ELZA MARIA NEFFA VIEIRA DE CASTRO
DESENVOLVIMENTO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL - UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA DO SUL
Tese apresentada à Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro/UFRRJ como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade.
Banca Examinadora:
Profa Dr
a Maria Julieta Costa Calazans
Profa Dr
a Lia Ciomar Macedo de Faria
Prof. Dr. Luis Flávio Carvalho Costa
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto
Prof. Dr. Roberto José Moreira (Orientador)
RIO DE JANEIRO - 2001
ii
iii
DESENVOLVIMENTO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL- UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA
ELZA MARIA NEFFA VIEIRA DE CASTRO
APROVADO EM ......./......./........
TITULARES
Profa Dr
a Maria Julieta Costa Calazans ....................................................
Profa Dr
a Lia Ciomar Macedo de Faria ....................................................
Prof. Dr. Luis Flávio Carvalho Costa ............................................
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto .............................................
Prof. Dr. Roberto José Moreira (Orientador) ....................................................
SUPLENTES
Profa Dr
a Maria José Carneiro ..............................................
Prof. Dr. Héctor Alimonda ..............................................
iv
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA
SOCIEDADE AGRICULTURA – CPDA
DESENVOLVIMENTO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL –
UM ESTUDO NA REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA DO SUL
ELZA MARIA NEFFA VIEIRA DE CASTRO
SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR: ROBERTO JOSÉ MOREIRA
Tese submetida como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
Área de Concentração em Sociedade e
Agricultura
Seropédica, Rio de Janeiro
Dezembro de 2001
v
Ao Roberto, in memorian.
Ao Pedro, luz no caminho.
vi
AGRADECIMENTOS
Nesse momento, mais do que agradecer, gostaria de explicitar minha alegria por ter
compartilhado a construção desse trabalho com amigos-irmãos que lutaram, tanto quanto
eu, para que ele se realizasse. E essa luta, entremeada de afazeres, responsabilidades,
incertezas, fruto de uma incansável participação, gerou a solidariedade que, finalmente,
Boaventura de Souza Santos elucidou como o conhecimento-emancipatório, dando-nos a
chave para a descoberta “de um pensamento alternativo de alternativas”.
Ao Roberto José Moreira, pela enorme compreensão;
A Julieta Calazans, pelo aprendizado da pesquisa e da formação de formadores;
Ao Sub-Reitor de Graduação da UERJ, Isac João de Vasconcellos, por acreditar em mim;
Ao Centro de Ensino Superior de Valença e à Fundação Educacional D. André Arcoverde,
na pessoa de seu Presidente Dermeval Moura de Almeida Filho, pela consideração e apoio;
Ao Marquês de Casas de Fronteira e Alorna – Fernando de Mascarenhas, pela hospitalidade
em Portugal, possibilitadora de aprofundamento dos estudos;
À equipe de pesquisadores da UERJ/CESVA e aos bolsistas de Iniciação Científica, pelos
estudos subsidiadores da práxis coletiva;
Aos professores e funcionários do CPDA, pelo esclarecimento elucidador da realidade
dinâmica, complexa e incerta, vivenciada num momento de transição milenar;
A Bertha Borja Reis do Valle e aos colegas da UERJ, pela força todo o tempo;
A Fátima Branquinho, Vera Corrêa e Gláucia Oliveira, pelas leituras e sugestões;
Aos historiadores, Antonio Carlos de Oliveira Lima e Adriano dos Reis Novaes, pelas
contribuições valiosas;
vii
A Marly de Abreu Costa e Célia Regina Wargas Vieira, pela amizade generosa;
Ao Marcos Diógenes, pela possibilidade de mais amor;
Ao Fabio e Renata, pelo presente dadivoso – Pedro;
A Elza, minha mãe, por ensinar-me a ousadia e a ter fé;
Especialmente, a Marilda e ao Krishna, companheiros inseparáveis na construção da teia
relacional, uma gratidão profunda inexprimível com palavras;
E, finalmente, a Deus, pela consciência cósmica e pela celebração da vida.
viii
Elza Maria Neffa Vieira de Castro nasceu em Vitória, Espírito Santo, em 1953.
Mestra em Filosofia da Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação da
Fundação Getúlio Vargas – IESAE-FGV leciona e pesquisa nas áreas de Filosofia, Meio
Ambiente e Educação, com atuação também na área de Jovens e Adultos, na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e no Centro de Ensino Superior de Valença da
Fundação Educacional D. André Arcoverde - CESVA/FAA, onde coordena o Programa de
Pesquisa e Pós-Graduação.
Também na UERJ exerce a coordenação geral do Projeto de Educação Ambiental
do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara – PEA/PDBG em convênio com as
Secretarias de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMADS e de
Educação – SEE e com a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente – FEEMA.
Desde 1985 dedica-se ao estudo das representações sócio-político-ambientais do
Vale do Rio Preto, na Região do Médio Paraíba fluminense, com as pesquisas “De
Trabalhadores Produzidos a Sujeitos de uma Práxis Educativa – estudo e proposta de ação
na região do vale do Rio Preto” (Dissertação de Mestrado/1990); “As Práticas Sociais dos
Profissionais da Educação e dos Trabalhadores Rurais: um estudo na região do Médio
Paraíba” (1991-96); “Educação e Consciência Ambiental – Região do Médio Paraíba”
(1996-2000) e “Educação, Meio Ambiente e Parâmetros Curriculares – Região do Médio
Paraíba” (2000/2001), desenvolvidas na Faculdade/Mestrado em Educação da UERJ,
coordenadas pela Profa. Dra. Maria Julieta Costa Calazans e financiadas pelo CNPq, com
apoio da FAA.
ix
Publicou os livros Vale do Rio Preto: Recursos e Necessidades (1992) e Região
do Médio Paraíba do Sul - Limites & Desafios (1994) e os artigos “Ação pedagógica na
Iniciação Científica do livro Iniciação Científica: construindo o pensamento crítico,
organizado por Julieta Calazans (Cortez, 1999); “Diálogo com a vida: uma educação
consciente” no livro Meio Ambiente & Educação, organizado por Luiz Emygdio de Mello
Filho (Gryphus, 1999) e “Agricultura Familiar na Região do Médio Paraíba do Sul”, no
livro Campo Aberto, o rural no Estado do Rio de Janeiro, organizado por Maria José
Carneiro (Contra Capa Livraria, 1998), entre outros publicados nos relatórios de pesquisa.
O doutoramento em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade permitiu a
expansão da sua percepção ecológica e a conseqüente práxis solidária.
x
SUMÁRIO
Introdução – Em busca de um encaixamento no Cosmos 1
Capítulo I - A evolução da idéia de natureza: implicações e perspectivas na
modernidade
13
1.1. Representações do conceito de natureza. 13
Conhecimento-emancipatório e contrato natural 13
1.2. Modernidade e reificação 41
1.3. Progresso e desenvolvimento: a pseudo panacéia 45
1.4. Perspectiva analítica neomarxista 56
Capítulo II – A região do Médio Paraíba do Sul 70
2.1. Considerações sobre o conceito de região 70
2.2. Caracterização geral da região do Médio Paraíba do Sul 78
2.3. Povoamento e cosmovisão indígena 119
2.4. A ecologia da colonização portuguesa 127
Capítulo III – Práticas produtivas e relações sócio-ambientais no século XIX 130
3.1. Processo ocupacional das terras pelos colonizadores: abertura de caminhos e
sesmarias
130
3.2. Cafeicultura: as relações sociais, agrárias e as transformações ambientais 139
3.3. Caminhos e descaminhos das ferrovias 173
3.4. O despertar da indústria nacional 183
3.5. A crítica ecológico-política no Brasil 186
Capítulo IV – Agropecuária e industrialização: as duas faces da degradação
ambiental
194
4.1. Complementaridade dual da região no século XX: processo de
industrialização e atividades de agropecuária
194
Considerações Finais 234
Referências Bibliográficas 246
xi
ÍNDICE DAS FOTOS, TABELAS E GRÁFICOS
Foto 01 Mapa da Região do Médio Paraíba 72
Foto 02 Mapa das sub-bacias paulista, mineira e fluminense do rio Paraíba do Sul 79
Foto 03 Rio Paraíba no município de Volta Redonda 81
Foto 04 Curso médio do Paraíba do Sul próximo a Resende 84
Foto 05 Desmatamentos 87
Foto 06 Queimadas 88
Foto 07 Mata Atlântica 91
Foto 08 Preguiça 92
Foto 09 Réptil 93
Foto 10 Companhia Siderúrgica Nacional – Município de Volta Redonda 95
Foto 11 Sistema Ligth Cedae / Usina Elevatória de Vigário - Município de Piraí 98
Foto 12 Usina Elevatória Santa Cecília - Município de Barra do Piraí 99
Foto 13 Rio Preto 101
Foto 14 Rio Preto Divisa dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro 101
Foto 15 Véu de Noiva – Município de Itatiaia 102
Foto 16 Mar de Morros 104
Foto 17 Mapa da bacia do rio Preto 105
Foto 18 Procissão de São Jorge – Município de Valença 106
Foto 19 Silvícolas na região do Médio Paraíba do Sul 121
Foto 20 Tropeiros em viagem pela região do Médio Paraíba do Sul 132
Foto 21 Plantação de café na Região do Médio Paraíba – Século XIX 139
Foto 22 Negros escravos moendo cana de açúcar 140
Foto 23 Fazenda de Santa Clara – Vale do Rio Preto 146
Foto 24 Poluição no rio Paraíba do Sul 195
Foto 25 Companhia Siderúrgica Nacional – Município de Volta Redonda 206
Foto 26 Rio Paraíba do Sul em Volta Redonda 207
Foto 27 Lavoura de feijão – Município de Valença 220
Foto 28 Junta de Bois – Localidade de Chaves – Município de Valença 223
Foto 29 Solos em erosão 227
Foto 30 Queimada na localidade de Chaves - Município de Valença 228
Foto 31 Enchente em Parapeúna - Município de Valença 230
Tabela 01 Evolução do desmatamento entre 1500-1990 no Estado do Rio de Janeiro 89
Tabela 02 População residente, segundo as principais características do estado do
Rio de Janeiro – 1940-1996
108
Tabela 03 Demonstrativo do café fluminense exportado em 1928, em sacas de 60
quilos, segundo os despachos das Estradas de Ferro
109
Tabela 04 População residente no município de Rio Claro – 1940-1996. 110
Tabela 05 População residente no município de Rio das Flores – 1940-1996. 111
Tabela 06 População residente na região e municípios do Médio Paraíba
fluminense. Estado do Rio de Janeiro – 1940-1996.
112
Tabela 07 População residente no município de Volta Redonda – 1940-1996. 113
Tabela 08 População residente no município de Barra Mansa – 1940-1996. 114
xii
Tabela 09 População residente no município de Barra do Piraí – 1940-1996. 114
Tabela 10 População por nacionalidade segundo as regiões de governo e municípios
– Estado do Rio de Janeiro – 1892-1920
119
Tabela 11 Estatística da população por condição civil. Província do Rio de Janeiro
1819/72
142
Tabela 12 Tamanho das propriedades da Freguesia de N. Sra. Glória de Valença e
da Freguesia de Sancta Teresa do Município de Valença – 1855-1857.
154
Tabela 13 Formas de aquisição das propriedades com menos de 30 alqueires de
terras das Freguesias de N. Sra. Glória de Valença e de Sancta Teresa da
Freguesia de Valença – 1855-1857.
157
Tabela 14 Exportação de café no Brasil de 1822 a 1871. 164
Tabela 15 Hipotecas do Banco do Brasil nas Províncias do Rio de Janeiro e
Vassouras nos anos de 1877 – 1883
169
Tabela 16 Cultura de Café no Brasil – Estado do Rio de Janeiro. Propriedades
Cadastradas e Respectivas Plantações em 1920, 1936 e 1940/1942.
171
Tabela 17 Estrada de Ferro D. Pedro II – Estatísticas de mercadorias expedidas da
Corte para o interior no ano de 1875
177
Tabela 18 Estrada de Ferro D. Pedro II–Estatísticas de mercadorias expedidas das
estações do interior para as demais estações no ano de 1875
178
Tabela 19 Quadro demonstrativo das exportações do município de Piraí nos anos de
1932/33
182
Tabela 20 Relação das propriedades industriais instaladas em alguns municípios da
região do Médio Paraíba do Sul.
203
Tabela 21 Comparação das vazões dos efluentes da Companhia Siderúrgica
Nacional com as demais indústrias.
212
Tabela 22 Municípios da Região do Médio Paraíba fluminense segundo
estabelecimentos agropecuários – 1995/96.
221
Tabela 23 Municípios do Vale do Rio Preto segundo estabelecimentos
agropecuários – 1995/96
221
Gráfico 1 Exportação de café de 1822 a 1871 165
Gráfico 2 Produção de café no Estado do Rio de 1870 a 1895 167
xiii
RESUMO
Esta tese tem como cenário a região do Médio Paraíba do Sul e sua análise na
perspectiva da história ambiental. A escolha do paradigma ecológico para o tratamento da
questão regional pressupõe o processo dinâmico da natureza, entendendo-a como uma
totalidade em movimento, em que todos os fenômenos físicos e antropossociais encontram-
se interconectados e interdependentes, o que estabelece um princípio de complexidade e a
possibilidade de concretização de um contrato natural. Nesta ótica, as práticas produtivas
desenvolvidas ao longo dos séculos XIX e XX – cafeicultura exportadora, industrialização
e agropecuária – foram estudadas buscando-se compreender as concepções de natureza,
conformadas a partir das transformações antrópicas provocadas nos ecossistemas, que
engendraram, na última década do século XX, valores, idéias e pensamentos suscitadores
de projetos alternativos a ações modernizadoras.
xiv
ABSTRACTS
This thesis takes the region of the middle section of the Paraiba do Sul River as
its subject and analyses it from na environmental-historical perspective. The choice of the
ecological paradigm to deal with this regional question pressuposes a dynamic process of
Nature understanding it as totality, or complete entity, in movement, in which all physical
and anthopo-social phenomena find themselves interconnected and interdependent this
establishing a principle of complexity and the possibility turning a natural contract in a
concret reality. From this viewpoint the production practies of the 19th
and 20th
centuries –
coffee for export, heavy, medium and light industries, farming – were studied in search of
undertanding of varios conceptions of Nature originating from the antrophic
transformations of the ecosystemns which have, in this last decade of the 20th
century,
brought about changed values, ideas and thoughts which have led to alternative projects in
relation to the activity of modernisation.
INTRODUÇÃO: Em busca de um encaixamento no Cosmos
Na perspectiva da história ambiental, este estudo pretende analisar os efeitos
socioambientais das práticas produtivas desenvolvidas ao longo dos séculos XIX e XX na
região do Médio Paraíba do Sul, que transformaram sua paisagem e conformaram
concepções de natureza, no contexto da modernidade brasileira.
A realidade regional do Médio Paraíba do Sul impõe o reconhecimento de
distintos espaços econômico-político-sócio-ambientais na medida em que, no século XIX, a
região apresentava-se unificada em função do Império e da sociabilidade gerada pela
produção do café e, no século XX, essa unificação cedeu lugar a uma dualização devido à
industrialização no vale do Paraíba e à introdução da noção de moderno, paralela à
internalização da concepção de tradicional, proveniente da implementação de atividades
agropecuárias no vale do rio Preto.
Partindo-se do pressuposto de que toda delimitação regional é uma simplificação
de uma realidade mais complexa construída socialmente, pretende-se caracterizar a região
do Médio Paraíba através de um continuum, ou seja, através daquilo que da vida de outrora
continua interpenetrando-se na visão de mundo dos seres que integram a realidade regional
atual. Este processo se inscreve na longa duração e demanda a percepção da história a partir
de uma visão sistêmica, uma síntese para além das histórias particulares, na perspectiva de
contribuir para o esclarecimento dos movimentos que animam a evolução das infra-
estruturas e a das superestruturas, e da maneira pela qual esses movimentos articulam-se,
dialeticamente.
2
A análise da região pretende superar a clássica visão historiográfica dos “ciclos
econômicos” e da chamada “exploração colonial”, objetivando estudá-la na ótica ambiental,
segundo considerações metodológicas sintetizadas de José Augusto Drumond1 e Donald
Worster,2 por entender que a estrutura social e a cultura gestadas pela agricultura de
exportação, pela pecuária e pela industrialização são substancialmente diferentes e, por
isso, demandam um esclarecimento dos efeitos sociais dos ciclos econômicos que a história
ambiental é capaz de estabelecer. Isto porque a análise de como os seres humanos foram,
através dos tempos, afetados por seu ambiente natural e, inversamente, como eles afetaram
esse ambiente e com que resultados é um enfoque relevante dessa abordagem.
Segundo Worster,3 a história ambiental procura responder a um conjunto de
questões que exige diálogo com diferentes áreas do conhecimento e aplicação de métodos
especiais de análise.
Num primeiro nível, preocupa-se em compreender os ambientes naturais do
passado e as mudanças provocadas nos ecossistemas pelos seres humanos. Nesta ótica, por
exemplo, as repercussões ocasionadas pela agricultura itinerante constituem tema de
análise, na medida em que a coivara não tem sido considerada prejudicial ao ecossistema
como um todo, por permitir o restabelecimento do equilíbrio ambiental. Num certo
momento, entretanto, a intensificação de tal prática afetou a capacidade regenerativa da
floresta e demonstrou alterações no meio ambiente.
1José Augusto Drumond. “A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa”. In: Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, vol.4, n. 8, 1991, pp. 198-215.
2 Donald Worster. “Para fazer história ambiental”. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.4, n. 8, 1991,
pp.177-197.
3 Ibid., p. 202
3
A cultura material, suas implicações para a organização social e sua interação
com o ambiente natural correspondem ao segundo nível da análise ambiental, não se
reduzindo, contudo, à produção da existência material do homem, mas estendendo-se ao
estudo dos pensamentos, idéias e valores socialmente construídos sobre o significado da
natureza e sua interação com os modos humanos de produção.
Muitos autores tratam a questão regional sob múltiplos pontos de vista. Não cabe,
no momento, elaborar uma revisão exaustiva de todas essas posições teóricas, razão pela
qual a análise em pauta abrange fundamentalmente uma só dessas linhas interpretativas – o
enfoque ecológico, pois “este paradigma comanda simultaneamente um princípio de
complexidade, uma restauração e uma renovação da idéia de natureza, uma ciência de tipo
novo, uma tomada de consciência e uma práxis”.4
A complexidade do pensamento ecológico impõe a articulação e a interação de
todos os seres, organismos e fenômenos com o conjunto dos inter-retro-relacionamentos
que os constituem. Pressupõe que para se conhecer um ser é preciso conhecer seu
ecossistema e a teia de suas relações. A parte no todo e o todo presente nas partes. Esta
lógica percebe a realidade em movimento, em que o passado se manifesta no presente e o
futuro é aberto à possibilidade do vir a ser. Compreende o movimento seqüencial de ordem-
desordem-interação-organização-criação, do qual resultam múltiplas totalidades orgânicas.
Nesse sentido, aponta a multidimensionalidade de tudo e o sujeito analítico como parte
dessa realidade relacional.
Desde os primórdios, a espécie humana tem enfrentado as adversidades da
4 Edgar Morin. O Método II: a vida da Vida. 2ª ed., Portugal: Publicações Europa-América, Biblioteca
Universitária, 1980, p. 87.
4
natureza, observando-a e projetando suas necessidades, seus desejos e seus dramas no
contexto natural. A tendência a proteger-se impele o ser humano a estabelecer uma
interação construtiva/destrutiva com o meio ambiente no qual se insere. Sua ação
intencional em transformar a natureza transforma a sua própria natureza, compelido por
representações e idéias que são reflexos da vida em sua totalidade e não só das condições
materiais de produção, mas de valores, tradições e formas de sociabilidade próprias a cada
sociedade.
Muitos escritos nas obras referentes à história das ciências dos séculos XVIII e
XIX pressupunham o início da observação da natureza em Bacon e Descartes.
Houve, efetivamente, uma época em que os homens não a observavam, ainda que
nela vivessem e dela retirassem seus recursos? Em que momento histórico começaram a
observar a natureza?
A afirmação de que os físicos contentavam-se em repetir os filósofos clássicos e
nunca tinham pensado em observar a natureza encontra discordância no pressuposto de
Lenoble, tomado como referência neste estudo, de que a natureza não pode ser concebida
como uma “natureza em si” mas, somente, dentro de um relativismo que a faz representar-
se como “uma abstração (...) que toma sentidos radicalmente diferentes segundo as épocas e
os homens”.5 A natureza não é uma idéia, mas muitas idéias e significados pensados
assistematicamente.
5 Robert Lenoble. História da Idéia de Natureza. Lisboa: Edições 70, 1969, p. 17.
5
Várias imagens de natureza competiam na Antigüidade, embora algumas tenham
se tornado quase hegemônicas em determinados períodos. Tais imagens foram assimiladas,
transformadas e transmitidas durante o período medieval constituindo-se, em muitos
aspectos, como pano de fundo da criação da visão “moderna” de natureza, forjada na
Europa, nos séculos XVII e XVIII.
Os paradigmas6 da ciência na modernidade, sustentados na filosofia de Descartes
e na física newtoniana, cujas bases para chegar ao conhecimento científico
fundamentavam-se no racionalismo e no determinismo, livres de interferências subjetivas,
preconceitos e superstições, mostram-se insuficientes para conceituar as modificações
ocorridas na complexa realidade contemporânea, que caracteriza-se pela mundialização da
economia marcada pela hegemonia das políticas neoliberais, pela aceleração da produção
capitalista do mundo não-material e pela vivência da terceira onda de revolução
tecnológica.7
6 A noção de paradigma, adotada neste estudo, parte da concepção de Kuhn, em sua obra A estrutura das
revoluções científicas, que o define como “o conjunto das crenças, dos valores reconhecidos e das técnicas
comuns aos membros de um determinado grupo”. A análise incorpora, também, a proposta de Edgar Morin
que conceitua paradigma através de um enfoque relacional em que conceitos-mestres sobrepõem-se à teorias
rivais sem, entretanto, fazê-las desaparecer. Em sua concepção, os paradigmas são estruturas de pensamento
que de modo inconsciente comandam nosso discurso. Em suas palavras “um grande paradigma (episteme,
mindscape) controla não apenas as teorias e os raciocínios, mas também o campo cognitivo, intelectual e
cultural em que nascem teorias e raciocínios. Controla, além disso, a epistemologia, que controla a teoria e a
prática decorrente da teoria.” – Método IV: as idéias. Porto Alegre: Sulina, 1998b, p. 267.
7 Roberto José Moreira. “Economia política da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista”. In: Mundo
rural e tempo presente/organizadores: Luiz Flávio Carvalho Costa, Regina Bruno, Roberto José Moreira.- Rio
de Janeiro: Mauad, 1999, p. 254.
6
A velocidade com que os acontecimentos ocorrem, a socialização momentânea
das informações, a mutação dos valores, a degradação moral e material (corrupção), a
atomização das pessoas, o anonimato, a fragmentação das idéias, a mercantilização, a
reorganização espacial provocada pela desterritorialização do capital e a conseqüente
criação de centros hegemônicos mais poderosos que os estados nacionais são alguns
aspectos resultantes das transformações técnico-científicas e da expansão capitalista, que
provocaram incertezas e indeterminações e geraram a necessidade de se
“implodir o paradigma antropocêntrico, causalista, linear e
determinista para, em seu lugar, exercitar um estilo de pensamento
ecocêntrico e cosmológico que privilegie a síntese, a cooperação e
cumplicidade entre homens e coisas, a sabedoria intuitiva, o
imaginário, o poético, enfim, o intercâmbio entre vida e idéias”.8
Alguns pensadores puseram-se a afirmar, direta ou indiretamente, a crise
paradigmática configurada no século XX. Dentre estes, há os que afirmam como Fritjof
Capra9 que, mais do que a falência das teorias científicas, vive-se uma crise de pensamento.
Para este autor, esta crise articula-se a uma crise maior decorrente de três fenômenos: a
ameaça do esgotamento dos recursos energéticos do planeta, o declínio do poderio
patriarcal e a transformação cultural.
No século XX, as novas concepções da Física10
geraram uma profunda mudança
na visão de mundo moderna, deixando o Universo de ser visto como uma máquina,
8 Maria da Conceição de Almeida e Edgar de Assis Carvalho. Apresentação. In: Ensaios de complexidade/
coordenação de Gustavo de Castro... et alii. Porto Alegre: Sulina, 1997, p. 13.
9 O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 27-28.
10 Planck, com a Teoria Quântica, em 1901; Einstein, com a Teoria da Relatividade, em 1905; Niels Bohr,
com a Lei da Complementaridade, em 1913; Heisenberg, com o Princípio da Incerteza, em 1927; Ilya
Prigogine, com o conceito de Estruturas Dissipativas, na década de 1960, para citar apenas alguns cientistas
relevantes.
7
composto de uma profusão de objetos distintos, para apresentar-se como um todo
harmonioso e indivisível, uma rede de relações dinâmicas que inclui o observador humano
e sua consciência.
Nesta percepção ecológica, a idéia de natureza pressupõe uma totalidade em
movimento que tudo abarca, um fluxo de energia em constante mudança, um processo
universal de eventos, onde nada é definitivo.
Tal concepção reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos
e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da
natureza. Através desta percepção pode-se compreender a existência de uma consciência da
unidade da vida, a interdependência de suas múltiplas manifestações, seus ciclos de
mudanças e transformações.
Esta compreensão da totalidade pressupõe um estado de interrelação e
interdependência essencial de todos os fenômenos físicos e antropossociais, em que cada
evento é percebido em íntima relação com essa totalidade e inserido num encadeamento
que se desdobra no espaço e no tempo. Qualquer fato isolado é uma abstração. O todo é
concebido mais do que as partes que o compõem, não sendo uma simples composição da
somatória das partes e sim, uma totalidade nova, diferente de suas partes componentes. O
todo precede e dá sentido a suas partes. A conjuntura complexa confere a possibilidade, a
condição e o sentido da existência de cada parte, indivíduo ou grupo.
Nesta concepção, a realidade, por sua vez, é constituída por processos dinâmicos
que envolvem atividades auto-afirmativas e integrativas, regidas por princípios integrativos
e cooperativos.
8
Segundo Morin,11
o paradigma ecológico comporta e associa duas idéias-chave: a
idéia de oikos-sistema e oikos-organização, que exprimem os caracteres ontológicos do
ecossistema e os caracteres organizacionais da natureza, e a idéia de eco-auto-relação. Por
isso, este paradigma comporta um princípio de complexidade. Rompe, não só com a idéia
de um meio rígido, mas também com as visões simplificadoras que isolam os seres de seu
ambiente ou circunscreve-os ao meio, separam a natureza da cultura e fragmentam os
fenômenos, impedindo o desenvolvimento de uma consciência global.
O paradigma ecológico insurge-se contra o pensamento disjuntivo, redutor e
simplificador, instala um princípio de conjunção, de multidimensionalidade e de
complexidade e emerge como uma ciência de tipo novo. No rastro desta ciência, uma
consciência ecológica desenvolve-se na comunidade científica, não somente a partir da
percepção da degradação da natureza, mas por entender que a sociedade é vitalmente
dependente da eco-organização natural e que esta está profundamente comprometida nos e
pelos processos sociais. Em outras palavras, a compreensão do próprio caráter da relação
do ser humano com a natureza viva implica numa tomada de consciência ecopolítica, que
suscita uma práxis protetora da vida e da qualidade da vida, negando sua mutilação e
manipulação, na perspectiva de disseminar uma nova moralidade e uma estratégia para a
sobrevivência da humanidade e do planeta.
11
Edgar Morin, op. cit., 1980, p. 87-94.
9
O pensamento ecologizado, que restaura a natureza até então dissolvida e
desintegrada pelas ciências, apresenta-a como complexa, simultaneamente una, diversa,
múltipla e contraditória e como uma natureza nova, porque traz consigo a elucidação do
princípio de eco-organização e de eco-auto-relação.
Uma cosmologia baseada na ecologia ajuda-nos a superar o impasse traduzido
pelo paradigma da modernidade, que entende a atividade humana como transformação da
natureza a serviço do progresso linear e ilimitado, sem consideração da sua lógica interna.
A importância da idéia de natureza, não só filosófica ou científica mas, também,
civilizacional e política, consiste no fato dela ajudar a analisar a cultura da qual provém,
pois a cultura é, entre outros aspectos, o ecossistema das idéias de natureza construídas pelo
homem.
Mais do que nunca deve-se relacionar e relativizar na natureza todos os
problemas humanos, inclusive os existenciais. Para tanto, é preciso uma nova práxis que
transponha as limitações mutiladoras da tecnologia, adaptando-a às complexidades
econaturais. Aparentemente, a solução dos problemas da qualidade de vida, limites do
crescimento, reconsideração da idéia de progresso e contestação das hiper-concentrações
(megalópoles, gigantismo industrial, hiper-centralizações do Estado) exige a substituição
das tecnologias “duras” por tecnologias “suaves”, das técnicas “sujas” por técnicas
“limpas” mas, na verdade, surge a necessidade de um metadesenvolvimento capaz de
produzir tecnologias complexas. Compreende-se, então, que a produção destas tecnologias
dar-se-á a partir do abandono do pensamento humano conquistador, subjugador e guiador
da natureza e da adoção de uma visão de co-desenvolvimento simbiótico através de
10
transformações mútuas entre uma biosfera acêntrica e espontânea e uma humanidade que se
torna cada vez mais consciente do seu devir e do devir do mundo necessitando, dessa
forma, de uma superação da técnica e do modo de pensar contemporâneo, inclusive
científico.
Apesar de reconhecermos a existência de visões formuladas pelos epistemólogos
sobre uma realidade independente das percepções humanas, adotamos o pressuposto de que
compreendemos a natureza a partir de visões de mundo condicionadas pelo contexto
cultural, fruto de uma rede de significações, em que diversas ontologias são interconectadas
na busca do sentido complexo do real.
Consciente do caráter introdutório das apreciações formuladas, mais do que
demarcar significados e responder a indagações pretendemos recolocar perspectivas que
nos obriguem a pensar e a produzir alternativas em benefício da responsabilidade de todos
no equilíbrio sistêmico universal, a partir da análise dos problemas sócio-ambientais
existentes na região do Médio Paraíba do Sul.
Na trajetória teórico-metodológica consideramos que várias fontes caracterizam o
estudo das relações entre as sociedades e o seu ambiente. Para a análise pretendida neste
estudo, contribuições importantes foram sistematizadas em inventários de bens,
testamentos, registro de imóveis, atas legislativas, memoriais descritivos de obras, lista de
bens comercializados, documentos e relatórios de programas governamentais e não-
governamentais, censos e anuários estatísticos, todos relacionados à região em estudo.
No que se refere à sua estrutura, no primeiro capítulo abordamos a evolução da
idéia de natureza e analisamos as noções de conhecimento-emancipatório e de contrato
11
natural, a caracterização dos conceitos de modernidade, progresso e desenvolvimento,
assim como a perspectiva neomarxista, como subsídios para se compreender a
complexidade das questões sócio-ambientais na região do Médio Paraíba e os esforços dos
projetos e ações implementados, na atualidade, em busca de uma sustentabilidade
ambiental.
Na perspectiva de dar início à história ambiental regional, tecemos considerações
sobre o conceito de região e elaboramos uma caracterização geral da região do Médio
Paraíba do Sul, nos tempos presentes. Esboçamos, também, o processo de povoamento, a
cosmovisão dos primitivos habitantes e a ecologia pressuposta na colonização do Brasil
pelos portugueses, no segundo capítulo.
No terceiro, descrevemos o processo agroexportador da cultura cafeeira, no
século XIX, analisando as relações sociais, agrárias e as ambientais daí conseqüentes,
inclusive as decorrentes da instalação das ferrovias e do prenúncio da implantação
industrial, enfatizando a crítica ecológica-política desenvolvida por alguns intelectuais
brasileiros, naquele século.
A complementaridade dual da região, no século XX, engendrada pelas atividades
de agropecuária e pelo processo de industrialização, com implicações no meio natural, foi
enfatizada no quarto capítulo.
12
As considerações acerca do potencial emancipatório do paradigma emergente
constituem pressupostos para se inventar alternativas para a construção de um
“conhecimento prudente para uma vida decente”,12
na região do Médio Paraíba.
12
Boaventura de Souza Santos. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição
paradigmática. São Paulo: Cortez, 2000. V. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência, p. 75.
- Capítulo I -
A evolução da idéia de natureza:
implicações e perspectivas na modernidade
1.1. Representações do conceito de natureza.
Conhecimento-emancipatório e contrato natural
Na Revolução Científica do século XVI perdura, ainda, o abismo entre ciência e
arte, existente desde os gregos, e a oposição à conquista da natureza pela ciência que
preocupava-se, tão somente, em contemplá-la tal como ela é, sem pretensão de atuar sobre
ela. As técnicas, ao contrário, aperfeiçoam as ferramentas com as quais o ser humano lida
com a natureza para exercer sua prática produtiva.
No naturalismo renascentista, a natureza era compreendida como um imenso
organismo dependente do acaso, cujas leis nada tinham a ver com o destino dos homens.
Nesse período, ela perde suas formas sagradas e seu simbolismo científico e espiritual, pois
os humanistas abandonam a religião e a filosofia e olham a natureza como artistas - poetas,
14
escultores e pintores.
A concepção estóica13
de natureza muito influenciou o Renascimento. Na
revisão das relações entre a arte e a natureza abandona-se a sistematização aristotélica para
regressar a temas animistas e panteístas, em que Deus estava na própria natureza, em sua
beleza viva.
O estado de espírito persistente até o Renascimento é rompido, no século XVII,
com a aproximação da ciência com a arte. Com tal estreitamento, a estrutura da natureza e,
conjuntamente, a estrutura da sociedade sofreram uma remodelação completa, na medida
em que a arte de fabricar transformou-se no protótipo da ciência. O homem redefine seu
conhecimento e assume posturas capazes de nortear atitudes conquistadoras da natureza.
Este século é considerado um marco temporal nas transformações sociais ligadas à
natureza.14
Sob influência do pensamento medieval, Nicolau Copérnico opôs-se à concepção
geocêntrica de Ptolomeu e propôs o Sol como centro do sistema planetário aderindo ao
13
Segundo Paulo Cesar Coelho Abrantes, o estoicismo é conhecido como uma doutrina moral. O adágio que
resume o pensamento filosófico de Zenão de Cítio (334-262 a.C.), fundador desta escola, é “seguir a
natureza”. Os estóicos viam Deus como Razão Absoluta (Lógos), que gera o mundo sem que este seja
radicalmente diferente de si mesmo. Assim, tudo é divino (panteísmo), inclusive a natureza. Esta, sendo
divina, é perfeitamente lógica. Nada nela é gratuito. A matéria é compenetrada por qualidades que garantem
aos elementos da natureza a coesão, a diferenciação e o movimento. O estoicismo retoma o hilozoísmo dos
primeiros filósofos que viam a natureza como um princípio dinâmico, detentor de uma força vital. A divisão
entre mundos sub e supra-lunar é eliminada pelos estóicos através da concepção de um fluido – pneuma –
com propriedades análogas às da mistura de ar e fogo, que penetra todos os corpos, preenchendo os espaços
entre eles. O pneuma constitui uma força integradora e dinamizadora do cosmo. Toda interação se faz por
meio desse fluido ativo. No plenismo estóico há uma tentativa de compatibilizar um determinismo inexorável
– em que não há lugar para o acaso e a espontaneidade – com um finalismo panteísta que percebe a ordem
natural como uma ordem racional, orientada para a perfeição e a unidade do todo. Imagens de natureza,
imagens de ciência. Campinas, SP: Papirus, 1998. (Coleção Papirus ciência), p. 43-52.
14
Sobre o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna a partir da Revolução Científica do século
XVI, desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais com extensão às
ciências sociais no século XIX, ver as considerações tecidas por Boaventura de Souza Santos, op. cit., pp. 55-
117.
15
movimento circular dos planetas – o heliocentrismo. Após o aumento da precisão das
observações astronômicas realizadas por Tycho Brahe e incorporadas por Johannes Kepler,
que as aplicou na formulação das leis do movimento planetário, Galileu Galilei introduziu a
matematização da natureza e a abordagem empírica do mundo conduzidas por critérios
inteiramente novos. Além das descobertas resultantes de suas observações telescópicas
formulou a lei da inércia e estabeleceu as leis da queda livre e do movimento retilíneo
uniformemente acelerado. Ao combinar observação e indução com a dedução matemática
controlada pela experiência, Galileu superou a idéia aristotélica das forças motrizes como
causa de todo o movimento e forneceu a base do desenvolvimento da mecânica newtoniana,
ao enfatizar o movimento uniforme como uma manifestação da inércia e a força como
causa da mudança de movimento.15
A matemática forneceu à ciência moderna um
instrumento de análise, uma lógica de investigação e um modelo de representação da
estrutura da matéria. Desse lugar central, a matemática constituiu a quantificação e a
redução da complexidade como pilares do conhecimento científico.
Simultaneamente, na Inglaterra, Francis Bacon elaborou o novo método de
experimentação científica formulando sua teoria do procedimento indutivo. O progresso da
técnica experimental possibilitou estudos sistematizados sobre a matéria e sua estrutura,
obtendo informações sobre partículas elementares na formação dos átomos, com registros
de seus efeitos isolados.16
15
Simon Blackburn, op. cit., p. 216.
16 Niels Bohr, op. cit., p. 106.
16
Desde então, a ciência moderna baseou-se no estudo detalhado da natureza e no
pressuposto de que só podem ser aceitas afirmações passíveis de experimentação.
O “des-endeusamento” da imagem clássica de natureza e a incorporação da
experimentação sistemática ao elenco de métodos empregados na investigação científica
são alguns fatores condicionantes desta complexa mudança que teve nas importantes
descobertas do século XVI, a base para os trabalhos desenvolvidos, posteriormente, por
Descartes e Newton.
A perspectiva medieval mudou radicalmente com a introdução do procedimento
indutivo, desenvolvido no empirismo baconiano, e do método analítico, fundamentado no
racionalismo cartesiano, quando foi possível à ciência penetrar na técnica e gerar a
tecnologia, postulando a dominação e o controle da natureza e substituindo a noção de um
Universo orgânico, vivo e espiritual pela noção de mundo estruturado como máquina,
desprovido de vida e espiritualidade.
Considerado o fundador da filosofia moderna, Descartes elaborou o método
analítico, que buscava entender a razão para distinguir o verdadeiro do falso pois, em sua
opinião, os raciocínios silogísticos dos escolásticos, em sua estrutura, eram incapazes de
fazer tal distinção. Segundo ele, a razão era a via segura para alcançar o verdadeiro
conhecimento, elevar o espírito ao seu mais alto grau e, conseqüentemente, adquirir
sabedoria.17
Nesta concepção, o ponto de partida não é um princípio ou substância primeira,
17
Oscar Nudler. “Descartes e o campo epistemológico moderno”, in: Descartes: um legado científico e
filosófico/Saul Fulks, organizador, Peter McLaughin... et alii. Rio de Janeiro: Relume Dumará: COPPE, 1997,
p.172-173.
17
mas sim a tentativa de se chegar a um conhecimento fundamental, de forma pragmática e
operacional, abandonando a especulação.
O projeto de Descartes voltava-se para a criação de um campo epistemológico
que fornecesse as bases paradigmáticas da nova ciência em que a representação da matéria
tornava-a objeto exclusivo da ciência matemática.
No Discurso do Método, prefácio ao tratado sobre matemática e física no qual
Descartes introduziu a noção de coordenadas cartesianas, o método de raciocínio
desenvolvido tem por finalidade apontar o caminho para se chegar à verdade científica,
através da dúvida. Ao duvidar radicalmente de tudo o que existe no mundo - do
conhecimento vulgar, das experiências imediatas e até do fato de ter um corpo - conclui que
não pode duvidar da existência de si mesmo como pensador, pois “cogito ergo sum”. Ao
deduzir que a essência da natureza humana reside no pensamento, Descartes subverteu a
relação tradicional sujeito/objeto fornecendo a base epistemológica para o dualismo
ontológico e para outras duas distinções fundamentais: entre o conhecimento científico e o
conhecimento do senso comum e entre a natureza e o ser humano.
O cogito fez com que Descartes privilegiasse a mente em relação à matéria e
levou-o a pensar a diferenciação entre as duas: mundo físico ou “res extensa” encarada
como sendo o oposto do pensamento ou “res cogitans”. A separação entre corpo e mente,
matéria e espírito, encontrada em Platão, tornara-se, agora, total.
18
Charles Taylor, em seu livro Souces of the Self, analisa que, nesta concepção, a
matéria é destituída de qualquer conteúdo psíquico, devendo-se entendê-la como
“desencantada”, isenta de essência espiritual, ou seja, objetivada.18
Para Descartes, a natureza funcionava de acordo com leis mecânicas e tudo no
mundo material podia ser explicado em função da organização e do movimento de suas
partes. Como conseqüência da divisão entre matéria e espírito têm-se animais e plantas
sendo considerados iguais a máquinas, com seu comportamento determinado por causas
materiais. Num prolongamento deste ponto de vista cartesiano, o ser humano é também
percebido como máquina e a mente considerada como sendo determinada, no exercício de
sua função, por princípios que correspondiam às leis da física e da química, surgindo daí a
questão da possibilidade do livre-arbítrio. Embora Descartes frisasse a semelhança entre os
animais e os seres humanos, a estes atribuiu uma alma em interação com o corpo numa
certa glândula cerebral.
Nesta concepção, a ponte entre o pensamento e o mundo físico é sustentada por
Deus (res infinita). Deus era fundamental à esta filosofia científica, pois mente e matéria
eram suas criações. Dessa forma, Descartes não vê conflito entre razão e fé porque a
certeza da existência da Verdade, obtida exclusivamente através da razão, repousa em sua
gênese divina. Por ser alçado acima dos homens e do mundo Ele acaba por aparecer, na
filosofia cartesiana, como um ponto de referência comum, estabelecendo a relação entre o
“Eu” e o mundo.
18
Citado por Oscar Nudler, ibid., p. 177.
19
Entretanto, nos séculos subseqüentes, os cientistas omitiram sua referência a
Deus e desenvolveram teorias de acordo com a divisão cartesiana, as ciências humanas
concentrando-se na res cogitans e as naturais, na res extensa.
A excessiva ênfase ao método analítico levou à fragmentação do pensamento
humano e à crença de que todos os fenômenos complexos podem ser compreendidos se
reduzidos às suas partes constituintes. A antiga filosofia grega tentara achar uma ordem na
diversidade de coisas e fenômenos, pela procura de um princípio fundamental de
unificação. Em Descartes, esta ordem foi estabelecida por meio de uma divisão
fundamental.
Para o racionalismo cartesiano, a natureza funcionava de acordo com leis
mecânicas e tudo no mundo material podia ser explicado em função da organização e do
movimento de suas partes. Ao dar ao pensamento científico sua estrutura geral - a
concepção da natureza como uma máquina, governada por leis matemáticas perfeitas, sua
filosofia abre caminhos para conhecer e transformar a natureza, rompendo com os tabus
arraigados das crenças medievais. Esse quadro mecânico da natureza tornou-se o paradigma
dominante da ciência no período que se seguiu a ele e teve como um dos efeitos sobre o
pensamento ocidental, o pressuposto de que o mundo pode ser descrito sem que se faça
qualquer menção a Deus ou ao próprio ser humano.
É oportuno salientar que, inicialmente, não se pretendeu arrebatar a Natureza a
Deus. O homem seria o dirigente do plano de Deus no mundo, ou seja, através da ciência os
seres humanos tornar-se-iam aptos a compreender a obra criadora, entrever o segredo
divino e buscar a salvação ao imitar o Engenheiro Divino na criação. “O homem entra na
20
natureza como no que lhe pertence, certo de aí encontrar a sua ventura”.19
À desvalorização
da natureza contrapõe-se a exaltação do homem. Ao libertar-se das equivocadas virtudes do
Renascimento, o ser humano encontra o seu destino no pensamento e, através do
pensamento, em Deus. Eis o sentido profundo do dualismo cartesiano, da metafísica
cartesiana do cogito, fundamento da teologia de Descartes.
No mundo moderno, as leis da ciência pressupõem um tipo de causa formal que
privilegia o mecanismo de funcionamento das coisas em detrimento do agente ou da
finalidade. A descoberta das leis da natureza repousa num conceito de causalidade extraído
da física Aristotélica que distingue a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a
causa final. Na hierarquia de importância do valor de cada causa, a causa final corresponde
ao senhor ou ao cidadão que é o motivo pelo qual alguma coisa existe. A causa final está
vinculada a idéia de uso ou ao desejo do senhor. O trabalho aparece como inferior, mero
instrumento.20
Nos séculos XVII e XVIII, o sentido do termo “causa” surge como ação,
operação, ignorando a intenção, o que faculta o rompimento do conhecimento do senso
comum e possibilita a instauração do conhecimento científico, podendo este prever o
comportamento futuro dos fenômenos e interferir e manipular o real.
A física mecânica, newtoniana, vê a natureza como um sistema de relações de
causa e efeito em que não há causa final.
Nos Principia, Newton construiu um “sistema fechado” em que um conjunto de
definições e axiomas são inter-relacionados, dando lugar a uma descrição matemática da
19
Robert Lenoble, op. cit., p. 263
20
Marilena Chaui. O que é ideologia, 30ª ed., Rio de Janeiro: Brasiliense, 1989, p. 11.
21
natureza, cuja estrutura eterna independe do espaço e do tempo e na qual inexistem
contradições.21
Newton, ainda no século XVII, complementou a revolução científica
introduzindo a combinação apropriada dos métodos que orientavam a ciência seiscentista –
o método empírico, indutivo, representado por Bacon e o método racional, dedutivo,
representado por Descartes – e inaugurou, com a mecânica e a gravitação, um novo
paradigma na ciência física que, apesar de ter sofrido uma redução de limites no século XX
com as revoluções da mecânica quântica e da relatividade, é mantido válido no limite
macroscópico normal da experiência cotidiana.22
Na mecânica newtoniana, todos os fenômenos físicos estão reduzidos ao
movimento de partículas materiais, causado por uma atração mútua, ou seja, pela força da
gravidade. O efeito dessa força sobre uma partícula ou qualquer outro objeto material é
descrito matematicamente pelas equações do movimento, as quais formam a base da
mecânica clássica. Leis fixas foram estabelecidas de acordo com as quais os objetos
materiais se moviam e acreditava-se que elas explicavam todas as mudanças observadas no
mundo físico.
Para o mecanicismo só há uma natureza, uniforme e redutível, em última
instância, à matéria e ao movimento. As naturezas ou essências específicas deixam de
existir passando-se a admitir somente a atuação de causas mecânicas, eficientes, externas
como determinantes de todo processo ou evento.
21
Werner Heisenberg, Física e Filosofia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 4ª ed. Edições
Humanidades, 1998, p. 134.
22
Luiz Pinguelli Rosa. “Newton em confronto com Aristóteles e Leibniz”. In: 300 Anos dos “Principia” de
Newton. NUSSENZVEIG, Moysés et alii. Rio de Janeiro: COPPE/DAZIBAO, 1999, p. 45.
22
Seu trabalho exerceu enorme influência no desenvolvimento da ciência natural,
nos séculos que o sucederam, por definir os conceitos dessa ciência em suas inter-relações.
Para Einstein, uma de suas maiores realizações intelectuais foi a concepção da lei
diferencial como fundamento da evolução dinâmica, base de toda a ciência atual.23
Na física newtoniana, a lei dinâmica era o elemento básico e não uma
configuração ou uma forma geométrica.
A ciência moderna, na tentativa de estabelecer uma comunicação com a natureza
a fim de decifrar o segredo de suas estabilidades e dos acontecimentos raros que pontuam
seu curso, constitui-se como prática original a partir do diálogo experimental que remete a
duas dimensões alicerçadoras das relações homem-natureza: compreender e modificar. Tal
postura exige uma interação da teoria e da manipulação prática, que implica uma verdadeira
estratégia. Segundo Prigogine,
“o procedimento experimental define o conjunto dos diálogos com a
natureza, tentados pela ciência moderna; ele fundamenta a
originalidade desta ciência, suas especificidades e seus limites.
