Mestrado em Medicina Veterinária
Relatório de Estágio
Évora, 2019
CLÍNICA E CIRURGIA DE EQUINOS |
Marta Uva Cansado Gonçalves da Silva |
Orientação: Profª Doutora Susana Oliveira Serrano Monteiro |
Orientação externa: Dr. Tomé António Fino Vitorino |
ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA
Mestrado em Medicina Veterinária
Relatório de Estágio
Évora, 2019
CLÍNICA E CIRURGIA DE EQUINOS |
Marta Uva Cansado Gonçalves da Silva |
Orientação: Profª Doutora Susana Oliveira Serrano Monteiro |
Orientação externa: Dr. Tomé António Fino Vitorino |
ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA
Júri
Rita Maria Payan Martins Pinto Carreira (Presidente)
Departamento de Medicina Veterinária
Professor Catedrático
Vogais
Susana Oliveira Serrano Monteiro (Orientador)
Departamento de Medicina Veterinária
Professor Auxiliar
Elsa Maria Leclerc Duarte (Arguente)
Departamento de Medicina Veterinária
Professor Auxiliar
I
Dedicatória
Ao Pai por me transmitir, de forma tão marcada, a paixão pelos cavalos e o interesse pela
medicina.
À Mãe, por me ensinar que o Amor não tem barreiras e por me incutir a admiração e
respeito pela Natureza e pelos animais.
À Avó Zázá, por me ensinar a ser bondosa, assertiva e protetora dos “meus”.
A Deus, por todas as pedras no caminho.
II
Agradecimentos
Chegando ao fim desta importante etapa, reconheço o apoio que tive não só na elaboração
deste trabalho e no estágio curricular, mas também no meu percurso na Universidade de Évora
e na vida, pelo que gostaria de agradecer.
Em primeiro lugar à minha orientadora, Prof. Susana, por toda a paciência que teve comigo,
pela atenção na correção do relatório e pelos ensinamentos ao longo do curso. Muito obrigada
por tudo!
Obrigada à Equimuralha por me ter aceite como estagiária e pela possibilidade da realização
deste relatório. Aprendi muito!
Ao Dr. Tomé, pela disponibilidade e interesse em ensinar-me, pela confiança, pela paciência
para a minha ilusão de novata e por me transmitir valores de trabalho. Será sempre uma
referência para mim. Obrigada também por todas as conversas.
À Lila, igualmente pela vontade de me ensinar, por me permitir “pôr a mão na massa” e por
me incutir hábitos no trabalho, como ser organizada e sistemática. Pela confiança e amizade,
pelas conversas e descontração na carrinha. Obrigada!
À Marta Tobar, a “mãe” do meu estágio, uma amiga sempre disponível para conversar, ajudar
e orientar-me. Foste fundamental. Obrigada pelo carinho!
Agradeço a todos os que se cruzaram comigo durante o estágio, em particular à Rita
Gervásio, pelo gosto em que eu aprendesse, pelas cantorias, risos e almoços com vista para o
campo. E ao João Pereira, por fazer das manhãs o momento mais divertido do dia e por alinhar
na minha loucura da identificação de plantas tóxicas. Obrigada à Piri por me fazer o jantar e
estender a roupa!
Obrigada a todos os que, ao longo do curso, permitiram com que eu aprendesse e me
tornasse sempre melhor, especialmente quanto à clínica e cirurgia de equinos. À Prof. Susana.
À Prof. Elisa, por ralhar comigo, pela paciência e por todos os ensinamentos e conversas. Ao
Luís e ao Phelps, por me chamarem sempre e por fazerem questão que eu aprendesse. À equipa
da Unidade Clínica de Alter.
Tudo isto não seria possível sem o apoio incondicional da minha família que sempre me
permitiu realizar todos os meus objetivos, apoiando-me a 100%. Um obrigada muito especial ao
meu querido Avó Tó por me possibilitar toda a minha formação académica. Obrigada por estares
sempre presente e fazeres tudo por mim.
Aos meus tios, Tio Luís e Tia Ana Tereza, nem sei como vos agradecer por tudo. Sem vocês,
certamente, não estaria onde estou. Obrigada por nunca desistirem de mim, por me apoiarem
em todas as decisões, por me educarem mesmo quando eu não queria e por estarem sempre
ao meu lado.
III
Ao meu irmão, Carlos, o meu companheiro e melhor amigo, obrigada por seres o meu porto
seguro, por me defenderes e conheceres tão bem. Adoro-te.
Évora não seria a mesma coisa sem a minha família de amigos. Tetris, obrigada por me
veres à transparência e por me fazeres rir. Rita, obrigada por sermos uma dupla e por todos os
programas mais divertidos. Sandra, pelas palavras de amizade sempre presentes, mesmo as
que custam ouvir. Maria, por alinhares nas minhas maluqueiras. Sancho, por seres o melhor par
de dança.
Obrigada ao António Pinto e à Inês Faustino, pela amizade e orientação sempre que precisei.
Obrigada Ninja, Taliban, Ani, Lúcia, aos meus afilhados Francisco e Mon Chéri, Maria João,
Nassar, Maria Inês, Colgate, André, Gorjão, Bruno Monteiro, Barradas. Obrigada à Inês Frazão,
ao Fred e à Devi por fazerem de um pequeno T2, a nossa casinha. À TAFUÉ. A todos vocês e
tantos mais, obrigada por fazerem de Évora a melhor experiência da minha vida.
À Mantas, pela incansável companhia em tantas horas na Biblioteca Palácio das Galveias.
IV
Resumo
Este relatório tem como objetivo a descrição das atividades desenvolvidas durante o estágio
curricular do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Évora.
A primeira parte consiste numa apresentação da casuística acompanhada, dividida pelas
áreas da medicina preventiva, clínica e cirúrgica de equinos, bem como a área da reprodução,
descrevendo-se alguns procedimentos ou casos clínicos mais relevantes.
A segunda parte consiste numa monografia sobre o tema “Gurma: infeção do trato
respiratório superior de equinos por Streptococcus equi subsp. equi”, com foco na deteção e
tratamento de portadores crónicos assintomáticos por endoscopia.
Por último, desenvolvem-se alguns casos decorrentes de um surto de gurma acompanhado
durante o estágio, na região do Alentejo.
Palavras-chave: equinos, clínica, gurma, Streptococcus equi subsp. equi, endoscopia
V
Abstract
Equine Clinics and Surgery
This report is meant to account for the activities developed throughout the internship
integrated in the master’s degree in Veterinary Medicine of the University of Évora.
The first section consists in a description of the case load performed in the different areas of
the equine prophylaxis, clinics and surgery, as well as breeding. When relevant, some procedures
or cases are more minutely described.
In the second section a monograph on “Strangles: an equine upper respiratory tract infection
by Streptococcus equi subsp. equi” is made, focusing on the endoscopic detection and treatment
of chronic asymptomatic carriers.
Lastly, some relevant cases of a strangles outbreak that occurred during the internship period,
in the Alentejo region, are reported.
Keywords: equine, clinics, strangles, Streptococcus equi subsp. equi, endoscopy
VI
Índice geral
Dedicatória ..................................................................................................................................... I
Agradecimentos............................................................................................................................. II
Resumo ........................................................................................................................................ IV
Abstract ......................................................................................................................................... V
Índice geral ................................................................................................................................... VI
Índice de gráficos ......................................................................................................................... IX
Índice de tabelas ........................................................................................................................... X
Índice de figuras ........................................................................................................................... XI
Abreviaturas .............................................................................................................................. XIV
1. Introdução ............................................................................................................................. 1
2. Casuística ............................................................................................................................. 2
2.1. Medicina Preventiva ...................................................................................................... 3
2.2. Clínica Médica ............................................................................................................... 5
2.2.1. Pneumologia e Otorrinolaringologia .................................................................... 6
2.2.2. Ortopedia ............................................................................................................. 8
2.2.3. Odontoestomatologia ........................................................................................ 15
2.2.4. Gastroenterologia .............................................................................................. 18
2.2.5. Neonatologia ..................................................................................................... 21
2.2.6. Outros ................................................................................................................ 24
2.2.6.1. Dermatologia ............................................................................................... 25
2.2.6.2. Neurologia ................................................................................................... 26
2.3. Clínica Cirúrgica .......................................................................................................... 32
2.4. Reprodução ................................................................................................................. 37
3. Gurma: infeção do trato respiratório superior de equinos por Streptococcus equi subsp.
equi 42
3.1. Introdução .................................................................................................................... 42
3.2. Considerações anatomofisiológicas do trato respiratório superior de equinos .......... 42
3.2.1. Bolsas guturais .................................................................................................. 43
VII
3.3. Etiologia e patogenia da Gurma .................................................................................. 45
3.4. Epidemiologia e transmissão ...................................................................................... 47
3.5. Imunidade .................................................................................................................... 50
3.6. Manifestações clínicas ................................................................................................ 50
3.6.1. Clássica ............................................................................................................. 50
3.6.2. Atípica................................................................................................................ 52
3.7. Complicações .............................................................................................................. 53
3.7.1. Portadores crónicos assintomáticos ................................................................. 53
3.7.2. Gurma bastarda ................................................................................................ 53
3.7.3. Púrpura Hemorrágica ........................................................................................ 54
3.7.4. Miosites ............................................................................................................. 54
3.8. Diagnóstico .................................................................................................................. 55
3.8.1. Clínico................................................................................................................ 55
3.8.2. Colheita de amostras ........................................................................................ 56
3.8.3. Cultura microbiológica ....................................................................................... 57
3.8.4. PCR ................................................................................................................... 58
3.8.5. Serologia ........................................................................................................... 59
3.8.6. Abordagem diagnóstica..................................................................................... 61
3.9. Tratamento .................................................................................................................. 64
3.10. Prognóstico .............................................................................................................. 67
3.11. Prevenção e controlo............................................................................................... 67
3.11.1. Medidas de biossegurança ............................................................................... 67
3.11.2. Profilaxia ............................................................................................................ 69
3.11.3. Controlo e maneio de um surto de gurma......................................................... 71
3.12. Deteção e tratamento dos portadores crónicos assintomáticos ............................. 72
3.12.1. Exame endoscópico do trato respiratório superior e bolsas guturais ............... 74
3.12.2. Achados endoscópicos de infeção aguda das bolsas guturais ........................ 75
3.12.3. Achados endoscópicos de infeção crónica das bolsas guturais ....................... 77
3.12.4. Tratamento das bolsas guturais ........................................................................ 79
VIII
4. Casos clínicos – Deteção e tratamento de PCA após um surto na região do Alentejo ..... 83
4.1. Exame endoscópico e tratamento das bolsas guturais............................................... 84
4.2. Discussão .................................................................................................................... 88
Conclusão .................................................................................................................................... 90
Bibliografia ................................................................................................................................... 92
Anexo I - Plantas tóxicas ricas em alcaloides pirrolizidínicos comuns em Portugal ..................... A
Anexo II – Relatório histopatologia................................................................................................ B
IX
Índice de gráficos
Gráfico 1: Representação gráfica da relação percentual da casuística por área (Fr, %; n = 643).
....................................................................................................................................................... 2
Gráfico 2: Relação percentual da casuística relativa à clínica médica (Fr, %; n= 205). ............... 5
Gráfico 3: a) tempos de sobrevivência, e b) pontuação do crescimento em três dias, de S. equi
em diferentes superfícies, em diferentes estações (caixas = mediana, barras = intervalo) (Durham
et al., 2018). ................................................................................................................................. 49
X
Índice de tabelas
Tabela 1: Casuística relativa à Medicina Preventiva (n=196). ...................................................... 3
Tabela 2: Casuística relativa à Pneumologia e Otorrinolaringologia (n=12). ................................ 6
Tabela 3: Casuística relativa à Ortopedia (n=102). ...................................................................... 8
Tabela 4: Escala de graus de claudicação, segundo a AAEP .................................................... 12
Tabela 5: Fármacos mais utilizados em administrações intra-articulares (Nelson & Goodrich,
2015). .......................................................................................................................................... 14
Tabela 6: Casuística relativa à Odontoestomatologia (n=41). .................................................... 15
Tabela 7: Casuística relativa à Gastroenterologia (n=20). .......................................................... 18
Tabela 8: Casuística relativa à Neonatologia (n=4). ................................................................... 21
Tabela 9: Casuística relativa à Dermatologia (n=17). ................................................................. 24
Tabela 10: Casuística relativa à Oncologia (n=2). ...................................................................... 24
Tabela 11: Casuística relativa à Neurologia (n=5). ..................................................................... 24
Tabela 12: Casuística relativa à Oftalmologia (n=1). .................................................................. 24
Tabela 13: Casuística relativa à Clínica Cirúrgica (n=16). .......................................................... 32
Tabela 14: Protocolo anestésico para orquiectomia em decúbito (Doherty & Valverde, 2006;
Schumacher, 2012; Bettschart-Wolfensberger & Mama, 2019). ................................................ 33
Tabela 15: Casuística relativa à área de reprodução (n=226). ................................................... 37
Tabela 16: Classificação qualitativa por grau (McCue & Squires, 2015). ................................... 40
Tabela 17: Interpretação do teste ELISA SeM (Adaptado de: Andrew Stephen Waller et al.,
2014; Boyle et al., 2018). ............................................................................................................ 60
Tabela 18: Comparação de métodos de diagnóstico laboratorial. .............................................. 62
Tabela 19: Resultados dos exames endoscópicos das BG. S/A: sem alterações. .................... 86
XI
Índice de figuras
Figura 1: Conformação dos cascos dos membros anteriores. A – vista lateral; B – vista
dorsopalmar. Última ferração há mais de oito semanas. Cascos longos e ferradura justa. ...... 10
Figura 2: Conformação dos cascos dos membros anteriores. A – vista lateral; B – vista
dorsopalmar. Pinça longa e talões curtos, típico de inversão do eixo podo-falângico. .............. 10
Figura 3: Inspeção dos membros anteriores. A – vista lateral; B – vista dorsopalmar. Sobremão
bilateral, característica de exostose da articulação interfalângica proximal. .............................. 11
Figura 4: Flexão do carpo. .......................................................................................................... 12
Figura 5: Imagens radiográficas da região do boleto nas quais se identifica a fratura do sesamoide
lateral e do MCIV. A – Projeção dorso-palmar; B – Projeção latero-medial; C – Projeção
dorsolateral-palmaromedial oblíqua. (Imagens gentilmente cedidas pela Equimuralha). .......... 13
Figura 6: Sistema de Triadan (Dixon & du Toit, 2011). ............................................................... 16
Figura 7: Arcada superior direita. A – Identificação do dente 105 de grandes dimensões; B –
Alvéolo após extração; C – Comparação do tamanho de dentes de lobo. ................................. 17
Figura 8: Tronco de contenção. Diagnóstico e tratamento de cavalo em cólica. ....................... 18
Figura 9: Lesões na região da cabeça indicadoras de dor severa. ............................................ 19
Figura 10: Imagens ecográficas de um cavalo adulto com um lipoma estrangulante. A - Distensão
de intestino delgado marcada (diâmetro luminal = 5,29 cm); B - Espessamento severo da parede
do intestino delgado de até 1,5 cm (setas) (le Jeune & Whitcomb, 2014). ................................ 20
Figura 11: Teste SnapFoal®. Nível de IgG superior a 8g/L. ....................................................... 21
Figura 12: Abordagem ao caso de neonatologia. A – Vista lateral; B – vista dorsal. Notar a
distensão articular do membro anterior esquerdo; C e D – lavagem articular; E – interpretação do
teste SnapFoal®. ......................................................................................................................... 23
Figura 13: Mucosa conjuntiva congestionada. Midríase. ............................................................ 28
Figura 14: Head pressing. ........................................................................................................... 28
Figura 15: Imagens de necropsia. A – Presença de icterícia; B – Atrofia, aspeto firme e
esbranquiçado do fígado; C – Coloração marmoreada ao corte do fígado. ............................... 31
Figura 16: Material para orquiectomia. ....................................................................................... 34
Figura 17: Laceração na face dorsolateral do curvilhão do membro posterior esquerdo. A e B –
sutura; C – colocação de penso. ................................................................................................. 36
Figura 18: Controlo reprodutivo. Palpação e ecografia transrectal. ............................................ 38
Figura 19: Lavagem uterina para colheita de embrião. .............................................................. 39
XII
Figura 20: Embrião após primeira lavagem. Blastocisto expandido, grau 2. Ampliação 20x. .... 41
Figura 21: Lavagem do embrião. ................................................................................................ 41
Figura 22: Corte longitudinal da cabeça, superfície medial, vista lateral (Popesko, 1990). ....... 43
Figura 23: BG direita normal (Edwards & Greet, 2007). ............................................................. 44
Figura 24: BG esquerda normal (Seahorn, 2004). ...................................................................... 44
Figura 25: Tecidos linfoides do trato respiratório superior (Lunn, Breathnach & Soboll, 2007). 45
Figura 26: Representação esquemática da patogenia de S. equi (Paillot et al., 2017). ............. 47
Figura 27: Múltiplos locais de rutura dos LRF e LSM num poldro com gurma (Waller et al., 2014).
..................................................................................................................................................... 51
Figura 28: Corrimento nasal bilateral moderado a profuso (Slater, 2007). ................................. 51
Figura 29: Colocação de uma luva de palpação rectal estéril para lavagem nasofaríngea (Boyle,
2011). .......................................................................................................................................... 56
Figura 30: As colónias de Streptococcus equi são geralmente mucoides e β-hemolíticas em
placas de agar sangue (Slater, 2007). ........................................................................................ 57
Figura 31: Drenagem de LRF num poldro com gurma (Boyle et al., 2011). ............................... 64
Figura 32: Esquema de quarentena e triagem efetivo (Waller, 2013). ....................................... 69
Figura 33: Esquema de divisão em grupos de controlo (Waller, 2013). ..................................... 71
Figura 34: Condroides de uma BG (Whitlock et al., 2019). ........................................................ 72
Figura 35: Fio guia orienta a entrada do endoscópio na BG (Seahorn, 2004). .......................... 74
Figura 36: Descarga mucopurulenta e fístula dos LRF (Dixon & James, 2018). ........................ 76
Figura 37: Hipertrofia e protrusão dos LRF (Seahorn, 2004). .................................................... 76
Figura 38: Descarga purulenta do óstio da BG esquerda (Dixon & James, 2018). .................... 76
Figura 39: Colapso faríngeo e obstrução parcial da laringe (Freeman, 2015). .......................... 76
Figura 40: Empiema significativo (Mallicote, 2015).................................................................... 78
Figura 41: Condroides (Seahorn, 2004). ..................................................................................... 78
Figura 42: Fístula e descarga purulenta de um LRF hipertrofiado. Eritema e edema da mucosa
(Fintl et al., 2000). ....................................................................................................................... 78
Figura 43: Foco residual de tecido de granulação, sobre um LRF de tamanho normal (Fintl et al.,
2000). .......................................................................................................................................... 78
Figura 44: Fístula nasofaríngea (Dixon & James, 2018). ........................................................... 79
XIII
Figura 45: Remoção transendoscópica de condroides (Dixon & James, 2018; Whitlock et al.,
2018) ........................................................................................................................................... 80
Figura 46: Condroides após vários cortes realizados com endoscopic snare (Seahorn, 2004). 81
Figura 47: Condroide na BG direita do equino C (imagens gentilmente cedidas pela Unidade
Clínica de Alter – Universidade de Évora). ................................................................................. 87
XIV
Abreviaturas
AE – asma equina
AINE – anti-inflamatório não esteroide
ALP – fosfatase alcalina (alkaline
phosphatase)
BA – acetato de betametasona
(betamethasone acetate)
BCAA - aminoácidos de cadeia ramificada
(branched chain amino acids)
BG – bolsas guturais
BID – duas vezes por dia (bis in die)
CK – creatina quinase (creatine kinase)
DMSO – dimetilsulfóxido
EH – encefalopatia hepática
ELISA – ensaio de imunoabsorção
enzimática (enzyme-linked immunosorbent
assay)
FC – frequência cardíaca
FEI – Federação Equestre Internacional
FR – frequência respiratória
GGT – gama glutamil transferase
hCG – gonadotrofina coriónica humana
(human chorionic gonadotropin)
IA – inseminação artificial
iELISA – teste ELISA indireto
IM – intramuscular
IV – intravenosa
LRF – linfonodos retrofaríngeos
LSB – ligamento suspensor do boleto
LSM – linfonodos submandibulares
MCIV – osso metacarpiano IV
MPA – acetato de metilprednisolona
(methylprednisolone acetate)
NC – nervo craniano
OA – osteoartrite
PCA – portadores crónicos assintomáticos
PCR – reação em cadeia da polimerase
(polymerase chain reaction)
PCV – hematócrito (packed cell volume)
PGF2α – prostaglandina F2α
PH – púrpura hemorrágica
PMN – polimorfonucleares
PO – via oral (per os)
PT – proteínas totais
qPCR – PCR quantitativo (em tempo real)
RAO – doença obstrutiva recorrente das
vias aéreas (recurrent airway obstruction)
SDH – sorbitol desidrogenase
SID – uma vez por dia (semel in die)
TA – acetónido de triamcinolona
(triamcinolone acetonide)
TRS – trato respiratório superior
1
1. Introdução
Serve este relatório para descrever as atividades desenvolvidas durante o estágio curricular
do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Évora. Este decorreu no
período de 2 de Janeiro a 31 de Maio de 2018 na Equimuralha - Medicina Veterinária Equina,
em Évora.
A Equimuralha tem as suas instalações na cidade de Évora, dividas em dois locais. O
escritório (integrado nas instalações de um hospital veterinário) e o centro de reprodução. O
escritório está destinado ao trabalho administrativo, às reuniões de passagem de casos, ao
armazenamento dos materiais e é onde se encontram as viaturas. O centro de reprodução
compunha a sala de colheita de sémen, o tronco de palpação, o laboratório, paddocks e boxes.
A estagiária estava encarregue da reposição do material nas carrinhas e auxiliar nas tarefas
diárias dos dois locais.
As visitas em contexto de clínica ambulatória eram feitas, geralmente, em toda a região do
Alentejo e consistiam em consultas das várias áreas da clínica médica, bem como algumas
cirurgias a campo, consultas da área da reprodução e urgências.
Foi possível o acompanhamento dessas visitas, assistindo aos vários passos do exame
clínico de equinos, à utilização dos vários meios complementares de diagnóstico e às diferentes
opções terapêuticas. As cirurgias a campo e procedimentos de reprodução foram, de igual forma,
acompanhadas.
No período de estágio foi permitido à aluna a realização de diversos procedimentos, tais
como administração de fármacos pelas diferentes vias, a entubação nasogástrica, a palpação
transrectal, a cateterização, entre outros.
Este relatório está dividido em três partes. A primeira trata-se da exposição da casuística e
atividades decorridas no estágio, fazendo-se uma descrição mais pormenorizada de alguns
casos ou procedimentos. A segunda parte consiste numa monografia com o tema “Gurma:
infeção do trato respiratório superior de equinos por Streptococcus equi subsp. equi”, com
especial atenção para a deteção e tratamento de portadores crónicos assintomáticos por
endoscopia. Por último, a terceira parte relata alguns casos decorrentes de um surto de gurma
acompanhado durante o estágio, com respetiva discussão.
2
2. Casuística
No capítulo que se segue será descrita a casuística observada durante o estágio, dando-se
devido destaque aos casos clínicos mais relevantes em cada área, seja pela frequência, pela
singularidade ou pelo interesse científico. As áreas abordadas foram divididas em medicina
preventiva, clínica médica, clínica cirúrgica e reprodução. Na clínica médica inclui-se a
Pneumologia e Otorrinolaringologia, a Ortopedia, a Odontoestomatologia, a Gastroenterologia, a
Neonatologia, e outros (Dermatologia, Oncologia, Neurologia e Oftalmologia).
O total de casos acompanhados foi de 643, repartidos pelas várias áreas, sendo a sua
relação percentual ilustrada no gráfico 1.
Pela análise do gráfico anterior, entende-se que a área com maior número de casos (226)
foi a reprodução, com 35% da casuística total. Este destaque deve-se não só ao número de
animais intervencionados, como aos diversos procedimentos realizados, ocupando uma grande
parte do tempo de estágio.
De seguida, surge a clínica médica com 32%, o que corresponde a 205 casos. Mais adiante,
faz-se uma discriminação dos temas que compõem esta área e a sua relação percentual.
A medicina preventiva ocupa a terceira posição, com 30%. O número de casos foi de 196,
representando a profilaxia e identificação de equinos, parte importante da medicina veterinária
de equinos.
A clínica cirúrgica surge com a menor percentagem, 3%, pelo caráter ambulatório do estágio.
O número de casos foi de 16, refletindo algumas cirurgias possíveis de serem realizadas a
campo.
30%
32%3%
35%
MedicinaPreventiva
Clínica Médica
Clínica Cirúrgica
Reprodução
Gráfico 1: Representação gráfica da relação percentual da
casuística por área (Fr, %; n = 643).
3
2.1. Medicina Preventiva
Este capítulo refere-se às ações profiláticas efetuadas durante o estágio curricular, numa
totalidade de 196 casos, como a tabela 1 evidencia.
Tabela 1: Casuística relativa à Medicina Preventiva (n=196).
Em relação ao protocolo vacinal adotado na Equimuralha, era recomendada a vacinação de
todos os animais, embora esta não seja obrigatória em Portugal. Apenas os que participam em
competições equestres internacionais, têm que apresentar uma vacinação atualizada para a
influenza equina, seguindo as regras da Federação Equestre Internacional (FEI) (FEI, 2018).
A maioria das vacinas disponíveis no mercado, confere proteção contra o vírus Influenza, da
família Orthomyxoviridae e as exotoxinas produzidas pelo bacilo anaeróbio gram positivo
Clostridium tetani, agentes da gripe equina e do tétano, respetivamente (Landolt, Townsend &
Lunn, 2014; MacKay, 2014). A vacina utilizada foi a Equilis Prequenza-TE® constituída por duas
estirpes de Influenza (A/equine-2/South Africa/4/03 e A/equine-2/Newmarket/2/93) e pelo
toxoide tetânico (MSD Animal Health Portugal, 2018).
A vacinação dos poldros inicia-se aos seis meses de idade por duas inoculações com um
intervalo de um mês entre si e uma terceira, seis meses depois. Salvaguardam-se os poldros
nascidos de mães não vacinadas, começando este procedimento aos três meses.
