Thase Monteiro Sarmento
Descrio Arquivstica entre Normas e Prticas:
Contraponto entre a Teoria e a Realidade em um Arquivo Eclesistico
Trabalho de Concluso de Curso apresentadocomo requisito parcial par obteno do grau deBacharelado em Arquivologia da Faculdade deBiblioteconomia e Comunicao daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Prof. Marlise Giovanaz
Co-Orientadora: Prof. Valria Raquel Bertotti
Porto Alegre
2009
2Dados Internacionais da Catalogao na Publicao (CIP)
S246d Sarmento, Thase Monteiro. Descrio arquivstica entre normas e prticas:
contraponto entre a teoria e a realidade em um arquivo eclesistico/ Thase Monteiro Sarmento ; orientadora Marlise Giovanaz ; co-orientadora Valria Raquel Bertotti. Porto Alegre, 2009.
44 f.
Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Arquivologia)- Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao, UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.
1. Arquivologia Descrio arquivstica 2. Arquivoseclesisticos. I. Giovanaz, Marlise II. Bertotti, Valria Raquel III.Ttulo.
CDU 930.25
Catalogao elaborada por Liziane Ungaretti Minuzzo, CRB 10/1643.
Universidade Federal do Rio Grande do SulFaculdade de Biblioteconomia e Comunicao
Departamento de Cincias da InformaoRua Ramiro Barcelos, 2705
Campus SadeBairro Santana
Porto Alegre, RS, BrasilCEP: 90035-007
Telefone: (51) 3308-5067
3UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFaculdade de Biblioteconomia e Comunicao
Departamento de Cincias da InformaoCurso de Graduao em Arquivologia
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Concluso de Curso
intitulado: Descrio Arquivstica entre Normas e Prticas: Contraponto entre a
Teoria e a Realidade em um Arquivo Eclesistico, elaborado por Thase Monteiro
Sarmento, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Arquivologia.
Banca Examinadora:
Prof. Marlise Giovanaz
Prof. Flvia Helena Conrado
Prof. Marilete Osrio Nicoli
Porto Alegre, 03 de Dezembro de 2009.
4DAS UTOPIASSe as coisas so inatingveis... ora!No motivo para no quer-las...
Que tristes os caminhos, se no foraA presena distante das estrelas!.
Mrio Quintana
5AGRADECIMENTOS
A pessoas especiais que fizeram parte desta jornada:
Meus pais e irms pelo estmulo, desde sempre, ao estudo e perseverana.
Ao meu marido, companheiro de cada dia, por sua infinita pacincia e apoio aos meus
objetivos.
s professoras: Maria Lcia R. Souto e Valria Raquel Bertotti por me estimularem,
apoiarem e acreditarem que eu podia vencer este desafio, oferecendo suas idias e
ombro amigo.
A todos os colegas de faculdade que estiveram presentes nos momentos bons e ruins.
Arquivista Vanessa Gomes de Campos pela generosidade em dividir seu
conhecimento e propiciar o estgio obrigatrio que suscitou a discusso deste trabalho.
Professora Marlise Giovanaz pela sua dedicao e orientao neste trabalho.
E vida por me proporcionar esta experincia de crescimento, oportunizando mais este
aprendizado em minha jornada.
6RESUMO
Trabalho de concluso de curso que aborda os contrapontos entre a teoria sobre adescrio arquivstica e a aplicabilidade prtica da mesma em arquivos histricos,especificamente num arquivo eclesistico. Inicia com referencial terico a respeito dosarquivos, da Igreja Catlica como instituio mantenedora e do Arquivo Histrico daCria Metropolitana de Porto Alegre, como contexto para o assunto pesquisado. Analisaa atividade de descrio arquivstica em relao s fases documentais e quanto aoprincpio da provenincia. Interpreta os instrumentos de descrio arquivstica luz dasnecessidades dos arquivos histricos e sua relao com as normas de descrioarquivstica. Objetiva avaliar os diversos instrumentos de pesquisa existentes, conformeos nveis de descrio e a obedincia hierarquia dos mesmos como recomendaobsica da arquivstica. Conclui que a descrio documental deve servir para colocar osdocumentos disposio dos consulentes com a maior eficincia possvel, aplicandonormas de forma flexvel.
Palavras-Chave: Descrio arquivstica. Instrumentos de pesquisa. Normas dedescrio arquivstica. Arquivos histricos. Arquivos eclesisticos.
7ABSTRACT
It is about a graduation paper approaching the counterpoints between the theory aboutarchival description and its practical applicability in historical archives specifically in anecclesiastic archive. It starts with a theoretical referral regarding the archives of theCatholic Church as the maintaining institution and of the Historical Archives of theMetropolitan Ecclesial Tribunal of Porto Alegre as the context for the researched subject.It analyzes the activity of the archival description regarding the documental stages andthe provenance principle. It interprets the instruments of the archival description underthe light of the needs of the historical archives and its relation with the standards ofarchival description. The objective is assessing the several existing instruments ofresearch according to the levels of description and to the compliance with the hierarchyas basic recommendation of the archival activity. The conclusion drawn is that thedocumental description should be useful to place the documents at the disposal ofconsultees with the highest efficiency possible by applying standards in a flexible way.
Key words: Archival description. Research instruments. Standards of archivaldescription. Historical archives. Ecclesiastic archives.
8LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHCMPA Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre
CDC - Cdigo de Direito Cannico
CIA Conselho Internacional de Arquivos
CONARQ Conselho Nacional de Arquivos
ISAAR (CPF) Norma Internacional de Registro de Autoridade Arquivstica para
Entidades Coletivas, Pessoas e Famlias
ISAD (G) Norma Internacional de Descrio Arquivstica
NOBRADE Norma Brasileira de Descrio Arquivstica
9SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................. 10
2 CONFORMAO DA PESQUISA................................................................ 12
2.1 Problematizao.......................................................................................... 12
2.2 Objetivos...................................................................................................... 14
2.3 Justificativa ................................................................................................. 15
2.4 Procedimentos Metodolgicos ................................................................. 16
3 FUNDAMENTAO TERICA: CONTEXTO.............................................. 18
3.1 Caracterizao dos arquivos...................................................................... 18
3.2 A Igreja Catlica e os Arquivos Eclesisticos.......................................... 18
3.3 A Cria Metropolitana de Porto Alegre e o Arquivo Histrico................ 21
4 FUNDAMENTAO TERICA: APONTAMENTOS SOBRE
DESCRIO ARQUIVSTICA......................................................................
24
4.1 Descrio Arquivstica: instrumentos e normas ..................................... 24
4.2 Hierarquia dos Instrumentos de Pesquisa ............................................... 28
5 TEORIA E PRTICA: CONTRAPONTOS ................................................... 32
5.1 Realidade em Arquivos Histricos: o AHCMPA como exemplo............. 31
5.2 Aplicao das Normas para Descrio Arquivstica e a Realidade dos
Arquivos ......................................................................................................
34
5.3 Consideraes sobre a Hierarquia dos Instrumentos de Pesquisa ...... 37
6 CONCLUSO................................................................................................ 38
REFERNCIAS ..................................................................................................... 39
ANEXOS ................................................................................................................ 43
ANEXO 1 Informaes Gerais do Quadro de Arranjo do AHCMPA ............. 44
10
1 INTRODUO
A descrio de arquivos, como parte integrante da matria arquivstica, vista,
por muitos, como complexa e minuciosa. consenso que descrever fundos de arquivo,
parte deles ou at mesmo itens de um acervo documental, tarefa que deve ser feita
por profissional habilitado e disposto a enfrentar os percalos que se apresentam num
trabalho to detalhista e ainda pouco praticado em muitas instituies e empresas.
Existem muitas discusses a respeito da forma, momento e regras para a
descrio arquivstica. Alguns autores defendem que a descrio s deve iniciar no
estgio permanente da documentao, ou seja, quando os documentos chegam
terceira idade. Outros rebatem, afirmando que a descrio tarefa do profissional
desde a classificao, continuando na avaliao e aperfeioando-se a cada etapa do
processo de arquivamento. A elaborao de um quadro de arranjo, por exemplo, uma
atividade da terceira idade documental e seu resultado um instrumento de descrio,
pois demonstra de forma resumida e pontual o que h dentro de um acervo. Muitas
vezes, este o nico caminho que o arquivista dispe para localizao de documentos
em um arquivo.
Atualmente, muito se discute sobre a instrumentalizao dos processos de
descrio em arquivos. Os avanos alcanados na rea muito contriburam para nortear
esta atividade. Os maiores avanos publicados so as normas de descrio que trazem
as diretrizes para uma padronizao mundial em instrumentos de pesquisa, permitindo
que seja possvel elaborar guias, inventrios e catlogos nos mesmos padres
mundialmente. Enfim, utilizar modelos que permitam cada vez mais o compartilhamento
de informaes entre arquivos, facilitando at mesmo, a utilizao de suportes
eletrnicos.
Os principais autores da rea recomendam que a descrio em arquivos sempre
seja feita de uma forma geral para uma forma particular, ou seja, a descrio comea
no fundo, passa pelas sries e termina no item documental, quando h esta
possibilidade. Tambm dito que para se chegar ao item necessrio, no mnimo, que
as sries sejam muito bem conhecidas do arquivista, sendo exigido desta forma, ao
menos, um inventrio antes de se chegar no documento unitrio (catlogo).
