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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde exerce funções de regulação, de
supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades
económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos
no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/069/2017.
I. DOS FACTOS
I.1. Origem do processo
1. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tomou conhecimento, em 12 de fevereiro de
2016, de uma reclamação subscrita por D.R., visando a atuação do Hospital da
Senhora da Oliveira - Guimarães, E.P.E. (HSOG), entidade prestadora de cuidados de
saúde, inscrita no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da
ERS sob o n.º 18000.
2. Na referida reclamação, à qual foi atribuída o número REC/18290/2016, o reclamante
refere, em suma, que não foram prestados os cuidados de saúde adequados,
necessários e de qualidade à utente L.F., durante o trabalho de parto ocorrido em 7 de
fevereiro de 2016 no HSOG.
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3. Para uma averiguação preliminar dos factos enunciados pelo exponente, e ao abrigo
das atribuições e competências da ERS, procedeu-se, em 20 de julho de 2017, à
abertura do processo de avaliação registado sob o número n.º AV/076/2017.
4. No entanto, face aos elementos recolhidos no referido processo de avaliação e
atendendo à necessidade de uma averiguação mais aprofundada dos factos relatados,
ao abrigo das atribuições e competências da ERS, o respetivo Conselho de
Administração deliberou, por despacho de 2 de novembro de 2017, proceder à
abertura do presente processo de inquérito, registado internamente sob o n.º
ERS/069/2017, com o intuito de determinar se foi ou não assegurada a prestação de
cuidados de saúde de qualidade e, bem assim, se foi assegurado o integral respeito
pelos direitos e interesses legítimos da utente, nomeadamente, o direito a cuidados
adequados e tecnicamente mais corretos, conforme o estabelecido no artigo 4.º da Lei
n.º 15/2014, de 21 de março.
5. Subsequentemente, e já na pendência dos presentes autos de inquérito, a ERS tomou
conhecimento de 4 (quatro) novas reclamações que demonstram a existência de
constrangimentos ao nível das escalas de anestesia no HSOG, pelo que, atenta a
similitude das matérias em questão, foram as mesmas apensadas ao presente
processo de inquérito para adoção das diligências instrutórias tidas por necessárias.
I.2. Diligências
6. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se as seguintes
diligências instrutórias:
(i) Pesquisa no SRER da ERS relativa à inscrição do HSOG, constatando-se que o
mesmo é uma entidade prestadora de cuidados de saúde registada no SRER
da ERS;
(ii) Pedido de elementos enviado ao HSOG, por ofício de 24 de julho de 2017, e
análise da resposta endereçada à ERS, rececionada em 30 de agosto de 2017;
(iii) Pedido de relatório de apreciação clínica a perito médico consultor da ERS a 31
de agosto de 2017, e análise do respetivo parecer;
(iv) Pedido de elementos adicional enviado ao HSOG, por ofício de 5 de setembro
de 2017, e análise da resposta endereçada à ERS, rececionada em 18 de
outubro de 2017;
(v) Pedido de adenda ao relatório de apreciação clínica do perito médico consultor
da ERS a 20 de outubro de 2017, e análise do respetivo parecer;
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(vi) Comunicação Interna ao Departamento do Utente (DU) da ERS, em 13 de
novembro de 2017, solicitando informação sobre eventuais reclamações,
registadas no Sistema de Gestão de Reclamações (SGREC), durante o ano de
2017, que evidenciem constrangimentos ao nível das escalas de anestesia no
HSOG, tendo-se apurado a existência de 4 (quatro) novas reclamações, que
foram apensadas aos presentes autos;
(vii) Notificação de abertura de processo de inquérito enviada ao exponente a 15 de
novembro de 2017;
(viii) Notificação de abertura de processo de inquérito e pedido de elementos
enviado ao HSOG, por ofício de 15 de novembro de 2017, com insistência
datada de 29 de dezembro de 2017, e análise da resposta endereçada à ERS,
rececionada em 29 de janeiro de 2018;
(ix) Pedido de elementos adicional enviado ao HSOG, por ofício de 7 de fevereiro
de 2018, e análise da resposta endereçada à ERS, rececionada em 21 de
março de 2018.
II. DOS FACTOS
II.1. Da reclamação subscrita por D.R.
7. Concretamente, cumpre destacar os seguintes factos alegados pelo exponente:
“[…]
A minha esposa, L.F., no dia 07-02-16 deu entrada no Centro Hospitalar do Alto Ave,
E.P.E. pelas 05:00h onde viria a nascer o meu segundo filho. […] Tudo começou pelo
facto de ela ter entrado tarde para a sala de partos devido à Dr. V. achar que com
6cm de dilatação o bebé não iria nascer para breve e devido a uma senhora chefe
enfermeira T. não ter chamado a anestesista para lhe administrar a epidural. Agora
pergunto, em pleno séc XXI a minha esposa tem um parto normal sem epidural? Não
fui só eu que vi o seu sofrimento. […]”.
8. Em resposta à referida reclamação, o prestador remeteu ao exponente, em 28 de
março de 2016, os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Após audição da Sr.ª Dr.ª D.F., a mesma informou que no dia 7 de fevereiro de 2016
acompanhou a esposa de V. Ex.ª, que apresentava gestação de 37 semanas e que
havia sido internada pelas 05h00 por suspeita de trabalho de parto em início. Da
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admissão foi enviada para o internamento de Medicina Materno-Fetal para vigilância,
onde se manteve praticamente durante todo o dia por apresentar apenas
contractilidade uterina muito irregular e de baixa intensidade em todos os traçados
cardiotocográficos realizados, e por ausência de modificações, quer em extinção, quer
em dilatação, do colo uterino.