A partir do ano de idade e em adultos a vacinação é feita anualmente ou de seis em seis
meses no caso de cavalos em competição. A primovacinação consiste numa primeira inoculação,
seguida de uma segunda, nos 21 a 92 dias seguintes. O primeiro reforço é feito nos sete meses
Medicina Preventiva Fi Fr (%)
Desparasitação 82 44,51
Vacinação 54 27,47
Resenho descritivo 27 13,19
Colheita de sangue para livro azul 16 7,14
Introdução de microchip 8 2,75
Exame em ato de compra 4 2,20
Marcação a fogo 2 1,10
Colheita de sangue para diagnóstico
(Piroplasmose) 2 1,10
Marcação a azoto líquido 1 0,55
TOTAL 196 100,00
4
subsequentes. Em qualquer caso, o animal não pode competir nos sete dias seguintes a uma
inoculação (FEI, 2018).
No que toca às éguas gestantes, uma vacinação era realizada quatro a seis semanas pré-
parto. O objetivo era aumentar a concentração de imunoglobulinas no colostro e, assim, conferir
proteção imunológica ao poldro que nasce desprovido da mesma (Dascanio, 2014).
Relativamente à desparasitação interna, nos adultos, são feitas duas (no mínimo) a quatro
desparasitações anuais, coincidindo com as alturas de mudança de temperatura, em Março,
Junho, Setembro e Dezembro. A contagem de ovos nas fezes é aconselhada como meio de
monitorização da carga e tipo de parasitismo, permitindo a adequação do programa
antiparasitário. Era recomendada a realização anual deste exame laboratorial, quando menos.
Para os cavalos adultos, existem várias opções comerciais adequadas, mas a mais utilizada no
decorrer do estágio foi uma preparação farmacêutica composta por ivermectina (12 mg/kg) e
praziquantel (60 mg/kg) administrada por via oral (PO).
Os poldros, pelo facto de serem mais suscetíveis ao parasitismo, devem ser desparasitados
um maior número de vezes. Aconselha-se a sua realização no 1º, 2º, 4º e 6º mês de idade,
utilizando uma pasta oral de ivermectina (Eqvalan®, Equimel®, Noromectin®) ou de pamoato de
pirantel (Strongid®). A moxidectina (Equest Pramox®) está contraindicada para equinos com
idade inferior a seis meses. A partir dessa idade e até aos três anos, as desparasitações são
feitas de três em três meses, adaptando-se posteriormente o protocolo dos adultos. Em relação
às éguas gestantes, recomendava-se a sua desparasitação nas 24 horas pós-parto, para
diminuir a contaminação do poldro.
Algumas práticas de maneio que auxiliam a gestão parasitária de uma exploração são a
quantidade reduzida de animais por hectare; a remoção regular de fezes das cercas e a não
distribuição das mesmas por pastagens frequentadas por cavalos; lavrar ou escarificar a terra
antes do Verão, pois os ovos de parasitas são resistentes ao frio mas dissecam quando expostos
ao calor; após o desmame, manter os poldros até ao ano de idade separados dos adultos; e
utilizar comedouros, evitando sempre alimentar os animais no chão.
Os endoparasitas que mais frequentemente parasitam equinos na Europa são
ciatostomíneos (pequenos estrôngilos), Strongylus vulgaris (grandes estrôngilos),
Anoplocephala perfoliata, Dictyocaulus arnfieldi, Oxyuris equi, Gasterophilus spp., Strongyloides
westeri, Habronema e Draschia spp., Fasciola hepatica. Alguns dos sintomas são perda de peso,
diarreia e cólicas por impactações ou espasmódicas (Nielsen et al., 2010).
No que toca à prevenção de ectoparasitas, os piretróides como a cipermetrina, são
inseticidas e repelentes de moscas eficazes e seguros, desde que sejam cumpridas as
recomendações de aplicação dos mesmos.
5
2.2. Clínica Médica
A clínica médica foi dividida em várias áreas, como se entende pelo gráfico 2.
Interpretando este gráfico, é possível compreender que a ortopedia foi a que teve maior
percentagem de casos, precisamente 102, correspondendo a 50%. As principais doenças dos
equinos surgem frequentemente relacionadas com o sistema músculo-esquelético, o que justifica
o elevado número de casos observados.
A odontoestomatologia surge a seguir, com 21% do total de casos, 42. Esta área
compreende a dentisteria de rotina, procedimento importante para a saúde equina. A
gastroenterologia representa 10% dos casos, 20, onde se destacam as cólicas. O sistema
digestivo é, também, origem importante das doenças nos cavalos. A Pneumologia e
Otorrinolaringologia consistiu em 12 casos, 6%.
A neonatologia (2%, 4 casos), a dermatologia (8%, 17 casos), a oncologia (1%, 2 casos), a
neurologia (2%, 5 casos) e a oftalmologia (0%, 1 caso), foram as áreas com menor relevância
no decorrer do estágio, pelo que foram agrupadas numa secção.
6%
50%21%
10%
2% 8%
1% 2% 0%Pneumologia eOtorrinolaringologiaOrtopedia
Odontoestomatologia
Gastroenterologia
Neonatologia
Dermatologia
Oncologia
Neurologia
Oftalmologia
Gráfico 2: Relação percentual da casuística relativa à clínica médica (Fr, %; n=
205).
6
2.2.1. Pneumologia e Otorrinolaringologia
A casuística relativa à Pneumologia e Otorrinolaringologia está descrita na tabela 2, com um
total de 12 casos.
Tabela 2: Casuística relativa à Pneumologia e Otorrinolaringologia (n=12).
Pneumologia e Otorrinolaringologia Fi Fr (%)
Gurma 9 75,00
Asma equina 2 16,67
Pneumonia 1 8,33
TOTAL 12 100,00
No decorrer do estágio houve oportunidade de acompanhar alguns casos de gurma,
decorrentes de um surto. Esses equinos foram examinados em várias visitas, numa das quais
foram realizadas endoscopias de controlo e tratamento local das bolsas guturais (BG). Dado o
carácter infecioso da doença, meios de diagnóstico e tratamento utilizados, bem como o número
de animais afetados, este foi o tema escolhido para a monografia deste relatório, desenvolvida
mais adiante.
Uma das doenças respiratórias mais frequentes é a síndrome da asma equina (AE),
anteriormente designada por doença obstrutiva recorrente das vias aéreas (RAO, recurrent
airway obstruction). O seu desenvolvimento ou agravamento surge de uma reação de
hipersensibilidade resultante da exposição a alergénios inalatórios pró-inflamatórios. Ocorre
recrutamento de neutrófilos às vias aéreas através de um mecanismo ainda não totalmente
conhecido. O resultado é uma diminuição no calibre das vias aéreas inferiores devido à
acumulação de muco, espessamento da parede, hiperplasia do músculo liso, infiltração
peribronquiolar de linfócitos e outras células inflamatórias e broncospasmo (Pirie, 2018).
Os alergénios inalatórios estão presentes no ambiente, estando muitas vezes associados
aos pós orgânicos encontrados em ambiente de estabulação, originários da palha usada nas
camas dos cavalos e, principalmente, no feno para alimentação. Os esporos de bolores
presentes em fenos de má qualidade são uma importante fonte de alergénios (Niedźwiedź, 2014;
Pirie, 2018).
A dificuldade na passagem de ar manifesta-se principalmente através de tosse e esforço
expiratório acentuado, estando por vezes presente corrimento nasal mucopurulento bilateral.
Outros sinais clínicos consistem em hipertrofia do músculo oblíquo externo abdominal, aumento
da frequência respiratória (FR), tosse frequente e abertura das narinas. A auscultação pulmonar
pode revelar sibilos expiratórios e crepitação no início da inspiração. A severidade dos sinais
clínicos permite graduar a doença e avaliar se se encontra numa fase inicial ou avançada, em
agudização ou remissão e adequar o plano terapêutico. O exame endoscópico e lavagem
7
bronco-alveolar são auxiliares de diagnóstico e permitem avaliar o grau de inflamação das vias
aéreas (Niedźwiedź, 2014; Pirie, 2018).
Relativamente ao tratamento, os principais pilares são a mudança do ambiente e a terapia
farmacológica. O primeiro permite minimizar a exposição aos alergénios pró-inflamatórios, tendo
um papel preponderante no controlo da doença e não deve ser abdicado em prol da terapia
farmacológica, determinando o seu sucesso (Lavoie, 2007; Niedźwiedź, 2014; Pirie, 2018).
Preferencialmente, o animal deve ser sempre mantido ao ar livre. No entanto, em caso de
estabulação, deve ter-se em atenção a alimentação, o material das camas e a ventilação do
local. O feno deve ser oferecido molhado ou utilizar substitutos comerciais. Relativamente à
composição da cama, deve evitar-se a palha e optar por materiais menos propensos à dispersão
de pós, tais como aparas de madeira, papel ou cartão. A ventilação do estábulo é fundamental
para dissipar partículas inaláveis e melhorar a qualidade do ar (Niedźwiedź, 2014; Pirie, 2018).
É importante referir que as alterações ambientais devem ser feitas em todo o estábulo de
modo a terem sucesso e proporcionarem uma melhor qualidade de vida ao animal (Niedźwiedź,
2014).
A terapia farmacológica consiste em corticosteroides e broncodilatadores (Lavoie, 2007;
Niedźwiedź, 2014; Pirie, 2018). A administração de corticosteroides tem como objetivo reduzir a
inflamação das vias aéreas, sendo os anti-inflamatórios não esteroides (AINE) ineficazes. A
dexametasona é o corticosteroide de eleição, na dose de 0,05-0,1 mg/kg, administrada por via
intravenosa (IV), uma vez ao dia (SID). Em relação aos broncodilatadores, uma opção é a
administração de clenbuterol por via oral, na dose de 1-2 mg/kg, SID. Estes estão indicados para
desobstrução das vias aéreas em casos severos de AE, mas também como procedimento prévio
à corticoterapia por via inalatória (Pirie, 2018).
Um dos casos diagnosticados como asma equina ocorreu numa égua de aptidão reprodutiva
que apresentou acentuada perda de peso no espaço de uma semana, bem como aumento da
componente abdominal da respiração. Há poucos dias tinha sido feito um diagnóstico de
gestação positivo. Ao exame físico apresentava esforço expiratório marcado, sem sibilos e a
auscultação revelou fervores e sons de crepitação. Realizou-se a prova de esforço respiratório
recorrendo-se a um saco de plástico, tendo resultado numa maior evidência da dificuldade e
sons expiratórios anormais.
A terapia instituída variou consoante a evolução e estabilização clínica da égua, tendo
incluído inicialmente um corticosteroide, antibioterapia e um progestagéneo sintético.
Posteriormente também se recorreu a um broncodilatador.
Relativamente aos glucocorticoides, no momento da visita administrou-se fosfato sódico de
dexametasona (Rapidexon® 2 mg/mL) na dose 0,05 mg/kg IV e, após 24 horas, dexametasona
isonicotinato (Dexafarma® 2 mg/mL) na mesma dose, por via intramuscular (IM). O objetivo foi
8
obter um efeito anti-inflamatório rápido, na primeira administração, optando-se seguidamente por
uma apresentação com efeito terapêutico retardado, de modo a proporcionar um efeito mais
duradouro. O antibiótico escolhido foi o ceftiofur (Cefenil® RTU 50 mg/mL) na dose 1 mg/Kg IM,
duas vezes por dia (BID), durante cinco dias, profilaticamente. Para além disto, indicou-se a
administração de altrenogest (Virbagest® 4 mg/ml) na dose 0,044 mg/kg SID com o intuito de
manter a gestação. Mais tarde, recorreu-se ao clenbuterol (Dilaterol® 25 µg/ml) PO, cujo objetivo
era o efeito broncodilatador (Knottenbelt & Malalana, 2015)
A égua foi colocada a campo, fator essencial para a redução dos sinais clínicos e melhoria
geral da sua condição. No entanto, a manutenção da gestação não foi possível.
2.2.2. Ortopedia
A casuística relativa à área da Ortopedia teve uma enorme relevância no estágio decorrido,
como se pode aferir pelos 102 casos acompanhados, discriminados na tabela 3.
Tabela 3: Casuística relativa à Ortopedia (n=102).
Ortopedia Fi Fr (%)
Desmopatia LSB 12 11,76 LA - TFDP 3 2,94 Lig. plantar 1 0,98 Lig. colaterais 1 0,98
Tendinopatia TFDP 3 2,94 TFDS 3 2,94
Fratura P3 2 1,96
MCIV 1 0,98 Sesamoide 1 0,98
P2 1 0,98
Osteoartrite 28 27,45
Sinovite/capsulite/bursite 24 23,53
Abcesso de casco 6 5,88
Síndrome podotroclear 3 2,94
Exostoses 3 2,94
Exame radiográfico controlo poldros 3 2,94
Artrite/tenossinovite séptica 2 1,96
Laminite 2 1,96
Hemartrose 1 0,98
Lombalgia 1 0,98
Miosite 1 0,98
TOTAL 102 100,00
9
A maior parte dos casos assistidos surgiu em cavalos de Endurance bem como de Ensino e
excluíram-se aqui as consultas de acompanhamento, dando-se apenas destaque às doenças
com que houve contacto. Essas consultas referem-se a alguns animais cujo diagnóstico já era
conhecido e a visita consistia essencialmente no seguimento do mesmo, quer fosse uma
evolução ecográfica de uma lesão tendinosa, quer a realização de radiografias de controlo ou a
verificação da eficácia de um tratamento. Nos pacientes avaliados pela primeira vez era realizado
um exame de claudicação completo:
• História e anamnese;
• Exame estático
o inspeção,
o palpação e manipulação;
• Exame dinâmico
o inspeção,
o testes de flexão e manipulação,
o bloqueios anestésicos;
• Exames complementares
o radiografia,
o ecografia.
Há determinadas questões feitas ao proprietário ou utilizador do cavalo que podem ser
valiosas no que diz respeito à avaliação da condição do aparelho locomotor do mesmo. É
relevante uma história de claudicação, qual a sua natureza e como foi acompanhada. Qual a
idade, sexo e aptidão do equino. Relativamente ao problema atual, importa saber quando se
iniciaram os sinais de claudicação, se houve diminuição da performance, se foi instituída
medicação e qual a resposta à mesma, se foram feitas alterações na ferração, se ocorreu algum
tipo de trauma, entre outras questões. Estas têm o intuito de obter o máximo de informação
acerca do animal e da sua condição (Ross, 2011a).
O exame estático engloba a inspeção do equino numa superfície lisa e plana, numa posição
“quadrada”. É avaliada a conformação, postura, assimetrias e comportamento. Por exemplo,
considera-se normal um cavalo que vai alternando o peso de um membro posterior para o outro,
mas é anormal se favorecer claramente um deles.
Numa observação mais próxima do animal, avaliam-se os principais grupos musculares dos
quatro membros, comparando-os com o contralateral quanto à simetria, procurando assinalar
eventuais atrofias. Relativamente à inspeção dos cascos, esta deve ser cuidada, atentando à
A
A
A
A
B
B
B
B
A
A
A
A
B
B
B
B
A
A
A
A
B
B
B
B
10
forma, tamanho e desgaste dos mesmos. Algumas anomalias frequentemente encontradas são
a presença de quartos, contração dos talões e desequilíbrios mediolaterais ou dorsopalmares
(figura 1 e 2).
Igualmente, é aconselhável a inspeção e palpação das principais articulações, tendões e
bainhas tendinosas (figura 3). A palpação e manipulação de estruturas, dependente da
experiência, tem como propósito a identificação de anomalias que muitas vezes revelam a
localização do problema. De seguida, procura-se relacionar as irregularidades assinaladas com
a claudicação observada no exame dinâmico (Baxter, 2011a).
Figura 1: Conformação dos cascos dos membros anteriores. A –
vista lateral; B – vista dorsopalmar. Última ferração há mais de oito
semanas. Cascos longos e ferradura justa.
A B
A
Figura 2: Conformação dos cascos dos membros anteriores. A –
vista lateral; B – vista dorsopalmar. Pinça longa e talões curtos,
típico de inversão do eixo podo-falângico.
A B
11
Ainda no exame estático, é fundamental recorrer à pinça de cascos para testar e localizar a
existência de sensibilidade no casco. Para tal, realiza-se pressão moderada em três a cinco
pontos desde os talões até à pinça, tanto na face medial, como lateral do casco. Na lista de
diagnósticos diferenciais de uma resposta positiva a este exame estão abcessos subsoleares,
fraturas da terceira falange, laminite e contusão (Ross, 2011b).
Quanto ao exame dinâmico, o animal era avaliado em movimento. Em primeiro lugar a passo
em linha reta e realizando uma figura de oito, avaliando-se a fase cranial e caudal da passada.
Depois a trote em linha reta e, de seguida, em círculo em piso duro e piso mole.
A avaliação da claudicação dos membros anteriores é feita nomeadamente pela observação
do movimento vertical do pescoço e cabeça, considerando-se que quando existe um exacerbar
deste movimento, o membro que claudica é o que está em apoio quando o cavalo sobe mais a
cabeça. Em relação à claudicação dos membros posteriores, pode-se avaliar a subida e descida
da pélvis, havendo claudicação do membro que apoia quando a pélvis sobe mais; ou pode-se
observar o movimento das tuberosidades coxais, tendo uma maior amplitude o membro que
apresenta claudicação (Baxter, 2011a).
Outros aspetos a ter em conta no exame dinâmico são o arco desenhado pelo avançar de
um membro ou a extensão do boleto do membro que está em apoio, sendo que um arco menor
ou uma menor descida do boleto indicam claudicação (Baxter, 2011a). Para além destes, existem
muitos outros parâmetros de avaliação dos andamentos de um equino, sendo que, citando Mike
W. Ross “o essencial num exame de claudicação é a determinação da origem da dor”.
O grau de claudicação detetado no exame dinâmico deve ser classificado de modo a avaliar
a evolução da mesma ao longo do tempo e permitir uma maior objetividade. A escala utilizada
no estágio foi a da AAEP (American Association of Equine Practitioners) (AAEP, 2018) (tabela
4):
Figura 3: Inspeção dos membros anteriores. A – vista lateral; B –
vista dorsopalmar. Sobremão bilateral, característica de exostose
da articulação interfalângica proximal.
A B
12
Tabela 4: Escala de graus de claudicação, segundo a AAEP
A etapa seguinte do exame de claudicação consistia em testes de flexão das articulações,
de modo a exacerbar a claudicação, tornando-a mais evidente (figura 4). É de notar e ter em
conta no diagnóstico que a flexão não só exacerba a pressão intra-articular e do osso subcondral,
como tem efeito na cápsula articular e estruturas adjacentes, nomeadamente tecidos moles
(Baxter, 2011a).
No que se refere aos bloqueios anestésicos, o seu objetivo é, após identificação do membro
que claudica, determinar a região da qual é proveniente a dor (Baxter, 2011a). Este procedimento
é realizado de distal para proximal, utilizando um anestésico local, tal como o cloridrato de
mepivacaína a 2% (Doherty & Valverde, 2006). Os principias bloqueios perineurais
correntemente usados para diagnóstico são: digital palmar distal, sesamoide abaxial,
metacarpiano distal (quatro pontos baixo), metacarpiano proximal (quatro pontos alto). No
membro posterior os bloqueios metatarsianos distal e proximal são feitos em seis pontos (Barker,
2016a). Por vezes recorre-se à anestesia intrassinovial, como é o caso da articulação
interfalângica distal, da bursa do navicular, da articulação interfalângica proximal, da articulação
metacarpo-falângica ou da bainha do tendões flexores digitais (Barker, 2016b).
Após execução do bloqueio, aguardava-se o seu
efeito (cerca de cinco a dez minutos) e o animal era
sujeito a nova avaliação a trote em linha reta. O bloqueio
era, então, classificado como positivo ou negativo, sendo
a positividade graduada. Em caso de um bloqueio
negativo, procedia-se, geralmente, ao seguinte bloqueio
mais proximal. Um bloqueio positivo, permite a
localização da origem da dor e, com essa informação
seguiam-se os exames complementares.
A fase final do exame de claudicação consiste na
imagiologia. No decorrer do estágio as técnicas usadas
foram a radiografia e ecografia. A radiografia é mais
0 Não se observa claudicação sob nenhuma circunstância.
1 Claudicação difícil de observar e não é consistente, independentemente das
circunstâncias.
2 Claudicação difícil de observar a passo ou trote em linha reta, mas consistente a trote
em algumas circunstâncias.
3 Claudicação consistente a trote em todas as circunstâncias.
4 Claudicação óbvia a passo.
5 Incapacidade de suportar peso em movimento e/ou em estação ou de avançar.
Figura 4: Flexão do carpo.
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utilizada para avaliação de estruturas ósseas e articulares e a ecografia para tecidos moles, não
estando, no entanto, limitadas a tal.
Um caso bastante impressionante deu-se numa égua de lazer que apresentava uma
claudicação de 4/5 do membro anterior esquerdo. No exame físico identificou-se um edema
generalizado da região metacarpiana e articulação metacarpo-falângica. À palpação, assinalou-
se edema e fibrose na periferia dos ramos do ligamento suspensor do boleto (LSB) e
sensibilidade no sesamoide lateral e metacarpiano IV (MCIV). Passou-se ao exame ecográfico
da região no qual se observou uma fibrose periligamentar severa. As radiografias (figura 5)
revelaram duas fraturas, uma na região apical do osso sesamoide lateral e a outra no botão
terminal do MCIV.
Estas fraturas estão diretamente relacionadas com o aparelho suspensor, podendo ocorrer
lesão do LSB, ligamento intersesamoideu e ligamento sesamoideu distal, consequentes da
fratura de sesamoide, bem como desmite do LSB, resultante da fratura do MCIV. Estas
consequências são importantes em relação ao prognóstico do animal (Dyson, 2011; Richardson
& Dyson, 2011).
A fratura do osso sesamoide era articular e apical, e a do MCIV no terço distal do mesmo
pelo que se optou por um tratamento conservativo (Dyson, 2011; Richardson & Dyson, 2011).
Este consistiu em manter a égua em repouso absoluto e colocou-se um penso compressivo de
modo a permitir a estabilização das fraturas (Kamm, 2015). Adicionalmente iniciou-se a
administração de fenilbutazona via oral na dose de 4,4 mg/kg, reduzindo para 2,2 mg/kg, durante
cinco dias, para obtenção de efeito analgésico (Knottenbelt & Malalana, 2015). Foi recomendada
a reavaliação da égua após oito semanas, data após o final do estágio, pelo que a estagiária não
Figura 5: Imagens radiográficas da região do boleto nas quais se identifica a fratura do
sesamoide lateral e do MCIV. A – Projeção dorso-palmar; B – Projeção latero-medial; C –
Projeção dorsolateral-palmaromedial oblíqua. (Imagens gentilmente cedidas pela Equimuralha).
A B C
14
acompanhou o caso. De qualquer forma, devido à extensão das lesões identificadas, o
prognóstico deste caso não era muito favorável.
Como se pode analisar pela tabela 3, as condições que surgiram em maior número foram a
osteoartrite e a desmopatia do LSB, ambas bastante comuns em cavalos de desporto.
No que toca à osteoartrite, a terapêutica inclui administrações intra-articulares, sendo os
corticosteroides os fármacos de eleição. Estes são potentes anti-inflamatórios que retardam os
processos catabólicos da doença e resultam no prolongado alívio da dor e controlo da
inflamação, tendo, até, algum efeito modulador da doença (Baxter, 2011b)
Os três corticosteroides mais utilizados são acetato de betametasona (BA) (Celestone
Cronodose®), acetónido de triamcinolona (TA) (Trigon Depot®) e acetato de metilprednisolona
(MPA) (Depo-Medrol®). Em relação a estes, a literatura aponta que o BA não apresenta efeitos
deletérios; o TA é condroprotetor, promovendo a saúde da cartilagem; e o MPA apresenta
consistentemente alguns efeitos deletérios (McIlwraith, 2010).
A administração intra-articular destes corticosteroides deve respeitar as doses descritas e
deverá ser tida em conta a duração de ação destes, como descrito na tabela 5.
Tabela 5: Fármacos mais utilizados em administrações intra-articulares (Nelson & Goodrich,
2015).
Fármaco Nome comercial Dose / articulação Duração de ação
Acetato de
betametasona
Celestone
Cronodose® 3-18 mg Intermédia a longa
Acetónido de
triamcinolona Trigon Depot® 6-12 mg Intermédia
Acetato de
metilprednisolona Depo-Medrol®
40-100 mg (não
exceder a dose total
máxima de 200 mg)
Longa
Associado à corticoterapia, o recurso a outros fármacos também é frequente, nomeadamente
o ácido hialurónico ou o polissulfato de glicosaminoglicanos. Outras opções descritas consistem
em terapia intrassinovial com células estaminais mesenquimatosas ou plasma rico em plaquetas
(Nelson & Goodrich, 2015).
Uma das condições mais frequentemente observadas no decorrer do estágio foi a
osteoartrite da articulação interfalângica distal, muitas vezes bilateral, com sinovite associada.
Em vários destes casos, a opção terapêutica consistiu na administração intra-articular de
acetónido de triamcinolona em combinação com ácido hialurónico (McIlwraith, 2010). Fazia-se,
15
ainda, a administração sistémica de um AINE, como a flunixina meglumina ou a fenilbutazona,
adjuvante na ação analgésica e anti-inflamatória.
Em relação às recomendações de ferração para esta condição, indicava-se que os cascos
fossem aparados de forma a restabelecer o equilíbrio do eixo podo-falângico, o que se traduzia
em aparar mais pinça que talões. O centro da ferradura devia ser alinhado com o centro da
articulação interfalângica distal, procurando colocar a ferradura numa posição recuada, de forma
a dar suporte aos talões. Mais ainda, a ferradura devia ter bastante rolling na pinça e ombros, de
forma a facilitar a saída do casco do chão (breakover).
2.2.3. Odontoestomatologia
Tabela 6: Casuística relativa à Odontoestomatologia (n=42).
Odontoestomatologia Fi Fr (%)
Dentisteria de rotina 31 73,81
Extração de dente 105 ou 205 5 11,90
Ex. oral básico 2 4,76
Extração de molares 1 2,38
Extração de incisivos 1 2,38
Retenção de dentes de leite 1 2,38
Abcesso glândula salivar 1 2,38
TOTAL 42 100,00
Pela análise da tabela anterior é possível compreender que a maioria dos procedimentos da
área da odontoestomatologia foi a dentisteria de rotina. Esta integrava os cuidados primários na
grande parte dos cavalos acompanhados pela Equimuralha, sendo recomendada a sua
realização anualmente ou, em alguns casos, de seis em seis meses.