11
Porm, pela especificidade e particularidade de cada arquivo, possvel que se
faa uma avaliao das reais necessidades de cada instituio ou empresa. O
profissional formado tem, em sua bagagem intelectual, muitas teorias e exemplos.
Todavia, somente ao se deparar com a realidade de um arquivo e o seu trabalho
prtico, que ele poder aplicar ou adaptar toda a teoria estudada nos bancos
acadmicos. Somente neste momento, o arquivista avaliar se a teoria se aplica
prtica no seu contexto real, e se eficaz e eficiente para seu trabalho e para seus
usurios/ pesquisadores.
Nesse contexto, o presente trabalho pretende verificar at que ponto a teoria
recomendada pelos autores a respeito da descrio arquivstica aplicvel em
determinados arquivos. Especificamente, sero discutidas a eficincia da aplicao das
normas de descrio e as reais necessidades quanto aos instrumentos de pesquisa, no
mbito de arquivos permanentes. Pretende-se embasar este trabalho com uma reviso
de literatura, analisando o que foi produzido pelos autores da rea a respeito das
recomendaes para descrio de arquivos e aplicar esta teoria usando o caso do
Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA), caracterizado
como arquivo eclesistico, de carter privado e especializado.
12
2 CONFORMAO DA PESQUISA
Este item relata a problematizao do tema que se pretende estudar e, em
funo desta, apresenta os objetivos propostos e os procedimentos metodolgicos
empregados, bem como os elementos que justificam esta pesquisa.
2.1 Problematizao
Descrio arquivstica o termo utilizado para designar as aes que permitem
identificar com exatido elementos informacionais que caracterizam uma realidade
arquivstica. Compreende criar representaes de um acervo ou parte dele, de forma
que possa ser entendido e conhecido em uma pesquisa. Segundo o Dicionrio
Brasileiro de Terminologia Arquivstica (2005, p.67) descrio o [...] conjunto de
procedimentos que leva em conta os elementos formais e de contedo dos documentos
para elaborao de instrumentos de pesquisa.Para o mesmo Dicionrio, instrumento
de pesquisa o meio que permite a identificao, localizao ou consulta a
documentos ou a informaes neles contidas. Expresso normalmente empregada em
arquivos permanentes. (DICIONRIO..., 2005, p.108)
O conceito de instrumento de pesquisa traz em si uma informao muito
difundida: a de que a descrio ocorre apenas na terceira idade documental. Utilizou-se
a expresso normalmente, pois este conceito ser encontrado em muitos livros e
diversos autores o ratificam.
Partindo-se do pressuposto de que os instrumentos de pesquisa servem
pesquisa, e que sua funo maior facilitar o acesso aos documentos de um arquivo,
reporta-se a sua eficcia capacidade de atingir o efeito esperado e sua eficincia
capacidade de atingir o efeito esperado, da forma desejada (HOUAISS, 2009). Ora, no
caso acima, a eficcia de um instrumento de pesquisa se d quando ele proporciona a
13
localizao do que se est procurando, ao passo que sua eficincia se dar se nesta
busca o pesquisador encontrar o que procura da melhor forma e em menor tempo.
Sendo assim, cabe ao arquivista, na descrio, elaborar instrumentos que se adequem
s necessidades de seu acervo e de seus pesquisadores/usurios, procurando atingir a
funo primordial dos arquivos.
Muito se avanou na rea de descrio, principalmente aps a publicao das
normas para descrio de arquivos. As primeiras tentativas de uma normalizao
ocorreram j na dcada de 1980, porm, a primeira verso da ISAD(G) (Norma Geral
Internacional de Descrio Arquivstica) ocorreu somente em 1993. Este esforo partiu
do Conselho Internacional de Arquivos (CIA) que nomeou uma comisso composta por
representantes de diversos pases com o objetivo de colocar em prtica algumas idias
j preconizadas por arquivistas canadenses e ingleses. Diversas sugestes foram
apresentadas por membros dos comits nacionais e, aps a redao de uma minuta,
foram discutidas na terceira reunio plenria do Comit de Normas de Descrio, em
Estocolmo, Sucia, culminando na apresentao da verso atual no ano 2000.
A primeira verso da ISAAR(CPF) (Norma Internacional de Registro de
Autoridade Arquivstica para Entidades Coletivas, Pessoas e Famlias) ocorreu em
1996, norma esta que visa a descrio dos produtores dos documentos. Tambm
desenvolvida por um comit nomeado pelo CIA, foi aperfeioada por um processo de
reviso que durou cinco anos (dos anos 2000 a 2004) e foi apresentada oficialmente no
Congresso do Comit Internacional de Arquivos em Viena, na ustria, em 2004.
A norma brasileira surgiu da necessidade de se propor uma discusso da
utilizao das normas j publicadas, ISAD(G) e ISAAR(CPF), em mbito nacional. A
partir da criao de uma cmara tcnica pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq),
foram identificados profissionais que j utilizavam as normas internacionais e aps
envio de sugestes, foi elaborada a Norma Brasileira de Descrio Arquivstica
(NOBRADE) que se prope a adaptar as normas internacionais realidade brasileira.
Uma das recomendaes bsicas das normas se d em funo da obedincia a
uma hierarquia de elaborao, ou seja, os instrumentos mais abrangentes primeiro e os
mais especficos, somente aps se ter o panorama geral do contedo do acervo.
14
Alguns conceitos esto enraizados e se personificaram nas normas, sem haver maiores
discusses sobre sua verdadeira aplicabilidade prtica.
Entretanto, dadas as especificidades e particularidades de cada acervo,
possvel que haja maior ou menor aplicabilidade destas regras levando-se em
considerao, principalmente, o conhecimento de partes do acervo que, por vezes,
ficam no obscurantismo pela falta de tempo ou de dedicao dos profissionais. Levar
em considerao as reais necessidades dos usurios/pesquisadores deveria ser a
maior preocupao de um servio de arquivo. Este problema se agrava no mbito dos
arquivos permanentes, pois estes servem para a pesquisa de documentao histrica
que, normalmente, necessita de grande dedicao. Sendo assim, coloca-se como
problema deste trabalho: at que ponto a aplicao das regras e normas de descrio
eficiente para a difuso da informao nos acervos?
2.2 Objetivos
Os principais objetivos deste trabalho so:
a) identificar na literatura os diversos conceitos para descrio de arquivos e
suas recomendaes;
b) analisar os variados instrumentos de pesquisa existentes, procurando
observar sua aplicabilidade em conformidade com as normas de descrio
arquivstica existentes;
c) interpretar a real necessidade dos arquivos, dos arquivistas e de seus
usurios, especificamente, no contexto do Arquivo da Cria Metropolitana de
Porto Alegre, atravs de pesquisa sobre a instituio em relao descrio
arquivstica;
d) avaliar se os questionamentos propostos na introduo do trabalho foram
resultantes de novas possibilidades para a descrio ou se as
recomendaes existentes hoje esto de acordo com a realidade dos
arquivos histricos.
15
Por meio de tais objetivos, este trabalho pretende identificar quais
recomendaes existentes sobre a descrio de arquivos tm maior relevncia para os
diversos acervos existentes e, especificamente, analisar tais recomendaes no
contexto do Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre.
2.3 Justificativa
Os arquivos permanentes ou histricos podem ser classificados como uma das
maiores fontes de informao e conhecimento existentes. Normalmente, logo que se
pensa em arquivo remete-se automaticamente imagem de um arquivo histrico, pelo
carter de antiguidade e estagnao a que so associados. Porm, um olhar mais
atento verificar a vivacidade destes acervos, brotando conhecimento, proporcionando
sabedoria. Um arquivo permanente tem, em sua essncia, a inteno de dar
conhecimento das coisas passadas, trazer fatos que faam entender o presente, enfim,
resgatar histrias.
O Dicionrio Brasileiro de Terminologia Arquivstica (2005, p.34) define arquivo
permanente como [...] conjunto de documentos preservados em carter definitivo em
funo de seu valor. Complementando, para Helosa Bellotto (2007, p.115):
Um documento histrico quando, passada a fase ligada razo pela qual foicriado (informao), atinge a da sua utilizao pela pesquisa histrica(testemunho). til para a administrao e a historiografia, no sentido maiscrtico e cientfico, e no no de deleite cultural.
O testemunho, a prova caractersticas de um documento histrico s podero
ser desveladas se o arquivo histrico assim o permitir. Em outras palavras, seu
funcionamento deve ser claro e demonstrar seu contedo, permitindo o alcance das
informaes contidas nele. A descrio documental passa a ser a cereja do bolo, ou
seja, coroa o ciclo pelo qual o documento passa. Obviamente, todo o processo inicia-se
no nascimento do documento e deve ser acompanhado nas suas fases corrente,
16
intermediria e permanente. Assim sendo, permitir melhor conhecimento e
aproveitamento das informaes que pretende expor. Por outro lado, muitos papis
nascem histricos e sua importncia indiscutvel, mas no so tratados durante seu
ciclo natural, causando problemas de conservao e preservao futuros e o mais
importante: de conhecimento de seu contedo.