De referir que o diagnóstico de trabalho de parto é caracterizado por contractilidade
uterina rítmica e dolorosa, associada a modificações sucessivas do colo uterino. Não
reunindo critérios clínicos de trabalho de parto em curso, a esposa de V. Ex.ª sempre
que ao longo do dia referiu dor pélvica de maior intensidade, e dada a ausência de
modificações cervicais evolutivas, foi-lhe administrada terapêutica analgésica
intramuscular, conforme protocolo do Serviço. A medicação instituída tinha
aparentemente bons resultados no alívio das queixas, dado que a parturiente foi
observada por diversas vezes a deambular nas instalações do Serviço, não
apresentando em nenhuma ocasião fácies de dor ou outros sinais de desconforto.
Quando ao final da tarde, a médica foi notificada pela equipa de enfermagem de que a
esposa de V. Ex.ª se encontrava clinicamente mais queixosa e com 6cm de dilatação,
ou seja, aparentemente em progressão para a fase ativa do trabalho de parto, a Sr.ª
Dr.ª D.F. deu indicação para a transferirem para as instalações da Sala de Partos,
para se proceder à analgesia epidural, como é procedimento habitual no Serviço.
Não obstante, e de acordo com a informação da Sr.ª Diretora do Serviço de
Anestesiologia, lamentavelmente, o dia 7 de fevereiro de 2016 foi um dia fora da
normalidade, uma vez que por ordem do Chefe de Equipa, uma das Anestesiologistas
de Serviço foi requisitada para acompanhar um doente no pós-operatório imediato, na
transferência do nosso Hospital para o Hospital de Braga. A transferência e a ausência
da médica anestesista decorreu entre as 22h e as 23:30h. Neste contexto, o
procedimento de colocação de cateter epidural para analgesia durante o parto ficaram
suspensas temporariamente, por indisponibilidade médica, facto que foi comunicado
na altura ao Sr. D.R. e à sua esposa.
A equipa de Anestesiologia avisou a equipa de Obstetrícia que nesse período não
haveria a realização de analgesias epidurais. O parto ocorreu nesse período (23:20h).
Tratou-se efetivamente de uma situação pontual, no entanto, em todos os momentos
de ansiedade manifestados pela Sr.ª D. L.F. foram-lhe prestados todos os
esclarecimentos necessários para minimizar quaisquer desconfortos. […]”.
9. Nesse âmbito, foi enviado um pedido de elementos ao HSOG, por ofício datado de 24
de julho de 2017, concretamente solicitando:
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“[…]
1. Se pronunciem, de forma fundamentada e circunstanciada sobre a situação descrita
na aludida reclamação, se possível acompanhada dos respetivos elementos
documentais;
2. Descrição de todas as etapas percorridas pela utente L.F., desde a sua admissão
até à realização do parto e procedimentos subsequentes, com indicação de data, hora
e profissional responsável pela sua operacionalização, por nome, categoria
profissional, funções e serviço em que o mesmo se integra, acompanhada do
respetivo suporte documental;
3. Indicação, dos protocolos clínicos de prática anestésica vigentes, bem como se, no
caso concreto, os mesmos foram seguidos e em que moldes, acompanhado do
respetivo suporte documental;
4. Remetam o mapa do pessoal de anestesiologia;
5. Remetam o mapa dos horários de anestesiologia para o mês de Fevereiro de 2016;
6. Se pronunciem sobre a instauração de processo de averiguação interno para
apuramento dos factos ocorridos, bem como das conclusões já alcançadas
acompanhadas do respetivo suporte documental;
7. Procedam ao envio de quaisquer esclarecimentos complementares julgados
necessários e relevantes à análise do caso concreto. […]”.
10. Assim, veio o HSOG, por ofício datado de 22 de agosto de 2017, remeter os seguintes
esclarecimentos adicionais:
“[…]
1 - A Sr.ª D. L.F. foi internada pela Sr.ª Dr.ª S.D., na enfermaria Ala B do Serviço de
Ginecologia/Obstetrícia, com diagnóstico de Gestação de Termo (37 semanas), em
início de Trabalho de Parto espontâneo, pelas 5:50h do dia 7.02.2016.
2 - Pelas 10:36h, a grávida foi observada pelo Sr. Dr. R.M., sendo que mantinha as
características de fase lactente de Trabalho de Parto com contracções uterinas
regulares, pelo que que se decidiu manter vigilância.
3 - Pelas 13:37h, após realização de CTG, a Sr.ª D. L.F. recusou analgesia e mantinha
quadro clínico sugestivo da fase lactente de Trabalho de Parto, conforme consta dos
registos da Sr.ª Enfermeira A.F..
4 - Pelas 21:30h por apresentar queixas dolorosas foi-lhe administrada analgesia
intramuscular pela Sr.ª Enfermeira R.S., conforme o protocolo do Serviço.
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5 - Pelas 22:12h por se encontrar a iniciar a fase activa do Trabalho de Parto, foi dada
indicação pela equipa médica, Sr.ª Dr.ª D.F., para que a grávida fosse transferida para
a sala de partos, tendo dado entrada, conforme consta do partograma às 22:25h.
Encontrava-se queixosa e pretendia analgesia epidural, tendo-lhe sido comunicado
pela Sr.ª Enfermeira V.A., a indisponibilidade da equipa de anestesia.
6 - Pelas 23:20h, a grávida tinha a dilatação completa e o RN nasceu às 23:35h de
parto eutócico com índice de Apgar, 9 - 10, e sem menção de qualquer tipo de
intercorrência, conforme os registos da Sr.ª Enfermeira E.R. e da Sr.ª Enfermeira C.B..