A consulta de dentisteria iniciava-se com um questionário ao responsável pelo cavalo e, em
particular, ao cavaleiro, acerca dos hábitos alimentares, de trabalho e do carácter do animal.
Assim, obtinha-se uma breve história e anamnese, informando de possíveis queixas quando
montado, comportamentos como deixar cair alimento da boca ou bruxismo e há quanto tempo
foi realizada a última dentisteria.
A primeira abordagem era a avaliação da condição corporal e inspeção externa, procurando
sinais de dor ou desconforto oral e avaliando o grau de oclusão. Também se aferia a simetria da
cabeça, a mobilidade da mandíbula e da cabeça, o desenvolvimento dos músculos
mastigadores, a articulação temporo-mandibular, os gânglios linfáticos e as glândulas salivares.
16
Após sedação do cavalo, com o abre-bocas colocado, seguia-se o exame da cavidade oral.
Era feita a apreciação das gengivas, palato duro e mole, língua e comissórias labiais, procurando
identificar pontas de esmalte, rampas, ganchos, dentes de lobo e retenção de dentes de leite.
A informação obtida neste exame era registada numa ficha clínica de dentisteria, permitindo
assim, manter um histórico do animal e acompanhar a evolução dentária do mesmo.
O modelo de nomenclatura usado seguia o sistema de Triadan (figura 6) que se baseia num
número com três dígitos, em que o primeiro é referente à arcada a que o dente em causa
pertence. Assim, 1 corresponde à arcada superior direita e, seguindo o sentido dos ponteiros do
relógio, 2 à superior esquerda, 3 à inferior esquerda e 4 à inferior direita. Os outros dois dígitos
correspondem à posição do dente na arcada definida (Dixon & du Toit, 2011).
Os equinos, à semelhança dos outros mamíferos, são difiodontes sendo a dentição decídua
composta por 24 dentes e a definitiva por 40 a 44 nos machos e 36 a 44 nas fêmeas. Esta
variação surge devido às fêmeas não apresentarem, normalmente, caninos e pela variável
presença do primeiro pré-molar (ou dente de lobo) (Silva et al., 2003).
O exame da cavidade oral e dentisteria de rotina, assumem um carácter preventivo na perda
de peso ou de performance, estando a doença dental também relacionada com dor oral,
impactações gastrointestinais e, no geral, cólicas. A correção de eventuais anomalias, impedindo
que se tornem severas e provoquem dor ou desconforto oral, permite que a mastigação seja
efetuada eficazmente, bem como a adaptação à embocadura, justificando as vantagens
descritas (Carmalt, 2007).
O dente de lobo é o primeiro pré-molar rudimentar e, como referido anteriormente, pode
existir ou não na dentição de um equino, surgindo em cerca de 40 a 80 % dos cavalos e, em
geral, em número singular e de pequeno tamanho. É mais frequentemente encontrado na maxila,
mas pode estar presente na mandíbula e a sua erupção dá-se por volta dos seis aos dezoito
meses, mas é variável. Quando existe, muitas vezes interfere ou pode vir a interferir com a
Figura 6: Sistema de Triadan (Dixon & du Toit, 2011).
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embocadura e, em consequência, no trabalho do cavalo. Assim, por rotina, realiza-se a extração
do dente de lobo (Tremaine & Schumacher, 2011).
A exodontia do dente 05 é, geralmente, possível de ser feita na sua totalidade, com o animal
em estação, sedado. Uma das dentisterias efetuadas no decorrer do estágio foi feita num poldro
de quatro anos, consistindo na primeira intervenção do mesmo. O cavaleiro apenas relatava
alguma instabilidade no contacto e na inspeção externa o animal apresentava dor facial ligeira.
No exame da cavidade oral, identificou-se a presença do dente 105 e que este exibia um
tamanho bastante grande, comparativamente à norma. Para além disso, estavam presentes
severas pontas dentárias bilaterais e erosão ligeira da língua e comissórias labiais.
Foi aplicada lidocaína subgengivalmente, na região em redor do dente e, recorrendo a um
elevador, foi-se destacando as aderências gengivais e periodontais. O objetivo deste
procedimento é permitir que o dente fique o mais solto possível, de modo a facilitar a extração.
Por vezes, pode ocorrer a fratura do dente, pelo se deve ter alguma precaução, bem como a
proximidade da artéria palatina (Tremaine & Schumacher, 2011)
Após extração do dente inteiro (figura 7), certificou-se que o alvéolo dentário estava
completamente livre de pequenos fragmentos e lavou-se abundantemente a boca com água e
clorhexidina diluída, insistindo na região intervencionada. Foi recomendado que se realizasse
esta lavagem, duas vezes por dia, com água e uma solução antisséptica oral comercial, durante
dez dias e que não fosse colocada embocadura nos três a quatro dias seguintes. A próxima
consulta de dentisteria deveria ser feita dali a um ano.
A
B C
Figura 7: Arcada superior direita. A – Identificação do dente 105 de grandes dimensões; B –
Alvéolo após extração; C – Comparação do tamanho de dentes de lobo.
18
2.2.4. Gastroenterologia
Tabela 7: Casuística relativa à Gastroenterologia (n=20).
Cólica define-se como a manifestação de dor abdominal, tendo um enorme impacto na
população equina. Esta dor pode ter, ou não, origem gastrointestinal, sendo a última a mais
frequente. As cólicas gastrointestinais mais comuns são as espasmódicas e timpanismos,
seguidas de impactações e deslocamento de cólon maior.
A classificação das cólicas pode ser feita pela localização:
intestino delgado ou grosso; pela causa: física ou funcional; e pelo
tipo de lesão: obstrutiva ou não obstrutiva, estrangulada ou não
estrangulada (Hines, 2018). Assim, é importante realizar um
cuidadoso exame físico do cavalo em cólica de modo a classificar
o tipo e severidade da condição, determinando se se está perante
uma cólica médica ou cirúrgica. Após este exame, deverá ser feito
um diagnóstico presuntivo e um plano de tratamento (figura 8).
O exame do cavalo em cólica era feito de forma sistemática:
• História e anamnese;
• Exame clínico
o constantes vitais, atitude, perfusão periférica,
conformação física e auscultação abdominal;
• Entubação nasogástrica
Gastroenterologia Fi Fr (%)
Obstrução esofágica 2 10,00
Impactação Cólon dorsal direito 3 15,00
Flexura pélvica 2 10,00 Ceco 2 10,00
Gástrica 1 5,00
Cólica de areia 3 15,00
Distensão gasosa de ceco 1 5,00
Cólica espasmódica 1 5,00
Colite 1 5,00
Estrangulamento de intestino delgado 1 5,00
Rutura intestinal 1 5,00
Rutura de reto 1 5,00
Prolapso rectal 1 5,00
TOTAL 20 100,00
Figura 8: Tronco de
contenção. Diagnóstico e
tratamento de cavalo em
cólica.
19
o avaliação do refluxo;
• Palpação transrectal
o anatomia normal ou anormal, dor visceral, achados anormais;
• Ecografia abdominal
o anatomia, motilidade e conteúdo gastrointestinal, espessura da parede
intestinal, distensão visceral, presença de líquido livre abdominal;
• Abdominocentese
o cor, conteúdo, cheiro;
• Patologia clínica
o hemograma - hematócrito (PCV), proteínas totais (PT), leucograma;
bioquímicas séricas - lactato, glucose, enzimas) (Desrochers & White,
2017).
Relativamente às opções terapêuticas médicas, estas incluíam a administração via
nasogástrica de água, parafina líquida e sulfato de magnésio; fluidoterapia intravenosa
adequada; controlo da dor através de analgesia ou sedação; administração de outros fármacos
como espasmolíticos; passeios a passo; entre outras (Mair, 2017). Dado o caráter ambulatório
do estágio decorrido, esta era a abordagem possível perante um caso de cólica. Caso se tratasse
de uma cólica cirúrgica ou o animal necessitasse de cuidados intensivos, era referenciado para
um hospital.
Um dos casos que se destacou ocorreu num cavalo
macho castrado, da raça Sorraia, com cerca de 22 anos
que se concluiu, por cirurgia abdominal, ter um
estrangulamento devido um lipoma pedunculado.
Segundo Archer (2017) este tipo de cólicas surge mais
frequentemente em cavalos idosos, castrados e de raças
de póneis. A idade média é de 16,6 a 19,2 anos e em
cavalos com idade superior a 20 anos, os lipomas
estrangulantes representam 18% das cólicas admitidas
em hospital e 44% das cólicas de intestino delgado
(Archer, 2017).
O animal exibia múltiplas contusões, escoriações e
edema da cabeça, em particular da região supraorbitária,
resultantes de traumas autoinfligidos, que indicavam
uma dor severa (figura 9). No exame físico apresentava
uma frequência cardíaca (FC) de 76 batimentos por
Figura 9: Lesões na região da
cabeça indicadoras de dor severa.
20
minuto, frequência respiratória de 32 respirações por minuto, membranas mucosas pálidas e
secas, tempo de repleção capilar de quatro segundos, enchimento jugular lento e motilidade
intestinal ausente em todos os quadrantes. A palpação transrectal revelou algumas ansas de
intestino delgado distendidas e da entubação nasogástrica obteve-se refluxo.
Com esta informação e dados os fatores predisponentes, bem como o grau de dor do animal,
a suspeita de lipoma estrangulante tornou-se mais relevante. Assim, procedeu-se à realização
de uma ecografia abdominal transcutânea executada metodicamente. Avaliou-se o intestino
delgado revelando ansas distendidas e amoteis (íleo paralítico), facto relacionado com
ocorrência de lesões estranguladas. O diâmetro luminal e a espessura da parede das ansas
estavam aumentados, sendo os valores de referência cinco centímetros e três milímetros
máximos, respetivamente (figura 10) (le Jeune & Whitcomb, 2014).
Definido o diagnóstico presuntivo, constatou-se a necessidade urgente de cirurgia abdominal
pelo que se procedeu à estabilização do paciente para o transporte e anestesia. Os objetivos
eram o controlo da dor e hidratação. Para o primeiro recorreu-se à sedação com xilazina (0,3–1
mg/kg, IV) e butorfanol (0,02–0,04 mg/kg, IV); e ao AINE flunixina meglumina (0,25–1 mg/kg, IV)
(Livingston, 2006).
A fluidoterapia consistiu num bolus inicial de 1 L de solução hipertónica (NaCl 7,5%; 2-4
mL/Kg/0,5h) com vista a repor os deficits de desidratação, seguidos de 10 L de solução isotónica
(Lactato de Ringer; 10-20 mL/kg/h) e ainda 5 L de NaCl 0,9% com adição de 100 mL de cálcio
(2-4 mL/kg/h) (Seahorn & Seahorn, 2003).
O cavalo seguiu prontamente para o hospital de referência onde se realizou uma laparotomia
exploratória e se confirmou o estrangulamento de intestino delgado por um lipoma pedunculado.
Figura 10: Imagens ecográficas de um cavalo adulto com um lipoma
estrangulante. A - Distensão de intestino delgado marcada (diâmetro luminal =
5,29 cm); B - Espessamento severo da parede do intestino delgado de até 1,5
cm (setas) (le Jeune & Whitcomb, 2014).
21
2.2.5. Neonatologia
Na tabela 8 está representado o número de casos acompanhados na área de neonatologia.
Tabela 8: Casuística relativa à Neonatologia (n=4).
Neonatologia Fi Fr (%)
Teste rápido IgG 1 25
Deformidade flexural 1 25
Artrite séptica 1 25
Colite 1 25
TOTAL 4 100
Para medição do nível de imunoglobulinas sanguíneas (principalmente imunoglobulinas G
(IgG)) em poldros recém-nascidos foi utilizado o dispositivo comercial SnapFoal®.
Maioritariamente, a realização deste teste de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) teve
um papel profilático em contexto de coudelaria, uma vez que foi efetuado a cada poldro nascido
no ano de 2018.
Assim, cerca de 12 a 24 horas após o parto, era feita a colheita de sangue e o teste, sendo
este o intervalo de tempo ideal para o fazer. De facto, depois das 18 a 24 horas após o parto, a
absorção intestinal de anticorpos do colostro é virtualmente nula, pelo que, nesta fase, a
realização de medidas corretivas da capacidade imunológica implica a administração de plasma
IV.
A realização do teste nas 12 a 24 horas permite, assim, verificar o nível
de IgG num poldro, confirmando a sua capacidade imunológica e evitando
infeções futuras, nomeadamente a septicémia (Knottenbelt et al., 2004a).
O valor sanguíneo de IgG que reflete uma proteção imunológica
adequada num poldro recém-nascido, às 24h, é de, no mínimo, 8 g/L
(Knottenbelt et al., 2004a). O teste SnapFoal® permite facilmente identificar
o nível de IgG em vários intervalos de concentração, nomeadamente acima
dos 8 g/L (figura 11).
É importante assegurar a ingestão do colostro pelos poldros recém-
nascidos visto que a placenta dos equinos é do tipo epiteliocorial e estes
nascem sem proteção imunológica (Knottenbelt et al., 2004b).
As artrites sépticas em poldros são consequências relativamente comuns
de septicémia e bacteriemia, o que se pode relacionar com falha de
transferência de imunidade passiva (Glass & Watts, 2017; Levine, 2015). Os poldros têm a
característica particular de possuírem uma vasta rede de vasos sanguíneos transfiseais que
Figura 11: Teste
SnapFoal®.
Nível de IgG
superior a 8g/L.
22
irrigam as articulações (Levine, 2015). Assim, por via hematógena ocorre a infeção da membrana
sinovial de uma ou mais articulações. Os principais sinais clínicos são claudicação, efusão
articular, edema peri-capsular, articulação quente e dor à palpação (Glass & Watts, 2017). No
entanto, infeções articulares em poldros podem também advir de feridas traumáticas infetadas.
Nesses casos há, geralmente, evidência histórica e clínica de trauma (Knottenbelt et al., 2004c)
O diagnóstico faz-se pela análise do líquido articular que apresenta viscosidade diminuída,
coloração serosanguinolenta e alguma opacidade. Pode ser feita uma análise laboratorial do
líquido sinovial considerando que uma contagem total de células nucleadas maior que 10 000 a
30 000 células/mL, uma percentagem de neutrófilos acima de 90% e valor de proteína total
superior a 4 g/dl são altamente sugestivas de artrite séptica (Glass & Watts, 2017).
Relativamente aos agentes que provocam estas artrites, cerca de 62,5% são bactérias gram
negativas e 37,5% gram positivas (Hepworth-Warren et al., 2015). Assim, o tratamento consiste
em antibioterapia de largo espectro a nível local e, caso se justifique, sistémico. Esta deverá ser
ajustada consoante os resultados da cultura microbiológica (Levine, 2015). Para além da terapia
com antibióticos, deverá ser realizada a lavagem da articulação com agulhas ou por artroscopia.
Seguidamente, deve ser administrado um antibiótico intra-articular e considerar uma perfusão
antibiótica regional, com vista a aumentar a eficácia do tratamento (Glass & Watts, 2017).
O caso observado ocorreu numa poldra com oito dias (figura 12). A poldra nasceu durante a
noite e apenas foi vista a mamar na manhã seguinte. Há dois dias tinha sido vista a claudicar do
membro anterior esquerdo, o que se verificou no exame clínico. Também foi relatada uma
distensão articular do carpo. A poldra apresentava-se alerta, sem febre e as constantes vitais
normais. No exame físico identificou-se distensão da articulação intercárpica, com dor à palpação
e flexão.
Realizou-se o teste SnapFoal® que revelou um nível de IgG aproximado de 8 g/L estando,
assim, confirmada a capacidade imunológica da poldra. Procedeu-se à artrocentese verificando-
se presença de líquido articular sanguinolento e seguidamente efetuou-se lavagem da
articulação intercárpica com 1L de lactato de Ringer.
De seguida, administrou-se 2 mL de amicacina intra-articular, cefquinoma (Ceffect® 25
mg/mL) na dose de 2,5 mg/kg IM e meloxicam (Rheumocam® 15 mg/mL) na dose de 0,6 mg/Kg
PO (Castagnetti & Mariella, 2015). A utilização de meloxicam teve como objetivo a ação anti-
inflamatória e analgésica, mantendo-se durante três a cinco dias e a antibioterapia durante sete
a dez dias. No fim, aplicou-se um penso na região que foi removido após três dias.
O meloxicam foi o AINE eleito por ser seletivo para a COX-2, o que se traduz numa redução
dos efeitos secundários destes fármacos, tais como ulceração gástrica e falência renal. Estes
estão relacionados com a inibição da COX-1, como ocorre nos AINEs não seletivos, pelo que se
deve administrar protetores gástricos nesses casos (Castagnetti & Mariella, 2015; Knottenbelt et
al., 2004c).
23
A evolução do caso foi favorável, tendo a poldra recuperado após alguns dias e não
apresentando claudicação.
Figura 12: Abordagem ao caso de neonatologia. A – Vista lateral; B – vista dorsal. Notar a
distensão articular do membro anterior esquerdo; C e D – lavagem articular; E – interpretação
do teste SnapFoal®.
A B C
D
E
24
2.2.6. Outros
Neste capítulo incluem-se quatro áreas que foram agrupadas por comporem procedimentos
ou doenças menos comuns, ou precisamente por surgirem com alguma frequência nos equinos,
mas a sua abordagem ser de algum modo simples ou limitada. Todavia, estas áreas da clínica
médica não deixam de ter relevância significativa, pelo que são aqui representadas e
discriminadas nas tabelas 9 a 12.
Tabela 9: Casuística relativa à Dermatologia (n=17).
Tabela 10: Casuística relativa à Oncologia (n=2).
Tabela 11: Casuística relativa à Neurologia (n=5).
Tabela 12: Casuística relativa à Oftalmologia (n=1).
Dermatologia Fi Fr (%)
Feridas 10 58,82
Abcesso 2 11,76
Dermatofilose 2 11,76
Cicatriz 1 5,88
Piodermatite 1 5,88
Fotossensibilidade 1 5,88
TOTAL 17 100,00
Oncologia Fi Fr (%)
Melanoma 2 100,00
TOTAL 2 100,00
Neurologia Fi Fr (%)
Encefalopatia hepática 4 80
Síndrome de Wobbler 1 20
TOTAL 5 100
Oftalmologia Fi Fr (%)
Úlcera da córnea 1 100
TOTAL 1 100
25
2.2.6.1. Dermatologia
Relativamente à dermatologia, as feridas surgiram em maior número, por vezes ocorrendo
mais de uma num só animal. A maioria sucedeu na porção distal dos membros e sem
envolvimento sinovial, sendo muito importante confirmar este facto pois, caso haja alguma
articulação em causa, o tratamento e prognóstico são distintos.
A abordagem às feridas era realizada de forma sistemática, iniciando por um exame físico
geral, seguido de exploração e classificação das mesmas. Realizava-se a tricotomia da região e
a primeira limpeza com uma solução de lavagem composta por clorhexidina e sal diluídos em
água. Seguia-se a assepsia, geralmente recorrendo a compressas embebidas em iodopovidona
solução espuma 4%, alternando com a solução de lavagem e finalizando com uma solução estéril
de clorhexidina a 5% diluída num litro de NaCl 0,9%.
O propósito da irrigação das feridas é a remoção suave de contaminantes levemente
aderidos, bactérias e tecido desvitalizado da superfície da ferida. A adição de antissépticos é
alvo de debate. O objetivo da utilização destes agentes é a inibição ou atraso do crescimento de
microrganismos em tecidos vivos. Os antissépticos têm um largo espectro antimicrobiano e uma
reduzida propensão para a indução de resistências bacterianas. Os mais comumente usados na
prática clínica são a iodopovidona e a clorhexidina. No entanto, alguns estudos indicam que estes
agentes têm efeitos nocivos no tratamento de feridas (Dart et al., 2017)
Consoante o tipo de ferida em causa, simples ou cirúrgica, procedia-se ao seu tratamento
que podia incluir lavagem articular, sutura, colocação de penso, aplicação tópica ou outro que
fosse adequado àquele caso. As feridas cirúrgicas estão incluídas no capítulo 2.3 – Clínica
Cirúrgica.
A anestesia local ou regional está indicada para dessensibilizar uma ferida, de modo a
facilitar a inspeção, exploração e tratamento da mesma, com o cavalo em estação. Geralmente
conjuga-se com um tranquilizante ou sedação e pode ser usada para alívio da dor (Dart et al.,
2017).
No que toca às feridas nos equinos, há que ter em conta o fator económico no
acompanhamento das mesmas. A repetida deslocação do veterinário para colocação de pensos
necessários ao tratamento das feridas torna-se dispendiosa e, muitas vezes, os proprietários
optam por adquirir o material necessário e serem os próprios a trocar os pensos, minimizando
custos. Contudo, é fundamental explicar a importância do acompanhamento da evolução da
ferida.
26
2.2.6.2. Neurologia
Incluíram-se nesta área quatro casos de encefalopatia hepática consequente a intoxicação
por plantas tóxicas, que tiveram bastante relevância ao longo dos meses de estágio, tendo
apenas dois casos ocorrido simultaneamente no espaço e tempo (mesmo dia na mesma
coudelaria). Estes animais foram acompanhados durante vários dias e dois foram referenciados
para hospitais. No entanto, por se tratar de uma condição complexa, nenhum sobreviveu.
As intoxicações tiveram como causa os alcaloides pirrolizidínicos presentes em diversas
plantas. Em todos os casos, foi possível identificar no ambiente exemplares dessas plantas:
Echium plantagineum (vulgar “soagem”, “chupa-mel”, “língua-de-vaca”), Senecio vulgaris
(“tasneirinha”) e Senecio jacobaea (“tasna”). Recorreu-se, para tal, a um manual e websites de
identificação de plantas e à importante colaboração com o Laboratório de Botânica do ICAAM
(Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora) na análise
de algumas amostras. No Anexo I encontram-se algumas fotografias das referidas espécies,
obtidas durante o estágio.
Estas plantas são consideradas infestantes de pastagens, mas surgem muito
frequentemente em terrenos cultivados, apresentando uma grande amplitude ecológica. Devido
à sua reduzida palatabilidade, geralmente não são consumidas pelos animais e, tendo em conta
o carácter seletivo da forma como os equinos se alimentam, mais improvável é o seu consumo.
Contudo, isso pode acontecer em determinadas circunstâncias em que há escassez de alimento,
sobrepastoreio ou consumo de feno contaminado (Mair & Divers, 2017).
Os quatros casos sucederam em locais distintos, em três éguas de aptidão reprodutiva e
numa égua de desporto. Apenas duas das éguas de reprodução coabitavam o mesmo local, mas
o contexto era semelhante em todos os casos. Passavam a maior parte do tempo em cercas ou
paddocks e apenas a égua de aptidão desportiva não tinha habituais períodos de pastoreio a
campo. Em nenhum dos casos se identificou insuficiente aporte alimentar dos animais, quer de
alimento forrageiro, quer de concentrado. No entanto, as cercas ou paddocks onde habitavam
encontravam-se sobrepastoreadas, apenas restando plantas tóxicas.
A ingestão continuada de plantas ricas em alcaloides pirrolizidínicos leva à progressiva
fibrose hepática, resultando em insuficiência hepática crónica. Isto é, a toxicidade é cumulativa,
sendo necessário o consumo de 2 a 5% do peso corporal para que ocorra doença hepática. Os
sinais de toxicidade surgem mais frequentemente após exposições ligeiras mas continuadas e
tardiamente, entre quatro semanas a doze meses após ingestão das plantas (Mair & Divers,
2017).
A doença hepática consequente pode surgir de forma aguda ou crónica, sendo o sinal mais
precoce, a diminuição da performance. Com o desenvolvimento da doença, a lesão do fígado
agrava-se e o inicial comprometimento da sua função manifesta-se por progressiva anorexia,
27
depressão, icterícia e perda de peso. No entanto, sabe-se que estes sinais clínicos surgem
apenas quando cerca de 70% da capacidade funcional do fígado está comprometida (Durham,
2017; Mair & Divers, 2017).
A fase final da doença surge quando a lesão é extensa o suficiente para causar falência
funcional e descompensação hepática, desencadeando subitamente os sinais clínicos mais
exuberantes. Ou seja, dá-se a agudização do processo crónico, caracterizada por encefalopatia
hepática (EH) e morte abrupta. Lesões cutâneas de fotossensibilidade estão também associadas
à insuficiência hepática (Elfenbein & House, 2011; Mair & Divers, 2017).
EH define-se como uma alteração da função cerebral, metabolicamente induzida e
potencialmente reversível. É uma condição severa que envolve várias neurotoxinas de origem
entérica, inflamação sistémica e cerebral, disfunção vascular cerebral e anomalias
neuroendócrinas (Mair & Divers, 2017).
A principal causa da EH aponta-se como a elevada concentração sérica e cerebrospinal de
amoníaco. Essa elevação ocorre devido à incapacidade da conversão desta molécula em ureia,
através de enzimas do ciclo da ureia, processo que ocorre no fígado. Em concentrações elevadas
o amoníaco tem efeito neurotóxico e atravessa, por difusão, a barreira hematoencefálica. A sua
presença no cérebro resulta no seu metabolismo pelos astrócitos, convertendo-a em glutamina.
Consequentemente, a acumulação de glutamina leva à quebra do equilíbrio hídrico do cérebro,
resultando em edema citotóxico. Mais ainda, o amoníaco induz inflamação e produção de
radicais livres no cérebro, levando ao edema vasogénico. Outras ações também conhecidas
deste neurotóxico são os efeitos diretos no pH, no potencial de membrana e na neurotransmissão
(Divers, 2015).
É importante referir o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica ao
amoníaco, resultante da falência hepática. Nesta condição, não só ocorre o aumento da
concentração sérica de amoníaco, como de endotoxina e da atividade das metaloproteinases.
Estes efeitos provocam o referido aumento de permeabilidade, o que, ultimamente, permite o
transporte de outras neurotoxinas para o cérebro (Divers, 2015).
Como se entende, a patofisiologia da EH é bastante complexa, não sendo o objetivo deste
trabalho descrevê-la em exaustão.
Dependendo da interação complexa entre neurotoxinas, a manifestação dos sinais clínicos
varia entre um comportamento depressivo ou maníaco. Na forma moderada, os sinais clínicos
incluem depressão, anorexia e bocejar frequente; na forma exuberante, observa-se head
pressing, cegueira, circling e coma. Frequentemente identifica-se ataxia, ainda que este sinal
clínico possa estar ausente. O exame físico revela cegueira cortical acompanhada de midríase,
ausência ou atraso da resposta ao estímulo das narinas e reduzido tónus muscular do lábio
inferior. Pode ocorrer também paralisia laríngea ou disfagia, bem como impactação ou rutura
28
gástrica. As constantes vitais estão, por norma, dentro dos valores fisiológicos (Divers, 2015;
Mair & Divers, 2017).