O fator histrico j justifica a elaborao de um trabalho de concluso que
discuta a importncia destes acervos e sua relevncia para o conhecimento da
humanidade sobre seu passado. Porm, para ir alm, pretende-se investigar at que
ponto a recuperao da informao contida nestes arquivos to importantes est sendo
eficiente e quais os melhores meios de recuperar estas informaes atravs da tcnica
de descrio arquivstica.
2.4 Procedimentos Metodolgicos
Os procedimentos metodolgicos comearam pelo desenvolvimento de
referencial terico encontrado em publicaes da rea de Arquivstica sobre os temas:
arquivos permanentes, descrio documental e instrumentos de pesquisa e normas de
descrio arquivstica. Aprofundar a compreenso desses assuntos foi importante para
cimentar a teoria existente e aps, fazer o entrecruzamento destas informaes com a
problemtica proposta.
O tema proposto exigiu uma pesquisa dos servios oferecidos aos usurios no
Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA), caracterizado
como arquivo privado, de carter especializado do tipo eclesistico, ou seja, produzidos
por uma entidade religiosa, no caso, a Igreja Catlica no Estado do Rio Grande do Sul.
Esta pesquisa comeou com uma atividade de estgio obrigatrio, realizada no primeiro
semestre do ano de 2009 e consistiu na elaborao de um instrumento de pesquisa
para parte do acervo desta Instituio. As observaes efetuadas durante este trabalho
motivaram buscar o entendimento de alguns problemas observados nesta atividade,
gerando a inteno de discuti-las neste Trabalho de Concluso de Curso.
17
Para se entender melhor o funcionamento de um arquivo eclesistico, foi feita
ainda, uma pesquisa bibliogrfica sobre o tema, e principalmente, sobre a histria do
AHCMPA. O levantamento do contedo geral do acervo, bem como o funcionamento
pregresso e atual do arquivo foi pesquisado para melhor entendimento do contexto da
Instituio. A escolha deste arquivo deveu-se a fatores, tais como:
a) seu carter nico de importncia, por ser parte do arquivo de uma das
maiores entidades mundiais, a Igreja Catlica Apostlica Romana;
b) por ser fonte de informao nica de dado perodo da histria do Brasil, pois
at a proclamao da Repblica no havia outra forma de registro
demogrfico que no o da Igreja Catlica. Este fato mereceu o Art.16 da Lei
8.159 de 08 de janeiro de 19911: [...] os registros civis de arquivos de
entidades religiosas produzidos anteriormente vigncia do cdigo civil
ficam identificados como de interesse pblico e social. (BRASIL, 1991 apud
BELLOTTO, 2007, p.256).
c) o estgio obrigatrio realizado neste Arquivo, no qual foi elaborado um
instrumento de pesquisa para determinados documentos que no o
possuam e que acabou suscitando reflexes sobre a temtica e as
problemticas encontradas neste arquivo em especial.
Diante deste contexto, buscou-se a verificao da aplicabilidade dos conceitos
tericos em descrio arquivstica para o acervo do AHCMPA como exemplo de arquivo
histrico privado.
1 Dispe sobre a Poltica Nacional de Arquivos Pblicos e Privados e d outras providncias.
18
3 FUNDAMENTAO TERICA: CONTEXTO
Neste captulo sero abordados assuntos pertinentes ao contexto em que se
insere o Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre. Para tanto, utilizou-
se de pesquisa sobre as temticas: caracterizao dos arquivos, arquivos eclesisticos
e o AHCMPA em si mesmo.
3.1 Caracterizao dos Arquivos
O termo arquivo definido pelo Dicionrio Brasileiro de Terminologia Arquivstica
(2005, p.27) como: Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma
entidade coletiva, pblica ou privada, pessoa ou famlia, no desempenho de suas
atividades, independentemente da natureza do suporte.
Os documentos de um arquivo so criados para um fim, produzidos com o
objetivo principal de registrar as aes, decises, acontecimentos, atividades. Tambm,
alguns destes documentos podem ter apenas valor imediato e efmero, sendo que logo
aps cumprirem sua funo, no mais tero valor e podero ser descartados. No
obstante, muitos documentos se originam de decises e atos tornando-se prova destas
atividades, abarcando uma importncia nica no podendo ser descartados. Assim,
formam-se os arquivos histricos, com a primordial funo de preserv-los para
consultas futuras.
Desta forma, os documentos apresentam naturalmente um ciclo, ou seja, uma
passagem de tempo desde sua criao, tramitao at sua guarda ou eliminao. Este
ciclo determina sua guarda, sendo que, basicamente so aceitas trs fases
documentais:
a) corrente, caracterizada pelo nascimento e tramitao deste documento
enquanto o mesmo estiver cumprindo sua funo;
19
b) intermediria, caracterizada pelos documentos que j cumpriram sua funo
imediata (eventual pesquisa pelos produtores), aguardando uma avaliao
para seu descarte ou guarda permanente;
c) permanente ou histrica, que determina que esta guarda ser definitiva e
no haver descarte dos documentos, servindo principalmente para
pesquisa histrica, cientfica, social e cultural.
As entidades mantenedoras e criadoras dos arquivos podem ser de natureza
pblica ou privada. Os arquivos pblicos so aqueles mantidos pela administrao
pblica os governos e autarquias. E os arquivos privados so mantidos por entidade
coletiva de direito privado, famlia ou pessoa arquivos particulares. Este trabalho traz
um exemplo de arquivo privado, o eclesistico, constitudo pelos documentos da Igreja
Catlica Apostlica Romana. A seguir, maiores detalhes sobre este tipo de arquivo.
3.2 A Igreja Catlica e os Arquivos Eclesisticos
A Igreja Catlica Apostlica Romana uma instituio mundial de carter
privado. Destaca-se pelo volume e riqueza de seu patrimnio documental, que forma os
arquivos eclesisticos. Possui uma hierarquia complexa, passando pela autoridade
mxima que o Papa at os procos das Parquias Diocesanas.2
O Papa representa a Santa S, sendo o Romano Pontfice a autoridade mxima
da Igreja, com sede em Roma. A partir da, segue na hierarquia, aqui apresentada de
forma simplificada, rgos em nvel continental e nveis nacionais. O Brasil possui um
representante nacional da Santa S em Braslia, fazendo s vezes de uma Embaixada
no Brasil.
A administrao no Brasil est subdividida em Regionais, sendo o Estado do Rio
Grande do Sul a Regional 3. Segue na hierarquia, a Cria Diocesana, que representa
2 Parquia uma determinada comunidade de fiis, constituda estavelmente na Igreja particular, e seucuidado pastoral confiado ao proco como a seu pastor prprio, sob a autoridade do Bispo diocesano.(CDIGO..., 1983, p.40)
20
uma subdiviso do territrio agrupado em parquias, com a autoridade mxima do
Bispo. E por fim, encontram-se as Parquias, j definidas anteriormente.
No Brasil, a Igreja foi a detentora da produo documental at meados de 1890,
quando terminou o Regime do Padroado, que consistia em uma estreita ligao dos
monarcas que dispunham do direito de administrar assuntos religiosos, subordinando
as necessidades da Igreja aos interesses da Coroa Portuguesa. Desta forma, as
decises civis do governo mesclavam-se com as eclesisticas, por exemplo, no
pagamento dos dzimos e registro de batismo, tornando os fundos documentais
depositados nas dioceses criadas antes da extino do padroado um importante
complemento s fontes de informao arquivsticas de origem civil.
Pelo Decreto 119A, de 7 de janeiro de 1890, o governo republicano extinguiu o
Padroado e separou a Igreja do Estado. Assim sendo, os registros civis at a poca da
separao da Igreja do Estado eram administrados pela Igreja Catlica, tornando este
acervo motivo para a criao do Art. 16 da Lei 8.159 (1991), onde consta que [...] os
registros civis de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente vigncia
do Cdigo Civil ficam identificados como de interesse pblico e social.3 Infere-se, a
partir de ento, a extrema importncia dos acervos eclesisticos para a memria do
pas. Sendo estes documentos de interesse pblico e social, so considerados
patrimnio e memria do pas, retratando um perodo onde no houve outro tipo de
registro das pessoas que viveram nesta poca. Assim, esta documentao nica e
insubstituvel devendo ser preservada infinitamente.
O outro contexto a se destacar a fase de sujeio e ps-sujeio do territrio
sul-rio-grandense ao Bispado do Rio de Janeiro. Em outras palavras, toda a
administrao estava subordinada ao Bispado do Rio de Janeiro, causando dificuldades
para tomada de decises. Esta ligao perdurou at 1848 quando foi criado o Bispado
do Rio Grande de So Pedro.
