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Page 1: Debaixo da tinta, o tesouro

A herança colonial preservada nas famosas cidades históricas de Minas Gerais tornou-se ainda maior

com a restauração da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matozinhos e seu entorno, em Congonhas. O trabalho, parte do programa Monumenta, do Instituto do Patrimô-nio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), contemplou a igreja principal e seis capelas – Santa Ceia, Horto das Oliveiras, Prisão, Flagelação e Coroação de Espinhos, Cruz às Costas e Crucificação. A ladeira do Bom Jesus, caminho que dá acesso ao conjunto, também foi revitali-zada e recebeu a revisão do calçamento e dos passeios, bem como a retirada dos postes e da fiação aérea.

O trabalho de restauração revelou pinturas de Manoel da Costa Athayde, um dos mais reconhecidos do período, escondidas sob seis camadas de tinta nas três primeiras capelas - Santa Ceia, Horto das Oliveiras e Prisão. “As úl-timas também escondiam pinturas, mas como elas foram construídas posteriormente, o autor dos trabalhos não foi o mestre Athayde. São de artistas anônimos”, diz Ronaldo José Silva de Lourdes, coordenador da UEP (Unidade Executora de Projeto) do Iphan de Congonhas.

Patrimônio mundialAntes do início da restauração já se sabia da existên-

cia das pinturas por causa de estudos anteriores. “O que não sabíamos era o estado de conservação delas e essa foi a nossa maior surpresa”, conta Ronaldo. Segundo ele, as pinturas de Athayde estavam mais bem conservadas do que as obras dos artistas desco-nhecidos. “Na capela Prisão, a preservação chegava a cerca de 90%”, diz. Nas três últimas construções, a perda era maior, mas Ronaldo explica que com os registros fotográficos da época foi possível reintegrar as pinturas. O santuário abriga, ainda, 64 esculturas em tamanho natural feitas por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. “É o maior conjunto do Brasil de estátuas dele”, informa Luciomar Sebastião de Jesus, membro do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Ar-tístico de Congonhas (Comuphac).

“No litoral, muita coisa vinha pronta da Europa. Mas Minas é longe, os artistas chegavam aqui com as ideias, montavam seus pequenos ateliês e contratavam mão de obra mestiça. Esse contexto possibilitou releituras e criou um barroco muito peculiar”, explica. Para exem-plificar, ele cita a capela Santa Ceia, que mostra Cristo e os apóstolos usando roupas setecentistas e um leitão como prato principal. “Coisas do cotidiano local foram incorporadas à arquitetura trazida da Europa”, completa. A cidade, localizada a 91 quilômetros da capital mineira, já é reconhecida como patrimônio da humanidade pela Unesco e é um testemunho da riqueza e da fé que marcaram a região no século 18.

RESTAURAÇÃO DE SANTUÁRIO EM CONGONHAS, MINAS GERAIS, REVELA PINTURAS DO MESTRE ATHAYDE TEXTO NATÁLIA MARTINO FOTO DIEGO XAVIER

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Debaixo da tinta, o tesouro A restauração da Basílica Bom Jesus de Matozinhos incluiu a igreja, seis capelas e o entorno, com revisão do calçamento e retirada da fiação aérea

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