Claro que é uma natureza simplificada, preparada, às vezes,
mutilada em função da hipótese preliminar que a experimentação
interroga; isso não impede que, em geral, conserve os meios de
desmentir a maior parte das hipóteses”.24
23
Moisés Nussenzveig, op. cit., p. 21.
24
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers. A nova aliança: metamorfose da ciência. 3a ed., Brasília: Editora
Universidade de Brasília,1997, p. 31.
23
A partir de então, o determinismo interno dos processos naturais e o apelo às
causas finais, preconizados pelo aristotelismo, são rejeitados como anticientíficos e
obscurantistas e o homem passa, por meio de seus artefatos, a atuar como mais uma causa
eficiente e externa na produção de efeitos que se constituem inseparáveis dos efeitos
naturais.
A idéia de que a natureza é uma coisa viva e, tal como o mundo, possuía alma,
foi abandonada neste século quando, paulatinamente, o divino desapareceu da visão
científica do mundo, deixando um vácuo espiritual, característico da cultura moderna.
Com a mecânica clássica, a natureza é vista como um conjunto de coisas que não
tem nenhuma finalidade ou intenção, sendo a descrição do curso dos acontecimentos
compreendida como uma conseqüência automática das condições iniciais dadas.25
A cosmologia inclina-se para a “racionalização da ordem”, ou seja, para um
Universo incriado, auto-suficiente, que se auto-conserva infinitamente. Esta visão de
mundo postula um Universo frio, centrado, de movimentos mecânicos, de medida e de
equilíbrio. Um relógio perfeitamente regulado que controla o tempo. Um Universo
coisificado onde tudo o que existe participa de uma substância eterna. Este Universo
racional instala-se nos conceitos do determinismo, da lei e do ser.26
Nesta concepção Deus criou, no princípio, as partículas materiais, as forças entre
elas e as leis fundamentais do movimento. Todo o Universo foi posto em movimento desse
25
Niels Bohr, Física atômica e conhecimento humano: ensaios 1932-1957, Rio de Janeiro: Contraponto,
1995, p. 120.
26
Edgar Morin, op. cit., 1977, p. 63.
24
modo e continuou funcionando, desde então, como uma máquina, governado por leis
imutáveis. A concepção mecanicista da natureza relaciona-se a um rigoroso determinismo,
em que a gigantesca máquina cósmica é completamente causal e determinada.
O problema da causa e efeito teve um amplo esclarecimento com os princípios da
mecânica newtoniana, que permitiram a previsão posterior, em qualquer ocasião, do estado
de um sistema físico, a partir da definição por quantidades mensuráveis, do seu estado num
dado instante anterior. Segundo Bohr,27
esse tipo de explicação determinista ou causal
passou a ser o ideal da explicação científica em todos os campos do conhecimento,
independentemente da maneira como esse conhecimento era obtido, e revelou a
necessidade de uma consideração mais rigorosa do problema da descrição objetiva da
experiência.
Com o firme estabelecimento da visão mecanicista do mundo, no século XVIII, a
física tornou-se a base de todas as ciências e os princípios da mecânica newtoniana foram
aplicados às ciências da natureza e, pouco a pouco, às sociedades humanas constituindo-se
como um dos alicerces da idéia de progresso influenciando, sobremaneira, o pensamento da
burguesia emergente.
A partir de então, cristalizou-se a idéia de que a natureza é uma máquina e a
ciência é a técnica de exploração dessa máquina. Mas, por que a matematização não se
limitou ao funcionamento das máquinas? Por que os movimentos naturais foram
concebidos à imagem da máquina racionalizada? Colocando esta mesma questão à
propósito do relógio, que constitui um dos trunfos do artesanato medieval e, muito
27
Op. cit., p. 87.
25
rapidamente, passou a ritmar a vida das primeiras comunidades medievais, pergunta-se: por
que este instrumento tornou-se quase imediatamente o próprio símbolo da ordem do
mundo? A associação intelectiva deveu-se por ser o relógio um mecanismo “construído”,
sujeito a uma racionalidade que lhe é exterior, a um plano que suas engrenagens executam
de forma cega. O mundo relógio constitui uma metáfora que remete ao Deus-relojoeiro,
ordenador racional de uma natureza autômata.
Para os pensadores modernos, conhecer é fabricar. Moraes28
explicita o processo
de dominação do homem sobre a natureza, através da aplicação dos conhecimentos técnico-
científicos à indústria, como a base da Revolução Industrial e das transformações que
deram origem a automatização do trabalho humano, a modificação do mundo e da própria
ciência.
A aplicação das leis mecânicas na biologia, com a descrição anatômica de
Vesalius e a descoberta da circulação sangüínea por William Harvey, corroborou a
comparação entre os organismos vivos e as máquinas, sugerindo a aplicação do método
mecanicista na explicação de outras funções somáticas, tais como a digestão e o
metabolismo. Entretanto, o desconhecimento dos processos químicos impossibilitou tal
explicação que só veio ocorrer, ainda neste século, com Antoine Lavoisier, ao demonstrar a
importância dos processos químicos para o funcionamento dos organismos vivos, através
da descrição da respiração como oxidação.
A idéia de que, graças a experimentação, o homem pode isolar certos fenômenos
da Natureza, a fim de estudá-los em detalhes e descobrir qual a lei permanente da mudança
28
Maria Cândida Moraes. O paradigma educacional emergente. Campinas, S.P: Papirus, 1997, p. 39.
26
contínua predominou, também no século XVIII, e deu um passo importante em direção ao
entendimento da estrutura da matéria, com a introdução do conceito de elemento químico,
substância que não se decompunha pelos meios ao alcance do químico como, por exemplo,
a combustão, a ebulição, a dissolução, etc. No rastro do estabelecimento de uma certa
ordem entre os diversos fenômenos químicos, provenientes da redução das substâncias a
um número relativamente pequeno de substâncias fundamentais – os “elementos”, chegou-
se à palavra “átomo” para designar a menor unidade da matéria pertencente ao elemento
químico, descrevendo-se um composto químico como um pequeno aglomerado de
pequenos átomos.
Quase da mesma importância foi a descoberta da conservação da massa nas
reações químicas, que proporcionou o entendimento de que a matéria, independentemente
de suas propriedades químicas, pode ser medida por sua massa.29
Todas essas idéias sancionaram o pressuposto de que o mundo natural deveria ser
dominado pelo ser humano e, assim, o meio ambiente passou a ser utilizado como se os
recursos naturais fossem infinitos e inesgotáveis.
Neste século aparece, de forma retardada, o temor de uma ciência que exclui
Deus a partir de sua separação da natureza. Retardada porque Descartes, no século XVII, já
havia se angustiado com esta questão, tendo alertado os homens de seu tempo sobre o fato
de que o conhecimento que se tem da natureza física depende do espírito e que a base da
física é a metafísica. Sua preocupação torna-se pertinente no momento em que a natureza
mecanizada deixa de ser uma mãe nutridora e transforma-se em um instrumento, uma
29
Werner Heisenberg, op. cit., p. 209.
27
simples possibilidade de exploração técnica, em breve maximizada pela indústria nascente.
Nesse sentido, o historiador de filosofia Koyré conclui, no seu estudo sobre o alcance da
síntese newtoniana, que
“há qualquer coisa de que Newton deve ser tido como responsável,
ou melhor dizendo, não somente Newton, mas a ciência moderna
em geral: é a divisão do nosso mundo em dois. Disse eu que a
ciência moderna tinha derrubado as barreiras que separavam os
Céus e a Terra, que une e unificou o Universo. Isso é verdade. Mas,
disse-o também, ela fê-lo substituindo nosso mundo de qualidades e
percepções sensíveis, mundo no qual vivemos, amamos e
morremos, por um outro mundo: o da quantidade, da geometria
deificada, no qual há lugar para tudo menos para o homem. Assim,
o mundo da ciência – o mundo real – se afastou e se separou
inteiramente do mundo da vida, que a ciência foi incapaz de
explicar – mesmo com uma explicação dissolvente que lhe desse
uma aparência “subjetiva”.
Na realidade, esses dois mundos estão sempre – e cada vez mais
– unidos pela práxis. Mas, teoricamente, estão separados por um
abismo.
É nisso que consiste a tragédia do espírito moderno que
desvendou o enigma do Universo, mas apenas para substituí-lo por
um outro: o enigma de si próprio”.30
Nesta ótica, o desenvolvimento científico coloca o ser humano diante da escolha
entre a tentação, tranqüilizante e irracional, de buscar na natureza a garantia dos valores
humanos, a manifestação de uma dependência essencial e a fidelidade a uma racionalidade
que o deixa só num mundo mudo e estúpido.31
Segundo o positivismo oitocentista, todos os princípios que dominavam o estudo
da natureza desde o século XVI podiam ser aplicados ao estudo da sociedade e, com base
no pensamento newtoniano, as ciências sociais reivindicavam este estatuto epistemológico-
30
Citado por Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, op. cit., p. 24-25.
31
Ibid., p. 22.
28
metodológico. Em fins do século XVIII acentua-se a tendência de se pensar a natureza em
oposição ao ser humano como concepção adequada aos interesses da burguesia, que via a
possibilidade de descobrir as leis da sociedade tal como havia sido possível descobrir as leis
da natureza. A esta distinção sobrepõem-se outras, nos séculos seguintes, tais como a
distinção natureza/cultura e a distinção ser humano/animal.32
Nesse sentido, Keith Thomas33
reflete sobre o processo de desvalorização dos
animais selvagens e das florestas virgens, ocorrido na Inglaterra e no País de Gales, e que
mais tarde se repetirá em outros lugares da Europa e em países de colonização européia,
como símbolo do triunfo da civilização porque se acreditava que o progresso da
humanidade dava-se da floresta para o campo e, especialmente, para as cidades.
Neste contexto, as florestas virgens eram consideradas terríveis, sombrias,
selvagens, desertas, agrestes, melancólicas, desabitadas e assoladas por feras. Em
conseqüência, eram lar de animais e não de homens e estes, quando as habitavam,
caracterizados como incivilizados, bárbaros e rudes. O contraste dos habitantes “civis e
racionais” das cidades com os moradores “irracionais e ignorantes”, apregoado, expressa a
estética “anti-ambientalista”, que emerge do processo de expansão do industrialismo e do
capitalismo.
Embora o predomínio do ser humano sobre a natureza seja marca civilizatória da
época moderna, no início do século XIX esse objetivo passa a ser contestado à medida que
32
Boaventura de Souza Santos, op. cit., p. 65-67.
33
“O Dilema Humano”. In: O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia da Letras, 1989, p.232-233.
29
surgem dúvidas sobre o seu lugar na natureza e sobre o caráter do seu relacionamento com
outras espécies.
Nesse sentido, o movimento romântico na arte, na literatura e na filosofia
caracteriza-se como forte oposição ao paradigma cartesiano mecanicista, retornando à
tradição aristotélica, concentrando-se na natureza de forma orgânica.
Nesta linha de pensamento, Goethe antecipa-se à noção sistêmica da natureza,
concebendo a forma como um padrão de relações dentro de um todo organizado.
Também Kant, em sua filosofia idealista, considerou o entendimento da forma
orgânica para explicar a natureza como sendo dotada de propósito, numa percepção de que
há áreas do conhecimento, como a compreensão da vida, nas quais as explicações
mecânicas científicas são inadequadas. Importante contribuição legou Kant à
posterioridade, ao discutir a natureza dos organismos vivos, em sua Crítica do Juízo. Seu
argumento de que os organismos são totalidades auto-reprodutoras e auto-organizadoras
postulava-os contrariamente às máquinas e aproximava as idéias kantianas de algumas
importantes concepções contemporâneas.34
As preocupações com o problema da forma biológica tiveram destaque neste
século XIX e notáveis avanços ocorreram na biologia, com o aperfeiçoamento do
microscópio, alicerçando-a na física e na química, através do desenvolvimento da
formulação da teoria das células, da embriologia, da microbiologia e das leis da
hereditariedade, levando os cientistas a renovarem seus esforços na busca de explicações
físico-químicas da vida.
34
Fritjof Capra. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996, p. 36.
30
Os estudos da história natural contribuíram para a diminuição do
antropocentrismo e para a emersão de valores e atitudes defensivas e protetoras do meio
ambiente. Com o crescimento das cidades surge um novo anseio pelo campo. O progresso
da lavoura promove um gosto pela natureza não dominada. A segurança diante dos animais
selvagens produziu um empenho em protegê-los em seu estado natural e um novo
sentimento de contemplação e estimação em relação aos animais e as plantas surge, a partir
do isolamento urbano.35
Essa nova sensibilidade levou à noção de que o campo bom é o campo
agricultável e que o seu cultivo deve ocorrer com a regularidade de linhas retas,
entendendo-se aí a ordem humana sobre o mundo natural desordenado. Na ordem estava a
essência da beleza e esta foi a maneira de indicar a separação entre Natur e Kultur que, no
século XIX teve, no idealismo e no romantismo alemães, seu distanciamento mais
profundo.
Por muito tempo julgou-se que o arcabouço conceitual característico da física
clássica proporcionava o instrumento correto para a descrição de todos os fenômenos
físicos, e até mesmo que ele se adequava à utilização e ao desenvolvimento das idéias
atômicas.
Essas idéias, que muitas transformações sofreram nos diversos sistemas
filosóficos, com adoção de diferentes acepções sobre a matéria tiveram, no dualismo entre
força e matéria estabelecido na ciência natural no século XIX, uma importância
fundamental na análise da estrutura da matéria e das forças responsáveis por essa estrutura.
35
Keith Thomas, op. cit., p. 236.
31
Numa tentativa de avançar no delineamento da formulação do conceito de átomo,
legado pela filosofia grega ao mundo moderno, tem-se uma correspondência, na física, com
as chamadas partículas elementares.
Usualmente, ao pretenderem definir uma partícula elementar, os físicos fazem a
identificação dessas unidades menores correspondendo-as aos prótons, nêutrons, elétrons e
mésons.
Entretanto, a apresentação de um nêutron ora como onda, ora como partícula, ou
as duas coisas simultaneamente, postula uma imprecisão conceitual que configura essa
partícula elementar como uma entidade bem mais abstrata do que o átomo dos antigos
gregos na medida em que, despojada de atributos como os conceitos de geometria e
cinemática, forma e movimentos espaciais mantidos por Demócrito para os átomos, ela tem
uma função de probabilidade que diz respeito à possibilidade de “ser” ou uma tendência
para “ser”.
Com o estabelecimento do princípio quântico da indeterminação, Heisenberg36
demonstrou, em 1927, que as imutáveis e previsíveis leis da natureza não se aplicam na
esfera do infinitamente pequeno, pois é impossível observar os eventos do mundo
subatômico submetidos que estão, seja velocidade e posição, momento e energia, por
exemplo, a resultados que permanecem no limite da incerteza.
Na concepção da Escola de Copenhague, a natureza guarda segredos
impenetráveis à razão humana e, para Heisenberg, uma limitação à essa compreensão
refere-se aos conhecimentos sobre os movimentos de uma partícula.
36
Op. cit., pp. 205-230.
32
Nesse sentido, um desafio científico e também um problema filosófico é
colocado pelo salto quântico dado por um elétron, quando o átomo é atingido por um fóton
– que é um quantum – obrigando-o a passar instantaneamente de uma órbita inferior para
uma superior, o que o elétron faz sem atravessar o espaço intermediário.
Na concepção da física moderna essas partículas têm massa. Como massa e
energia são conceitos semelhantes na teoria da relatividade, as partículas elementares
consistem de energia, podendo ser esta a “substância primordial” do Universo, na medida
que contém sua conservação.
Heisenberg assinalou que, ao interpretar fogo como energia, a física moderna
aproxima-se da concepção heraclitiana pois, energia é aquilo que se move e pode ser
considerada como causa primeira de toda mudança, transmutando-se, inclusive, em matéria,
calor e luz. Analogamente, o conflito entre os opostos, preconizado por Heráclito, encontra-
se no choque entre formas diversas de energia.
Ainda hoje, a interpretação probabilística da mecânica quântica não é acolhida
sem interrogações, questionando-se, inclusive, se a incerteza quântica não depende da
qualidade técnica dos equipamentos utilizados na observação do mundo subatômico.
Para Niels Bohr,37
no mundo quântico, a natureza apresenta-se dual e dialógica.
Dual na perspectiva de interação de complementaridade, e não dualista, no sentido
platônico. Essa aparente dualidade apresentada pela matéria, no interior do átomo,
manifesta-se em seu comportamento ora como partícula, com trajetória bem definida, ora
como onda, interagindo sobre si mesma.
37
Op. cit., pp. 247-248.
33
Postulando a complementaridade entre onda e partícula, energia e matéria, Bohr
refuta o dogma da neutralidade científica ao entender que há uma interrelação entre
observador e observado, uma conexão entre a consciência do observador sobre a natureza e
a natureza propriamente dita.
Sobre o princípio da indeterminação ergue-se a visão ecológica do Universo onde
se destaca uma íntima e indestrutível conexão entre consciência e realidade.
Este princípio revolucionou a percepção que o homem tem da natureza e da
história, na medida em que essa incerteza quântica, além do mundo subatômico, se faz
também presente no Universo, através do livre-arbítrio de que são dotados os seres
humanos. Ao aplicar o princípio de indeterminação ao sujeito histórico, Frei Betto38
realça
a necessidade do homem abandonar os velhos esquemas deterministas e buscar sua
interrelação com a natureza e com seus semelhantes.
A abordagem dos ecossistemas de forma cíclica, integrada e complexa, a partir de
uma visão dos sistemas como redes dinâmicas, auto-organizativas e imprevisíveis só foi
considerada no século XX, embora ainda não seja referência efetiva nos meios
acadêmicos.
38
“Indeterminação e complementaridade”. In: Ensaios de complexidade/coordenação de Gustavo de Castro et
alii. Porto Alegre: Sulina, 1997, p. 49.
34
Uma importante inovação teórica que propiciou uma profunda reflexão
epistemológica sobre o conhecimento científico, neste século, deu-se com as investigações
do físico-químico Ilya Prigogine e seu conceito de estruturas dissipativas.39
Para
Boaventura de Souza Santos,
“a teoria das estruturas dissipativas e o princípio da ‘ordem através
de flutuações’ estabelecem que, em sistemas abertos, ou seja, em
sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução se
explica por flutuações de energia que em determinados momentos,
nunca inteiramente previsíveis, desencadeiam espontaneamente
reacções que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o
sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o
conduzem a um novo estado macroscópico. Esta transformação
irreversível e termodinâmica é o resultado da interacção de
processos microscópicos segundo uma lógica de auto-organização
numa situação de não-equilíbrio”.40
Em outras palavras, a termodinâmica de Prigogine demonstra que certas
condições de instabilidade possibilitam não apenas desordens e turbulências, mas formas
organizadoras que se geram e se auto-regeneram.
Prigogine postula uma situação crítica em que o sistema pode ser atraído para um
novo estado de entropia quando conduzido por uma flutuação energética e, dessa forma,
inclui conceitos aristotélicos de potencialidade e virtualidade em sua concepção de matéria
e de natureza que pressupõe que
“em vez da eternidade, temos a história; em vez do determinismo, a
imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a
espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a
39
Maiores considerações sobre a Teoria das Estruturas Dissipativas ver O fim das certezas: tempo, caos e as
leis da natureza. São Paulo: EDUSP, 1996 e a Nova Aliança, op. cit., 1997. Ver, ainda, o cap. 8 da obra A teia
da vida, de Fritjof Capra, op. cit., 1996.
40
Op. cit., p. 70.
35
irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em
vez da necessidade, a criatividade e o acidente”.41
O pensamento de que tudo o que existe no mundo é cognoscível e manipulável
através da ciência tem levado a humanidade a uma crise civilizacional entendida como o
desequilíbrio de “toda trama de relações mediante a qual os homens tecem sua inserção no
real”.42
A crença na ilimitada capacidade técnica dos homens na resolução dos problemas
que se apresentam com freqüência cada vez maior a todo o conjunto da sociedade
planetária vai perdendo força, nas últimas décadas do século XX, e revigora-se o caráter
reestruturador dos valores que norteiam as práticas antropológicas em relação ao Cosmos,
trazendo a consciência da necessidade de se superar criativamente o paradigma da
modernidade, a partir de uma mudança na compreensão da dinâmica do sistema complexo e
profundamente interrelacionado em que tudo e todos estão inseridos.
Os parâmetros racionalistas e deterministas sustentados pela ciência moderna
divorciaram corpo e espírito, compartimentaram e isolaram os conhecimentos e fizeram
com que a humanidade se concebesse de forma insular, fora do cosmo que a cerca e da
matéria física com que se constitui.43
41
Ibid., pp. 70-71.
42
Nancy Mangabeira Unger. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. São Paulo: Loyola,
1991, p. 64.
43
Edgar Morin e Anne Brigitte Kern, Terra - Pátria, Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 48.
36
A separação entre o nível biológico e o nível da cultura humana aguçou a
disparidade entre o desenvolvimento científico e tecnológico e o atraso em termos de
sabedoria, espiritualidade e ética.44
O desafio para se conciliar o modo de desenvolvimento com a sustentabilidade
sócio-ambiental cresce diante da incapacidade do sistema capitalista vislumbrar formas
alternativas de interação do ser humano com o meio ambiente, na perspectiva de elaborar
processos de produção e transmissão do conhecimento a partir de princípios cooperativos,
críticos, criativos e em defesa dos excluídos, e não pautados privilegiadamente no
conhecimento científico e objetivo, postulante dos comportamentos competitivos e de auto-
afirmação individual, entronizados como sucesso na sociedade contemporânea.
Na busca de estabelecer um controle e dominação sobre a natureza, sobre os
outros homens e sobre os ritmos da vida, o ser humano perdeu uma dimensão essencial da
experiência humana – a noção de quem é e qual o seu lugar no todo.
A crise civilizacional, vivenciada nesse momento histórico pela humanidade,
pressupõe a transição paradigmática da ciência moderna para o “conhecimento prudente
para uma vida decente”45
e a transformação da sociedade patriarcal, assente na produção
capitalista, no consumismo individualista mercadorizado, na democracia autoritária, no
desenvolvimento global, desigual e excludente para a proliferação de comunidades
interpretativo-políticas que Boaventura de Souza Santos entende como “neo-comunidades,
44
M. L. Pelizzoli. A emergência do paradigma ecológico: reflexões ético-filosóficas para o século XXI.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 64.
45 Expressão cunhada por Boaventura de Souza Santos para denominar conhecimento emancipação. Op. cit.,
p. 107
37
territorialidades locais-globais e temporalidades imediatas-diferidas que englobam o
conhecimento e a vida, a interação e o trabalho, o consenso e o conflito, a
intersubjetividade e a dominação”.46
A idéia de transição paradigmática da ciência moderna para um novo
conhecimento, denominado por Santos de conhecimento-emancipatório, postula uma
reinvenção da comunidade através de um conhecimento capaz de habilitar seus membros a
constituírem a solidariedade pelo exercício de novas práticas sociais que conduzirão a
novas formas de cidadania individual e coletiva.
Ao entender que o livro moderno da natureza, escrito segundo os princípios do
mercado e do Estado, utilizando a linguagem da racionalidade cognitivo-instrumental sob a
égide do conhecimento regulação,47
cujo avanço dá-se do caos para a ordem, sendo esta
imposta tanto às ciências sociais quanto às ciências naturais, reduziu, sobremaneira, as
possibilidades de libertação individual e coletiva, Boaventura supõe que a reconstrução de
uma nova forma de saber-conhecimento-emancipação, conhecimento local criado e
disseminado através do discurso argumentativo, deve incorporar o princípio da
comunidade. Para Santos, dentre os princípios da regulação – mercado, Estado e
comunidade – este último foi o mais negligenciado nos duzentos anos passados e,
exatamente por isso, o menos obstruído por determinações sendo, assim, o mais propício
para instaurar uma dialética com o princípio da emancipação, tendo em vista suas
dimensões fundamentais: a participação (dimensão política) e a solidariedade (dimensão
46
Ibid., p.95.
47
Sobre as duas principais formas do conhecimento da modernidade: conhecimento-regulação e
conhecimento-emancipação ver Boaventura de Souza Santos (2000), pp. 50; 78-81.
38
ética). A estas pode-se acrescentar a racionalidade estético-expressiva (o prazer, a autoria e
a artefactualidade discursiva) na construção do senso comum solidário.
A formulação de relações a partir da unidade fundamental do todo, numa
percepção de integração do ser humano ao conjunto dos seres, visando a elaboração de um
acordo do ser humano com a natureza, onde vigore cordialidade e respeito não pressupõe o
distanciamento do real para depois aproximar-se dele para dominá-lo, mas uma
reconciliação do ser humano com o Universo, na medida em que é capaz de resgatar o
senso do sagrado em sua revelação no real, na medida em que é capaz de perceber a
Unidade fundamental de tudo o que existe.
Nesta percepção, o âmbito espiritual ou religioso perpassa o ser humano no
instante em que o indivíduo sente, concebe e entende o espírito humano em conexão com o
Cosmos.
Nesse aprofundamento do caminho que elucida a oportunidade de
estabelecimento de um elo capaz de re-ligar a humanidade à natureza através do amor situa-
se a proposta de Michel Serres, em sua obra O contrato natural.48
Neste estudo, o autor propõe um repensar sobre o direito natural do contrato
social, pacto da instituição das sociedades, em função de um novo contrato natural, capaz
de considerar o ponto de vista do mundo, no conjunto das relações sociedade-natureza.
Ultrapassa os limites do local e do presente, ressaltando uma pressuposição de que a
natureza é algo vivo e um sujeito de direito, que interage.
48
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
39
Sua tese, de cunho biocêntrico, pressupõe a natureza como um sujeito que se
conduz segundo o conjunto de condições – de crescimento ou de extinção – colocado pela
própria natureza humana, havendo um condicionamento recíproco entre ambas – natureza
humana e natureza.49
Em suas considerações, Serres denuncia a violência (poluição material, técnica e
industrial) infligida à Terra na construção da civilização antropocêntrica-tecnológica, que
considera o contrato social como instrumento de organização de todos os homens contra o
inimigo estabelecido – a natureza. Esta guerra, declarada e instituída por seu estatuto de
direito,50
estimulou o domínio e a posse, objetificando a natureza na relação homem-
mundo, quando a razão partiu para a conquista do Universo, na era técnico-científica
despertada por Descartes.
Quanto a esta depredação da paisagem natural, conseqüência da ação humana,
Serres salienta ter se chegado a um ponto de acumulação, a uma fronteira que requer uma
mudança global, uma resposta da natureza, vislumbrada hoje na possibilidade de obstrução
da vida humana.
Ao analisar o lugar do homem no mundo, o autor ressalta que sua violência é
menos resultado de uma ação individual do que de uma densa massa humana. Evidencia
que, em tempos de integração à terra através de atividades produtivas agrícolas, o sujeito
desaparecia, dando lugar a uma imersão no estar-no-mundo, a uma ligação um-com-outro,
que enunciava um “nós”, escutava a linguagem do ser e do tempo e ouvia o anjo que
49
Ibid., p. 49.
50 Ibid., p. 23.
40
passava anunciando o “horário do verbo”.51
No dizer de Serres, nada de mais ou de menos
do que as convencionais filosofias campesinas, nobres e dignas, porque compreensivas.
Hoje, sua existência em conjunto, reunindo-se pelo contrato social, enclausura-o
em espaços citadinos fechados, provocando uma perda do mundo na medida em que encara
o essencial como “o que aconteceu do lado de dentro, em palavras, jamais com as coisas”,52
transformando-o num “grande animal” que aumentado em tamanho, é reduzido em
pensamento.
Vivendo como animais coletivos, os homens desindividualizam-se no processo
de globalização contemporânea.53
Ao apontar a política como confirmação de uma cultura que perdeu o mundo e
erradicou a memória do longo prazo, das tradições milenares, das experiências acumuladas
pelas culturas, Serres situa o homem no tempo reduzido ao instante que passa, no prazo
imediato do qual se tira o essencial do poder de cada um, salientando ser este o tempo da
destruição, pois a construção exige o longo e o lento processo, inclusive da formação ético-
cultural.54
Na perspectiva de refutar a idéia que coloca o homem como senhor da natureza,
a fim de que a humanidade consiga fazer a simbiose e não morrer, na encruzilhada em que
51
Ibid., p. 28.
52
Ibid., p. 41.
53
Ibid., p. 29.
54
Ibid., p. 42-43.
41
se encontra, Serres propõe uma relação de comunhão e de amor com o Outro e com a
Natureza na busca da recuperação dos elos que prendiam o homem ao mundo e ao tempo e
que foram perdidos nos contratos sociais, a fim de resgatar a visão espiritual, capaz de
efetivar o novo contrato natural.55
Objetivando aclarar o processo de transição paradigmática em curso, a análise
dos valores ensejados pela modernidade constitui importante subsídio para esta
compreensão.
1.2. Modernidade e reificação
A modernidade56
caracterizou-se por estilos de vida que desvencilharam os
homens de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira nunca vista
anteriormente. A transformação acelerada da paisagem européia e, posteriormente, de todo
o planeta é percebida por inúmeros fenômenos que configuraram uma situação particular
nas formações sociais, inicialmente no século XVI57
com a sedimentação do sistema
55
Ibid., p. 141.
56 Marshall Berman chama “modernidade a um conjunto de experiências vitais, compartilhado por homens e
mulheres, de espaço e tempo, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida, registradas ao
longo dos últimos quinhentos anos, que despejou a todos num turbilhão de permanente desintegração e
mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura
da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p. 15.
57
Krisham Kumar enfatiza a importância do capitalismo comercial no século XVI no processo de gestação e
nascimento da modernidade. Para este autor, a modernidade relaciona-se mais estreitamente com o
capitalismo do que propriamente com o industrialismo. Esse fato deve-se às formas de vida econômica que
começam a transformar-se na segunda metade dos anos de 1500. Maiores considerações ver Da sociedade
pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1997, p. 94.
42
capitalista comercial e, primordialmente, nos séculos XVII e XVIII58
quando é conformada
por descobertas físicas que mudaram a visão de homem e de mundo; por uma enorme
concentração de populações em centros urbanos; pelo crescimento exorbitante da
produtividade manufatureira e, mais tarde industrial, geradora de riqueza concentrada em
contraste com o aumento da pobreza; pelo desenvolvimento das “forças de produção”, com
cristalização de duas classes sociais antagônicas – burguesia e operariado – em luta
constante; pela presença de Estados nacionais burocráticos cada vez mais fortes e de
conglomerados multinacionais de capital; por um mercado mundial, em crescente
expansão, destruidor dos mercados locais e regionais; por movimentos sociais organizados;
por meios de comunicação de massa integradores de espaços distantes, em tempos curtos;
pela valorização da razão humana em detrimento da religião; por sujeitos sociais
respeitados como indivíduos (e não mais referendados através de linhagens, famílias ou
clãs); pelo pertencimento social dado pela origem nacional; por desejos e reivindicações
ampliados de revolução permanente, de desenvolvimento infinito, de constante criação e
renovação em todas as esferas da vida. Essa avalanche de eventos, aparentemente fora do
controle da humanidade, demanda um olhar sobre a natureza da própria modernidade que,
na era atual, tem socializado e radicalizado conseqüências anunciadoras de uma diferente e
nova ordem social.
Segundo Giddens,59
a primeira característica que permite identificar as
58
Torna-se imperioso salientar que a história da modernidade desenvolve-se desde o século XVI, ainda de
forma embrionária, com os sujeitos históricos apenas começando a experimentar a vida moderna.
59Anthony Giddens. As conseqüências da modernidade, São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista,
1991. – (biblioteca básica), p. 15.
43
descontinuidades,60
que separam as instituições sociais modernas das ordens sociais
tradicionais, é o ritmo de mudança posto em movimento por esse novo momento histórico.
Uma segunda descontinuidade, enunciada por Giddens, diz respeito às ondas de
transformação social que penetram as diferentes áreas interconectadas do planeta. Esse
escopo de mudança é identificado por Berman61
nos escritos dialéticos de Marx e Engels no
Manifesto Comunista,62
enunciador da dinâmica revolucionária da burguesia que, para
sobreviver, necessita transformar continuamente os meios de produção, as relações de
produção e, conseqüentemente, as relações sociais, gerando incertezas e agitações que
distinguirão a era burguesa de todas as anteriores, com sua moderna tecnologia e atividade
prático-crítica, fundamentos do desenvolvimento competitivo.
A afirmação de Marx e de Engels de que “todas as relações firmes, sólidas, com
sua série de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis foram varridas, todas as novas
tornaram-se antiquadas antes que pudessem ossificar”; de que “tudo o que é sólido
desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e o homem é, finalmente, compelido a
enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com seus
semelhantes”63
encontra similaridade no pensamento de Nietzche que vê, na década de
1880, tudo impregnado de seu contrário e a humanidade moderna “em meio a uma enorme
ausência e vazio de valores mas, ao mesmo tempo, em meio a uma desconcertante
abundância de possibilidades”.64
60
Quanto ao uso do termo descontinuidade, Giddens enfatiza sua não conexão com o materialismo histórico,
mas trabalha na perspectiva de desconstrução do evolucionismo social e da história refletidora de certos
princípios unificadores de organização e transformação. 61
Op. cit., p. 20. 62
São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 13. 63
Ibid., p. 14. 64
Marshall Berman, op. cit., p. 21.
44
As peculiaridades inerentes às formas padronizadas de comportamento e de
relacionamento social intrínsecas às instituições modernas como, por exemplo, a
dependência de fontes de energia inanimadas, o sistema político do Estado-nação e a
transformação em mercadoria de produtos e trabalho assalariado, refletem a terceira
característica da modernidade.65
Embora o surgimento dessas novas instituições tenha aberto possibilidades
benéficas para os seres humanos gozarem a vida com maiores condições de existência,
paradoxalmente, um lado sombrio da modernidade manifesta-se na degradação ambiental.
Com a idéia de controle da natureza e com a concepção do saber como técnica de
manipulação, introduzidas por Francis Bacon e também por Descartes com o pensamento
de que o homem deve tornar-se “Mestre e Senhor da Natureza”, o projeto da modernidade
se inaugura reificando tudo o que vive e vendo os seres como objetos, cujo valor está
exclusivamente na função que devem cumprir.
A postura arrogante do homem moderno, visto como centro ontológico do
Universo, que estimula o entendimento da realidade centrada na razão direta de sua
capacidade de dominar e manipular a natureza e outros homens,separa a ciência do sagrado,
o saber da sabedoria e traz o que Max Weber chama de “desencantamento do mundo”.66
Este olhar desencantado do mundo reduz a natureza à categoria de mercadoria, onde a
floresta perde seus encantos para ser reduzida aos seus aspectos produtivos.
65
Anthony Giddens, op. cit., p. 16. 66
Citado por Nancy Mangabeira Unger, op. cit., p. 55.
45
A compreensão moderna de que o homem é tanto mais livre quanto mais ele
domina o meio natural circunscreve-o à visão do Ser como mera objetividade e da natureza
como um conjunto de objetos passíveis de manipulação para obtenção de produção e lucro.
A cisão do real em duas instâncias: um sujeito, critério de medida de todas as
coisas, e um objeto, com a função de servir ao ego em torno do qual gira, serve aos
interesses da dominação e controle preconizados pela civilização moderna e contribui para
o processo de alienação do que constitui a humanidade do homem, para a negação da
realidade enquanto totalidade multidimensional “e para a perda da unidade entre
consciência religiosa e experiência cósmica, e finalmente à recusa de qualquer horizonte de
transcendência”.67
1.3. Progresso e desenvolvimento: a pseudo panacéia
Os ideais que romperam com a tradição medieval e trouxeram um sentido de
transformação, progresso e inovação, abrindo possibilidades infinitas de ação do homem
sobre o Universo incorporou, em finais do século XVIII, com o Iluminismo, a noção de
progresso racional como meta para toda a humanidade e, não só, como objetivo individual.
A palavra progresso vem do latim, com o sentido de avançar. Como, de certa
forma, se relacionava com a idéia de revolta/revolução, opondo-se à cosmovisão
aristotélica e ao pressuposto de um mundo estático e em equilíbrio, assume o significado de
corrupção, mudança e desordem, para os gregos.
67
A referência à dessacralização do mundo, realizada por Unger, teve suporte no conjunto da obra de M.
Heidegger. Ibid., p. 55.
46
No sentido de progresso ininterrupto e irreversível do conhecimento, gerador do
progresso material e, conseqüentemente da felicidade, tendo por trás uma intenção de livrar
os seres humanos do trabalho desumano e da miséria, na perspectiva de trazer maior
liberdade e igualdade social, surge em meio aos debates e processos políticos das
revoluções burguesas.
As filosofias sociais no século XIX absorveram essa ideologia e impulsionaram a
concepção do progresso social. A melhoria do conforto, do bem estar e da segurança, a
expansão do liberalismo, da alfabetização, da instrução e da democracia serviram como
veiculadores da difusão dessa idéia.
Os conceitos de progresso e reação, embora tratados como pares antagônicos, têm
uma relação dialética, segundo Le Goff,68
manifestando-se através dos que combatiam às
idéias progressistas e dos que, embora satisfeitos com o estágio alcançado pela sociedade
industrial, resistiam às mudanças. Dentre estes, Augusto Comte, fundador do positivismo,
fez da ordem e do progresso os elementos básicos de sua filosofia social, preconizando a
manutenção da ordem propugnada pela subalternidade do operariado.
Segundo o entendimento da época, as sociedades humanas evoluiriam de formas
inferiores para superiores, tal qual a natureza, baseando-se na idéia de sucessão evolutiva
de estágios (darwinismo social).69
A noção de evolução social, como transformação gradual
e constante, caracterizará o progresso como sendo quase natural. O progresso social passa a
ser entendido como resultado da predominância do mais forte, no sentido do domínio da
68
A análise de Jacques Le Goff acerca da formação da idéia do progresso na cultura ocidental, ao longo do
tempo, perpassa as concepções de pensadores da Antigüidade greco-romana até a modernidade. Vide
Enciclopédia Einaudi. v.1., Memória e História. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,1984. Verbetes:”
Progresso” e “Reação”, pp.338-369.
47
civilização ocidental sobre as demais, entre outras razões, pelo fato do homem conhecer a
natureza (através do saber técnico-científico) e colocá-la a seu serviço.
Neste processo, diversas ciências apropriaram-se do termo "progresso", tendo a
economia fixado um caráter material em detrimento de outros valores humanos,
considerados como secundários aos objetivos de acumulação do capital da burguesia.
Com a continuidade do processo de acumulação e de evolução tecnológica
acelerados, assegurados pela Revolução Industrial, o conceito de progresso passou a ser
identificado unicamente com o progresso econômico, retratando o "moderno", o
"ocidental", traduzido na constante elevação da eficiência produtiva, no aumento da oferta
de bens econômicos à disposição do conjunto da população.70
A idéia de que as sociedades
podem progredir indefinidamente para níveis cada vez mais elevados de riqueza material
traz implícitos elementos do "progressismo" que pressupõem o progresso técnico-científico
como necessário e irreversível, possibilitador do aperfeiçoamento inevitável do homem e
das sociedades como um todo.
O conceito de "progresso" herdado do positivismo, base do enfoque segundo o
qual o "crescimento econômico" é sinônimo de industrialização e gerador do
desenvolvimento grassa nos países periféricos e em desenvolvimento, em fins do século
XIX e início do XX, através de campanhas modernizadoras, objetivando expandir os
negócios dos países “civilizados”. Ao tornar-se sinônimo de intervenção capitalista, o
conceito de progresso desgastou-se após as duas Guerras Mundiais, sendo substituído pelo
conceito de “desenvolvimento” referindo-se, primordialmente, aos índices numéricos do
69
Philipe Phomier Layrargues. “Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: evolução de um
conceito?” Proposta, nº 71, 1997: 5-10.
48
crescimento econômico. As taxas do crescimento do PIB e o rendimento desse PIB per
capita determinam em que categoria situam-se os países – como “desenvolvidos”,
“subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento” pressupondo, esta última expressão, um
inexorável caminho em direção ao desenvolvimento.
A partir dos anos 50, o aprofundamento das desigualdades entre países ricos e
países pobres motivou a elaboração de diversas estratégias de desenvolvimento. As
concepções de desenvolvimento legitimadas nos países da América Latina, Ásia e África
foram elaboradas nos países industrializados do Hemisfério Norte e absorvidas através do
processo de integração internacional e de expansão das atividades das empresas
multinacionais. Esta concepção linear e reducionista do desenvolvimento dava-se pela
criação de enclaves externos, acentuando as desestruturações entre setores “modernos” e
“atrasados”.
A década de 60 caracterizou-se pela “planificação do desenvolvimento”, com
organizações internacionais (Organização das Nações Unidas, Banco Mundial, Fundo
Monetário Internacional) estabelecendo uma escala de modernização, na perspectiva de
promover a integração dos países menos avançados ao sistema capitalista mundial.
Entretanto, a anexação dos indicadores sociais aos econômicos apontaram que tal
integração não ocorria em quase todos os países “em desenvolvimento”, levando ao
questionamento sobre quais seriam os obstáculos ao crescimento. Durante algum tempo
pensou-se que eram puramente econômicos e que a resolução viria com a importação de
máquinas e a criação de pólos industriais. Num segundo momento, julgou-se que os
homens despreparados seriam o problema, devendo essa lacuna ser preenchida pela
70
Cristovam Buarque. A desordem do progresso. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 50-54.
49
qualificação da mão-de-obra e pela assistência técnica. Finalmente, uma terceira resistência
a ser superada recaía na questão cultural, ou seja, na falta de uma mentalidade que
valorizasse a maior capacidade acumulativa de bens materiais como condição sine quad
non para se viver feliz.
A razão que se identifica com o progresso infinito do conhecimento humano, da
produção e da exploração inesgotável dos recursos naturais não tem ponto de chegada, mas
uma direção fixa em que se relaciona o bom com o sempre mais, numa perspectiva de
avançar sempre em linha reta, numa progressão assintótica em que a norma é o indefinido,
em contraposição à norma aristotélica da realização da essência conforme a natureza.71
Essa ideologia baseia-se em certos postulados da modernidade enunciados como a
onipotência virtual da técnica que, por ser neutra, resolve e ultrapassa quaisquer barreiras; a
ilusão do progresso indefinido do conhecimento; o predomínio dos mecanismos
econômicos sobre os sociais baseados na racionalidade matemática que separa e isola os
fatores, mesmo os inerentes à sua própria estrutura. Por fim, a crença no fato de que os
seres humanos e a sociedade estão “naturalmente” predestinados a progredirem.
A abertura da economia do Terceiro Mundo, incentivada pelos organismos
internacionais, através de projetos de cooperação e transferência de recursos financeiros e
tecnológicos, favoreceu um desenvolvimento econômico que absorveu dos Estados Unidos
um estilo de vida e negou as especificidades culturais das nações periféricas.
Na visão de Layrargues, a integração do Terceiro Mundo no cenário comercial
internacional promoveu “o desenvolvimento dependente, pois a matriz tecnológica e as
71
Cornelius Castoriadis. “Reflexões sobre desenvolvimento e racionalidade”. In: As encruzilhadas do
labirinto. São Paulo: Paz e Terra, v.II, 1987, pp. 135-158.
50
inovações tecnológicas permaneceram no Norte, e desarticulado, pois as multinacionais
não obedeceram às necessidades culturais do país e sim à lógica do mercado.”72
O aumento da dívida externa e da miséria, nos trinta anos posteriores a estas
iniciativas, vieram confirmar que o crescimento quantitativo da economia e o mimetismo
cultural não contribuem para o bem estar da população sendo, então, o aprofundamento das
injustiças sociais, o esfacelamento cultural e a degradação ambiental, fundamentos para a
crítica desferida sobre o modelo tradicional de desenvolvimento.
Neste contexto, o conceito de ecodesenvolvimento contribuiu para a evolução das
idéias sobre os modelos e estilos de desenvolvimento na América Latina. A concepção
alternativa de política de desenvolvimento, amplamente difundida por Ignacy Sachs, na
década de 70, supera as abordagens conservacionistas e integra o meio ambiente na
problemática do desenvolvimento. Sachs cria um quadro de estratégias para o
ecodesenvolvimento pressupondo a eficiência econômica, a justiça social e a prudência
72
Op. cit., p. 6.
51
ecológica como seus pilares. Formula os princípios básicos desta nova visão de
desenvolvimento ao pensar num desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias
forças, tendo por objetivo responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais
e econômicos com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e dos meios.73
O corolário da “endogeneidade” enriquece o conceito de desenvolvimento de
uma dimensão humana e delimita a posição dos atores como criadores de sua própria
sociedade e de sua própria cultura.
A difusão do conceito de ecodesenvolvimento foi amplamente assegurada,
sobretudo pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que o elegeu como
eixo central das reflexões. Na França, México, Brasil, Senegal e Colômbia as discussões e
pesquisas questionaram a modernização industrial como método de desenvolvimento das
regiões periféricas e, numa perspectiva de desenvolvimento endógeno, buscaram soluções
econômicas, sociais e técnicas capazes de frear o processo de degradação dos recursos
naturais.
A década de 80 viu emergir um novo paradigma - o desenvolvimento
sustentável,74
cujas prioridades pressupunham a integração da conservação e do
desenvolvimento; a satisfação das necessidades humanas fundamentais; a realização da
eqüidade e da justiça social; a busca da autodeterminação social e da diversidade cultural e
a manutenção da integridade ecológica.
73
Ignacy Sachs. Ecodesarollo: desarrollo sin destruicción. México, El Colegio de México, 1982.
74
O termo sustainable developement foi utilizado pela União Internacional para Conservação da Natureza em
sua Estratégia Mundial da Conservação (UICN, 1980) e em ocasião da Conferência Mundial sobre a
Conservação e o Desenvolvimento do IUCN (Otawa, 1986).
52
Em 1987, o “Relatório Brundtland” da Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento definiu desenvolvimento sustentável como aquele capaz de
responder as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de satisfazerem suas próprias necessidades.
O texto enfatiza as conseqüências da pobreza sobre o meio ambiente e assinala a
circularidade em torno desta questão - quanto mais pobre, maior pobreza haverá. Esta tese
traz embutida a justificativa da necessidade contínua do crescimento econômico e minimiza
a responsabilidade ambiental dos países industrializados sobre a poluição gerada pelo
consumo excessivo de sua população.
Em Nosso Futuro Comum75
duas noções são inerentes a este conceito: a
satisfação das necessidades básicas, principalmente para os mais destituídos, e as limitações
impostas pelo atual estágio de tecnologia e de organização social, que pressionam a
capacidade do meio ambiente até seu limite, para realizar as necessidades atuais e futuras.
A Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED)
realizada na cidade do Rio de Janeiro, em julho de 1992, muito contribuiu para o
crescimento da consciência sobre os perigos conseqüenciais do atual modelo de
desenvolvimento. Apesar de introduzir, no discurso oficial da maioria dos governos do
mundo, a interligação entre desenvolvimento sócio-econômico e as transformações no meio
ambiente, a Rio-92 não correspondeu amplamente às expectativas a ela ligadas, pois
atitudes restritivas foram impostas ao desenvolvimento sustentável, dentre elas a recusa dos
75
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 2ª ed., 1991, p. 9-10.
53
E.U.A. em assinar a Convenção de Proteção da Biodiversidade e em se comprometer com
as metas e cronogramas para emissão de CO2 do acordo sobre o clima.76
Tanto o conceito de ecodesenvolvimento quanto o de desenvolvimento
sustentável, na visão de Layrargues,77
preconizavam a meta de se alcançar uma sociedade
ecologicamente sustentável, preservando-se as necessidades das gerações futuras. Desta
percepção adviria a interpretação de que ambos os conceitos seriam sinônimos ou que o
ecodesenvolvimento teria alcançado um estágio de elaboração mais evoluído postulado
como desenvolvimento sustentável.
Layrargues, entretanto, entende haver diferenças sutis entre os dois conceitos.
Enquanto o conceito de ecodesenvolvimento se constituía na crítica ao modelo de
desenvolvimento convencional, o conceito de desenvolvimento sustentável atenuava essas
diferenças. Enquanto no conceito de ecodesenvolvimento refletia-se a necessidade de um
nivelamento médio do padrão de consumo entre o Norte e o Sul, o Relatório Brundtland
supôs a necessidade de se considerar um piso, omitindo o peso da responsabilidade da
poluição da riqueza, em vez de estabelecer um teto de consumo material.