Em suma, os sinais clínicos de insuficiência hepática secundária à intoxicação por plantas
tóxicas surgem tardiamente sob a forma de EH.
A sintomatologia das éguas coincidiu, ao longo das várias visitas, com a anteriormente
descrita. As membranas mucosas apresentavam-se quase sempre congestivas (figura 13) e em
todos os casos foi assinalada ataxia, head pressing (figura 14), midríase com reflexo pupilar
presente, icterícia e perda de peso. Outros sinais observados foram movimentos de mastigação
aleatórios, cólica ligeira sem alterações à palpação transrectal e algumas lesões de
fotossensibilidade. A égua de desporto tinha história de perda de performance. Outra apresentou
comportamento agressivo, head pressing e circling e posteriormente um estado comatoso com
vocalização característica de paralisia laríngea, taquicardia, taquipneia e hipertermia.
A abordagem diagnóstica a uma suspeita de doença hepática é feita através da patologia
clínica, ecografia abdominal e biópsia hepática. Relativamente à patologia clínica, assinala-se o
aumento das enzimas hepáticas séricas, especialmente a gama glutamil transferase (GGT) e
sorbitol desidrogenase (SDH), específicas para os equinos. O seu aumento sérico revela,
respetivamente, colestase e doença hepatocelular. A enzima fosfatase alcalina (ALP) é
hepatobiliar e, a interpretação em conjugação com a GGT indica a relevância do seu aumento
sérico. Assim, a análise das enzimas hepáticas deve ser feita em conjunto, de modo a obter a
correta interpretação da condição patológica do fígado (Elfenbein & House, 2011; Meyer &
Walton, 2014)
Em Portugal, não está disponível a medição laboratorial da SDH, pelo que foram
avaliadas as enzimas GGT e ALP, disponíveis no laboratório da Equimuralha. Nos equipamentos
utilizados os valores normais para estas enzimas consideravam-se dentro do intervalo 8-22 UI/L
para a GGT e 86-285 UI/L para a ALP. Numa das éguas, a análise bioquímica revelou 771 de
Figura 13: Mucosa conjuntiva
congestionada. Midríase. Figura 14: Head pressing.
29
GGT e 691 UI/L de ALP; noutra 305 UI/L de GGT e 525 UI/L de ALP; noutra obteve-se sempre
valores de GGT muito elevados, inclusive não mensuráveis, superiores a 1500 UI/L.
No caso das duas éguas da mesma exploração, realizaram-se colheitas de sangue para
medição da GGT a outros três cavalos da exploração, com vista a detetar precocemente uma
possível afeção hepática, o que não se verificou. Isto porque os casos de doença hepática
tendem a surgir em surtos, havendo mais que um animal afetado (Durham, 2017).
Pela história de exposição a plantas tóxicas e pela patologia clínica, é possível fazer um
diagnóstico presuntivo. Todavia, o diagnóstico definitivo para casos de doença crónica é feito
através da biópsia hepática, preferencialmente ecoguiada. Este método permite realizar uma
avaliação histopatológica e identificar as lesões hepáticas caraterísticas de toxicidade por
alcaloides pirrolizidínicos, bem como estabelecer um prognóstico para o animal. Num dos casos
referenciados para um hospital foi efetuado este procedimento e as lesões relatadas eram
coincidentes com a causa suspeita. Classicamente identifica-se megalocitose progressiva,
fibroplasia e hiperplasia biliar, bem como células neoplásicas, acumulação de hemossiderina e
infiltrado inflamatório. O prognóstico é tão pior quanto pior for o grau de cada fator (Durham,
2017; Elfenbein & House, 2011)
Relativamente à ecografia hepática, nos casos avaliados identificou-se uma
hiperecogenicidade do fígado que, fisiologicamente, é menos ecogénico que o baço (Mair &
Divers, 2017). Este achado estaria, possivelmente, relacionado com fibrose hepática.
Adicionalmente, observou-se a imagem clássica de “starry sky” que, no entanto, não apresenta
relação clínica com doença hepática e considera-se um achado acidental (Carlson et al., 2011)
O prognóstico desta condição é geralmente reservado a pobre, devido à extensa fibrose
hepática presente quando surgem os sinais clínicos e se realiza o diagnóstico. Não obstante, o
intensivo tratamento de suporte está indicado e, em determinados casos, há uma melhoria
significativa e possibilidade de sobrevivência durante alguns meses (Mair & Divers, 2017).
Quanto à origem do problema, as plantas tóxicas, o que há a fazer é eliminar a exposição à
mesmas o que, muitas vezes, não é fácil de assegurar. Assim, o tratamento é dirigido aos sinais
clínicos, nomeadamente à EH.
Com o objetivo de corrigir a glucose, anomalias eletrolíticas e ácido-base, deve ser instituída
fluidoterapia com cristaloides (50 mL/Kg/dia) suplementada com cloreto de potássio. Esta
suplementação deve-se à anorexia que acompanha a EH resultando em hipocalémia que, por
sua vez, promove a síntese de amoníaco no rim (Divers, 2015; Elfenbein & House, 2011).
Para a redução da produção e absorção de amoníaco nos intestinos, recorre-se à
administração oral de lactulose na dose 0,3 mL/kg a cada 6 a 12 horas. Do seu metabolismo
resultam iões H+ que permitem a conversão dos iões de amoníaco (NH3) em sais de amónio
fracamente absorvíveis (NH4+). O principal efeito secundário é a ocorrência de diarreia (Divers,
2015; Elfenbein & House, 2011).
30
A administração de dimetilsulfóxido (DMSO), vitaminas do complexo B e vitamina C está
indicada como suporte da atividade antioxidante do cérebro, embora sem evidência científica.
Os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) podem ser úteis na destoxificação do amoníaco,
no metabolismo da glucose e na diminuição do catabolismo proteico e muscular, mas a sua
utilização é controversa. O edema cerebral pode ser temporariamente diminuído pelo uso de
manitol ou soro salino hipertónico (Divers, 2015).
É importante ter em conta a lista de diagnósticos diferenciais, na qual se inclui a
colangiohepatite. Por essa razão deve garantir-se a cobertura antibiótica utilizando um antibiótico
de largo espectro. Adicionalmente, deve-se administrar flunixina meglumina na dose 0,5-1 mg/kg
pela sua ação anti-inflamatória e analgésica (Elfenbein & House, 2011).
O tratamento das éguas foi de acordo com descrito e seguindo as doses recomendadas.
Quando se justificava, recorria-se à sedação com xilazina (Xilagesic® 200 mg/mL) na dose 0,25–
1,1 mg/kg IV (Knottenbelt & Malalana, 2015).
Utilizou-se NaCl 0,9% para a fluidoterapia, suplementando com potássio e glucose.
Administrou-se Duphalyte® (vitaminas do complexo B, eletrólitos, dextrose e BCAA) ou Neatox®
(vitamina B12, frutose, eletrólitos e aminoácidos) soluções injetáveis indicadas para suporte em
casos de desequilíbrios eletrolíticos e intoxicações. DMSO 10% também foi administrado diluído
no soro, pelo efeito anti-inflamatório e antioxidante. Foi instituída a lactulose (Laevolac®) PO e
flunixina meglumina (Flunixin®) IV. A antibioterapia foi assegurada com uma cefalosporina de
terceira ou quarta geração. Respetivamente, ceftiofur (Cefenil RTU® 50 mg/mL) na dose 2 mg/Kg
IM a cada 12 horas, ou cefquinoma (Ceffect® 25 mg/mL) na dose 1-2 mg/kg IM a cada 24 horas
(D. C. Knottenbelt & Malalana, 2015). Por último, caso ocorresse cólica ligeira com redução da
motilidade intestinal, era administrada água e parafina por via nasogástrica.
Concluindo, obteve-se, em alguma altura, melhoria dos sinais clínicos (exceto no caso
comatoso). Isto é, foi possível contrariar a ação do amoníaco e reduzir a sintomatologia de EH.
No entanto, após algumas horas ou dias, o efeito terapêutico cessava e a sintomatologia
retornava. Foi, deste modo, declarada a impossibilidade de resolução definitiva da condição,
procedendo-se à eutanásia de duas éguas. A égua que respondeu melhor ao tratamento
manteve-se estável durante alguns dias, pelo que o proprietário optou por colocá-la com a
eguada no campo, tendo sobrevivido durante cerca de três meses.
Na égua comatosa não foi possível reversão deste estado, pelo que se eutanasiou o animal.
Com o consentimento do proprietário foi efetuada a necropsia (figura 15), na qual se identificou
icterícia generalizada (figura 15-A). O fígado apresentava-se hipoplásico, com consistência muito
aumentada, coloração esbranquiçada e superfície rugosa (figura 15-B) (Mair & Divers, 2017).
Uma amostra hepática foi recolhida e enviada para análise histopatológica. Ao corte, descreveu-
se a coloração marmoreada (figura 15-C). O exame microscópico revelou alterações
31
histopatológicas compatíveis com hepatotoxicidade crónica, como anteriormente descrito (Anexo
II).
É difícil compreender o desencadear insidioso destas intoxicações, especialmente por parte
dos proprietários, pois os cavalos encontram-se nas condições adequadas e apresentam aspeto
geral normal. O tratamento é dispendioso, limitado e com pouco sucesso, causando alguma
frustração quer no proprietário, quer no veterinário. É na prevenção que reside a sobrevivência
dos animais, sendo importante reconhecer as plantas tóxicas e evitar a sua exposição, bem como
identificar os sinais precoces, embora bastante inespecíficos.
Figura 15: Imagens de necropsia. A – Presença de icterícia; B – Atrofia, aspeto firme e
esbranquiçado do fígado; C – Coloração marmoreada ao corte do fígado.
A
B C
32
2.3. Clínica Cirúrgica
Relativamente à clínica cirúrgica, entende-se pela tabela 13, que o procedimento mais
comum foi a orquiectomia.
Tabela 13: Casuística relativa à Clínica Cirúrgica (n=16).
A orquiectomia consiste na excisão dos testículos e está indicada para situações em que não
se pretende utilizar o animal como reprodutor ou quando se quer eliminar comportamentos de
macho. Os cavalos castrados tornam-se dóceis e são mais facilmente trabalhados, pela redução
da produção de androgénios devido à ausência do principal órgão produtor destas hormonas.
Também está indicada em alguns casos de orquite, neoplasia testicular, torção do cordão
espermático ou qualquer trauma dos testículos (Schumacher, 2019).
Previamente à cirurgia, um exame físico deve ser efetuado, prestando particular atenção ao
escroto, localizando os dois testículos e identificando irregularidades como hérnias inguinais. Aos
cavalos cuja vacinação para o tétano tenha sido feita há mais de seis meses deverá ser
administrado um reforço vacinal (Schumacher, 2019). Anteriormente recomendava-se o reforço
para os casos em que a vacinação era feita há mais de um ano, medida adotada na Equimuralha
(Schumacher, 2012).
No estágio decorrido, as orquiectomias eram realizadas a campo, com o animal em decúbito
e sob anestesia. Esta cirurgia pode ser realizada com o cavalo em pé apenas sedado, no entanto
tem alguns riscos e torna-se tecnicamente mais difícil. O candidato ideal para esta abordagem é
um cavalo manso e cuja genitália é facilmente palpável o que, por vezes, pode não ser o que se
encontra (Schumacher, 2019).
A preparação do local da cirurgia e do animal eram os primeiros passos. Todo o material era
preparado, bem como a medicação e anestesia (figura 16). O material necessário incluía: 2
emasculadores Reimer e uma caixa de cirurgia básica esterilizados, panos de campo e
compressas estéreis, luvas de cirurgia, lâmina de bisturi, fio de sutura absorvível Surgicryl® PGA
3.5 (caso necessário), flush (solução isotónica injetável), luvas de látex, iodopovidona solução
espuma 4%, álcool etílico 70% e spray de oxitetraciclina (Oxymycin Aerossol® 32,1 mg/mL). A
acrescentar, utilizava-se uma saca ou suadouro para apoiar a cabeça do cavalo, protegendo os
Clínica Cirúrgica Fi Fr (%)
Orquiectomia 9 56,25
Resolução de laceração 3 18,75
Excisão de massa 2 12,50
Cirurgia de “Caslick” 2 12,50
TOTAL 16 100,00
33
olhos do contacto com o chão e da exposição direta à luz, e uma guia ou corda para elevar o
membro posterior mais dorsal.
A preparação do cavalo consistia na colocação de um cateter intravenoso, geralmente
Introcan® - W 14G x 2’’, de forma asséptica, na veia jugular esquerda. O animal ficava, salvo
alguma exceção em decúbito lateral direito. De seguida administrava-se flunixina meglumina
(Flunixin® 50 mg/mL) na dose 1,1 mg/kg IV e ceftiofur (Ceffect® 25 mg/mL) na dose 2,2 mg/kg
IM (Knottenbelt & Malalana, 2015), conferindo analgesia e proteção antibiótica. O animal era
sedado e levado para o local cirúrgico onde se procedia à indução anestésica.
O protocolo anestésico utilizado para este procedimento era o seguinte:
Tabela 14: Protocolo anestésico para orquiectomia em decúbito (Doherty & Valverde, 2006;
Schumacher, 2012; Bettschart-Wolfensberger & Mama, 2019).
Após derrube do animal, procedia-se à assepsia da região escrotal utilizando,
alternadamente, iodopovidona solução espuma 4% e álcool etílico 70% em círculos extrínsecos.
As orquiectomias eram realizadas segundo técnica aberta e abordagem escrotal. Na técnica
fechada não é feita incisão da túnica vaginal parietal e esta é removida juntamente com os
testículos e uma porção do cordão espermático. Nas técnicas semi-fechada e aberta, a túnica é
aberta, fazendo-se a excisão da mesma apenas na técnica semi-fechada. Para além de permitir
Fármaco Nome comercial Dose Objetivos
Pré-
medicação
Xilazina
+
Butorfanol
Xilagesic® 200
mg/mL
+
Dolorex® 10
mg/mL
1–1,5 mg/kg IV
+
0,02–0,05
mg/kg IV
Sedação profunda
previamente à
indução com
quetamina.
Relaxamento
muscular
Indução
Quetamina
+
Diazepam
Ketamidor® 100
mg/mL
+
Diazepam
Labesfal® 10
mg/2mL
2–2,5 mg/kg IV
+
0,02–0,05
mg/kg IV
10 a 15 min de
anestesia cirúrgica.
Anestesia
dissociativa.
Relaxamento
muscular.
SOS Quetamina
Xilazina =
Metade da
dose Prolongar a anestesia
Anestesia
local Lidocaína
Anestesin® 20
mg/mL
10-20 mL por
testículo
Administração intra-
testicular em leque
34
a inspeção do cordão espermático, a técnica aberta é mais rápida pois envolve menos disseção
(Schumacher, 2019).
Assim, tracionando os testículos na base do escroto, uma de cada vez eram feitas as incisões
escrotais paralelas, com oito a dez centímetros, à distância de dois centímetros da rafe. Nestas,
a túnica parietal era incidida, expondo-se o testículo. Seguidamente, o ligamento da cauda do
epidídimo era seccionado, assim como o mesórquio e mesofunículo, libertando os testículos, o
epidídimo e a porção distal do cordão espermático da túnica parietal. Realizava-se, então a
emasculação, colocando o emasculador o mais dorsalmente possível. É importante que este seja
colocado “nut to nut”, perpendicularmente ao cordão espermático e que não seja incluída pele
escrotal ou vasos sanguíneos. O emasculador era aplicado três minutos, no mínimo,
dependendo do tamanho das estruturas a emascular. Após excisão dos testículos, as incisões
eram deixadas abertas e a cicatrização dava-se por segunda intenção (Schumacher, 2019).
A anestesia e respetiva monitorização estavam ao cargo da autora. Os parâmetros usados
na monitorização da profundidade da anestesia eram: avaliação do olho – posição, nistagmos,
reflexo palpebral e corneal, lacrimejar; avaliação da função respiratória – FR, cor das membranas
mucosas: avaliação da função cardíaca – FC, pulso arterial; movimento e tónus muscular (Murrell
et al., 2006). Após os procedimentos cirúrgicos, o cavalo era mantido sob monitorização
anestésica até se encontrar num nível superficial de anestesia que permitisse que este se
levantasse em segurança.
Os cuidados pós-cirúrgicos recomendados eram o repouso do animal durante as 24 horas
seguintes e, de seguida, passeios frequentes a passo de modo a reduzir o edema do prepúcio e
escroto. A vigilância das incisões era indicada, assim como a hidroterapia da região
Figura 16: Material para orquiectomia.
35
intervencionada, recorrendo a uma mangueira com água corrente, com vista a manter as incisões
limpas e abertas. Adicionalmente, mantinha-se a cobertura antibiótica com ceftiofur (Ceffect® 25
mg/mL) na dose 1 mg/kg IM a cada 12 horas, durante dois dias e a analgesia com flunixina
meglumina (Flunixin® 50 mg/mL) na dose 1,1 mg/kg IV a cada 24 horas, durante dois dias.
Na clínica cirúrgica também se inserem as feridas cirúrgicas, relevantes na prática clínica de
equinos. Um dos cavalos observados apresentava uma laceração, provocada por um arame
farpado, na face dorsolateral do curvilhão do membro posterior esquerdo.
O exame físico revelou-se dentro dos parâmetros fisiológicos, após o qual se procedeu à
sedação do animal para que fosse possível o acesso em segurança à região, bem como a
obtenção de alguma analgesia. Não foi realizada anestesia regional perineural, mas uma opção
seria realizar o bloqueio tibial e fibular (ramo superficial e profundo) para dessensibilização do
curvilhão e porção distal do membro posterior (Schumacher & Castro, 2006). Após a assepsia
da ferida, realizou-se anestesia local com cloridrato de mepivacaína a 2%.
Na inspeção e exploração da laceração avaliou-se a sua profundidade, bem como as
estruturas envolvidas e não se observou saída de líquido sinovial ou aparente punção articular.
Concluiu-se, por essa razão e pelo facto de o animal não apresentar febre nem supressão de
apoio, que a ferida não tinha envolvimento sinovial.
Uma vez que a ferida tinha menos de 6-8 horas e, acima de tudo, apresentava-se pouco
contaminada e com boa irrigação sanguínea, o ambiente era relativamente limpo e o animal tinha
uma boa condição física geral, decidiu-se suturar a mesma (figura 17-A e 17-B). O encerramento
por primeira intenção tem a principal vantagem de proporcionar uma melhor funcionalidade e
aparência estética (Elce, 2017). Após assepsia da região e utilizando luvas estéreis, iniciou-se o
desbridamento da ferida com uma lâmina de bisturi, removendo quaisquer tecidos desvitalizados
e avivado os bordos de modo a obter apenas tecido com irrigação sanguínea adequada à boa
cicatrização. A sutura foi realizada num padrão interrompido em “U” horizontal reforçada com
tubos de silicone, com o objetivo de reduzir a tensão dos tecidos e evitar a secção da pele pelo
fio. Utilizou-se um fio não absorvível monofilamentoso de nylon (SMI Daclon® Nylon USP 0)
(Celeste, 2017).
Colocou-se um penso sobre a ferida, com vista a conceber um ambiente húmido propício à
cicatrização; proteger a ferida de contaminações bacterianas, ambientais e trauma repetido;
absorver exsudados; bem como criar alguma compressão para reduzir o edema e espaço-morto
(figura 17-C).
Para a primeira camada, a que está diretamente em contacto com a ferida, usou-se um penso
não aderente cujas propriedades incluem a absorção de exsudado e promoção do processo de
epitelização. A segunda camada compôs-se de uma ligadura de algodão (Lenosoft®) colocada
verticalmente de distal para proximal e, na tuberosidade do calcâneo, numa figura de oito, de
modo a atenuar a pressão nesta zona e deslize do penso. De seguida o algodão hidrófilo conferiu
36
acolchoamento e absorção adicional de exsudado. A ligadura adesiva (Coflex®) constituiu a
terceira camada, assegurando a fixação das anteriores, alguma compressão e imobilização do
membro. Esta foi, novamente, colocada numa figura de oito na zona da tuberosidade do
calcâneo, com o mesmo propósito.
Adicionalmente ao tratamento descrito, instaurou-se uma antibioterapia com cefquinoma
(Ceffect® 25 mg/mL) na dose 1-2 mg/kg IM a cada 24 horas e analgesia com fenilbutazona oral
(EqZona® 1g) na dose de 4,4 mg/kg, reduzindo depois para 2,2 mg/Kg (Knottenbelt & Malalana,
2015). Mais ainda, foi assegurado que o animal estava devidamente vacinado contra o tétano.
Na segunda visita (dois dias depois) a laceração mostrava uma evolução favorável, bem como o
estado da sutura e colocou-se novo penso.
Neste caso, os proprietários não estiveram dispostos a realizar o acompanhamento
adequado do animal, por motivos económicos. Assim, os pensos foram trocados pelos mesmos,
segundo as indicações prestadas e só se realizou uma terceira visita, 13 dias depois (15 dias
após a consulta de urgência) para remoção dos pontos da sutura.
Figura 17: Laceração na face dorsolateral do curvilhão do membro posterior esquerdo. A e B –
sutura; C – colocação de penso.
A B C
37
2.4. Reprodução
Este capítulo refere-se à medicina na área da reprodução de equinos. Neste incluem-se as
atividades desenvolvidas no centro de reprodução da Equimuralha e visitas a coudelarias e
outros locais, para o acompanhamento reprodutivo de éguas ou colheitas de sémen.
Na tabela 15 encontra-se discriminada a casuística desta área, num total de 226 casos.
Tabela 15: Casuística relativa à área de reprodução (n=226).
Os casos relativos ao controlo reprodutivo consistem nas 54 éguas acompanhadas ao longo
dos meses de estágio. Destas, 35 encontravam-se no centro de reprodução e 19 referem-se a
visitas externas. Neste controlo incluem-se as atividades habituais do acompanhamento
reprodutivo de equinos, tais como, a palpação e ecografia transrectal, e a indução da ovulação
e da luteólise.
As éguas são fêmeas poliéstricas sazonais e apresentam ciclos éstricos recorrentes na fase
do ano com mais horas de luminosidade. A essa fase dá-se o nome de época de reprodução e,
no hemisfério Norte, esta corresponde à Primavera e Verão, o que coincidiu com os meses de
estágio. O ciclo éstrico das éguas tem a duração de aproximadamente 21 a 22 dias dos quais
quatro a sete correspondem ao estro. O diestro geralmente dura 14 ou 15 dias (Brinsko et al.,
2011)
De modo a assegurar um seguimento do ciclo éstrico, as éguas eram, preferencialmente,
mantidas no centro de reprodução e avaliadas diariamente. Através da palpação e ecografia
Reprodução Fi Fr (%)
Controlo reprodutivo 54 23,89
Diagnóstico de gestação 52 23,01
Colheita de sémen e espermograma 35 15,49
Inseminação artificial com sémen refrigerado 28 12,39
Lavagem uterina 18 7,96
Inseminação artificial com sémen congelado 17 7,52
Lavagem uterina de baixo volume 4 1,77
Doseamento de progesterona 4 1,77
Transferência de embriões 4 1,77
Retenção de membranas fetais 3 1,33
Inseminação artificial com sémen fresco 2 0,88
Sexagem 1 0,44
Endometrite bacteriana 1 0,44
Endometrite fúngica 1 0,44
Vaginite 1 0,44
Congelamento de sémen 1 0,44
TOTAL 226 100,00
38
transrectal definia-se a fase reprodutiva em que se encontravam e eram feitas as administrações
hormonais necessárias de modo a prepará-las para uma inseminação artificial (IA) (figura 18).
A indução da ovulação pode ser feita com gonadotrofina coriónica humana (hCG)
(Chorulon®) na dose de 1500-3300 UI, IV ou IM, frequentemente 2500 UI, IV. Esta administração
apenas é feita quando o tamanho do folículo é igual ou superior a 35mm e o útero apresenta
edema, esperando-se que a ovulação ocorra durante as 36 horas (24 a 48h) após a injeção
(McCue, 2014).
Quanto à indução da luteólise, esta permite interromper a fase luteínica do ciclo éstrico,
iniciando mais rapidamente um novo estro. Consiste na administração de um agente luteolítico,
como o cloprostenol, análogo sintético da prostaglandina (PGF2α) (Estrumate®). A dose total é
de 250µg, IM e é esperado que o cio surja cerca de 48 horas após esta administração. No entanto
pode demorar mais tempo, até 12 dias, dependendo do tamanho do folículo dominante no
momento da luteólise, ou pode até ocorrer regressão do mesmo, seguindo-se uma nova onda
folicular. É importante referir que o corpo lúteo apenas é sensível à PGF2α a partir dos cinco dias
após ovulação, aproximadamente (McCue, 2014).
Ambos os procedimentos permitem a gestão do ciclo éstrico, nomeadamente do momento
da ovulação, possibilitando a conciliação com a IA e aumentando a probabilidade de sucesso da
mesma. Torna-se, também, possível a sincronização de éguas e o encurtamento da duração do
ciclo. Estas aplicações apresentam, assim, vantagens não só a nível de aproveitamento do
tempo durante a época de reprodução, aumentando as hipóteses de uma égua ficar gestante,
como a nível económico, rentabilizando os recursos disponíveis.
A reprodução teve uma relevância muito significativa durante o estágio proporcionando o
contacto com vários procedimentos desta área, nomeadamente relacionados com a tecnologia
da reprodução, como é o caso da transferência de embriões.
As etapas que compõem a transferência de embriões são:
• seleção e controlo das éguas recetoras;
Figura 18: Controlo reprodutivo. Palpação e
ecografia transrectal.
39
• controlo da égua dadora;
• colheita e avaliação do embrião;
• transferência do embrião;
• diagnóstico de gestação (Alvarenga et al., 2016).
Relativamente à colheita do embrião, a data para a sua realização varia conforme o tipo de
sémen que foi utilizado para a IA. Quanto ao material necessário, este inclui um cateter uterino
com cuff insuflável (Foley), um tubo em Y, um copo com filtro de embriões, um recipiente
graduado, uma seringa e meio de lavagem. Deve-se assegurar a esterilidade de todo o material.