A Igreja Catlica formulou o Cdigo de Direito Cannico (CDC) que o principal
documento legislativo desta entidade. Seu objetivo
3 Lei que dispe sobre a Poltica Nacional de Arquivos Pblicos e Privados e d outras providncias.
21
[...] tornar visvel a estrutura hierrquica e orgnica da Igreja; organizar oexerccio das funes divinamente confiadas sociedade eclesial; comporas relaes mtuas entre os fiis; apoiar, proteger e promover iniciativascomuns em prol de uma vida crist mais perfeita; permitir sociedadeeclesial criar uma ordem que d primazia ao amor e facilite odesenvolvimento da Igreja e de cada um de seus membros. (VERITATISSPLENDOR, 2009)
A Igreja dedica dois cnones do Cdigo para legislar sobre seus arquivos. Estes
cnones versam sobre como devem ser os arquivos em seu mbito e, principalmente,
sobre o cuidado que se deve ter com os documentos:
Cn. 486 1. Devem-se guardar com o mximo cuidado todos osdocumentos relativos diocese e s parquias. 2. Em cada cria, seja erigido em lugar seguro o arquivo diocesano, noqual sejam guardados, dispostos em ordem certa e diligentemente fechados,os instrumentos e escritos que se referem s questes diocesanasespirituais e temporais. 3. Faa-se um inventrio ou catlogo, com breve resumo de cada escrito,dos documentos contidos no arquivo. (CDIGO..., 1983, p.38)
De fato, a maior preocupao constatada quanto ao cuidado com o acervo,
principalmente quanto ao acesso. O Cnone 489 versa ainda que [...] haja tambm na
cria diocesana um arquivo secreto, ou pelo menos haja no arquivo comum um armrio
ou cofre, inteiramente fechado chave que no possa ser removido do lugar.
(CDIGO..., 1983, p.38). Observa-se que esta entidade prima pelo seu arquivo e
entende a necessidade da preservao dos documentos.
3.3 A Cria Metropolitana de Porto Alegre e o Arquivo Histrico
Para melhor entendimento do contexto em que se insere o arquivo que foi objeto
da pesquisa, segue breve introdutrio a respeito da Cria Metropolitana de Porto Alegre
e de seu Arquivo.
22
A Cria Metropolitana de Porto Alegre, como entidade jurdica, denomina-se
Mitra da Arquidiocese de Porto Alegre e goza de utilidade pblica federal, estadual e
municipal possuindo certificado de Entidade Beneficente de Assistncia Social. O
Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre um arquivo permanente, ou
seja, a documentao deve ser preservada infinitamente para fins de pesquisa e de
prova. um arquivo eclesistico ligado Igreja Catlica e especializado, por ser
formado por [...] documentos cujo acervo tem uma ou mais caractersticas comuns,
como natureza, funo ou atividade da entidade produtora, tipo, contedo, suporte ou
data dos documentos. (DICIONRIO..., 2005, p.30)
A partir da criao do Bispado, fundado conjuntamente o Arquivo Histrico do
Bispado. Estes dois momentos aqui referidos so importantes para entender o contexto
da documentao abrigada no Arquivo. So conservados no AHCMPA:
[...] documentos da antiga comarca de Porto Alegre, da Vigararia Geral edos primeiros Bispos do Rio Grande do Sul. Tambm fazem parte do acervoalguns documentos de parquias que no pertencem s jurisdies atuaisdo Arcebispado, mas que foram recebidas pelo Bispo at os sucessivosdesmembramentos ocorrerem. (CAMPOS, 2003, p.26)
O Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto Alegre apresenta em seu
acervo documentos originados desde 1747 at os dias atuais. Percebe-se que o estado
de conservao de muitos papis crtico, sobretudo os mais antigos. Alguns
apresentam degradao pela ao de insetos, umidade, processos de encadernao e
restauro incorretos. No entanto, a maioria do acervo encontra-se em bom estado de
conservao, destacando um trabalho de identificao por cores dos fundos
documentais.
Existe um quadro de arranjo (ver ANEXO 1), ainda em fase de ajustes, que serve
como principal norteador das pesquisas pela arquivista, bem como, d o conhecimento
breve do contedo do acervo. Entretanto, muitos papis ainda so desconhecidos na
sua integralidade, principalmente registros administrativos antigos, como, nomeaes,
destituies, ordens de celebrao de missas, criaes de cemitrios, etc. Esta
documentao est em bom estado de conservao, mas apresenta diversas
inconsistncias quanto a sua denominao diplomtica, o que dificulta, segundo a
23
arquivista, o estabelecimento das sries e prejudica a relao orgnica dos
documentos, to importante para o entendimento da hierarquia documental. Cabe aqui
ressaltar que o Arquivo possui apenas uma funcionria que acumula todas as
atividades do arquivo, incluindo o atendimento ao pblico. Esta mesma funcionria
dedica um dia da semana para trabalho interno (sextas-feiras) no intuito de organizar,
limpar a documentao, trocar caixas, enfim, atividades necessrias para o bom
funcionamento do arquivo. Porm, esse tempo curto para tantas atividades o que,
provavelmente, reflete a necessidade iminente de maior nmero de pessoas
trabalhando na instituio.
24
4 FUNDAMENTAO TERICA: APONTAMENTOS SOBRE DESCRIO
ARQUIVSTICA
Neste captulo so apresentadas e discutidas as idias de autores que
trabalharam assuntos pertinentes a esta pesquisa no contexto da descrio arquivstica,
das normas de descrio e da hierarquia dos instrumentos de pesquisa.
4.1 Descrio Arquivstica: instrumentos e normas
A descrio em arquivos pode ser considerada uma das tarefas mais complexas
e minuciosas exercidas pelos arquivistas. Define-se como descrio arquivstica a [...]
elaborao de instrumentos de pesquisa que possibilitem a identificao, o
rastreamento, a localizao e utilizao de dados. (BELLOTTO, 2007, p.179). A
descrio nada mais do que criar representaes com objetivo de tornar acessveis os
documentos de um acervo. Seu conceito explicita sua principal funo que possibilitar
acesso s informaes contidas em documentos, pois o potencial informativo de um
arquivo s poder ser conhecido atravs dos instrumentos de pesquisa.
Em relao aos instrumentos de pesquisa, cabe referenciar aqui que h diversas
nomenclaturas utilizadas e conhecidas mundialmente para o termo. Na Europa, muito
se tem discutido a respeito de sua definio, o que provavelmente expressa ainda uma
carncia de uniformizao da disciplina arquivstica, levando-se em considerao sua
incipiente pretenso ao nvel de cincia em detrimento da tcnica. Observa-se que
ainda so utilizadas as terminologias instrumentos de trabalho, instrumentos de gesto,
instrumentos de descrio, meio (ou instrumento) de referncia (RIBEIRO, 2003),
corroborando o fato de no haver ainda uma normatizao na rea. Para a arquivista
portuguesa Fernanda Ribeiro (2003, p.650), a melhor nomenclatura existente
instrumentos de acesso informao que a mesma define como:
25
[...] todo e qualquer instrumento que permite localizar ou recuperarinformao (aceder a ela), independentemente de a sua finalidade ser otrabalho/controlo (funo de servio interna) ou a pesquisa/referncia(funo de servio interna e externa).
Considerando que haja, alm de instrumentos de acesso externos, os
instrumentos internos, conhecidos como de controle, pode-se verificar ainda mais
diferenciaes importantes, principalmente quando se trata de conhecimento do acervo
pelo prprio arquivista. Pois os mesmos instrumentos de controle servem para
controlar, identificar o acervo internamente sem haver necessidade de publicao.
Como exemplo tem-se o inventrio topogrfico, as listas, tabelas de avaliao e
recenseamento dos arquivos. E ainda, os prprios quadros de arranjo que do uma
viso global do acervo.
Sendo assim, constata-se que na literatura que trata sobre a teoria em descrio
de arquivos existem muitas divergncias a respeito da elaborao de instrumentos de
pesquisa. No entanto, desde a publicao das normas de descrio arquivstica:
ISAD(G) em 2000, ISAAR(CPF) em 2004 e da NOBRADE mais recentemente, em
2006, possvel seguir-se padres e modelos. Enfim, a descrio tornou-se
oficialmente matria de discusses em todo o mundo e possibilitou a padronizao
efetiva de instrumentos de pesquisa, inserindo um captulo importante na histria da
arquivologia. Segundo a NOBRADE (2006, p.10), em seu mbito e objetivos consta
que:
A padronizao da descrio, alm de proporcionar maior qualidade aotrabalho tcnico, contribui para a economia dos recursos aplicados e para aotimizao das informaes recuperadas [...] as normas habilitam opesquisador ao uso mais gil de instrumentos de pesquisa que estruturamde maneira semelhante informao.
Anteriormente, era possvel atingir tais objetivos (qualidade, economia de
recursos e otimizao das informaes recuperadas) atravs de recomendaes como
as encontradas no livro Manual de arranjo e descrio de arquivos dos arquivistas
holandeses, traduzido para o portugus em 1960, cujo contedo importante para
conhecimento da matria. Uma evoluo at ento aconteceu, com diversas
26
publicaes na rea pelo mundo. Porm, as normas foram, certamente, um ganho
inestimvel aos profissionais e aos usurios de arquivos.