O discurso ideológico que preconiza o potencial da tecnologia moderna como
capaz de garantir o acesso de todos os povos à fartura, sem comprometimento da
sustentabilidade ambiental, pressupõe que a instalação do mercado total na economia das
sociedades modernas trará a solução para a crise ambiental.
76
Franz Josef Brüseke. “O Problema do Desenvolvimento Sustentável” In: Desenvolvimento e natureza:
estudo para uma sociedade sustentável. Clóvis Cavalcanti, organizador. São Paulo: Cortez, Recife, PE:
Fundação Joaquim Nabuco, 1995, p. 34. 77
Op. cit., p. 9.
54
Nesse sentido, Layrargues78
afirma que a não modificação da estrutura de
funcionamento da lógica do mercado responsabiliza os países do Sul pela crise e o
conseqüente ônus financeiro de sua resolução, a partir da poluição gerada pela pobreza.
Alerta que a proposta de um novo estilo de desenvolvimento, traduzido pelo
desenvolvimento sustentável, assume a postura de um projeto ecológico neoliberal.
Percebe-se que, na discussão da sustentabilidade do desenvolvimento
evidenciam-se duas grandes tendências: uma, que concebe a compatibilidade entre
sustentabilidade e capitalismo e constrói-se “sobre o signo do crescimento, do otimismo
tecnológico, do mercado globalizado, do consumo de massas, da prioridade da economia
sobre a ecologia, das políticas neoliberais e da pobreza”79
e, outra, que considera
incompatível a associação entre sustentabilidade e capitalismo, na medida em que o
primeiro insere-se numa lógica qualitativa e o segundo enquadra-se dentro de uma lógica
quantitativa.
O desenvolvimento sustentável assumido pelo pensamento ambientalista, de
caráter pragmático e imediatista, que não questiona as bases sobre as quais se assentam as
condições capitalistas de produção, tanto interna quanto externamente, e fundamenta-se na
razão instrumental positivista, vem atuando como pensamento hegemônico, dominante,
com essa racionalidade sendo incorporada pela mídia e pelo Estado.
Antagonicamente a essa versão, o pensamento crítico em que se pauta o
ecologismo supõe o conceito de desenvolvimento sustentável para além do crescimento
78
Ibid., p. 10.
79
João Carlos Canuto. “Agricultura ecológica e sustentabilidade ambiental”. XVIII Encontro Nacional da
PIPSA. UFPA. Campina Grande/PB. 25-29/11/96, mimeo.
55
econômico, numa perspectiva de transformar, no plano técnico-científico, as relações
homem-natureza. Essas relações envolvem novos paradigmas científicos, novas posturas no
processo de produção da existência e novas práticas entre governos, ciências, técnicas e
indústrias. Supõem, também, enfrentamentos das questões ambientais fundamentais para a
sobrevivência da vida no planeta, a partir de estratégias transdisciplinares que articulem
teoria e prática.
Esta perspectiva minoritária, mas crescente, encontra em Castoriadis, Habermas,
Boaventura de Souza Santos, Guatari, Clóvis Cavalcanti, Alain Lipetz dentre outros,
fundamentos para que um número cada vez maior de atores e movimentos acredite que a
atual dinâmica dos processos produtivos acarretam profundas transformações na natureza e
um significativo comprometimento para o futuro. Os adeptos da corrente de pensamento
que antevêem a incompatibilidade do modo de produção capitalista com a construção de
uma sociedade sustentável vislumbram a necessidade de um nivelamento médio entre o
padrão de consumo dos países desenvolvidos e dos subdesenvolvidos, através da adoção de
um teto de consumo material, de acordo com a prudência ecológica e a coerência para com
as gerações vindouras. Este teto constitui o ponto de equilíbrio-suporte da biosfera: a
capacidade global de consumo em função da dinâmica do processo produtivo, dadas as
inaptidões científico-tecnológicas para satisfação planetária dos padrões norte-americanos.
Tal percepção tem propugnado a necessidade da instituição de uma ética social
que, segundo Canuto,80
deve ultrapassar a esfera do mercado e respeitar as singularidades
80
Ibid., p. 5.
56
locais/regionais, étnicas e culturais. Aliada à busca da eqüidade social deve, ainda, projetar-
se em transformações socioambientais profundas.
Para Bensaïd, a questão é de saber se a capacidade de reversão da consciência
coletiva é suscetível ou não de resolver o conflito entre economia e ecologia. Em suas
palavras,
“se a economia moral e enfim política pode harmonizar os ritmos de
renovação dos recursos naturais, dos levantamentos autorizados, de
autodepuração dos meios, enquanto se espera a descoberta de novas
energias renováveis ou o meio de reciclar a grande massa de energia
improdutivamente dissipada”.81
1.4. Perspectiva analítica neomarxista
Com o crescimento demográfico mundial e com o desenvolvimento das forças
produtivas, ocasionados pelas relações de produção capitalistas, os reversos da natureza
tornaram-se mais sérios nas sociedades modernas. Na era industrial, o desenvolvimento
antropossocial gerou inúmeras crises de biocenose que, sem consciência das interações eco-
organizadoras das quais participa o fenômeno que se pretende eliminar e sem conceber as
perturbações eco-organizacionais provocadas pelo fenômeno que se pretende fazer surgir,
visa um objetivo econômico, que é concebido isoladamente. A eliminação de uma espécie
ou a introdução de uma espécie estranha em um determinado meio ambiente, por vezes,
provoca a quebra das regulações em cadeia e, na maioria dos casos, gera malefícios maiores
do que aqueles que se pretendia suprimir.82
81
Daniel Bensaïd. Marx, o intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica (séculos XIX e XX).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 493. 82
Edgar Morin, op. cit., 1980, p. 71-72.
57
A destruição de matas e de associações vegetais, a redução da fauna e das
reservas hídricas, o empobrecimento e esterilização da terra são algumas características do
processo de degradação da complexidade da natureza inerentes à homogeneização
monocultural implantada em grandes domínios de terras como, por exemplo, a cultura do
café desenvolvida na região do Médio Paraíba do Sul, no século XIX.
Nesta ótica, uma percepção utilitarista avoluma-se, ancorada na idéia de função
econômica, ampliando a lógica capitalista como padrão de análise, seja em relação ao
entendimento do crescimento demográfico europeu, seja face aos recursos naturais e seu
uso. Impõe-se, desta forma, o reconhecimento da lógica de mercado em qualquer sociedade
e a qualificação de irracional, a todo comportamento que não cria estratégias de otimização
dos recursos naturais e maximização dos lucros.
Com o modo de produção capitalista, o processo de produção material é cada vez
menos guiado pelas necessidades de sobrevivência do homem, passando a ser determinado
pelo processo de acumulação de capital, segundo valores, códigos e representações
daqueles que o detém. A busca da valorização do lucro acentua as representações orgânicas
que separam o homem da natureza, numa visão reducionista que pressupõe as forças
naturais como um fator externo ao processo histórico.
Numa tentativa de compreender a complexidade das questões envolvidas na
disputa político-ideológica de sedimentação e legitimação do conceito de sustentabilidade
ambiental e sócio-ambiental, buscamos elementos de análise da economia política de
tradição marxista, acompanhando algumas importantes críticas a esta tradição, com o
intuito de assumir uma perspectiva analítica neomarxista.
58
Para alguns autores, entre eles Hector Leis,83
a preocupação de Marx com a
degradação ambiental produzida pelo capitalismo é reduzida, tendo em vista a consideração
de que ele pressupunha a natureza externa ao homem, descrevendo-a de modo
antropocêntrico, como mundo não-humano, no sentido de fonte primária de todos os
instrumentos e objetos de trabalho. Para Leis, ao conjecturar que o capital e/ou tecnologia
fazem surgir da natureza coisas que ela sozinha não poderia realizar, Marx adota a visão
moderna que pressupõe a interação do Homem com a Natureza como apropriação do
objeto-natureza pelo sujeito-humanidade, mediada pelo processo de trabalho, único meio de
realização da essência humana.
Salientando o pressuposto marxista que enaltece o papel civilizatório da ciência e
da tecnologia no desenvolvimento humano, não para um maior conhecimento e respeito à
natureza, mas para uma menor dependência dos homens e maior liberdade em relação às
forças naturais, Leis nega o caráter ambientalista de Marx afirmando que as tentativas de
“ecologizar” Marx, tanto a humanista, baseada nos escritos da juventude, quanto a
científica, baseada nos escritos da modernidade, fracassaram, por não poderem criticar suas
visões da história e da humanidade.
Segundo Leis, a visão que coloca a solução sócio-ambiental na transformação das
relações de produção com o uso da tecnologia apropriada não oferece alteração substancial
à questão, na medida em que continua afirmando a dialética da história através das
necessidades humanas. E, enquanto o valor dado à natureza referir-se às necessidades
83
Héctor R. Leis A-ventura-mor da política: uma análise das teorias e práticas do ambientalismo. Rio de
Janeiro. PUC, 1996. Cap. 5-11.
59
humanas, não haverá compreensão do pressuposto básico da ecologia de que o mundo é
interdependente e interrelacionado em todas as suas formas humanas e não-humanas. E,
consequentemente, não há valor a ser dado à natureza independentemente dos homens, ou
esses terem privilégios frente às outras espécies.
A análise que Lukács,84
baseado em Marx, faz da ontologia científico-filosófica,
com base na relação ser-ser social, procura desfazer a impressão, preconizada por cientistas
existencialistas e neo-positivistas, entre outros, de que Marx não tem uma ontologia própria
e que a visão marxiana da natureza não tem a dialética apregoada na relação sujeito/objeto,
homem-sociedade/natureza, na medida em que esta é vista como objeto universal da ação
do homem.
Ao aprofundar a leitura de Marx, Lukács vê que a ontologia do ser social abrange
a natureza e esta é, para ele, a totalidade do mundo físico que circunda o homem. Este, por
sua vez, com ela se relaciona através de uma atividade vital consciente. Essa consciência é
o que o diferencia do animal, tornando particular a sua atividade. A capacidade que o
homem tem de produzir universalmente, relacionando-se independentemente do produto,
reproduzindo não só a natureza mas, também, a sua própria natureza, faz com que o homem
surja como um ser de transformação do mundo concreto e se afirme como produtor da vida
útil. Para Marx, a consciência que o homem tem de que é parte da natureza protege-o de
desenvolver uma relação instrumentalística com ela. Neste sentido, Luckács nega que a
natureza seja vista, por Marx, como o pressuposto geral de toda a produção, como “a
84
Para a ontologia do ser social. Tradução do original em alemão Zur Ontologie des gesellschaftlichen
Seins. Darmstadt: Luchterhand, 1984, por Mário Duayer, Professor Titular do Departamento de Economia da
Universidade Federal Fluminense. Versão preliminar (maio/96).
60
natureza para o homem”, numa relação de imposição em que a natureza subjuga-se ao
homem em função de suas necessidades vitais e refuta a idéia de que a natureza é
substituída pelas relações sociais, em função da percepção de que é o trabalho que está
agindo sobre a natureza e transformando-a.
Na delimitação materialista, feita por Lukács entre o ser da natureza orgânica e o
ser social, há um papel decisivo atribuído à consciência. Isto porque, este autor percebe
toda práxis social como uma decisão entre alternativas acerca de posições teleológicas
futuras.
Tanto Marx quanto Lukács pensam a natureza numa relação interativa e
contraditória com o sujeito, preocupando-se em não sacralizá-la. Para eles, tal relação
ocorre num ambiente ontológico dialetizado, num processo histórico de transformação
finalista pela ação do trabalho, que se apropria de materiais naturais.
Lukács propõe que o caráter científico desta ontologia seja dado a partir do
trabalho humano, que é objetivo e necessário para a transformação da natureza. O trabalho,
como finalidade e como ponte para interação entre o ser social e o ser em geral, entre o
homem e a natureza, é uma categoria social que permite ao homem captar a realidade
objetiva e chamar à vida produtos sociais de ordem mais elevada.
Entretanto, a categoria trabalho não pode ser pensada como uma categoria em
que os indivíduos atuam separadamente no sentido de transformar a natureza. Há uma
teleologia, uma finalidade, da qual a ética é uma conseqüência.
Toda atividade laborativa surge como solução de resposta ao carecimento que a
provoca e é a possibilidade de satisfação dessa carência que põe em movimento o complexo
do trabalho e as mediações que transformam, tanto a natureza que circunda a sociedade,
61
quanto os homens que nela atuam, as suas relações recíprocas etc.. Ao dar respostas aos
seus carecimentos, o homem faz a ligação entre o reino da liberdade e o reino econômico
da necessidade. A liberdade, porém, não é algo dado por natureza, mas é o produto da
própria atividade humana que, por um lado, tem conseqüências concretas (desenvolvimento
econômico) e, por outro, eleva a capacidade dos homens (surgimento e explicitação da
personalidade humana).
Através do trabalho dá-se a possibilidade do desenvolvimento superior dos
homens que trabalham. Ao tornar eficientes as forças, relações e qualidades da natureza -
liberando-as e dominando-as - o homem põe em desenvolvimento suas próprias
capacidades, no sentido de alcançar níveis mais altos.
Nesse sentido, Lukács procura
“... mostrar que o homem, como simultaneamente produtor e
produto da sociedade, realiza em seu ser-homem algo mais elevado
que ser simplesmente exemplar de um gênero abstrato, que o gênero
- nesse nível ontológico, no nível do ser social desenvolvido - não é
mais uma mera generalização à qual os vários exemplares se liguem
‘mudamente’; é mostrar que esses, ao contrário, elevam-se até o
ponto de adquirirem uma voz cada vez mais claramente articulada,
até alcançarem a síntese ontológico-social de sua singularidade,
convertida em individualidade, com o gênero humano, convertido
neles, por sua vez, em algo consciente de si.”85
Também em Bensaïd,86
a concepção de que o homem poderia erigir-se como
sujeito dominador de uma natureza exterior e subordinada ao humano, oposição entre
85
“As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem”. In: Vários autores, Temas de Ciências
Humanas. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas Ltda, 1978, Volume 4, p. 14.
86
Op. cit., p. 444.
62
sujeitos de direito e objetos de conhecimento, parece estranha à unidade dialética do sujeito
e do objeto intrínseca à lógica marxista e à arquitetura d’O Capital.
Desde os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, na abordagem do jovem
Marx, a natureza é concebida como corpo inorgânico do homem, na medida em que é
meio imediato de vida e instrumento de sua atividade vital. Não é o próprio corpo humano
mas é o seu corpo, ao mesmo tempo, tendo em vista que para sobreviver o homem necessita
relacionar-se com a natureza. “Afirmar que a vida física e espiritual do homem e a natureza
são interdependentes significa apenas que a natureza se interrelaciona consigo mesma, já
que o homem é uma parte da natureza”,87
observa Marx. Nesse sentido, enquanto ser
natural é um ser “passivo, dependente e limitado”, tal como os animais e as plantas. A
relação de incompletude do homem com a natureza, enquanto relação da parte com o todo,
manifesta a carência natural, expressão da dependência irredutível do homem para com sua
determinação primeira – o fato “de que os homens têm de estar em condições de viver para
poderem fazer história”.88
Enquanto ser humano natural é provido de forças vitais, é “um ser natural
objetivo”, “ser da natureza”. No processo de produção o que aparece como “força de
trabalho” é, em sua origem, “força vital”. Segundo Bensaïd,89
uma propriedade enigmática
da “força vital” manifesta-se na capacidade da força de trabalho de fornecer mais do que o
necessário para a reprodução do homem.
87
Lisboa: Edições 70, 1963/64, p. 164.
88
Karl Marx e Friedrich Engels. A ideologia alemã.. Teses sobre Feuerbach. São Paulo: Editora Moraes,
1984, p. 31.
89
Op. cit., p.437.
63
Sobre todas as formas de produção, a força de trabalho humana é sempre
concebida como exteriorização de uma força natural. Marx entende por força de trabalho “o
conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade
viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso de
qualquer espécie”.90
No trabalho, o homem se opõe, enquanto poder natural, à matéria da
natureza. Ele age enquanto homem exteriormente sobre a natureza e a modifica,
modificando ao mesmo tempo sua própria natureza e desenvolvendo as potencialidades que
ali repousam. Entretanto, “sem o mundo externo sensível, sem a natureza, o trabalhador
nada pode criar, pois este é o material onde se realiza o trabalho, onde ele é ativo, a partir
do qual e por meio do qual produz coisas”.91
Rompendo com o círculo vicioso de oposições falaciosas que sugerem
antinomias filosóficas clássicas entre materialismo e idealismo, entre natureza e história,
Marx propõe, ao contrário, que “naturalismo conseqüente” e humanismo são uma coisa só e
dessa unidade decorre uma transformação da relação entre sujeito e objeto e das noções de
sujeito e subjetividade, objeto e objetividade, com esta última supondo a incompletude e a
alteridade do sujeito.
A partir de 1858, as variações de Marx sobre o conceito de natureza explicitam-
se com a compreensão de que a criação do valor excedente, baseado no aumento das forças
produtivas, exige a produção de novo consumo pela ampliação quantitativa do consumo
90
O Capital: crítica da economia política. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. V. I, Livro Primeiro, Tomo
I, p. 139.
91
Karl Marx, 1963/64, p. 160.
64
existente, pela extensão da esfera de circulação e pela transformação constante das
carências, com a descoberta e a criação de novos valores de uso.
O mútuo entrelaçamento entre produção e circulação acarreta a exploração da
natureza, em sua totalidade, a busca de novas qualidades úteis na matéria, os novos
tratamentos artificiais aplicados aos objetos naturais para dar-lhes novos valores de uso, o
desenvolvimento máximo das ciências da natureza, a universalização das carências sociais
e a troca, em escala universal, de produtos fabricados sob todos os climas e em todos os
países. Essa apropriação universal, num processo de dessacralização da natureza, resulta de
um sistema de exploração das propriedades naturais e humanas e da influência civilizadora
do capital que reduz a natureza a “mero objeto para o homem” e a “uma mera questão de
utilidade”, sendo colocada a serviço da produção e do consumo, após ter seus segredos
apropriados pela ciência.
Segundo Bensaïd,92
em contraste com os socialistas vulgares e produtivistas,
Marx jamais considera que a natureza seja ofertada “de graça”. Partindo da organização
física dos seres humanos vivos individuais e das relações estabelecidas com a natureza, sem
entrar na especificidade da natureza física do homem nem nas condições naturais em que a
humanidade se encontra, Marx e Engels postulam que “todo escrito histórico deve partir
dessas bases naturais e de suas modificações no curso da história pelo viés das ações dos
homens”.93
92
Op. cit., p. 443.
93
Op. cit. 1984.
65
Em Marx, as fontes da riqueza material não são redutíveis apenas ao trabalho.
Esse conceito é retomado por Engels, na Dialética da Natureza, com a noção de que o
trabalho é fonte de riqueza, juntamente com a natureza que lhe fornece a matéria que ele
transforma em riqueza. Na Crítica ao Programa de Gotha,94
Marx insiste na questão ao
afirmar que o trabalho não é a fonte de toda a riqueza, pois também a natureza é fonte de
valores de uso tanto quanto o trabalho, sendo este manifestação da força da natureza
enquanto força de trabalho humana.
Ao não reduzir a natureza a uma categoria social, Marx desenvolve uma
concepção não mecânica da matéria, pressupondo a mecânica e as matemáticas como
momentos do movimento, cuja totalidade concreta implica uma lógica do vivente, evocada
pelas noções de impulso, de espírito vital, de expansão. Ao considerar a troca orgânica
entre o homem e a natureza, mediada pelo trabalho, como o nó estratégico do ser social,
Marx concebe a natureza como unidade de sujeito e do objeto e como unidade do
movimento.
Para Bensaïd, essa lógica do vivente não se afina com a idéia da “mecânica da
engrenagem azeitada do progresso”.95
94
Karl Marx e Friedrich Engels. Obras Escolhidas. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega, s/d, v. 2, p. 209.
95
Op. cit., p. 448.
66
Em Marx, a condenação ao progresso dá-se em função da abstração e do
formalismo apresentados pelo “progresso capitalista”. A crítica construída por Marx sobre a
imagem do progresso glorificada pelo corpus teórico dominante refere-se à constatação de
que todos os progressos da civilização resultantes da ciência, da divisão do trabalho, da
criação do mercado mundial, da introdução das máquinas, não enriquecem o trabalhador
mas somente aumentam o poder do capital sobre o trabalho. Tal crítica enfatiza a
metamorfose da exploração feudal em exploração capitalista e ressalta que, ao submeter-se
à determinação do capital, o progresso, além de expropriar o trabalhador, espolia as
condições naturais, pois a “produtividade do trabalho está também ligada a condições
naturais cujo rendimento não raro diminui na mesma proporção em que a produtividade
aumenta. De onde um movimento em sentido contrário nessas esferas diferentes”.96
Bensaïd esclarece que a razão pela qual Marx pressupõe a anulação dos
“progressos” da produtividade social pelo esgotamento das “condições naturais” e por seu
“rendimento” decrescente relaciona-se com o constrangimento exercido pela determinação
natural sobre a determinação social na medida em que “o trabalhador conserva-se um ser
natural, na medida em que matérias-primas, ferramentas e o ambiente permanecem, em
última análise, parte interessada da ‘troca orgânica’”.97
96
Karl Marx, Le Capital, Livro III, Tomo I, citado por Bensaïd, op. cit., 448.
97
Op. cit., p. 450.
67
Ao articular o “progresso capitalista” com a exploração ilimitada e a exigência
natural, Marx ressalta a relação contraditória entre os avanços industriais científicos, a
dominação cada vez maior da natureza pelo homem e os sintomas de decadência das
condições da vida humana – fome, esgotamento do trabalhador, redução da “vida humana a
uma força material bruta”.98
Buscando fundamentar o embate sobre o significado da sustentabilidade nas
sociedades contemporâneas, associando-o aos diferentes conceitos de natureza, de ser
humano e de trabalho produtivo, bem como aos processos de apropriação privada dos
conhecimentos socialmente produzidos, Moreira99
assume a perspectiva interpretativa
neomarxista, tendo clareza da imprecisão que o conceito apresenta em momentos históricos
pré-paradigmáticos, como o vivido pela humanidade hoje.
A desconsideração da questão ambientalista, apontada por inúmeras críticas à
tradição marxista, é percebida por este autor como resultado da concepção de natureza
inerente à visão de mundo própria de um contexto social marcado por um processo de
industrialização que considerava as questões de poluição e de degradação ambiental dentro
da infinitude dos limites biofísicos.
O reconhecimento do fundamento que explicita a ampliação da esfera capitalista
contemporânea, na perspectiva de construção de um capitalismo ecológico que absorva as
esferas não materiais da vida no campo da produção de valores, do trabalho produtivo e da
apropriação privada do conhecimento remete à reflexão da questão da sustentabilidade
98
Daniel Bensaïd, op. cit., p. 450.
99
Roberto José Moreira. “Economia Política da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista”. In: Mundo
rural e tempo presente/organizadores: Luiz Flávio Carvalho Costa, Regina Bruno, Roberto José Moreira. Rio
de Janeiro: Mauad, 1999, p. 241-265.
68
ambiental e sócio-ambiental, quando referenciada ao ideário do desenvolvimento,
ampliando as considerações da tradição da economia clássica, marxista e neoclássica que,
numa visão antropocêntrica, submetia o sistema biofísico ao sistema sócio-econômico.
Para Moreira, a ressignificação do conceito de sustentabilidade, na perspectiva
neomarxista, incorpora novos movimentos sociais, como os movimentos ambientalistas,
expressa ruptura com o positivismo, com o determinismo e com as simplificações dualistas
da realidade e requer ressignificações dos conceitos de natureza e de ser humano.
A base desta perspectiva analítica pressupõe que as atuais considerações
ambientalistas requerem uma concepção da questão ambiental relacionada aos processos
sócio-econômicos, na perspectiva de considerá-los como “um subsistema do sistema da
biosfera, como a noção do planeta Gaia – e a teoria do conhecimento a ela associada - e as
leis da termodinâmica procuram revelar”.100
Partindo do pressuposto que a realidade humana é culturalmente construída,
apresentando-se, ao mesmo tempo, como realidade objetiva e subjetiva, como produto do
trabalho e do conhecimento humano e não como um dado, com leis biofísicas eternas e
imutáveis, Moreira propõe movimentos interpretativos, na perspectiva neomarxista, para
repensar o ser humano e visualizar a produção e a apropriação privada do conhecimento.
100
Ibid., p. 258.
69
A ressignificação do conceito de ser humano, assumido na sociedade
contemporânea como uma realidade relacional entre corpo & mente101
interdependente de
uma realidade incerta, indeterminada e complexa, articula-se à consideração do trabalho
produtivo como produtor, não apenas de bens materiais mas, também, de bens imateriais e
de signos, dentre os quais a cultura e os conhecimentos científicos, submetidos que estão à
indústria das comunicações das sociedades tidas como pós-modernas ou globalizadas.
Ao associar a noção marxiana de que ao transformar a natureza (biofísica e
social) o ser humano transforma a si mesmo (em uma unidade corpo & mente), Moreira
assume a interpretação dos que não vêem a superação do capitalismo nas sociedades
contemporâneas, mas avança na compreensão da “produção da existência humana como um
processo de produção material e imaterial que envolve capacidades de trabalho biofísicas &
intelectuais e de trabalho individual e coletivo”.102
A elucidação da idéia de natureza, forjada pelos seres humanos nos séculos da
modernidade, teve como objetivo facilitar a compreensão de que os mecanismos de
apropriação dos meios naturais pelos habitantes da região do Médio Paraíba foram
determinantes nas transformações sócio-ambientais empreendidas neste espaço e no
surgimento da consciência ecológica, manifestada através de ações e projetos coletivos que
têm buscado caminhos possibilitadores de uma sustentabilidade regional.
101
Moreira utiliza o símbolo & num sentido distinto de e pretendendo representar a unidade inseparável entre
dois elementos tidos como separáveis na cultura ocidental e não no sentido de união de duas instâncias
previamente separadas.
102
Ibid., p. 251.
- CAPÍTULO II -
A REGIÃO DO MÉDIO PARAÍBA DO SUL
2.1. Considerações sobre o conceito de região
A discussão sobre a noção de região apresenta inúmeras abordagens, sendo
objeto de reflexão de historiadores, geógrafos, economistas, sociólogos, dentre outros
cientistas. A noção é assaz imprecisa.
Ao longo dos anos 70, os geógrafos do IBGE, organismo oficial responsável
pelos estudos regionais e pelas regionalizações, definiam região indicando áreas que
apresentavam uma certa homogeneidade no plano ecológico-ambiental e segundo a forma
de organização do espaço em torno dos elementos de produção (agricultura, indústria,
população, ecologia etc.) permitindo, assim, que a noção de espaço passasse a acompanhar
a noção de região.
A divisão dos estados em Mesoregiões e Microrregiões Homogêneas resultou de
um esforço metodológico dos geógrafos do IBGE de ampliar o conceito, com base na
71
combinação de fatores geográficos e econômicos, transformando-o em um conceito
dinâmico que, por deter tal natureza, não poderia fixar uma área por longos períodos,
devendo ser periodicamente avaliado e atualizado.
Entretanto, em função do planejamento, os governos estaduais e federal
denotaram um caráter fixo às microrregiões, obstaculizando a percepção da superação e
transformação das formas de organização de produção enrijecendo, dessa forma, a natureza
dinâmica do conceito.
Dentro desta categorização, a região do Médio Paraíba do Sul, uma das oito
regiões do Estado do Rio de Janeiro, subdivide-se na Microrregião do Médio Paraíba
Fluminense, com os municípios de Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real,
Quatis, Resende, Rio Claro e Volta Redonda, e na Microrregião de Barra do Piraí,
composta pelos municípios de Barra do Piraí, Rio das Flores e Valença, totalizando uma
superfície de 6.205,2 km2 (14,13% da área estadual) e contando com uma população
estimada, em 1999, de 779.568 habitantes (5,60% da população estadual).103
103
Anuário Estatístico do Estado Rio de Janeiro. 1998. Rio de Janeiro: CIDE, v. 15, 1998, p. 64.
72
Foto 01 - Região do Médio Paraíba do Sul
Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de
Investimentos para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – ANEEL/CD Rom – 1997.
Em relação à divisão das microrregiões, no que diz respeito aos dados atuais
utilizados pelo IBGE, Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira104
teceram críticas
pelo fato deste organismo desconhecer os enraizamentos históricos dos municípios e inseri-
los em microrregiões com as quais não apresentam similaridades. Exemplificando, pode-se
destacar a incorporação do Município de Petrópolis à Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, juntamente com Niterói e Nova Iguaçu, deixando de abarcá-lo na
104
Região e História Agrária, in: Estudos Históricos, v. 8, n. 15. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1995, p.17-26.
73
microrregiãoSerrana, com a qual apresenta semelhanças em relação ao povoamento e às
atividades de pequena produção artesanal-doméstica e agrícola. Em relação a este
município, entretanto, tal posição foi revista pelo IBGE,105
pela Lei Complementar 64, de
21/09/90, que o incorporou à microrregião e à Região Serrana, não ocorrendo o mesmo em
relação ao município de Vassouras, cuja microrregião inseriu-se na Região Centro-Sul
Fluminense, juntamente com os municípios de Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes,
Miguel Pereira, Paracambi e Paty do Alferes, embora guarde estreitas relações sociais,
históricas e econômicas (devido à monocultura cafeeira desenvolvida no século XIX) com a
região do Médio Paraíba Fluminense.
Ao final da década de 70, o esmorecimento do planejamento regional favoreceu o
surgimento de novas críticas e a rediscussão da questão regional ganhou uma importante
contribuição no trabalho de Francisco de Oliveira para quem a
“região seria um espaço onde se imbricam dialeticamente uma
forma especial de reprodução do capital e, por conseqüência, uma
forma especial de lutas de classe, onde o econômico e o político se
fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto
social e nos pressupostos de reposição.”106
Em Oliveira, o movimento de reprodução do capital e das relações de produção
conformam “regiões” distintas. Tal interpretação ajuda-nos a compreender o
reconhecimento obtido pela região do Médio Paraíba, que incorpora os espaços dos vales
dos rios Paraíba e Preto, no século XIX, como locus da produção cafeeira e a diferenciação
estabelecida entre esses espaços, ao longo do século XX, em função da reprodução do
105
Anuário Estatístico do Estado Rio de Janeiro. 1995-1996. Rio de Janeiro: CIDE, v. 14, 1997, p. 36. 106
Elegia para uma re(li)gião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 29.
74
capital e das relações de produção instituídas a partir do estabelecimento de atividades
industriais e de agropecuária, conformadoras de distintos espaços econômico-político-
sociais.
Evoluindo na discussão, Ciro Cardoso107
propõe definir operacionalmente a
região, de acordo com certas variáveis e hipóteses, e integrá-la num conjunto significativo,
tendo-se claro que o enfoque regional não é um método, mas uma opção quanto à
delimitação de um universo de análise.
Sua crítica à noção de região adotada pela Geografia tradicional derivada de
Vidal de La Blache, que pretende recortar o espaço em regiões unívocas e estanques, a
partir de dados substantivos, evidentes e permanentes, fundamenta-se no entendimento de
que toda delimitação territorial, para fins de pesquisa ou de ação prática, simplifica uma
realidade mais complexa e tende a imobilizar as relações entre o homem e o espaço, que
costumam modificar-se no tempo, conforme os diferentes graus de organização e
exploração do meio ambiente, a partir das forças produtivas disponíveis.
Seu conceito de região incorpora a crítica que Yves Lacoste faz à noção de região
herdada da escola geográfica francesa, quando a considera um “conceito-obstáculo”. Este
autor propõe uma definição operacional de diversos tipos de regiões, cujas dimensões e
significados variados e complementares possibilitam o entendimento e a manipulação de
espacialidades diferenciais.
107 “
História da Agricultura e história regional: perspectivas metodológicas e linhas de pesquisa”. In:
Agricultura, Escravidão e Capitalismo.Petrópolis: Vozes. 1979, pp. 13-93
75
Para Lacoste, a complexidade da realidade do século XX impõe
“o reconhecimento de espacialidades diferenciais, de dimensões e
significados variados, cujos limites se recortam e se superpõem, de
tal maneira que, estando num ponto qualquer, não estaremos dentro
de um, e sim de diversos conjuntos espaciais definidos de diferentes
maneiras, mediante elementos da Geografia Física, da rede de
transportes, do mercado de capitais etc...”.108
Nesta perspectiva, Cardoso salienta que, ao se privilegiar uma das formas de se
recortar o espaço corre-se o risco de excluir fenômenos e escamotear outros conjuntos
espaciais de igual ou superior importância.
As considerações metodológicas de Gian Mario Giuliani109
sobre a problemática
regional apresentam alguns aspectos que permitem incorporar outros elementos ao debate.
Giuliani reflete sobre a região, apontando tanto seus elementos constitutivos, quanto suas
relações com outras regiões e com a unidade maior na qual se insere.
Ao complexificar a noção de região, a fim de perceber suas características
específicas mais dinâmicas, reconhecer suas contribuições à sociedade e identificar suas
potencialidades endógenas, destaca que as características físicas de uma região tornam-se
parte integrante dos processos sociais que nela se desenvolvem. Para ele, a natureza
dinâmica do conceito de região fundamenta-se nas dimensões ambientais, econômicas,
políticas e culturais isto é, nos atributos do meio natural e no conjunto das trocas dos bens
econômicos, do fluxo das pessoas e das informações que acontecem entre os lugares.
108
Ibid., p. 74.
109
Gian Mario Giuliani. “A problemática da regionalização agrária do Rio de Janeiro: observações
metodológicas”. In: Campo Aberto, o rural no Estado do Rio de Janeiro/organização Maria José Carneiro...
[et al.]. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1998, v. 1, p. 65-78.
76
Na perspectiva analítica de diferenciação regional, normalmente utiliza-se a
noção de sistema produtivo local referindo-se a um produto dominante na região, aos tipos
de relação de produção que o acompanham e às técnicas produtivas empregadas. Nesse
sentido, Giuliani ressalta que a forma do sistema produtivo regional depende, sobremaneira,
das características singulares da região e das relações que esta mantém com a sociedade
maior em determinado período histórico.
Ao estabelecer a valorização das dinâmicas específicas internas da região como
locus potenciais de “dimensões endógenas” de desenvolvimento baseia-se nas idéias de
Edgar Morin110
para “ver nas características locais não somente as eventuais dimensões,
por exemplo, de ‘empecilho à industrialização e à modernidade’, de ‘esvaziamento’, de
‘decadência’ mas, também, as dimensões reprimidas de potenciais recursos que deveriam
ser compreendidas e revitalizadas para o próprio desenvolvimento regional”.111
Ao analisar a dialética entre o global e o local, o autor observa que, tanto as
dinâmicas locais, como as inserções na economia mundial não podem funcionar sem a
intervenção do Estado. Percebe que, à medida em que as forças homogeneizadoras da
sociedade mais ampla – a globalização - avançam, há, em alternativa, uma revitalização das
“identidades locais”, uma reafirmação de suas singularidades. Assinala, ainda, que as
reivindicações de autonomia das regiões estabelecem-se ou como meio para maior
competitividade no mercado internacional ou para evitar os efeitos discriminadores de
110
De Morin (1977) Giuliani deduz três perspectivas sobre o todo e as partes: - As partes de um sistema tem
dupla identidade: sua identidade específica e como parte da identidade do todo; 2 – As partes de um sistema
sempre têm potencialidades reprimidas pela organização do sistema; 3 – O desempenho e a forma das partes é
o resultado das relações concretas mantidas com o sistema. Ibid., p. 71.
111
Ibid., p. 72
77
seletividade da modernização mas, sempre, num processo de formação, transformação e
ligação com o processo de globalização.
Na perspectiva de buscar elementos identificadores de uma região, Gian Mario
postula a importância da presença e difusão de um sentimento de pertencimento a um
conjunto de elementos culturais, específicos e singulares que, “preservando a cultura de
origem, vivificam uma rede de solidariedade que contribui para forjar um sentimento de
partilhar um mesmo destino”.112
Aponta, na linha interpretativa de Scardigli,113
que três dimensões fundamentais
identificam uma região: 1 – Um projeto de sociedade que prolonga sua história específica,
de um passado vivido a um futuro desejado; 2 – A especificidade da vida econômica e
social; 3 – O sistema regional de atores e a manifestação do modo como produz, gerencia e
supera a crise de mudança. Sintetizando, “regiões são aquelas que se consolidam na história
e se manifestam como tais nas mudanças”.114
À questão formulada por Scardigli se “é possível aproximar os diversos níveis de
vida, unificar as diversas opções de democracia e, ao mesmo tempo, estimular a
persistência da especificidade cultural ?”, Giuliani responde que um grande desafio está
posto aos atores sociais – a necessidade de, a partir de sua práxis, formar e reformar suas
regiões, sem esperar que isso seja feito por forças externas, na perspectiva de combinar o
112
P. Capellin. “Mercado de trabalho e reconversão produtiva: uma revisão da literatura sociológica italiana
após os anos 70”. XIX Encontro Nacional da ANPOCS, Caxambu, 17-21 de outubro de 1995, citado por Gian
Mario Giuliani. Ibid., p. 75.
113
Scardigli, V. (org.). L’Europe de la divesité: la dynamic des identités regionales. Paris: CNRS Editions,
1993, citado por Giuliani, ibid., p. 76.
114
Ibid., p. 76.
78
direito à igualdade econômica e social com o direito à diversidade cultural e
autodeterminação.115
As questões acrescentadas por Giuliani contribuem para a definição do conceito e
enriquecem as análises sobre a região do Médio Paraíba do Sul, cenário desta tese,
subsidiando o estudo da transformação ambiental ocasionada pelas práticas sócio-
econômicas (desmatamentos, queimadas, erosão, assoreamento dos rios, desertificação e
lixiviação dos solos, alterações climáticas, poluição hídrica, atmosférica e edáfica) causadas
pelo ciclo do café, pela pecuária extensiva e pela industrialização, na perspectiva de
verificar possíveis alicerces para a construção de um contrato natural, propugnado por um
conhecimento emancipatório.116
Cumpre lembrar, como assinalado nos esclarecimentos
metodológicos, que a abordagem regional referenciará as questões históricas na medida da
interdependência dos processos sócio-econômico-político-culturais com as questões
ambientais sem, contudo, fazer o aprofundamento que a análise histórica suscita.
2.2. Caracterização geral da região do Médio Paraíba do Sul
Localizada no sudeste do Brasil, a região do Paraíba do Sul possui um curso
d’água de maior importância - o rio Paraíba do Sul, cuja bacia hidrográfica ocupa uma área
de drenagem de 55.400 km2 distribuída pelos estados de São Paulo (13.500 km
2), Minas
Gerais (20.900 km2) e Rio de Janeiro (21.000 km
2). Correspondendo a 6% da Região
115
Ibid., p. 76.
116 Boaventura de Souza Santos, op. cit, p. 78-81.
79
Sudeste, a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul subdivide-se político-
administrativamente em três sub-bacias: sub-bacia fluminense, drenando 37,9% do
território do Estado do Rio de Janeiro; sub-bacia paulista, abarcando 37,7% do território do
Estado de São Paulo e sub-bacia mineira, englobando 24,4% do território do Estado de
Minas Gerais, o que constitui uma complexa situação territorial e administrativa,
representada pela necessidade de ações ordenadas envolvendo esses três estados e 168
municípios.117
Foto 02 - Sub-bacias paulista, mineira e fluminense do rio Paraíba do Sul Fonte: Projeto Paraíba do Sul – CD Rom – 1997.
117
Os dados sobre a área da bacia do rio Paraíba do Sul e o número de municípios por ela abrangidos nos três
estados, levantados pelo CEIVAP não coincidem com os mencionados pela Agência Nacional de Energia
Elétrica-ANEEL, adotados neste estudo. O CEIVAP especifica 175 municípios e uma área total de drenagem
do rio de 56.600 km2, sendo 20.500 km
2 em Minas Gerais, 13.500 km
2 em São Paulo e 22.600 km
2 no Rio de
Janeiro. Os dados foram extraídos da Coletânea de Estudos Contribuição ao Conhecimento da Bacia do Rio
Paraíba do Sul organizada por Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril, Paulo Cesar Tosin e Ligia Maria
Nascimento de Araújo, publicada pela ANEEL, 1998, p. 1-13.
80
A bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul é uma das bacias independentes que
integram o complexo hidrológico denominado de “Bacias do Atlântico – Trecho Leste”.
Alongada no sentido leste-oeste encerra um comprimento cerca de três vezes maior do que
sua largura máxima. Limita-se, ao norte, pelas serras da Mantiqueira, Caparaó e Santo
Eduardo, que a separam da Bacia do Paraná e, a partir dos contrafortes norte-orientais de
Mantiqueira, pelas bacias dos rios Doce e Itabapoana, ambas também integrantes da bacia
do leste brasileiro. Ao sul, a bacia é limitada pela Serra dos Órgãos e pelos trechos paulista
e fluminense da Serra do Mar, que a separam das pequenas bacias independentes
localizadas em espaços geográficos litorâneos. A oeste, seus limites são áreas de altitudes
pouco significativas nos arredores de Mogi das Cruzes, separando-a das cabeceiras do rio
Tietê. O rio Paraíba do Sul nasce em Campos do Cunha (SP), no planalto da Bocaina, a 20
km da Serra do Mar, originando-se na junção dos rios Paraibuna (“Paraíba de Águas
Escuras” ou “Pretas”, em língua tupi) e Paraitinga (“Paraíba de Águas Claras”). Percorre
1.137 km até desembocar no Oceano Atlântico, em Atafona - São João da Barra (RJ).
81
Foto 03 - Rio Paraíba do Sul no município de Volta Redonda
Fonte: Projeto Paraíba do Sul – 1997.
Da totalidade de sua extensão são extraídos diariamente 5 bilhões de litros d’água
para o consumo de cerca de 12,8 milhões de pessoas, sendo 8 milhões de habitantes da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro e 4 milhões 825 mil habitantes dos municípios118
situados em sua área de abrangência. Além disso, as águas deste rio possibilitam a irrigação
de terras para fins agropecuários e favorecem a instalação de usinas hidrelétricas,
viabilizadoras do parque industrial da região, que utiliza cerca de 2,5 bilhões de litros/dia.
Segundo estimativas da ANEEL,119
em 1998, o rio recebia diariamente um volume de
esgotos da ordem de 1 bilhão de litros, além de cargas tóxicas remanescentes das indústrias
e do garimpo correspondentes a valores da ordem de 5,8 t/equitox/dia. Na década de 40,
118
Os dados populacionais são do CEIVAP, Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica.
PQA, jul./1999.
119
Op. cit., 1998, (prefácio).
82
segundo dados do Boletim Municipal de Barra do Piraí, 120
este mesmo rio, comparado ao
outros córregos do primeiro distrito, apresentava baixo grau de “poluição” conforme os
resultados dos exames de duas amostragens de águas recolhidas dos córregos e do rio, em
27/10/39, naquele município, e publicadas no referido Boletim, ainda que recebesse,
“diretamente, em muitos pontos, águas servidas domiciliares, sem fóssa, e portanto sem
tratamento prévio, e águas industrais (cortume etc.)”.
Aferidas pelo processo de self-depuração,121
os exames demonstraram os baixos
índices de contaminação deste rio por coliformes fecais, segundo as especificações abaixo,
justificando, portanto, a escolha do rio Paraíba do Sul como fonte principal de
abastecimento de água do distrito sede, com o conseqüente abandono de outros manaciais,
até então utilizados.
“1ª Amostra 2ª Amostra
Manga Larga .............. - - - Manga Larga ............. 4.240
Cachoeirinha .............. 2.800 Cachoeirinha ............. 2.440
Santa Cecília .............. 6.220 Santa Cecília ............. 4.600
Paraíba ....................... .640 Paraíba ...................... .100”
Para a deterioração da qualidade das águas da bacia do rio Paraíba do Sul ocorre,
ainda, a erosão, responsável pelo assoreamento dos cursos d’água e das incontroláveis
inundações. Como ilustração da situação, a ANEEL aponta o volume de sólidos em
suspensão medidos na foz deste rio, em 1996, equivalente ao recobrimento diário de uma
120
Boletim Municipal. Órgão Oficial da Prefeitura de Barra do Piraí. Ano IX, n. 420. Barra do Piraí, 18 de
maio de 1941.
121
Este processo consiste, segundo descrição contida no referido Boletim, “em se determinar o oxigênio
dissolvido antes e depois de um período de incubação de 5 dias á temperatura de 20ºC. Esse valor depende de
inúmeras causas, sobressaindo a água em que se faz a diluição da água de esgoto, do valor do seu Ph e da
quantidade de bacterias presentes.”
83
camada de 1,0m de espessura de uma área de um milhão de hectares relacionado
diretamente com os desmatamentos ocorridos na bacia, nas últimas décadas.
A irregularidade do curso do rio Paraíba do Sul define a topografia e a
morfologia da região, em função da zona em que a área de drenagem atua. Sua bacia
hidrográfica pode ser subdividida geograficamente em três regiões:122
- Alto Paraíba, com cerca de 280 km de extensão, desenvolve-se desde as
nascentes até Guararema, apresentando fortes declividades (cerca de 4,9
m/km) e exibindo regime torrencial, com os rios correndo no sentido leste-oeste.
Esse trecho compõe-se, basicamente, de terrenos antigos.
- Médio Paraíba (superior e inferior): o curso médio superior desenvolve-se
em um traçado sinuoso por cerca de 300 km, entre Guararema e Cachoeira
Paulista, correndo sobre terrenos sedimentares de origem terciária. Em função
de sua declividade, a variação da altitude é de cerca de 57 metros, constituindo-
se este trecho em extensas várzeas; o curso médio inferior estende-se por 430
km até a cidade de São Fidélis (RJ), com declividade média de 1 m/km e
altitude variando entre 515 e 520 metros.
122
Os dados topológicos da região foram compilados do Relatório Síntese da Fase B do Projeto Paraíba do
Sul – Implantação da Agência Técnica e Diagnóstico da Bacia- Cooperação Brasil-França; Carlos R. S.
Fontenelle Bizerril et alii. “A bacia do Rio Paraíba do Sul: uma análise do meio físico e da paisagem fluvial”,
in: Contribuição ao conhecimento da bacia do rio Paraíba do Sul: coletânea de Estudos/Carlos Roberto S.
Fontenelle Bizerril, Paulo Cesar Tosin e Lígia Maria Nascimento de Araújo (organizadores) – Rio de Janeiro:
ANEEL: CPRM, 1998, p. 8-9 e de Júlio Augusto de Castro Pellegrini e Krishna Neffa Vieira de Castro. “O
rio Paraíba do Sul no desenvolvimento da vida – características e gestão”, in: Maria Julieta Costa Calazans,
Elza Maria Neffa Vieira de Castro e Maria do Carmo M. M. Maccariello (coords.). As práticas sociais dos
profissionais da educação e dos trabalhadores rurais – um estudo na Região do Médio Paraíba. Relatório de
Pesquisa. Rio de Janeiro: CNPq/UERJ, abril/1996, vol. I, p. 350-355.
84
Foto 04 - Curso médio do rio Paraíba do Sul próximo a Resende
Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de Investimentos
para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul –
ANEEL/CD Rom - Fonte: Marcelo Dou, 1997.
- Baixo Paraíba estende-se de São Fidélis até a foz por cerca de 90 km sobre
terrenos sedimentares de origem fluvial. O trecho em questão exibe pequena
declividade, com valores médios de 0,22m/km e apresenta um significativo
número de sistemas lénticos, isto é, brejos, lagos e lagoas que, em muitos casos,
são alimentados pelo transbordamento do rio Paraíba do Sul.
85
A morfologia da região do Médio Paraíba do Sul, no seu trecho fluminense, é
classificada por Cavalcanti em três unidades distintas:123
- Áreas rebaixadas, quase planas, onde o rio Paraíba do Sul corre em um vale
de planície aluvial, cujo processo de formação deve-se a sua origem tectônica,
já que os sedimentos terciários acumularam-se e formaram uma bacia
sedimentar. A planície não se apresenta uniforme e contínua em toda a extensão
do vale. Nesta classificação encontramos a bacia de Resende como a de maior
importância, com presença de leves colinas tabulares de encostas suaves,
favorecendo assim os estabelecimentos urbanos, a expansão de atividades
econômicas e o desenvolvimento de áreas industriais.