O primeiro passo consiste na inserção no tubo uterino, passando a
cérvix, que deverá estar fechada, pelo que a inserção do tubo deve
ser cuidadosa. Seguidamente insufla-se o cuff com a seringa,
estabilizando o tubo na posição desejada.
Procede-se à lavagem uterina (figura 19). Dependendo da égua
a quantidade de fluido instilado de cada vez varia entre 0,4-0,5 L em
éguas nulíparas e 1-2 L em éguas que já pariram.
O cateter uterino está conectado ao tubo em Y. Este último
apresenta uma via para instilação dos fluidos e outra para a recolha
destes para o copo. À medida que se vai fazendo a lavagem, vai-se
abrindo a via do copo, permitindo a filtragem do fluido que é coletado
num recipiente graduado. É comum realizar no mínimo três lavagens
uterinas consecutivas antes do próximo passo e realizar uma
massagem do útero, via transrectal, certificando que ambos os cornos
são completamente cheios e vazados (McCue & Squires, 2015;
Alvarenga et al., 2016)
As etapas seguintes são a localização e avaliação do embrião que
terá ficado retido no filtro. Por vezes é possível identificar embriões a
olho nu, mas normalmente recorre-se a um microscópio estereoscópico. É, também, necessária
uma placa de pesquisa de embriões que facilmente se obtém marcando, com uma lâmina de
bisturi, o fundo de uma placa de Petri, criando uma grelha que orientará a pesquisa.
Após identificação do embrião, este é transferido para uma nova placa com meio de
manutenção (embryo holding medium – IMV Technologies ®). Faz-se a avaliação do embrião
quanto ao estágio de desenvolvimento (mórula, blastocisto inicial, blastocisto e blastocisto
expandido) e quanto à qualidade (quatro graus) (tabela 16).
Seguidamente faz-se a lavagem do embrião, passando-o por várias gotas do meio aquecido,
com o auxílio da seringa com a palheta, terminando numa nova placa.
Figura 19: Lavagem
uterina para colheita de
embrião.
40
Por fim, o embrião é contido numa palheta de inseminação com meio de manutenção, numa
sequência alternada de líquido e ar, de modo a impedir o contacto do embrião com o algodão da
palheta, bem como evitar que ocorra perda do embrião. Assim, o embrião está pronto a ser
transferido para a égua recetora (Alvarenga et al., 2016).
Tabela 16: Classificação qualitativa por grau (McCue & Squires, 2015).
Grau Classificação Descrição
1 Excelente
Sem anomalias significativas observadas;
forma simétrica e esférica; células uniformes
no tamanho, cor e textura; tamanho e estádio
de desenvolvimento apropriados para a
idade pós-ovulação
2 Bom
Imperfeições menores, tais como alguns
blastómeros extrudidos; irregularidades
ligeiras na forma, tamanho, cor ou textura;
separação limitada entre a camada do
trofoblasto e a zona pelúcida ou a cápsula
3 Pobre
Imperfeições de nível moderado, tais como
uma maior percentagem de blastómeros
extrudidos ou degenerados; ou contração
moderada do trofoblasto da zona pelúcida ou
da cápsula
4 Degenerado ou
morto
Severos problemas facilmente identificáveis,
tais como uma alta percentagem de
blastómeros extrudidos, colapso completo do
blastocelo, rutura da zona pelúcida, ou
degeneração completa e morte embrionária
41
Numa das colheitas, a IA tinha sido feita com sémen congelado, pelo que se realizou o flush
ao 9º dia após a ovulação (Alvarenga et al., 2016). Neste caso utilizou-se Lactato de Ringer
aquecido a 37ºC antes de ser instilado. Utilizou-se um sistema de filtragem fechado que não só
diminui a probabilidade de contaminação externa, como evita o extravasamento de fluído (McCue
& Squires, 2015; Alvarenga et al., 2016).
Após a lavagem uterina, passou-se ao laboratório, o copo com filtro foi lavado com 20 mL de
Lactato de Ringer e o seu conteúdo transferido para uma placa de Petri, onde se procurou
identificar o embrião. Este procedimento foi repetido, após nova lavagem uterina, identificando-
se o embrião à segunda tentativa. Este foi, então, transferido para uma nova placa, desta vez
com meio de manutenção recorrendo a uma palheta de 0,5 mL acoplada a uma seringa de 1 mL.
Classificou-se o embrião colhido (figura 20) como blastocisto expandido, de boa qualidade
(grau 2 - apenas apresentava pequenas alterações no tamanho e forma). Procedeu-se à sua
lavagem (figura 21) e, por fim, preservação numa palheta de inseminação. O embrião foi, de
seguida, transferido para a égua recetora.
Figura 21: Lavagem do embrião.
Figura 20: Embrião após
primeira lavagem.
Blastocisto expandido, grau
2. Ampliação 20x.
42
3. Gurma: infeção do trato respiratório superior de equinos por
Streptococcus equi subsp. equi
3.1. Introdução
Neste capítulo faz-se uma revisão bibliográfica acerca da doença infeciosa do trato
respiratório superior de equinos comummente denominada por “gurma”. O seu agente é o
Streptococcus equi subsp. equi., daqui em diante referido apenas como Streptococcus equi ou
S. equi, à semelhança da literatura científica atual.
Por ser altamente contagiosa, vários animais são afetados na mesma ocasião, surgindo a
doença em surtos e acarretando importantes medidas sanitárias de controlo. Assim, os custos
inerentes à mesma são elevados e o impacto na performance dos equinos é considerável.
Serve este trabalho como revisão da bibliografia atualizada acerca da abordagem clínica à
gurma, nomeadamente dos meios de diagnóstico e tratamento, com especial atenção à deteção
e tratamento dos portadores crónicos assintomáticos (PCA) por endoscopia.
3.2. Considerações anatomofisiológicas do trato respiratório superior
de equinos
O aparelho respiratório é, geralmente, divido em trato respiratório superior (TRS) (figura 22)
e inferior. O TRS inicia-se nas narinas que funcionam como válvulas para a entrada de ar. É de
notar a existência da “falsa narina” que pode atingir um comprimento de 10 cm e ser, por vezes,
confundida com o início da cavidade nasal, mas que não passa de um divertículo na face lateral
da entrada do nariz (Robinson & Furlow, 2007).
O acesso à cavidade nasal estende-se medial e ventralmente. Em cada lado, esta é
composta por dois turbinados nasais, o dorsal e o ventral, dividindo-a em três passagens de ar,
os meatos dorsal, médio e ventral. Os turbinados nasais são placas ósseas cobertas de mucosa,
que se enrolam e, por isso, se denominam por conchas nasais. O meato dorsal conduz à região
etmoide sendo o meato ventral a via direta entre as narinas e a nasofaringe e, por isso, a
adequada para passagem de um tubo nasogástrico ou um endoscópio. A região etmoide consiste
em etmoturbinados, estruturas muito vascularizadas e revestidas por epitélio olfativo, que se
ramificam em direção à região olfativa cerebral (Robinson & Furlow, 2007).
Os seios paranasais são importantes cavidades do sistema respiratório dos equinos e
dividem-se em sete pares: maxilar rostral, maxilar caudal, conchal ventral, conchal dorsal, frontal,
esfenopalatino e etmoidal (Robinson & Furlow, 2007; Budras et al., 2011).
A faringe tem como principal função conduzir o ar da cavidade nasal para a laringe e o
alimento da cavidade oral para o esófago. Assim, divide-se em nasofaringe, orofaringe e
43
laringofaringe. Ausente de qualquer suporte ósseo ou cartilagíneo, a faringe é estruturada pela
musculatura da região (Robinson & Furlow, 2007; Budras et al., 2011).
Relativamente à laringe, as cartilagens que a compõem são a cricoide, a tiroide, um par de
aritenoides e a epiglote. A sua principal função é impedir que, inadvertidamente, seja inalado
alimento durante a deglutição (Robinson & Furlow, 2007).
3.2.1. Bolsas guturais
As BG consistem em divertículos dos tubos de Eustáquio, que se estendem entre a
nasofaringe e a base do crânio. São bolsas de ar com 300 a 500 mL de capacidade, separadas
pelo osso estiloióide em compartimento lateral e medial. A sua mucosa é do tipo secretor,
maioritariamente revestida por epitélio ciliado pseudoestratificado e o seu lúmen colonizado por
uma diversa microflora (Edwards & Greet, 2007; Davis, 2018).
Dada a sua localização anatómica, as BG estão intimamente relacionadas com algumas
estruturas vitais: faringe, laringe, esófago, glândulas salivares parótida e mandibular e linfonodos
retrofaríngeos (LRF). A anatomia neurovascular destas bolsas é bastante complexa (figura 23 e
24) (Edwards & Greet, 2007).
Relativamente ao compartimento lateral destaca-se, ao longo da sua parede, a artéria
carótida externa que, após se ramificar na artéria temporal superficial, se continua como artéria
maxilar. Na face caudodorsal, passa o nervo craniano (NC) VII (facial), embora num curto
percurso. Este compartimento está relacionado lateralmente com o ramo da mandíbula (Edwards
& Greet, 2007; Budras et al., 2011; Davis, 2018).
Figura 22: Corte longitudinal da cabeça, superfície medial, vista lateral
(Popesko, 1990).
44
O compartimento medial, com dimensão duas a três vezes maior que o lateral, apresenta
uma membrana de mucosa que se estende no seu aspeto caudal a partir do teto. Esta membrana
neurovascular inclui os nervos cranianos IX (glossofaríngeo), X (vago), XI (acessório) e XII
(hipoglosso), o tronco simpático e gânglio cervical cranial, bem como a artéria carótida interna e
os ramos faríngeos dos NC IX e X. A parede lateral deste compartimento contacta com o LRF
lateral e a parede ventral com o LRF medial. O compartimento medial está, ainda, lateralmente
relacionado com as glândulas salivares parótida e mandibular (Edwards & Greet, 2007; Budras
et al., 2011; Davis, 2018).
A comunicação das BG com a faringe é feita através de aberturas em forma de fenda com
cerca de cinco centímetros, que se estendem caudoventralmente na parede lateral da faringe,
rostroventralmente ao recesso faríngeo. Estes óstios são cobertos pelas pregas
salpingofaríngeas. Na face medial das aberturas encontra-se uma fina placa de fibrocartilagem
(Seahorn, 2004; Robinson & Furlow, 2007; Edwards & Greet, 2007).
Relativamente à base das BG, as aberturas encontram-se numa localização mais dorsal e,
deste modo, quando o animal apresenta a cabeça numa posição vertical, a drenagem de fluído
acumulado apenas é possível por extravasamento. A abertura dos óstios das bolsas dá-se
aquando da inspiração e da deglutição pelo que a drenagem efetiva de fluido ocorre quando o
animal se encontra a pastar ou a alimentar-se, com o pescoço estendido e a cabeça baixa
(Seahorn, 2004; Edwards & Greet, 2007; Robinson & Furlow, 2007; Davis, 2018).
Pensa-se que a função das BG é o arrefecimento do aporte sanguíneo do cérebro, devido à
entrada de ar nas bolsas durante a inspiração. Esta abertura dos óstios permite, no entanto, a
exposição das bolsas a agentes infeciosos transportados pelo ar (Edwards & Greet, 2007; Davis,
2018).
Figura 23: BG direita normal (Edwards &
Greet, 2007). Figura 24: BG esquerda normal
(Seahorn, 2004).
45
3.3. Etiologia e patogenia da Gurma
Gurma é uma doença infeciosa, provocada pela bactéria S. equi. Este agente é uma bactéria
gram positiva, β-hemolítica, do grupo C de Lancefield e, ao contrário de outras espécies de
Streptococcus, em particular Streptococcus equi subsp. zooepidemicus, não é um habitual
comensal do trato respiratório de equinos (Mallicote, 2015).
A patogenicidade do S. equi deve-se, em grande parte, à sua capacidade de evadir à
fagocitose. Esse mecanismo é possível devido à cápsula de ácido hialurónico e à proteína de
superfície SeM. Para além desta característica, existem outros antigénios de superfície que
contribuem para a virulência do agente e podem ser adjuvantes no diagnóstico serológico (Anzai
et al., 1999; Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018).
A infeção inicia-se com a entrada do agente na cavidade nasal ou oral. As bactérias aderem
às células epiteliais das tonsilas da região (figura 25), nomeadamente nas criptas, através dos
antigénios de superfície. Pensa-se que a proteína de superfície SzPSe esteja relacionada com
este processo (Timoney & Kumar, 2008; Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018).
Algumas horas após a infeção, já não é detetável a presença de S. equi na superfície mucosa
uma vez que ocorre um processo de translocação para estruturas mais profundas, tais como os
folículos linfáticos das tonsilas e os linfonodos mandibulares e retrofaríngeos, responsáveis pela
drenagem da região faríngea. Assim, numa fase inicial da infeção, as amostras nasais ou
nasofaríngeas podem ser negativas (Timoney, 2004; Timoney & Kumar, 2008; Mallicote, 2015;
Boyle et al., 2018).
Ocorre ativação da via alternativa do complemento, resultando na afluência de grande
número de células polimorfonucleares (PMN). Essa ativação deve-se à interação do
peptidoglicano bacteriano com a proteína C1. Todavia, os PMN não são capazes de realizar a
fagocitose e, assim, acumulam-se streptococci e PMN degenerativos, resultando na formação
Figura 25: Tecidos linfoides do trato respiratório superior (Lunn,
Breathnach & Soboll, 2007).
46
de abcessos, para a qual a estreptolisina S e a estreptoquinase também contribuem (Muhktar &
Timoney, 1988, referido por Timoney, 2004).
A cápsula de ácido hialurónico tem a função de impedir a ligação dos neutrófilos ao
organismo bacteriano e, consequentemente, a sua fagocitose e morte (Timoney, 2004).
Relativamente à SeM, à semelhança de qualquer proteína M, a sua estrutura consiste numa
região central, um N-terminal e um C-terminal. A sua capacidade antifagocítica deve-se a uma
estratégia de dissimulação dos mecanismos de reconhecimento celular do hospedeiro pela
ligação da superfície do organismo a proteínas plasmáticas. Assim, o fibrinogénio liga-se à região
central e a IgG ao N-terminal. Esta interação mascara os locais de ligação do C3b na superfície
dos streptococci e, por isso, inibe a C3-convertase e C5-convertase (Boschwitz & Timoney 1994;
Timoney, 2004). Ou seja, compromete-se o mecanismo de opsonização, fulcral para a
eliminação da bactéria (Kelly et al., 2006; Taylor & Wilson, 2006).
São, ainda, de destacar as propriedades pirogénicas do peptidoglicano, capaz de induzir a
libertação de citoquinas como a interleucina-6 e o fator de necrose tecidular. As exotoxinas
pirogénicas (SePE-H e SePE-I, entre outras) são outro fator de virulência do agente, que
contribuem para o desencadear de uma resposta de fase aguda com febre alta, neutrofilia e
fibrinogenemia (Timoney, 2004).
O desenvolvimento de pirexia dá-se após o período de latência de três a quatorze dias.
(Mallicote, 2015; Timoney, 2004). Cerca de dois a três dias após início da pirexia, o animal
apresenta corrimento nasal que persiste por duas a três semanas, geralmente. Alguns animais
podem não apresentar estes sinais clínicos e outros podem apresentar corrimento nasal durante
mais tempo, dependo da manifestação clínica (Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018).
Os LRF podem drenar em várias direções: diretamente para a nasofaringe, para o interior
das BG, ou ainda para o exterior. O corrimento nasal resulta da rutura dos LRF para a nasofaringe
ou para as BG, percorrendo depois as passagens nasais. Os linfonodos submandibulares (LSM)
ruturam para o exterior. A rutura dos abcessos é responsável pela propagação da doença,
facilitando a contaminação do ambiente e infeção de outros animais (Mallicote, 2015).
Na figura 26 apresenta-se resumida e esquematizada a patogenia da gurma: a) (1) os
cavalos infetam-se com S. equi através da ingestão ou inalação de substâncias infetadas. As
tonsilas palatina e lingual são os locais primários de colonização antes da (2) translocação (3)
para os LSM e LRF. b) Os linfonodos abcedados podem ruturar, (4,5) levando à disseminação
de S. equi e da doença. Os abcessos nos LRF geralmente ruturam para o interior das BG (5). O
material libertado dos abcessos é expulso pelo forte corrimento nasal (6). Em alguns casos, o
conteúdo dos abcessos permanece nas BG, onde inspissa e forma condroides (7). Os condroides
contêm S. equi vivos com capacidade de infetar cavalos sãos (8) (Paillot et al., 2017).
47
3.4. Epidemiologia e transmissão
Gurma é uma das doenças mais comuns em equinos e, no Reino Unido, são identificados
anualmente mais de 600 casos. Ao nível mundial, apenas a Islândia está livre desta condição,
pois não importa cavalos há mais de 1000 anos. De facto, o transporte nacional e internacional
de cavalos em larga escala, como ocorre atualmente, é fulcral para a difusão da doença (Watson,
2018).
A transmissão de S. equi é feita pela ingestão ou inalação do agente presente nas descargas
purulentas provenientes dos linfonodos, nariz ou olhos, de animais infetados com gurma em fase
ativa ou em recuperação (Taylor & Wilson, 2006; Boyle, 2011; Boyle et al., 2018). Esta ocorre
entre cavalos afetados e suscetíveis direta ou indiretamente. A transferência direta consiste no
contacto cavalo a cavalo nas manifestações de comportamento social. A transferência indireta,
dá-se por fomites: partilha de equipamento contaminado como alojamento, fontes de água,
alimento, arreios, aziares e outros utensílios diversos, mas também pela roupa, calçado e
equipamento do pessoal que tenha contacto com os animais doentes (Taylor & Wilson, 2006;
Slater, 2007).
Os cavalos com a doença ativa são a maior fonte de contágio. A excreção de material
purulento pode ser contínua, ainda que na maioria dos casos seja intermitente (Slater, 2007). No
entanto, os animais infetados mas aparentemente saudáveis têm um papel importante no
Figura 26: Representação esquemática da patogenia de S. equi (Paillot et al.,
2017).
48
desencadear de um novo surto, uma vez que não são uma fonte óbvia de infeção. Existem três
categorias destes animais: os que se encontram em período de incubação e mais tarde
apresentarão sintomas da doença; os convalescentes que continuam a ser portadores após total
recuperação clínica; e os denominados “portadores subclínicos de longo termo” (ou PCA) que,
após recuperação total e sem complicações, continuam a excretar S. equi por mais de um mês
após cessar dos sinais clínicos (Boyle et al., 2018)
Pelo facto de os animais em período de convalescença serem uma destas importantes fontes
de infeção, deve considerar-se que todos os cavalos recuperados são potenciais disseminadores
da doença até, no mínimo, seis semanas após cessar das descargas purulentas (Boyle et al.,
2018). Quanto aos PCA, estes são, potencialmente, o principal reservatório de S. equi,
causadores de novo ou recorrente surto de gurma em grupos de cavalos bem geridos (Kelly et
al., 2006; Slater, 2007; Boyle et al., 2018).
S. equi apresenta uma grande variabilidade genética, tendo sido isoladas várias estirpes
globalmente. Para além disso, a infeção persistente das BG leva a alterações no genoma da
estirpe infetante, contribuindo para a sobrevivência do organismo (Kelly et al., 2006). Entende-
se, assim, que as medidas de controlo efetivas num surto de gurma incluem a deteção,
separação e tratamento dos PCA (Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018).
Relativamente à resistência do agente no meio ambiente, um estudo recente (Durham et al.,
2018) comparou a sobrevivência e vigor de crescimento de S. equi em várias superfícies e em
dois períodos, no verão e no inverno. Assim, comparou-se as duas variáveis em ambiente quente
e seco e em ambiente frio e húmido, bem como em superfícies húmidas e secas. Os resultados
revelaram que a sobrevivência de S. equi é mais curta no verão e bastante maior no inverno. De
facto, os intervalos de sobrevivência mais longos e o maior vigor de crescimento foram
observados em superfícies húmidas, em ambientes húmidos e frios. A sobrevivência da bactéria
em locais quentes e secos foi detetada apenas até dois dias. Comparativamente, em condições
húmidas, frias e em ambiente interior S. equi permanece viável até mais de 30 dias. Neste
estudo, detetou-se S. equi num balde de água até 34 dias, no inverno. O maior vigor de
crescimento foi observado num tubo nasogástrico húmido, no qual S. equi sobreviveu até 21
dias, igualmente, no inverno (gráfico 3) (Durham et al., 2018).
Existe alguma disparidade de opiniões (Jorm, 1991, referido por Slater, 2007; Weese et al.,
2009, referido por Waller et al., 2014) relativamente a este aspeto epidemiológico, mas a
literatura mais atual defende que S. equi pode sobreviver por períodos de tempo mais longos do
que anteriormente se considerava. Assim, deve partir-se do pressuposto que em condições
naturais de infeção, os tempos de sobrevivência no meio ambiente são semelhantes aos
descritos e que a transmissão de S. equi por fomites tem um papel importante, devendo ser tida
em conta nas medidas sanitárias do controlo da doença (Durham et al., 2018). Pode assumir-se
49
que os equinos sãos se infetam através do solo, da água, da vegetação ou das cercas,
excetuando se um PCA estiver presente (Watson, 2018).
Gráfico 3: a) tempos de sobrevivência, e b)
pontuação do crescimento em três dias, de S.
equi em diferentes superfícies, em diferentes
estações (caixas = mediana, barras = intervalo)
(Durham et al., 2018).
50
3.5. Imunidade
Após a infeção por S. equi, a imunidade adquirida varia de indivíduo para indivíduo. A
principal resposta imunitária pensa-se ser a produção local de anticorpos específicos para a SeM
(a proteína M de S. equi), embora também haja proteção sistémica através de IgG. Os níveis de
IgA e IgG na mucosa nasofaríngea são elevados e, independentemente dos níveis de anticorpos
sistémicos, a imunidade após infeção natural é excelente (Taylor & Wilson, 2006).
Considera-se ser uma imunidade de longo termo, embora tenda a diminuir com o tempo e
assume-se ter a duração de cerca de cinco anos. Contudo, parte dos animais infetados pode
apresentar uma falha na produção ou na manutenção da imunidade a nível sistémico e das
mucosas tornando-se suscetíveis a uma reinfeção após alguns meses. Isso sucede em 25% dos
animais (Timoney, 2004; Boyle, 2011).
Poldros nascidos de éguas que recuperaram de gurma, por norma, estão protegidos por
anticorpos maternos, até ao desmame. Esta proteção deve-se à transferência passiva de
anticorpos através do colostro, mas também pela ingestão do leite materno. Quanto ao colostro,
os poldros recebem IgG séricos, assim como IgA que revestem a mucosa nasofaríngea e
orofaríngea, diretamente quando estão a mamar. Através da ingestão do leite materno, as IgA
também se redistribuem para a mucosa oral e do TRS por via hematógena, após absorção pelo
trato gastrointestinal (Galan et al., 1986; Taylor & Wilson, 2006; Tscheschlok et al., 2018).
Para além disso, a exposição contínua à bactéria pela presença de PCA, possivelmente leva
à manutenção de um nível de imunidade elevado e ao estatuto livre de gurma numa exploração
previamente afetada (Boyle et al., 2018).
3.6. Manifestações clínicas
A infeção por S. equi pode assumir diferentes formas, mas a mais comum é caracterizada
por febre e abcedação dos linfonodos. No entanto, esta doença pode surgir mais suavemente,
na forma atípica. Para além destas manifestações clínicas, são conhecidas complicações
decorrentes de gurma, descritas adiante.
3.6.1. Clássica
A forma clássica de gurma inclui febre e linfadenopatia, sendo os LSM e LRF os mais
frequentemente afetados. A linfadenopatia progride para formação de abcessos e, após a sua
maturação, dá-se a rutura e drenagem do conteúdo purulento (figura 27). Como referido
anteriormente, esta pode ocorrer para o exterior ou, no caso dos LRF em diferentes direções:
externamente, pela face externa da região laríngea lateral; para a nasofaringe, drenando pela
cavidade nasal; ou para o interior das BG, resultando em empiema.
51
O corrimento nasal, moderado a profuso e bilateral (figura 28), vai-se tornando
progressivamente mais purulento. Em alguns casos, a severidade da linfadenopatia dos LRF
pode levar à restrição do fluxo respiratório, devido à constrição faríngea ou traqueal, resultando
em dispneia inspiratória acompanhada de estertores inspiratórios (Slater, 2007; Mallicote, 2015).
A hipertrofia dos linfonodos é detetável tão cedo quanto dois ou três dias após a infeção e
os abcessos estão desenvolvidos às duas ou três semanas. Os LSM são mais fáceis de serem
inspecionados ao exame físico, comparativamente com os LRF, o que permite a deteção da
hipertrofia (Slater, 2007).
A febre, que pode exceder os 42ºC, é o primeiro sintoma da infeção e extingue-se quando a
drenagem dos abcessos é assegurada. Geralmente os animais infetados encontram-se
deprimidos e inapetentes. É frequente a ocorrência de faringite e consequente disfagia, pelo que
os equinos se mostram relutantes à ingestão de alimento ou água e podem colocar a cabeça e
pescoço em posições anormais. À faringite pode estar associada descarga nasal e a
manifestação de tosse pode surgir, principalmente quando o animal se alimenta (Mallicote, 2015;
Waller et al., 2014; Boyle et al., 2018).
O empiema das BG ocorre devido à rutura e extravasamento do conteúdo purulento dos LRF
para o interior das mesmas. O corrimento nasal decorrente é purulento, intermitente e,
geralmente, unilateral. Não é comum haver tumefação externa das BG, mas a palpação ou
precursão pode ser dolorosa (Slater, 2007).
Embora esta seja a habitual descrição da manifestação clínica de gurma, é bastante variável
a ocorrência destes casos num surto e, a forma atípica pode passar despercebida, pela
expectativa da forma clássica (Whitlock et al., 2019).
Figura 28: Corrimento nasal bilateral
moderado a profuso (Slater, 2007). Figura 27: Múltiplos locais de rutura
dos LRF e LSM num poldro com
gurma (Waller et al., 2014).
52
3.6.2. Atípica
A forma atípica ou catarral de gurma caracteriza-se por uma manifestação moderada dos
sinais clínicos clássicos. Esta forma de infeção é transiente e auto-limitante e, inicialmente, pode
não ser associada a S. equi e confundida com uma infeção viral do trato respiratório superior
(Slater, 2007). Ocorre febre, depressão, corrimento nasal ligeiro e hipertrofia dos linfonodos
pouco óbvia. Estes podem facilmente ser desvalorizados e permitir-se a propagação da infeção
(Taylor & Wilson, 2006; Whitlock et al., 2019).