O Conselho Internacional de Arquivos apresenta em sua publicao Relatrio do
Sub-Comit sobre os instrumentos de descrio, no ano 2000, as orientaes para a
aplicao das normas na elaborao dos instrumentos de pesquisa no mbito da
ISAD(G) e ISAAR(CPF). Segundo este documento, os princpios que regem a
elaborao dos instrumentos de descrio so:
a) fornecer acesso aos documentos de arquivo atravs da comunicao deinformaes a eles respeitantes aos utilizadores;
b) produzir instrumentos de descrio precisos, coerentes e auto-explicativos;
c) representar o contexto e o contedo dos documentos de arquivo adescrever atravs da aplicao das regras de descrio multinvel. (cf.ISAD(G) 2.). (CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2000, p.2)
Os instrumentos de pesquisa existentes variam muito de nomenclatura conforme
o pas. Pode-se apontar como principais correntes existentes: a canadense, a norte-
americana e a europia, variando esta ltima de pas para pas. Com o advento das
normas, os nveis de descrio ganharam maior destaque, sendo includos como
princpios da Descrio Arquivstica sob a nomenclatura estrutura multinvel, conforme
consta na ISAD(G).
Desta forma, levando-se em considerao os trs principais nveis, que so:
fundo, srie e item documental. Tem-se como instrumentos mais conhecidos nesta
hierarquia os guias, inventrios e os catlogos. Ainda assim, pode-se considerar outros
intermedirios ou mais detalhados. Os trs nveis de anlise arquivstica conhecidos e
aqui definidos como nveis de descrio, so classificados conforme sua profundidade.
Os nveis considerados so os seguintes:
a) nvel 1 fundo: abrangente, para descrio de totalidade do arquivo,
admitindo-se a abordagem geral das sees e sub-sees sem
profundidade;
b) nvel 2 srie: intermedirio, para descrio das sries isoladamente;
27
c) nvel 3 item documental: especfico, para descrio da unidade
documental, ou seja, o mais pormenorizado dos nveis.
Ainda so admitidos pela NOBRADE (2006) como nveis intermedirios: o acervo
da unidade custodiadora (nvel 0), a subunidade custodiadora (nvel 0,5), a subseo
(nvel 2,5) e a subsrie (nvel 3,5).
As normas tambm possibilitaram um maior entendimento destes nveis de
descrio, isto , a posio da unidade na hierarquia do fundo ou coleo. Dentre as
recomendaes dos principais autores est a de que a descrio deve ser feita do geral
para o particular:
O programa de descrio para cada repositrio de manuscritos deve, porconseguinte, incluir a produo de uma srie de instrumentos de busca cujaseqncia vai do geral para o especfico, tornando a descrio cada vezmais pormenorizada, medida que o trabalho de descrio continua.(SCHELLENBERG, 2006, p. 318)
O autor refere-se a um ideal em arquivstica, procurando atingir a plenitude das
atividades, no qual metodicamente segue-se um programa de descrio de documentos
aps todo o acervo organizado. Confirmando esta assertiva, escreve o arquivista
europeu Nils Bruebach (2007, p.42):
A descrio de alta qualidade tem sempre que enfocar o acervo como umtodo e no os fundos individuais ou um nico documento, e deveria seguiruma estratgia de acesso que oferea aos usurios toda a informao queeles esto procurando com os instrumentos tcnicos do momento.
Porm, este ideal nem sempre possvel de ser alcanado dadas as dificuldades
e particularidades de acervos e de instituies existentes. Schellenberg (2002) enfatiza
que todo arquivo deve possuir polticas para seu acervo, incluindo a descrio como
etapa essencial na organizao. Mais importante ainda, que a descrio no seja
pensada e realizada apenas na terceira idade documental e sim, que deve comear na
gesto, ou seja, desde o nascimento do documento, com claro objetivo de facilitar a
elaborao dos instrumentos e de haver total controle sobre o acervo documental.
28
Contudo, observa-se que a realidade dos arquivos histricos, majoritariamente, no
esta. O que se v geralmente uma massa acumulada de documentos que nunca
recebeu tratamento algum ou recebeu tratamento errneo. Estas questes sero
melhor discutidas na subseo seguinte.
4.2 Hierarquia dos Instrumentos de Pesquisa
A obedincia hierarquia dos instrumentos de pesquisa pode ser encarada
como um modelo a ser seguido. Observemos o que diz a autora brasileira, Helosa
Bellotto, sobre a hierarquia dos instrumentos:
A elaborao de instrumentos de pesquisa deve ser sucessiva, partindo dogeral para o parcial. Dada a necessidade de se fornecer, antes de qualquerparticularidade, uma viso geral dos fundos do arquivo, seus servios epossibilidades de acesso, o primeiro instrumento a ser elaborado deve ser oguia. Os instrumentos parciais (referentes a fundos determinados ou a partedeles), como inventrios e catlogos, podem ser feitos concomitantementeou sucessivamente. (BELLOTTO, 2007, p.220)
Infere-se, a partir das afirmaes da autora, que preferencialmente toda e
qualquer instituio deve elaborar primeiramente um guia de seu arquivo. Ou seja, o
instrumento mais geral que contm informaes bsicas sobre a instituio e
documentos custodiados, para somente a partir da ou simultaneamente elaborar-se
instrumentos parciais. Tais afirmaes so apoiadas na teoria da universalidade,
explicitadas pelos autores franceses Couture e Rousseau (1998), em um captulo
denominado As unidades de trabalho, do livro Os fundamentos da disciplina
arquivstica. Esta teoria demonstra que [...] as unidades de trabalho se integram umas
nas outras como certas mesinhas encaixadas. (COUTURE; ROUSSEAU, 1998, p.130).
Assim, o princpio mencionado trataria da abordagem geral para o particular:
O princpio da universalidade exige que o arquivista apreenda, compreenda,estruture, classifique, arrume e descreva a informao orgnica e registrada
29
de modo global antes de passar a outra mais detalhada. (COUTURE;ROUSSEAU, 1998, p. 130)
Os autores vem, da mesma forma, que se deve demonstrar o contedo de um
acervo primeiramente de forma generalizada. Esta recomendao apoiada nas
diversas correntes da arquivologia moderna. Observa-se que cada vez mais seguida
esta recomendao, sendo que os arquivistas modernos procuram trazer primeiramente
a descrio geral em detrimento da pormenorizada. Este fato evidenciado na
introduo da ISAD(G):
Normas de descrio arquivstica so baseadas em princpios tericosaceitos. Por exemplo, o princpio de que a descrio arquivstica procede dogeral para o particular uma conseqncia prtica do princpio do respeitoaos fundos. Este princpio deve ser claramente enunciado caso se desejeconstruir uma estrutura de aplicao geral e um sistema de descrioarquivstica, manual ou automtico, no dependente de instrumentos depesquisa de nenhum arquivo especfico. (CONSELHO INTERNACIONAL DEARQUIVOS, 2000, p.12)
Para o Comit Internacional de Arquivos que aprovou a norma, aps sucessivas
revises, anlises e sugestes apresentadas pelas diversas comisses nacionais, a
descrio hierarquizada parte de um princpio estabelecido pela arquivologia, que se
apia em teoria j consagrada. Explicitando melhor, temos como definio para o
Princpio do Respeito aos Fundos ou Provenincia, o que diz Paes (1991, p.9):
Princpio segundo o qual devem ser mantidos reunidos num mesmo fundo, todos os
documentos provenientes de uma mesma fonte geradora de arquivo. Tambm
importante destacar o que diz Schellenberg (2006, p.161):
Na tarefa de arranjar documentos, [...], observa-se o princpio daprovenincia. Segundo esse princpio os arquivos devem ser arranjados detal maneira que a organizao e as funes que os produziram neles sereflitam, unidade administrativa por unidade, subunidade por subunidade esrie por srie de documentos.[...] O arranjo afeta no s a acessibilidadedos documentos, mas tambm os valores comprobatrios dos mesmos[...].
30
Obviamente, no se pode negar as teorias j consagradas. A discusso proposta
neste trabalho enfatiza, principalmente, as particularidades que existem nos acervos,
somadas s condies em que se encontram quanto organizao, existncia ou no
de quadro de arranjo e o prprio conhecimento que os arquivistas tm do contedo dos
acervos.
Como mencionado, a hierarquia dos instrumentos de pesquisa consiste em
obedecer aos nveis de profundidade do acervo. Sendo assim, o fundo de arquivo seria
o elemento mais abrangente e o item documental, o mais especfico. As normas para
descrio enfocam esta hierarquia, porm, h indcios apontados por diversos
arquivistas de que a ISAD(G), por exemplo, no contempla a organicidade dos
documentos e acaba por [...] favorecer as demandas dos consulentes em detrimento
da organicidade do acervo [...] h na ISAD(G) o risco de perda da idia de globalidade
dos fundos arquivsticos. (CORTS ALONSO, [19--, p.?] apud LOPEZ, 2002, p.19).