- Áreas com predominância da paisagem dos chamados “mar-de-morros”, que
recebem tal denominação por apresentarem ondulações de altitudes variáveis e,
em geral, arredondadas. Possui vertentes íngremes originadas da erosão fluvial,
desgaste que ocasionou intensa fragmentação do relevo em toda a região.
- Alinhamento montanhoso que, localizado nas partes mais elevadas da Serra
do Mar (Rio Claro e Valença) e da Mantiqueira (Resende e Itatiaia), com
altitudes acima de 1.000 metros, determina o ponto culminante do Estado - o
Pico das Agulhas Negras, com 2.787 metros - e o Pico das Prateleiras, com
2.515 metros, ambos localizados na Serra da Mantiqueira.
O substrato geológico dessa região é formado principalmente por composições
litográficas de idade pré-cambriana média e superior. Rochas de origem terciária estão
123
Rita de Cássia S. Cavalcanti. As modificações da paisagem de Resende em função das atividades
econômicas desenvolvidas. UERJ. Rio de Janeiro, 1985.
86
ligadas ao maciço alcalino do Itatiaia. Sedimentos terciários são encontrados nas bacias
sedimentares de Resende, Volta Redonda e Barra Mansa. Sedimentos quaternários ocorrem
de forma restrita na região. Tomando por base as características litológicas e estruturais, a
área drenada pela bacia do rio Paraíba do Sul apresenta o domínio de migmatitos e
freqüentes ocorrências de charnockitos.
Em relação à vegetação, a área da bacia do rio Paraíba do Sul apresentava-se,
originalmente, densamente coberta por uma floresta tropical latifoliada com diversidade,
complexidade e originalidade desconhecidas pelos europeus do século XVI e apenas na
faixa de Campos dos Goytacazes notava-se uma vegetação típica litorânea. A linhagem da
Mata Atlântica é extremamente antiga. Sua gênese remonta há mais de 400 milhões de
anos, embora sua evolução tenha sido extremamente rápida e multiforme, em movimentos
de expansão e encolhimento decorrentes das eras glaciais no período geológico atual, o
Quaternário. Esses deslocamentos da floresta são aventados como uma explicação da
superior diversidade biológica da Mata Atlântica. O último período glacial alcançou seu
ápice de 25 a 18 mil anos atrás, declinando-se a não menos de 12 mil anos. Nesse instante
do tempo geológico, as geleiras se retiraram para seus santuários atuais no topo dos picos
mais elevados dos Andes e a Mata Atlântica, mais uma vez, se expandiu vigorosamente
com períodos prolongados de crescimento, radiação solar intensa e o conseqüente aumento
da temperatura e regimes de chuvas abundantes levemente sazonais. Essas condições
propiciaram uma surpreendente diversidade biológica estimulada pelas próprias inter-retro-
relações das formas de vida ali presentes.
A expansão da Mata Atlântica coincidiu com a sua descoberta pelos homens
87
caçadores que invadiram as planícies sul-americanas há, talvez, treze mil anos.124
As evidências arqueológicas oferecem poucas pistas sobre os padrões de
assentamento, adaptações culturais ou adequação da exploração do ambiente feita por esses
primeiros habitantes para que se possa analisar, com exatidão, o grau de desequilíbrio
gerado na natureza, necessário para perpetuarem-se.
Entretanto, nos últimos dois séculos deste milênio, a intensificação da
intervenção humana, através de derrubada seletiva, do extrativismo e das queimadas, teve
efeitos devastadores sobre este complexo florestal de extraordinária diversidade.
Foto 05 - Desmatamentos
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997. Fonte: Luis Martín.
124
A origem e a data da chegada do homem ao Novo Mundo é fruto de meras conjeturas baseadas em
limitadas evidências arqueológicas e, por isso, suscetível de questionamentos e controvérsias por diversos
autores, inclusive Warren Dean, em sua obra A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica
brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.19-38.
88
Foto 06 - Queimadas
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997 Fonte: Luis Martín.
Se, no século XVI, 97% do território fluminense eram cobertos por matas nativas,
até meados da última década do século XX, esse percentual caiu para 17,6% da superfície
estadual, segundo dados do Instituto Estadual de Florestas (1994). A ação do desmatamento
ocorreu com a cafeicultura, no século XIX, quando este percentual teve uma queda para
81% e, mais intensamente, na primeira metade do século XX, com a implantação de
atividades de pecuária extensiva, quando a cobertura vegetal diminuiu para 25% de sua área
total. A partir de 1960, o desmatamento prossegue, conforme explicitado na tabela 1 e, na
atualidade, a paisagem é dominada por morros com solos exauridos, revestidos de plantas
herbáceas, principalmente as gramíneas, caracterizando pastos improdutivos que, na região
do Médio Paraíba do Sul, representam 70% da superfície da bacia.
89
Tabela 1 - Evolução do desmatamento entre 1500-1990
no Estado do Rio de Janeiro
Ano Área (há) de
Cobertura florestal
% de cobertura
florestal no
Estado
1500 4.294.000 97
1912 3.585.700 81
1960 1.106.700 25
1978 973.900 22
1985 973.100 21
1990 896.200 20
Fonte: Instituto Estadual de Floresta (IEF), 1994.
No período compreendido entre 1990 e 1995, o Estado do Rio de Janeiro foi o
maior responsável pelo índice de desmatamento do país, devastando uma área de 140.372
hectares, o que corresponde a 38,87% do total da área de 361.095 hectares desmatada em
sete outros estados do país (GO, MS, ES, MG, SP, PR, SC e RS). 125
Apesar de ocupar quase a metade do território do estado do Rio de Janeiro, a
bacia do rio Paraíba do Sul abarca somente 30% das florestas naturais remanescentes desse
ente federativo. De acordo com o mapeamento de cobertura vegetal e uso da terra realizado
pelo Grupo Executivo para Recuperação e Obras Emergenciais (GEROE)126
, em 1995,
apenas 13,6% da área da bacia estavam cobertos por florestas, estando a região do Médio
Paraíba Fluminense com 30% desse montante concentrados, principalmente, nos
municípios de Resende, Rio Claro e Valença.
125
Dados extraídos do Jornal Estado de São Paulo, em 23/05/98, p. A18.
126
Citado no Programa Estadual de Investimentos da Bacia do rio Paraíba do Sul – RJ. Sub-regiões A, B e C.
Controle de Erosão. Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA)/Fundação Superintendência Estadual de
Rios e Lagoas (SERLA)/Plano de Recursos Hídricos da Bacia do rio Paraíba do Sul. Projeto
BRA/96/017.Junho de 1998, p.5-6.
90
As áreas remanescentes foram protegidas em Unidades de Conservação dentro da
Área de Preservação Ambiental da Serra da Mantiqueira (Decreto 91304, de 03/06/85), que
engloba o Parque Nacional de Itatiaia (Itatiaia), a Serra da Pedra Selada (Resende), a
Estação Ecológica de Piraí (Piraí), Floresta da Cicuta (Volta Redonda) e a Reserva
Particular e Patrimônio Natural Santo Antônio da Aliança, situado na Serra da Concórdia
(Valença-Barra do Piraí). Estudos realizados pelo Instituto Estadual de Florestas em
convênio com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, em 1994,
detectaram que estas ilhas de matas estão ajudando a disseminar as espécies florestais pela
região, através dos tradicionais mecanismos de dispersão das sementes. Mesmo protegidas
em Unidades de Conservação, essas áreas continuam sujeitas a ações ilegais, predatórias,
de retirada de palmito, de madeiras, de plantas ornamentais, caça e pesca, além de
queimadas e ocupações clandestinas.127
Em conformidade com o Censo Agropecuário de 1995/96, as florestas plantadas
ocupam uma área de 12.061 hectares, principalmente nos municípios de Barra do Piraí,
Piraí, Resende, Valença e Volta Redonda, todos com mais de 1.350 hectares de área
ocupada com silvicultura. No entanto, em 1985 havia 21.169 hectares de florestas plantadas
nesta região, o que demonstra uma redução, em 1995, de 43% da área existente. Cumpre
salientar que a maior parte dessas florestas constitui-se de eucaliptos para alimentar o setor
de papel e celulose e siderúrgico do vale do Paraíba.
127 bid., p. 115.
91
Como remanescentes do ecossistema primitivo permanecem espécies arbóreas
tipo vinhático (Plathymenia Foliosa), cedro (Cedrela Graziovii), canela (Nectandra
Myriantha), peroba (Aspidosperma Sp), ipê (Tecoma Ipê), murici (Byrsonima Verba
Scifolia), cabiúna (Dalbergia Nigra), guatambu (Gênero das Aspidospermas) e, por fim, o
palmito (Euterpe Edules). Nas regiões mais altas encontra-se o pinheiro brasileiro ou
“pinheiro-do-Paraná” (Araucaria Angustifolia).
Foto 07 - Mata Atlântica
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Quanto à fauna, os animais que ocorriam originalmente na região permanecem
representados nas áreas de preservação ambiental e nas matas esparsas, apesar de certas
espécies encontrarem-se, atualmente, em acentuada fase de extinção, devido à precariedade
das condições ecológicas. Dentre os mamíferos, a capivara, o cachorro do mato, a onça
parda ou suçuarana, o porco do mato, a queixada ou cateto, o cachingelê ou esquilo, a paca,
92
a lontra, a preguiça, o gato do mato, o veado mateiro, a cutia, o furão, o tamanduá mirim, a
jaguatirica, a onça pintada e os macacos – sauá, mono ou muriqui, bugio ou barbado e o
mico ou sagui estão entre os que se acham em processo de decréscimo populacional,
juntando-se ao mão pelada, ao tatu-molita do rabo mole, ao ouriço caixeiro, ao préa, ao
gambá, ao coelho tapiti, a cuíca e ao prego.
Foto 08 - Preguiça
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Dos répteis – jacaré, jabuti, cágado, camaleão e lagarto, somente este último não
se encontra ameaçado.
93
Foto 09 - Réptil
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Da enorme variedade de aves existentes na região, 50% correm o risco de
extermínio, devido à caça predatória e à poluição ambiental. Na categoria das aves, o irerê,
o anu branco e preto, o peixe frito, o mergulhão e a saracura estão entre os que se
encontram preservados, assim como o canário, o gaturano, a saíra, o tico-tico, o trinca-
ferro, o coleiro, o sabiá, o joão-de-barro, o bem-te-vi, o melro, o sanhaço, o tié sangue e o
tiziu, o mesmo não sucedendo com o curió, o pintassilgo, o pichochó, o macuco, o
inhambu, o chororó, o guacu, o chitã, a garça, o socó, o vavacu, o marreco toucinho, o
biguatinga, o frango d’água azul, o colhereiro, o cabeça seca, o jaguaçu, o uru, a alma de
gato e a jaçanã. Algumas variedades de gaviões, tais como o casaca de couro, o caracará, o
pinhe e o caraúcho não se encontram em perigo de extinção, enquanto o pato, o pega
macaco e o real estão em vias de desaparecimento.
Entre os espécimes de corujas ameaçados encontram-se a suindara, o corujão da
mata virgem, o morucututu, o caburé do sul, a mãe da lua e o uruteu.
94
Preservam-se a botaqueira e os curiangus. Também o beija-flor, o pica-pau e os
periquitos verde, tuim e maracanã. As maitacas e os papagaios não tiveram a mesma sorte,
assim como os tucanos do bico verde e o araçari banana.
A fauna de peixes da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul apresenta 169
espécies, podendo ser ordenadas em três grandes grupos: de água doce nativas (68,5%),
marinhas (22%) e introduzidas (9,5%).128
Nesta bacia um grande número de espécies com
tamanhos variando entre, aproximadamente, menos de um e oitenta centímetros encontram-
se agrupados em seis famílias, podendo-se destacar a presença de traíra, corimbatá, sairu,
piau, canivete, piabanha, pirapitinga, lambari, bocarra, piquira, corvina de água doce, cará,
cascudo, bagre, tucunaré, guaru, saguiru, papa-terra, peixe-espada, piaba, piapara, dourado,
cumbaca, cuvira, mandi-guaçu, entre outras espécies de água doce.
Muitas dessas espécies vêm sofrendo um processo de extinção, devido ao
lançamento de dejetos domésticos e, especialmente, industriais nas águas deste rio,
refletindo-se na contaminação do pescado. Este processo vem intensificando-se, nas últimas
décadas do século XX, inclusive com alterações morfológicas e estruturais, lesões, tumores
e variações no crescimento dos peixes, provocados pelos efluentes das indústrias químicas
e, principalmente, da Companhia Siderúrgica Nacional, pois a maior incidência dessas
anomalias ocorre no trecho compreendido entre as cidades de Volta Redonda e Barra do
Piraí, a jusante dos despejos da CSN.
128
Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril. “A ictiofauna: diversidade biológica e padrões biogeográficos”. In:
BIZERRIL, Carlos R.S. Fontenelle et alii. Contribuição ao conhecimento da bacia do rio Paraíba do Sul:
coletânea de Estudos/Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril, Paulo Cesar Tosin e Lígia Maria Nascimento de
Araújo (organizadores) – Rio de Janeiro: ANEEL: CPRM, 1998, p. 8-9 e p. 20.
95
Foto 10 - Companhia Siderúrgica Nacional – Município de Volta Redonda
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Sensíveis a essa poluição, encontram-se em extinção os peixes cascudo
(Hypostomus affinis), piau (Leporinus copelandii) e lambari (Astyanax bimaculatus). Em
relação aos peixes de piracema, algumas espécies como piabanha (Brycon sp), dourado
(Salminus maxilosus) e corimbatá (Prochylodus scrofa) praticamente desapareceram na
região, como conseqüência da construção das barragens de Funil e de Santa Cecília, que
impedem a livre movimentação desses peixes.129
O surubi, peixe que por sua abundância nos idos de 1600 teve seu nome
associado ao nome do rio Paraíba, então conhecido como rio Sorobis, é mais uma espécie
ameaçada de extinção.
A devastação das florestas e a transformação de rios de águas límpidas em
ambientes caracterizados por altas perdas bióticas têm levado a avifauna e a ictiofauna a
reunirem-se em zonas de endemismos, unidades biogeográficas que atuam como refúgios
exclusivos de algumas espécies, como ocorre com determinadas aves que buscam matas
129
“Rio Paraíba do Sul, trecho Funil-Santa Cecília. Problemas ambientais e água de abastecimento público”.
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, Comissão de Defesa do Meio Ambiente.
Gabinete do deputado Carlos Minc. Rio de Janeiro, setembro de 1996, p. 12.
96
naturais para preservarem-se e, no Alto rio Preto e sistemas integrados ao Parque Nacional
de Itatiaia, com os peixes canivete (Characidium lauroi) e moréia (Trichomycterus
itatyae).130
No que se refere ao aspecto climático, a bacia do rio Paraíba do Sul apresenta
tipos diferenciados.
No Alto Paraíba, a temperatura amena com verões frescos e chuvas intermitentes
caracteriza o clima tropical de altitude com altos índices de pluviosidade, sobretudo junto à
Serra do Mar.
No Médio Paraíba, o clima é tropical de altitude, subquente úmido, com
pluviosidade média em torno de 1.500 mm anuais, apresentando um ritmo marcado de
estações chuvosas no verão quente e seca no inverno. O aspecto nitidamente tropical das
precipitações deve-se à peculiar situação geográfica da bacia do Paraíba do Sul Fluminense
que, uma vez localizada na vertente interior da Serra do Mar, não sofre a influência direta
dos ventos úmidos do litoral (zona de influência direta da Massa Tropical Atlântica). Estes,
quando aí chegam, já perderam a umidade na encosta atlântica (chuvas de relevo ou
orográficas). A concentração das chuvas nos meses de verão é explicada pela influência da
Massa Equatorial Continental. No inverno, a Massa Polar, avançando para o norte, chega à
região quase sem umidade, perdendo-a ao transpor o obstáculo da Serra do Mar. Assim, os
meses de inverno apresentam uma precipitação média inferior a 30 mm e a estação seca
prolonga-se de maio a setembro. Nos pontos mais elevados (acima de 1.000 metros), a
130
Dados constatados a partir dos estudos desenvolvidos no âmbito do Programa de Cooperação Técnica
Brasil-França para Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas e do Departamento de Biologia Geral da UFMG,
pelo Prof. Miguel Ângelo Marino. “Menos Matas, Menos Pássaros”. Ciência Hoje, n.117, v. 20.
97
temperatura média, no verão, não ultrapassa a 15oC. No inverno atinge a 0
oC e, por vezes,
são observados índices negativos, com surgimento de geadas. Nas regiões de baixada, o
verão caracteriza-se por temperaturas amenas entre 18oC e 20
oC podendo, no entanto,
atingir a máxima diária de 32oC. No inverno, a temperatura média oscila entre 15
o e 18
oC.
O Baixo Paraíba apresenta clima tropical quente, úmido e sub-úmido com estação
seca (às vezes com anomalias) e uma estação úmida.131
Além de beneficiar-se de altos índices pluviométricos em suas cabeceiras, a bacia
do rio Paraíba do Sul tem o volume de suas águas aumentado por alguns tributários. Os rios
Paraibuna, Pomba e Muriaé, pela margem esquerda, são os que lhe fornecem maior volume
d’água. Pela margem direita, destacam-se os rios Piabanha, Paquequer, Dois Rios, Barreiro
de Baixo, Barra Mansa, Brandão e Piraí. Este último tem importante papel no
abastecimento e na geração de energia da Região Metropolitana, a partir do represamento
de suas águas na barragem de Santana, em Barra do Piraí que, juntamente com as águas
captadas do rio Paraíba do Sul, são desviadas para a bacia do rio Guandu, pelo sistema
LIGHT/CEDAE. Tal sistema faz da Light o maior usuário em termos quantitativos da
bacia.
131
Síntese da categorização climática extraída de Região do Médio Paraíba: limites & desafios/ coordenação:
Elza Maria Neffa Vieira de Castro. Colaboração: Antonio Carlos de Oliveira Lima e Wilma Helena Delgado
de Almeida França – Rio de Janeiro: Quartet Ed., 1994, p. 16-17; O rio Paraíba do Sul. Ângulo, Lorena
(59):13-17, mai./jul. 1994.
98
Foto 11 - Sistema Ligth/Cedae – Usina Elevatória de Vigário – Município de Piraí
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Neste sistema, cerca de 160 m3/s das águas do Paraíba são alçadas pela Usina
Elevatória de Santa Cecília para o reservatório de Santana, no rio Piraí e, posteriormente,
através de novo bombeamento, na Usina Elevatória de Vigário. Deste último, após já terem
ultrapassado a Serra do Mar, as águas descem através de condutos forçados em direção ao
rio Guandu, indo alimentar as usinas de Nilo Peçanha I e II, Fontes Velha e Pereira Passos,
com potência total de cerca de 600 MW.132
Atualmente, a potência instalada na bacia
supera 1.020 MW, incluindo várias usinas de pequeno e médio portes operadas por diversas
concessionárias.
132
Dados extraídos do Relatório Síntese da Fase B do Projeto Paraíba do Sul – Implantação da Agência
Técnica e Diagnóstico da Bacia – Cooperação Brasil França, p. 26.
99
Foto 12 – Usina Elevatória Santa Cecília – Município de Barra do Piraí
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
100
Os rios Barra Mansa e Brandão, por sua vez, devido à produção de grande
quantidade de sedimentos em suas calhas comprometem as áreas urbanas de Barra Mansa e
Volta Redonda, pelas inundações que ocorrem em seus leitos assoreados e indevidamente
ocupados.
Outros tributários destacam-se pelo seu porte e alta complexidade ambiental, tais
como: Paraitinga, Una, Piaqui e Bocaina.
Um afluente indireto do rio Paraíba do Sul de grande importância no contexto da
região do Médio Paraíba é o rio Preto que, tal qual o rio Turvo, apresenta sua bacia bastante
degradada pelo uso rural, que sofre freqüentes queimadas e está praticamente desprovida de
florestas na maior parte de sua extensão.
O rio Preto nasce na Serra da Mantiqueira, à sombra das Agulhas Negras, a uma
altitude de 2.440 metros, estendendo-se por 198 km até desaguar no rio Paraibuna próximo
a cidade de Três Rios (RJ), que lhe absorve os direitos de hierarquia, tornando-o apenas seu
tributário. Este rio serve de limite natural entre os estados de Minas Gerais e do Rio de
Janeiro acolhendo, em suas margens, inúmeros pequenos afluentes. Pela margem esquerda
destacam-se os rios Bananal, Pirapetinga e São Lourenço e, pela margem direita, o rio São
Fernando e o rio das Flores, sendo este o mais importante deles, por drenar parte do
município de Valença e ser utilizado para abastecimento dessa cidade.
101
Fotos 13 e 14 - Rio Preto – Divisa dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro
Fonte: Elza Neffa - 1994.
102
Foto 15 - Véu de Noiva – Município de Itatiaia
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
A bacia do rio Preto é delimitada por ramificações da Serra da Mantiqueira cujas
denominações locais são: Serra de Pedra Selada, Rio Bonito, Santa Tereza, São Miguel,
São Manoel, Minhocas, Concórdia, Mascates e Abóboras, no lado fluminense e, Serra do
Lagarto, da Mira, Santa Clara, São Gabriel, Negra e Mirante, no lado mineiro.
103
A visão histórica do vale do Paraíba confunde-se com a do vale do rio Preto, na
medida em que este vale estende-se como uma microbacia do Paraíba do Sul e, no período
de 1810 a 1880, nos vales desses dois rios - Paraíba e Preto - desenvolveu-se a monocultura
cafeeira para exportação, permitindo à Província do Rio de Janeiro constituir-se num
importante centro econômico nacional, sob o controle dos barões do café.
No século XX, a região do Médio Paraíba configura-se através de espaços
desiguais com características bem peculiares que, em princípio, não podem ser
caracterizados como “atrasados” ou “modernos”. No caso desta região, essa desigualdade
foi produzida historicamente pela forma como o capitalismo brasileiro se moveu em sua
totalidade. Em alguns espaços, o setor industrial tem maior expansão e, em outros, o setor
agropecuário tem maior concentração. Percebe-se, assim, que a região do Médio Paraíba
apresenta-se com profundas disparidades intra-regionais.
Se, por um lado, a região implementou um parque industrial de significância
nacional na bacia do rio Paraíba do Sul,133
por outro, a modernização da agricultura,
implementada em vastos segmentos do campo brasileiro, nas décadas de 50, 60 e 70 com
alteração da base técnica da produção, incorporação de “insumos modernos” ao processo
produtivo, mecanização e tecnificação da produção, acesso ao crédito agrícola e integração
aos modernos circuitos de comercialização, não garantiu o crescimento econômico das
pequenas unidades produtivas, com base em mão de obra familiar, existentes,
133
Os dados sobre o número de indústrias situadas na bacia do rio Paraíba do Sul divergem
consideravelmente. O prospecto do Relatório Executivo dos Programas Estaduais de Investimentos do
CEIVAP, publicado em julho de 1999, especifica 5400 indústrias. O Anuário Estatístico do Estado do Rio de
Janeiro de 1998, à página 329, lista 1455 indústrias. Cadastradas pelo Projeto Paraíba do Sul. Fase B.
Implantação da Agência Técnica e Diagnóstico da Bacia/Cooperação Brasil-França, encontram-se 1750. Rio
de Janeiro, MME/DNAEE e DBE. Não paginado.
104
principalmente, na bacia hidrográfica do rio Preto. Além dos obstáculos encontrados para
obtenção de financiamentos, essas pequenas propriedades apresentam uma topografia
acidentada de “mar de morros”, que dificulta a utilização de máquinas e tratores e estimula
técnicas tradicionais. O fluxo migratório e a ruptura das relações sociais tradicionais
(transformação do trabalhador dependente em trabalhador assalariado e/ou em camponês
autônomo, com crescente expropriação de moradia, utilização de terras, mata, lenha, água)
acentuou o esvaziamento populacional dessas áreas e reduziu as possibilidades de aumento
da produtividade.
Foto 16 - Mar de Morros
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997. Fonte: Luis Martín.
105
As atividades agropastoris caracterizam o vale do rio Preto tanto pelos
municípios fluminenses - Valença, Rio das Flores, Quatis, áreas rurais de Resende e
Itatiaia,134
quanto pelos municípios mineiros - Bocaina de Minas, Passa Vinte, Santa Rita
do Jacutinga, Rio Preto, Santa Bárbara do Monte Verde, Bom Jardim de Minas e Belmiro
Braga e, ainda que seja constituído por uma parte fluminense e outra mineira, pouca
diferença nota-se no comportamento dos habitantes deste vale, onde prevalece o
tradicionalismo e o conservadorismo.
Foto 17 - Mapa da bacia do rio Preto Centro de Produção Agropecuária – CEPA
Fundação Educacional D. André Arcoverde – FAA - 2000.
Há uma grande dificuldade de penetração de novos valores e uma forte
preservação de velhos símbolos. Além disso, a presença de índios, negros e europeus
134
Embora Resende e Itatiaia apresentem atividades industriais localizadas no vale do Paraíba do Sul, esses
municípios desenvolvem atividades agropecuárias primordialmente nos espaços do vale do Rio Preto.
106
deixou suas marcas, não só no aspecto físico, como também na maneira de ser do povo, nos
hábitos, no vocabulário, nas técnicas agrícolas, na preparação dos alimentos e
principalmente, nas crenças e na fé religiosa.135
Foto 18 - Procissão de São Jorge (23/04) – Valença/RJ
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997. Fonte: Luis Martín.
A análise da densidade demográfica (hab/km2) dos municípios da região do
Médio Paraíba indica a diversidade e a complexidade existente nesta região. Os municípios
de Volta Redonda, Resende, Barra Mansa, Barra do Piraí, Piraí, Porto Real, Itatiaia e
Pinheiral, cujas atividades são prioritariamente industriais e/ou participam da dinâmica
econômica da industrialização, apresentam elevada densidade demográfica, ou seja, 168,61
hab/km2. Os municípios de Valença, Rio das Flores, Rio Claro e Quatis, cuja prioridade
135
Elza Maria Neffa Vieira de Castro (coord.). Vale do Rio Preto: recursos e necessidades. Consultora Maria
Julieta Costa Calazans; colaboração Wilma Helena Delgado de Almeida França et. alii. Valença: Ed. Valença,
1992, p. 37.
107
econômica recai nas atividades de agropecuária, apresentam extensa área, com 2.917,5 km2
e detém uma baixa densidade demográfica, 31,63 hab/km2.
Confrontando-se esses espaços intra-regionais no panorama global deste vale,
esta distinção evidencia-se, principalmente, através da alta percentagem com a qual a região
industrializada contribui para a formação da renda regional (83,56%), em contraposição aos
espaços onde se desenvolve a agropecuária, que incorporam apenas 1,59% ao total da renda
da região. A esses dados acresce-se o setor terciário, responsável por 14,85%, e o fato dessa
realidade ser encoberta por uma imagem de desenvolvimento que homogeneiza a região
como um todo.136
Considerando-se a evolução populacional do estado do Rio de Janeiro no período
que abrange desde o primeiro recenseamento oficial, em 1872, quando se estimou em
782.724 o número de habitantes da Província do Rio de Janeiro, até os 13.406.379
habitantes recenseados em 1996,137
percebe-se que a organização espacial das atividades
produtivas repercutiu na dinâmica populacional.
Somente a partir de 1940, quando os recenseamentos passaram a enumerar
separadamente os setores urbano e rural, a análise da distribuição populacional pôde ser
feita com esta distinção.
No ano de 1940, a população rural do estado do Rio de Janeiro apresentava-se
com um contingente de 38,7%.
136
Dados extraídos do Fórum para o Desenvolvimento da Região do Médio Paraíba. Governo do Estado do
Rio de Janeiro/BANERJ/Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, nov./1992, p. 42.
137
Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro – Rio
de Janeiro: CIDE, 1998, V. 15, p. 58.
108
A análise da tabela 2 demonstra uma relativa estabilidade populacional rural no
estado do Rio de Janeiro nas décadas de 40, 50 e 60, embora constate-se um crescente
incremento populacional na área urbana, neste mesmo período. A estabilidade
populacional das primeiras décadas corrobora a idéia de que, nesse período, a produção
cafeeira regional ainda sustentava o trabalho de uma considerável população no campo,
embora se constate uma perda do poder econômico-político regional, em função da
decadência da lavoura cafeeira que, em 1875, exportava, pela Estrada de Ferro D. Pedro II,
45.245.499 sacas de café138
e, em 1928, reduzia sua exportação para apenas 72.341 sacas de
60 quilos, como demonstra a tabela 3, que segue abaixo.
Tabela 2 - População residente, segundo as principais características do Estado do Rio de Janeiro
1940-1996
1940 (1) 1950 (1) 1960 (1) 1970 1980 1991 1996
Total do
Estado 3.611.998 4.674.645 6.291.879 8.994.802 11.291.520 12.807.706 13.406.379
Urbana 2.212.211 3.392.591 5.252.631 7.906.146 10.368.191 12.199.641 12.806.488
Rural 1.399.787 1.282.054 1.397.015 1.088.656 923.329 608.065 599.891
Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censos Demográficos, Contagem da
População – 1996 e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Anuário Estatístico do Estado
do Rio de Janeiro/Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I (1987), p.
57. (1) População presente.
138
Relatório do Império – Agricultura. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1876. Contador: José Trench.
109
Tabela 3 - Demonstrativo do café fluminense exportado em 1928, em sacas de 60 quilos, segundo os
despachos das Estações de Estrada de Ferro
Municípios
Número de
Distritos
Propriedades
Cafeeiras
Quantidades de cafeeiros
Produção
Exportada
1928
Estimativa da
Safra
1929-1930
Produzindo Novos Total Sacas/60 kg sacas/60 kg
Barra
Mansa 8 66 3.423.100 342.310 3.765.410 12.751 35.000
Barra do
Pirahy 5 56 2.592.100 259.210 2.851.310 8.086 22.500
Pirahy 4 38 681.900 136.280 818.180 185 6.000
Rezende 7 82 4.000.000 659.000 4.659.000 8.562 45.000
Rio Claro 2 4 72.900 8.100 81.000 - 525
Santa
Teresa 4 64 3.867.000 708.500 4.575.500 8.577 35.000
São João
Marcos 3 8 100.000 30.000 130.000 - 500
Valença 7 82 8.500.000 232.900 8.732.900 34.180 55.000
Total 40 400 23237000 2376300 25613300 72341 199525
Fonte: Instituto de Fomento e Economia Agrícola do Estado do Rio de Janeiro - 1928 (Publicação nº 10)
Na região do Médio Paraíba, um esvaziamento populacional apresenta-se, com
maior nitidez, nos municípios de Rio Claro e de Rio das Flores.
O município de Rio Claro expressa tal esvaziamento, com índices negativos de
crescimento nas décadas de 1940-50 e 1960-80, conforme tabela 4. Dados do IBGE de
1996 registram um crescimento da população urbana da ordem de 14,2%, no período de
1991/96, enquanto a rural apresenta –5,1%, totalizando 7,3% do percentual do crescimento
global do município.
110
Tabela 4 - População residente no Município de Rio Claro -1940-1996
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 14.893 -595 -3,94
1950-1960 14.298 936 6,54
1960-1970 15.234 -983 -6,45
1970-1980 14.251 -1.337 -9,38
1980-1991 12.914 751 5,81
1991-1996 13.665 784 5,73
1996 14.449 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
De forma ainda mais aguçada, o município de Rio das Flores apresenta gradativo
decréscimo populacional desde 1890 (quando ainda era denominado Sancta Teresa). Dos
24.000 habitantes então registrados, em 1920 decaem para 14.000 e para menos de 10.000
habitantes em 1934, conforme assinalado pelo executivo municipal, em relatório elaborado
naquele ano.139
Em 1991, a população reduziu-se a 6.451 habitantes, sendo 3.866
residentes na zona urbana e 2.585 na rural, segundo dados do IBGE de 1996. Neste ano,
dos 6.365 habitantes, somente 1.791 residiam no campo, configurando decréscimo da
população rural, no período de 1991/96 de -30,7% e um crescimento total negativo de -
1,3%, conforme pode-se verificar na tabela 5, a seguir:
139
Relatório relativo ao 1º semestre do exercício de 1934, apresentado pelo Prefeito João de Lacerda Paiva ao
Interventor Federal no Estado do Rio de Janeiro, Comandante Ary Parreiras. Valença, Of. Minerva, Julho de
1934, p. 15.
111
Tabela 5 - População residente no Município Rio das Flores -1940-1996
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 7.720 412 5,33
1950-1960 8.132 106 1,30
1960-1970 8.238 -1.055 -12,80
1970-1980 7.183 -317 -4,41
1980-1991 6.866 -415 -6,04
1991-1996 6.451 -86 -1,33
1996 6.365 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
Limítrofe aos municípios de Valença e de Rio das Flores, o município de Rio
Preto, situado na parte mineira do vale do rio Preto, também expressa essa mesma
tendência de esvaziamento nos 34.000 habitantes recenseados em 1934, fundamentalmente
na área rural, e nos 7.313 habitantes registrados em 1996, com 61,33% no espaço urbano
(4.485 hab.) e com 38,77% no rural (2.828 hab.), refletindo a influência da implantação da
industrialização no vale do rio Paraíba do Sul que incentivou a busca da população deste
município por melhores condições de vida e de trabalho.140
Na região do Médio Paraíba, a repercussão das atividades produtivas na dinâmica
populacional explicita-se claramente com a expansão do processo de industrialização,
apresentando um crescimento total de 54,09 %, na década de 50-60 (tabela 6).
140
Arquivo Público Mineiro e IBGE. Bases de Informações Municipais, 1998.
112
Tabela 6 - População Residente na Região e Municípios do Médio Paraíba
Fluminense - Estado do Rio de Janeiro - 1940-1996
População Total da Região do Médio Paraíba do Sul
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 159.496 58.555 36,71
1950-1960 218.051 117.961 54,09
1960-1970 336.012 110.823 32,98
1970-1980 446.835 152.956 34,23
1980-1991 599.791 94.462 15,74
1991-1996 694.253 46.530 6,70
1996 740.783 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
A tendência de aumento populacional dos municípios industrializados
verificados após 1940, principalmente com a implantação da Companhia Siderúrgica
Nacional em Volta Redonda, pode ser constatada pelo incremento global de 33.182
habitantes à população inicial de 2.782 habitantes deste município, na década 1940-50,
representando um crescimento total da ordem de 1.192,74%, que se acentuou mais ainda ao
longo do século, como pode ser verificado através do índice de crescimento total de
8.350%, aferido desta década até 1996, evidenciado na tabela 7. Ao analisar o crescimento
populacional urbano/rural, no período 1991/96, constata-se um crescimento populacional
rural percentualmente alto (10,1%), porém irrelevante, tendo em vista que o contingente
cresceu de 208 para 229 habitantes. No meio urbano, entretanto, embora o crescimento seja
de 11.961 habitantes, o índice representa apenas 5,4%, segundo os mesmos dados do IBGE.
113
Tabela 7 – População Residente no Município de Volta Redonda – 1940-1996
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 2.782 33.182 1.192,74
1950-1960 35.964 52.776 146,74
1960-1970 88.740 36.555 41,19
1970-1980 125.295 58.346 46,56
1980-1991 183.641 36.664 19,96
1991-1996 220.305 11.982 5,43
1996 232.287 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
No período de 1950/60, Volta Redonda teve um incremento global de 52.776
habitantes, mais do que dobrando seu índice populacional, com um crescimento total de
146,74%, em relação a década anterior. Cabe ressaltar, entretanto, que tal crescimento
apoiou-se na apropriação de amplos recursos naturais e no empobrecimento da população,
que pode ser constatado pelo aumento de desemprego de trabalhadores da CSN acometidos
de leucopenia, proveniente da absorção de benzeno inalado no ar de seus ambientes
operacionais.141
Interessante destacar que outros dois municípios industrializados apresentaram,
na década de 1940-50, um crescimento total acima dos 36,71% identificados na população
regional como um todo – Barra Mansa com 57,34% e Barra do Piraí com 46,98%. A
expansão do capitalismo monopolista, na década de 1950-60, e a dinamização do parque
metalúrgico na região do Médio Paraíba consolidou o crescimento populacional desses dois
municípios, que alcançaram índices ainda mais elevados, 92,79% e 38,19%,
respectivamente, contribuindo, dessa forma, para o crescimento do índice regional. Vide
tabelas 8 e 9.
141
Francisco Edson Alves. “Vítimas do Benzeno”. Jornal O Dia. Domingo, 03/10/99, p. 3.
114
Cabe ressaltar, também, que Volta Redonda e Barra Mansa mantiveram a taxa de
crescimento total acima do índice regional, até a década de 80.
Tabela 8 - População Residente no Município de Barra Mansa - 1940-1996
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 19.285 11.059 57,34
1950-1960 30.344 28.158 92,79
1960-1970 58.502 37.346 63,83
1970-1980 95.848 50.902 53,10
1980-1991 146.750 16.668 11,36
1991-1996 163.418 3.327 2,03
1996 166.745 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
Tabela 9 – População Residente no Município de Barra do Piraí – 1940-1996
Período População Incremento Global Crescimento Total (%)
1940-1950 31.355 1.473 46,98
1950-1960 32.828 12.539 38,19
1960-1970 45.367 13.709 30,21
1970-1980 59.076 12.855 21,76
1980-1991 71.931 7.268 10,10
1991-1996 79.199 6.192 7,82
1996 85.391 - -
Fonte: Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro/Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: CIDE, Ano I. V. 15, 1998, p. 5
Cumpre assinalar que os municípios de Barra Mansa e Barra do Piraí tiveram, no
período 1991/96, índices negativos de crescimento rural, - 3,3% e -11,5%, respectivamente,
segundo dados do IBGE.
As altas taxas de urbanização de Barra Mansa (97,45%), Barra do Piraí (94,73%)
e Volta Redonda (99,9%), superiores à taxa de urbanização regional (91,72%) detectada em
1996, redesenham o espaço sócio-ambiental destes municípios que, por se dar
115
despreocupada com o ecossistema natural, têm provocado fatores limitantes para o ser
humano e outras espécies que habitam esse ambiente. Estes fatores refletem-se através das
precárias condições de segurança, de saneamento básico e de saúde, que expressam-se no
aumento da violência urbana, nos esgotamentos sanitários domésticos, hospitalares,
comerciais e industriais canalizados em redes e drenados sem nenhum tipo de tratamento
prévio para os cursos d’água e na geração de doenças provenientes de cuidados
inadequados em relação a água, ao lixo e aos dejetos. Expressam-se, também, com a
construção desordenada de habitações sem planejamento urbanístico e com a exploração
descontrolada de recursos minerais (areia, granito, argila, calcário, saibro, entre outros) com
uso de tecnologia inadequada, acentuando o assoreamento dos rios, a incidência de
enchentes e os processos erosivos nos solos e nas encostas íngremes do entorno das
cidades, configurando desenvolvimentos sociais às custas do meio ambiente.
Em relação à migração intra-regional, diversos fatores, inclusive históricos,
contribuíram para o êxodo rural, dentre eles, o uso inadequado das terras, com conseqüente
empobrecimento do solo e baixa produtividade, a existência de políticas agrárias
dissonantes da realidade regional e a valorização da cultura urbana, com seu fascínio pelos
bens de consumo industrializados.
Um aprofundamento das causas do aumento/redução da população, assim como do
movimento migratório, discriminando-se cada município, demandaria um estudo sócio-
econômico específico, não contemplado neste estudo.142
Entretanto, não se pode deixar de
142
A análise demográfica, a partir da década de 40, dos municípios mais representativos em relação às
atividades produtivas desenvolvidas na região do Médio Paraíba subsidia o estudo proposto nesta tese.
116
mencionar a imigração estrangeira no estado do Rio de Janeiro que, em 1891, recebeu
somente 7.151 imigrantes dos 191.151 que entraram pelo porto do Rio de Janeiro.143
Segundo Stanley J. Stein, em sua obra Grandeza e Decadência do Café no Vale
do Paraíba, 144
as tentativas de colonização neste vale não lograram o êxito esperado, pois
os fazendeiros só aceitavam os novos colonos em bases compatíveis aos grandes latifúndios
– as da parceria. O imigrante europeu, sinônimo de parceiro ou de camarada, nunca de
pequeno proprietário, rejeitava as condições impostas pela legislação provincial, que não
lhe garantia liberdade, segurança e propriedade. Para o fazendeiro patriarcal, ainda detentor
do trabalho escravo, o imigrante livre significava mais um “elemento de resistência” em um
“sistema de precaução e vigilância” do que um potencial produtor de café em pequena
escala. Tal interesse contrapunha-se aos esforços de independência e aos interesses
econômicos desse imigrante, o que levou-o a migrar para áreas mais promissoras da
Província de São Paulo.
Nos últimos anos da década de 1880, quando os fazendeiros perceberam os
perigos iminentes da abolição da escravatura, tentaram estabelecer em suas fazendas, com
apoio do Governo Imperial, núcleos de colonos com suas respectivas famílias, vindas de
países europeus.
Em Damasceno encontram-se referências relacionadas ao interesse do governo
em atender, via Ministério da Agricultura, aos pedidos dos fazendeiros para concessão da
instalação de famílias de agricultores europeus, em suas propriedades. Assim é que, em
143
Relatório do Ministério de Agricultura e Commercio. E.O. P. 1891, pp. 6 e 9.
144
São Paulo: Brasiliense, 1961, pp. 70-72.
117
1887 e 1888, o governo permitia à Carvalho & Faro, fazendeiros em Ipiabas, a introdução
de 50 famílias italianas, em sua fazenda Ibitira; ao Barão de Souza Lima, 30 famílias de
lavradores europeus, na fazenda São José; a José Leite de Souza, proprietário da fazenda
Forquilha, em Santa Izabel do Rio Preto, 3 famílias italianas e a João Baptista Drummond
& Filhos, em sua fazenda Santo Antonio, na freguesia da Glória, 10 famílias italianas.145
No Relatório do Ministério de Agricultura e Commercio do ano de 1908
encontra-se discriminado o processo de formação de dois núcleos coloniais para famílias de
imigrantes na região do Paraíba: um no vale do rio Preto, com a denominação de Visconde
de Mauá, e outro, na fazenda de Benfica, com o nome de Itatiaya. No início de 1889, estes
núcleos já abrigavam 37 famílias, sendo 29 italianas e 8 austríacas, com 185 pessoas.
Outros núcleos já haviam se instalado, nesta região, em momentos anteriores, podendo-se
citar o da Fazenda das Coroas onde, em 1852, o Marquês de Valença fundou uma colônia
de imigrantes alemães com 144 colonos, sendo 71 homens e 73 mulheres. As crianças até
os oitos anos eram em número de 27 e dos 117 restantes havia 60 casados, 83 solteiros e
um viúvo. A comunidade consistia em sua maioria de lavradores, tendo um sapateiro, um
alfaiate e um mestre-escola. No mesmo ano, também oriundos da Alemanha, 442 colonos
organizaram-se às margens do rio Preto, na fazenda Independência, assentados pelo
proprietário Nicoláo Antonio Nogueira Valle da Gama, 173 colonos, dos quais 85 homens e
88 mulheres; na fazenda Santa Justa, pelo proprietário Braz Carneiro Bellens, 31 famílias
com 141 pessoas e, na fazenda de Santa Rosa, pelo proprietário Visconde de Baependy,
128 colonos, dos quais 65 homens e 63 mulheres.
145
Luiz Damasceno Ferreira. História de Valença (Estado do Rio de Janeiro) 1803-1924. 2ª ed., Valença/RJ:
Editora Valença, 1978, p. 278.
118
Em 1855, na Frequezia de Nossa Senhora da Conceição do Passa-Três fundou-se
a colônia de mesmo nome, com 228 indivíduos que compunham 29 famílias, todos
lavradores portugueses da Ilha da Madeira. 146
Em Porto Real, em 1875, instalaram-se 50 famílias agricultoras italianas,
oriundas de Módena, Mântova, Parma e Reggio, desenvolvendo agricultura e priorizando o
plantio da cana-de-açúcar. Tal atividade motivou a formação do Engenho Central de Porto
Real e a emancipação da colônia, que ganhou o título de Companhia União Agrícola.147
Apesar desses dados, a tabela 10 registra uma percentagem pequena dessa
imigração na região do Médio Paraíba (3,9%) em relação ao estado do Rio de Janeiro,
apresentando uma significativa redução entre os anos de 1892 e 1920 quando a
população estrangeira regional passou de 8.158 (correspondente a 4,54% da população
total da região) para 4.028 imigrantes (2,36% desse total).
146
Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1876, pp. 38-40.
147
Márcia Chaves. “A Itália é logo ali, em Porto Real”. Regional Sul Fluminense. Ano I (4), set./95, p.22-24.
119
Tabela 10 – População por nacionalidade segundo as regiões de governo e municípios – Estado
do Rio de Janeiro – 1892-1920
Região de
Governo
1892 (1)
1920 (2)
e
municípios
Total
Estrang.
Total
Estrang.
Estado do RJ 1.576.468 209.350 2.717.244 289.960
Região M. Paraíba 179.682 8.158 170.417 4.028
Barra do Piraí
Barra Mansa
Piraí
Resende
Rio Claro
Rio das Flores
S. João Marcos
Valença
Volta Redonda
17.185
28.652
22.369
33.797
10.557
14.282
19.377
33.263
-
174
662
1.272
3.262
242
297
250
1.999
-
27.013
25.981
13.873
27.587
9.696
14.024
7.353
40.444
-
1.278
570
326
523
82
280
46
923
-
Fontes: Base de Informações Municipais. IBGE, 1998.
(1) Recenseamento do Estado do Rio de Janeiro e Censo Geral da República
(2) Diretoria Geral de Estatística – Recenseamento do Brasil
Entretanto, recorrendo-se ao censo das Propriedades Industriaes - 1925-1927, da
Directoria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, no capítulo referente às “Industrias
por Municipio em Ordem Alphabetica”,148
fica evidenciada, a partir da razão social das
firmas discriminadas, as influências das imigrações italianas, espanholas, suíças e libanesas
nas economias e culturas locais, principalmente nas práticas comerciais e na alimentação do
povo.
2.3. Povoamento e cosmovisão indígena
Até as primeiras décadas do século XVIII, a região, hoje denominada Médio
Paraíba do Sul, permaneceu habitada somente pelos índios de várias tribos, entre elas os
148
Rio de Janeiro: Papelaria Americana, 1930, cap. 3, p. 214-457
120
Arary, Coroado, Puri, Bacunin, Caxiné, Sacaru, entre outros.149
Historiadores afirmam que,
em 1800, a maior parte do vale do Paraíba do Sul era “carente de quaisquer elementos e ...
cultura civilizados”,150
demonstrando que a exuberante vegetação da Mata Atlântica, com
centenas de quilômetros de largura, agiu como barreira à penetração do colonizador nestas
serras fluminenses.
Em suas conjeturas sobre a história da Mata Atlântica, Warren Dean151
reflete
sobre a relação entre o uso dos recursos naturais e a devastação das florestas desde os povos
pré-agrícolas, acentuando os efeitos da ação predatória sobre o meio ambiente natural,
principalmente após a adoção da agricultura pelos grupos humanos caçadores-coletores.
Tais estudos fundamentam a tese de Drummond “de que toda sociedade humana
tem uma cultura, consome recursos naturais e provoca impactos no mundo natural”,152
embora algumas sejam mais destrutivas do que outras. Nesta perspectiva, o autor refuta a
idéia ambientalista contemporânea, que absolve os povos primitivos de qualquer
responsabilidade quanto à mudanças ocorridas no seu meio natural e apresenta, tal qual
Dean, a coivara (também chamada agricultura itinerante ou agricultura de queimada) como
uma técnica rudimentar de rotação de culturas, adotada em áreas cultivadas pelos silvícolas,
149
Da tentativa de identificação da origem dos índios na Província do Rio de Janeiro resultaram inúmeros
ensaios antropológicos preocupados em discriminar seus grupamentos e nações. As tribos Coroado, Puri e
Arary são os grupos mais citados pelos viajantes e narradores do desbravamento do vale do Paraíba. Dentre os
que descreveram e polemizaram sobre a descendência indígena nestas paragens estão Souza Silva (1854),
Saint-Hilaire (1938), Leoni Iório (1953), Ferreira (1977), Freire e Malheiros (1997).