7- A puérpera e o R/N foram transferidos pelas 1:30h do dia 08.02.2016 para a
enfermaria do Serviço de Obstetrícia, Ala A.
8 - Pelas 11:01h do 1.º dia de puerpério, foi observada pelo Sr. Dr. A.S., sendo que
não se evidenciou necessidade de qualquer intervenção clínica extra protocolo do
Serviço.
9 - Pelas 11:33h do dia 9.02.2016, 2.º dia do puerpério, a Sr.ª D. L.F. foi observada
pela Sr.ª Dr.ª M.K., que verificou uma normal evolução do puérpero, pelo que teve
indicação para alta após alta do R/N.
10- A alta clínica foi efetivada às 20:30h, pela Sr.ª Dr.ª A.C., sem qualquer menção de
qualquer tipo de intercorrência.
11 - No dia 7.02.2017, aquando da entrada da grávida no Serviço de Obstetrícia,
estavam escaladas duas médicas anestesistas, a Sr.ª Dr.ª J.M. e a Sr.ª Dr.ª M.P. no
período entre as 8:00h e as 20:00h, sendo que não se justificou a intervenção da
especialidade, pois conforme já acima referido, a grávida recusou analgesia pelas
13:37h e apenas se queixou de dores às 21:30h.
12 - No período entre as 20h e as 08:00h do dia seguinte estavam igualmente
escaladas duas médicas anestesistas, a Sr.ª Dr.ª J.M. e a Sr.ª Dr.ª C.F.. Contudo, o
Chefe de Equipa ordenou que uma das médicas anestesistas de urgência com
conhecimentos técnicos e científicos especializados sobre suporte avançado de vida,
acompanhasse um doente que se encontrava em estado crítico e em risco de vida,
para o Hospital de Braga, facto que está documentado e que enviamos em anexo.
13 - Neste período (20h às 08h) e atendendo que apenas se encontrava uma médica
anestesista de urgência, só se realizavam atos anestésicos urgentes ou emergentes
no Bloco Central, os quais estiveram sempre assegurados.
14 - A analgesia epidural é realizada ao longo do trabalho de parto e não apenas no
período expulsivo, pelo que, considerando que o parto, como já mencionado, ocorreu
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às 23:35h do dia 07.02.2016, não foi administrada analgesia epidural, porquanto já
não era eficaz. […]”.
11. Em anexo a tais esclarecimentos, o prestador juntou aos autos os seguintes
documentos:
(i) Folha e diário de internamento da utente; dados do parto, com cópia do
partograma; informação clínica do internamento no Serviço de Obstetrícia;
notas gerais de enfermagem e folha clínica de admissão e alta da utente;
(ii) Horários dos médicos do Serviço de Anestesiologia do mês de fevereiro de
2016 e cópia do mapa de presenças da reunião do Serviço de Anestesiologia
de 5 de fevereiro de 2016;
(iii) Comunicação interna com o pedido de requisição de um elemento médico da
equipa de Anestesia, no dia 7 de fevereiro de 2016.
12. Estes factos foram submetidos a apreciação de perito médico consultado pela ERS,
em 31 de agosto de 2017, que refere o seguinte:
“[…]
A situação relatada refere-se a um episódio de parto em que a parturiente não foi
sujeita a analgesia de parto. O motivo invocado refere que um dos elementos da
equipa de Anestesia que se encontrava de urgência teve que acompanhar o transporte
de um doente para a Unidade de Cuidados Intensivos de outro hospital, tendo
permanecido apenas um elemento no SU da Instituição. O Serviço de Obstetrícia/Sala
de Partos foi informado da indisponibilidade por parte do elemento restante em realizar
analgesia de parto.
Este facto pode justificar a não solicitação da analgesia em questão à parturiente por
parte do Serviço de Obstetrícia.
Fica por justificar qual o motivo pelo qual foi comunicada a indisponibilidade para a
analgesia de parto por parte do anestesista que se manteve em funções. Tal só se
compreenderia num contexto em que este teve actividade junto de doentes “mais
graves” […]”.
13. Na sequência do referido parecer, a ERS enviou novo pedido de esclarecimentos ao
HSOG, por ofício datado de 5 de setembro de 2017, concretamente solicitando:
“[…]
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1. Que indiquem, juntando o suporte documental respetivo, qual a atividade do
Anestesista que permaneceu no Serviço de Urgência no dia 7 de fevereiro de 2016,
durante o período compreendido entre as 22h00 e as 23h30m;
2. Explicitação, acompanhada do respetivo suporte documental, dos procedimentos
internos existentes para composição de equipas de urgência, no sentido de antever
situações análogas à analisada nos presentes autos;
3. Procedam ao envio de quaisquer outros elementos, documentos ou
esclarecimentos adicionais tidos por relevantes para o cabal esclarecimento da
situação em apreço. […]”.
14. Assim, por ofício rececionado pela ERS em 18 de outubro de 2017, veio o HSOG
prestar os esclarecimentos solicitados, afirmando que:
“[…]
1 - No HSO, Guimarães EPE, há dois Blocos Operatórios: o Bloco Central, que
funciona 24h por dia e está destinado às várias especialidades cirúrgicas; e o Bloco de
Obstetrícia que funciona das 08h às 20h, sendo que após este período os Atos
Anestésicos - Cirúrgicos de Obstetrícia são realizados no Bloco Central.
2 - A equipa de Anestesiologia está em presença física 24h por dia.
3 - No dia 7 de Fevereiro de 2016, durante o período compreendido entre as 22h e as
23:30h, estavam escaladas duas Anestesiologistas, a Sr.ª Dr.ª C.F. e a Sr.ª Dr.ª J.M..