Ainda assim, o advento das normas para descrio possibilitou uma maior
flexibilidade ao profissional, pois permitiu que fossem mais claramente observados os
nveis de descrio. A descrio multinvel, como comumente conhecida, trata da
relao do fundo com suas partes, ou seja, sries, subsries, sees e item
documental. Segundo a ISAD(G):
Se o fundo como um todo estiver sendo descrito, ele dever serrepresentado numa s descrio, utilizando-se os elementos descritivoscomo mencionado na seo [3] deste documento. Se necessria adescrio das suas partes, estas podem ser descritas em separado, usando-se igualmente os elementos apropriados da seo 3. A soma total de todasas descries assim obtidas, ligadas numa hierarquia, [...], representa ofundo e as partes para as quais foram elaboradas as descries. Para asfinalidades destas regras, tal tcnica de descrio denominada descriomultinvel. (CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2001, p.7)
Reitera-se neste trecho da introduo da ISAD(G) que as partes podem ser
descritas em separado, utilizando-se os mesmos campos tanto para fundo como para
item, ressaltando que os objetivos de cada uma so diferentes. O foco da descrio de
fundo deve ser representar o acervo e a instituio, dando idia geral do contedo.
31
Esse tipo de trabalho ter um objetivo mais amplo, pois informar ao pesquisador/
usurio as linhas gerais.
Porm, a cada subdiviso do acervo ser necessrio maior detalhamento das
suas informaes, permitindo melhor desempenho do pesquisador em suas buscas.
Neste contexto, comea a surgir uma dvida ao arquivista: em quais partes do acervo e
at que ponto deve-se privilegiar sries, subsries ou at mesmo o item documental?
Para Bellotto (2007, p.222):
[...] para os fundos desconhecidos pelos pesquisadores que a polticadescritiva deve se voltar prioritariamente. H o risco de, talvez, no se atingiro real objetivo do trabalho de descrio de fundos documentais que prioritariamente o de atender demanda. Por outro lado se a equiperesponsvel pela descrio aceitar o desafio, estar contribuindo de formamais til e eficaz para o avano da historiografia [...].
O arquivista norte-americano T. R. Schellenberg (2006) considera que os
instrumentos de pesquisa provisrios auxiliam e devem ser priorizados antes de
qualquer descrio pormenorizada. Em um captulo, exclusivamente, dedicado aos
arquivos privados, o autor enfatiza:
Os documentos devem ser descritos em detalhes progressivamentemaiores. Um arquivista deve no somente traar um programa de descrioque atenda s necessidades especficas de sua clientela, que torneconhecido o contedo e a importncia de colees particulares e que dimediato conhecimento de todas as colees. (SCHELLENBERG, 2006,p.317)
A questo da hierarquia da construo de instrumentos de pesquisa
praticamente unnime, porm, atente-se para fato que existem hoje modernos e
diferentes meios de busca que precisam ser adaptados a esta teoria, conjuntamente,
analisando a realidade e a particularidade dos acervos documentais. Desta forma,
passamos aos contrapontos propostos inicialmente, no prximo captulo.
32
5 TEORIA E PRATICA: CONTRAPONTOS
Neste captulo sero tratados os contrapontos entre a teoria em descrio
arquivstica e a aplicabilidade da mesma em relao s diversas realidades dos
arquivos histricos, em especial, do Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de Porto
Alegre AHCMPA.
5.1 Realidade em Arquivos Histricos: o AHCMPA como exemplo
Ao aprofundar os conhecimentos acerca de um acervo histrico, suas reais
necessidades e anseios, no caso aqui o AHCMPA, pode-se perceber que nem sempre
as teorias estudadas podem ser aplicadas para todos os arquivos. E no o so de fato,
pois impera ainda um desconhecimento da sua real importncia e, principalmente, de
seu real potencial para a memria do pas. A base terica em Arquivologia em sua
maioria importada de pases dos continentes norte-americano, europeu e oceania, com
realidades culturais bastante diferentes com relao preservao das fontes
histricas. O Brasil uma nao jovem que, em matria de valorizao da histria e
memria de seus documentos, est distante de um ideal no gerenciamento dos
arquivos. Isto se reflete obrigatoriamente nos arquivos histricos, pois os mesmos ainda
possuem um status de arquivo morto, lugar empoeirado e estagnado, enfim, h muito
preconceito com relao s instituies.
O AHCMPA no diferente neste aspecto. Tendo a Igreja Catlica promulgado
um Cdigo prprio que prev cnones especficos para a existncia e manuteno de
arquivos para seus documentos, espera-se que o mesmo seja reconhecido e utilizado.
No caso do AHCMPA assim acontece e pode-se dizer que seu gerenciamento feito da
melhor forma possvel. Assim mesmo, muitos recursos no podem ser aproveitados em
sua totalidade pelos usurios que procuram o acervo para consultas. Suas expectativas
nem sempre so atendidas, tendo em vista todas as dificuldades existentes: falta de
33
pessoal, local para consulta, tempo despendido aos consulentes, entre outros. O fato
de no haver mais pessoal (apenas uma arquivista trabalha no Arquivo e acumula
todas as atividades) determinante para que o Arquivo no oferea todo seu potencial
informativo. Um acervo cujo tratamento bsico (limpeza dos papis, conhecimento do
contedo, quadro de arranjo, acondicionamento, etc.) precisou ser feito desde o incio,
apesar do tempo de sua existncia, emperra sua evoluo e desenvolvimento de
prticas modernas.
Desta forma, cabe aqui salientar que um arquivo deste porte e importncia
necessitaria de um tratamento todo especial. De nada adiantaria aplicar a teoria
descritiva sem um profundo conhecimento do acervo e principalmente das
necessidades dos consulentes do AHCMPA. Esta afirmao reforou-se pela prtica da
elaborao de instrumento de pesquisa para uma pequena parte deste acervo, no
trabalho executado no primeiro semestre de 2009. A construo de um catlogo a partir
da aplicao da NOBRADE demonstrou na prtica que a repetio de campos, por
exemplo, para cada item documental pouco eficiente visualmente, ocupando espao e
por vezes confundindo o usurio/pesquisador que tem apenas em sua mente uma idia
do que quer pesquisar, mas no compreende como pode chegar ao seu objetivo. As
reflexes suscitadas nesta atividade motivaram um estudo aprofundado das teorias
existentes para que se pudesse compreender at que ponto o arquivista brasileiro tem
subsdios tericos para aplicar a sua realidade.
Uma reflexo mais aprofundada se faz necessria com intuito de esclarecer a
inteno de se cruzar teoria com prtica. O caso do AHCMPA sobremaneira
particular, pois se trata de um arquivo privado e ao mesmo tempo, possui
documentao de interesse pblico e social, determinado pela lei. Ou seja, estes
documentos devem ser disponibilizados sociedade de alguma forma e os
instrumentos de pesquisa, neste caso, tornam-se indispensveis nesta difuso.
No AHCMPA, os registros sacramentais de batismos, casamentos e bitos
possuem fichrios e ndices nominais que permitem a localizao, sendo estes os
nicos instrumentos de pesquisa existentes. A arquivista no consegue disponibilizar os
fichrios para consulta direta pelos usurios, pela desordem que isso causaria, sendo
um problema de difcil soluo, caso seja recolocada uma ficha fora do lugar. Desta
34
forma, a mesma necessita fazer toda a consulta pessoalmente, tomando o tempo de
trabalho. Para este caso em particular, um catlogo automatizado, baseado na
NOBRADE ou ISAD(G), colocado em uma base de dados contendo os campos
principais da ficha, ajudaria na recuperao da informao mais eficientemente. Esta
ao demandaria tempo e disponibilidade da profissional, que necessitaria de
estagirios para alimentar a base.
A documentao da organizao eclesistica, que foi objeto do estgio
obrigatrio, est em sua maioria colocada em formato de cdice, apresentando
problemas diplomticos, perdas, conexo entre os produtores e receptores, etc. Neste
caso especfico, um catlogo detalhado ajudaria na recuperao das informaes,
porm, a simples descrio dos campos obrigatrios das normas no garante seu
completo entendimento e divulgao. H que empreender maneiras de encadear os
fundos, sries, subsries e itens documentais de forma que as informaes se
interliguem e possibilitem ao usurio leigo encontrar o que procura, sem precisar
entender o complexo quadro de arranjo com suas sees.
Assim, o principal ponto a se destacar a aplicao das normas e teorias em
cada arquivo de maneira eficiente e focada no usurio. A anlise desta aplicao se faz
necessria para se atingir eficcia e eficincia nos servios de atendimento aos
pesquisadores/usurios dos arquivos.
5.2 Aplicao das Normas para Descrio Arquivstica e a Realidade dos Arquivos
No caso deste estudo, procurou-se fundamentar o tema com os mais diversos
pontos de vista em matria de descrio arquivstica e sua aplicao. Principalmente, a
questo nova na rea que o advento das normas de descrio. O Brasil participou
ativamente na elaborao destas, culminando em uma norma brasileira, a NOBRADE.
Este fator muito importante, pois demonstra que h preocupao em acompanhar a
constante evoluo na rea. Usando como exemplo a Frana, relata a arquivista Claire
Sibille (2007, p.94) sobre a ISAD(G):
35
[...] existe uma tradio arquivstica francesa anterior elaborao dasnormas ISAD (G) e ISAAR (CPF) que apresenta algumas especificidadesem relao reflexo realizada no plano internacional neste domnio. Enfim,muitos arquivos se informatizaram antes da ISAD(G) e do EAD e asdescries realizadas com essas ferramentas nem sempre se integraram demaneira satisfatria descrio em vrios pases.