150
Francisco José de Oliveira Viana. O café no segundo centenário de sua introdução no Brasil e Ernani da
Silva Bruno. História do Brasil: geral e regional, citado por José Augusto Drummond, op. cit., 1991, p. 128.
151
Warren Dean, op. cit., p. 38-58.
152
José Augusto Drummond. Devastação e preservação ambiental: os parques nacionais do Estado do Rio
de Janeiro. Niterói: EDUFF, 1997, p. 31 (Coleção Antropologia e Ciência Política, II).
121
através de ciclos de queima, abertura, plantio e do “repouso” de sucessivos lotes de terras
originalmente cobertos por florestas primárias ou secundárias.153
Foto 19 - Silvícolas na região do Médio Paraíba do Sul
Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de
Investimentos para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – ANEEL/CD Rom - 1997.
153
Ibid., p. 39.
122
Com a preocupação de destacar que a paisagem do litoral fluminense, encontrada
pelos estrangeiros europeus nos primeiros anos do século XVI, não era intocada pelas mãos
humanas, Drummond desmitifica a visão romântica que pressupõe os ameríndios como
grupamentos humanos ecológicos não-consumidores de recursos naturais e,
conseqüentemente, não-causadores de mudanças no meio ambiente. Entretanto, em suas
conclusões sobre os efeitos das ações indígenas no estado do Rio de Janeiro, Drummond
discorda da hipótese de Dean de que a paisagem predominante na faixa litorânea deste
estado, em 1500, teria sido inteiramente alterada pelo ser humano apenas pela associação
do uso de uma tecnologia agrícola (coivara) com a incapacidade da reconstituição da flora
tropical, após a destruição total das florestas costeiras, em um determinado período
temporal. A partir da suposição de que a média da densidade populacional nas aldeias era
de 9 hab/km2 e o desmate na ordem de 0,2 hectares de floresta primária por pessoa/ano, este
autor postula que toda a floresta dominada pelos tupis da baixada estaria sujeita à queimada
em um lapso de apenas 55 anos, o que não possibilitaria, portanto, o restabelecimento da
floresta em sua complexidade e diversidade. Drummond, entretanto, sugere que a área
impactada pelos indígenas restringiu-se, basicamente, à Planície Costeira (o que
representava menos de um terço da área do atual estado do Rio de Janeiro). Segundo suas
colocações, grande parte desses impactos deram-se sobre os recursos naturais renováveis e
ocorreram em escalas compatíveis com a renovação natural da floresta e de outros recursos.
Em síntese, acredita numa grande população indígena vivendo em terras fluminenses, mas
“sem eliminar nem alterar radicalmente a cobertura florestal e sem destruir qualquer outro
123
recurso ambiental de que se tenha notícia”.154
Sua tese, afirmando que as coivaras ou
agriculturas itinerantes não ocasionaram significativas alterações nas florestas tropicais
durante séculos de ocupação indígena, é amparada por Diegues155
cujas considerações
salientam o fato de que na cosmovisão das culturas primitivas ou culturas e povos
tradicionais não existe o dualismo homem e natureza e sim, uma simbiose entre o espaço
geográfico e as formas bióticas e abióticas, uma humanização da natureza e uma concepção
sagrada da mesma.
A idéia da unidade entre ser humano e natureza integra as mais antigas tradições
filosóficas. Todo o pensamento mágico é profundamente impregnado de um animismo, no
sentido em que as coisas inanimadas contém caracteres fundamentais dos seres animados, e
de um antropomorfismo em que o homem projeta-se no mundo natural, concebendo-o a
partir de formas humanas. A cosmovisão primitiva estabelece uma interação profunda entre
o homem e a natureza, através de processos adaptativos, participativos e coletivos, em que
o ser humano primevo situa-se numa posição de fascínio desafiador terrificante. O
pensamento antigo expressava o temor do ser diante de uma natureza cujas leis ele não
conseguia compreender e controlar.
No período mitológico, um modelo originário de organização dos fatos e do
Universo, em geral, expressa-se, discursiva-narrativamente, em uma linguagem simbólica e
imaginária, com a função de acomodar e tranqüilizar o homem em um mundo assustador,
154
Ibid., p. 48.
155
Antonio Carlos Diegues. O mito moderno da natureza intocada. 2a ed. São Paulo: HUCITEC, 1998.
124
relatando o tempo fabuloso dos começos. Os mitos possuem conteúdo simbólico-concreto
(e não conceitual-abstrato), de cunho intuitivo, sem necessidade de provas.
A visão do homem, da natureza e do mundo dessas sociedades fundamentam-se,
segundo Morin,156
em dois princípios organizadores que comandam uma polilógica (ou
paradigmas). O primeiro é a inteligibilidade pelo vivo, pelo singular e pelo concreto. A
narrativa mitológica não apela para uma causalidade geral, objetiva e abstrata: são sempre
entidades vivas que, através de uma ação concreta e de acontecimentos peculiares, formam
e transformam o mundo e fazem sua história. Neste paradigma, há uma inclusão recíproca
entre a esfera humana e a esfera natural ou cósmica. O segundo caracteriza-se por uma
proliferação semântica e um excesso de significações que elimina tudo o que não tem
sentido e dá significado a tudo o que acontece. O princípio da unidualidade insere-se neste
paradigma e pressupõe que o ser humano é, ao mesmo tempo, uno e duplo, instituindo,
assim, em cada um, a identidade e a alteridade da sua própria pessoa e a de seu duplo.
Além deste nível individual, no nível cósmico, este princípio estabelece a unidade e a
dualidade do Universo, em suas realidades empíricas e mitológicas. O natural e o
sobrenatural integram uma só realidade. O ser humano associa-se à natureza, sem
distanciamento subjetivo/objetivo.
Os antepassados caçadores-coletores, em seus ciclos evolutivos, desenvolveram
um saber ecológico calcado em dois modos de conhecimento e de ação: um simbólico/
mitológico/mágico e um empírico/técnico/racional, reflexo desta unidualidade. A evolução
desses dois pensamentos, numa relação dialética, possibilitou a organização de uma ciência,
156
Op. cit., 1998b, p. 149-153.
125
cuja técnica sempre vem acompanhada de ritos, crenças, mitos e magias. A interação e a
complementaridade complexa desses conhecimentos configuraram-se como condições à
perpetuação da vida e da integração das sociedades primitivas.
Para esses povos, o controle natural do ambiente depende do equilíbrio entre o
processo de uso da natureza e sua conservação. Não há uma preocupação com a
acumulação de bens naturais, uma vez que esses bens são utilizados e partilhados
eqüitativamente na relação direta das necessidades tribais.
Devido ao conhecimento das florestas tropicais, as populações primitivas
habitantes na região do Médio Paraíba tornaram-se capazes de manear a flora e a fauna,
protegendo-as, conservando-as e potencializando a diversidade biológica do mundo natural.
Em diferentes momentos, vários viajantes e cientistas do século XIX, como o
botânico alemão Karl Friedrich Philipp von Martius e o zoólogo Johann Baptist von
Spix,157
manifestaram admiração pelos índios da família Puri e reconheceram o saber que
possuíam sobre a medicina e os processos de cura, assim como o sofisticado sistema de
classificação que elaboraram sobre a fauna e a flora da região do Paraíba do Sul, onde
habitavam.
A capacidade de observação e o conhecimento completo desses índios para
designar animais e plantas, as propriedades físicas e químicas do seu ambiente botânico e a
utilidade de cada espécie animal ou vegetal, serviram como guia na investigação de gêneros
e espécies na viagem desses cientistas pela região.
157
Viagem pelo Brasil. Tomo I, Rio de Janeiro: Editora Melhoramentos, p. 200-206.
126
A forma expressiva com que os puris classificavam a natureza demonstrou, para
estes viajantes, a capacidade que tinham de articular as coisas da natureza entre si e
estabelecer um equilíbrio dinâmico entre o ser humano e a natureza.
A lenda “Cova da Onça”, transcrita em versos por Arnaldo Nunes e citada por
Leoni Iório, em sua obra Valença de Ontem e de Hoje (1789-1952),158
explicita esse
equilíbrio quando o índio coroado enfrenta, destemidamente, um enorme jaguar em sua
furna, de onde a denominação local Coiaraté - Cova da Onça (Co-cova e Iauareté-jaguar).
A demonstração de poderes sobrenaturais que afastavam o mal, sob a proteção de Tupã,
generaliza a crença de que os silvícolas relacionavam-se com a natureza como seres
naturais.
Também a crença no poder de cura das árvores e na sua possibilidade de absorver
as doenças que os acometiam, salienta a integração entre o mundo natural e a consciência
da gente do povo.
Entretanto, Warren Dean chama atenção para a maneira desumana com que
muitos cientistas europeus, em viagens pelo Brasil, tendiam a tratar os indígenas que
encontravam, ora despachando-os para a Europa como “souvenires científicos vivos”, ora
massacrando-os em tocaias, enviando os restos para museus d’além mar.159
Com a chegada dos europeus ao Brasil, no século XVI, esse equilíbrio começa a
desestabilizar-se.
158
Valença. Rio de Janeiro, Jornal de Valença e Associação Comercial de Valença, 1953, p. 143.
159
Op. cit., p. 242.
127
2.4. A ecologia da colonização portuguesa
A lógica própria da ecologia da colonização portuguesa fundamenta-se, segundo
Sérgio Buarque de Holanda,160
num espírito aventureiro cuja relação da ação humana com a
natureza caracterizava-se pelo uso perdulário da mesma de forma ousada, instável,
imprevidente, irresponsável e imediata, além de submeter-se a uma cultura ociosa e a uma
concepção espaçosa de mundo, refletidas no desejo de obtenção de riquezas fáceis,
realizado devido às condições econômicas, ambientais e tecnológicas encontradas no
território brasileiro.
Em Visões do Paraíso,161
o autor ressalta a mentalidade arcaizante dos
portugueses, proveniente de uma concepção aristotélico-tomista, que pressupunha a
capacidade de apreender o real desenvolvida “numa progressão constante e retilínea”. Esta
visão de mundo prende-se ao pensamento guiado pela experiência e dificulta a
compreensão dos problemas alcançados, posteriormente, pela técnica e pela ciência
galiláica.
Os portugueses foram incapazes de penetrar a ciência nas técnicas por eles
produzidas, o que trouxe obstáculos à criação da tecnologia. Isto porque, embora
parecessem “modernos”, caracterizavam-se pelo pragmatismo, pelo imediatismo, pela
credulidade, pelo apego ao concreto e recusa aos valores abstratos (o que dificultou,
inclusive, o surgimento do espírito burguês, para quem o dinheiro tem significado de
160
Ibid., p. 46.
161
Visões do Paraíso – Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1985, Cap. 1 “Experiência e fantasia”, p. 1-14.
128
investimento e acumulação). Conformados com o pensamento que se assentava nos
paradigmas do aristotelismo e da escolástica, próprio da mentalidade do realismo e do
particularismo medieval, avessa à imaginação e à audácia e integrada ao mundo da tradição
apreendido sensorialmente, os portugueses contribuíram muito pouco para a evolução do
pensamento científico (ainda que tenham feito importantes descobertas marítimas,
derrubado mitos e velhas lendas).
A permanência do conformismo e a negação de uma linguagem teórica que
pretendesse ler a natureza, o homem e a terra, a partir da imaginação científica, dificultou a
inserção dos portugueses na modernidade.
Apesar de conquistadores precursores, os portugueses ficaram, em grande parte,
imunes à curiosidade relativa ao mundo natural que, no século XVI, despertava no Velho
Continente. O intento português de conquistar e transformar os novos domínios sem
sucumbir ou admitir sua rendição às culturas nativas evidenciava-se no seu interesse
limitado pela vegetação e pela vida animal dos territórios subjugados. Segundo Warren
Dean,162
o empirismo português era tão prosaico e estreito em sua expressão que os
exploradores pareciam totalmente deslocados naquele século da “curiosidade universal dos
humanistas”.
Profundas modificações nas concepções de natureza herdadas da Antigüidade,
em particular as de Aristóteles, ocorreram neste período, transmutando a idéia de
pertencimento pela de exterioridade e dominação, com as novas teorias cosmológicas
162
Op. cit., 1998, p. 60.
129
substituindo o geocentrismo pelo heliocentrismo, o mundo finito por um Universo infinito,
a física das qualidades por uma matematização da natureza.
Essa época, chamada de Idade Moderna e iniciada no século XVI, marcou-se,
principalmente, pelos grandes descobrimentos marítimos e conseqüente apogeu do
mercantilismo; pelo Renascimento, que reposicionou o homem como centro do significado
histórico e pelo racionalismo, com o advento da experimentação científica.
A despeito desses acontecimentos e da consolidação da concepção moderna de
natureza no mundo europeu, somente no século XVIII, a região do Médio Paraíba recebeu
as primeiras incursões de colonizadores portugueses.
- CAPÍTULO III -
A CAFEICULTURA E AS RELAÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS NO
SÉCULO XIX
3.1. Processo ocupacional das terras pelos colonizadores:
abertura de caminhos e sesmarias
A ocupação da bacia do rio Paraíba do Sul deve ser analisada a partir de suas
relações com o surgimento de núcleos de povoamento no vale do Paraíba Paulista (São José
dos Campos, Taubaté e Jacarei) e junto à foz no Rio de Janeiro (Campos dos Goytacazes),
que se deu no século XVII. O início da ocupação dos sertões do leste, como eram
conhecidas as terras da região do Médio Paraíba do Sul, acontece com a abertura de
grandes caminhos de penetração, constituindo-se como a saída mais rápida para
escoamento dos metais e das pedras preciosas das Minas Gerais para a cidade de Parati, no
litoral do Rio de Janeiro.
131
Dois motivos dificultaram o povoamento do sertão do Rio de Janeiro: o fato da
região ter um perfil de caminho de trânsito para as prósperas minas de ouro e a proibição do
Conselho Ultramarino em relação à abertura de estradas e à navegação no rio Paraíba, nesta
Capitania, com o fim de evitar o contrabando.
Objetivando ligar Minas Gerais a São Paulo e ao litoral fluminense, a fim de
entrosar a atividade mineradora com os interesses da metrópole portuguesa,163
vários
caminhos foram abertos, dentre os quais o Caminho Novo (1698) e o Caminho de São
Paulo (1728), às margens dos quais foram concedidas as primeiras sesmarias da região.164
As povoações começaram a surgir a partir da instalação de ranchos de pousadas
dos tropeiros165
e viajantes e das propriedades que produziam víveres para as tropas que
transitavam pelas estradas, forjando formas especiais de sociabilidade da comunidade local.
163
José Cezar de Magalhães. “As vias de transportes como uma das formas da integração nacional”, in:
Brasil. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento de Documentação e
Divulgação Geográfica e Cartográfica. Curso de Geografia para professores do ensino de I e II Graus, julho
de 1972. [Rio de Janeiro, GB., 1973], pp. 119-142.
164
Segundo a Relação de algumas cartas das sesmarias concedidas em território da Capitania do Rio de
Janeiro 1714-1800, organizada no Arquivo Nacional, sob a direção de Pedro Moniz do Aragão, no Rio de
Janeiro-GB, em 1968, a primeira sesmaria foi concedida em 1714, à margem do Caminho Novo das Minas, ao
sargento-mor Martim Corrêa de Sá, em Pau Grande, no atual município de Paty do Alferes. Ver descrição dos
primeiros sesmeiros de Resende, Rio Claro, Barra Mansa, Vassouras, Valença, Rio das Flores e Barra do Piraí
em Dryden Castro de Arezzo no artigo Administração Fundiária do Estado do Rio de Janeiro: das sesmarias à
colonização e assentamentos in: Maria José Carneiro... [et al.]. Campo Aberto, o rural no Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1998, p. 57.
165
Em Tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação política do Brasil: 1808-1842, Alcir
Lenharo assinala que há uma relação de complementaridade entre proprietários de terras e tropeiros, na
medida em que estes aparecem como um prolongamento da categoria social matriz – proprietário de terras –
já que, freqüentemente, além de dar conta da produção, o proprietário é ele mesmo comercializador de seus
próprios produtos. 2ª ed., Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1993, p. 26.
132
Foto 20 - Tropeiros em viagem pela região do Médio Paraíba do Sul
Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de
Investimentos para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – ANEEL/CD Rom - 1997.
A distribuição das terras166
tornou-se imprescindível, pois a exaustão da
mineração possibilitou o aumento progressivo do número de mineradores que transferiam
seus capitais, escravos e capacidade empreendedora para a produção agrícola, nestas
paragens, no final do século XVIII. Todavia, a divisão de terras não favorecia a todos,
ainda que a legislação permitisse a generosidade das concessões.167
O custo excessivo dos títulos da terra impedia que os escravos libertos e os
pequenos lavradores dela se apossassem, facilitando a obtenção por aqueles que conheciam
bem os trâmites na Corte e contavam com riqueza e prestígio medidos, principalmente, pelo
166
Ver Raymundo Faoro. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 12ª ed., São Paulo:
Globo, 1997, v. 2, p. 407-420.
167
Elza Maria Neffa Vieira de Castro. De trabalhadores produzidos a sujeitos de uma práxis educativa -
Estudo e proposta de ação na Região do Vale do Rio Preto. Rio de Janeiro. IESAE/FGV. Dissertação de
Mestrado. Dez/90, p. .
133
número de escravos possuídos, pois a terra abundante e gratuita não tinha grande valor. Os
ricos pagavam o título expedido, legalizavam as terras e adquiriam seu domínio. Aos
homens sem posses restava-lhes a ocupação das terras incultas, sem o título que lhes
garantisse o direito sobre elas. Da maioria dos processos instaurados contra estes homens,
quase sempre decorreu na sua expulsão das terras.
No período colonial já se observava uma superestrutura político-administrativa
que regulamentava e protegia a formação da grande propriedade - a sesmaria - dando à
mesma condições legais. Por todo esse período, o sistema de sesmarias garantiu a produção
de bens exportáveis e defendeu as fronteiras brasileiras. Desta política surgiu o latifúndio,
resultante de uma colonização individualista e oligárquica.
O sistema de doação de terras, no Brasil, foi revestido de inúmeras fraudes e
muitas exigências legais não foram cumpridas - doação de somente uma sesmaria por
pessoa, proibição ao clero de recebimento de terras, marcação e necessidade de cultivo, por
exemplo.
Com a intensificação das doações de sesmarias no médio vale do Paraíba do Sul,
no final do século XVIII e no primeiro quartel do século XIX, o poder público estimula o
plantio do café, produto que despontava na exportação brasileira.
Em Barra Mansa o nome de Custódio Ferreira Leite, o futuro Barão de Airuoca,
seria influência decisiva numa das localidades mais prósperas do ciclo do café. Na baixada
de Resende coube a Simão da Silva Gago a primazia de ser o pioneiro na implantação de
Campo Alegre de Paraíba Nova (Resende). No espaço ocupado hoje por Rio Claro (São
João Marcos, Itaverá) os nomes dos Morais, Breves, Monteiro de Barros e Oliveira Roxo
134
sobressaíram entre os sesmeiros da região. Em Valença, João Rodrigues da Cruz, ao
combater os índios coroados por determinação do Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos, em
1789, tornou-se o principal responsável pelo povoado que, mais tarde, daria origem à
cidade de Valença. Na Serra das Abóboras, constituíram-se domínios de grandes senhores
de terras, os prósperos barões de Rio das Flores, de Santa Justa, de Santa Clara, Monte
Verde e os condes de Baependi e de Ipiabas. Barra do Piraí teve origem nas sesmarias
doadas a Antônio Pinto de Miranda e Francisco Pernes Lisboa, em 1761.
Com a cafeicultura, os donos de sesmarias reivindicavam terras para a expansão
da lavoura, expulsando ocupantes e posseiros.
Célia Muniz168
salienta o fenômeno que vinha ocorrendo no Brasil desde o século
XVI, toda vez que uma região, antes ocupada por uma lavoura de subsistência, com
pequena venda de excedentes e parcamente povoada, transformava-se em centro de uma
produção lucrativa: a carência de terras agricultáveis provocava conflitos em que os
primitivos ocupantes eram expulsos e novos proprietários se estabeleciam.
A posse ou ocupação sem mensuração e registro de terra, as vendas por meio de
transações não reconhecidas, os chamados “escritos particulares”, freqüentemente
questionados por herdeiros, a mesma terra vendida várias vezes, configurou uma situação
confusa e aumentou os litígios e os conflitos locais armados, entre os usufrutuários da
terra.169
168
Célia Maria Loureiro Muniz. Os donos da terra - um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale Paraíba
Fluminense no Século XIX. Dissertação de Mestrado.UFF. Niterói, 1972, p. 72.
169
Ibid., p. 36.
135
A facilidade encontrada pelos donatários e funcionários da Coroa para
reivindicarem direitos sobre diversas sesmarias, através de parentes e agregados, levava-os
a destruir a floresta primária, a queimar, a desmatar, a lavrar sem beneficiarem as terras ou
realizarem benfeitorias, abandonando-as ou vendendo-as por ninharia quando faltava-lhes
terras para renovar as plantações e o estoque de madeira e lenha, impondo-lhes a
necessidade de uma nova concessão. O pouco valor dado à terra e a disponibilidade
aparentemente infinita de terras livres estimulava a prática de nomadismo predatório, que
se apoiava na coivara.
Em 1850, o governo Imperial defrontava-se com uma estrutura fundiária na qual
terras haviam sido recebidas em sesmarias, preenchendo todas as condições legais;
sesmarias cujo beneficiário não havia cumprido alguma exigência essencial e, por isso, não
havia adquirido o domínio legal; “terras devolutas”, que não haviam sido distribuídas, nem
mesmo ocupadas, pertencentes à Nação; e posses de terras baseadas no direito de ocupação
ou invasão de terras devolutas.170
Por essa época, entretanto, segundo Muniz, a partir de considerações de Stein, já
não havia terras devolutas em Vassouras, Valença e em outros municípios da região, de
acordo com informações da “Câmara Municipal” de Vassouras ao Presidente da Província
do Rio de Janeiro.
170
Ibid., p. 69.
136
Essa nova conjuntura levou o governo a sancionar a Lei no 601, de 18 de
setembro de 1850,171
a Lei de Terras, e estabelecer a propriedade privada, proibir a doação
de terra, obrigar a compra à vista em hasta pública. As posses, anteriores à Lei, seriam
validadas e legitimadas mediante pagamento de taxa, apresentação de documento de
mensuração e de ocupação efetiva, desde que não contestadas e devidamente registradas em
cartório.
Devido a incapacidade do Império de controlar a distribuição das terras públicas
e sua inclinação em ser conivente com a expropriação privada sem custo algum para os
expropriadores, a Lei de Terras não conseguiu implementar, em muitas áreas do país, uma
nova política fundiária. No vale do Paraíba, entretanto, a exigência da observância de
normas legais efetivaram-se, não porque a lei exigisse, mas porque demarcar e registrar as
terras era a base da garantia imprescindível à obtenção de empréstimos pelos fazendeiros
locais, junto à Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil, aberta em 1860.
Na ordem social brasileira, no período colonial, a propriedade material que
sustentava a sociedade provinha do campo. Entretanto, o contexto sócio-político-
econômico e, sobretudo, o universo mental que sedimentou a formação dos primeiros
núcleos de urbanização do Brasil, revelou-se totalmente diverso da realidade vivenciada na
Europa. Conforme nos explicita Sérgio Buarque de Holanda, o termo rural é o que melhor
caracteriza a estrutura na qual foi baseado o processo de colonização do país.
171
Maiores considerações acerca da Lei de Terras de 1850 e dos esforços na discriminação das Terras
Devolutas do Rio de Janeiro entre os anos de 1854 e 1883 podem ser encontradas na tese de doutorado de
Márcia Maria Menendes Motta: Nas fronteiras do poder: conflitos de terra e direito agrário no Brasil de
meados do século XIX, defendida em 1996, na UNICAMP.
137
“Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos
centros urbanos. (...) não foi a rigor uma civilização agrícola o que
os portugueses instauraram no Brasil, foi, sem dúvida, uma
civilização de raízes rurais.” 172
Em outras palavras,
“o que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas
riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. (...) Os
lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e
fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam
abundantemente esse esforço - efetuado, de resto, com as mãos e os
pés dos negros - mas era preciso que fosse muito simplificado,
restringindo-se ao estrito necessário às diferentes operações.173
Embora os portugueses fossem contemporâneos das transformações ocorridas
com o surgimento da classe burguesa européia e com a posterior consolidação de sua força
econômica e política, sua colonização no Brasil não obedeceu a racionalidade da
“urbanização do campo”.174
A cidade não surge em oposição ao campo mas, ao contrário, é
a “ruralização” das cidades, ou seja, a base material produtiva das cidades calcava-se na
produção agrária. A concepção de trabalho, trazida pelo colonizador, aproximava-se da
mentalidade da sociedade greco-romana antiga, que preconizava o trabalho manual como
aviltante, devendo ser desenvolvido por artesãos-escravos considerados desprovidos de
inteligência, seres inferiores na escala hierárquica da cosmologia aristotélica. Um ponto
importante que marca a diferença da formação da cidade no Brasil, em relação ao
172
Raízes do Brasil. 26ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 73.
173
Ibid p. 49.
174
Expressão cunhada por Marx para designar o movimento de formação das cidades européias, no
feudalismo, cujo desenvolvimento processava-se do campo para a cidade, uma em oposição ao outro. Angela
Mendes de Almeida. Notas de Leitura sobre uma Visão Histórica do Campo. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros (São Paulo), nº 40.
138
surgimento da cidade na Europa é, conforme nos aponta Almeida,175
uma mudança na
mentalidade em direção à valorização do trabalho manual. Esta mudança, que ocorre na
Europa feudal, é protagonizada por indivíduos que, numa atitude de discordância
ideológica e descontentamento em relação ao estatuto social vigente, passam a organizar-se
numa ordem social independente, afastados da vida do campo e retirando seu sustento a
partir de atividades comerciais e ofícios diversos, que não se ligam diretamente ao trabalho
agrícola. Essa nova concepção de trabalho - social e moralmente valorizado - contrapõe-se
ao ponto de vista da aristocracia, até então dominante, que via o trabalho executado
manualmente como uma atividade degradante. O crescimento das cidades na Europa
demonstra, a princípio, uma adesão gradativa a esta nova ideologia de valorização do
trabalho manual. Os grupos sociais que compunham este novo espaço social - as cidades -,
na Europa, não representavam o pensamento do senhor feudal, nem tinham a intenção de
reproduzir a sua ideologia. Pelo contrário, estes grupos buscavam outras formas de
sobrevivência que fossem insubmissas e independentes em relação ao poder econômico e
político dos senhores feudais.
O caráter rural da formação social brasileira fundamenta-se na idéia de ocupação
dos colonizadores portugueses, que viam o Brasil como um lugar de passagem, como uma
empresa comercial, cuja base estruturava-se na grande propriedade produtora de
monocultura para exportação, que gastava os homens e a terra sem preocupação com a
avançada tecnologia já alcançada no mundo moderno europeu, há mais de um século.
175
Angela Mendes de Almeida. Campo e Cidades como imagem, Didática, n. 1, Rio de Janeiro, junho 1999.
139
3.2. Cafeicultura: as relações sociais, agrárias e ambientais
Com o fim do século do ouro, o novo Império buscava um produto que pudesse
trocar pelos artigos manufaturados na Europa. O café, arbusto da família das rubiáceas,
nativa do sub-bosque da floresta do sudoeste do planalto da Etiópia, gerava as sementes
carregadas de cafeína tão apreciadas pelos europeus urbanos e resolvia o problema da busca
do produto exportável, transformando o século XIX no século do café.
Foto 21 - Plantação de café na Região do Médio Paraíba – Século XIX Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de
Investimentos para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – ANEEL/CD Rom - 1997.
140
Introduzido na Amazônia em 1727, o café chegou ao Rio de Janeiro em 1760,
sendo cultivado, na última década do século XVIII, na zona de Resende e de São João
Marcos. A estes municípios caberia, em grande escala, o pioneirismo na definitiva
expansão dos cafezais pelos vales dos rios Paraíba do Sul e Preto. As espécies de café mais
cultivadas foram o “bourbon”, o “crioulo”, o “maragogipe” e o “amarelo”, com
predominância do primeiro.176
Foto 22 - Negros escravos moendo cana de açúcar Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de
Investimentos para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – ANEEL/CD Rom - 1997.
176
As características básicas da espécie coffea arabica e as estratégias e técnicas adotadas no seu cultivo e
colheita são traçadas com detalhes por CANO (1977, cap. 1); WERNECK (1985); WHATELEY (1987);
EIN(1990, cap. 9); DRUMMOND (1997, cap. 7, 8 e 9); DEAN (1998, cap. 8).
141
A existência de matas com solos férteis, nem encharcados nem secos; altitudes
médias entre 300m e 900m; temperaturas adequadas entre 20º e 24ºC, com noites frescas;
encostas protetoras contra os ventos fortes de superfície e contra o excesso de exposição
solar das mudas; precipitação de chuvas pesadas num índice de 1.300 a 1.800 milímetros
por ano; início das chuvas após a estação seca de maio a agosto, induzindo a florescência e
promovendo o amadurecimento dos frutos; solos férteis revestidos de matas virgens; mão
de obra escrava; facilidades governamentais na obtenção de sesmarias e a proximidade dos
portos do Rio de Janeiro e Santos para escoamento do produto foram fatores que
permitiram uma rápida montagem da agricultura cafeeira, com vistas à exportação, pelo
capital proveniente de negociantes das praças do Rio de Janeiro e Minas Gerais, nos vales
desses dois rios, transformando-os no cenário ideal para o desenvolvimento de nova fonte
de riqueza.
Somente a partir de 1810 o cafeeiro se generalizou pelo vale do Paraíba,
inicialmente no médio e depois no alto-curso, como monocultura, nos moldes das
plantations escravistas, suplantando a planície açucareira do litoral fluminense, assumindo
o papel concentrador da riqueza brasileira, construindo um estilo de vida mais do que
formando unidades de produção. Como parte integrante da formação econômico-social do
Brasil-Colônia e, mais tarde, do Brasil-Império tem-se a propriedade rural cafeeira, sob o
sustentáculo escravista, e a pequena propriedade que, além do café, produzia gêneros
alimentícios (com reduzido número de escravos e mão-de-obra familiar), necessários ao
comércio local.
As estimativas demográficas da Província do Rio de Janeiro, no período de 1819
142
a 1872 apresentam uma significativa população escrava com maior índice nos anos de 1867
e 1869 (300.000 escravos), conforme tabela 11.
Tabela 11 - Estatística da população por condição civil
Província do Rio de Janeiro – 1819-1872
Anos
Estimativa de População
Total Condição civil
Livres Escravos
1819 (RJ e Corte) 510.000 363.940 146.060
1823 (RJ e Corte) 451.648 301.099 150.549
1867 (RJ e Corte) 1.850.000 1.550.000 300.000
1869 1.100.000 800.000 300.000
1872 782.724 490.087 292.637 FONTE: Estatísticas Históricas do Brasil: séries econômicas, Demográficas e sociais de
1550 a 1988/Fundação Instituto Brasileiro de Geografia. 2a ed., rev. e atual. do V. 3 de
Séries Estatísticas - Retrospectivas. Rio de Janeiro: IBGE, 1990, p. 34.
O debate travado pelos historiadores, sociólogos e antropólogos, que têm
abordado a questão da escravidão em seus diversos matizes, apresentando importantes
contribuições para a historiografia brasileira, deve a Gilberto Freyre as primeiras análises
sobre a escravidão. Embora seus trabalhos tenham sido criticados como reacionários e sem
rigor científico, nas décadas de 20 e 30, seus escritos revolucionaram a abordagem da
questão negra na medida em que constituíram-se como uma alternativa à visão”
conservadora e pseudo-científica” da inferioridade da raça negra, adotada por Oliveira
Vianna. Contra esta teoria racista, Freyre apresentou estudos sobre a influência africana na
cultura brasileira baseando-se nas teses do “patriarcalismo” como elemento benigno na
escravidão e a questão da “democracia racial”. A partir de suas análises, historiadores
norte-americanos aprofundaram as questões relativas às sociedades escravocratas.
Paralelamente ao crescimento do seu renome internacional um grupo de intelectuais, entre
eles Florestan Fernandes, Roger Bastide e Caio Prado Jr., questionava seu trabalho e
143
apresentava versões “duras” da escravidão brasileira, apontando o preconceito racial contra
os negros e seus resultados degradantes. Na década de 70, a orientação marxista imprimiu
um novo conceito para a compreensão da sociedade escravocrata brasileira – o modo de
produção escravista colonial, tendo sido, tal conceito, trabalhado, também, por
historiadores norte-americanos e do Caribe, entre eles Eric Froner, Manuel Fraginols e
Eugene Genovese, embora com resultados diferentes. O retorno dos trabalhos de Gilberto
Freyre aos meios acadêmicos deu-se através da publicação do livro de Kátia Mattoso,
prefaciado por Ciro Cardoso, Ser escravo no Brasil que, apesar das críticas de Jacob
Gorender, tornou-se referência fundamental no estudo da escravidão no Brasil, ao reafirmar
o sistema patriarcal nesta sociedade. A análise deste tema sofreu influência não só de
escritores norte-americanos como, também, de ingleses e franceses – estes últimos
fortemente influenciados pela variante marxista derivada do estruturalismo de Althusser.
Entre os ingleses, a obra de E. P. Thompson contribuiu com a crítica ao marxismo
econômico e ao estruturalismo althuseriano, apresentando novas perspectivas à
historiografia daquele país. Os impasses deste debate foram fundamentais para a entrada no
Brasil do pensamento sobre o imaginário de Cornelius Castoriadis e de Claude Lefort. A
perspectiva de coisificação social do escravo foi introduzida no debate por pesquisadores
paulistas, entre eles Fernando Henrique Cardoso, em oposição à tese do patriarcalismo
freyriano. A visão do escravo como mercadoria foi combatida pela nova historiografia
brasileira que recuperou sua subjetividade. “Resistência” e “acomodação” foram conceitos
utilizados por Stuart Schwartz e Kátia Mattoso para identificar a prevalência da
coexistência pacífica entre senhores e escravos. Uma visão mais complexa foi elaborada
144
por João José Reis em Rebelião escrava no Brasil ao trabalhar a rebelião escrava dos Malês
e apontar as contradições da passagem do trabalho escravo ao trabalho assalariado.177
Seria de grande interesse analisar o papel da escravidão no desenvolvimento
econômico-social da região do Médio Paraíba do Sul porém, o estudo restringiu-se à lógica
cultural dos negros e sua influência no ecossistema que deu-se, primordialmente, através
das práticas religiosas e dos mitos afro-negros. O sincretismo das religiões africana e
católica, através do conceito de uma divindade concreta, caracterizou essas práticas e
crenças.
Dentre as inúmeras manifestações culturais, o candomblé ressalta-se com as mães
de santo, os babalaôs e os pais de terreiro guardando “histórias dos orixás bem e malfazejos
que passaram, na África, pelos transes dos sacrifícios e pelas fogueiras da divinização”.178
Tais manifestações, toleradas pelos fazendeiros quando não suspeitavam de rebeldia, eram
denominadas Canjerês e consistiam em cerimônias noturnas misteriosas em que os negros
acreditavam ter o poder de curar certas doenças, evitar o castigo corporal e conseguir
dinheiro. Atuando no papel de sacerdote, conhecido dos escravos e das pessoas livres como
quimbandeiro, cangirista, curandeiro ou benzedor, personalizava-se a figura do “feiticeiro”.
Neste contexto, as doenças classificadas segundo as estações do ano eram
tratadas pelos senhores, que pouca noção tinham de medicina, e pelos curandeiros, através
de recursos naturais e rezas. Eram elas:
177
Tais considerações foram extraídas do texto “Imagens para uma historiografia da região” de Gessé
Oliveira e Washington Dener dos Santos Cunha, in Maria Julieta Costa Calazans et alii, op. cit., 1996, v. 1, p.
54-62.
178
Souza Carneiro. Os mitos africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1937, p.184.
145
“as afecções respiratórias do inverno, pneumonia, bronquite, tosse
comprida, assim como reumatismo, pleuris, angina, apoplexia e
tétano ‘espontâneo’; no verão, ... as inflamações intestinais, ‘leves’
gatro-enterites, raras encefalites, inflamações crônicas do fígado,
úlceras escorbúticas e gangrenosas, sarampo, cataporas, e febres
intermitentes ... diarréias, disenterias e sífilis.”179
Segundo Stein,180
a mistura de elementos do catolicismo e de outras religiões,
principalmente o Kardecismo, com as sobrevivências religiosas africanas dificultou a
reconstituição do mundo espiritual do negro escravo do século XIX.
Entretanto, as histórias contadas pelos Pretos Velhos e pelas tias Marias configuram
o ensinamento moral disseminado nas cerimônias dos cultos e nas narrações de sucesso,
desnaturalizadas ou não pelas fantasias, que articulam os elementos naturais com os mitos,
como por exemplo, o Saci-Pererê, malandro freqüentemente confundido com o Diabo
africano, a quem se creditava as contrariedades ocorridas, sem motivo aparente, no
cotidiano.
Nesta feição afro-negra, ocupando uma posição intermediária entre a cerimônia
religiosa e a diversão, o caxambu denomina os dias de pagode e constitui parte do folclore
regional. Com seus ritmos fortes, a quase completa ausência de fiscalização, o uso de
termos africanos e os tragos de quentão, o caxambu oportunizava favoravelmente que os
escravos tecessem comentários maliciosos a respeito da sociedade em que viviam e
protestassem por meio dos jongos – forma de desafio que prezava a concisão e a
substituição das pessoas por árvores, animais e pássaros da floresta, objetivando obscurecer
179
Op. cit., 1961, p. 224.
180
Ibid., pp. 235-251.
146
o sentido e dificultar a compreensão da crítica.
Na trama das relações sociais estabelecidas nesta região cafeicultora
participavam, além dos escravos e dos fazendeiros, os homens livres configurados pelos
pequenos proprietários, agregados, arrendatários e camaradas (assalariados e diaristas).181
Os grandes fazendeiros eram parte do expressivo grupo de agricultores da região.
Foto 23 - Fazenda de Santa Clara – Vale do Rio Preto/MG
Fonte: Elza Neffa - 1999.
Fazendeiros eram aqueles que possuíam uma área de terra superior a trinta
alqueires e os que desfrutavam da privacidade de D. Pedro II, exerciam funções políticas,
serviam à Guarda Nacional, detinham o domínio das atividades ligadas à Justiça e às
181
As relações de produção estabelecidas no interior da fazenda de café constituem figuras sociais do
campesinato tradicional conhecidas por diferentes denominações – o “caipira”, o “caboclo”, o “sitiante”, o
agregado”, o “morador de favor” que, em alguns casos, confundem-se com o produtor familiar proprietário.
Entretanto, mais importante do que se deter na classificação é compreender a dinâmica da reprodução, a
lógica das relações sociais e da produção de valores. Para um aprofundamento da noção de agricultura
familiar e da grande variedade de agricultores inseridos neste conceito ver Maria José Carneiro em seu artigo
“Agricultores familiares e pluriatividades: tipologias e políticas” in: Luiz Flávio de Carvalho Costa, Roberto
José Moreira, Regina Bruno (orgs.)., op. cit., 1999, p. 325-343.
147
Paróquias, através do voto.
Poucos possuíam origens aristocráticas tendo, na grande maioria, famílias
originárias das terras portuguesas, possessões insulares ou de cidades mineiras extrativistas
de ouro, no século XVIII. Seus títulos de nobreza procederam do reconhecimento do
Imperador pelo destacado desempenho na economia do Sudeste e do Brasil, com a próspera
lavoura cafeeira que, com o seu lucro, mantinha e reproduzia o sistema. Desta forma, o vale
do Paraíba transformou-se no vale dos Barões, Viscondes, Condes e Marqueses que
manifestavam seu apoio ao regime imperial, através de ajuda financeira ou de cessão de
escravos para combater na Guerra do Paraguai e na Revolta de 1842, do financiamento das
inúmeras linhas telegráficas e ferroviárias e das fundações das Santas Casas de
Misericórdia, dentre outras ações filantrópicas.182
Inúmeros estudos relatam a prosperidade das fazendas do vale do Paraíba, a
forma como viveram, produziram e comercializaram seus produtos, bem como a
dominação exercida pelos fazendeiros sobre os dependentes livres e escravos e sua relação
com o poder político, razão pela qual nossa análise apenas perpassará estes aspectos, dando
maior ênfase à pequena produção.183
Muitas fazendas arrendavam fragmentos de suas terras para que os rendeiros
cultivassem gêneros alimentícios e um pouco de café.
182
Elza Maria Neffa Vieira de Castro e Antonio Carlos de Oliveira Lima. As fazendas de café na região do
Médio Paraíba do Sul in: Maria Julieta Costa Calazans (coord.) et alii, op. cit., 1996, v. II, p. 476. 183
A questão agrária no Brasil tem sido objeto de importantes estudos especializados. Vide, a propósito, o
artigo “Conservadorismo e hegemonia agrária no Brasil”, de Francisco Carlos Teixeira da Silva in: Maria
José Carneiro et alii, op. cit., pp. 13-40.
148
O agregado, embora não detivesse nenhum vínculo ocupacional, por instalar-se
nas terras do fazendeiro, freqüentemente assumia encargos pessoais (nem sempre lícitos),
revelando uma relação de caráter de retribuição obrigatória e anulação de sua vontade, o
que o levava a uma total incapacidade de tomar decisões autônomas. Utilizado como meio
para a obtenção dos objetivos dos grupos privilegiados, principalmente nos trabalhos da
derrubada da mata virgem para a plantação dos cafezais, arriscava sua vida no lugar dos
escravos poupados desta tarefa por serem caros; também defendia a fazenda nos conflitos
locais e dava apoio na época das eleições. Raros eram os trabalhadores assalariados livres,
contratados especialmente para as tarefas mais pesadas.
Em relação aos pequenos proprietários deve-se assinalar que, em alguns
estudiosos184
da sociedade cafeeira do século XIX, vê-se uma preocupação em superar a
visão simplista que nega-lhes sua inserção política e econômica nesta sociedade de “barões
de café” e de escravos. Nesse sentido, os estudos de Maria Sylvia de Carvalho Franco185
sobre a velha civilização do café florescida nas áreas do Rio de Janeiro e São Paulo,
pertencentes à região do vale do Paraíba, postulam a existência de homens livres e pobres
colocados à margem pela agricultura escravista de exportação que, ao lhes permitir
produzirem sua própria existência, indisponibiliza-os à proletarização.186
184
Ver Célia Maria Loureiro Muniz, em sua dissertação de Mestrado “Os donos da terra” e Maria Izaura
Pereira de Queirós, no artigo “A estratificação e a mobilidade social nas comunidades agrárias do Vale do
Paraíba entre 1850 e 1888”, in: Revista de História, São Paulo, V.S.P. ano 1, 1950, abril/junho, n. 2
185
Homens Livres na Ordem Escravocrata. 3.ed. São Paulo, KAIROS Livraria Editora. 1983.
186
Sobre a proletarização dos homens livres e pobres ver a análise de João Manoel Cardoso de Mello, em seu
livro O capitalismo tardio. 7a ed. Brasiliense,1988, p. 78.
149
A abordagem da autora procura acentuar as peculiaridades das relações de
produção estabelecidas no Brasil que, embora apresentassem aparente quebra de barreiras
sociais e tratamento “igualitário” ocultavam uma situação de dominação. Realça a relação
cordial187
fazendeiro-pequeno proprietário, mantida através de interações de boa vizinhança
e não-violência, como fundamental na manutenção da imagem de “homem de bem” que o
grande fazendeiro mantém, para obtenção do apoio político do pequeno produtor.
O estabelecimento de uma dependência entre fazendeiro e homem livre é
integradora do sujeito ao sistema e essa condição é efetivada através de relações de
lealdade, respeito, veneração e harmonia, que camuflam a imposição da vontade do mais
forte sobre o mais fraco.
As relações harmoniosas e consensuais entre estes proprietários ocultam as
tensões existentes. O reconhecimento da identidade entre os seres humanos e a consciência
da “indiferenciação social” fazem parte da ideologia de dominação pessoal. A admissão do
dependente como pessoa igual, em que o fazendeiro protege naturalmente, em retribuição
aos serviços prestados, oculta a brutalidade da alienação em que este homem é submetido.
Na instituição do compadrio manifesta-se o patrocínio do superior e a submissão
do inferior. Ao apadrinhamento corresponde toda uma intricada rede de dívidas e
obrigações, num processo continuado de troca de favores e serviços. Nesse sentido, a
proteção e a benevolência concedidas em troca de fidelidade e serviços contribuem para a
formação do indivíduo conformista e persistem e perpetuam-se principalmente pela
187
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda sugeriu que o “homem cordial” brasileiro era
extremamente sociável, mas superficial em suas afeições e ódios e, nos idos de 1940, já se achava em vias de
extinção, op. cit., p. 139-151.
150
coexistência paralela entre a pequena e a grande propriedade, em torno de objetivos
específicos de manutenção e desenvolvimento.
Durante o século XIX, este sistema de controle funcionou efetivamente na
manutenção do status quo. O fator preponderante, com possibilidade de alteração deste
quadro - a disputa pela posse da terra - dificilmente surgiria, em função da distribuição da
terra, da acomodação engendrada e da simples desigualdade das forças em jogo no processo
de expropriação da terra: donos ou posseiros de pequenas parcelas não tinham condições de
defender seus direitos. Quando donos, não opunham resistência à venda e, se posseiros,
não conseguiam fazer frente aos direitos legais e ao ataque armado que os expulsavam.
Na perspectiva de fundamentar a tese da existência de uma economia camponesa
cuja base volta-se para o mercado interno e se organiza, ao lado do trabalho escravo, com o
trabalho familiar dos detentores da unidade produtiva, Fragoso188
analisa as formas de
acumulação que perpassam a economia escravista colonial, na virada do século XVIII para
o século XIX, contrapondo-se à idéia de inúmeros quadros explicativos formulados
anteriormente.189
Ao aprofundar a análise dos modelos explicativos da economia agrário-
exportadora escravista, vários autores e, dentre eles, Caio Prado Jr., Celso Furtado e
Fernando Novaes, enfatizam o caráter extrovertido da economia colonial e a determinação
do seu ritmo pelas relações estabelecidas com o mercado internacional, reforçando a visão
188
João Luís Ribeiro Fragoso. Homens de Grossa Aventura: na praça Mercantil do Rio de Janeiro (1790-
1830). Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1992.
189
Os modelos explicativos mencionados podem ser melhor compreendidos em Fragoso no capítulo Os
Modelos Explicativos da Economia Colonial, ibid., p. 51-98 e em Alcir Lenharo, op. cit., 1993.
151
que limita à plantation e aos grandes proprietários, a responsabilidade pela prosperidade
econômica gerada no século XIX.
Outros, como Ciro Cardoso, assinalam que, embora haja predomínio da
plantation escravista, as estruturas coloniais comportam outros elementos como a produção
camponesa com diversos graus de ligação com o mercado, acumulações internas etc... Na
visão de Caio Prado Júnior, a economia escravista colonial é encarada como uma economia
sem flutuações econômicas próprias porque subordinada ao mercado internacional. Essa
estreiteza redundaria no esforço da situação de dependência frente ao capitalismo comercial
europeu.
Do mesmo modo que Caio Prado Júnior, Celso Furtado considera que a
possibilidade de reprodução da sociedade colonial está situada fora dela, na medida em que
parte do sobretrabalho é apropriada externamente, o que impede, por sua vez, a realização
de acumulações internas. Reforçando o modelo explicativo para a economia colonial de
Prado Jr., aperfeiçoado por Celso Furtado, Fernando Novaes descarta a existência de um
mercado, na Colônia, capaz de gerar acumulações internas e de fomentar uma elite
mercantil. A economia colonial limitar-se-ia à plantation como uma projeção das
flutuações presentes no mercado internacional e à produção que visava a suprir a
subsistência interna.
Em 1970, Ciro Cardoso critica a vertente criada por Caio Prado Júnior e procura
avançar no desenvolvimento da hipótese da existência de um modo de produção cuja
dinâmica envolveria o dado de dependência-transferência do sobretrabalho para a
metrópole - e a presença de estruturas produtivas internas com suas próprias contradições.