Esta manifestação clínica não é, ainda, inteiramente compreendida. Geralmente, assume-se
que esta se observa em animais mais velhos, resultado de uma resposta imunitária decorrente
de um contacto prévio com o agente. Desse modo, a infeção nos jovens caracteriza-se pela
forma clássica, mais exuberante (Waller et al., 2014). No entanto, há relatos de surtos em animais
jovens apenas com manifestação atípica, surgindo novas hipóteses para explicar as diferentes
relações entre as formas clínicas e a idade do animal (Whitlock et al., 2019).
Por um lado, sabe-se que a imunidade adquirida após infeção tem uma variação individual e
que tende a diminuir com o tempo. Por outro, a dose infetante pode também variar, ou seja, num
equino exposto a uma dose menor, possivelmente os sinais clínicos são mais moderados e
retardados. Além disso, pensa-se que os casos atípicos sejam provocados por uma estirpe de
menor virulência. Esta poderá ser uma explicação para a manifestação catarral em equinos
jovens, sem contacto anterior com S. equi (Tscheschlok et al., 2018; Whitlock et al., 2019).
Visto que a condição de PCA é reconhecida e um destes animais pode estar presente em
qualquer grupo de equinos, a sua presença pode desencadear o fenómeno de “estabilidade
endémica”. Este fenómeno consiste na presença de uma fonte de infeção recorrente num grupo
que conduz a um estímulo constante da resposta imunitária, resultando em cavalos que
contactaram com o agente e desenvolveram relativa imunidade, diminuindo o risco de
manifestação aguda. Deste modo, quando um animal novo e sem imunidade competente entra
na exploração, este pode manifestar uma sintomatologia clássica e ser, erradamente,
considerado a fonte de infeção (Whitlock et al., 2019).
Em suma, pensa-se que a existência das duas manifestações clínicas esteja relacionada
com diversidades nas estirpes bacterianas e na genética do equino, bem como com a prévia
exposição imunitária ao agente; e que a integridade imunitária é decisiva na severidade clínica
de gurma (Slater, 2007; Waller et al., 2014; Boyle et al., 2018).
Decorrem atualmente diversos estudos que visam compreender a forma como as diferentes
estirpes de S. equi estabelecem a doença e contribuem para a manifestação clínica da gurma,
pelo que é espectável que surjam novas hipóteses a considerar.
53
3.7. Complicações
Os casos de gurma que decorrem segundo a sintomatologia clássica resolvem-se dentro de
algumas semanas após rutura dos abcessos ou, no caso da forma atípica, mais rapidamente.
No entanto, podem surgir complicações subsequentes da infeção: formação de PCA, abcedação
metastática ou complicações imunológicas (Waller et al., 2014; Mallicote, 2015; Boyle et al.,
2018).
3.7.1. Portadores crónicos assintomáticos
Os PCA consistem numa porção (cerca de 10%) dos animais infetados num surto de gurma
que, após recuperação, se tornam cronicamente infetados e são uma potencial fonte de reinfeção
(Newton et al., 1998, referido por Boyle et al., 2018; Newton et al., 2000; Slater, 2007). Em cerca
de 50% dos surtos, permanece um ou mais portadores (Newton et al., 1997b; Slater, 2007) e as
BG são o principal reservatório de S. equi (Newton et al., 1997b).
A caracterização desta complicação será descrita com maior detalhe no ponto 3.12 “Deteção
e tratamento dos portadores crónicos assintomáticos”.
3.7.2. Gurma bastarda
Pode ocorrer disseminação dos abcessos longe da região habitual da cabeça e pescoço.
Geralmente dá-se por via hematógena ou linfática, mas, também, por invasão local. Os principais
locais afetados são o tórax, abdómen, sistema nervoso central, olho, músculo esquelético e
cardíaco ou bainhas tendinosas e articulares. No tórax, podem surgir nos linfonodos torácicos,
pulmões, pleura ou mediastino. Quando no abdómen, localizam-se nos linfonodos abdominais,
vísceras ou peritoneu (Sweeney et al., 1987, referido por Slater, 2007 e Mallicote, 2015).
Teoricamente, qualquer região onde existam linfonodos pode ser afetada e há relatos de
abcessos em localizações invulgares, consequentes da invasão de linfonodos regionais. Embora
raras, também podem surgir infeções como meningite, miocardite, funiculite e artrite séptica,
entre outras (Mallicote, 2015).
Os sinais clínicos dividem-se em sinais gerais e inespecíficos como perda de peso, febre,
depressão e anorexia; e sinais relacionados com o sistema orgânico ou região corporal afetada,
tais como cólica, diarreia, tosse, dispneia e convulsões. Esta complicação é progressiva e
frequentemente resulta na morte do animal. É vulgarmente apelidada de “gurma bastarda”
(Slater, 2007).
54
3.7.3. Púrpura Hemorrágica
A mais frequente complicação imunológica subsequente da infeção por S. equi é a Púrpura
Hemorrágica (PH), uma reação de hipersensibilidade tipo III que resulta em vasculite
leucocitoclástica. Este processo asséptico consiste na deposição de complexos imunes na
parede dos vasos sanguíneos, que resulta em edema ventral e necrose. Geralmente surge três
a quatro semanas após infeção ou administração da vacina para gurma e varia entre uma
manifestação moderada e transiente, ou severa e fatal (Pusterla et al., 2003; Slater, 2007;
Mallicote, 2015).
O principal sinal clínico é o edema subcutâneo, usualmente nos membros distais, porção
ventral da cabeça e pescoço e linha média ventral. Pode advir necrose e descamação da pele,
principalmente nas zonas mais edematosas, ou mesmo exsudação de plasma através da
superfície cutânea. Nas membranas mucosas surgem petéquias e equimoses ou apresentam-se
hiperémicas (Slater, 2007; Mallicote, 2015).
A vasculite pode, ainda, desenvolver-se na musculatura ou em órgãos internos,
nomeadamente no trato gastrointestinal, pulmões ou rins, levando a variados sinais clínicos
como cólica, dor muscular ou dificuldades respiratórias (Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018). Um
título sérico de anticorpos para S. equi alto ou uma resposta imunitária exagerada podem
predispor para PH (Boyle et al., 2018).
3.7.4. Miosites
Estão descritos três tipos de miopatias como complicações imunológicas de gurma.
• Os enfartes musculares são uma grave manifestação de PH e caracterizam-se por uma
severa vasculopatia com enfarte focal do músculo esquelético e outros órgãos como a pele, trato
gastrointestinal e pulmões. Os cavalos apresentam rigidez muscular, claudicação e elevações
das enzimas musculares, nomeadamente da creatina quinase (CK). Pode ocorrer hemorragias
pulmonares e gastrointestinais, surgindo sinais como refluxo gástrico hemorrágico (Valberg,
2006; Boyle et al., 2018). O aumento sérico moderado da CK é comum nos casos de PH devido
à vasculite intramuscular e necrose dos músculos, mas, quando se trata de miosite com enfarte
muscular, o aumento é marcado (Boyle et al., 2018). Assim as alterações hematológicas incluem
leucocitose com neutrofilia desviada à esquerda e alterações tóxicas, hiperproteinemia,
hipoalbuminemia e elevações marcadas da CK (47,000 – 280,000 UI/L) e da AST (960 – 7000
UI/L). O prognóstico para estes animais é reservado, estando este tipo de miosite associado a
taxas de mortalidade elevadas (Valberg, 2006);
• Na rabdomiólise com mionecrose aguda associada a casos de equinos com
apresentação clínica de gurma os sinais clínicos são o andamento rígido, recumbência,
tumefação e edema dos músculos epaxiais e glúteos (Valberg, 2006; Boyle et al., 2018). A
55
patologia clínica revela neutrofilia madura, hiperfibrinogenemia, aumento marcado da CK
(115,000 – 587,000 UI/L) e AST (60 – 14,500 UI/L) (Valberg, 2006). No exame post-mortem
identificam-se largas áreas multifocais de músculo pálido e friável. O mecanismo desta
complicação não é conhecido, mas pensa-se que se deva a uma cascata inflamatória semelhante
ao choque tóxico por Streptococcus ou a potenciais efeitos tóxicos diretos de S. equi no tecido
muscular (Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018).
• A rabdomiólise com atrofia progressiva é secundária a várias condições, incluindo a
infeção por S. equi. Consiste na rápida atrofia muscular dos músculos epaxiais e glúteos. No
entanto, a massa muscular pode ser recuperada (Valberg, 2006; Mallicote, 2015; Boyle et al.,
2018). A biópsia muscular revela rabdomiólise crónica ativa com regeneração, infiltração
proeminente de macrófagos, atrofia das fibras de contração rápida, vasculite linfocítica e fibrose
perivascular (Boyle et al., 2018).
Casos de miocardite estão relatados e possivelmente são despoletados pelos antigénios de
S. equi (Mallicote, 2015; Boyle et al., 2018).
3.8. Diagnóstico
O diagnóstico de gurma tem sido alvo de grande evolução científica, no sentido de formular
um método sensível e específico. Atualmente, faz-se através dos sinais clínicos e pelo
isolamento e identificação de S. equi, por cultura e reação em cadeia da polimerase (PCR -
polymerase chain reaction), respetivamente. A serologia é útil na deteção de PCA e para aferir
acerca da condição imunológica de um animal antes e depois de um surto (Davis, 2018; Whitlock
et al., 2019).
A radiografia está indicada para identificação de lesões nas BG, indicativas de infeção
crónica. Estas são avaliadas em radiografias laterais, com o equino em estação e pesquisam-se
linhas de fluido ou condroides, evidenciados pela presença de estruturas radiopacas. No entanto,
nem sempre é possível distinguir a afeção uni ou bilateral através deste método (Dixon & James,
2018).
Em Portugal está disponível o diagnóstico laboratorial por cultura microbiológica ou por PCR.
3.8.1. Clínico
Num surto de doença infeciosa do TRS com morbilidade elevada, pirexia, depressão,
corrimento nasal purulento, tosse e linfadenopatia que evolui para abcedação, a apresentação
clássica de gurma é altamente sugestiva. Em especial, se se tratar de um local com frequente
entrada e saída de cavalos (Slater, 2007).
56
Relativamente à manifestação clínica atípica, o seu diagnóstico clínico é menos evidente
pois assemelha-se a outras infeções do TRS, como as infeções do vírus da Influenza equina, do
herpes vírus equino, da arterite viral equina e do vírus da rinite equina (Slater, 2007).
A hematologia pode revelar leucocitose com neutrofilia, bem como hiperfibrinogenemia,
embora sejam alterações variáveis e inespecíficas. No entanto, em combinação com os sinais
clínicos, esta informação é sugestiva de infeção por S. equi, sugerindo a realização de exames
adicionais, para estabelecer o diagnóstico definitivo (Slater, 2007; Boyle et al., 2018).
A sensibilidade e especificidade dos exames laboratoriais é dependente do estado de
evolução da doença, da região anatómica e técnica de recolha de amostras, bem como das
provas laboratoriais realizadas (Boyle et al., 2018).
3.8.2. Colheita de amostras
A amostra ideal para diagnóstico de infeção por S. equi é a aspiração por agulha de um
linfonodo hipertrofiado ou abcedado, recolhida durante a fase clínica da doença. No entanto,
também são opções zaragatoas nasais ou nasofaríngeas, tal como lavagens nasofaríngeas ou
das BG (Boyle et al., 2018).
• A zaragatoa nasal rostral requer a presença de corrimento nasal purulento ativo possível
de ser recolhido e, devido à rápida translocação, numa fase inicial da doença pode não se isolar
S. equi (Lindahl et al., 2013);
• A zaragatoa e lavagem nasofaríngea (figura
29) podem levar a falsos negativos, num animal
recentemente febril, por ainda não apresentar
corrimento nasal, mas também pela excreção
intermitente das BG. Comparando estas últimas, a
lavagem é mais vantajosa pois a superfície de amostra
é maior, apresentando maior sensibilidade do que a
zaragatoa (Lindahl et al., 2013);
• A lavagem das BG é ideal para deteção de
animais portadores. As principais desvantagens são o
requisito de equipamento especializado, assim como
experiência no acesso às BG e a disponibilidade de
tempo. Para além disso, podem surgir falsos negativos
se os LRF não tiverem ruturado. Este procedimento é
realizado com recurso à endoscopia, através de um
tubo de polietileno inserido no canal de trabalho,
através do qual se instila e coleta 50 mL de solução
Figura 29: Colocação de uma luva de
palpação rectal estéril para lavagem
nasofaríngea (Boyle, 2011).
57
salina (ligeiramente aquecida) nas BG. A lavagem “às cegas” também está descrita, usando um
cateter rígido dobrado, mas a grande desvantagem é não ser específica das BG pois há
passagem na nasofaringe e cavidade nasal (Boyle et al., 2018).
3.8.3. Cultura microbiológica
Anteriormente considerado o método de eleição para o diagnóstico de S. equi, a cultura
microbiológica tem vindo a ser cada vez menos utilizada, com estudos a demostrarem uma
sensibilidade reduzida, quando comparada com o PCR (Cordoni et al., 2015; Boyle et al., 2018).
No entanto, este continua a ser um método de diagnóstico vulgarmente disponível e de baixo
custo (Lindahl et al., 2013; Boyle et al., 2018).
As amostras são cultivadas em agar Columbia CNA (colistina e ácido nalidíxico) com 5% de
sangue ovino ou equino e posteriormente identificadas por métodos bioquímicos (Lindahl et al.,
2013). Quanto à sua interpretação, esta é afetada por outras espécies de Streptococcus β-
hemolíticos, principalmente S. zooepidemicus, uma vez que as zoocinas produzidas por este
eliminam S. equi. Assim, abcessos que maturam e ruturam rapidamente, depressa são
colonizados por S. zooepidemicus. Não obstante, a diferenciação destes agentes é possível:
• As colónias de S. zooepidemicus comensais são, geralmente, não mucoides. As colónias
consequentes de uma infeção invasora podem ser mucoides (figura 30);
• Contrariamente a S. equi, S. zooepidemicus tem capacidade de fermentar sorbitol e
lactose (Boyle et al., 2018);
Para além disto, a cultura microbiológica apresenta uma sensibilidade tão baixa quanto 40%
e o insucesso pode dever-se ao estado de evolução da doença, nomeadamente o período de
Figura 30: As colónias de Streptococcus
equi são geralmente mucoides e β-
hemolíticas em placas de agar sangue
(Slater, 2007).
58
incubação, estádio clínico inicial e período de convalescença (Lindahl et al., 2013; Boyle et al.,
2018).
Outra importante desvantagem deste método é a lentidão na obtenção dos resultados, cerca
de um a dois dias. Este facto pode atrasar a decisão de isolar o equino em questão, o que pode
ter consequências para a população de equinos onde se encontra (Webb et al., 2013).
3.8.4. PCR
Atualmente recorre-se com frequência à deteção de S. equi por PCR, quer se trate de um
teste PCR clássico ou em tempo real (qPCR). Uma das vantagens do PCR consiste na rapidez
da obtenção de resultados, em particular se se tratar do qPCR, que possibilita um teste completo
em uma ou duas horas e, assim, a obtenção de resultados no mesmo dia em que as amostras
são entregues no laboratório (Boyle et al., 2018).
Comparativamente com a cultura, o PCR apresenta uma sensibilidade bastante maior, cerca
de três vezes superior (Boyle et al., 2018). Este valor refere-se ao primeiro PCR desenvolvido
para a identificação de S. equi, cujo alvo era o gene SeM (o gene codificante da proteína M de
S. equi), que se pensava não ser uma região variável do seu genoma. Atualmente, sabe-se que,
pelo contrário, é bastante variável e pode ser excluída em estirpes isoladas de animais PCA
(Kelly et al., 2006; Webb et al., 2013).
Outros PCR surgiram com regiões alvos específicas, tais como os genes seeI, seeH, seeL e
seeM, codificantes dos superantigénios de S. equi (Båverud et al., 2007; Webb et al., 2013;
Cordoni et al., 2015). No entanto, a pesquisa de superantigénios torna-se funcionalmente
redundante, que leva à perda da objetividade da pesquisa de sequências de DNA do agente.
Mais ainda, S. zooepidemicus mostrou-se positivo na pesquisa por PCR a dois destes genes, o
que pode levar a determinação de falsos positivos (Webb et al., 2013). Outra desvantagem
relaciona-se com o facto de os genes de proteínas antigénicas serem mais propensos a
mutações por pressão seletiva pelo sistema imunitário do hospedeiro, o que leva à ocorrência
de falsos positivos (Cordoni et al., 2015).
Para além destes, surgiram mais testes PCR, como o direcionado para o locus ICESe2
(Cordoni et al., 2015), o gene Se18.9 (Webb et al., 2013) ou, ainda, os genes 16S rRNA e sodA,
e sodA e seeI (Båverud et al., 2007).
É de notar o desenvolvimento de um qPCR triplex (eqbE, SEQ2190 e um controlo de
qualidade interno). Neste são utilizados dois genes alvo específicos de S. equi localizados em
distintas regiões do genoma de uma dada estirpe, possibilitando a distinção de S. equi e S.
zooepidemicus. O eqbE faz parte do locus relativo à equibactina, relacionado com a capacidade
de aquisição de ferro. O gene SEQ2190 codifica uma proteína processada pela sortase (Webb
et al., 2013; Boyle et al., 2018).
59
A pesquisa de ambos os genes, presumivelmente, diminui a probabilidade de uma estirpe
escapar a ambos os testes diagnósticos. Como referido no teste para SeM, um teste com um
gene alvo único pode levar a falsos negativos devido à sua deleção do genoma da bactéria.
Quanto ao controlo interno, a sua função é assegurar que todas as amostras geram um resultado,
funcionando como controlo de qualidade (Webb et al., 2013).
Assim, o teste triplex reduz o número de falsos negativos o que, ultimamente, permite a
deteção, isolamento e tratamento de equinos infetados antes de poderem transmitir S. equi a
outros animais. Este facto é fulcral para a resolução de um surto de gurma, especialmente no
que se refere à deteção dos PCA. O qPCR triplex parece ser um método rápido, sensível e
robusto de diagnóstico da infeção por S. equi (Webb et al., 2013).
Contudo, o PCR não distingue bactérias vivas de mortas, pelo que a combinação deste
método com a cultura microbiológica, realizando o PCR após a cultura, pode ser considerado o
novo método de eleição uma vez que permite a deteção apenas de bactérias vivas (Newton et
al., 2000; Lindahl et al., 2013; Boyle et al., 2018). Todavia, segundo Lindahl et al. (2013), a
realização do PCR diretamente, isto é, antes da cultura, resultou na obtenção de ainda mais
verdadeiros positivos, caso se trate de infeção aguda. Quanto aos estádios iniciais da doença,
momento em que a deteção pela cultura falha, o PCR mostra ter mais valor (Lindahl et al., 2013).
A eficácia da utilização do qPCR como meio de diagnóstico, mas também de controlo, tem
sido comprovada pela experiência positiva em surtos de gurma. De facto, é possível que um
animal seja S. equi negativo na cultura, mas positivo no qPCR. Existe, até, evidência de
contaminação de cavalos saudáveis por um negativo à cultura, mas positivo quando testado por
qPCR (Boyle et al., 2018).
A deteção dos animais portadores, particularmente os PCA, é deveras importante no maneio
e controlo de um surto de gurma, pelo que um teste diagnóstico ideal assume um papel de
destaque. Embora o desenvolvimento científico nesta área tenha já tido um importante avanço,
continuam a desenvolver-se estudos nesse sentido.
3.8.5. Serologia
Comercialmente estão disponíveis diversos testes ELISA para medição de IgG totais
nomeadamente para as proteínas de superfície SeM ou os antigénios A e C combinado (Waller
et al., 2014; Boyle et al., 2018).
O título de anticorpos anti-SeM tem o seu pico às cinco semanas após exposição e mantem-
se elevado até, pelo menos, seis meses. Quando realizado em amostras sequenciais, este teste
pode informar acerca da exposição e estado de infeção de um animal (Timoney et al., 2007;
Waller et al., 2014). Assim, é possível detetar uma infeção recente, suportar um diagnóstico de
PH ou gurma bastarda, ou mesmo identificar animais com predisposição para PH (tabela 17). No
60
entanto, deve ter-se em consideração a variação individual na resposta à doença (Boyle et al.,
2018).
É de referir que o título de anticorpos decresce ao longo do tempo (Boyle et al., 2017) e que
cavalos que receberam antibióticos no tratamento desenvolvem uma reduzida resposta imune e
são suscetíveis de reinfeção. Mais ainda, este teste não permite a identificação de portadores
crónicos e um valor único não é representante de infeção ativa (Boyle et al., 2018), assim como
não permite a distinção de cavalos vacinados (Waller et al., 2014).
Outra desvantagem é a possível reação cruzada dos anticorpos anti-SzM com a SeM, o que
diminui a especificidade do teste. A SzM é a proteína M de S. zooepidemicus, homóloga à de S.
equi. Esta reação cruzada é contornável com etapas laboratoriais adicionais, mas que não são
adotadas nos testes serológicos comerciais (Robinson et al., 2013; Boyle et al., 2018).
Tabela 17: Interpretação do teste ELISA SeM (Adaptado de: Andrew Stephen Waller et al.,
2014; Boyle et al., 2018).
Resultado Título Interpretação
Negativo
Sem exposição prévia a S. equi ou vacinação
OU
Exposição recente a S. equi (< 7 dias)
Fraco
positivo
1:200 –
1:400
Exposição muito recente
OU
anticorpos residuais para S. equi
Repetição do teste em 7 a 14 dias para confirmação
de exposição recente.
Moderado
positivo
1:800 –
1:1600
2 a 3 semanas após exposição
Ou
Infeção há 6 meses a 2 anos
Alto
positivo
1:3200 –
1:6400
4 a 12 semanas após infeção ou
vacinação. Forma injetável – 1 a 2 semanas; forma
intranasal – 2 a 4 semanas.
Vacinação contraindicada
Predisposição para PH
Muito
positivo > 1:12800 Suporte de diagnóstico de PH ou gurma bastarda
61
Para eliminar o problema da reação cruzada com S. zooepidemicus, surgiu um teste de
ELISA indireto (iELISA). Neste utiliza-se o antigénio C (N-terminal da SeM), único de S. equi e
outro ensaio simultâneo para o antigénio A (SEQ_2190, região específica de S. equi), surgindo
uma resposta positiva quando um ou ambos os testes excedem o limiar de positividade. Este
iELISA combinado, permite aumentar a especificidade, mantendo a sensibilidade,
comparativamente ao ELISA SeM (Robinson et al., 2013).
Numa população de equinos não vacinados para gurma, este teste iELISA combinado,
possibilita a identificação de infeção recente (tão cedo quanto duas semanas), bem como a
deteção de portadores assintomáticos. Pode ser utilizado como método de triagem na entrada
de um novo equino na exploração (Boyle et al., 2018), descrito adiante em 3.10.1 Medidas de
biossegurança e profilaxia.
3.8.6. Abordagem diagnóstica
Após uma suspeita clínica de infeção por S. equi, são vários os métodos de diagnóstico
laboratorial possíveis de recorrer. Assim, na tabela 18 resumem-se e comparam-se os principais
métodos de colheita e análise de amostra, consoante o seu objetivo.
Posteriormente será referida a utilização destes métodos na prevenção e controlo de um
surto de gurma.
62
Tabela 18: Comparação de métodos de diagnóstico laboratorial.
Método de
colheita de
amostras
Método de
análise
laboratorial
Objetivo Particularidades
Uma lavagem
nasofaríngea
única
Análise direta
por PCR
+
Análise após
cultura, por
PCR
Diagnóstico de infeção por S. equi.
Método de colheita e análise de amostras ideal (Lindahl et
al., 2013)
Uma lavagem
nasofaríngea
+
uma amostra
única
adicional
(como uma
zaragatoa
nasal)
Análise direta
por PCR
Diagnóstico de infeção por S. equi.
Parece ser igualmente eficaz na recuperação do agente,
sem o atraso causado pelo tempo de realização da cultura
(Lindahl et al., 2013)
Lavagem das
BG guiada
por
endoscopia
Análise direta
por PCR
+
Cultura
Deteção de PCA Método mais eficiente e sensível para este objetivo (Boyle
et al., 2018)
63
+ inspeção
visual das
mesmas
Três
zaragatoas
nasofaríngeas
consecutivas,
intervaladas
por sete dias
Análise direta
por PCR Deteção de PCA
Menos sensível que a lavagem e inspeção das BG
(Whitlock et al., 2019)
Sangue Serologia Triagem de animais Determinação da exposição e estado de infeção (Boyle et
al., 2018)
64
3.9. Tratamento
O tratamento dos equinos com gurma varia consoante o estádio e severidade da infeção. A
maior parte dos casos não necessita de tratamento específico, mas sim de cuidados gerais de
suporte, permitindo que se dê o curso natural da doença (Davis, 2018). Estes cuidados incluem
descanso em ambiente ameno e seco, assim como alimentação de consistência mole, húmida e
palatável, de boa qualidade e água sempre disponível, para manutenção da hidratação. A
administração de AINEs também é adjuvante. É importante relembrar que em condições
ambientais de elevada temperatura, como nos meses de verão, a ventilação do estábulo deve
ser assegurada (Boyle et al., 2018).
Relativamente aos equinos que apresentam linfonodos abcedados, isto é, os que evoluem
segundo a manifestação clínica clássica, a terapia passa pelo auxílio à maturação e drenagem
dos abcessos. Para tal, procede-se à aplicação de pachos quentes sobre os abcessos ou outros
tratamentos tópicos, como a pomada de ictamol. Caso os abcessos não ruturem por si, está
indicada a drenagem cirúrgica (figura 31), mas é fulcral que a maturação dos mesmos tenha sido
atingida. Após este procedimento, procede-se à lavagem com uma solução de iodopovidona a
3-5%, que deve ser efetuada diariamente, até que se dê por terminada a drenagem do conteúdo
do abcesso (Taylor & Wilson, 2006; Boyle et al., 2018).
Quanto ao empiema agudo das BG, geralmente a resolução é espontânea, mas a sua
drenagem é favorecida pela posição baixa da cabeça e abertura dos óstios que ocorre durante
a deglutição. Assim, deve-se estimular a alimentação do cavalo no chão. No entanto esse esforço
Figura 31: Drenagem de LRF num poldro com gurma
(Boyle et al., 2011).
65
pode não ser suficiente e estabelecer-se um PCA, devido à permanência de material infecioso
nas BG (Dixon & James, 2018).
