheres queriam dividir o Teatro do
Oprimido. Ora, se a metodologia do TO propõe o trabalho com oprimidos e opressões, que
cisão seria essa? As Madalenas perceberam que estavam, por mais que soasse incoerente,
diante de uma opressão, de uma prática social já pontuada por Beauvoir, a qual: “O lugar da
mulher na sociedade é sempre eles que estabelecem” (BEAUVOIR, 1970, p.98), ou pelo
menos continuam tentando estabelecer.
Assim, as Madalenas presentes no Encontro não apenas realizaram um evento
paralelo, durante o III Encontro, como ato político em combate ao ocorrido; como
perceberam que era fundamental também promover a luta por direitos das mulheres e contra
as opressões dentro do próprio movimento de Teatro do Oprimido e começaram a produzir
o que seria o I Festival Internacional Madalenas, realizado em 2015.
Repare que o que se está destacando não é de uma rixa entre grupos de Teatro do
Oprimido, mas um imaginário sobre a mulher que ainda persiste – como trabalhado no
primeiro ponto deste artigo – e segue promovendo apagamento de presença e das questões
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das mulheres, mesmo em um ambiente onde, em teoria, se propõe a compreender as
dinâmicas das opressões (qualquer uma delas) e a fazer a escolha pelo lado do oprimido.
Com isso, pode-se verificar que o FIM carrega na sua origem o desejo da existência de um
espaço de irmandade entre as mulheres e a necessidade de pôr em pauta as questões que são
emergentes para elas.
Motivadas por isso, decidiram produzir coletivamente no Festival um Manifesto11
da Rede Madalenas Internacional, tomando como base cinco pontos: espaço para as
mulheres, envolvimento comunitário, compromisso político (transformação da realidade),
investigação estética e articulação em rede. Os itens foram divididos e colocados em uma
mesa com folha de papel em branco. As participantes podiam circular entre as mesas e
acrescentar o que gostariam. Entre os pontos, o primeiro apresenta precisamente o interesse
deste artigo em trabalhar a ideia de sororidade entre as Madalenas, pois demonstra a razão
delas para a existência de espaços para as mulheres, como pode ser percebido nos trechos
abaixo do Manifesto:
- Para vencer a ideia patriarcal de que estamos sozinhas;
- Os espaços exclusivos para mulheres são imprescindíveis para perceber os
micromachismos, além de nos permitir um clima de liberdade e autonomia, de
empatia, uma intimidade profunda que nos permite falar com confiança;
- Para romper cadeias de opressões sexistas, raciais, classistas, étnicas, etc.;
- Precisamos de um espaço exclusivo porque a sociedade historicamente nos
colocou em espaço de subalternidade e aprisionamento do qual queremos nos
libertar. São formas de opressões específicas ‘naturalizadas’ que todos
reproduzimos cotidianamente e ficou entranhada em nossa subjetividade. Assim,
precisamos coletivamente nos reconstruir e para tanto necessitamos de um espaço
estético, cultural e educativo.
O conhecimento desses fatos, durante a pesquisa de campo, foi contribuindo para
esmaecer cada vez mais a hipótese inicial. Entretanto, não é que a metodologia e a prática
do Teatro do Oprimido foram deixadas de lado, mas mesmo quando o debate ocorria nesta
áreas, os relatos e as falas que surgiam e a maneira de se trabalhar eram de outra dimensão
que não a pura técnica. Como, por exemplo, na dinâmica que ocorria a partir das
apresentações públicas das peças e performance dos grupos. No dia seguinte à
apresentação, a proposta era escolher um ponto do trabalho que poderia ser passível de
crítica e construir uma sugestão estética (e não apenas falada). As participantes se dividiam
e escolhiam a peça que gostariam de trabalhar, sempre mantendo uma ou duas integrantes
11 A proposta é que a edição final do Manifesto seja apresentada no IV Encontro Latinoamericano de Teatro do Oprimido,
a ser realizado em Leon (Nicarágua), entre os dias 15 e 25 de janeiro de 2016.
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do grupo que se apresentou. A intenção foi de colaborar de forma efetiva, apresentando
sugestões que poderiam ou não ser aproveitadas pelos grupos.
Outro ponto que pode ser destacado ainda sobre a metodologia, foi na atividade
onde as participantes foram divididas em oito grupos, procurando deixar o mais
diversificado possível, com a proposta de investigar razões para as dificuldades de montar
um grupo Madalena e como fazer para dar continuidade ao grupo. Depois das discussões
cada grupo fez um resumo que foi apresentado e debatido na roda com as 80 participantes.
Entre os pontos levantados sobre as dificuldades estão a falta de recursos financeiros
(este aspecto foi citado em todos os grupos) e a de conseguir efetivamente formar vínculo
entre as integrantes. Com relação à manutenção da continuidade, alguns grupos partilharam
sua experiência para captar recursos e deram sugestões como, por exemplo, a venda de
doces e camisas ou concorrer a editais públicos. Especificamente sobre os vínculos, duas
falas que estiveram presentes em todos os grupos foram: primeiro a necessidade de se estar
atenta às especificidades, as diferenças entre as próprias mulheres, para não promover um
espaço de exclusão e sim possibilitar vínculos. E a segunda foi a emergência também de
fortalecer as redes regionais e internacionais das Madalenas, para troca de experiências,
divulgar as ações que os grupos fazem e estreitar os laços de amizade.