Uma médica estava escalada para o Bloco Central, com disponibilidade para todos os
atos anestésicos das várias especialidades, incluindo a Obstetrícia, dado que a outra
médica anestesiologista tinha sido convocada pelo Chefe de Equipa para acompanhar
um doente crítico, em risco de vida, ao Hospital de Braga.
4 - Permaneceu assim uma médica anestesiologista no Bloco Central, onde se
realizam todos os atos anestésicos cirúrgicos classificados como urgentes e
emergentes.
5 - Nesse período foram mantidas as condições de segurança e as prioridades de
possíveis atos Anestésico - Cirúrgicos, sendo que se encontrava um doente no
recobro do Bloco Central, que tinha terminado a cirurgia às 20:40h, e um outro doente
em preparação que iniciou cirurgia às 23:50h. […]”.
15. Em anexo a tais esclarecimentos, juntou o HSOG a listagem de doentes
intervencionados por especialidade no dia 7 de fevereiro de 2016 e, bem assim, o
procedimento de Transporte Inter-Institucional de Doentes.
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16. Tendo em conta a necessidade de nova avaliação técnica dos factos em presença, em
20 de outubro de 2017, foi solicitada uma adenda ao parecer do perito médico
consultado pela ERS, de onde resultaram as seguintes conclusões:
“[…]
ADENDA (20-10-2017) – Face aos novos dados disponibilizados pela Instituição pode-
se constatar que entre o período referido o Anestesista de serviço não teve qualquer
tipo de actividade.
[…]
ADENDA (20-10-2017) – A situação reportada poderá não configurar uma falta grave
do ponto de vista clínico uma vez que a gravida não terá estado em risco de vida. No
entanto, à face das “legis artis” a mesma tem direito a ter uma analgesia epidural
durante o parto. […] o motivo invocado para a não realização da mesma não é válido.”.
17. Nessa senda, foi enviado ao HSOG um novo pedido de elementos, por ofício datado
de 15 de novembro de 2017, e com insistência de 29 de dezembro de 2017, desta
feita solicitando:
“[…]
1. Informação, acompanhada do respetivo suporte documental, dos procedimentos
internos existentes para composição de equipas de urgência, no sentido de antever
situações análogas à analisada nos presentes autos;
2. Indicação dos protocolos clínicos de prática anestésica vigentes, bem como se, no
caso concreto, os mesmos foram seguidos e em que moldes, acompanhado do
respetivo suporte documental;
3. Envio de quaisquer outros elementos, documentos ou esclarecimentos adicionais
tidos por relevantes para o completo esclarecimento da situação em apreço.”.
18. Através de comunicação eletrónica de 29 de janeiro de 2018, veio HSOG remeter os
elementos documentais e factuais disponíveis, de onde constam os seguintes
esclarecimentos adicionais:
“[…]
- As equipas de urgência deste Hospital são compostas de acordo com as directrizes
da Ordem dos Médicos, cujas escalas se anexam ao presente mail;
- Anexamos ainda para o efeito, os seguintes documentos sobre a prática anestésica
vigente nesta Instituição:
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o Organograma da realização da analgesia de trabalho de parto (doc. 1);
o Organograma da realização da analgesia de trabalho de parto – fluxograma
(doc. 2);
o Recomendações – anestesia em obstetrícia, da Sociedade Portuguesa de
Anestesiologia (doc. 3);
o Protocolo – analgesia de trabalho de parto (doc. 4).
- Mais se confirma toda a informação prestada em sede do anterior processo de
avaliação nº AV/076/2017, de 24.07, bem como as escalas de urgência, devidamente
validadas.
Ouvida a Srª Directora de Serviço de Anestesiologia deste Hospital, realça a
informação já prestada, de que a parturiente, no ponto 4 do fluxograma apresentado,
recusou a analgesia epidural. Quando a solicitou, mais tarde (22h25), já estava em
trabalho de parto muito adiantado, em que não era na prática possível de ser realizada
(o parto aconteceu às 23h35).”.
19. Do “Organograma da Realização de Analgesia de Trabalho de Parto” do HSOG,
consta o seguinte:
“[…]
O Serviço de Anestesia do Hospital Senhora da Oliveira- Guimarães está organizado
de modo a que a Grávida tenha disponibilidade nas 24 horas, todos os dias da
semana, para tratamento analgésico ou anestésico. […]
O Bloco Cirúrgico de Obstetrícia funciona das 8h às 20 horas. No período das 20h às
8h os atos anestésicos funcionam no Bloco Central. […]
A colaboração do Anestesiologista na sala de Partos é de 24 horas por dia.
Todas as grávidas têm a possibilidade de realizar analgesia de trabalho de parto
durante as 24 horas, desde que se reúnam as condições clínicas protocoladas, […].
Assim, para a grávida realizar a analgesia de trabalho de parto via epidural ou
sistémica, terá de estar clinicamente e analiticamente estabilizada, se encontrar em
trabalho de parto e estar já na Sala de Partos. […]”.
20. Por sua vez, do “Protocolo – Analgesia de trabalho de parto” junto aos autos pelo
HSOG, consta que a “[…] Analgesia de parto deverá ser iniciada sempre que a dor
gerar desconforto para a paciente e ela solicitar analgesia […]”.
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II.2. Das reclamações subscritas por J.L., C.O.C., C.M.C. e A.C.
21. Já na pendência dos presentes autos de inquérito, a ERS tomou conhecimento de 4
(quatro) novas reclamações que, igualmente, evidenciam a existência de
constrangimentos ao nível das escalas de anestesia no HSOG.