152
Levando às últimas conseqüências a idéia de Ciro Cardoso, que muda a perspectiva,
analisando o modelo de produção ao invés da circulação, Jacob Gorender questiona a
ênfase excessiva na transferência do excedente colonial e a possibilidade de acumulação
endógena. Para ele, “parcela considerável” da renda gerada pela produção escravista
exportadora permanecia em mãos do senhor de escravos. O autor denomina acumulação
endógena essa retenção do sobretrabalho cativo, nas mãos da plantation. Em estudo
publicado em 1990, Ciro Cardoso volta a enfatizar o caráter complexo da economia
colonial, ressaltando que essa não poderia ser reduzida à escravidão negra, ao latifúndio e à
monocultura.
Fragoso, por sua vez, expõe que, ao lado da plantation e da dependência externa,
incorporam-se elementos estruturais, como a natureza econômico-social da Metrópole
Portuguesa e a presença de um mercado interno, de acumulações endógenas e de uma
comunidade mercantil residente.190
Os estudos empreendidos nos livros de Registro Paroquial de terras da Freguesia
de N. Sra da Glória de Valença e da Freguesia de Sancta Theresa do Municipio de
Valença,191
onde foram analisados 366 registros de terras, lavrados entre 12 de fevereiro de
1855 e 02 de dezembro de 1857, constituindo 22 sítios, 108 situações, 81 sortes de terra, 27
partes de terra, 94 fazendas, 3 datas de terra, 8 porções de terra, 14 terrenos, 3 chácaras,
190
Elza Maria Neffa Vieira de Castro. Pequena Produção Familiar - Fator de desenvolvimento ou de
estagnação? Um Estudo na Região do Vale do Rio Preto. UERJ. Junho 1993. mimeo
191
No período em que foi realizado o Registro Paroquial de Terras, 1855-1857, a Freguesia de N. S. da
Glória de Valença era composta dos atuais distritos de Valença, Parapeúna, Pentagna, Barão de Juparanã e do
município de Rio das Flores, (antiga Freguesia de Sancta Teresa da Villa de Valença), tornando-se, esta
última, uma Freguesia independente, por ocasião da realização do Censo. Ficaram ausentes desta notificação
três Freguesias do Município de Valença: a de Santo Antonio do Rio Bonito (atual Conservatória), a de Santa
Izabel do Rio Preto e a de N. S. da Piedade das Ipiabas, hoje um distrito de Barra do Piraí.
153
uma sesmaria e 5 propriedades sem referência quanto à sua categorização, com variações
entre menos de 1 e mais de 400 alqueires, conforme tabela 12, não pretendem retratar a
estrutura fundiária da região, pois acredita-se não ser possível fazê-lo desconsiderando-a do
contexto de um processo complexo. Entretanto, os dados refletidos nestes Registros podem
configurar indicativos para o esclarecimento de algumas questões relacionadas à ocupação/
fragmentação das terras, neste período.
Tabela 12 - Tamanho das Propriedades da Freguesia de N. S
a da Glória de Valença e da Freguesia de Sancta Teresa do Município de
Valença -1855-1857 –
Alqueires
Sítios Situações Sortes
de terra
Partes
De terra
Fazendas Datas
De terra
Porções
de terra
Terrenos Chácaras Sesmaria Sem
referência
Total
Menos de 1 02 06 02 01 - - - 06 01 - - 18
1 a 10 05 17 16 09 04 01 02 05 01 - 04 64
11 a 20 06 22 10 01 03 - 01 - - - 01 44
21 a 30 05 15 03 03 03 - - - - - - 29
31 a 40 - 07 - - 03 - - 02 - - - 12
41 a 50 - 05 03 - 04 - 03 - - - - 15
51 a 60 01 09 01 01 07 - - 01 - - - 20
61 a 70 - 03 01 - - - - - - - - 04
71 a 80 - - 01 - 06 - - - - - - 07
81 a 90 01 01 01 - 03 - - - - - - 06
91 a 100 - - - - - - - - - - -
101 a 200 02 07 - 30 01 - - - 01 - 41
201 a 300 - - - 10 - - - - - - 10
301 a 400 - 01 - 03 - - - - - - 04
Mais de 400 - - - 04 - - - - - - 04
S/referência - 23 35 12 14 01 02 - 01 - - 88
Total 22 108 81 27 94 03 08 14 03 01 05 366
FONTE: Secretaria de Estado de Justiça/Arquivo Público do Rio de Janeiro/Divisão de Documentação Permanente. Registro Paroquial de Terras – Freguesia de N. Sa da
Glória de Valença - 1855-1857, Livro 88, nos 01-319, p. 01-75. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Sancta Teresa do Municipio de Valença - 1856-1857, Livro
89, Registros nos 01-31, p. 1-7. Obs.: As medidas encontradas nos documentos analisados variavam entre braça quadrada, alqueire planta de milho (27.225 m2 ou 2,72 ha),
légua e meia légua quadrada (medidas de sesmaria igual a 450 e 225 alqueires, respectivamente) tendo sido revertidas para alqueire geométrico (usado em Minas Gerais e
Rio de Janeiro), que corresponde a cem braças em quadra, 10.000 braças quadradas, 48.400 m2 ou 4,84 ha.
155
Segundo Menendes Motta,192
embora a Lei de Terras e o Decreto no
1.318, de 30
de janeiro de 1854 obrigasse a todos os possuidores de terras efetuarem registro das
propriedades ou possessões no Registro Paroquial de Terras, a fim de que pudessem ser
discriminadas as terras públicas das privadas, esta determinação legal não foi cumprida
rigorosamente. O descumprimento à Lei dava-se em função da incerteza dos proprietários,
principalmente os grandes, sobre a vantagem destas medições e demarcações e a relação
com a limitação de seus poderes. Por outro lado, nesses registros, muitos pequenos
lavradores vislumbravam a possibilidade de legitimação de suas terras, já que os
pressupostos estabelecidos pela Lei permitiam a todos os posseiros efetuarem o registro,
sem qualquer exigência de prova documental em relação à área efetivamente ocupada.
A ineficácia dos instrumentos propostos para regularizar a estrutura fundiária do
país, na metade do século passado, devia-se a diversas razões complementares e inerentes à
dinâmica de cada localidade, podendo-se ressaltar o jogo de interesses que, em
determinados casos, pressupunha o registro como instrumento de poder na decisão do
direito a terra e, em outros, abria brecha para o não reconhecimento dos limites das
propriedades pelos confrontantes.193
Em relação as denominações discriminadas nos Registros, há divergências quanto
a caracterização das propriedades a partir do tamanho. Embora alguns autores caracterizem-
nas especificando-as pela área (situação correspondendo a propriedades com menos de 50
alqueires, sítio entre 50 e 100 alqueires, fazendola menor do que 150 alqueires, conforme a
192
Márcia Maria Menendes Motta. A Lei de Terras de 1850 e os esforços na discriminação das terras
devolutas no Rio de Janeiro (1854-1883) in: Maria José Carneiro... [et al.], op. cit., p. 132.
193
A esse propósito, ver Menendes Motta, ibid., p.135-136.
156
classificação de Van Delden Laerne),194
as consultas aos Registros Paroquiais não refletem
tal classificação, pois no quesito fazenda, por exemplo, tanto pode-se encontrar uma
propriedade com 1,3 alqueire (Fazenda Conceição) quanto uma com 684 alqueires
(Fazenda Santa Mônica). Da mesma forma, estabelecem-se 16 fazendas com áreas entre 50
e 100 alqueires que, segundo a classificação de Laerne, deveriam apresentar-se como sítios
e não como fazendas. A Fazenda Tiracouro também foge a esta categorização, na medida
em que apresenta-se com alqueire e meio.
A definição de algumas dessas denominações no documento da Secretaria de
Estado de Cultura do Departamento de Museus e Arquivos do Estado de São Paulo195
em
que carta de data é a designação dada aos títulos de aquisição originária de imóveis livres
ou alodiais sob os quais os adquirentes passam a ter os domínios direto e útil, geralmente
expedida pelas Prefeituras ou Câmaras Municipais nas vendas de terrenos urbanos a
particulares para construção de edifícios residenciais; sítio e chácara são quintas, terras nas
adjacências das cidades e vilas; fazendas são terras utilizadas para criação de gado ou para
o cultivo e, finalmente, sorte é entendida como um quinhão que tocou em partilha, cuja
medida agrária é de 2.400 quadras, ratificam o pressuposto de que tais classificações não se
davam em função da dimensão das terras.
Atendo-se à análise das propriedades em relação às suas dimensões, independente
das denominações a elas atribuídas – sítios, situações, sortes, partes e datas de terra,
fazendas, terrenos, chácaras e sesmarias – salientam-se 155 estabelecimentos até 30
194
Citado por Célia Maria Loureiro Muniz. Op. cit., p. 99.
195
Registro de Terras de São Paulo – v. I. SE. São Paulo, 1976, p. 17.
157
alqueires, configurando 42,3% da totalidade das propriedades registradas, o que vem a
confirmar a presença de pequenas propriedades paralelas aos estabelecimentos maiores de
terras. Cabe assinalar que das 366 propriedades analisadas, 88 apresentam-se sem
referência de área que, se fossem devidamente catalogadas, poderiam contribuir para elevar
o percentual deste estrato.
Destas 155 propriedades com áreas menores a 30 alqueires, ou seja, das pequenas
propriedades analisadas dentre as 366 elencadas nos Registros Paroquiais, 119
apresentaram-se sem referência quanto a forma de aquisição das terras, 23 foram adquiridas
por compra e 13 recebidas através de herança, conforme pode-se verificar na tabela 13. Um
elevado número de propriedades deste estrato de área registrado sem referência quanto ao
tipo de obtenção (76,8% do total), devido a não obrigatoriedade da informação à época,
impossibilita uma análise fidedigna e deixa margem a suposições que, nem sempre,
correspondem à realidade, apontando para a necessidade de futuras pesquisas.
Tabela 13 - Formas de Aquisição das Propriedades com menos de 30
alqueires de terras das Freguesias de N. S. da Glória de Valença e de Sancta
Teresa da Freguesia de Valença – 1855/1857
Formas de
Aquisição
Propriedades com área
Menor a 30 alqueires
Herança
Compra
Posse
Sem referência
13
23
-
119
Total 155
FONTE: Secretaria de Estado de Justiça/Arquivo Público do Rio de Janeiro/ Divisão de
Documentação Permanente. Registro Paroquial de Terras – Freguesia de N. Sa da Glória de
Valença - 1855-1857, Livro 88, nos 01-319, p. 01-75. Registro Paroquial de Terras da
Freguesia de Sancta Teresa do Municipio de Valença - 1856-1857, Livro 89, Registros nos 01-
31, p. 1-7.
158
Cumpre ressaltar que entre 101 e 200 alqueires encontram-se 41 estabelecimentos
(11,2% da totalidade) e, dentre estes, 17 possuem, cada um, 112,5 alqueires,
correspondentes a uma fração de sesmaria de meia légua em quadra, manifestando uma
divisão eqüitativa das terras, possivelmente, entre os herdeiros. Tal suposição reforça-se
com a presença de 17 propriedades entre as 20 constituídas entre 51 e 60 alqueires
estabelecidas com 56 alqueires. Ainda nesta linha de pensamento, encontram-se 10
propriedades com 28 alqueires entre as 29 estratificadas entre 21 e 30 alqueires de terras.
Importante destacar que o reduzido número de sesmarias – uma somente – não
traduz a realidade, pois todas essas categorizações encontravam-se inseridas em sesmarias
que, à essa época, já estavam em adiantado processo de fragmentação.
Nestes Registros, por exemplo, foram encontradas sete propriedades (03 sortes,
03 sítios e 01 fazenda) localizadas na Sesmaria de Santa Madalena, no município de
Valença, o que leva à dedução de que estas eram partes constituintes desta sesmaria. Da
mesma maneira, a Sesmaria do Retiro inclui 21 propriedades sendo 03 sítios, 01 porção de
terras, 03 partes de terras, um pedaço de terra, 05 registros sem referências e 08 terrenos,
dos quais um foi considerado como tal levando-se em conta os confrontantes e a metragem
de 2 braças e dois palmos de testada por meia légua de comprimento, idêntica a de quatro
outros terrenos existentes na mesma sesmaria.
Constata-se, também, a existência de seis propriedades – Fazendas Santa Justa,
São José, Travessão, Cachoeira, Oriente e Sam Joaquim da Bemposta que, apesar de
possuírem a exata medida de metade de sesmaria de meia légua em quadra, isto é, 225
alqueires, foram denominadas como fazendas. Entretanto, a propriedade classificada como
159
sesmaria - a Sesmaria das Cobras - apresenta uma medida inferior, ou seja, 108,1 alqueires,
confirmando a suposição de que as categorizações adotadas para classificar as propriedades
não correspondiam a critérios de demarcações de área.
Cabe ressaltar que a incorporação dos cultivadores de pequenas lavouras à
economia não deixou de contribuir para a degradação da natureza pois, devido aos seus
rendimentos inferiores, eles exploravam a terra sem adubação e rotação, reduzindo o
intervalo de sete ou oito anos para quatro ou cinco entre o abandono temporário de um
campo e sua queimada para limpeza, exaurindo o solo e impedindo-o de rebrotar como
floresta secundária, gerando capim, levando-o ao abandono e, posteriormente, ao pastoreio.
As técnicas rudimentares, a agricultura itinerante, instituída a partir da
possibilidade de renovação de terras virgens pela posse ou ocupação pura e simples, e o
isolamento decorrente da fraca densidade demográfica, que delimitava a concorrência vital,
foram fatores marcantes da vida social destes pequenos produtores que contribuíram para a
exploração do solo e das florestas tropicais de modo que, a princípio, cultura e natureza
fossem concebidos como dois pólos da mesma realidade.
Na visão de Antonio Cândido,196
enquanto o ser humano dependia
exclusivamente do meio circundante, através da caça, da pesca, da coleta e do trabalho
agrícola como meios de subsistência, distanciados da agricultura comercializada, uma
familiaridade caracterizava seu processo de utilização da natureza, na medida em que a
roça, as águas, os matos e os campos eram elementos correlatos e complementares às suas
atividades produtivas e a mobilidade proporcionava meios à recuperação ambiental.
196
Os Parceiros do Rio Bonito. 7ª ed., São Paulo: Livraria Duas Cidades Ltda, 1987, pp. 173-178.
160
Segundo ele, a inserção dos recursos técnicos e a necessidade de maior rendimento
econômico interpôs-se entre o ser humano e o meio ambiente, atenuando essas afinidades e
criando sistemas de dependência ecológica cada vez mais desequilibrados.
Embora tais práticas fossem, paulatinamente, degradando os recursos naturais
regionais, percebe-se que esses pequenos agricultores tinham uma visão compreensiva da
linguagem da natureza expressa nas práticas medicinais, com a utilização terapêutica da
flora, no fabrico das gamelas de raiz da figueira e no cultivo do fumo de rolo, dentre outras.
Esta representação da natureza merece investigação posterior para que se possa
estabelecer o contraponto com a visão instituída pelo grande agricultor do século XIX, cuja
corrida pelo lucro proporcionado pelo café impulsionava-o a plantar, mesmo em áreas
economicamente “inadequadas”, desmatando a quase totalidade das matas da face atlântica
das montanhas fluminenses. Expressivas áreas também das terras mineiras e paulistas do
vale do Paraíba sofreram os efeitos devastadores da “onda verde”, ocasionados nos 160
anos do avanço desta cultura sobre as florestas subtropicais e os campos gerais. Tais
considerações, entretanto, não valem para as terras levemente onduladas e de solos de
“terra roxa” do Planalto Paulista.
A substituição progressiva das áreas florestadas do Rio de Janeiro por vastas
plantações de café alterou, em 70 anos (1790 a 1860), a paisagem das encostas e montanhas
das faces oriental e ocidental da Serra do Mar, de muitas de suas partes mais altas e dos
vales dos rios Paraíba e Preto.
Após a obtenção da sesmaria, a derrubada da mata dava início a implantação do
cafezal. Nesta tarefa, evitava-se o emprego do negro escravo devido ao alto índice de
161
acidentes, sendo esta tarefa confiada a trabalhadores livres, como empreitada, em troca de
favores ligados à produção da existência como, por exemplo, direito de vender madeira-de-
lei, carvão ou lavrar temporariamente a terra.
Ao abate das florestas seguia a queima da densa biomassa vegetal tropical,
funcionando como um processo de reciclagem acelerada de nutrientes de origem orgânica.
O calor do fogo, aliado às chuvas características das zonas tropicais e ao volume de
nutrientes liberado pelas cinzas vegetais fertilizavam o solo e enriqueciam o húmus
florestal.
Após a limpeza, os cafezais eram plantados nas áreas denominadas “mares de
morros” ou “meias-laranjas”, enfileirados perpendicularmente, no sentido da base do morro
para o topo, seguindo a linha de maior declive. Esta técnica de plantio expressava a
domesticação da paisagem e exteriorizava, através da formação de verdadeiros “exércitos
verdes”, a visão de domínio do homem sobre a natureza forjada pelos europeus nos séculos
XVII e XVIII que, além de favorecer as capinas e a colheita, ainda facilitava o controle e a
vigilância sobre os escravos.
Warren Dean,197
assim como Werneck,198
postulam que esta técnica foi adotada
em função da necessidade de se aumentar a produtividade do trabalho dos negros. Os
cafeeiros, se plantados ao léu, sem qualquer sistema de alinhamento, evitavam a erosão
mas, em contrapartida, impediam que os feitores pudessem vigiar os escravos e sua
ociosidade.
197
Op. cit., p. 201.
198
Francisco Peixoto de Lacerda Werneck. Memória sobre a fundação de uma fazenda na Província do Rio
de Janeiro. Senado Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa/MEC, Brasília/RJ, 1985, p. 29.
162
A adoção da prática despreocupada com tecnologias conhecidas na época, como
as curvas de nível e o terraceamento, apresentou implicações para a conservação dos solos
e a manutenção de suas qualidades biológicas, principalmente nos vales dos rios Paraíba e
Preto, onde a inclinação dos terrenos facilitava a erosão provocada pelas enxurradas, que
descobriam as raízes dos cafeeiros e esterilizavam a terra. As fileiras verticais das plantas
não opunham resistência ao escoamento das águas das chuvas pelas encostas íngremes
trazendo troncos de árvores, lama e detritos vegetais morro abaixo oportunizando, além da
erosão, a formação de áreas baixas encharcadas e o assoreamento dos rios, turvando suas
águas. Para alguns fazendeiros, cujas propriedades apresentavam mais áreas planas e pouca
inclinação, esse processo constituía-se como uma fertilização natural. Entretanto, para a
grande maioria, cujas terras agricultáveis assentavam-se em áreas montanhosas, essa prática
trouxe como conseqüência a exaustão dos solos, com formação de fendas erosivas e uma
vegetação rasteira composta de capins, samambaias e outras ervas, comuns em solos
empobrecidos devido a destruição das florestas nativas.
Estimulados pelo preço internacional do café, fazendeiros europeus e brasileiros
expandiram suas plantações exaurindo o solo, sem dar à terra um tempo para o descanso ou
à implementação da técnica de rotação de culturas, necessários para a manifestação do
processo espontâneo de regeneração florestal. Todavia, essa expansão permitiu que o
volume do café exportado no Brasil crescesse 15,5 vezes no período de 1822 a 1871.
Entre 1821 e 1833, com a queda dos preços internacionais, o preço do café
brasileiro também declinava a uma taxa de 7,4%, graças ao crescimento do volume de café
produzido que alcançou 13,8% ao ano, acarretando um aumento das receitas da ordem de
163
5%.199
Em 1830, a demanda e os preços externos estimularam de tal forma o plantio de
cafeeiros que, na década de 1840, mais de 40% do valor total das exportações do país
devia-se à venda deste produto.
Como conseqüência deste fato, Sérgio Silva assinala a existência, nos anos de
1860, de uma rica classe de capitalistas comerciais perfeitamente integrada ao mercado
internacional.200
O volume de café exportado pelo Brasil, no período de 1822-1871, demonstra um
crescente movimento produtivo, acentuando os maiores índices nos anos de 1855 e 1867,
como pode-se observar na tabela 14 e no gráfico 1.
199
BRASIL, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de
Janeiro, IBGE, 1986, p.312. Citado por João Luiz Ribeiro Fragoso. Homens de Grossa Aventura:
acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro. Arquivo
Nacional,1992.
200
Expansão cafeeira e origem da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, p. 40.
164
Tabela 14 - Exportação de Café no Brasil de 1822 a 1871
Anos Sacas Anos Sacas Anos Sacas
1822 152.048 1839 889.324 1856 2.098.312
1823 185.000 1840 1.068.418 1857 2.099.780
1824 224.000 1841 1.028.368 1858 1.830.438
1825 183.136 1842 1.152.608 1859 2.030.266
1826 260.000 1843 1.165.631 1860 2.127.219
1827 350.000 1844 1.232.935 1861 2.069.627
1828 364.147 1845 1.191.641 1862 1.485.220
1829 375.107 1846 1.511.096 1863 1.350.109
1830 391.785 1847 1.641.560 1864 1.480.134
1831 448.249 1848 1.710.715 1865 1.801.952
1832 478.950 1849 1.459.968 1866 1.934.896
1833 561.692 1850 1.343.484 1867 2.659.753
1834 560.759 1851 2.040.405 1868 2.265.185
1835 647.438 1852 1.906.472 1869 2.564.975
1836 715.893 1853 1.638.210 1870 2.209.456
1837 607.095 1854 1.988.197 1871 2.358.001
1838 766.696 1855 2.408.256 Total 65.014.606
Fonte: Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert,
n. 2. Fevereiro de 1872.
Exportação de Café de 1822 a 1871
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
18
22
18
23
18
24
18
25
18
26
18
27
18
28
18
29
18
30
18
31
18
32
18
33
18
34
18
35
18
36
18
37
18
38
18
39
18
40
18
41
18
42
18
43
18
44
18
45
18
46
18
47
18
48
18
49
18
50
18
51
18
52
18
53
18
54
18
55
18
56
18
57
18
58
18
59
18
60
18
61
18
62
18
63
18
64
18
65
18
66
18
67
18
68
18
69
18
70
18
71
Fonte: Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional nº 2. Fevereiro de 1872
SA
CA
S
O gráfico 2, extraído do Relatório do Secretário D’Estado das Obras Públicas e
Industriais, Engenheiro de Minas Augusto de Abreu Lacerda ao Presidente do Estado do
Rio de Janeiro Dr. Joaquim Maurício de Abreu,201
demonstra que os preços internacionais
do café começaram a subir em 1870 e que, a partir daí, ganharam impulso, havendo
transferência desses preços para os preços internos, aumentando em mais de 50%, no ano
de 1875.
Mesmo com a queda dos preços internacionais em 1874, com a desvalorização da
taxa de câmbio, o Brasil manteve relativamente estável os preços internos até o ano de
1881.
O rendimento imediato, que orientava a ação dos fazendeiros de café, provocou
um esgotamento das reservas naturais, conseqüente do desnudamento das florestas
derrubadas e da exposição do solo desprotegido à ação das intempéries, ocasionando
profundas transformações nos vales dos rios Paraíba e Preto, a partir das décadas de 1860 e
1870.
Os últimos vinte anos do Império marcaram o início da crise nesta zona
plantadora de café e o avanço da cafeicultura no chamado Oeste Paulista.
201
Rio de Janeiro: Typ. Jeronimo Silva & C., Rio de Janeiro, 1896, p. 7-73.
168
Embora decrescendo, a produção de café na Província do Rio de Janeiro, entre
1867-1872, era responsável pelo escoamento de 81% da produção brasileira202
e, apesar
das técnicas rotineiras e da baixa produtividade causada pelo envelhecimento dos cafezais
(mais de 60% com idade superior a 45 anos e menos de 25% com idade inferior a 20 anos),
no ano de 1882, esta Província ainda consolidava-se sobre as demais concorrendo com 156
milhões de quilogramas, o que correspondia, aproximadamente, a 2,6 milhões de sacas de
café.203
Nos anos que precederam a abolição da escravatura, a desvalorização das
fazendas era acentuada, como também das terras, dos escravos, das máquinas e das
construções.
O declínio do poder dos fazendeiros de café do vale do Paraíba e a ascensão da
burguesia comercial e financeira revelaram-se a partir da
“desintegração do regime escravagista, da reformulação da
propriedade agrícola para fins hipotecários e do penhor agrícola, o
surgimento das companhias de colonização, de agricultura, dos
bancos e sociedades de crédito real, e da Carteira Agrícola do
Banco do Brasil”.204
202
Ibid., p. 50.
203 R.C. Simonsen (1973), p. 189 citado por Wilson Cano in: Raízes da concentração industrial. São
Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1977, p. 23-24.
204
Eulália Maria Lahmeyer Lobo, op. cit. p. 131.
169
Nos fins de 1880, a produção cafeeira da Província do Rio de Janeiro é
ultrapassada pela Província de São Paulo.205
A dificuldade dos cafeicultores fluminenses
de fazerem a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado e a persistência na
busca de soluções políticas para os problemas de mercado levou-os a uma situação de crise
na qual um grande número de fazendas foram hipotecadas para saldar dívidas com
comissários, bancos, fornecedores e ex-colonos. Entre 1877 e 1883, expressivos créditos
foram concedidos pelo Banco do Brasil que mais do que dobrou seus empréstimos aos
fazendeiros de Valença e Vassouras. A tabela 15 explicita as hipotecas da Província do Rio
de Janeiro, cujas propriedades de café foram alienadas numa proporção de 72%.206
Tabela 15 - Hipotecas do Banco do Brasil nas Províncias do Rio de Janeiro e
Vassouras nos anos de 1877-1883
Província do Rio de Janeiro
1877 1883
Vassouras
1883
Número de fazendas
hipotecadas 294 351 44
Valor das fazendas - 45.313:609$ 6.916.208$
Total dos empréstimos
bancários 14.316:693$ 32.712:165$ 4.735:501$
Percentagem do valor
total em empréstimos - 72 68
Fonte: O Município, 14 de outubro de 1877; Van Delden Laerne, Brasil and Java, p. 218-219.
205
Caio Prado Júnior ressalta que a substituição de uma área produtora por outra encobre os dados conjuntos
do país. Ver História Econômica do Brasil. 41ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 164.
206
Stanley J. Stein, The Brazilian cottton manufacture. Cambridge, Mass, 1956, rodapé 64, p. 233/45. Citado
por Eulália Maria Lahmeyer Lobo, op. cit., p. 150.
170
No ano da Proclamação da República (1889), os “barões do café” já não
possuíam força junto ao Governo Central e aos estabelecimentos de crédito. Endividados,
com as terras exauridas, descapitalizados para assalariar trabalhadores em substituição aos
escravos, os fazendeiros tiveram dificuldades em conseguir novos empréstimos para
investir numa possível recuperação, através de melhoria nos métodos de plantio e de
beneficiamento do café. Nem a policultura, nem a mecanização foram capazes de reverter
o quadro que ali se instalou.
Muitos trabalhadores migraram para a cidade do Rio de Janeiro em busca de
novas oportunidades e para as prósperas fazendas do oeste de São Paulo e do Paraná que
atraíam imigrantes deixando, no vale do Paraíba fluminense, áreas improdutivas para a
agricultura, estações de trem praticamente desativadas e “cidades mortas”207
ou
dormitórios.
Entretanto, dados do Recenseamento de 1920 e dos levantamentos sobre as
propriedades cadastradas e respectivas plantações de café realizados em 1936 e 1940/42
demonstram que, apesar da perda do poder político-econômico, a região do Médio Paraíba
ainda mantinha um significativo número de propriedades cafeeiras no primeiro quartel do
século XX. Cabe ressaltar a existência de um incremento no número de pés de café entre os
anos de 1920 e 1936, quando percebe-se um decréscimo das propriedades cafeeiras
recenseadas nos municípios da região. Todavia, em princípios da década de 40 é visível o
207
Alusão ao artigo de Monteiro Lobato - Cidades Mortas, no livro do mesmo nome, em que o autor tece
considerações, em 1906, sobre cidades saudosas de movimento e plenas de marasmo. São Paulo: Brasiliense,
1995, p. 21-24.
171
acentuado decréscimo tanto em número de propriedades cafeeiras, quanto de números
cafeeiros produtivos. (tabela 16)
Tabela 16 – Cultura de Café no Brasil – Estado do Rio de Janeiro
Propriedades Cadastradas e Respectivas Plantações em 1920, 1936 e 1940/1942
Municípios Recenseamento de 1920 Levantamento de 1936
Levantamento de 1940/1942
(1)
Propriedades
cafeeiras
Número de
cafeeiros
Propriedades
cafeeiras
Número de
cafeeiros
Propriedades
cafeeiras
Número de
cafeeiros
Barra do Piraí 89 1.710.683 56 2.851.310 6 280.000
Barra Mansa 160 1.978.510 66 3.765.410 5 177.000
Piraí 53 299.016 38 818.180 - -
Resende 154 2.411.933 82 4.659.000 6 545.000
Rio Claro 116 196.750 12 211.000 - -
Rio das Flores 81 4.084.850 64 4.575.500 13 944.003
Valença 256 5.768.555 82 8.732.900 37 3.385.300
Vassouras 237 1.471.999 54 1.650.000 02 25.000
Estado 10.766 155.594.703 9.389 279.364.571 9.311 137.401.963
FONTE: Anuário Estatístico do Café: 1941/1942 - Departamento Nacional do Café
(1) Dados tirados de uma apuração preliminar do Cadastro dos Cafeicultores do D.N.C.
As dificuldades dos cafeicultores, enunciadas anteriormente, podem ser melhor
compreendidas através das análises de Moreira208
sobre as relações de trabalho no campo,
nas duas últimas décadas do século XIX, ao ressaltar a associação, em diferentes graus, dos
interesses comerciais exportadores, da propriedade da terra e das atividades produtivas da
agricultura voltadas para o interior da própria unidade produtiva que, através da parceria,
reforçavam os laços político-ideológicos, consolidados pelas regras do coronelismo,
clientelismo, compadrio e favor, todas associadas à lealdade entre as classes proprietárias.
A aglutinação do poder de mercado em torno dos proprietários-produtores, que
operavam as máquinas de beneficiamento do café, expressa um elemento da competição
208
Roberto José Moreira. Parceria e os negócios do coronel: trabalho familiar residente e competição no
complexo rural. XVII Encontro Nacional da Associação PIPSA. Grupo Temático: Produção Familiar na
Agricultura. Porto Alegre, RS. Outubro de 1994. Rio de Janeiro, janeiro de 1995.
172
intercapitalista e, ao mesmo tempo, reforça os laços de aliança do clientelismo, na medida
em que se estabelece a parceria com a retribuição de parte do produto beneficiado e não
com capital ou dinheiro.
Um importante componente sócio-político manifesta-se na diferenciação interna
estabelecida através do comando desigual sobre os componentes do complexo rural,
refletindo-se na apropriação diferenciada do excedente econômico – taxas variáveis de
lucratividade e/ou captação da renda da terra – e na hierarquia sócio-política,
fundamentadora de alianças políticas regionais.
Na competição intercapitalista, segundo Moreira, não conta apenas o desempenho
dos produtores mas, também, a sua posição no contexto da operação do complexo rural,
sendo elementos flexibilizadores do poder de mercado do cafeicultor a força de trabalho
familiar - residente e a parceria em produtos alimentares.
Nesse sentido, as relações de exploração do trabalho familiar do parceiro
residente no interior da fazenda de café garante uma enorme flexibilidade do fazendeiro
para lidar com as diferentes conjunturas favoráveis e desfavoráveis e manter seu domínio.
À última das três aristocracias do país, depois dos senhores de engenho e dos
grandes mineradores, é reservado um papel de liderança no cenário político tornando-se, a
elite social brasileira, a impulsionadora dos fatos econômicos, sociais e políticos, até o
terceiro decênio do século XX.
173
3.3. Caminhos e descaminhos das ferrovias
Objetivando facilitar o escoamento do café em direção ao porto exportador, as
ferrovias chegaram à região do Médio Paraíba no ano de 1864, cinco anos após ser
inaugurado o primeiro trecho da Sociedade de Estrada de Ferro D. Pedro II, organizada
pelo governo do Império, tendo sua maior fase de crescimento nas décadas de 1870/80,
quando a produção regional já apresentava sinais de declínio.
Segundo Cano,209
é provável que parte do capital cafeeiro desta região tenha sido
aplicado nas ferrovias, concorrendo para o adensamento de sua malha. Sérgio Silva,
entretanto, afirma serem os grandes fazendeiros os principais acionistas das companhias
construtoras de estradas de ferro, enfatizando que o desenvolvimento da rede ferroviária
brasileira deu-se a partir do capital cafeeiro.210
Confirmação à esta tese encontra-se no Relatório do Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Diogo Velho Cavalcanti
de Albuquerque, quando salienta o prosseguimento dos trabalhos de construção da ferrovia
no trecho compreendido entre a E.F.D. Pedro II, na estação do Desengano, e a cidade de
Valença, empreendidos pela Companhia Estrada de Ferro União Valenciana, assinalando
que:
“animados pela perspectiva dos lucros que devem auferir desta
empreza, e do augmento do valor de suas propriedades, os
accionistas, pela maior parte proprietários neste rico município da
209
Ibid., p. 28.
210
Op. cit., p. 56-57.
174
província do Rio de Janeiro, têm accudido regularmente ás
chamadas de capital”.211
Como conseqüência da expansão ferroviária, os pequenos portos fluviais e
marítimos tornaram-se sem utilização econômica, da mesma forma que os armazéns ali
existentes.
A partir de Barra do Piraí, dois ramais ferroviários garantiam o acesso às áreas
cafeeiras do Sudoeste de Minas Gerais e do vale médio superior do Paraíba. A introdução
do sistema ferroviário provocou uma significativa redução nos custos de transporte do café
que, até então, era feito em carro de boi ou através de tropas de mulas. Estas, superando
perigosos e difíceis trajetos, atoleiros, pontes sem segurança, morte de animais,
deterioração da carga e perda de tempo absorviam mais de um terço do valor que o café
conseguia no mercado.
A continuidade da acumulação cafeeira foi garantida pelo rebaixamento dos
custos de transportes gerados pela ferrovia na região fluminense que, segundo Sérgio
Silva,212
(utilizando informações de Taunay), teria sido equivalente a cerca de 10% do valor
total das exportações brasileiras, no período de 1860 a 1868 compensando, parcialmente, o
agravamento dos custos do café.
Até o final do Império, inúmeras ferrovias foram construídas pelos “barões do
café” na região do Médio Paraíba, a partir da Estrada de Ferro D. Pedro II. Do vale do
Paraíba do Sul ao vale do rio Preto quatro vias constituíam essa rede: E.F. União
211
Assembléia Geral Legislativa. Segunda Sessão da Décima Quarta Legislatura, 1870, p. 104.
212 Op. cit., p. 57.
175
Valenciana (1871 - com 63,4 km de extensão), E.F. Comércio - Rio das Flores (1876 – 39
km), E.F. Santa Isabel do Rio Preto (1881 – 74,5 km) e E.F. Barra Mansa - Minas Gerais
(1884 – 50 km). Na parte meridional do rio Paraíba do Sul localizavam-se outras três: a
E.F. Bananalense (Barra Mansa-Bananal/SP-1884 – 13 km), a E.F. Resende - Arêas/SP
(1878 – 29 km) e a E.F. Piraiense (Santana- Passa Três - 57,5 km). Essa malha ferroviária
que, segundo Lamego,213
em 1884 era equivalente a um quarto de toda a rede existente no
Estado do Rio de Janeiro, propiciou uma intensificação na movimentação das mercadorias
e pôs fim às longas e perigosas jornadas de tropas de mulas feitas através da Serra do Mar
até os portos marítimos. Primeiramente, o café era transportado para os portos da baía de
Guanabara (Iguaçu, Pilar) e para os da baía de Angra dos Reis e daí, para o porto do Rio de
Janeiro.214
Por este sistema escoava não só o café produzido na região mas, também, outras
mercadorias como pode-se visualizar na tabela 17: aguardente, fumo, toucinho, carvão,
madeira, queijos, açúcar e cereais. Da mesma forma eram importados produtos como
açúcar, carne e peixe, sal, cereais, fazendas, louças e vidros, mobílias, ferragens, utensílios
de lavoura e madeira, dentre outros. Cabe ressaltar que, no ano de 1875, foram embarcadas
nas estações da região 1.153.345 kg de madeira, segundo dados referidos no Relatório do
Império – Ministério Agricultura de 1875, conforme se vê na tabela 18.
213
Alberto Ribeiro Lamego. O homem e a serra.. 2a Edição da Divisão Cultural. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. Conselho Nacional de Geografia, Rio de Janeiro, 1963, p. 401.
214
Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krishna Neffa Vieira de Castro. “Caminhos e descaminhos do sistema
ferroviário da região do Médio Paraíba - Séculos XIX e XX”, in: Maria Julieta Costa Calazans, Elza Maria
Neffa Vieira de Castro e Maria do Carmo M. M. Maccariello (coordenação), op. cit., 1996, pp. 448-520.
Tabela 17 - Estrada de Ferro D. Pedro II - Estatística de mercadorias expedidas da Corte para o interior no ano de 1875
Estações Assucar Carne
e Peixe
Sal Cereais Fazendas Louças e
Vidros
Ferragens Mobílias Fumo Madeiras Utensilios
de Lavoura
Toucinho
Sant’Anna 157.285 195.913 97.466 350.928 37.189 4.684 70.691 3.365 1.901 18.333 7.587 l0.872
Barra 338.927 425.405 401.697 823.807 182.484 28.272 209.981 34.783 2.959 90.867 30.173 21.547
Ipyranga 19 .692 30.201 10.665 36.702 32.041 4.453 34.798 1.092 045 - 2.653 504
Desengano 588.345 683.882 641.970 1.146.834 312.548 31.226 506.025 14.742 l.570 78.l46 12.470 l.683
Comércio - 376.402 200.770 537.716 97.263 11.790 208.792 11.409 1.651 5.745 9.964 2.826
Vargem
Alegre
77.516 624.700 84.223 270.182 25.485 4.692 19.794 6.293 2.082 13.420 23.930 2.822
Pinheiros 109.351 127.666 83.996 114.677 27.714 7.980 34.941 3.917 462 6.824 3.845 1.071
Volta
Redonda
89.413 74.936 17.308 206.554 25.189 17.260 82.029 13.245 11.057 10.944 13.602 1.586
Barra
Mansa
422.588 101.331 275.517 438.710 158.999 29.124 176.872 14.463 10.774 32.146 46.705 658
Pombal 30.838 373.698 20.755 75.520 13.952 2.422 19.034 1.685 060 - 5.584 -
Divisa 259.60l 320.715 666.213 497.153 156.895 19.583 163.543 8.422 105.633 36.595 108.958 8.258
Resende 357.079 479.236 1.296.829 730.347 153.543 178.210 202.362 9.123 82.826 48.678 108.490 7.118
Campo
Bello
88.606 148.880 167.146 250.044 33.040 7.005 43.439 317 1.157 l.500 3.602 22.125
Itatiaya 107.644 159.835 351.946 264.239 130.932 19.945 141.864 13.279 255 5.215 8.674 7.587
Boa Vista 322.931 307.928 855.691 603.587 243.007 30.101 237.048 22.920 2.370 81.463 15.027 15.100
TOTAL
REGIÃO
2.969.836 4.430.708 5.172.202 6.347.000 1.630.281 396.747 2.151.213 159.055 225.162 429.876 401.264 103.757
TOTAL
E.F.D.P II
7.628054 9.558.155 12.140.398 16.520.086 3.645.375 1.273.541 4.998.236 12.140.398 265.025 l.792.407 l.l49.006 373.702
Fonte: Relatório do Império – Agricultura. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1876. Contador: Antônio José Trench.
Tabela 18 - Estrada de Ferro D. Pedro II - Estatística das mercadorias expedidas das estações do interior para as demais estações no ano de
l875
Estações Café Aguardente Carvão Madeiras Queijos Cereais Couros Fumo Utensílios de
lavoura
Toucinho Assucar
Sant’Anna 2.302.919 - - 13.362 - 11.849 2.138 5.468 - 357 -
Barra 5.250.414 1.776 - 2.885 6.441 17.415 19.354 40.777 - 150.563 -
Ipyranga 272.855 60.654 11.131 781.205 - 20.090 1.178 22.888 - - -
Desengano 8.339.179 - - 34.203 543.556 1.818 22.675 15.705 - 346.946 -
Commercio 6.059.225 - - 150.224 - 9.695 - 0.535 10.446 1.798 1.682
Vargem
Alegre
2.618.463 - - 1.247 - 25.509 212 16.415 775 1.584 -
Pinheiros 1.987.189 - - 46.867 - 20.757 - 3.206 - 7.691 -
Volta
Redonda
2.015.432 3.526 - 10.460 - 580 - 3.514 - 2.187 -
Barra Mansa 4.762.715 10.514 - 94.475 2.748 35.498 7.185 13.357 - 10.962 -
Pombal 1.253.215 - - 22.409 - 288 - 1.220 - 0.094 -
Divisa 2.607.472 - - - 176.720 - - 162.167 - 333.768 -
Resende 4.504.144 9.384 - 1.575 532 76.847 330 18.739 - 56.167 6.668
Campo Belo 1.432.795 1.859 - 4.433 - 4.177 2.900 17.228 - 178.461 -
Itatiaya 1.321.923 - - - 25 8.400 - 116.436 - 741.302 -
Boa Vista 517.559 3.764 - - 29.685 53.105 945 801.826 - 1.163.792 -
TOTAL
REGIÃO
45.245.499 91.477 11.131 1.153.345 759.707 286.028 66.817 1.139.481 11.221 2.995.672 8.350
TOTAL
E.F.D. P II
118.272.605 4.147.117 6.322.779 2.465.980 922.820 3.133.218 167.350 3.360.477 20.006 3.662.293 147.100
FONTE: Relatório do Império – Agricultura. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1876. Contador: Antonio José Trench
179
Profundo foi o impacto do sistema ferroviário sobre a Mata Atlântica. A
manutenção da via custava cerca de 20 km2 de floresta por ano. A exigência de lenha para
combustível, de madeira para a construção de pontes, de estações de trem e de grande
quantidade de dormentes (1500 por quilômetro, substituídos a cada seis/sete anos), para os
quais usava-se madeiras de lei215
agravava, sobremaneira, a devastação das matas
primárias.
A análise proferida por Lauro Severiano Müller, Ministro do Estado dos
Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, sobre o consumo de combustível e
lubrificantes, tomando por base a Estrada de Ferro União Valenciana (63.920 km), no ano
de 1904, ilustra a dimensão dessa devastação, ao apontar o consumo de carvão (5.487 kg) e
de lenha (2.296 kg) por locomotiva-quilômetro.216
O corte de lenha criava, também, uma boa oportunidade econômica para os
proprietários de terras às margens das vias férreas. Além dessas demandas, acresce-se,
como causa da devastação, os incêndios causados pelas fagulhas do carvão expelidas das
chaminés das locomotivas que obrigavam, muitas vezes, a manutenção de brigadas contra
incêndios.217
215
Segundo Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Segunda Sessão da Décima Sexta
Legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas
Thomaz Jose Coelho de Almeida. Rio de Janeiro, Typ. Perseverança, 1877, p. 53, “as madeiras do paiz e das
qualidades conhecidas sob os nomes de Jacarandá-tã, Tapinhoã, Ipê, Angelim, Garaúna, Sucupira, Oleo-
vermelho, Canella-preta, Gibatão, Oleo-Jatahy, Sapucaia, Peroba, Maçaranduba, Mirindiba, e outras”, são as
utilizadas para os diferentes fins citados acima.
216
Relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904, p.
422.
217
Warren Dean, op. cit., p. 250.
180
A crise nos primeiros anos da década de 1880 repercute nas taxas de lucro das
ferrovias e gera um déficit estrutural que dá início ao processo de encampação das ferrovias
vicinais provocando, com a Proclamação da República, a mudança de denominação de E.
F. D. Pedro II para E. F. Central do Brasil. Mais tarde, em 1907, essas incorporações são
consideradas a razão da situação deficitária apresentada nos balanços dessa ferrovia, cujos
custos representavam 96,5% de suas receitas.218
Apesar deste déficit, as estradas de ferro continuavam servindo como vias de
escoamento de madeiras, carvões, lenhas e dormentes a tal ponto que os impostos sobre a
exportação destes produtos, no período de 1914 a 1925, foram classificados de “impostos
da devastação”, constituindo-se as crescentes cifras em rendas apreciáveis do Estado do Rio
de Janeiro, conforme explicitado no Relatório da Secretaria de Agricultura e Obras
Públicas do Estado do Rio de Janeiro,219
apresentado em 1926.
Em 1932/33, dados de exportações explicitados pelo Relatório da Prefeitura
Municipal de Piraí, demonstrados na tabela 19, embora não especifiquem o critério de
medida de cada um dos produtos apresentados, aponta um acentuado aumento na
exportação de madeira – de 4.732 para 31.506 e uma elevada carga de 80.000 dormentes,
evidenciando uma significativa destruição das reservas florestais, ainda que inúmeras
denúncias fossem feitas em documentos e jornais publicados na época.
218
Wilson Cano, op. cit., p. 30.
219
José Pio Borges de Castro. Rio de Janeiro: Typog. do Jornal do Commercio. Rodrigues & C. 1928.
181
Em relação à lenha e ao carvão, da mesma maneira, verifica-se uma pequena
variação do volume exportado, o que demonstra a continuidade da derrubada das matas
para queima e geração de calor e energia, entre outros usos dos recursos naturais.
A infra-estrutura de transportes, com estradas de ferro e de rodagem atravessando
todo o Estado do Rio de Janeiro, foi a herança legada pela economia cafeeira à população
desta bacia hidrográfica, constituindo-se como um dos fatores possibilitadores do
desenvolvimento industrial na região.
Tabela 19 - Quadro Demonstrativo da Exportação do Município de Piraí nos anos de 1932 e 1933
Estações
Produtos
Lenha Madeiras Carvão Dormentes
1932 1933 1932 1933 1932 1933 1932 1933
Piraí – E.F.R.M.
Viação
8.844.728 4.689.569 3.835 5.647 90.108 389 80.000 25.000
Sant’Ana – E.F.R.M. 104.500 - - - - - - -
Sant’Ana – E.F.C.B. 5.317.664 5.841.925 897 - 68.848 10.590 - -
Vargem Alegre –
E.F.C.B.
3.940.000 4.420.000 - - 7.800 - - -
Pinheiro – E.F.C.B. - 84.730 - - - - - -
Morsing – E.F.C.B. 150.000 660.000 - 25.859 583.392 370.452 - -
Martins Costa –
E.F.C.B.
68.000 305.415 - - 106.000 324.475 - -
Total 18.424.892 16.001.639 4.732 31.506 856.148 795.906 80.000 25.000
Fonte: Relatório da Prefeitura Municipal de Piraí – Rio de Janeiro: Tip. Alliança–Pinheiro, 1933.
183
3.4. O despertar da indústria nacional
O movimento a favor da industrialização no Brasil surge, no último quartel do
século XIX, fundamentado nos argumentos da ordem nacionalista, advogando a
industrialização como condição imprescindível à prosperidade, à estabilidade econômica e
à grandeza nacional.
Inicialmente, os esforços de D. João VI, no começo do século, em esboçar uma
política industrial de caráter mercantilista frustaram-se diante de circunstâncias que
impunham à nação um regime de livre troca. Da mesma forma, devido aos interesses
ingleses e à política fiscal adotada no Segundo Império, malograram as iniciativas
nacionalistas esboçadas a partir da proteção alfandegária imposta em 1844 com a tarifa
Alves Branco,220
que objetivava salvaguardar a independência econômica do país, a partir
de uma prática mais democrática do que as concessões de privilégios e monopólios
dispensadas sob a tutela do Estado Monárquico. A esta política opunham-se os liberais,
cuja doutrina era conveniente aos interesses da lavoura monocultora e à organização
comercial que, juntos, presidiam os rumos do Império.