Assim, pode-se compreender que os avanos na rea de descrio de arquivos
so anteriores s normas e que pases como a Frana adiantaram-se nesta questo,
prevendo a necessidade de dar um atendimento mais adequado aos documentos e
difuso da informao. Ainda sobre a Arquivologia francesa, declara a arquivista no
mesmo artigo:
A Direo dos Arquivos da Frana est ligada, desde 1959, ao Ministrio daCultura. Ela tem um papel essencial de impulso e controle em matria dearquivos pblicos. [..] Ela exerce um visto, que dizer, um controle sobre osinstrumentos de pesquisa, em papel ou eletrnicos, destinados a seremdifundidos ao pblico, a fim de assegurar o respeito unidade do fundos ede sua estrutura orgnica, qualidade cientfica e tcnica de instrumentosde pesquisa, compatibilidade de sistemas de tratamento. (SIBILLE, 2007,p.95)
Estas declaraes permitem inferir que, mesmo na Frana, com tradio na rea
de Arquivologia, a aplicao das normas restrita, ou seja, por sua prtica ser anterior
criao das normas internacionais, os arquivos franceses tm certa dificuldade em
aplic-la na sua integralidade. Para os franceses, diferentemente da ISAD(G) que
reserva lugar ao ttulo do documento, a descrio consiste na elaborao, para cada
unidade documental, de uma anlise com informaes sobre o objeto dos
documentos, a ao exercida a este objeto, a tipologia documental e o prprio agente
da ao, caso ele seja diferente do produtor (SIBILLE, 2007).
O foco no usurio uma tendncia que tem se difundido pelo mundo, como se
pode observar pela literatura existente. Diversos profissionais j sinalizaram em artigos
cientficos que na era da informtica, principalmente, no h espao mais para o
arquivista custodiador, detentor de toda a informao e imprescindvel aos seus
pesquisadores. Algo que muito comum na rea de Biblioteconomia, o estudo dos
usurios e servios de referncia, pouco era discutido pela Arquivologia, ainda muito
36
detida tcnica e organizao dos documentos em detrimento da sua propagao.
Ainda sobre esta afirmao, discorre a arquivista do Arquivo Histrico e Institucional da
Fundao Casa de Rui Barbosa:
O arquivista deve assumir que o usurio deve ser identificado e osinstrumentos de recuperao da informao devem ser adequados aosperfis de usurios dos servios arquivsticos. Os instrumentos de pesquisadevem oferecer informaes ao usurio, que o habilite a realizar suapesquisa e estabelecer as conexes necessrias entre as temticas e oacervo de forma autnoma. (OLIVEIRA, 2006 , p.6)
Quando houve a publicao das normas, muitos avanos ocorreram para que a
divulgao das informaes nos arquivos se tornasse mais uniforme, concisa, direta. As
normas proporcionaram que os arquivistas pensassem de uma forma mais
compartimentada, podendo seguir um padro e no apenas definir por si prprios o que
seria correto, quais partes dos fundos, sries ou documentos deveriam ser informados,
enfim, modelos a serem seguidos mundialmente.
Porm, um uso mais flexvel das normas pode obter melhores resultados junto
aos usurios do arquivo. Importante considerar tambm que os termos tcnicos
aplicados arquivologia nem sempre so compreendidos por pesquisadores
habituados ao trabalho investigativo, quanto mais s pessoas que necessitam muitas
vezes de uma informao simples e no fazem uso de arquivos em seu cotidiano. Os
instrumentos de pesquisa se encaixam bem nesta problemtica, pois mesmo
explicativos e detalhados, contm muitos campos repetidos, desnecessrios ao
entendimento do contexto informacional. Sobre este aspecto, opina o arquivista ingls
Michael Cook (2007):
As normas, como elas so atualmente, nem sempre se adequam bem flexibilidade da abordagem necessria para acomodar novas categorias deusurios. Por detrs das normas esto vrias suposies culturais que podemprecisar ser ajustadas. Ao aplicar normas de descrio, estamos seguindo ummtodo de categorizar a informao que no corresponde necessariamente viso de mundo dos usurios. Essas categorias, a expresso de informaespor meio delas, certamente privilegiam as percepes do descritor. Elasimpem uma aparncia de uniformidade que nem sempre reflete o carterdiverso dos prprios arquivos. Ao usar normas, aqueles que descrevem podem,s vezes, ser restringidos na expresso de seus verdadeiros objetivos, os quais
37
podem variar consideravelmente em diversos tipos de servios e de arquivos.(COOK, 2007, p.130, grifo nosso).
O autor enfatiza a questo da percepo do usurio em relao s informaes
que ele procura em um arquivo e que so categorizadas por arquivistas, nem sempre
da melhor maneira. Estas percepes nem sempre so buscadas pelos profissionais
nos arquivos em que trabalham e, desta forma, aplicar normas pode no produzir os
efeitos esperados, tornando o instrumento de pesquisa ininteligvel aos usurios, alm
do desperdcio de tempo e trabalho dos profissionais que elaboram o instrumento.
Muitos estudos promovem um movimento em direo incluso dos usurios no
processo de descrio dos arquivos, visando uma eficincia e um entendimento maior
por parte dos interessados. Conforme expe Cook (2007, p.128): [...] ns temos que
descobrir como disseminar a contribuio do usurio, como incorpor-la aos
instrumentos de pesquisa e como relacionar esses dados dentro das estruturas
normativas. Desta forma, entende-se que os usurios devem ser cada vez mais
agentes participativos na construo de instrumentos de pesquisa, pois os mesmos
sero os maiores beneficiados na busca pelas informaes nos arquivos.
5.3 Consideraes sobre a Hierarquia dos Instrumentos de Pesquisa
Como j foi mencionado na fundamentao terica deste trabalho, existe um
consenso sobre a hierarquia dos instrumentos de pesquisa. Para os diversos
arquivistas no mundo todo, deve-se partir dos instrumentos de pesquisa mais
abrangentes, ou seja, os guias que trazem um panorama geral sobre o fundo
documental para, apenas posteriormente, passar aos mais detalhados (inventrios e
catlogos). Estas recomendaes so ratificadas pelas normas internacionais dando
grande nfase aos nveis de descrio, aqui mencionados.
Percebeu-se tambm, que a literatura justifica tais recomendaes levando em
considerao a teoria do Princpio do Respeito aos Fundos ou da Provenincia,
segundo o qual os documentos no podem perder sua origem, ou seja, devem ser
38
mantidos segundo sua fonte geradora. Este princpio demonstra que o contexto muito
importante para que a informao no seja perdida e reflete-se obrigatoriamente na
construo dos instrumentos de pesquisa.
Partindo-se desta teoria, ao colocar em prtica sua validade, percebe-se que
muitos arquivos no tm a infraestrutura necessria para acatar as regras. A aplicao
da hierarquia, por vezes, pode no trazer todo o benefcio a que se prope, pois pouco
adiantar ao usurio visualizar nomes para fundos, sries, sub-sries apenas, sendo
que o mesmo vem em busca de uma informao, muitas vezes vaga. Alm disso,
importante destacar que os arquivos histricos custodiam documentos que tm guarda
permanente, portanto, sua preservao imprescindvel. Evitar o manusear dos
documentos uma tarefa complexa, mas que deve ser executada para que o
documento tenha durabilidade. Os instrumentos de pesquisa mais detalhados como os
catlogos podem proporcionar uma viso mais completa do documento em si, evitando
o manuseio direto e consequentemente, preservando-o.
Assim, esbarra-se na particularidade do acervo novamente, no conhecimento do
seu usurio/pesquisador como fator determinante para a boa aplicao da norma e
obteno dos resultados esperados: difuso da informao nos arquivos. Instrumentos
de pesquisa precisam ser mais flexveis tambm na sua hierarquia de forma a
beneficiar o consulente. Segundo Cook (2007):
[...] apesar de todo o progresso que vem sendo feito nos ltimos anos, osusurios ainda consideram, habitualmente, os instrumentos de pesquisadifceis de serem compreendidos; e que neste campo a teoria e a prticatenderam a se desenvolver separadamente. [...] Os usurios que notiveram treinamento nos sistemas sempre dizem que os instrumentos depesquisa so difceis, enquanto os arquivistas sempre concluem queprecisam explicar o porqu de basear seus sistemas em contexto e nveis.(COOK, 2007, p.128, grifo nosso).
O autor observa que a problemtica do uso esttico das normas pode inviabilizar
uma pesquisa, pois os usurios no tm a mesma compreenso que os arquivistas tm
dos nveis de descrio, aparentemente. Desta forma, a adaptao das diversas regras
e padres pode ser a melhor maneira de tornar acessveis as informaes num arquivo
e desenvolver todo o potencial do mesmo.
39
6 CONCLUSO
A pesquisa terica sobre o tema descrio arquivstica encontra diversos autores
e idias sobre como melhor execut-la. Descobriu-se que a preocupao com esta
atividade muito mais antiga do que possa parecer e que a constante evoluo ainda
no cessou, tendo em vista a latente discusso sobre as normas de descrio
arquivstica. Sem dvida, a elaborao destas normas tem um propsito muito positivo,
demonstrando que h preocupao mundial por parte dos arquivistas em padronizar
uma atividade imprescindvel manuteno dos arquivos, valorizando tambm as
disciplina arquivstica, antes relegada tcnica.