22. Assim, da exposição apresentada por J.L., relativa ao atendimento prestado ao seu
filho de 4 anos de idade, cumpre salientar o seguinte:
“[…]
Eu, J.L., venho por este meio reclamar a falta de respeito do Hospital, perante uma
situação em que o meu filho, de 4 anos, tinha operação marcada, estava em jejum,
todo preparado e quase duas horas depois vêm dizer que têm falta de anestesista e
não vão fazer a operação. […]”.
23. Em resposta, o prestador informou, por missiva datada de 24 de julho de 2017, que:
“[…]
Em resposta à reclamação de V. Exª, a Diretora do Serviço de Anestesia, lamenta o
sucedido e explica que tal se deveu ao facto de, nesse dia, ter faltado o médico
anestesista escalado para a sala de ORL. Tal situação inesperada impediu que se
realizassem as cirurgias agendadas. […]”.
24. Por sua vez, da reclamação subscrita por C.O.C. quanto à sua filha, a utente V.F.,
cumpre destacar o seguinte:
“[…]
Com [esta é] a 3ª vez de ser chamada para cirurgia para oftalmologia e é desmarcado
devido a falta de anestesistas na UCA. […]”.
25. Por seu lado, da exposição apresentada por C.M.C. relativa ao seu filho, o utente R.S.,
cumpre salientar o seguinte:
“[…]
Venho por este meio reclamar pois compareci no Serviço da UCA, com o meu filho
R.S., para efetuar uma cirurgia já agendada por quatro vezes e que não se realizou
mais uma vez por falta de anestesistas. […]”.
26. Por fim, da reclamação subscrita por A.C., cumpre destacar o seguinte:
“[…]
A falta de cirurgia por motivo de falta do anestesista sem motivo de aviso sendo já a
segunda vez.”.
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27. E, em resposta às reclamações apresentadas por C.O.C., C.M.C. e A.C., o HSOG
informou os exponentes, por ofícios datados de 17 de novembro de 2017, de que:
“[…]
Recolhida a informação junto da Sr.ª Diretora do Serviço de Anestesiologia, a mesma
informou que no dia 15.11.2015 por motivos lícitos e justificados (falecimento de um
familiar direto), o médico anestesista destacado para a sala de cirurgia da
Uca/Oftalmologia faltou, o que motivou, o cancelamento da cirurgia. […]”.
28. Nessa senda, foi enviado um pedido de elementos ao HSOG, por ofício datado de 7
de fevereiro de 2018, concretamente solicitando:
“[…]
1. Se pronunciem, de forma fundamentada e circunstanciada, sobre cada uma das
situações descritas nas aludidas reclamações;
2. Remetam o mapa dos anestesiologistas e a sua distribuição por blocos operatórios;
3. Remetam o mapa do pessoal de cirurgia e a sua distribuição por blocos operatórios;
4. Informem sobre o ponto de situação atualizado de cada um dos utentes que viram
as suas cirurgias adiadas por falta de anestesiologista, incluindo indicação das datas
de efetivação das mesmas, caso já tenham ocorrido, ou, em caso negativo,
informação sobre quais as diligências adotadas para o seu célere
agendamento/efetivação, acompanhada de elementos documentais respetivos;
5. Envio de quaisquer outros elementos, documentos ou esclarecimentos adicionais
tidos por relevantes para o completo esclarecimento da situação em apreço. […]”.
29. Através de mensagem de correio eletrónico de 21 de março de 2018, veio HSOG
remeter os elementos documentais e factuais disponíveis, de onde constam os
seguintes esclarecimentos:
“[…]
1. As cirurgias foram canceladas porque o médico anestesista escalado para o dia
2017.07.11 (cirurgia de otorrinolaringologia) faltou imprevisivelmente sem aviso prévio,
e o médico anestesista escalado para o dia 2017.11.15 (cirurgia de oftalmologia) faltou
por motivo de falecimento de um familiar direto.
2. Escala de anestesia nas semanas em causa (cancelamentos de 11.07.2017 e
15.11.2017) em anexo;
3. Escala das equipas cirúrgicas de oftalmologia e ORL (UCA) em anexo;
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4. Ponto da situação dos utentes cujas cirurgias foram canceladas:
4.1. A.S.: cirurgia cancelada a 15.11.2017 e operado a 10.01.2018;
4.2. V.F.: cirurgia cancelada a 15.11.2017 e operada a 03.01.2018;
4.3. R.S.: cirurgia cancelada a 15.11.2017 e operado a 03.01.2018;
4.4. J.L.: cirurgia cancelada a 11.07.2017 e operado a 03.08.2017;
5. O Serviço de Anestesiologia é um dos mais carenciados do HSOG, contando
atualmente apenas com 20 médicos especialistas, nem todos em horário completo, e 6
prestadores de serviços, apesar dos vários pedidos de contratação já submetidos à
Tutela ou no âmbito do concurso geral para colocação de médicos especialistas. Face
às carências evidenciadas, o Serviço de Anestesiologia tem feito um esforço
assinalável para cumprir com a distribuição de médicos em todas as áreas, quer ao
nível das salas operatórias distribuídas pelas várias especialidades cirúrgicas no bloco
operatório central ou na Unidade de Cirurgia de Ambulatório, quer na execução de
exames com sedação (gastrenterologia, radiologia e broncoscopia) ou na consulta pré-
anestésica e na Unidade da Dor Crónica. Estando a equipa distribuída de forma
equilibrada, não existe margem para efetuar muitas substituições em caso de
ausências não programadas, tal como sucedeu nos dias 11.07.2017 e 15.11.2017,
quer por motivos de doença, quer por falecimento de familiares. Facto este que
conduz, por vezes, ao cancelamento inevitável da atividade programada para os dias
em que os médicos se encontravam escalados, sempre que não seja possível recorrer
atempadamente a outro médico que não esteja escalado no horário no período em
que ocorre a necessidade. É porém de salientar a integral disponibilidade do serviço,
em conjunto com o serviço cirúrgico, para de forma célere operar os doentes
cancelados, facto que se comprova pelo relativamente curto espaço de tempo em tal
aconteceu nos casos em análise.”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
30. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS
tem por missão a regulação, a supervisão e a promoção e defesa da concorrência,
respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores privado, público,
cooperativo e social, e, em concreto, à atividade dos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde;
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31. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica.