Do moderado protecionismo de caráter fiscal, das barreiras naturais e das
dificuldades de comunicação resultou uma pequena indústria de artefatos grosseiros e,
somente em finais da década de 1870, com o incremento de técnicas dos transportes
marítimos, facilitadoras da integração do mercado mundial, e com o progresso técnico da
220
Analises em torno deste tema são extensamente abordadas por Nicia Vilela Luz em A luta pela
industrialização do Brasil. São Paulo: DIFEL, 1961, capítulo I. Celso Furtado, por sua vez, em Formação
Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1997, (caps. 28 e 29), atribui uma maior
importância às questões cambiais deixando praticamente de mencionar, em seus estudos, a questão tarifária.
184
indústria européia, a estrutura industrial arcaica brasileira foi ameaçada, reacendendo-se o
debate sobre a revisão da tarifa alfandegária. Sob o argumento de que as doutrinas liberais
colocavam em risco o país, pois sujeitavam-no a uma economia essencialmente agrícola
submetida aos mercados exportadores, os produtores evocavam uma nova diretriz
protecionista, investindo contra a aliança entre importadores e agricultores de produtos
exportáveis.
Com a crise da lavoura e as oscilações do câmbio, os princípios do liberalismo
econômico foram postos em dúvida. Também com o aumento populacional progressivo, a
atenção despertava para a necessidade de se amparar o trabalho nacional, tendo-se em vista
os problemas sociais decorrentes da prostituição, do parasitismo e da pobreza.
Novos argumentos fortaleceram a nacionalização do comércio e a
industrialização brasileira – o desequilíbrio da balança de pagamentos, ao qual era atribuída
toda precariedade e instabilidade da economia e a especulação nas operações cambiais
sobre as oscilações da agricultura, que propiciava altos lucros aos estabelecimentos
bancários estrangeiros.
A crise da década de 1890 enseja um novo estágio no pensamento industrial
brasileiro que, além de preocupar-se com a proteção do mercado interno contra a
concorrência estrangeira, volta-se para a conquista do mercado nacional com a intenção de
garantir baixo custo do transporte e livre entrada de mercadorias de um para outro Estado.
Na perspectiva de defender a produção nacional busca-se, também, uma aliança entre a
indústria, a pequena lavoura e a pecuária e, durante a República, correntes distintas tomam
corpo no pensamento econômico brasileiro: a) a corrente do liberalismo econômico que,
utilizando-se do conceito de indústria natural versus indústria artificial, combate a
185
intervenção direta do Estado a favor da indústria; b) a corrente protecionista que pleiteava
uma proteção sistemática, planificada, e solicitava a preferência para as indústrias naturais.
Em nome do nacionalismo econômico projeta-se uma linha de conduta que
assimila a independência do país à industrialização, ao abastecimento do mercado interno e
à denúncia ao esquema monocultor. Associada à reserva das riquezas brasileiras e aos
capitais nacionais encontram-se, nessa corrente, Felicio dos Santos, Amaro Cavalcanti,
Serzedelo Correa e Alberto Torres que, além de combaterem o capital estrangeiro,
reclamam empréstimos públicos e emissão fiduciária.
Apesar do amparo governamental, os industrialistas não obtiveram uma tarifa
verdadeiramente protecionista, mesmo durante as administrações que se mostraram
favoráveis à indústria nacional pois, além dos seus interesses havia os do fisco e os dos
consumidores. Entretanto, para satisfazer a indústria brasileira, o governo recorreu a outras
medidas como a concessão de favores, a isenção de impostos, os empréstimos, os prêmios
e, em alguns casos, a proteção alfandegária. A quota-ouro sobre os direitos de importação e
a estabilização da moeda a câmbio relativamente baixo, soluções governamentais que
favoreciam tanto as indústrias quanto os interesses ligados à produção nacional exportável,
particularmente os relativos ao café, contribuíram para a elevação do custo de vida e para a
oposição da opinião pública em relação à indústria nacional.
Contudo, embora a produção nacional não conseguisse diminuir a importação e
solucionado o crônico desequilíbrio internacional de pagamentos, a industrialização
brasileira processou-se em escala crescente, até alcançar o auge na década de 1940, em
consonância com uma idéia progressista.
186
3.5. A crítica ecológica-política no Brasil
A mentalidade progressista referente ao pensamento político sobre o destino da
nação, conformada no Brasil em fins do século XIX, caracterizou-se pelo elogio à
modernidade ocidental e pela crença na conciliação do progresso com a sustentabilidade
ambiental, circunscritos ao sentimento poético da natureza sob a influência do romantismo.
As considerações enunciadas por Pádua, na tese221
que pressupõe o delineamento
de uma crítica ecológico-política no Brasil, nos séculos XVIII e XIX, chamada de
“ecologia política original”, com desdobramentos nas percepções e na formulação dos
atuais conceitos ecológicos, evidenciam, além da cultura romântica, duas outras influências
teóricas que ajudaram a construir o universo da economia política original brasileira: a
“economia da natureza” dos naturalistas e a escola fisiocrática da economia política.
A partir das idéias do naturalista sueco Carl Linnaeus,222
a “economia da
natureza”, desenvolvida na Europa no século XVIII, pressupunha a interdependência
equilibrada de diversos sistemas do meio ambiente, de maneira tal que cada parte é de
fundamental importância no equilíbrio e harmonia da totalidade. Dessa concepção surge,
221
José Augusto Pádua. A Degradação do Berço Esplêndido – um estudo sobre a tradição original da
ecologia política brasileira, 1786-1888. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, IUPERJ, 1997.
222
A interpretação de Héctor Ricardo Leis sobre os primeiros antecedentes dos conceitos científicos de
ecologia concebe que paralelo às idéias de Gilbert White estruturam-se as concepções de Carl Linnaeus com
uma visão taxionômica e naturalista da natureza, descompromissada com a ética ecológica. Admirado com a
natureza como criação divina, sua obra aproxima-se da visão mecanicista galileana-cartesiana, na medida em
que apresenta-a como estática e cada espécie subordinada às outras, assumindo o homem uma posição
privilegiada com uma maior interdependência com a natureza, se bem que sob a intervenção de uma entidade
concebida como ser supremo. Tal ótica inscreve-se, assim, numa posição de tipo moderado e antropocêntrico,
em contraposição à de White que estabelece-se numa linha mais radical e biocêntrica. A modernidade
insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes: Santa
Catarina: UFCS, 1999, pp.. 59-60.
187
como desdobramento, a “teoria do dessecamento”, que relaciona a redução da vegetação
com as mudanças climáticas, principalmente no que se refere ao decréscimo da umidade,
das águas dos mananciais e das chuvas. Tais teorias, consubstanciadas em bases científicas
no início do século XVIII e, mais tarde, no século XIX, subsidiaram a preocupação com os
problemas climáticos e meteorológicos, principalmente por atrelarem as modificações da
natureza às ações antrópicas (perspectiva humboldtiana).
Na medida em que se aproximou da economia da natureza e da teoria do
dessecamento, a fisiocracia influenciou a economia política original, ainda que sob a
concepção produtivista impulsionadora de uma exploração ambiental descontrolada. Nesta
vertente de pensamento, que aproxima a ordem econômica da ordem natural, valorizando o
fator econômico da natureza ao ver a agricultura como fonte real de riqueza, traduzia-se a
crítica à superficialidade das elites urbanas, à falta de cuidado dos proprietários rurais e à
sua cultura da ociosidade, geradas pelas relações de produção escravagistas.
Consoante à concepção de dominação da natureza construída na época moderna,
a atuação da elite social brasileira, no século XIX, na região cafeeira do Médio Paraíba, foi
marcada por práticas produtivas insustentáveis, embora surgisse um pensamento ecológico
centrado na necessidade de promover um uso econômico não-predatório dos recursos
naturais em favor do desenvolvimento nacional.
Em diferentes documentos publicados ao longo do século XIX encontram-se
indícios de um pragmatismo imediatista proveniente do modelo adotado pela colonização
portuguesa, que valia-se das possibilidades ecológicas de um enorme território tropical,
com um certo abandono e desleixo, em busca de expansão das fronteiras em direção às
188
florestas e aos campos que, após desmatamentos e queimadas, eram abandonados e
substituídos por novas terras, caracterizando uma horizontalidade predatória.
Neste estudo, o objetivo não é o de analisar o impacto no pensamento político
brasileiro das dinâmicas históricas concretas que produziram a devastação do território
nacional mas sim, examinar o efeito dessas dinâmicas na transformação do meio ambiente e
na idéia de natureza circunscrita a elas.
A análise dos textos selecionados pretende abordá-los a partir de um eixo
temático referente ao impacto ambiental causado pela irracionalidade das práticas
produtivas implementadas no século passado, sem a pretensão de esgotar todos os trabalhos
produzidos em torno da questão mas, na perspectiva de contribuir para o debate sobre o
caráter predatório da formação histórica brasileira e, mais especificamente, sobre os efeitos
desequilibrantes da agricultura predatória na paisagem da região do Médio Paraíba do Sul.
No Código de Posturas da Câmara Municipal da Villa de Valença do ano de 1836
encontra-se a determinação de que “todos os agricultores d’este Município serão obrigados
por cada fogo a apresentar ao respectivo Fiscal no mez de março 12 cabeças de passaros
damninhos, como são os pretos, saracuras, e os de bico redondo: os infractores incorreráõ
na muleta de 2$000 réis”.223
Tal ingerência demonstra a ação do poder público no fomento
a extinção de animais considerados nocivos às lavouras do município, com o escopo de
garantir a dinâmica econômica.
Na mesma ótica, os agricultores obrigados a matar as formigas chamadas
tanajuras, sob pena de pagarem multa de 10$000 réis, eram evocados à ações predatórias, a
223
Secção Segunda. Policia. Titulo 6o, Art. 41, p. 13.
189
fim de “salvarem da total destruição aos terrenos e lavouras do Municipio, a que ja vão
ficando expostas”.224
Em 1863, Pedro de Alcântara Bellegarde, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, denuncia o extrativismo predatório
da caça e da pesca sem que se atentasse para os costumes e hábitos dos animais, o que
provocava a extinção de várias espécies (e o quase extermínio de outras), com conseqüente
alteração das atividades econômicas das comunidades envolvidas com estes animais,
enquanto mercadorias e/ou fontes de alimentação.225
No Esboço de Memória sobre a cultura em geral, e em especial do café na
Província do Rio de Janeiro, apresentado por Custódio Luiz de Miranda à Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional do Rio de Janeiro, a convite da Câmara Municipal de
Resende, em 1868, constatam-se denúncias sobre a mentalidade que dominava a economia
original do Brasil, fundamentada na apropriação parasitária do capital natural, além do
nomadismo e da horizontalidade das atividades econômicas.
“A intelligencia e o amor da patria não presidirão desde o principio
á cultura no Brasil: é para lastimar-se que ainda hoje exista a rotina.
Era vasto, e coberto de matta virgem, o homem era raro; era mais
facil derrubar o matto, queima-lo, e plantar para colher muito.
Renovou-se essa selvagem operação muito a miudo, porque erão
preferiveis terras que os seculos se tinhão escarregado de estrumar.
Ainda ha poucos annos denominava-se isto benfeitorias.
Cometterão-se graves erros, como a concessão de grandes terrenos,
o que concorreu para preferir-se a cultura extensa á cultura intensa,
para dissipar-se em um dia o patrimonio de muitas gerações. Outro
erro: preferirão para cultura os morros, porque o esgôto das aguas,
condição necessaria para prosperar qualquer cultura, era feito pela
224
Ibid., Art. 42, p. 13-14.
225
Relatorio á Assembléa Geral Legislativa, Terceira Sessão da Décima Primeira Legislatura. Rio de
Janeiro: Typ. Perseverança, 1863, p. 23-24.
190
natureza, sem trabalho humano. Ainda outro erro: derrubárão todo o
matto do morro, quando convinha conserva-lo do meio morro para
cima, e conservar arvores de boa altura e ramagem, espalhadas de
distancia em distancia pelo meio do cafezal, ou mesmo quaesquer
outras culturas. Finalmente cometteu-se a barbaridade de pôr fogo
ás derrubadas. Este descortinamento geral, alem de concorrer para a
irregularidade da chuva, e diminuição da humidade necessaria no
sólo, tornou os morros, além de aridos, lavados e duros, porque as
grandes pancadas d’agua, não encontrando arvores, em cujas cópas
quebrem a força da quéda, cáião sobre a terra espalhada em gottas
miudas, mansamente, sem apiroa-la, e tenhão tempo de por ella
filtrar-se, cahem com toda a sua força, e logo em torrentes descem
pelos morros, levando todo o estrume, e diminuindo todos os dias a
camada de humus. Achão-se pois os cafezeiros, principalmente dos
morros, enfraquecidos por deficiencia da nutrição, em consequencia
da falta ou diminuição de sáes e humidade conveniente. Os
cafezeiros dos terrenos planos, que são rarissimos e excepcionaes,
soffrem tambem, posto que menos que os dos morros, porem
principalmente por causa da humidade incoveniente”.226
Nesta fala, a despeito da citação longa, inúmeros aspectos contribuidores
da degradação ambiental são apontados: desmatamentos, queimadas, implementação de
agricultura extensiva, métodos de plantio inadequados. Da mesma forma, enumeradas as
conseqüências no clima, no solo, na cultura cafeeira. Esta multiplicidade de problemas
ambientais interligados caracterizou inúmeros depoimentos proferidos no século XIX onde,
segundo Pádua,227
não transparece a idéia de defesa da natureza por si mesma, ao estilo de
Muir, mas percebe-se uma visão antropocêntrica e desenvolvimentista própria do
iluminismo luso-brasileiro.
Também na resposta ao ofício do Secretário Geral do Ministério de Agricultura,
Comércio e Obras Públicas enviado para a Câmara Municipal de Vassouras na Sessão do
226
Sociedade Auxiliadora Industria Nacional, n. 5. Rio de Janeiro, Junho de 1870, p. 240-241.
227
Op. cit., 1997, p. 30.
191
Conselho da mesma Sociedade, no ano de 1862, percebe-se uma preocupação de que as
práticas produtivas insustentáveis pudessem inviabilizar o ideal político e civilizatório
futuro. Da mesma forma, antevê-se, nas palavras a seguir, o “contraste entre o empirismo
predatório que dominava a produção brasileira e a eficiência tecnológica própria do projeto
ilustrado”: 228
“A secção d’Agricultura não fará accusações anachronicas e já mui
repetidas contra o barbaro systema da destruição das florestas,
porque tal systema data de largos annos, mas que convém fazer
cessar. É deploravel ver, no municipio que representa a camara de
Vassouras, as collinas inteiramente núas onde houveram cafesaes,
que o machado e o fogo tornaram absolutamente improprias para
toda a cultura util. A devastação das mattas foi tal que é mui difficil
obter um páo para as construcções, em um município onde, á 30
annos, ellas cobriam quasi toda a sua superficie. Os cafesaes
substituiram as arvores, e hoje nem de arvores nem de cafés existe
alli o menor vestigio. Entretanto essas collinas, as planicies e as
gargantas ainda poderão ser aproveitadas se os lavradores se
resolverem a adoptar uma cultura racional”.
Na mesma linha interpretativa, o engenheiro sanitarista Ernesto da Cunha de Araújo
Viana, em parte de seu estudo sobre saneamento básico elaborado para a Câmara Municipal
de Valença em 1894, critica os métodos utilizados na agricultura, cujas bases assentavam-
se numa lógica perversa, pragmática, e analisa as conseqüências do desmatamento sobre as
alterações climáticas regionais. Salienta, ainda, que a crise de abastecimento é motivada por
caprichos meteorológicos, cujas causas devem ser investigadas para que se possa atenuar as
secas prolongadas. Em seu entendimento, a ocorrência desses desequilíbrios dá-se devido à
falta de arborização resultante da destruição das florestas. Diz ele que:
“sem matas é impossivel ter-se chuvas e humidade. São bem tristes
as consequencias que pódem resultar da destruição das florestas.
228
Ibid., p. 30.
192
(...) o serviço do plantio de arvores deve começar pelos montes
adjacentes á cidade de Valença, e, sobretudo, bem junto dos
mananciaes de agua potavel, nas cabeceiras e margens do corrego
do Figueira, cujas aguas têm que ser captadas. As florestas
plantadas pelas encóstas e ladeiras, pelas serras e morros, mantêm a
terra vegetal, e impedem a acção eruptiva das aguas sobre o sólo;
auxiliam a infiltração concorrendo para a conservação daquellas
cisternas naturaes, alimento das fontes e rios; contribuem, dentro de
certos limites, para moderar as enxurradas; onde o sólo é pobre,
escasso ou infecundo, servem para modical-o; finalmente,
disseminadas por qualquer parte, moderam o clima e influem de um
modo benefico na salubridade de um paiz”.229
Segundo Pádua,230
duas tendências caracterizam a crítica ecológica formulada
pelos homens públicos, no século XIX. Na primeira, muitos assumiram uma postura
naturalista e geopolítica, em que criticavam as práticas e os métodos predatórios, enfocando
a questão da agricultura e da devastação das florestas sem, contudo, estabelecerem uma
conexão entre essa degradação ambiental e as relações de produção escravagistas. Neste
contexto, tanto a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (fundada em 1827) quanto o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (criado em 1839) constituíram-se como espaços
de expressão dessas idéias, ambos apoiados pelo governo.
A segunda vertente, considerada pelo autor como a crítica superior da ecologia
política brasileira original, embora com um menor número de representantes, assumia a
dimensão escravagista da destruição ecológica, renovando a crítica bonifaciana da relação
existente entre a degradação ambiental e o círculo vicioso representado pelo trinômio
229
Saneamento de Valença. R.J. Typ. Mont’Alverne, 1894, p. 170-171.
230
Para maiores considerações sobre as ramificações das tendências conceituais postuladas pela crítica
ecológica brasileira tendo por critério a posição assumida diante do tema escravidão, ver o 4º capítulo
intitulado “Um Sopro de Destruição: Naturalismo e Abolicionismo na Ecologia Política do Brasil
Monárquico”, da tese de Pádua, op. cit., p. 227-353.
193
escravidão-latifúndio-monocultura, ao mesmo tempo em que postulava a necessidade de
uma reforma do modelo social como garantia da sobrevivência ecológica.
Por entender que o advento e difusão da civilização urbano-industrial, no século
XIX, e as transformações nos paradigmas do pensamento e da comunicação muito
contribuíram para acentuar o impacto da ação humana sobre o planeta, restringimos, assim
como Pádua, a investigação da natureza política de determinadas percepções e práticas
relacionadas ao meio ambiente aos séculos de formação e consolidação da modernidade,
embora conscientes de que diferentes percepções sobre o meio ambiente natural possam ser
encontradas desde a Antigüidade.
- CAPÍTULO IV –
AGROPECUÁRIA E INDUSTRIALIZAÇÃO: AS DUAS FACES DA
DEGRADAÇÃO AMBIENTAL
4.1. Complementaridade dual da região no século XX: processo
de industrialização e atividades de agropecuária
Os efeitos dos setores primário e secundário no processo de deterioração
ambiental da região do Médio Paraíba do Sul são significativos e facilmente observáveis
quando se olha os rios poluídos e as encostas vazias, com profundas voçorocas. A
desigualdade entre os diferentes ramos de atividades, uma vez que a poluição é
condicionada pela matéria prima e pela energia utilizada no processo de produção e, ainda,
pela intensidade de incorporação de tecnologias fortalece o preceito de se buscar,
simultaneamente, soluções coordenadas e integradas para os problemas ambientais.
195
Foto 24 - Poluição no Rio Paraíba do Sul
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
Na tentativa de compreender as conseqüências sobre os recursos naturais
ocasionadas pelo nascimento do capital industrial e crescimento da grande indústria na
região do Médio Paraíba, analisamos o processo de industrialização brasileiro e sua
inserção no padrão moderno de desenvolvimento, além do papel de alguns condicionantes
da agricultura e sua resistência à modernização.
A partir da premissa de que desejo de mudança é característica de povos novos,
dentre eles, o brasileiro, Darcy Ribeiro231
entende que a resistência à passagem do padrão
tradicional ao padrão moderno não se explica pelo conservadorismo, pelo apego às formas
231
O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pp.248/49.
196
arcaicas de vida, pelos valores tradicionais mas, antes, pelo processo de deculturação das
matrizes formadoras do povo brasileiro.
São as condições sociais, impostas pelos interesses e privilégios de uma classe
dominante submissa à economia mundial e agente da dominação externa, que atuam como
fatores de atraso da sociedade brasileira.
Se a propriedade fundiária mostra-se incompatível “à participação autônoma das
massas rurais nas formas modernas de vida”232
e inviabiliza a ampliação de oportunidades
de trabalho, da mesma forma, a industrialização comporta a formação de um empresariado
gerencial que, embora modernize a produção e permita a substituição de importações, é
descompromissado com os interesses do povo brasileiro, favorecendo o prevalecimento de
uma ordenação social e legal resistente à qualquer transformação que conforme
prosperidade generalizável a toda a população.
Nesta ótica, Darcy Ribeiro ressalta o papel histórico do povo no enriquecimento
das classes dominantes e na manutenção de suas condições de sobrevivência, ao longo dos
séculos – como mão de obra escrava de uma empresa agromercantil exportadora, no
passado, e como mão de obra trabalhadora para um mercado consumidor, no século XX.
Em ambos os momentos, com o Estado estruturando-se como uma máquina político-
administrativa repressiva, destinada a manter o status quo.233
Com a preocupação de determinar os obstáculos que colocam-se no caminho da
modernidade brasileira e comprometem as possibilidades da democracia no país, inúmeros
232
Ibid., p. 250.
233 Ibid., p. 251.
197
autores234
procuraram identificar as razões do seu atraso social e buscaram reexaminar o
significado da passagem da economia agrária para a economia industrial.
Em relação ao papel da economia agrária exportadora no surgimento da
industrialização, pode-se ressaltar a oposição entre os autores histórico-estruturalistas,
dentre eles Celso Furtado, cuja tese fundamenta-se na formação do mercado interno via
expansão da renda monetária das exportações, principalmente do café, mediante a
reiteração e o aprofundamento da própria economia exportadora, e os filiados à teorização
neoclássica e marginalistas que consideram a política econômica do chamado período
liberal da economia brasileira como obstaculizadora do processo de industrialização.
Embora antagônicas, tais posições apresentam um ponto em comum quanto a pressuposição
de que a economia brasileira estava destinada a alcançar etapas superiores de atividades
econômicas (pela existência de recursos naturais, mão de obra, vastidão continental e
mercado interno) e poderia alcançá-las, ou não, devido a uma distorção na alocação de
234
Dentre os cientistas sociais que contribuíram para o debate intelectual sobre o tema em questão encontram-
se Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Marialice Mencarini e Maria Sylvia de
Carvalho Franco, para citar apenas alguns dos integrantes do grupo de professores da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo que, nos anos 50 e 60 constituíram o “Grupo de São Paulo”.
Numa linha interpretativa histórica, Celso Furtado incorpora-se ao debate vendo o Estado como agente
político capaz de dinamizar os setores atrasados da economia, com desdobramentos sociais e políticos. Num
referencial metodológico que pressupõe o surgimento do novo como desdobramento do velho, José de Souza
Martins antevê a lentidão das transformações sociais e políticas numa dinâmica em que os setores modernos e
de ponta recriam, ou mesmo criam, relações sociais arcaicas ou atrasadas. Além desses, Raimundo Faoro é
um bom exemplo da “tradição institucionalista” que, sem descuidar dos estímulos sócio-culturais para o
comportamento prático, prefere enfatizar o aspecto mais institucional da análise. Com a idéia de cordialidade,
síntese da herança ibérica e do domínio do patriarcado rural, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do
Brasil, insere-se neste debate ao caracterizar uma tradição que liga-se à “cultura da personalidade”. Essa
cultura, definida pelo valor próprio da pessoa humana e pelo grau de dependência em relação aos seus
semelhantes expressa uma forma de individualismo e uma sociedade hierarquizada, carente de relações
horizontais do tipo associativo, suportes à coesão da vida social demandadora, ao mesmo tempo, de um
princípio unificador externo representado pelos governos. Para maiores considerações ver José de Souza
Martins. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo: HUCITEC, 1994, pp. 55-57;
Jessé Souza. “A ética protestante e a ideologia do atraso brasileiro”, Revista Brasileira de Ciências Sociais.
Vol. 13. n. 38. Out./98, pp. 97-116; Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., 1984.
198
recursos (ponto de vista dos neoclássicos) ou decorrência natural da renda produzida pelas
exportações (ponto de vista dos histórico-estruturalistas).
Estas interpretações vêm sofrendo várias críticas, a partir de diversos autores. As
análises de Francisco de Oliveira, Sérgio Silva e João Manuel Cardoso de Mello
encontram-se entre as que pressupõem que a indústria é resultado de um desenvolvimento
capitalista prévio e não uma ruptura das formas de reprodução do capital, na monocultura
agroexportadora, com conseqüente transposição desse capital para investimentos
industriais.
Em sua discussão sobre a economia da Velha República, Francisco de Oliveira235
opõe-se às visões neo-clássicas e histórico-estruturalistas, salientando que é preciso ver o
movimento das forças sociais em ação e não entender as diversas situações como desvios
ou decorrências naturais.
Para ele, o fundamental na discussão consiste em inserir o desenvolvimento no
bojo da expansão do capitalismo ocidental, ou seja, entender “que se trata do
desenvolvimento econômico de um espaço sócio-político determinado do sistema
capitalista mais abrangente”.236
Nesse sentido, o autor analisa a economia, neste período, a partir de sua inserção
no padrão de divisão internacional do trabalho e da metamorfose operada nas relações de
produção (surgimento do quase-campesinato e do trabalho livre).
235
A economia da dependência imperfeita.2a ed. Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 11.
236
Ibid., p.114.
199
A passagem de uma economia agroexportadora cafeeira para a industrialização
não se faz, segundo Sérgio Silva,237
automaticamente, mas é conseqüência de um conjunto
de lutas econômicas, políticas e ideológicas que traz implícita, inclusive, a ideologia que
atrela indústria à idéia de modernização e desenvolvimento.
Mello,238
por sua vez, admite que a industrialização capitalista tem como ponto
de partida as economias exportadoras capitalistas nacionais e pressupõe sua ocorrência no
momento em que o capitalismo monopolista torna-se dominante em escala mundial. Este
autor chama esse processo de industrialização (capitalista) retardatária. Para ele, a
economia cafeeira, assentada em relações capitalistas de produção, engendrou os pré-
requisitos fundamentais ao surgimento do capital industrial e da grande indústria ao:
“1) gerar, previamente, uma massa de capital monetário,
concentrada nas mãos de determinada classe social, passível de se
transformar em capital produtivo industrial; 2) transformar a própria
força de trabalho em mercadoria; e, finalmente, 3) promover a
criação de um mercado interno de proporções consideráveis.”239
Dessa forma, entender a gênese do capital industrial significa compreender como
uma determinada classe social dispõe, numa determinada conjuntura, de uma massa de
capital monetário capaz de ser transformada em capital industrial. Nesse sentido, é
fundamental perceber qual motivo estimulou esta classe a converter capital monetário em
capital industrial, e como foi possível transformar o capital monetário em força de trabalho
e meios de produção, constituindo-se a grande indústria.
237
Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1976, p.18.
238
João Manuel Cardoso de Mello, op. cit., 1988, p. 89-173.
239
Ibid, p.99.
200
Sob a ótica de João Manuel, a burguesia cafeeira foi a matriz social da burguesia
industrial, na medida em que o surgimento do capital industrial deu-se como
desdobramento do capital cafeeiro empregado no núcleo produtivo do complexo exportador
de café e em suas atividades comerciais urbanas; pelo fato do complexo cafeeiro chegar ao
auge da exportação, gerando capital-dinheiro que tornou possível a absorção da imigração
em massa, colocando trabalhadores livres à disposição do capital industrial e facultando a
importação de alimentos, meios de produção e bens de consumo e capitais.
A lucratividade dos projetos industriais foi favorecida pela queda da taxa de
salários (provocada pela oferta abundante de força de trabalho), pelo alto grau de proteção
de que gozou a produção industrial e pelas isenções tarifárias concedidas à importação de
máquinas e equipamentos, ainda que prejudicada pela subida de custos decorrente das
desvalorizações cambiais que, apenas em parte, puderam ser transferidas para os preços. É
provável que, ainda assim, a rentabilidade do capital industrial tenha se situado em níveis
compensadores devido ao fato de a indústria de bens de consumo assalariado ter uma baixa
relação capital/trabalho.
Ao atentar para os fatores necessários à implantação da indústria pesada
(tecnologia complexa não disponível no mercado, aumento das dimensões de planta
mínima e altos investimentos), João Manuel salienta que, em oposição a estes, outros
fatores, como tecnologia relativamente simples, tamanho da planta mínima e volume de
investimentos acessíveis à economia brasileira, fazem surgir a indústria de bens de
consumo assalariado, principalmente a têxtil.
201
Nessa linha de pensamento, também Sérgio Silva pressupõe uma articulação entre o
capital cafeeiro e o capital industrial, a partir de um determinado padrão de acumulação que
contém uma unidade e uma contradição:
“a unidade está no fato de que o desenvolvimento capitalista
baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo
desenvolvimento da indústria; a contradição, nos limites impostos
ao desenvolvimento da indústria pela própria posição dominante da
economia cafeeira na acumulação de capital.”240
À questão do surgimento da industrialização a partir das contradições do
desenvolvimento capitalista sob a égide do capital cafeeiro, Sérgio Silva acrescenta a
posição subordinada da economia brasileira no seio da economia mundial.
Para evitar longos desenvolvimentos teóricos que fogem ao quadro limitado
desse trabalho, tentaremos ilustrar a problemática da industrialização na região do Médio
Paraíba, atendo-nos à análise das indústrias de grande porte instaladas após a Segunda
Guerra Mundial, principalmente a Companhia Siderúrgica Nacional (1946), para que
possam ser estabelecidas as relações entre o desenvolvimento do parque industrial regional
e a degradação ambiental, questão essencial deste estudo.
O fato de reduzirmos a análise a estes estabelecimentos industriais não significa a
inexistência de empresas anteriores ao período mencionado nos municípios da região.
Segundo Martins,241
quando ocorreu a crise de 1929, já existia um importante
parque industrial no Brasil, especialmente na região cafeeira, não só de bens de consumo,
mas também de bens de produção.
240
Sérgio Silva. 1976. p.103.
241 José de Souza Martins. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História lenta. São Paulo: HUCITEC,
1994, p. 57.
202
Registros da Directoria de Agricultura sobre as Propriedades Industriais do
Estado do Rio de Janeiro, no período de 1925-27, notificam a existência de 358 indústrias
têxteis, rendas, química, metalurgia, fundição, alimentícias, laticínios, águas gasosas,
aguardente, bebidas diversas, café (engenho e torrefação), perfumarias, cal, cerâmica,
papel, sabão, tamancos, vassouras e velas, entre outras, distribuídas pelos municípios de
Barra do Piraí (66); Barra Mansa (40); Piraí (21); Resende (28); Rio Claro (7); Sancta
Theresa (59); São João Marcos (4) e Valença (33), conforme explicitado na tabela 20.
203
Tabela 20 - Relação das propriedades industriais instaladas em alguns municípios da região do
Médio Paraíba do Sul - 1925-1927
Municípios
Indústrias
Barra do
Piraí
Barra
Mansa
Pirahy Rezende Rio
Claro
Santa
Theresa
S. João
Marcos
Valença
Aguardente 7 1 3 - 6 12 - -
Águas Gazozas - - - - - - - 3
Álcool - - - 1 - - - -
Alumínio - - - - - - - 1
Arroz 2 4 3 - - - - -
Açúcar 2 - - 1 - - - -
Balas 1 - - - - - - -
Banha 2 1 - 3 - - - 2
Bebidas diversas 2 4 - 3 - - - -
Bengalas - - - - - - - 1
Bordados - - - - - - 1 -
Cerveja 1 - - - - - -
Coroas 2 - - - - - - -
Café (torrefação) 2 1 - - - - - -
Café (engenho) - 5 3 - - - - -
Calçados - - 1 - - 2 - -
Canna - - 1 - - - 3 -
Cal 1 4 - - - - - 2
Ceramica 5 3 1 6 - - - 4
Estamparia - 1 - - - - - -
Doces - - - - - - - 1
Farinhas diversas - - 1 - - - - -
Fogos de artifício - 1 - - - - - 1
Fructas em conserva - - - - - 1 - -
Fundição - 1 - - - - - 1
Eléct. (empresa) 2 - - - - - - -
Escovas de dentes 1 - - - - - - -
Fitas 1 - - - - - - -
Flandres (artefato) 1 - 2 - - - - -
Lacticínios 3 9 4 6 1 43 - 14
Lenha 1 - -
Madeiras 2 - -
Massas alimentícias 2 1 - - - - - 1
Meias 1 - - - - - -
Metalurgia 1 - - - - - - -
Molhos - - - 4 - - - -
Móveis 1 1 - - - - - -
Panificação 13 - - - - - - -
Passamanaria - - 1 1 - - - -
Papel 1 - 1 - - - - -
Perfumaria - - - - - 1 - -
Sabão 1 1 - 1 - - - -
Salchicharia 3 - - 1 - - - -
Tamancos 2 1 - - - -
Tecidos - 1 - - - - - 2
Tintas 1 - - - - - - -
Vassouras 1 - - - - - - -
Velas 1 - - 1 - - - -
Total 66 40 21 28 7 59 4 33
Fonte: Propriedades Industriaes 1925-1927. Directoria de Agricultura. Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1930.
204
Dada a natureza análoga das fabriquetas instaladas em meados do século XIX no
estado do Rio de Janeiro com as indústrias implantadas na região do Médio Paraíba, na
década de 1920 – metalurgia, panificação, velas, papel, têxtil, laticínios, dentre outras –
pode-se inferir que o consumo para geração de energia mecânica e para manutenção das
máquinas a vapor e do processo a quente dos usos industriais cresceu com a expansão desse
setor e demandou um volume maior de combustível vegetal.242
A opção por analisar indústrias de grande porte deveu-se à flagrante capacidade
transformadora da paisagem regional por essas atividades e à crescente preocupação com a
temática ambiental, principalmente a partir das décadas de 1980-90 quando as ações
antrópicas sobre o mundo natural deixaram de ser discutidas apenas do ponto de vista de
custos e rendimentos para despertarem uma consciência da necessidade de se repensar, não
só o padrão econômico de desenvolvimento, o modelo de civilização, a estrutura
paradigmática moderna, mas uma ecologia capaz de fundamentar uma nova teoria
econômica que integre a ética.
A análise do complexo industrial da região do Médio Paraíba do Sul demonstra
ser este setor o maior responsável, hoje, pelo processo de deterioração do meio ambiente
regional.
A crise de 1929 e a depressão que a acompanhou foram determinantes no
processo de industrialização brasileiro e, particularmente, no Médio Vale Paraíba do Sul.
Nesse período, a cafeicultura estava vulnerável às constantes quedas de demanda no
mercado externo devido à superprodução estimulada pelo governo federal através da defesa
242
Dean, op.cit., p. 211, 268, 269.
205
do preço do café no anos 1920. As trocas comerciais entre países foram severamente
dificultadas pela Segunda Guerra Mundial o que acarretou a ruína da oligarquia
agroexportadora e estimulou a indústria nacional pela substituição de importações. Não
obstante o crescimento da produção industrial brasileira a uma taxa média de 8,3% ao ano,
entre os anos 1939 e 1952, Singer observa que, no período compreendido entre 1933 e
1955, houve “muito mais uma industrialização extensiva, ao longo da estrutura industrial já
montada anteriormente ou complementar à mesma.”243
A substituição das importações que
se impunha, a partir dos anos 30, demandou uma profunda transformação nas relações de
produção. Os investimentos elevados a serem empenhados nessa reestruturação somente
realizaram-se sob a égide do capital estatal e, mais tarde, do capital multinacional. Isso
deveu-se, primordialmente, ao fato de que: (a) o Brasil não possuía uma classe média
poupadora bastante rica que pudesse criar um mercado de capital a ser investido; (b) o
capital privado nacional não se dispunha a dar o passo correspondente no sentido de
entregar a gestão de suas empresas a uma tecno-burocracia profissional, sob o controle dos
agentes do capital financeiro e; (c) não havia disponibilidade de capitais dos países
desenvolvidos para serem investidos em países, como o Brasil, que estavam se
industrializando, na medida em que os países europeus e o Japão tiveram que reconstruir
suas economias ajudados pelos EUA.244
Mas o germe, ainda que débil, da indústria de base estava lançado e desenvolver-
se-ia plenamente nos anos seguintes.
243
Paul Singer. “Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento”, in: O Brasil
Republicano, Tomo III: Economia e Cultura (1930-1964)/por Antonio Flávio de Oliveira Pierucci ... [et al.]. –
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 217. (História Geral da Civilização Brasileira, t. 3, v. 4). 244
Ibid., p. 221.
206
Apesar da existência de indústrias antes da Segunda Guerra Mundial, foi no
período pós-guerra, com a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional – Usina
Presidente Vargas (CSN), no município de Volta Redonda, que o setor secundário começou
a ganhar posição de destaque. Fundada em 09 de abril de 1941 a CSN só entraria em
funcionamento em 25 de abril do ano de 1946 com o primeiro desenfornamento de coque.
Nesse mesmo ano, o setor de laminação iniciou seu funcionamento e, em 1947/48,
inaugurou-se a produção de trilhos e folhas de flandres, respectivamente. Com a
inauguração do 2º Alto Forno em fevereiro de 1954 e do 3º Alto forno em maio de 1976, a
região apresentou-se como uma grande produtora de aço na América Latina. No rastro da
CSN, diversas outras indústrias ali instalaram-se fornecendo matéria-prima, peças e
serviços, além de fomentarem os setores primário e terciário também em municípios
vizinhos, como Barra do Piraí, Piraí, Barra Mansa, Resende e Itatiaia.
Foto 25 - Companhia Siderúrgica Nacional no município de Volta Redonda
Fonte: Projeto Paraíba do Sul - 1997.
207
Foto 26 - Rio Paraíba do Sul em Volta Redonda
Fonte: Projeto Qualidade das Águas e Controle da Poluição Hídrica – PQA – Programa de Investimentos
para a Gestão Integrada e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul –
ANEEL/CD Rom - 1997.
O estado do Rio de Janeiro reproduziu os processos de urbanização e
industrialização verificados no país a partir da década de 1940, conseqüência da crise de
hegemonia das elites agrárias, da crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial.
A importância das questões concernentes à industrialização e à problemática
ambiental a elas inerentes, na região do Médio Paraíba fluminense, pode ser melhor
caracterizada quando analisamos alguns indicadores sócio-econômicos.
Em 1998, o Produto Interno Bruto a Preços de Mercado gerado na região do
Médio Paraíba representou 5,36% do PIB estadual, sendo superior às demais Regiões de
208
Governo, a exceção da Região Metropolitana, que contribuiu com 78,69% devido ao
elevado grau de concentração de atividade econômica nessa região.245
Quando se analisa os índices do PIB, da arrecadação do imposto sobre circulação
de mercadoria e serviços – ICMS e do PIB per capita de alguns municípios que compõem a
região do Médio Paraíba, constata-se que determinados setores apresentam maior
expressividade no contexto da economia regional.
O município de Volta Redonda representa a maior parcela do PIB regional com
43,22%. O elevado grau de industrialização desta municipalidade faz com que ele responda
com 4,37% da arrecadação do ICMS estadual, o que corresponde a 40,4% da arrecadação
regional. A presença de 252 indústrias de transformação somadas aos 189 estabelecimentos
industriais ligados à construção civil fazem de Volta Redonda o 8º município mais
industrializado do estado do Rio de Janeiro e o maior poluidor da bacia hidrográfica do rio
Paraíba do Sul. Apesar de apresentar, no ano de 1997, um PIB per capita da ordem de
R$ 13.366,74 superior à média do estado do Rio de Janeiro (R$ 8.362,31) e mais que o
dobro da média do interior do estado (R$ 5.610,75), os cidadãos de Volta Redonda têm
uma expectativa de vida 10 (dez) anos inferior à média nacional.246
Neste mesmo ano (1997), estimativas do CIDE apontam que os municípios de
Barra Mansa (metalurgia, química, produtos alimentares) e Resende (químico-
245
Fundação Getúlio Vargas. Revista do Tribunal de Contas de Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano
21, n. 48, abr./jun. 2000, p. 95.
246
Ivo Lesbaupin (organizador). O desmonte da nação: balanço do governo FHC. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999, p. 55. Cabe lembrar que o PIB per capita não é um índice fidedigno na análise da qualidade de vida e
poder aquisitivo da população, principalmente no Brasil, país líder mundial em concentração de riqueza onde
1% da população controla 53% do estoque de riqueza e retém 17% da renda nacional.
209
farmacêutica, mecânica e metalurgia) são responsáveis pelo 2º e 3º PIB, apresentando,
respectivamente, índices de 16,03% e 15,06% do PIB regional a preços de mercado.
Somados ao município de Volta Redonda, respondem por 73,9% do PIB da região e
absorvem 4.129.071 MWh, o equivalente a 88,27% de toda energia consumida
regionalmente.
Os municípios de Itatiaia, Piraí e Barra do Piraí também apresentam expressivo
parque industrial e caracterizam-se como co-autores no processo de degradação da
paisagem regional. Itatiaia destaca-se pelo maior PIB per capita do Estado com R$
24.155,35. Indústrias como Xerox Industrial e Comercial, Dupont do Brasil, Cia. Brasileira
de Pneumáticos Michelin, Cyanamid Química do Brasil Ltda e um complexo turístico
desenvolvido em função da presença do Parque Nacional de Itatiaia (o primeiro do país)
contribuem para o desenvolvimento econômico deste município. Enquanto Piraí apresenta
indústrias alimentícias, de papel e celulose e a represa de Ribeirão das Lajes, sob a
propriedade da Light, com instalação de usinas geradoras de energia elétrica, o município
de Barra do Piraí caracteriza-se, primordialmente, pela presença de indústrias metalúrgicas.
Apesar do pioneirismo na implantação de indústrias têxteis, na primeira década
do século XX, com a instalação da Cia. Progresso de Valença S.A. (1906), da Cia. Têxtil
Ferreira Guimarães (1913), da Cia. Santa Rosa e da Fábrica Unidas de Tecidos, Rendas e
Bordados S.A. e a ampliação de seus estabelecimentos para 07 unidades produtivas ao
longo do século, alcançando o número de 4.600 empregos diretos, o município de Valença
apresenta-se hoje com várias dessas indústrias fechadas, oferecendo apenas 500 empregos,
segundo dados fornecidos pelo Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Valença, em 1999.
210
O agravamento da situação sócio-econômica da população deste município tem contribuído
para a migração para áreas urbanas periféricas ecologicamente frágeis. Tal fator pode ser
demonstrado pelo baixo índice de 4,4% de arrecadação do ICMS no contexto regional; pela
quase inexpressiva contribuição no PIB estadual e regional, responsável por 0,23% e
3,54%, respectivamente, e pelo PIB per capita, no ano de 1997, de R$ 3.967,35, ou o
equivalente a 41% da média regional.247
As transformações ambientais na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul e em
sua atmosfera, geradas pelas atividades industriais, são analisadas na perspectiva de
organizar e fundamentar subsídios com vistas a compreender os projetos e os programas
que estimulam práxis conscientizadoras na região.
Até o ano de 1992, o monitoramento hídrico (coleta e análise de amostras e dos
resultados) da bacia do rio Paraíba do Sul praticamente não existia em função dos parcos
recursos dispostos à diretoria regional da Fundação Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente - FEEMA. Após a implementação do Programa de Cooperação Brasil-França e
da criação da Agência Técnica da Bacia do Paraíba do Sul para a recuperação desta bacia
hidrográfica realizou-se, durante o período de 5 anos (de dezembro de 1992 a dezembro de
1997), um monitoramento hídrico, através de 59 estações distribuídas ao longo da calha
principal e dos principais tributários. Nessa época, foram coletadas 2.315 amostras de água,
analisadas para 40 variáveis, totalizando 73.438 estudos.248
A partir daí, tornou-se possível
avaliar a qualidade das águas da bacia do rio Paraíba do Sul, responsáveis pelo
247
Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro, op. cit., 1998, p.411. 248
Carlos Alberto Bandeira de Mello e Gisele Carvalho de Vasconcelos. As águas do Paraíba do Sul: uma
análise de tendências dos elementos e das substâncias. In: Carlos Roberto S. Fontenelle Bizerril, Paulo Cesar
Tosin e Lígia Maria Nascimento de Araújo (organizadores) op. cit, 1998, p.55-73.
211
abastecimento de mais de 10 milhões de pessoas somente no Estado do Rio de Janeiro,
sendo considerada crítica em termos de poluição hídrica. No trecho médio fluminense é o
único corpo receptor de despejos de uma das regiões mais industrializadas do Estado, que
conta com mais de 850 indústrias.249
Segundo dados da FEEMA, 43 empresas siderúrgicas, têxteis, químicas e
alimentícias, em sua maioria concentradas no eixo Resende - Barra do Piraí, respondem por
80% da poluição industrial, devido às suas características específicas.
Dentre estas destacam-se: Clariant S.A., constituindo o maior complexo químico
da região com produção de matéria prima para a indústria farmacêutica, corantes,
pigmentos e agrotóxicos. A vazão média, em condições normais de produção, em 1990, era
de 4.000 m3/dia; Cyanamid Química do Brasil, cuja produção inclui produtos
farmacêuticos, veterinários, de limpeza e agrotóxicos. A vazão média dos efluentes, em
condições normais é de 1.400 m3/dia para o rio Pirapitinga, cuja vazão corresponde a 1% da
vazão média do rio Paraíba do Sul; Dupont S.A. Indústrias Químicas produzindo gases
refrigerantes e agrotóxicos, com vazão média dos efluentes em torno de 200m3/dia para o
córrego Goiabal, próximo à foz com o rio Paraíba do Sul; Cia Siderúrgica de Barra Mansa
(SBM) fabricando aço trefilado, potencializando a poluição na utilização de água de
decapagem de trefilaria, aciaria LD, laminação DEMAG, fundição contínua, efluentes do
alto forno, sinterização e “Blooming Mill”. O somatório dos efluentes produz uma vazão
em torno de 31.000m3/dia; Cia Metalúrgica Barbará com produção de tubos e conexões de
aço centrifugado com utilização de água para refrigeração e lavagem de gases do alto forno
249
Ibid, p.68.
212
e efluente de cementação. A vazão média situa-se em torno de 15.000 m3/dia; Cia
Siderúrgica Nacional (CSN) – usina integrada que produz sínter, coque, ferro gusa, aço e
chapas de aço como principal produto final. Considerada a maior indústria da região, a
CSN apresenta como principais fontes de poluição: a coqueria, os altos fornos 1 e 2, a
aciaria e o pátio de carvão, lançadores de seus efluentes no emissário principal (EP). A
vazão média estimada do EP é de 432.000 m3/dia. Além desses, sua alta capacidade
poluidora é aumentada pelos efluentes da estação de tratamento químico (ETEQ),
laminação de tiras a quente 1 (LTQ1), poço de carepa 4 e lavagem de filtros da estação de
tratamento de água. A vazão média estimada é de 86.400 m3/dia.
Como demonstrado pela tabela 21, verifica-se que o somatório das vazões das
principais indústrias corresponde a menos de 10% da vazão dos efluentes da CSN.
Tabela 21 - Comparação das vazões dos efluentes da CSN com as demais indústrias
INDÚSTRIAS VAZÃO MÉDIA ESTIMADA (M3/DIA)
CLARIANT 4.000
CYANAMID 1.400
DUPONT 200
SBM 31.000
BARBARÁ 15.000
TOTAL 51.600
CSN 518.400
Fonte: ALERJ. Comissão de Defesa do Meio Ambiente. 1996.