O que este trabalho pode demonstrar que as realidades dos arquivos so muito
complexas e particulares. Os arquivos so fontes nicas de conhecimento e refletem a
instituio a qual esto ligados, por isso, seu carter peculiar deve ser observado
sempre. Para a descrio de arquivos no pode ser diferente, pois visa a boa gesto
dos documentos. Sendo o usurio/pesquisador a finalidade a ser atingida pelos
servios de arquivo, ele deve ser levado em considerao para a obteno dos
resultados esperados. Se descrever documentos serve para coloc-los disposio
dos consulentes, deve-se procurar faz-lo com a maior eficincia possvel, aplicando
normas de forma flexvel.
Este trabalho no teve carter indito, pois diversas discusses j vm ocorrendo
no mundo todo sobre o tema. Entretanto, a prtica ocorrida no estgio obrigatrio no
ano de 2009 suscitou dvidas sobre a matria, pois foram vivenciadas situaes em
que a teoria no resolveu alguns problemas. Talvez esta seja a maior problemtica dos
profissionais que ingressam na profisso com pouca ou nenhuma experincia: aplicar
na prtica o que tm de bagagem intelectual.
Por tudo isso, conclui-se que o estudo da descrio arquivstica muito vlido e
que a discusso no se encerra simplesmente. A troca de experincias poderia ser de
grande ajuda aos profissionais, como forma de viabilizar as melhores prticas na rea,
tornando as regras mais adaptveis e aplicveis nos diversos arquivos.
40
REFERNCIAS
ABIB, Jamil Nassif. Por uma poltica nacional de arquivos. Disponvel em:. Acesso em: 01 maio 2009.
BELLOTO, Helosa. Arquivos permanentes: tratamento documental. Rio de Janeiro:FGV, 2007.
______. Como fazer anlise diplomtica e anlise tipolgica de documento dearquivo. So Paulo: Arquivo do Estado de So Paulo, 2002.
BRASIL. Conselho Nacional de Arquivos. NOBRADE: Norma Brasileira de DescrioArquivstica. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2006.
BRASIL. Lei n 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispe sobre a Poltica Nacional deArquivos Pblicos e Privados e d outras providncias. Dirio Oficial [da] RepblicaFederativa do Brasil. Braslia, DF, 8 jan. 1991. Disponvel em:. Acesso em: 15 out. 2009.
BRUEBACH, Nils. Acesso eletrnico informao arquivstica: vantagens e potenciaisdas normas de descrio. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 20,n. 1/2, p. 39-46, jan./dez. 2007.
CAMPOS, Vanessa Gomes de. Arquivo Histrico da Cria Metropolitana de PortoAlegre: levantamento documental e anlise tipolgica para a reestruturao do quadrode arranjo. Porto Alegre: [s.n.], 2003.
CDIGO de Direito Cannico. So Paulo: Loyola, 1983.
CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS. ISAD(G): Norma geral internacional dedescrio arquivstica. 2.ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.
______. Relatrio do Sub-Comit sobre os instrumentos de descrio: orientaespara a preparao e apresentao de instrumentos de descrio. Disponvel em:. Acesso em: 10 ago. 2009
41
COOK, Michael. Desenvolvimentos na Descrio Arquivstica: algumas sugestes parao futuro. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1/2, p. 125-132,jan./dez. 2007.COUTURE, Carol. A formao e a pesquisa em arquivstica no mundocontemporneo. Braslia: Finatec, 1999. 189 p.
COUTURE, Carol ; ROUSSEAU, Jean-Yves. Os fundamentos da disciplinaarquivstica. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1998. 356 p.
CUNNINGHAN, Adrian. O poder da provenincia na descrio arquivstica: umaperspectiva sobre o desenvolvimento da segunda edio da ISAAR (CPF). Acervo:Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1/2, p. 77-92, jan./dez. 2007.
DICIONRIO Brasileiro de Terminologia Arquivstica. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,2005.
FOX, Michael. Por que precisamos de normas. Acervo: Revista do Arquivo Nacional,Rio de Janeiro, v. 20, n. 1/2, p. 25-30 , jan./dez. 2007.
HOUAISS, Antnio. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro:Objetiva, 2009.
LOPEZ, Andr Porto Ancona. Como descrever documentos de arquivo: elaboraode instrumentos de pesquisa. So Paulo: Arquivo do Estado de So Paulo, 2002. 60 p.
MULLER, S. Manual de arranjo e descrio de arquivos. 2.ed. Rio de Janeiro:Arquivo Nacional, 1973. 167 p.
OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. O usurio e o uso da informao arquivstica naWEB. Disponvel em: . Acesso em: 08 nov2009.
PAES, Marilena Leite. Arquivo: teoria e prtica. 3.ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: FGV,c1997. 225 p.
42
RIBEIRO, Fernanda. O acesso informao nos arquivos. Lisboa: FundaoCalouste Gulbenkian, 2003. 2 v.
SARMENTO, Thase Monteiro. Relatrio de estgio obrigatrio: elaborao decatlogo para o acervo do arquivo histrico da cria metropolitana de Porto Alegre.Porto Alegre: [s.n.], 2009.
SASTRE SANTOS, Eutimio. Manual de archivos: el sistema archivstico diocesano archivos de la curia y archivos parroquiales. Madrid: ANABAD, 1999.
SCHELLENBERG, Theodore R. Arquivos modernos: princpios e tcnicas. Rio deJaneiro: FGV, 2002.
______. Documentos pblicos e privados: arranjo e descrio. 2.ed. Rio de Janeiro:Fundao Getlio Vargas, 1980. 396 p.
SIBILLE, Claire. A descrio arquivstica na Frana, entre normas e prticas. Acervo:Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro, v. 20, n. 1/2, p. 93-112, jan./dez. 2007.
VERITATIS SPLENDOR. Ttulo III: da organizao interna das igrejas particulares.Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2009.
43
ANEXOS
44
ANEXO 1
Informaes Gerais do Quadro de Arranjo do AHCMPA
Vanessa Gomes de Campos*
O Quadro de Arranjo do AHCMPA composto por trs fundos, a saber:
Fundo Comarcas/Vigararia (1747-1848): documentao administrativa referente
ao perodo. Porm, preciso levar em conta que alguns documentos no obedecem
necessariamente baliza cronolgica (1853 instalao do Bispado), por serem
documentos que cumprem determinadas funes.O Fundo caracteriza-se por ser
fechado. Trata-se de um Fundo que possui documentao variada e com sries
incompletas, ratificando a inexistncia e a perda de grande parte da memria
institucional.
Fundo Bispado/Arcebispado (1848 aos dias atuais): destaca-se toda a
documentao referente s decises tomadas sobre a organizao eclesistica no
territrio; os processos matrimoniais dos sculos XVIII e XIX de Porto Alegre e reas
adjacentes; a orientao pastoral etc.
Fundo Parquias (1747 aos dias atuais): em especial, os registros sacramentais
de batismos, casamentos e bitos; documentos administrativos, maioria do sculo XIX;
irmandades etc.
Estrutura dos Fundos
Cada Fundo est dividido em trs Sees: Ensinar, Santificar e Governar. Essas
Sees correspondem s funes da instituio determinadas pelo direito cannico e
so chamadas de mnus (no plural, munera), ou seja, dever, ofcio das autoridades
jurisdicionais: docendi (ensinar), santificandi (santificar) e regendi (governar).
45
Cada Seo foi sucessivamente subdividida, a fim de chegar nas Sries
documentais.
Ordenao
Adotou-se o sistema de cores para designar os Fundos. As cores adotadas
foram:
a) Vermelha: Fundo Comarcas/Vigararia.
b) Azul: Fundo Bispado/Arcebispado.
c) Amarela: Fundo Parquias.
Cada Seo identificada por um numeral romano seguido de um trao. Assim
sendo:
a) Seo Ensinar: numeral I-
b) Seo Santificar: numeral II-
c) Seo Governar: numeral III-
Cada subdiviso da Seo representada por um nmero arbico, seguido de
ponto. Por exemplo: I-1.1
Caso exista mais de um cdice cumprindo a mesma atividade, ou seja, uma srie
com diversos volumes, a representao : I-1.1/1; I-1.1/2 etc.
No caso do Fundo Parquias, preferiu-se fazer uma diviso em Sub-fundos em
vez de classificar cada parquia como um fundo. Para orden-las, j que a estrutura
funcional segue o padro determinado, optou por usar letras antes da Seo: CAT I-1.
Dessa forma, temos a parquia Nossa Senhora Me de Deus (Catedral de Porto
Alegre) Seo Ensinar, Subseo Captulos de Visita.
* Arquivista e Historiadora do Arquivo da Cria Metropolitana de Porto Alegre -
AHCMPA
46
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO
CURSO DE GRADUAO EM ARQUIVOLOGIA
Thase Monteiro Sarmento
Descrio Arquivstica entre Normas e Prticas:
Contraponto entre a Teoria e a Realidade em um Arquivo Eclesistico
Porto Alegre
2009