32. Consequentemente, o Hospital da Senhora da Oliveira - Guimarães, E.P.E. está
sujeito à regulação da ERS, encontrando-se inscrito no Sistema de Registo de
Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS sob o n.º 18000.
33. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º dos Estatutos da ERS
compreendem “a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, no que respeita […entre outros] [ao] “cumprimento
dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento”, “[à] garantia dos direitos
relativos ao acesso aos cuidados de saúde”, e “[à] prestação de cuidados de saúde de
qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes”.
34. Com efeito, são objetivos da ERS, nos termos das alíneas a), c) e d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, “assegurar o cumprimento dos requisitos do exercício da atividade
dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde”; “garantir os direitos e
interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
35. No que toca à alínea a) do artigo 10.º dos Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 11.º
do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “assegurar o cumprimento
dos requisitos legais e regulamentares de funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e sancionar o seu incumprimento”.
36. Já no que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, de garantia dos direitos e legítimos interesses dos utentes, a alínea
a) do artigo 13.º do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “apreciar as
queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o seguimento dado pelos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde às mesmas”.
37. Finalmente, e a propósito do objetivo consagrado na alínea d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 14.º do mesmo diploma prescreve que
compete à ERS “garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
38. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, no dever de zelar pela
aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis, e ainda mediante a
emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências
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individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas
com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de
conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e
interesses legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da
ERS.
39. Ora, tal como configurada, a situação denunciada poderá não só traduzir-se num
comportamento atentatório dos legítimos direitos e interesses dos utentes, mas
também na violação de normativos que à ERS cabe acautelar na prossecução da sua
missão de regulação da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde, conforme disposto no n.º 1 do artigo 5.º dos Estatutos da ERS.
40. Pelo que, perante este enquadramento, resulta a necessidade da análise dos factos,
tal como denunciados, sob o prisma de um eventual desrespeito do direito dos utentes
a receberem com prontidão, humanamente, com respeito e num período de tempo
considerado clinicamente aceitável os cuidados adequados e tecnicamente mais
corretos, nomeadamente, em situações de especial vulnerabilidade.
III.2. Do direito de acesso aos cuidados de saúde de qualidade e em tempo
clinicamente aceitável
41. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de todos os cidadãos
aos cuidados de saúde, o qual é assegurado, entre outras obrigações impostas
constitucionalmente, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS)
universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito.
42. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito, estabelece
no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por serviços e
estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou
por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”, consagrando-se nas diretrizes da
política de saúde estabelecidas na Base II que “é objetivo fundamental obter a
igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua
condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na
distribuição de recursos e na utilização de serviços”;
43. Bem como estabelece, na sua Base XXIV, como características do SNS:
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“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”.
44. Por outro lado, e em concretização de tal garantia de acesso ao SNS, é reconhecido
aos utentes dos serviços de saúde um conjunto vasto de direitos, onde se inclui o
direito a que os cuidados de saúde sejam prestados em observância e estrito
cumprimento dos parâmetros mínimos de qualidade legalmente previstos, quer no
plano das instalações, quer no que diz respeito aos recursos técnicos e humanos
utilizados.
45. A este respeito, encontra-se reconhecido na LBS, mais concretamente na alínea c) da
Base XIV, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito”.
46. Norma que é melhor desenvolvida e concretizada no artigo 4.º ("Adequação da
prestação dos cuidados de saúde”) da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, segundo o
qual “O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num
período de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os
cuidados de saúde de que necessita” (n.º 1).
47. Tendo o utente, bem assim, “(…) direito à prestação dos cuidados de saúde mais
adequados e tecnicamente mais corretos” (n.º 2);
48. Estipulando, ainda, o n.º 3 que “Os cuidados de saúde devem ser prestados
humanamente e com respeito pelo utente”.
49. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente1, segundo o qual deve
ser garantido o direito a receber o tratamento necessário dentro de um rápido e
predeterminado período de tempo.
50. Aliás, o Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seu Parecer sobre “Os
direitos do paciente”, refere que o “reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à
escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da
medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas
[sendo que esse] investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e
ganhar tempo para outros fins [até porque] prestar cuidados também é dedicar tempo”.
1 Vd. o ponto 7. da “Carta Europeia dos Direitos dos Utentes”.
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51. Relativamente ao direito dos utentes de ser tratados pelos meios adequados e com
correção técnica, tal resulta do reconhecimento ao utente do direito a ser
diagnosticado e tratado à luz das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se
encontre cientificamente comprovada, sendo, porém, obvio que tal direito, como os
demais consagrados na LBS, terá sempre como limite os recursos humanos, técnicos
e financeiros disponíveis – cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
52. Efetivamente, sendo o direito de respeito do utente de cuidados de saúde um direito
ínsito à dignidade humana, o mesmo manifesta-se através da imposição de tal dever a
todos os profissionais de saúde envolvidos no processo de prestação de cuidados, o
qual compreende, ainda, a obrigação de os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde possuírem instalações e equipamentos que proporcionem o conforto e o
bem-estar exigidos pela situação de fragilidade em que o utente se encontra.