Adicionalmente, a terapia anti-inflamatória pode ser adjuvante para a melhoria geral da
atitude do equino, potenciando a ingestão de alimento e água. Recorre-se a AINEs como a
fenilbutazona ou a flunixina meglumina que, para além da sua ação antipirética, possibilitam
alguma analgesia e consequente melhoria do desconforto faríngeo associado à linfadenite
(Taylor & Wilson, 2006; Boyle et al., 2018).
Quanto à antibioterapia, a sua aplicação é controversa e há opiniões divergentes, sendo
necessária maior evidência científica que suporte os efeitos terapêuticos em animais tratados,
comparativamente aos não tratados (Boyle et al., 2018).
De facto, a terapia com antibióticos possibilita desaceleração de um surto e diminuição da
morbilidade quando aplicada a cavalos em fase inicial da doença, isto é, com febre e letargia,
mas sem linfadenopatia. Nestes casos, pode ser curativa e impedir a abcedação dos linfonodos
(Mallicote, 2015). Um dos entraves é o facto de, por norma, não se conhecer o momento da
infeção, dificultando a decisão da duração do tratamento. Consequentemente, o cessar
prematuro da antibioterapia pode resultar num prolongamento da doença, ao invés da sua
resolução antecipada (Boyle et al., 2018).
Como já referido, a maioria dos casos não necessita de terapia com antibióticos e foram
apontadas algumas inquietações relativamente à sua utilização nos casos de gurma, sendo o
seu uso desaconselhado, salvo quando absolutamente necessário. Umas das principais razões
é o não desenvolvimento de imunidade protetora, levando à suscetibilidade do animal a uma
reinfeção (Whitlock et al., 2019). Isso acontece provavelmente porque o antibiótico impede a
síntese de antigénios protetores o que, por sua vez, leva a uma resposta imunitária subótima.
Para além disso, esta terapia atrasa a maturação dos abcessos ou estes podem reaparecer após
descontinuação da mesma, não devendo ser instituída em animais neste estádio (Piche, 1984;
Taylor & Wilson, 2006). A hipótese destes fármacos predisporem à metastização de abcessos
tem sido desvalorizada, por falta de evidência científica e pelo facto de, nesses casos, o
tratamento incluir antibioterapia de longa duração e em doses altas, parecendo não ser um risco
para esta complicação (Boyle et al., 2018; Davis, 2018).
Todavia, os antibióticos estão indicados em algumas situações: cavalos com manifestação
aguda acompanhada de febre alta e mal-estar geral previamente à formação de abcessos;
cavalos com severa linfadenopatia e dispneia; quando se trata de gurma bastarda; casos de PH
tratados com corticosteroides; infeções crónicas das BG, tratadas com administração local e
sistémica, para eliminação do estado de portador (Boyle et al., 2018).
A antibioterapia não deve ser instituída como medida preventiva em equinos possivelmente
expostos ao agente. O uso excessivo de antibióticos promove o desenvolvimento de resistências
66
e transmite uma falsa sensação de segurança, para além do facto da resposta imunitária
adequada não ser induzida (Boyle et al., 2018).
Quando aplicada, o fármaco de eleição é a penicilina na dose de 22 000-44 000 UI/kg de
peso vivo, por via IM, a cada 12 horas ou por via IV, a cada 6 horas e deve ter a duração de 10
a 12 dias devendo ser mantido até cinco dias após resolução dos sintomas (Wilson, 1988,
referido por Taylor & Wilson, 2006; Boyle et al., 2018). Não têm sido descritas resistências a este
antibiótico por S. equi ou S. zooepidemicus (Boyle et al., 2018) e S. equi é consistentemente
sensível à penicilina (Bustos et al., 2018).
Outras opções terapêuticas podem ser consideradas consoante a suscetibilidade, local da
infeção e facilidade de administração, em especial em animais que necessitem de antibioterapia
de longa duração. São alternativas comuns as cefalosporinas ou os macrólidos, estando a
aplicação extra-label de ceftiofur apontada para esta infeção. A suscetibilidade in vitro de S. equi
e S. zooepidemicus ao ceftiofur está confirmada, e a sua utilização tem sido eficaz em infeções
do trato respiratório inferior por estes agentes (Bade et al., 2009a; Bade et al., 2009b; McClure
et al., 2011; Johns & Adams, 2015; referidos por Boyle et al., 2018), bem como se mostrou ser
uma terapia adjuvante na resolução de um surto de gurma (Christmann & Pink, 2015). Todavia,
não se considera que ceftiofur apresente vantagem sobre a penicilina na sua aplicação clínica e,
de forma a respeitar as boas práticas da utilização de antibióticos, as cefalosporinas devem
reservar-se aos animais cuja submissão da infeção seja mais difícil (Toombs-Ruan et al., 2015;
Boyle et al., 2018).
Relativamente à utilização da associação trimetoprim-sulfadiazina, embora se tenha
confirmado a sensibilidade in vitro de S. equi (Fey & Schmid, 1995; Bustos et al., 2018), a sua
utilização in vivo mostrou-se ineficaz em infeções por S. zooepidemicus (Ensink et al., 2005) e,
alegadamente, também nas infeções provocadas por S. equi, embora não haja evidência
científica disso (Boyle et al., 2018).
Embora seja raro, manifestações mais severas podem ter indicação de cuidados intensivos
como fluidoterapia, alimentação por entubação nasogástrica ou traqueostomia. São exemplos
destas complicações a disfagia, pneumonia por aspiração, dispneia que pode envolver completa
obstrução das vias respiratórias. Nestes casos deve incluir-se antibioterapia adequada com
doses elevadas de penicilina e antibióticos de largo espectro e/ou com valência para anaeróbios,
com vista a prevenção de infeções secundárias do trato respiratório inferior (Taylor & Wilson,
2006; Boyle et al., 2018; Davis, 2018).
Cavalos com corrimento nasal com duração superior a duas semanas devem ser submetidos
a exame endoscópico das BG pois podem apresentar empiema e necessitar tratamento
adicional. Em qualquer situação, idealmente, a duração do tratamento deverá ser guiada por
análises laboratoriais bissemanais ou semanais para medição de proteínas inflamatórias, como
67
o fibrinogénio, com vista a assegurar que o tratamento foi implementado por um período
adequado (Boyle et al., 2018).
3.10. Prognóstico
O prognóstico da infeção por S. equi é variável, mas a mortalidade é, geralmente, baixa e a
maioria dos equinos recupera completamente (Waller et al., 2014), embora a morbilidade seja
alta (Piche et al., 1984; Boyle, 2011). Com o tratamento de suporte adequado, essa recuperação
faz-se, por norma, em duas a quatro semanas (Whitlock et al., 2019).
À forma atípica é atribuído um bom prognóstico e à clássica varia consoante o
desenvolvimento de complicações (Waller et al., 2014). Quanto à gurma bastarda, PH e miosites,
é atribuído um prognóstico reservado (Boyle et al., 2018).
Assim, a taxa de mortalidade varia entre 8,1% (Fey & Schmid, 1995, referido por Boyle et al.,
2018) e 9,7% (Christmann & Pink, 2015, referido por Boyle et al., 2018) em explorações de
grande dimensão ou, possivelmente, intervalos inferiores como 2,7% a 3,6% (Piche et al., 1984;
Sweeney et al., 1987; referidos por Taylor & Wilson, 2006) ou mesmo 0,9% em explorações
menores (Duffee et al., 2015, referido por Boyle et al., 2018). De qualquer forma, a mortalidade
não é comum nas infeções por S. equi e ocorre associada a complicações. A taxa de
complicações pode ser tão alta quanto 20% e destes, assume-se que 40% terminam em morte
ou eutanásia (Taylor & Wilson, 2006).
3.11. Prevenção e controlo
Como anteriormente referido, gurma é uma das doenças mais frequentemente
diagnosticadas em equinos, com elevada morbilidade e ocasional mortalidade, altamente
contagiosa (Boyle, 2011). Assim, a prevenção e controlo de surtos são etapas fundamentais na
gestão desta doença.
3.11.1. Medidas de biossegurança
Com a evolução dos testes laboratoriais que permitem a identificação de genes e proteínas
específicos de S. equi, o diagnóstico de gurma é, hoje em dia, rápido, sensível e específico. A
sua aplicação tem potenciado a redução na dispersão da doença, uma vez que os médicos
veterinários são capazes de rapidamente implementar medidas de biossegurança subsequentes
a um diagnóstico positivo. Mais ainda, estes métodos permitem a identificação de PCA
previamente à sua introdução num grupo de cavalos, prevenindo a ocorrência de novos surtos
(Waller, 2013). Estes animais, por aparentarem ser completamente saudáveis, podem não ser
identificados num exame veterinário pré-exportação, ao contrário dos evidentemente doentes.
68
Assim, é de grande importância a realização de quarenta e testes de triagem aos novos animais
(Watson, 2018).
Quanto à prevenção, a limitação à exposição é, inevitavelmente, o melhor método. Assim,
as medidas de biossegurança apropriadas compõem a quarentena e triagem de animais recém-
chegados (figura 32), desinfeção e limpeza adequadas de equipamento potencialmente infecioso
e educação dos tratadores relativamente à correta higiene (Boyle et al., 2018).
O estrume e excedentes da alimentação dos animais infeciosos devem ser compostados
num local isolado (Boyle et al., 2018). Equipamentos e estruturas devem ser devidamente
lavados e desinfetados. S. equi é relativamente suscetível a desinfetantes, sendo os hipocloritos
(lixívia comum) uma opção válida, entre outros (Dwyer, 2004). A exposição solar é adjuvante
(Weese et al., 2009; Durham et al., 2018).
A realização de quarentena pode ser complicada, em especial se há uma grande
movimentação de cavalos para fins reprodutivos ou desportivos. Quando realizada, os recém-
chegados devem ser mantidos em isolamento por um período mínimo de três semanas (Boyle
et al., 2018). A área de quarentena deve estar devidamente assinalada e isolada do resto das
instalações e o material (baldes de água, escovas, entre outros) corretamente marcado e
reconhecível, de modo a manter as condições de biossegurança. Relativamente ao pessoal,
idealmente, devem ser destacadas pessoas dedicadas exclusivamente àqueles cavalos, mas
quando não é possível, os animais da quarentena devem ser tratados em último lugar (Waller,
2013).
A temperatura dos animais em quarentena deve ser monitorizada duas vezes por dia, e
qualquer pirexia deve ser investigada por um médico veterinário. A realização de quarentena é
preventiva não só de gurma, mas também de outras infeções (Watson, 2018).
O passo seguinte para a prevenção da infeção é a triagem dos animais. Esta realiza-se por
colheitas de sangue e análise serológica (figura 32), com vista a identificar os equinos
recentemente expostos e os PCA. Faz-se uma primeira colheita à chegada do animal e, se
negativa, repete-se passadas duas semanas com vista a identificar os que seroconverteram e
se encontravam em período de incubação. Caso a segunda colheita seja também negativa, o
cavalo é considerado seguro de entrar na exploração (Waller, 2013).
69
Uma vez a segunda análise positiva, estes animais devem ser alvo de investigação, sendo
a endoscopia das BG o método ideal, pois permite a identificação óbvia de infeção persistente e
a realização de uma lavagem para análise laboratorial. Se este procedimento não for possível,
pode-se optar por três zaragatoas ou lavagens nasofaríngeas, intervaladas semanalmente. Após
colheita das amostras, procede-se à sua análise por qPCR e cultura. Se o resultado for negativo,
considera-se segura a entrada do cavalo no grupo (Waller, 2013).
No caso do resultado do qPCR ser positivo ou a avaliação endoscópica revelar empiema
e/ou condroides nas BG, o animal deverá ser submetido ao tratamento adequado para os PCA,
descrito adiante. Só a reavaliação das BG e análise laboratorial negativas, realizadas duas
semanas após o tratamento, permite que o animal seja considerado seguro (Waller, 2013; Boyle
et al., 2018).
3.11.2. Profilaxia
Relativamente à profilaxia, existem várias vacinas disponíveis globalmente. No entanto, há
poucos dados acerca da proteção que algumas conferem, pelo que não são comercializadas na
Europa, nomeadamente a vacina Strepvax II dos Estados Unidos da América. De momento,
existe apenas uma vacina para gurma na União Europeia, a Equilis StrepE (MSD Animal Health),
uma vacina viva atenuada (Watson, 2018). Todavia, não está disponível em Portugal (MSD
Animal Health Portugal, 2019; MedVet, 2019). A sua administração é submucosa, feita no lábio
superior e tem uma duração curta, pelo que são necessários reforços a cada três a seis meses.
Para além disso, foram relatados efeitos secundários desta vacina tais como o desenvolvimento
da infeção após a vacinação ou abcessos no local de injeção, caso esta seja IM (Kemp‐Symonds
et al., 2007; Watson, 2018).
Figura 32: Esquema de quarentena e triagem efetivo (Waller, 2013).
70
No caso da Pinnacle IN (Zoetis), vacina disponível nos Estados Unidos e Nova Zelândia e
administrada via intranasal, a sua estirpe foi encontrada em 61% dos cavalos que foram
vacinados e desenvolveram gurma, parecendo haver uma associação da vacinação com a
ocorrência da doença (Livengood et al., 2016; Robinson et al., 2018).
A acrescentar, estas vacinas interferem com os testes laboratoriais, não sendo possível
distinguir animais vacinados dos infetados, isto é, não têm capacidade DIVA (Differentiation of
Infected from Vaccinated Animals) (Boyle et al., 2018; Robinson et al., 2018; Watson, 2018).
Embora a gurma seja uma doença ancestral e se tenham identificado estirpes diferentes no
Reino Unido, Austrália, Bélgica, Canadá, Irlanda, Nova Zelândia, Arábia Saudita, Suécia e
Estados Unidos da América, estas parecem ter uma origem comum que data do fim do século
XIX ou início do século XX. Ou seja, as estirpes modernas de S. equi têm uma diversidade
genética suficientemente reduzida para que uma vacina seja capaz de conferir imunidade
cruzada para estas. Para além disso, o desenvolvimento de vacinas vivas atenuadas para gurma
foi baseado no facto dos equinos recuperados de um surto, tipicamente apresentarem imunidade
para uma re-infeção (Robinson et al., 2018).
Animais cujo título de anticorpos no teste de ELISA SeM seja superior a 1:3,200 não devem
ser vacinados, pois apresentam um risco elevado de desenvolverem PH (Boyle et al., 2018).
Através do avanço científico pretende-se que, futuramente, surja uma vacina com maior
eficácia e maior capacidade de proteção contra o agente, podendo contribuir para a saúde
equina. Uma opção que seja possível de ser administrada via IM e sem interferência com os
testes de diagnóstico (Robinson et al., 2018; Watson, 2018).
Atualmente, está a ser desenvolvida uma vacina recombinante polivalente, a Strangvac
(Intervacc AB em colaboração com o Animal Health Trust). Esta não interfere com a interpretação
do PCR ou testes serológicos, tem capacidade imunogénica e confere excelentes níveis de
proteção. Potencialmente estará disponível em 2020 (Robinson et al., 2018; Watson, 2018;
Whitlock et al., 2019).
71
3.11.3. Controlo e maneio de um surto de gurma
Os primeiros sinais de gurma (pirexia, corrimento nasal, linfadenopatia) são muito variáveis
consoante a resposta individual, para além de não serem específicos desta. No entanto, se há
uma suspeita de infeção por S. equi, o animal deve ser isolado imediatamente, de modo a
minimizar o risco de transmissão a outros cavalos (Waller, 2013). A movimentação de cavalos
de e para a exploração deve ser suprimida prontamente (Boyle et al., 2018) e criados grupos de
animais segundo um código de três cores (figura 33):
• Vermelho: cavalos que manifestaram um ou mais sinais clínicos consistentes com
gurma, presumivelmente infetados;
• Amarelo: cavalos que tiveram contacto direto ou indireto com um animal infetado do
grupo vermelho, pressupondo-se que estiveram em risco de exposição a S. equi e podem estar
em período de incubação, mas ainda não manifestaram sinais clínicos;
• Verde: cavalos dos quais não há conhecimento de contacto direto ou indireto com
cavalos afetados, sem qualquer manifestação de sinais clínicos (Waller, 2013; Boyle et al., 2018).
A temperatura rectal dos animais do grupo verde e amarelo deve ser medida bidiariamente
e caso se detete um cavalo febril, este deve ser movido para o grupo vermelho. Todo o material
deve estar assinalado e ser de uso exclusivo para cada grupo e fontes de água comuns devem
ser excluídas. De forma semelhante ao recomendando para a quarentena, preferencialmente
cada grupo deve ter pessoal dedicado exclusivamente a esse grupo, mas, quando isto não é
possível, as tarefas devem ser realizadas por ordem do grupo de menor para maior risco, ou
Figura 33: Esquema de divisão em grupos de controlo (Waller, 2013).
72
seja, do verde para o amarelo e deste para o vermelho, nunca voltando atrás (Waller, 2013; Boyle
et al., 2018).
Como se entende, o controlo e maneio de um surto de gurma envolvem várias etapas e
requerem uma enorme dedicação. Este período não deve ser descurado pois o seu objetivo
primordial é evitar a disseminação da doença, o que, ultimamente, inclui a deteção e tratamento
dos cavalos PCA (Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018). Esta trata-se da etapa final do
controlo, desenvolvida adiante em 3.12 “Deteção e tratamento dos portadores crónicos
assintomáticos”.
3.12. Deteção e tratamento dos portadores crónicos assintomáticos
O sucesso de um plano de controlo de um surto de gurma está dependente da deteção,
segregação e tratamento dos animais portadores, em conjunto com a aplicação das medidas de
higiene devidas. Esta importante etapa permite não só limitar os efeitos do surto atual, mas
também prevenir novos casos, tornando segura a reintrodução destes equinos no grupo (Boyle
et al., 2018; Newton et al., 2000; Verheyen et al., 2000).
Os PCA são, como referido no ponto 3.7.1 “Portadores Crónicos Assintomáticos”, uma
porção (cerca de 10%) dos animais infetados num surto de gurma que, após recuperação, se
tornam cronicamente infetados e são uma potencial fonte de reinfeção (Newton et al., 1998,
referido por Boyle et al., 2018; Newton et al. 2000; Slater, 2007). Ou seja, são animais que
continuam a excretar, de forma intermitente, S. equi mesmo após as quatro a seis semanas de
recuperação após cessar dos sinais clínicos (Newton
et al., 1997b; Slater, 2007). Os cavalos PCA
permanecem aparentemente normais, sem qualquer
evidência da infeção, podendo potencialmente
manter-se portadores toda a vida. Daí, a importância
desta etapa (Newton et al., 1997b; Verheyen et al.,
2000; Mallicote, 2015; Whitlock et al., 2019).
A preservação da bactéria deve-se, na grande
maioria dos casos, ao empiema das BG, que ocorre
pela falha na drenagem das mesmas (Newton et al.,
1997b; Newton et al., 2000). Nos portadores de longo
termo, o pus acumulado sofre inspissação, tornando-
se progressivamente mais espesso, até se formarem
estruturas distintas, ovoides e lisas denominadas por
condroides (figura 34). Estes contêm S. equi viáveis
Figura 34: Condroides de uma BG
(Whitlock et al., 2019).
73
na sua superfície, assim como no seu interior (Newton et al., 1997a; Boyle et al., 2018).
Assim, a infeção das BG surge em vários graus, variando na presença de empiema ou
condroides e, embora os PCA sejam clinicamente normais, a infeção das BG pode também ser
prejudicial à sua saúde, nomeadamente pelo colapso do teto da nasofaringe surgindo sinais
clínicos como disfagia e dispneia (Verheyen et al., 2000; Freeman, 2015). As BG são o principal
reservatório de S. equi que coloniza não só o conteúdo das mesmas, mas também o seu epitélio
(Newton et al., 1997b; Fintl et al., 2000).
Embora o empiema agudo seja de resolução espontânea e a sua eliminação auxiliada pelo
rebaixar da cabeça, alguns fatores podem impedir a correta drenagem do mesmo. Por um lado,
quando o animal apresenta a cabeça baixa, as áreas laterais ao óstio da BG encontram-se
ventrais relativamente a este. Por outro, o normal funcionamento do sistema mucociliar de
drenagem pode estar afetado (Dixon & James, 2018).
A inflamação contínua da mucosa, leva à perda de cílios e inibe o correto movimento do
exsudado presente na BG. Este, por sua vez, para além de estar presente numa quantidade
exagerada anormal, apresenta-se com maior viscosidade. A inflamação do próprio óstio, também
é um fator contra a drenagem do empiema, bem como a presença de condroides que perpetuam
a inflamação da mucosa (Dixon & James, 2018).
Após a resolução do surto de gurma, está indicada a realização de testes para identificação
de PCA. Mas estes não devem ser efetuados antes das três semanas após a resolução do último
caso clínico, da potencial exposição ao agente, ou do término da antibioterapia (Waller, 2013;
Boyle et al., 2018).
Estes testes incluem, quando disponíveis, o teste de iELISA combinado (Robinson et al.,
2013), o exame endoscópico das BG, e o qPCR de lavagens das BG, em conjugação com a
cultura microbiológica. De facto, estes permitem a identificação de cavalos PCA após um surto
de gurma e da sua recuperação clínica (Waller, 2013; Boyle et al., 2018).
Assim, cavalos cujo teste iELISA é positivo devem ser investigados por endoscopia. O exame
endoscópico pode revelar sinais óbvios de infeção persistente ou não. Aquando deste, uma
lavagem das BG com solução salina deve ser efetuada, seguindo-se o qPCR e cultura, sendo
este método de triagem de portadores mais eficiente e sensível que o método das três
zaragatoas nasofaríngeas (Boyle et al., 2018; Whitlock et al., 2019).
A lavagem deve ser realizada segundo a técnica descrita na colheita de amostras. Este
procedimento deve ser sempre efetuado aquando da inspeção das BG, uma vez que não existe
correlação estatística entre os achados endoscópicos e os resultados do qPCR. Ou seja, a
ausência de sinais evidentes de infeção, tais como empiema e condroides, não exclui a hipótese
de infeção crónica por S. equi (Boyle et al., 2018; Riihimäki et al., 2018).
74
Nos casos de animais sem alterações ao exame endoscópico, mas qPCR positivo, a
condição de PCA não deverá ser excluída e consideram-se infeciosos. Deverá ponderar-se
tratamento sistémico com antibióticos, bem como radiografia dos seios nasais. Estas estruturas,
embora mais raramente, podem ser locais de infeção crónica por S. equi (Newton et al., 1997a;
Slater, 2007; Boyle et al., 2018; Dixon & James, 2018).
Entende-se, deste modo, que a resolução da condição de PCA é fundamental e é possível
pela remoção dos achados de infeção das BG e pelo tratamento adequado para eliminação da
infeção (Verheyen et al., 2000).
3.12.1. Exame endoscópico do trato respiratório superior e
bolsas guturais
A deteção de sinais de infeção crónica das BG após um surto de gurma deve ser efetuada
por endoscopia, permitindo a inspeção visual de ambas as bolsas (Waller, 2013; Boyle et al.,
2018). A sua localização anatómica é limitante no que toca à exploração clínica, pelo que este é
o meio de eleição para tal.
Numa fase aguda da infeção, quando realizado o exame endoscópico, é possível verificar
várias anomalias nas BG e TRS, apresentadas de seguida.
A realização deste procedimento requer material adequado e condições de segurança para
tal, incluindo contenção e sedação do animal. Relativamente ao material, o endoscópio deve ser
acompanhado de instrumentos apropriados para o procedimento, como os referidos adiante,
Figura 35: Fio guia orienta a entrada do
endoscópio na BG (Seahorn, 2004).
75
para manipulação de condroides e irrigação das BG. Visto tratar-se de uma doença infeciosa
contagiosa, a desinfeção de todo o material entre animais é fundamental.
A técnica para entrada na BG é desafiante e exige prática do operador (Elnady et al., 2015).
A entrada do endoscópio na BG é orientada por um fio guia contido no canal de trabalho, que é
passado através do óstio nasofaríngeo da bolsa. Seguidamente, o endoscópio é avançado e
rodado, rolando axialmente sobre a fibrocartilagem da mucosa da abertura, permitindo a sua
entrada. Neste momento é possível identificar a prega salpingofaríngea (figura 35) (Seahorn,
2004).
Uma vez no interior da BG, deverá ser possível avaliar a regularidade da anatomia da
estrutura. Quaisquer anomalias devem ser registadas (Seahorn, 2004).
3.12.2. Achados endoscópicos de infeção aguda das bolsas
guturais
Numa infeção aguda por S. equi, se realizado o exame endoscópico do TRS e BG, as
anomalias possíveis de ser encontradas neste exame incluem:
• descarga purulenta e fístula dos LRF (figura 36);
• hipertrofia dos LRF sem descarga, apenas se observando a sua protrusão para o interior
da BG (figura 37);
• distorção da parede do compartimento medial;
• parede eritematosa e edemaciada;
• descarga de muco pela abertura nasofaríngea da BG (figura 38);
• colapso do teto da faringe e obstrução parcial da laringe (figura 39);
76
Figura 36: Descarga
mucopurulenta e fístula dos
LRF (Dixon & James, 2018).
Figura 38: Descarga purulenta do
óstio da BG esquerda (Dixon &
James, 2018).
Figura 39: Colapso faríngeo e obstrução
parcial da laringe (Freeman, 2015).
Figura 37: Hipertrofia e
protrusão dos LRF (Seahorn,
2004).
77
3.12.3. Achados endoscópicos de infeção crónica das bolsas
guturais
Os principais achados endoscópicos das BG, decorrentes de uma infeção por S. equi num
cavalo clinicamente recuperado, são (Fintl et al., 2000; Verheyen et al., 2000; Riihimäki et al.,
2016; Boyle et al., 2018; Dixon & James, 2018):
• empiema;
• condroides.
O empiema (figura 40) pode ser classificado como ligeiro, quando se trata de material
mucopurulento aderido à mucosa da BG; marcado/severo, nos casos de grande quantidade de
pus acumulado, em especial ventralmente; ou inspissado, quando o material mucopurulento
consolida em massas brandas irregulares. Uma vez totalmente consolidado, o material purulento
assume a forma de condroide, surgindo em número único ou múltiplo (figura 41) (Newton et al.,
2000).
No entanto, outros achados podem surgir e devem ser tidos em conta:
• descarga purulenta e fístula dos LRF (Fintl et al., 2000; Dixon & James, 2018);
• mucosa eritematosa e edemaciada (Fintl et al., 2000);
• lesões proeminentes de tecido de granulação no chão do compartimento medial (Fintl et
al., 2000);
• fístula nasofaríngea (Dixon & James, 2018).