3 – Junta azamigas
Em muitos filmes, seriados, letras de música, assim como em conversas em bares ou falas
ditas no calor de discussões é possível perceber, ainda hoje, traços de um imaginário
cultural que coloca a mulher em um lugar de submissão, opressão, no qual tanto ela quanto
a sabedoria feminina são empurradas para a sombra e estigmatizadas, e poucas vezes há
reações críticas a isso. O que se pretendeu mostrar neste trabalho é que isso não ocorre à
toa, uma vez que “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os
diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de
uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura”
(LARAIA, 1986, p. 68). E, desta forma, como pontua Adorno: “Tudo o que surge é
submetido a um estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga
antecipadamente as marcas do jargão sabido, e não se demonstre, à ‘primeira vista’,
aprovado e reconhecido” (ADORNO, 2002, p.18).
E é precisamente essa lógica, contida neste imaginário partilhado, que alimenta e dá
a força necessária para que mitos como a inimizade feminina continuem a ser válidos, tanto
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para homens quanto para mulheres. Até porque uma vez que o poder político e poder de
atribuir significados esteve prioritariamente em mãos masculinas, a mulher aprendeu a
como se perceber, segundo indicado por Beauvoir, “não tal como existe para si, mas tal
qual o homem a define. Cumpre-nos, portanto, descrevê-la primeiramente como os homens
a sonham, desde que seu ser-para-os-homens é um dos elementos essenciais de sua
condição concreta” (BEAUVOIR, 1970, p.177).
Contudo, é preciso atinar que o giro histórico dessa roda de menos-valia da mulher
não foi liso, mas cheio de obstáculo, como o movimento feminista das décadas de 1960 e
1970, mas também vários exemplos de lutas pelos direitos das mulheres, muitas vezes
individuais, como foi o caso da violência que Maria da Penha sofreu e de sua luta de 20
anos para prender o agressor, que foi tão emblemática e virou Lei Federal12, batizada com o
nome dela, e que protege todas as mulheres. Essas ações contribuíram para ir quebrando o
estigma atribuído à mulher e dar novos contornos à construção da identidade cultural e
imaginário sobre o feminino, indicando que “a manipulação adequada e a criativa desse
patrimônio cultural permite as inovações e as invenções” (LARAIA, 1986, p. 45). Não se
pode perder de vista que o imaginário não é imutável.
E é precisamente nesse sentido que o presente artigo percebe que a ideia de
sororidade pode contribuir para promover essas ‘inovações’ – como pode ser analisado a
partir dos grupos Madalenas Teatro das Oprimidas, espalhados pelo mundo –, no sentido de
que
a compreensão que cada mulher tem de si mesma precisa ser modificada. Mas é a
tomada de consciência das experiências compartilhadas pelas mulheres, como um
grupo social historicamente subordinado aos homens, que permitiria passar do
descontentamento e do mal-estar com a própria condição a reivindicações baseadas
em uma perspectiva identitária de grupo (BIROLI, 2013, P.96)
As motivações que movem as Madalenas se coaduna à sororidade no que diz
respeito ao encontro entre os integrantes em si e os diversos grupos, pois pautam-se no
desejo de aliança entre as mulheres; e no estabelecimento de um espaço dedicado a elas
para encontros afetivos e debates sobre temas que lhes são emergentes.
A especificidade das Madalenas em utilizar a metodologia do Teatro do Oprimido
tende a ampliar o poder de ação, uma vez que a teoria parte do princípio de que qualquer
pessoa é naturalmente um ator (BOAL, 2011) e pela técnica ser um forte instrumento de
investigação das opressões (inclusive contra as mulheres) e da possibilidade de construir
12 Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Acesse a íntegra em www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm
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alternativas para as situações de violência físicas ou simbólicas, começando na produção e
apresentação da peça e desembocando na vida, na transformação da sociedade.
A partir da pesquisa de campo, o que pode ser observado no FIM é que ainda há
muito o que ser feito para romper com o estigma feminino e transformar o imaginário
social. As dificuldades são tanto de ordem externa quanto interna dos grupos, para citar um
exemplo disso é que não se conseguiu fechar uma data para a realização da segunda edição
do Festival. Mas, apesar disso e utilizando os meios disponíveis, as Madalenas continuam
dando provas de que não vão esquecer as discussões e as alianças construídas no FIM,
interagindo pelas redes sociais e promovendo ações concretas e continuadas. Tanto que se
organizaram para uma mobilização internacional, que ocorreu no Dia Mundial de combate à
violência contra a mulher (25 de novembro), onde os grupos em seus locais de origem
apresentaram a performance “Desmaio Madalenas”, construída no FIM. As apresentações
foram gravadas e integram um pequeno vídeo que seria apresentado em janeiro de 2016, no
IV Encontro Latinoamericano de Teatro do Oprimido, na Nicarágua. Desta forma, as
Madalenas seguem sem se esquivar de uma das características básicas do Teatro do
Oprimido, o qual, nas palavras de Boal: “Teatro é conflito, luta, movimento, transformação,
e não simples exibição de estados de alma. É verbo, e não simples adjetivo” (BOAL, 2008,
p.73).
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