IV. Análise das situações concretas
IV.1. Da reclamação subscrita por D.R.
53. Na génese dos presentes autos está a necessidade de averiguar se à utente L.F.
foram prestados cuidados de saúde de qualidade, no decurso do seu internamento
para realização de trabalho de parto no HSOG.
54. Ora, de acordo com o parecer do perito médico consultado pela ERS, “A situação
relatada refere-se a um episódio de parto em que a parturiente não foi sujeita a
analgesia de parto.”;
55. O que o prestador justifica com o facto de “[…] o dia 7 de fevereiro de 2016 [ter sido]
um dia fora da normalidade, uma vez que por ordem do Chefe de Equipa, uma das
Anestesiologistas de Serviço foi requisitada para acompanhar um doente no pós-
operatório imediato, na transferência do nosso Hospital para o Hospital de Braga. […]
o procedimento de colocação de cateter epidural para analgesia durante o parto
ficaram suspensas temporariamente, por indisponibilidade médica […]”;
56. Razão pela qual, não terá sido administrada analgesia epidural à utente L.F., apesar
de, conforme menciona o próprio prestador, a utente se encontrar “[…] queixosa e
[indicar que] pretendia analgesia epidural […]”.
57. Acresce que, indagado o prestador sobre a atividade do Anestesista que permaneceu
no Serviço de Urgência no dia 7 de fevereiro de 2016, durante o período
compreendido entre as 22h00 e as 23h30m, este informou que, nesse dia, “[…]
estavam escaladas duas Anestesiologistas, a Sr.ª Dr.ª C.F. e a Sr.ª Dr.ª J.M.. Uma
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médica estava escalada para o Bloco Central, com disponibilidade para todos os atos
anestésicos das várias especialidades, incluindo a Obstetrícia”;
58. Mais indicando que “[…] Nesse período foram mantidas as condições de segurança e
as prioridades de possíveis atos Anestésico - Cirúrgicos, sendo que se encontrava um
doente no recobro do Bloco Central, que tinha terminado a cirurgia às 20:40h, e um
outro doente em preparação que iniciou cirurgia às 23:50h.”.
59. Cumprindo, a este respeito, salientar a informação do prestador de que “Pelas 23:20h,
a grávida tinha a dilatação completa e o RN nasceu às 23:35h […]”;
60. De onde resulta, como, de resto, refere o perito médico consultado pela ERS que “[…]
entre o período referido o Anestesista de serviço não teve qualquer tipo de
actividade.”;
61. Assim concluindo, no seu parecer clínico, que “A situação reportada poderá não
configurar uma falta grave do ponto de vista clinico uma vez que a gravida não terá
estado em risco de vida. No entanto, à face das “legis artis” a mesma tem direito a ter
uma analgesia epidural durante o parto. […] o motivo invocado para a não realização
da mesma não é válido.”.
62. Sendo imperioso concluir que a conduta do HSOG não se revelou consentânea com a
garantia dos direitos e interesses legítimos da utente L.F., em especial o direito à
prestação integrada e continuada de cuidados de saúde de qualidade, adequados à
sua situação clínica e prestados em tempo útil.
63. Ademais, refira-se que, de acordo com o “Protocolo – Analgesia de trabalho de parto”
em vigor no HSOG, a “[…] Analgesia de parto deverá ser iniciada sempre que a dor
gerar desconforto para a paciente e ela solicitar analgesia”;
64. Estando inclusive previsto no “Organograma da Realização de Analgesia de Trabalho
de Parto” do HSOG que, “[…] para a grávida realizar a analgesia de trabalho de parto
via epidural ou sistémica, terá de estar clinicamente e analiticamente estabilizada, se
encontrar em trabalho de parto e estar já na Sala de Partos.”;
65. No entanto, e em manifesta contradição com os procedimentos por si instituídos,
refere o HSOG que “Quando a [utente] solicitou [a analgesia epidural], mais tarde
(22h25), já estava em trabalho de parto muito adiantado, em que não era na prática
possível de ser realizada […]”;
66. Mencionando ademais que “(o parto aconteceu às 23h35)”, por isso 1 (uma) hora após
o pedido de analgesia epidural efetuado pela utente.
67. A este respeito, recorde-se, o direito à qualidade dos cuidados, que implica o
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cumprimento de requisitos legais e regulamentares de exercício, de manuais de boas
práticas, de normas de qualidade e de segurança, de normas de acreditação e
certificação, é, indubitavelmente, uma garantia de um acesso aos cuidados
qualitativamente necessários e adequados;
68. Sendo esta vertente um preocupação amplamente reconhecida e incorporada nas
boas práticas clínicas, bem como nas mais diversas orientações emitidas pelas
entidades competentes.
69. Na medida em que a existência e conhecimento de procedimentos é uma garantia de
qualidade da prestação de cuidados de saúde, que diminui os riscos à mesma
associados, previne a ocorrência de erros por parte dos diversos profissionais
envolvidos, promove uma melhor coordenação e articulação entre os serviços, bem
como acautela qualquer impacto negativo na condição de saúde dos utentes.
70. Pelo que nenhuma vantagem se retira da existência de procedimentos, nas mais
diversas áreas de intervenção, sem que se garanta, paralelamente, que os mesmos
são efetivamente aplicados, em todos os momentos e em todas as dimensões da
atuação dos prestadores, nos cuidados que prestam aos utentes.