Em relação ao primeiro, é possível encontrar num LRF hipertrofiado e ruturado, o local da
descarga purulenta. A esta, está associado o eritema e edema da mucosa (figura 42). As lesões
proeminentes de tecido de granulação surgem no local da fístula do LRF, pequenas e residuais
(figura 43) (Fintl et al., 2000). Mais raramente, numa BG com restrição da drenagem que,
consequentemente, apresenta grande distensão por acumulação de exsudado purulento, pode
desenvolver-se uma fístula nasofaríngea (figura 44). Estes casos podem apresentar condroides
dentro da BG, mas, se estes forem de tamanho superior à abertura da fístula, não é possível a
total drenagem, perpetuando-se o empiema. Nestas situações ocorre oclusão do óstio, por vezes
permanente (Dixon & James, 2018).
78
Figura 40: Empiema
significativo (Mallicote, 2015).
Figura 41: Condroides
(Seahorn, 2004).
Figura 42: Fístula e descarga
purulenta de um LRF
hipertrofiado. Eritema e
edema da mucosa (Fintl et al.,
2000).
Figura 43: Foco residual de
tecido de granulação,
sobre um LRF de tamanho
normal (Fintl et al., 2000).
79
3.12.4. Tratamento das bolsas guturais
O método de tratamento das BG depende da consistência do material encontrado no seu
interior (Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018). O objetivo é a eliminação da infeção por S.
equi através da remoção dos achados patológicos e da administração de antibióticos. Isto é
atingível pela irrigação moderada a abundante da BG e realização de repetidas lavagens, sucção
do material fluido e manipulação endoscópica de condroides. Em casos mais severos o
tratamento pode envolver a colocação de cateteres de longa duração, ou mesmo remoção
cirúrgica de condroides (Verheyen et al., 2000; Whitlock et al., 2018).
Quando se trata de empiema, estão indicadas as lavagens repetidas da estrutura. O
tratamento de eleição é a solução salina isotónica tépida, uma vez que a adição de antissépticos
provoca inflamação da mucosa, o que prejudica a drenagem (Dixon & James, 2018).
As lavagens podem ser realizadas recorrendo a um cateter rígido que deverá estar dobrado
nos últimos 2,5 cm, de forma a facilitar a sua entrada nas BG; ou a um cateter de Foley ou
específico para as BG comercialmente disponível (Mila International, Inc). A entrada nas BG é
guiada por endoscopia. A estes cateteres pode ser adaptada uma bomba manual para lavagem
com grande volume, embora possa não ser bem tolerado por alguns animais, mesmo sob
sedação profunda. Outra opção para a realização deste procedimento é a utilização de um
cateter de polietileno através do canal de biópsia (Burns, 2004; Verheyen et al., 2000; Boyle et
al., 2018).
A lavagem das BG deve ser acompanhada do rebaixar da cabeça do animal para permitir a
drenagem, ou da utilização de uma bomba de sucção adaptada ao endoscópio, que facilita a
remoção do pus. A sedação auxilia à colocação do endoscópio e também facilita a drenagem,
devido à posição baixa da cabeça do cavalo (Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018; Dixon &
James, 2018). É importante que não seja aplicada excessiva pressão aquando da lavagem, pois
Figura 44: Fístula nasofaríngea
(Dixon & James, 2018).
80
o revestimento da BG pode ser danificado, formando tratos nos quais se instala a infeção que se
torna difícil de eliminar (Freeman, 2015).
As principais consequências dos tratamentos das BG tendem a ser de caráter neurológico
visto que em BG inflamadas, cuja anatomia está comprometida, a identificação das estruturas
nervosas torna-se complicada, assim como das estruturas vasculares (Borges & Watanabe,
2011).
Adjuvante a este tratamento, pode recorrer-se à instilação tópica de acetilcisteína a 20%. As
suas propriedades de desnaturação e solubilização permitem a redução da viscosidade do muco
e, teoricamente, a drenagem natural é facilitada. À aplicação de acetilcisteína está, contudo,
associado o eritema da mucosa da BG (Bentz et al., 1996, referido por Verheyen et al., 2000) e
a presença de condroides limita a sua utilização (Verheyen et al., 2000).
Relativamente aos casos que apresentam condroides, incapazes de serem drenados para a
faringe, a irrigação de grandes volumes de fluidos é, geralmente, ineficaz. A sua remoção pode
ser feita via transendoscópica, para o caso de se tratar de um número reduzido de condroides
firmes ou mesmo se se apresentarem em elevado número e/ou com empiema associado. Para
tal, deve utilizar-se um instrumento adequado, como um grabbing forceps, um memory helical
polyp retrieval basket ou um basket snare, através do canal de biópsia do endoscópio (figura 45).
Quando os condroides surgem em número elevado, a remoção cirúrgica também está indicada
(Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018; Dixon & James, 2018)
Os condroides devem ser, preferencialmente, removidos por inteiro. No entanto, se isso não
for possível, faz-se a maceração dos mesmos seguida de irrigação e aspiração. A maceração
pode ser realizada com auxílio de um endoscopic snare (figura 46). Deve, contudo, ter-se em
conta que este processo poder ser bastante moroso (Verheyen et al., 2000; Seahorn, 2004;
Freeman, 2015).
Figura 45: Remoção transendoscópica de condroides (Dixon & James,
2018; Whitlock et al., 2018)
81
No que diz respeito à administração de antibióticos nas BG, esta só deve ser feita após
remoção dos achados patológicos, sendo possível considerar a estrutura como normal num
exame endoscópico (Verheyen et al., 2000; Dixon & James, 2018). A aplicação tópica e sistémica
de benzilpenicilina está associada ao sucesso do tratamento, pelo que este é o fármaco de
eleição, devendo a sistémica ser prolongada (dez dias) (Boyle et al., 2018).
A aplicação do antibiótico nas BG é feita segundo o método descrito por Verheyen et al.
(2000) através de uma solução com o total de 50 mL, consistindo numa mistura de penicilina e
gelatina. A sua elaboração é feita segundo o protocolo adiante:
• pesar 2 g de gelatina (Sigma G-6650 ou de uso doméstico) e adicionar 40 mL de água
estéril;
• aquecer ou colocar no micro-ondas para dissolver a gelatina;
• arrefecer a gelatina até 45-50ºC;
• entretanto adicionar 10 mL de água estéril a 10 000 000 UI de benzilpenicilina G;
• misturar a solução de penicilina à gelatina arrefecida, perfazendo o total de 50 mL;
• distribuir por várias seringas e deixar a 4ºC durante a noite para solidificar.
Esta mistura é retida nas BG por mais tempo que uma solução aquosa direta, consistindo
num método eficiente de administrar uma dose elevada de penicilina diretamente onde é
necessária. A administração é feita de forma idêntica à lavagem, através do tubo de polietileno
pelo canal de trabalho do endoscópio ou com o cateter rígido dobrado e guiando a sua entrada
com o endoscópio. Cada BG deve receber metade da mistura, isto é, 5 000 000 UI de antibiótico.
De modo a impedir a perda da terapia administrada, recomenda-se manter a cabeça do
cavalo elevada durante vários minutos (20 minutos). Casos refratários podem ser alvo de novo
tratamento (Verheyen et al., 2000; Boyle et al., 2018).
Figura 46: Condroides após vários cortes realizados
com endoscopic snare (Seahorn, 2004).
82
As principais desvantagens deste método são a preparação relativamente complexa e
morosa e a necessidade de manter a cabeça do equino elevada por um período relativamente
longo. Estes requisitos podem não ser facilmente atendidos fora de um ambiente hospitalar.
Recentemente, uma alternativa foi sugerida por Mark Bowen (2017), com vista a eliminar estas
desvantagens. Esta consiste na utilização de um gel termodinâmico reverso que, quando frio,
encontra-se no estado líquido e, quando aquecido, no estado sólido. Assim, foi especialmente
formulada uma solução de 25 mL de benzilpenicilina em gel poloxamer, numa concentração de
120 mg/mL, por um fabricante comercial.
Devido às suas propriedades termodinâmicas reversas, a administração via endoscópica
está contraindicada, uma vez que o gel solidifica parcialmente devido ao calor emitido pela fonte
de luz e pode ocorrer dano do canal de trabalho. Assim, utilizou-se um cateter uterino rígido
manualmente adaptado para este propósito, apresentando uma curvatura distal de
aproximadamente 30º, nos 3 cm da ponta, e uma curva de cerca de 10º a meio do eixo, nos
últimos 15 cm distais. Após entrada na BG, a localização foi confirmada por endoscopia.
Procedeu-se à administração da solução arrefecida através do cateter e, imediatamente a seguir,
retirou-se o mesmo. A cabeça do equino foi mantida numa posição neutra.
Após breves minutos (cerca de quatro), a inspeção endoscópica da BG tratada revelou que
o gel solidificou parcialmente no chão do compartimento medial. O tratamento foi repetido em
três dias consecutivos e a cura foi declarada por três lavagens da BG (intervaladas por uma
semana e a primeira realizada uma semana após tratamento), o que confirma o valor da
antibioterapia local na eliminação dos PCA e maneio de surtos de gurma. O procedimento foi
realizado num PCA identificado por PCR decorrente de uma lavagem da BG.
Esta alternativa, adaptada do tratamento de otites em cães, parece ser um método prático
para o tratamento em causa, em especial num contexto ambulatório (Bowen, 2017).
83
4. Casos clínicos – Deteção e tratamento de PCA após um
surto na região do Alentejo
Pretende-se, nesta secção, descrever um surto de gurma que foi acompanhado durante o
período de estágio. Faz-se um relato da história pregressa, abordagem aos casos e controlo
sanitário da doença, com foco na deteção e tratamento dos PCA por endoscopia. É de referir
que a autora apenas acompanhou consultas de seguimento e apenas um caso em fase aguda
da doença, mas participou na visita para realização das endoscopias. Não obstante, foi possível
entender a complexidade do surto, considerando as etapas anteriormente desenvolvidas e a
importância das mesmas.
Este episódio decorreu num centro hípico, localizado no distrito de Évora, um local com
considerável número de cavalos e com entrada e saída frequente de animais. Através da recolha
de informação do proprietário do centro hípico, do pessoal e proprietários dos cavalos, foi
possível supor que a entrada de um novo animal poderá ter estado na origem deste surto. Esse
animal apenas permaneceu nas instalações por um curto período de tempo.
Foram afetados nove cavalos, com manifestações clínicas clássicas. Desde a deteção do
primeiro animal infetado, feita por diagnóstico clínico, ao tratamento das BG como medida de
controlo, decorreram cerca de sete meses.
Relativamente ao diagnóstico, não houve confirmação laboratorial da infeção por S. equi e
não se efetuou recolha de amostras para esse fim. O diagnóstico foi clínico, evitando-se custos
adicionais.
O pavilhão das boxes onde os cavalos estavam alojados consistia em dois corredores de
boxes distintos, separados pela zona de duches e uma área comum. Assim foram definidas duas
zonas distintas:
• zona verde: cavalos que não mostraram sinais clínicos de infeção do trato respiratório
superior, dos quais não se sabia se tinham tido ou não contacto com equinos infetados;
• zona vermelha: cavalos que mostraram sinais clínicos de infeção do trato respiratório
superior, tais como febre ou corrimento nasal purulento.
Idealmente o plano de controlo deve seguir o código de cores, criando três grupos de animais
separados fisicamente. Os critérios de definição dos grupos são a manifestação dos sinais
clínicos (ou ausência desta) e o contato com animais infetados (ou ausência deste), sendo a
zona amarela reservada a cavalos que tiveram contacto direto ou indireto com um animal
infetado, mas ainda não manifestaram sinais clínicos. Neste caso, surgiu a necessidade de
adaptar o plano de controlo às instalações e à informação adquirida, uma vez que não se
conhecia os possíveis contactos entre equinos, e definiram-se apenas duas zonas consoante a
manifestação de sinais clínicos. A temperatura rectal dos animais era monitorizada diariamente
84
e caso se detetasse a ocorrência de pirexia num animal da zona verde, este era transferido para
a zona vermelha.
Outra medida adaptada no plano de controlo foi a educação dos proprietários e do pessoal
do centro hípico acerca das medidas de biossegurança a serem aplicadas. A cooperação entre
a equipa da Equimuralha e os responsáveis do local foi fundamental para que o plano fosse
executado da melhor forma possível, diminuindo o risco de contaminação.
Os materiais e equipamentos não eram partilhados entre grupos de animais, era feita a
desinfeção regular dos mesmos, assim como das mãos das pessoas que frequentavam o local
e as tarefas diárias eram realizadas do grupo verde para o vermelho, evitando-se o contacto com
os animais infeciosos ao máximo. Os cavalos da zona vermelha foram mantidos isolados dos
restantes e em repouso na boxe.
A abordagem aos casos foi baseada em permitir o decorrer natural da doença, facilitando-o
com cuidados de suporte como a aplicação de pachos quentes sobre a região dos LRF e LSM e
a atenção à alimentação e hidratação dos animais.
A terapia com antibiótico foi instituída nos casos em que os sinais clínicos se agravaram e
cujo quadro clínico se deteriorou.
4.1. Exame endoscópico e tratamento das bolsas guturais
Mais de três semanas após a recuperação clínica dos nove animais que apresentaram
sintomatologia clássica de gurma, foram realizados exames endoscópicos aos mesmos,
conforme descrito na literatura. O objetivo deste procedimento foi a deteção e tratamento dos
PCA, com vista a eliminar essa condição, efetivando a resolução do surto e o sucesso do plano
de controlo e, ultimamente, impedir a dispersão da doença através destes animais. Esta etapa
foi realizada em colaboração com a Unidade Clínica de Equinos de Alter – Universidade de
Évora.
A mistura de penicilina foi preparada com benzilpenicilina sódica (Penilevel® 10 000 000 U.I)
e gel para ecografias estéril. Num recipiente estéril e graduado, juntou-se 10 000 000 UI em pó
(equivalente a um fraco de Penilevel®) e 10 mL de solução salina NaCl 0,9% estéril. De seguida,
juntou-se 40 mL de gel, perfazendo 50 mL totais.
O procedimento para cada cavalo foi realizado de forma idêntica e sistemática:
1) Exame físico geral;
2) Sedação com detomidina (0,005–0,01 mg/kg) e butorfanol (0,02–0,05 mg/kg, IV)
(Valverde & Doherty, 2006);
3) Introdução do endoscópio;
85
4) Entrada na BG segundo técnica descrita;
5) Exame da BG e registo de alterações;
6) Lavagem abundante da estrutura com solução salina NaCl 0,9%;
7) Eliminação de qualquer achado patológico;
8) Instilação de 5 000 000 UI de Penicilina na BG (metade da mistura);
9) Saída da BG;
10) Repetição dos passos 4 a 9 na BG contralateral;
11) Remoção do endoscópio;
12) Elevação da cabeça do cavalo por alguns minutos.
Após o exame e tratamento de cada equino, todo o material foi lavado e esterilizado,
recorrendo a água destilada e glutaraldeído a 5% (Fintl et al., 2000). Em cada caso, ambas as
BG foram inspecionadas, lavadas e tratadas. Os que apresentavam achados patológicos foram
tratados com lavagem abundante da BG e remoção dos mesmos, previamente à administração
da mistura de penicilina.
Uma vez que a ausência de sinais claros de infeção não significa a ausência de infeção por
S. equi e não havendo confirmação laboratorial do estado de PCA, optou-se por tratar todos os
cavalos submetidos ao exame endoscópico com aplicação tópica de penicilina nas BG. Desta
forma, pôde compensar-se essa impossibilidade e realizar todos os procedimentos numa só
visita.
Na tabela 19 apresentam-se os resultados da inspeção das BG relativos aos nove equinos,
realizados por endoscopia e segundo o protocolo acima descrito:
86
Tabela 19: Resultados dos exames endoscópicos das BG. S/A: sem alterações.
Equino
Bolsas guturais
Esquerda Direita
A S/A S/A
B S/A S/A
C
condroides de
pequena dimensão e
empiema no
compartimento
medial
condroide de grande
dimensão e
empiema no
compartimento
medial
D S/A S/A
E S/A S/A
F S/A S/A
G S/A S/A
H empiema ligeiro empiema marcado
I S/A
cicatriz no chão do
compartimento
medial
Pela interpretação da tabela anterior, verifica-se que dos nove equinos, três apresentaram
achados patológicos de infeção crónica das BG. Todavia, apenas o equino C e H exibiram sinais
que necessitavam de tratamento adicional. O exame do equino I revelou uma cicatriz no chão do
compartimento medial da BG direita que, como referido anteriormente, resulta da rutura dos LRF
para o interior da estrutura. Neste animal, não se observou presença de muco.
Relativamente ao equino H, o tratamento das BG consistiu em lavagem abundante das
mesmas, através da instilação de NaCl 0,9%, até se efetuar a drenagem de todo o material
purulento.
Quanto ao equino C, o procedimento foi mais desafiante e demorado devido à presença dos
condroides (figura 47). Após abundante lavagem da BG esquerda, foi possível eliminar o
empiema e os pequenos condroides presentes. Na BG direita, embora se conseguisse eliminar
o empiema com a lavagem abundante, o condroide de grande dimensão não saiu desta forma.
Para tal recorreu-se a um grabbing forceps, um memory helical polyp retrieval basket e um
87
endoscopic snare. Foram necessárias várias tentativas de extração do condroide, recorrendo
aos vários instrumentos endoscópicos disponíveis. No entanto, isso não foi possível, pelo que se
optou por macerar o condroide e proceder à sua drenagem com nova lavagem abundante.
Para os casos C e H, só após total eliminação dos achados patológicos se administrou a
mistura de penicilina a cada BG.
Em todos os nove animais não foi administrada penicilina sistémica, de forma a minimizar os
custos daquela visita e tendo em conta que em cada BG a dose administrada era alta, permitindo
atingir elevadas concentrações de antibiótico localmente.
Figura 47: Condroide na BG direita do equino C (imagens gentilmente cedidas
pela Unidade Clínica de Alter – Universidade de Évora).
88
4.2. Discussão
A infeção por S. equi é das doenças globalmente mais comuns dos equinos e com um
passado histórico que data até ao século XIII. Contudo, na maior parte das realidades, é um
assunto tabu e existe algum secretismo em torno do mesmo. Este facto prende-se com questões
sociais, provavelmente devido à alta contagiosidade dos animais infetados. No entanto, o debate
e consciencialização daqueles relacionados com o meio equestre é fundamental para o controlo
e, possivelmente, erradicação da gurma.
Neste trabalho, procurou-se enfatizar a importância dos PCA na dispersão da doença, assim
como expor o papel de um adequado plano de controlo sanitário num surto. Estes estão
relacionados, na medida em que a deteção e tratamento dos PCA é uma etapa fundamental do
plano de controlo, que não deve ser desvalorizada.
Num contexto prático, o fator económico tem grande peso na decisão dos proprietários em
aceder às propostas do médico veterinário, em especial quando se trata de serviços
especializados e que, erradamente, podem ser assumidos como extraordinários e dispensáveis.
Neste caso, a deteção e tratamento dos PCA por endoscopia após um surto de gurma, pode ser
tomada como um desses casos. Todavia, a sua realização permite a eliminação da condição de
portador nos cavalos infetados, evitando uma recorrência da doença na mesma exploração e,
assim, evitar custos futuros.
Quanto ao surto relatado, a colaboração do pessoal e todos os que frequentavam o centro
hípico foi preponderante para o sucesso do mesmo. A comunicação da equipa da Equimuralha
com os proprietários do espaço e dos equinos foi muito importante pois foi possível educá-los
acerca da doença e das medidas de biossegurança a serem aplicadas. Todo o pessoal estava
informado e colaborava diariamente na aplicação das medidas, tomando consciência da
importância até das mais básicas como a interdição do contacto com os animais da zona
vermelha ou a desinfeção frequente das mãos. Foi interessante assistir, nas visitas ao local, a
essas ações mesmo por parte dos alunos (muitos deles crianças e jovens). Os proprietários
foram transmitindo o conhecimento adquirido, abrindo ainda mais a discussão e
consciencialização da doença. À data, não foi relatada nova ocorrência de gurma neste centro
hípico.
A abordagem ao surto foi a possível, tendo em conta o espaço e dinâmica do local. As
principais críticas são, nomeadamente, o facto do corredor do grupo vermelho não ser limitado a
esses animais, uma vez que havia necessidade de utilizar as restantes boxes. Assim, a zona
vermelha consistia nas boxes dos equinos afetados, não sendo possível isola-a fisicamente quer
das outras boxes desse corredor, quer do outro corredor.
Outra crítica refere-se à inexistência de confirmação laboratorial da infeção. Esta teria sido
adjuvante no controlo do surto e, possivelmente, na identificação de mais PCA caso se
89
submetessem todos os animais do centro hípico à avaliação laboratorial. Contundo, essa
impossibilidade foi contornada pelo exame endoscópico de todos os animais que apresentaram
sintomatologia clínica de gurma.
Relativamente ao método de lavagem e instilação da mistura nas BG, testaram-se duas
abordagens: a utilização de um cateter uterino, adaptado de forma semelhante à descrita por
Bowen e entrada endoscopicamente guiada na BG; e o uso de um tubo de polietileno passado
através do canal de trabalho do endoscópio. A última mostrou-se ser mais vantajosa, pela maior
facilidade de entrada na BG e distribuição dos fluidos pelo interior da mesma. O cateter uterino,
por ser rígido, permitia uma maneabilidade inferior ao método alternativo.
A utilização do gel de ecografia para a mistura de penicilina foi suficientemente eficiente
como método de administração do fármaco, mas por ser uma mistura líquida, houve alguma
perda da mesma por escorrimento. No entanto, o gel de ecografia tem um custo reduzido e é
mais fácil de adquirir, comparativamente com o gel de poloxamer. Para além disso, não requer
preparação adicional e tempo de espera, como é o caso da gelatina. Uma vez que não se
conhecia o estado clínico dos nove cavalos (sendo esse um dos objetivos) não se sabia a
quantidade de preparações de mistura de gelatina e penicilina que iriam ser necessárias. Utilizou-
se gel de ecografia por recomendação de um dos veterinários que já tinha assistido ao
procedimento, com sucesso, num hospital de referência.
No caso C, em especial na BG direita com um condroide de grandes dimensões e bem
consolidado, a administração de acetilcisteína poderia ter sido vantajosa, embora Verheyen et
al. (2000) refira que nestes casos o seu uso é limitado. A maceração do condroide com
instrumentos endoscópicos tem o risco de se atingir estruturas vitais, podendo surgir
complicações consequentes como trauma de estruturas vasculares ou nervosas.
Quanto à administração sistémica de penicilina associada à administração local não ter sido
efetuada, embora seja recomendada para o sucesso do tratamento, pareceu não ter tido
influência.
Não foi relatada nova ocorrência de gurma neste centro hípico, pelo que se considerou o
tratamento com sucesso.
Concluindo, esta monografia teve como objetivo a descrição da infeção por S. equi, com
destaque para a deteção e tratamento dos PCA, mostrando a sua relevância e eficácia na
abordagem a um surto de gurma. De facto, associando a antibioterapia tópica (e sistémica) à
remoção dos achados endoscópicos de infeção crónica das BG, a cura desta condição é possível
(Boyle et al., 2018).
90
Conclusão
Em conclusão, o presente trabalho permitiu à autora desenvolver as suas aptidões de escrita
e pesquisa científica, assim como a capacidade de organização e gestão de tempo, que se
mostraram ser bastante desafiantes.
A redação do relatório de estágio possibilitou o estudo acerca das principais doenças e
procedimentos encontrados durante o mesmo. Fez-se, assim, uma revisão científica acerca
destes, permitindo consolidar conhecimentos teóricos e práticos. A casuística relatada é bastante
característica da realidade encontrada na prática clínica de equinos, num contexto ambulatório,
servindo como preparação para a mesma.
O estágio curricular foi fundamental para o enriquecimento académico e pessoal da
estagiária, sendo uma componente fulcral do curso e possibilitando o foco na sua área de
interesse, a medicina e cirurgia de equinos. Foi desafiante não só ao nível da atividade clínica,
mas também na adaptação à realidade do trabalho no campo. Houve sempre a possibilidade de
discussão dos casos assistidos, adquirindo-se novos conhecimentos e consolidando ideias,
permitido o desenvolvimento do raciocínio clínico e resolução de problemas, quer na área da
clínica médica, quer na reprodução.
Para além disso, a realização de procedimentos clínicos também fez grande parte da
atividade diária da estagiária, integrando-a na equipa e dia-a-dia da Equimuralha. Isto permitiu o
desenvolvimento do sentido de responsabilidade e organização, preparando o futuro. Ficam os
ensinamentos transmitidos acerca da Medicina Veterinária, da realidade da profissão e as
conversas sobre equitação, cavalos e tantos outros temas.
No que se refere à monografia, o tema escolhido surgiu como resultado do acompanhamento
dos casos do surto referido, em especial a visita na qual se efetuaram as endoscopias do TRS.
A eleição do tema também se deveu ao especial interesse da autora pela endoscopia, tendo tido
outras oportunidades de acompanhar esses procedimentos em estágios complementares, num
contexto hospitalar. Embora seja um método que exige prática e experiência, a endoscopia tem
grande valor diagnóstico e terapêutico e é possível de ser realizada a campo.
O desenvolvimento científico das infeções por Streptococcus equi, em particular
Streptococcus equi subsp. equi, está em rápida ascensão sendo a erradicação desta infeção
centenária, um objetivo bem claro. A formulação de uma vacina eficaz tem sido uma das
prioridades e, embora ainda haja muito por entender, deverá ser uma realidade num futuro
próximo.
Pretende-se que este trabalho sirva como um relato de gurma em Portugal e possa incentivar
a apropriada abordagem aos casos com vista ao controlo e, futuramente, erradicação da doença.
91
Por fim, fica a nota acerca do valor destes meses de estágio e redação da tese que
proporcionaram o crescimento pessoal e profissional que, certamente, serão sempre uma
referência para a autora.
92
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A
Anexo I - Plantas tóxicas ricas em alcaloides pirrolizidínicos
comuns em Portugal
Senecio vulgaris
Senecio jacobaea
Echium plantagineum (Flora-On: Flora de
Portugal Interactiva, 2014)
Echium plantagineum
Senecio vulgaris
(Flora-On: Flora de
Portugal
Interactiva, 2014)
B
Anexo II – Relatório histopatologia