71. Em face do exposto, considera-se pertinente a adoção da atuação regulatória infra
delineada, ao abrigo das atribuições e competências legalmente atribuídas à ERS, no
sentido de instruir o prestador de que os cuidados de saúde devem ser sempre
prestados em tempo adequado, humanamente, com prontidão e respeito, de modo a
garantir a qualidade dos cuidados de saúde prestados.
IV.2. Das reclamações subscritas por J.L., C.O.C., C.M.C. e A.C.
72. Os factos relatados por J.L., C.O.C., C.M.C. e A.C. evidenciam a existência de
constrangimentos no direito de acesso tempestivo dos utentes aos cuidados de saúde
que necessitam, em virtude de restrições ao nível das escalas de anestesia no HSOG.
73. Sendo denominador comum em todas as situações relatadas, o cancelamento de
cirurgias em virtude de faltas imprevistas dos médicos anestesiologistas escalados.
74. E, pese embora as situações em causa se encontrem resolvidas, tendo o prestador
remarcado e realizado as cirurgias entretanto canceladas;
75. Certo é que o HSOG reconhece, expressamente, as dificuldades e carências em
causa, indicando que “O Serviço de Anestesiologia é um dos mais carenciados do
HSOG, contando atualmente apenas com 20 médicos especialistas, nem todos em
horário completo, e 6 prestadores de serviços, apesar dos vários pedidos de
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contratação já submetidos à Tutela ou no âmbito do concurso geral para colocação de
médicos especialistas. Face às carências evidenciadas, o Serviço de Anestesiologia
tem feito um esforço assinalável para cumprir com a distribuição de médicos em todas
as áreas, quer ao nível das salas operatórias distribuídas pelas várias especialidades
cirúrgicas no bloco operatório central ou na Unidade de Cirurgia de Ambulatório, quer
na execução de exames com sedação (gastrenterologia, radiologia e broncoscopia) ou
na consulta pré-anestésica e na Unidade da Dor Crónica.”;
76. Concluindo que, “Estando a equipa distribuída de forma equilibrada, não existe
margem para efetuar muitas substituições em caso de ausências não programadas, tal
como sucedeu nos dias 11.07.2017 e 15.11.2017, quer por motivos de doença, quer
por falecimento de familiares. Facto este que conduz, por vezes, ao cancelamento
inevitável da atividade programada para os dias em que os médicos se encontravam
escalados, sempre que não seja possível recorrer atempadamente a outro médico que
não esteja escalado no horário no período em que ocorre a necessidade. […]”.
77. Situação que não se compagina com a necessidade de garantia dos direitos relativos
ao acesso aos cuidados de saúde e à prestação de cuidados de saúde de qualidade e
em tempo útil, que à ERS cabe prosseguir;
78. Pois que, não pode a situação dos utentes ficar à mercê de tais constrangimentos,
desconsiderando-se as garantias legalmente fixadas para salvaguarda da
tempestividade do seu direito de acesso.
79. Em face de todo o exposto, importa garantir a adoção da atuação regulatória infra
delineada, ao abrigo das atribuições e competências legalmente atribuídas à ERS, por
forma a assegurar o respeito dos direitos dos utentes à prestação de cuidados de
saúde de qualidade e em tempo útil, dessa forma se procurando evitar a repetição
futura de situações como as verificadas nos presentes autos.
V. DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
80. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º dos
Estatutos da ERS, tendo sido chamadas a pronunciarem-se, relativamente ao projeto
de deliberação da ERS, o prestador e os exponentes, todos por ofícios datados de 13
de abril de 2018.
81. Decorrido o prazo legal concedido para o efeito, nenhum dos interessados veio aos
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autos pronunciar-se sobre o teor do projeto de deliberação da ERS, pelo que este
deve ser integralmente mantido.
VI. DECISÃO
82. O Conselho de Administração da ERS delibera, nos termos e para os efeitos do
preceituado na alínea a) do artigo 24.º, e da alínea b) do artigo 19.º dos Estatutos da
ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, emitir uma instrução
ao Hospital da Senhora da Oliveira - Guimarães, E.P.E., no sentido de dever:
(i) Garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são
respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente, o
direito aos cuidados adequados e tecnicamente mais corretos, os quais devem
ser prestados humanamente, com respeito pelo utente, com prontidão e num
período de tempo clinicamente aceitável, em conformidade com o estabelecido
no artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março;
(ii) Cumprir, de forma permanente e efetiva, as medidas e/ou procedimentos
internos, com o objetivo de garantir a qualidade dos cuidados de saúde
prestados, nomeadamente as normas e orientações a cada momento aplicáveis
para a “realização da analgesia de trabalho de parto”;
(iii) Garantir, em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e
orientações claras e precisas, que os referidos procedimentos sejam
corretamente seguidos e respeitados por todos profissionais;
(iv) Assegurar que, nas situações em que constata não possuir capacidade para a
prestação de cuidados de saúde, por falta de recursos especializados
essenciais à sua realização, os utentes sejam encaminhados para unidade
hospitalar que garanta a prestação dos cuidados de saúde necessários, e em
tempo útil;
(v) Dar cumprimento imediato à presente instrução, bem como dar conhecimento à
ERS, no prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis após a notificação da
deliberação final, dos procedimentos adotados para o efetivo cumprimento do
disposto em cada uma das alíneas supra.
83. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de
22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de €
1.000,00 a €.44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no
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exercício dos seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios
determinem qualquer obrigação ou proibição, previstos nos artigos 14.º, 16.º, 17.º, 19.º,
20.º, 22.º, 23.º ”.
84. A presente deliberação será levada ao conhecimento da Administração Regional de
Saúde do Norte, I.P..
Porto, 17 de maio de 2018
O Conselho de Administração.