Os dados obtidos pelo monitoramento realizado em conjunto com o governo
francês permitem algumas análises no que se refere à poluição hídrica regional. Dos 40
213
parâmetros para a avaliação da qualidade da água da bacia do rio Paraíba do Sul,250
25
apresentaram índices superiores aos permitidos pela Resolução no 20, de 18/06/86, do
Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.251
Um importante dado obtido foi a presença de mercúrio em 90,88% das 1.305
amostras analisadas. Entre os diversos metais potencialmente danosos ao ambiente, o
mercúrio destaca-se por suas características químicas ímpares. Por formar fortes ligações
covalentes, particularmente com radicais contendo enxofre de proteínas (SH), seu
comportamento em sistemas biológicos também se distingue da maioria dos demais metais
pesados, apresentando rápidas taxas de acumulação e taxas de excreção pelo organismo
extremamente baixas. Essas propriedades resultam em um processo de acumulação
contínuo, podendo atingir níveis altamente tóxicos em pouco tempo. O mercúrio, em
particular suas formas metiladas, acumula-se preferencialmente no fígado e pâncreas e em
células nervosas, atuando sobre o funcionamento do sistema nervoso central.
Estudo realizado no rio Paraíba do Sul - onde o mercúrio é oriundo tanto de
fontes industriais, quanto de garimpos de ouro e de práticas agrícolas - mostrou que
partículas enriquecidas em mercúrio levam esse metal até várias milhas da costa,
depositando-o em sedimentos profundos da plataforma continental.
250
Dentre os parâmetros utilizados na avaliação da qualidade da água da bacia do rio Paraíba do Sul
destacam-se: temperatura, pH, condutividade, sólidos em suspensão, alcalinidade, demanda química de
oxigênio- DQO, demanda bioquímica de oxigênio, sólidos voláteis, oxigênio dissolvido – OD, nitratos,
nitritos, detergentes, alumínio, mercúrio, arsênico, flúor, ferro total, chumbo, óleos e graxas, coliformes
fecais, entre outros.
251
Esta Resolução classifica as águas segundo seus usos e identifica nove classes, sendo a classe 2 a das águas
destinadas ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; à proteção das comunidades aquáticas;
à recreação de contato primário (esqui aquático, natação e mergulho); à irrigação de hortaliças e plantas
frutíferas e à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana (CIDE,
1998, p. 80).
214
Para extrair o ouro em solos, terraços sedimentares e sedimentos ativos de rios,
os garimpeiros usam várias técnicas de pré-concentração gravimétrica e amalgamação com
mercúrio. O amálgama é queimado e o mercúrio, emitido para a atmosfera, torna-se
principal fonte de contaminação do ambiente. Durante o processo, uma quantidade
significativa de mercúrio também perde-se nos rios.
Em 1986, o garimpo de ouro teve início de forma tímida na região do Médio
Paraíba Fluminense e, em 1992, chegou a atrair aproximadamente 600 garimpeiros e 120
balsas ao longo do leito do rio Paraíba do Sul, provocando sérios problemas ambientais,
seja pela contaminação por mercúrio, usado na atividade, seja pelo revolvimento do rio.
Essa atividade não se limitou apenas ao rio Paraíba do Sul, pois outros rios da
bacia também sofreram com as ações dos garimpeiros. O rio Preto foi invadido por balsas
contendo batéias, bombas para sucção de água, maçaricos, esteiras e mercúrio. Devido a
ações enérgicas, por parte das prefeituras de Valença (RJ), Santa Rita do Jacutinga (MG) e
Rio Preto (MG), a situação foi controlada, mas não antes de evitar graves danos ao meio
ambiente e ao próprio ser humano.
Entre os anos de 1988 e 1993, quando o garimpo tomou conta da região, foram
registrados, no município de Rio Preto/MG, cinco casos de crianças que nasceram e
morreram por má formação congênita. A intoxicação mercurial crônica no período pré-
natal, de mulheres que deram à luz a crianças em estados convulsivos, com paralisia
cerebral e retardamento mental, prova que os compostos orgânicos do mercúrio podem
atravessar a barreira placentária. Dos cinco bebês, um nasceu sem crânio, dois sem cérebro,
um sem os rins e outro tendo duas cabeças. Cabe ressaltar que, entre 1973 e 1993, somente
215
esses cinco casos foram registrados. Apesar da repressão por parte dos governos
municipais, alguns garimpeiros ainda se arriscam em extrair o ouro dos rios da região do
Médio Paraíba do Sul . Em 16 de julho de 1995, três garimpeiros foram presos por soldados
da Companhia do Batalhão Florestal do Estado do Rio de Janeiro, situada no município de
Valença. Hoje, o garimpo está limitado a incursões clandestinas localizadas.252
Das 1.942 amostras analisadas para a verificação de detergentes, 86% foram
superiores aos índices legais. O excesso deste componente químico reduz a coesão das
moléculas de água, além de causar a morte de peixes, aves aquáticas e besouros d’água.
As violações ocorridas com os óleos e graxas também foram da ordem de 86%.
Das 1.567 amostras analisadas, 1.349 apresentaram índices excessivos de concentração. As
siderúrgicas são as principais responsáveis pelo lançamento deste tipo de efluente, que
impede a passagem da luz solar e a renovação do oxigênio, trazendo grandes prejuízos aos
animais e às plantas aquáticas, além de afetar os sistemas de tratamento de esgotos .
Outra variável importante refere-se a concentração de fenóis. Encontrados em
860 das 923 amostras analisadas, os fenóis, juntamente com outros compostos orgânicos,
podem causar câncer em pessoas e animais, danos ao fígado, desordens cerebrais e outras
lesões. Até ser privatizada, a CSN acumulou mais de R$ 80 milhões em multas por lançar
diariamente no rio 1500 kg de fenóis, 135 kg de cianeto, 4.443 kg de metais pesados, além
de quantidades 170 vezes mais elevadas de amônia que o permitido pela legislação. Só de
252
Krishna Neffa Vieira de Castro e Júlio Augusto de Castro Pellegrini. “O Rio Paraíba do Sul no
desenvolvimento da vida – características e gestão” in: CALAZANS, Maria Julieta Costa et alii
(coordenação). As práticas sociais dos profissionais da educação e dos trabalhadores rurais – um estudo na
região do Médio Paraíba. Rio de Janeiro, UERJ/CNPq (Relatório final de pesquisa), 1996, pp. 350-392.
216
pós metálicos, resultado da produção de aço, são 35 toneladas por dia. A CSN também
dispõe, às margens do Paraíba, de um depósito com 300 toneladas de ascarel, um produto
cancerígeno utilizado como isolante de equipamentos elétricos.
Outra substância estudada é o arsênio, cujas violações contabilizam 442 em 1.089
amostras analisadas, ou seja, 40,58%. Embora possa ser usado como remédio em
quantidades muito pequenas, é um elemento cancerígeno que resulta da dissolução mineral
(subproduto do ouro e do urânio), da queima de carvão e de despejos industriais e
herbicidas. Empregado em ligas de chumbo nas indústrias, o arsênio forma oxíácidos que
são conhecidos como arsenietos e arseniatos. O arseniato é menos tóxico que o arsenieto,
mas mesmo assim inibe a síntese da adenosina-trifosfato - ATP.
O chumbo, cujo limiar do CONAMA 20 para águas da classe II é de 0,005 mg/l,
tem um comportamento semelhante ao do cálcio, no que se refere ao acúmulo e transporte
no corpo humano. Encontrado em níveis superiores ao permitido por lei em 10,9% das
amostras, esse metal apresenta alto teor de toxidade podendo causar danos ao cérebro,
anemias freqüentes e patologias renais. Numa das amostras, sua concentração chegou a ser
198,8 vezes maior do que o permitido por lei.
O alumínio, por destacar-se num índice superior ao aceito pelo CONAMA
(0,1 mg/l) em 1.578 das 2.216 amostras consideradas preocupa, sobremaneira, na medida
em que causa, segundo estudos científicos, encefalopatia e demência.
O papel do rio como principal fonte de água potável para a região Metropolitana
do Rio de Janeiro é a principal razão da preocupação com as condições do meio ambiente
na Bacia do Paraíba do Sul. Dos 160 m3 transferidos deste rio para a Bacia do Rio Guandu,
217
por meio do sistema Lages/Guandu, 47 m3/s são destinados à principal Estação de
Tratamento da CEDAE, sendo o restante usado para gerar eletricidade.253
As descargas de metais pesados e de químicos orgânicos tóxicos recebidos por
este rio, na atualidade, comprometem o nível de potabilidade da água, embora os
parâmetros medidores da poluição orgânica (com exceção do número de coliformes fecais)
estejam abaixo do limiar estabelecido para abastecimento humano, devido ao processo de
eutrofização, com florações de algas freqüentes, apresentado na maior parte dos
reservatórios da bacia do Paraíba do Sul. Os trechos mais críticos são: Resende-Barra
Mansa e Barra Mansa-Volta Redonda, pela existência de um significativo contingente de
indústrias localizadas neste eixo.
Medidas imediatas foram enunciadas como necessárias pelo Relatório do Banco
Mundial,254
em 1996, em função dos poluentes descarregados sistematicamente por essas
indústrias, como as emissões de benzopireno e de outros hidrocarbonos das estações de
tratamento da CSN, por exemplo, e de descargas acidentais como as ocorridas com o
vazamento de zinco, chumbo e cádmio, da Companhia Paraibuna Metais, em 1982, e o
derramamento de óleo ascarel proveniente da Thyssen Fundições Ltda, em Barra do Piraí.
Providências para situações de emergência, como as citadas, prevêem planos de
segurança, mecanismos de avaliação dos perigos criados por vazamentos, sistemas de
fechamento das estações de bombeamento das águas em situações de risco de
contaminação, estabelecimento de metas fiscalizáveis que visem a redução das descargas
253
Gestão da Poluição Ambiental no Estado do Rio de Janeiro. Banco Mundial. Rio de Janeiro. V.I: Relatório
de Política, agosto de 1996, p.18-19.
254
Op. cit, p.18.
218
poluidoras e punições severas às empresas que omitirem notificações importantes em
relação à vazamentos perigosos. Da mesma forma, o reflorestamento da região em torno
dos reservatórios e outras medidas redutoras das valas negras agrícolas apresentam-se como
estratégias e iniciativas de proteção à bacia do rio Paraíba do Sul.
Além da já explicitada poluição hídrica, o desenvolvimento industrial nos
municípios da região do Médio Paraíba do Sul tem agravado a qualidade do ar, a partir da
saturação e poluição atmosférica provenientes da intensa emissão de poluentes. Algumas
características específicas desta região contribuem para tal agravamento, principalmente a
dispersão atmosférica deficiente devido a ausência de ventos, com uma calmaria de 82% ao
ano e à sua localização geográfica, pois encontra-se em um vale formado pelas Serras do
Mar e da Mantiqueira.
Embora de maneira diferenciada, as atividades de agropecuária também
contribuem para a transformação da paisagem regional, ocasionando transformações sócio-
ambientais.
A agricultura – atividade humana em que a sociedade se relaciona mais
intimamente com a natureza – possui importância singular, na medida em que
aproximadamente há 2 milhões de anos a humanidade permanece transformando nutrientes
em energia vital, através da produção alimentar.
Este setor, considerado por uma vasta literatura como atrasado e causador da
péssima distribuição da renda da sociedade brasileira em razão da estrutura da posse da
terra, também é vislumbrado como responsável por um possível desenvolvimento quando
se considera a reforma agrária e suas condições de empregabilidade das populações
219
urbanas, desempregadas e excluídas, e a reversão das conseqüências deteriorizadoras da
qualidade de vida proveniente do intenso fluxo migratório campo – cidade, pós 1930.
Na visão que considera o setor agrícola brasileiro penalizado, nos idos dos anos
30, no processo de construção da indústria manufatureira urbana, devido à expropriação de
excedentes da agricultura através de estratégias econômicas e políticas provocadoras do
empobrecimento relativo deste setor em favor da urbanização e da industrialização,
encontra-se a concepção de Peres255
que salienta duas causas centrais prejudicadoras do
desenvolvimento da agricultura brasileira: uma, que pressupõe a necessidade de expropriar
os excedentes monetários do setor rural para o financiamento da construção do parque
manufatureiro urbano via políticas públicas específicas devido a ausência de mecanismos
de mercado capazes de fazê-lo e, a outra, que pressupõe a criação de valores sociais hostis à
agricultura como forma de justificar a extração de seus recursos para subsidiar a
industrialização.
Os grandes estabelecimentos, de tradição monocultora e pouca inclinação à
policultura, passaram a demonstrar maior interesse pela parceria na exploração de cultivo
de subsistência que, durante o século passado, estiveram distantes dos seus métodos
administrativos e das suas técnicas comercial-financeiras.
O processo histórico de apropriação de terras na região do Médio Paraíba,
iniciado com as sesmarias em fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX,
resulta hoje em um perfil fundiário com marcante presença de pequenas propriedades
255
Fernando Curi Peres. “Alguns condicionantes do desenvolvimento da agricultura brasileira”. In: Preços
Agrícolas. Junho de 1997, pp. 9-14.
220
(menores de 10 hectares) e de áreas intermediárias (entre 10 e 100 hectares). As tabelas 22
e 23 explicitam tal predominância em todos os municípios, tanto os fluminenses (Vale do
Paraíba do Sul, com 2.281 propriedades do total de 3.303), quanto os mineiros (Vale do Rio
Preto, com 1.335 propriedades dentre as 1.913 apresentadas).
Foto 27 - Lavoura de feijão – Município de Valença
Fonte: Antonio Carlos de Oliveira Lima - 1994.
221
Tabela 22 - Municípios da Região do Médio Paraíba fluminense,
segundo estabelecimentos agropecuários – 1995/96
Municípios Menos
de 10 ha
10 a menos
de 100 ha
100 a menos
de 200 ha
200 a menos
de 500 ha
500 a menos
de 2000 ha
2000 a mais
hectares
Sem
referência
Barra do Piraí 9 74 50 31 14 - -
Barra Mansa 75 125 45 33 6 - -
Itatiaia 13 23 7 6 1 - -
Piraí 106 163 48 36 17 - -
Quatis 18 103 43 29 5 - -
Resende 52 224 82 73 17 - -
Rio Claro 210 354 82 54 16 3 -
Rio das Flores 8 55 31 26 16 1 -
Valença 104 437 140 72 18 3 -
Volta Redonda 54 74 9 5 - 1 2
Total 649 1632 537 365 110 8 2
Fonte: IBGE – Base de Informações Municipais – 1998
Obs.: Os dados municipais de Pinheiral e Porto Real estão agregados aos dados dos municípios de Barra Mansa
e Resende, dos quais foram emancipados, posteriormente.
Tabela 23 - Municípios do Vale do Rio Preto segundo estabelecimentos agropecuários– 1995/96
Municípios Menos
de 10 ha
10 a menos
de 100 ha
100 a menos
de 200 ha
200 a menos
de 500 ha
500 a menos
de 2000 ha
2000 a mais
hectares
Sem
referência
Belmiro Braga 8 58 31 34 6 2 -
Bocaina de
Minas
57 314 63 22 1 - -
Bom Jardim de
Minas
15 196 55 32 5 - -
Passa Vinte 9 96 30 13 1 1 -
Rio Preto* 28 314 94 78 4 1 2
S. Rita de
Jacutinga
14 225 66 32 6 - -
Total 131 1024 339 211 22 4 2
Fonte: IBGE – Base de Informações Municipais – 1998
* Incluindo os dados de Santa Bárbara do Monte Verde
Este perfil revela uma estrutura fundiária desigual uma vez que, a despeito da
expressão numérica dos pequenos e médios estabelecimentos da região do Médio Paraíba
fluminense, o grau de concentração fundiário é elevado. Percebe-se tal fato através da área
de 313.347 hectares apresentada pelas 1.022 propriedades com mais de 100 hectares e que
representa quatro vezes a área dos que detém menos de 100 hectares – 2.281
222
estabelecimentos com 74.912 hectares de terra. Tais dados refletem o fracionamento dos
pequenos e médios estabelecimentos movidos pela lógica familiar (herança, casamento,
etc.) ou parcelamento de propriedades até então mantidas como reservas de valor e, ainda,
pela exclusão do processo produtivo de áreas com aptidão agropecuária.256
Os estabelecimentos agropecuários da região do Médio Paraíba do Sul, no ano de
1996, ocupavam uma área de 388.259 hectares ou 62,57% da superfície regional.257
Deste
total, as áreas de pastagem representavam 63,87%, as matas e florestas correspondiam a
23,05% e as áreas produtivas não utilizadas a 1,42%.258
O uso agrícola, que dominava o
cenário da região no século passado com a monocultura cafeeira, está hoje reduzido a
6,62% da área ocupada pelos municípios deste espaço regional.
Por permitir fácil e rentável aproveitamento dos campos e pastagens, no início do
século XX, a pecuária foi sendo incorporada como complemento natural à atividade
produtiva da região do Médio Paraíba, num momento de intensificação da crise cafeeira
iniciada em finais dos anos oitocentos, absorvendo parte dos recursos gerados pelo café.
Dado os custos operacionais quase nulos, a atividade pecuária mostrou-se compensadora
não obstante o reduzido rendimento por hectare constituindo-se, paulatinamente, como
alternativa às grandes propriedades do vale Médio do Paraíba do Sul. A substituição da área
cultivada pela criação de gado deu-se em função de fatores físicos como a topografia
acidentada com exigüidade de áreas contíguas, que dificulta a mecanização da produção
256
IBGE. Base de Informações Municipais, 1998.
257
Anuário Estatístico Brasileiro, op.cit., 1998, p. 322.
258
IBGE. Censo Agropecuário - 1995-96, p.175-177. A diferença de 5,04% encontrada entre as categorias e o
total da área analisada deve-se à inexatidão dos valores explicitados na tabela nº 67 do referido censo.
223
agrícola, e da necessidade de menor contingente de mão-de-obra. Vale assinalar que a
ocupação de 11.508 pessoas, em 1996, nos 3.303 estabelecimentos (média de 3,48 pessoas
ocupadas por estabelecimento) corresponde ao reduzido índice de 1,55% da população total
ou 18,76% da população rural da região do Médio Paraíba.259
Foto 28 - Junta de bois – Localidade de Chaves – Município de Valença
Fonte: Elza Neffa - 1995.
Ao longo do século XX, a despeito de ser uma atividade fundamental na
dinâmica econômica da região, a agropecuária encontrou restrições para integrar-se ao setor
agroindustrial devido a dois fatores: (a) voltava-se quase que exclusivamente para o
abastecimento do mercado de produtos in natura, particularmente para a região
259
Ibid., p. 70.
224
metropolitana e, (b) despreocupava-se com a qualificação destes produtos para a exigência
do mercado. 260
Buscando analisar a produção agrícola no estado do Rio de Janeiro, Garcia
propõe que os produtos agropecuários sejam definidos como tradicionais, tradicionais “em
reconversão”, novos “com deficiências”, novos “dinâmicos” e com potencial de
implantação. Nesta perspectiva, a região do Médio Paraíba apresenta-se com a maior
parcela da produção, seja em termos de volume ou de valor, inserida na categoria dos
tradicionais com a produção de milho, feijão e café, com a produção da carne suína e com
a pecuária de leite. Estes produtos não vêm conseguindo, em certa medida, acompanhar as
inflexões do mercado ainda que respondessem, em 1995/6, com 21,41% do leite produzido
no estado do Rio de Janeiro, colocando-se como o 20 maior produtor.
261
Com a avicultura de postura, a olericultura e a produção de milho verde inclui-se
na categoria de novos “com deficiências”, ou seja, na de práticas agrícolas impulsionadas a
partir da década de 1980, mas com pouco êxito no acompanhamento das inflexões do setor
agroalimentar.
Na categoria novos “dinâmicos” apresenta-se com a avicultura de corte,
acompanhando as inflexões deste setor, a partir desta mesma década. De implantação
recente, a produção de leite de cabra vem apresentando condições de consolidação no
âmbito da agropecuária fluminense.
260
Eduardo Henrique Garcia. “Algumas considerações sobre a evolução recente do setor agroalimentar
fluminense”, in: Maria José Carneiro et alii, op. cit., pp. 79-104.
261
Anuário Estatístico Brasileiro do Estado do Rio de Janeiro, op. cit., 1997, p. 279.
225
A modernização tecnológica na agricultura significou a utilização intensiva de
máquinas pesadas (677 unidades), de agrotóxicos e de adubos químicos em 3.002 e 1.868
estabelecimentos, respectivamente. Pequenas, médias ou grandes propriedades acabaram
por gerar, no processo de produção, quase os mesmos efeitos sobre o meio ambiente:
envenenamento dos mananciais de água doce, aceleração da erosão e desertificação. O uso
de fertilizantes e pesticidas químicos mudou toda a estrutura básica da agricultura e da
lavoura. Para os agricultores, o efeito imediato dos novos métodos representou um aumento
da produção agrícola e a nova era da lavoura química foi saudada como Revolução Verde
que, mais do que ajudar aos produtores, fomentou as indústrias petroquímicas.
A busca de uma maior produtividade e rentabilidade tem provocado uma
despreocupação, por parte dos agricultores, com a qualidade ambiental e os recursos
naturais. Tal tendência tem se manifestado com o uso de adubos químicos orgânicos e
agrotóxicos, em larga escala, contaminando os lençóis freáticos e os rios e,
conseqüentemente, os manancias de abastecimento de água das cidades assim como,
eliminando formas de vida essenciais ao equilíbrio ecológico.
Os efeitos ocasionados pelos agrotóxicos são preocupantes em virtude da
contaminação de alimentos que alcançam o mercado sem nenhum tipo de fiscalização e
monitoramento de rotina; de inúmeros trabalhadores rurais e urbanos intoxicados que não
contam com assistência médica especializada e do desconhecimento dos riscos a que estão
sujeitas as populações consumidoras de alimentos impregnados de substâncias nocivas à
saúde.
226
Em relação à biodiversidade, a resistência às substâncias criadas nos
fitoparasitas, quando no controle de doenças e pragas, provoca uma substituição por
insumos cada vez mais seletivos e tóxicos que geram conseqüências graves para o ser
humano e para o planeta, como por exemplo, a eliminação de vegetações espontâneas ou a
transformação de características dessas espécies que passam a manifestarem-se
desequilibradamente, dominando áreas e atuando como invasoras.
Também a atividade pecuária depende, sobremaneira, de substâncias químicas
para o tratamento de doenças do gado bovino como brucelose, manqueira, aftose,
verminose e raiva, dentre outros. O uso inadequado das dosagens e o desrespeito ao período
de carência geram efeitos negativos na exploração desta atividade, que carece de uma
maior atenção por parte dos órgãos governamentais competentes.
Segundo o documento Controle de Erosão-diagnóstico da bacia hidrográfica do
Rio Paraíba do Sul,262
a suscetibilidade muito alta à erosão apresentada por esta região
relaciona-se à alta densidade de drenagem e à influência de fluxos subsuperficiais em solos
de muito alta erodibilidade, além de índices pluviométricos acentuados. O médio vale do
Paraíba caracteriza-se pelo relevo de colinas dissecadas e apresenta uma problemática
erosiva dada por fluxos d’água subsuperficiais que culmina em feições morfológicas de
voçorocamentos profundos. As voçorocas são verdadeiras crateras formadas pela ação
conjunta de fluxos de água superficiais e subsuperficiais, com grande produção de
sedimentos para os cursos d’água e fundos de vale.263
262
Op. cit., 1998, p. 20.
263
Ibid., p. 14.
227
Da pecuária bovina decorre um fato importante para a morfologia regional: com
o pisoteio do gado vão sendo formados terracetes que, como calhas, vão drenar e concentrar
as águas das chuvas em locais determinados geralmente pelos caminhos de gado, dando
origem aos sulcos, as ravinas e as voçorocas.
Foto 29 - Solos em erosão
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997. Fonte: Luis Martín.
De acordo com a análise integrada de mapas temáticos em SIG (ILWIS) em
relação à suscetibilidade do meio físico à erosão (relevo + solos), a sub-região A, onde
inserem-se os municípios do Médio Paraíba fluminense, apresenta uma área de 119.808
hectares muito alta (área agrícola, solo exposto), 142.659 hectares alta (campo/pastagem),
519.876 hectares média (vegetação secundária, reflorestamento e campo de altitude),
30.636 hectares baixa (floresta ombrófila, floresta estacional), 12.690 hectares muito baixa
(restinga, mangue e várzea), perfazendo um total de 825.669 hectares.264
Embora a área de
cobertura proporcionada pelos campos e pastagens seja elevada, o grau de eficiência desta
264
Ibid., p. 21.
228
vegetação herbácea no amortecimento do impacto da chuva e na diminuição do escoamento
superficial é baixo, devido às constantes queimadas e ao excessivo pisoteio do gado.
Feitas por ocasião da estação seca, as queimadas acabam com a fertilidade natural
do solo ao destruírem organismos microscópios responsáveis pela sua fecundidade.
Endurecem a terra e empobrecem a vegetação abrindo caminho para pragas e doenças.
Além disso, contribuem para o agravamento do efeito estufa, pois ocasionam a emissão de
grandes quantidades de CO2 na atmosfera, o que vem provocando uma elevação progressiva
das temperaturas médias do planeta, o degelo dos pólos e a conseqüente elevação do nível
dos oceanos. Sua ação tóxica provoca irritação nos olhos, no nariz, dores de cabeça,
tontura e doenças mais graves. Pela ação das queimadas desaparecem locais de moradia das
populações tradicionais, perdendo-se o conhecimento que essas populações têm sobre as
plantas e os animais.
Foto 30 - Queimada na localidade de Chaves no município de Valença/RJ
Projeto Travessia – Documentação Visual sobre o Mundo Rural – Região do Médio Paraíba
Fluminense – Coordenação de Héctor Alimonda – Abril de 1997. Fonte: Luis Martín.
229
A expansão urbana nas áreas ribeirinhas ao rio Paraíba do Sul também é
agravante para a erosão, apresentando situações de extremo risco para os moradores como
as verificadas pelas inundações no bairro de Roselândia, no município de Barra Mansa, e na
destruição por assoreamento da barragem situada no Horto Municipal de Barra do Piraí, em
março de 1996, por exemplo. Outros municípios também apresentam áreas críticas de
erosão no perímetro urbano, como Resende, em decorrência do acentuado fluxo migratório
ocasionado pela instalação de novas indústrias que atraem populações excluídas do
processo produtivo as quais, muitas vezes, ocupam áreas inadequadas das encostas
íngremes, sem infra-estrutura para o controle da erosão e a drenagem das águas pluviais.
As transformações decorrentes das plantações de café, e mesmo de outras
culturas agrícolas de ciclo curto (mandioca, milho, feijão), com a diminuição substancial da
cobertura vegetal aliada ao clima quente e úmido propiciaram, com os terrenos mais
susceptíveis à ação do intemperismo, o escoamento de águas superficiais pelas encostas
muito inclinadas, trazendo consigo uma volumosa carga de fragmentos minerais
responsáveis, ainda hoje, por colmatar o fundo da calha dos rios que compõem a bacia do
Paraíba do Sul. A obstrução dos rios por areia ou outros sedimentos - fenômeno conhecido
como assoreamento, acarreta grandes enchentes, como a que ocorreu em Barra Mansa em
1992 e a que atingiu os municípios de Resende e Barra do Piraí, em janeiro do ano 2000.
230
Foto 31 - Enchente em Parapeúna no município de Valença/RJ
Fonte: Marilda Soares Vivas - 1993.
Outra causa do assoreamento deve-se a exploração dos areais. De acordo com
dados da FEEMA existem 150 areais na bacia do Paraíba do Sul fiscalizados pelo escritório
regional, sediado em Volta Redonda. Além desses, os técnicos da FEEMA acreditam na
231
existência de outros pontos clandestinos de extração de areia e argila. Mas foi a destruição
de grande parte da Mata Atlântica a principal responsável pelo assoreamento do rio Paraíba
do Sul e de outros cursos d’água, também concorrendo para a formação de áreas desérticas,
através do processo de laterização - precipitação de sais formando verdadeiras crostas duras
na superfície do solo (lateritos), tornando-o impermeável.
A estimativa da produção de sedimentos por erosão dos solos foi objeto de
estudo265
que, através da análise de mapas de suscetibilidade à erosão e de zoneamento
sedimentométrico, indicou as áreas a serem priorizadas dos pontos de vista de recuperação
e controle ambiental, assim como as que merecem um aprofundamento de dados.266
O assoreamento no reservatório de Santana, no rio Piraí, que recebe as águas do
rio Paraíba do Sul, é visível nas ilhas de vegetação cobrindo os bancos de sedimentos.
Também carregado de sedimentos apresenta-se o reservatório de Vigário, que recebe as
águas acumuladas no reservatório de Santana. Segundo dados sedimentométricos
fornecidos pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE e utilizados
na avaliação das condições hidrossedimentológicas da bacia estima-se que, em média,
esteja sendo transposta do rio Paraíba do Sul para estes dois reservatórios uma carga sólida
de 1.400.000 t/ano, com uma concentração média de sólidos em suspensão de 319 mg/l
apurada no reservatório de Santa Cecília. Por não receber águas deste rio e ser protegido
por extensas áreas de florestas nativas, o reservatório de Lages apresenta boa qualidade de
água.
265
Diagnóstico Preliminar das Condições Hidrossedimentológicas do Rio Paraíba do Sul e seus Principais
Afluentes–PS–RE–29-RO
266
Ibid., p. 24.
232
As conseqüências dos processos de transformação do ambiente regional do
Médio Paraíba refletem-se, incisivamente, na insalubridade social em que se insere a
população desta bacia hidrográfica. A análise de alguns dados referentes à saúde nestes
municípios demonstra que, apesar de viver em uma sociedade que busca tecnologias
avançadas propiciadoras de um aumento na expectativa de vida e de uma diminuição do
índice de mortalidade infantil, inúmeros problemas contribuem para a proliferação de
alopatias infecto-contagiosas, distúrbios psicológicos (esquizofrenia, psicoses, neuroses),
estresses, entre outros.
O custo social do modelo de desenvolvimento, cuja lógica responde mais à
reprodução do capital do que às necessidades humanas, reflete-se nas condições precárias
de vida e trabalho da grande maioria populacional deste vale, que convive com doenças
infantis já controladas socialmente como sarampo, coqueluche, rubéola, varíola entre
outras.267
A alta incidência de tuberculose, com 579 casos registrados no CIDE, no ano de
1998, é um dos indicativos dessa degradação social. A este, acrescentam-se os 8.106 casos
de dengue registrados neste mesmo ano, contabilizando 25% do total estadual e 65,78% da
região interiorana.
267
No estudo intitulado “As práticas da saúde na região do Médio Paraíba do Sul”, desenvolvido por VIEIRA,
Célia Wargas e VIEIRA DE CASTRO, Fábio Neffa na pesquisa “As Práticas Sociais dos Profissionais da
Educação e dos Trabalhadores Rurais – um estudo na região do Médio Paraíba” pode-se verificar tais
incidências, até mesmo em municípios com suporte médico-hospitalar como é o caso de Valença e Volta
Redonda. Maiores considerações ver CALAZANS et alii, op. cit., 1996, pp. 393-419.
233
A insuficiência de saneamento básico (tratamento de água e de esgotos), a
escassez de fossas sépticas, a não utilização de filtros residenciais, a desinformação sobre
aspectos higiênicos e sanitários, a irregularidade da coleta de lixo domiciliar, a pobreza, a
falta de educação ambiental, o abandono de saberes associados à tradição fitoterápica, as
práticas de saúde assistencialistas e curativas em detrimento da prevenção das doenças são
fatores contribuintes para a exclusão das classes destituídas de bens econômicos e culturais,
do direito de viver saudável e dignamente.
Segundo Boaventura de Souza Santos,
“a industrialização não é necessariamente o motor do progresso
nem a parteira do desenvolvimento. Por um lado, ela assenta
numa concepção retrógrada da natureza, incapaz de ver a relação
desta e a degradação da sociedade que ela sustenta. Por outro
lado, para dois terços da humanidade a industrialização não
trouxe desenvolvimento. Se por desenvolvimento se entende o
crescimento do PIB e da riqueza dos países menos desenvolvidos
para que se aproximem mais dos países desenvolvidos, é fácil
mostrar que tal objetivo é uma miragem dado que a desigualdade
entre países ricos e países pobres não cessa de aumentar. Se por
desenvolvimento se entende o crescimento do PIB para assegurar
mais bem-estar às populações, é hoje fácil mostrar que o bem-
estar das populações não depende tanto do nível da riqueza
quanto da distribuição da riqueza. A falência da miragem do
desenvolvimento é cada vez mais evidente, e, em vez de se
buscarem novos modelos de desenvolvimento alternativo, talvez
seja tempo de começar a criar alternativas ao
desenvolvimento.268
268
Op. cit., 2000, pp. 27-28.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos quatro capítulos desta tese, tentamos indicar algumas questões para
investigação dos mecanismos de apropriação dos recursos naturais da região do Médio
Paraíba do Sul que, devido às diferentes práticas produtivas (monocultura exportadora,
agropecuária e industrialização), promoveram transformações sócio-ambientais
acarretadoras do surgimento de uma percepção ecológica, que fomentou projetos e
programas em busca da sustentabilidade regional.
Com esse objetivo, procuramos reconstruir a representação de natureza forjada a
partir da Revolução Científica do século XVI, e desenvolvida basicamente no domínio das
ciências naturais até o século XIX, analisando o modelo de racionalidade que preside a
ciência moderna consubstanciada numa visão de mundo e da vida, que conduz a duas
distinções fundamentais: de um lado, entre conhecimento científico e conhecimento do
senso comum e, de outro, entre natureza e ser humano.
Em muitos autores confirma-se o pressuposto de que, devido a uma pluralidade
de condições, o paradigma científico moderno atravessa uma profunda crise. Uma delas
235
ocorreu no pensamento sobre a relatividade da simultaneidade, quando Einstein relativizou
o rigor das leis de Newton no domínio da macrofísica. Também com Heisenberg e Bohr, a
demonstração da interferência estrutural do sujeito no objeto observado teve implicações de
vulto, com a física quântica inviabilizando a hipótese do determinismo mecanicista,
considerando as leis físicas probabilísticas e complexificando a distinção sujeito/objeto, que
perdeu seus contornos dicotômicos e assumiu a forma de um continuum.
O reconhecimento de que o rigor matemático assenta-se num critério de
seletividade e, como tal, não pode ser concebido como natural e óbvio, coloca-se como
outra condição dessa crise paradigmática e alia-se aos progressos do conhecimento nos
domínios da microfísica, da química e da biologia, nos últimos trinta anos do século XX.
Este movimento científico e as inovações teóricas preconizadas pelo paradigma
ecológico, que concebe a articulação, a identidade e a diferença entre os aspectos físicos,
biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais e tende para o conhecimento
multidimensional, comportando um princípio de incompletude e incerteza, dentre tantas
outras condições da crise do paradigma dominante, propiciou uma reflexão epistemológica
sobre o conhecimento científico e a modernidade.
A análise das promessas de progresso e desenvolvimento, preconizadas pela
modernidade, sugeriu que efeitos perversos redundaram na realidade sócio-ambiental e
constituíram o cerne da necessidade de superação crítica do pensamento racionalista,
disjuntivo e regulador.
Os impactos da desigualdade social, caracterizados pela detenção, pelos países
capitalistas avançados, de 21% da produção mundial e 78% da produção de bens e serviços,
com conseqüente consumo de 75% de toda a energia produzida no mundo, fazem-se sentir
236
no aumento da violência, dos incidentes raciais, da prostituição infantil, da proliferação de
meninos de rua, de mortes por inanição, de trabalho infantil escravo, de subempregos, da
fome e da miséria social.
Outro fator que se destaca é o progressivo desmatamento das florestas tropicais,
fornecedoras de 42% da biomassa vegetal e responsáveis pela regulação do clima mundial.
Entre as conseqüências dessa destruição está a redução da biodiversidade, a diminuição da
estabilidade dos agroecossistemas e dos recursos hídricos. A desertificação e a falta d’água,
problemas a serem vivenciados de forma mais aguçada nas próximas décadas, evidenciam-
se na impossibilidade de um quinto da humanidade ter acesso à água potável, na atualidade.
A alteração desse patrimônio genético tem implicações incalculáveis para a
agricultura, para a silvicultura, para a pesca e para o turismo. No caso da agricultura,
compromete a identificação de espécies de plantas potencialmente cultiváveis, seja para
fins comestíveis, medicinais ou industriais, e provoca desequilíbrios pela eliminação de
inimigos naturais de pragas.
O estudo da construção social de uma consciência ecológica e suas conexões com
a crise da ciência moderna (cartesiana-newtoniana) sugere que o entendimento da visão de
mundo a ela subjacente resulta, no caso dos habitantes da região do Médio Paraíba do Sul,
da percepção dos efeitos da degradação ambiental na qualidade de suas vidas, provocados
pelas práticas produtivas estabelecidas na região ao longo dos séculos XIX e XX.
Os vales dos rios Paraíba e Preto apresentaram-se como locus da produção
cafeeira no século XIX e, no século XX, diferenciaram-se em função da reprodução do
capital e das relações de produção instituídas a partir da implementação de atividades
industriais (no vale do rio Paraíba) e de agropecuária (no vale do rio Preto) e, ambas as
237
práticas acarretaram modificações ambientais e conformaram distintos espaços econômico-
político-sócio-ambientais na região do Médio Paraíba do Sul. A conformação desses
espaços subsidiou o estudo da transformação ambiental desta região e possibilitou a
verificação do surgimento de possíveis alicerces para a construção de um contrato natural,
que pressupõe o mundo no conjunto das relações sociedade-natureza, propugnado por um
senso comum emancipatório, entendido este, como o conhecimento capaz de capacitar os
sujeitos sociais a exercitarem práticas solidárias, que conduzirão a novas formas de
cidadania individual e coletiva.
O estudo da região do Médio Paraíba, sob a ótica da história ambiental, ressaltou
que essas práticas produtivas desenvolveram mecanismos de apropriação dos recursos
naturais determinantes nas transformações sócio-ambientais empreendidas neste espaço
regional, cuja percepção influenciou a construção da consciência ecológica e a
consolidação de políticas de estruturação urbana e rural, governamentais e não-
governamentais, fomentadoras de planos, programas e projetos sustentáveis, consoantes às
necessidades de uma sociedade preocupada com a rarificação da água potável e com a
importância da solidariedade das gerações presentes com as gerações futuras.
A análise da mentalidade progressista relacionada ao pensamento político-
ecológico, centrado na crença da conciliação do progresso e do desenvolvimento nacional
com a sustentabilidade ambiental, conformada no século XIX, teve como objetivo examinar
o efeito das dinâmicas históricas na transformação do meio ambiente e na idéia de natureza
circunscrita a elas. O estudo dos textos produzidos na região do Médio Paraíba, por sua vez,
deixou transparecer uma visão antropocêntrica e desenvolvimentista própria do iluminismo
luso-brasileiro e evidenciou as duas tendências que caracterizaram a crítica ecológica
238
formulada pelos homens públicos no século XIX – uma, naturalista e geopolítica, na qual
inseria-se grande parte dos homens desta região, que criticava as práticas e os métodos
predatórios sem estabelecer, entretanto, uma relação entre a degradação ambiental e as
relações de produção escravistas; e outra, cujo pensamento assumia a dimensão escravista
da destruição ecológica, renovando a crítica bonifaciana, em que poucos representantes da
sociedade articulavam-se.
Na atualidade, as ações institucionais que buscam a integração da bacia do rio
Paraíba do Sul e do rio Preto refletem inserções na lógica dialógica, na medida em que
compreendem que os fatores poluidores não são isolados, mas diversidades organicamente
interligadas, partes de um todo maior. E que a interdependência entre os ecossistemas,
evidenciada a partir da interligação de todos os seres e do relacionamento entre tudo o que
existe, em todos os pontos e em todos os momentos, explicita o papel de cada um na teia de
relações, sendo este o ponto de partida para a construção de alternativas sustentáveis.
O reconhecimento do fundamento neomarxista na análise empreendida neste
estudo, que explicita o ser humano como uma realidade relacional entre corpo & mente,
interdependente de uma outra realidade que integra elementos do trabalho e do
conhecimento humano, num processo de produção de bens materiais e imateriais e num
movimento contínuo de transformação do mundo e de si mesmo, em busca de caminhos
possibilitadores de maior integração do ser humano ao Cosmos, enfatiza a troca orgânica
entre este ser e a natureza, mediada pelo trabalho, como o nó estratégico do ser social e
remete à questão da sustentabilidade ambiental e sócio-ambiental, na perspectiva de
ampliação da esfera capitalista contemporânea.
O entendimento da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul de forma sistêmica,
239
com a complexidade das questões que afetam não só os cursos hídricos mas, também, as
suas populações (vegetais, animais e humanas), com a incidência de enchentes, erosões,
desmatamentos, envenenamentos por gases tóxicos, agrotóxicos etc., e o rompimento com
as tradicionais fronteiras físico-políticas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo, por onde estende-se o leito deste rio, exige a integração dos poderes municipais,
estaduais e federal e garante iniciativas regionais de estudos, programas e planos de ação
como partes complementares, integradas e consoantes aos anseios de reversão do quadro de
degradação sócio-ambiental existente na região.
Nesta perspectiva, tanto o Comitê para a Integração da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul – CEIVAP, quanto o Projeto Vale do Rio Preto, da Fundação Educacional
D. André Arcoverde – FAA são mecanismos institucionais que postulam a gestão
descentralizada com participação do poder público, dos usuários e das comunidades das
bacias destes rios, adotando-as como unidades territoriais de planejamento e como recurso
natural limitado, vulnerável e econômico, em consonância com a Política Nacional de
Recursos Hídricos e com o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos,
instituídos pela Lei 9334/97 (Brasil, 1997), que também regulamenta o inciso XIX do art.
21 da Constituição Federal, altera o art. 1º da Lei nº 8001/1990 e complementa e aprimora
o Código das Águas.
Para a gestão compartilhada e descentralizada do uso da água, esta lei estabelece
novos tipos de organização, tais como, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, os
Comitês de Bacias Hidrográficas, as Agências de Água e as Organizações Civis de
Recursos Hídricos. Define o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, institui a
outorga de direitos de uso da água, reconhece o enquadramento dos corpos de água em
240
classes de uso preponderante e o seu valor econômico através do princípio usuário
pagador–poluidor pagador. Assim organizado, este plano tem como objetivos assegurar a
atual e às futuras gerações a disponibilidade e os padrões de qualidade da água; a utilização
racional e integrada dos recursos hídricos, inclusive o transporte aquaviário, com vistas ao
desenvolvimento sustentável e a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos
naturais ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
Neste contexto, o Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul -
CEIVAP, sediado no município de Resende/RJ, entre outros comitês e consórcios que
participam da gestão de recursos hídricos da bacia do rio Paraíba do Sul – Comitê das
Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul e Serra da Mantiqueira, Consórcio do Rio
Muriaé e Consórcio do Rio Pomba – busca a integração da bacia através dos objetivos de
viabilização técnica e econômico-financeira de Programas de Investimento, da
consolidação de políticas de estruturação urbana e regional, visando uma articulação
interestadual e um desenvolvimento sustentável da bacia hidrográfica, de modo a garantir
que as iniciativas regionais de estudos, projetos, programas e planos de ação sejam
consoantes às diretrizes e prioridades estabelecidas para esta bacia como um todo.
Da mesma forma, o Projeto Vale do Rio Preto, instituído no Centro de Ensino
Superior de Valença – CESVA e mantido pela Fundação Educacional D. André Arcoverde
- FAA, articula-se às dinâmicas sócio-econômicas e às políticas regionais, tendo como
objetivo expandir as ações institucionais na preparação de recursos humanos qualificados
em diferentes atividades, na perspectiva de potencializar as vocações específicas do vale do
rio Preto.
241
Ao levar em consideração as demandas sociais existentes, este projeto postula
que a busca pelo desenvolvimento econômico sustentável e pela democratização de
oportunidades, geração de renda e emprego fundamenta-se na ação integrada de órgãos
governamentais e não-governamentais; na preservação e ampliação da eficiência
operacional dessas ações; no desenvolvimento de projetos com maior autonomia regional;
no assessoramento a pequenos, médios e grandes investidores; na criação de cooperativas
populares, entre outras práticas.
Nesta perspectiva, tem como finalidade a criação de um mecanismo de retro-
alimentação do sistema universitário junto às populações da área de influência direta ou
indireta do CESVA, contribuindo para o atendimento das demandas sociais e para a
melhoria dos padrões sócio-econômico-culturais promovendo, inclusive, a ação
comunitária e o desenvolvimento de estudos e pesquisas, visando a obtenção de dados
locais para orientarem os programas de extensão e para servirem, também, de subsídios às
organizações que trabalham no setor primário elaborando programas agropecuários. São
metas desta proposta acadêmica a implantação de um pólo de produção de alimentos,
sementes, mudas e matrizes, aproveitando as peculiaridades locais e regionais para
abastecimento do mercado interno e externo; a promoção, coordenação e implantação de
planos, programas e projetos em concordância com os governos federal, estadual e
municipal, assim como o estabelecimento de convênios que visem políticas de
desenvolvimento e integração do Governo Estadual a órgãos federais, municipais e setores
privados atuantes na área.
A fundamentação teórico-metodológica do Projeto do Vale do Rio Preto faz-se
através de cursos de graduação e de pós-graduação, conferências, seminários, encontros,
242
estágios e publicações universitárias, visando qualificação e/ou aprimoramento de
conhecimentos e de técnicas de trabalho. A atuação comunitária se faz presente na
prestação de serviços à sociedade, na promoção de novos mercados de trabalho, na
preservação das manifestações culturais populares, na criação e manutenção de museus,
exposições, coral e outras atividades artísticas, além do ensino de Ciências Agrárias que
serve de suporte ao desenvolvimento agrícola local, motivando, inclusive, a comunidade
para a preservação dos bens naturais.
A percepção da necessidade de ações complementares, de responsabilidade
intergeracional, de compromissos com soluções a longo prazo, de democratização da gestão
integrada da bacia hidrográfica, do alcance de objetivos econômicos, sócio-ambientais,
políticos e culturais vem de encontro à uma consciência sustentada pela perspectiva de um
contrato natural e da incorporação de um saber emancipatório, capazes de construírem
alternativas ao paradigma dominante. Essas alternativas são consideradas por Boaventura
de Souza Santos,269
no espaço doméstico, como comunidades cooperativas; no espaço da
produção, como produção eco-socialista; no espaço do mercado, como necessidades
humanas e consumo solidário; no espaço da comunidade, como comunidades
multiculturalistas inclusivas em constante processo de reconstrução e reinvenção,
possibilitadoras do estabelecimento de coligações entre dignidades humanas; no espaço da
cidadania, como socialismo-como-democracia-sem-fim e, finalmente, no espaço mundial,
como sustentabilidade democrática e soberanias dispersas.
O entendimento do processo evolucionário da idéia de natureza, principalmente
269
Op. cit., 2000, pp. 329-342.
243
no que se refere às suas implicações na ecologia da colonização portuguesa e na formulação
das relações sócio-ambientais instituídas na região do Médio Paraíba do Sul, nos séculos
XIX e XX, no contexto da modernidade brasileira, foram fundamentos necessários à
compreensão dos projetos e das novas ruralidades emergentes neste espaço, principalmente
devido ao acentuado número de estabelecimentos agropecuários com menos de 20 alqueires
de terras, 69% das 3.303 propriedades270
existentes atualmente, na região, que apresentam
condições propícias à instauração de tais alternativas. O desenvolvimento de agricultura
biodinâmica e familiar, de atividades artesanais, de fruticultura, psicultura, apicultura,
olericultura e silvicultura (essências nativas e ervas medicinais) e de pólos industriais de
pequeno e médio portes, de bases tecnológicas não poluentes, como a produção de doces e
a reciclagem de papel e de lixo são exemplos de atividades sustentáveis capazes de
contribuírem para o ecodesenvolvimento regional.
Como espaço de valorização da natureza e da vida cotidiana e como estratégia de
integridade ambiental apresenta-se o turismo histórico-ecológico-rural, enquanto busca de
autodeterminação, possibilidade de integralização do tempo e das relações sociais numa
dimensão do trabalho como prazer e como forma de organização sob padrões de produção
de qualidade sustentável, tendo grande potencialidade econômica, abrindo novas
possibilidades para atendimento a consumidores mais exigentes em termos de
sustentabilidade planetária.
Os indicativos apontados sugerem alternativas de solução para os espaços rurais
da região do Médio Paraíba, esvaziados populacionalmente após a introdução de práticas
270
Censo Agropecuário 1995/1996. Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro 1999-2000,p. 421.
244
produtivas de agropecuária, no vale do rio Preto, e para os espaços citadinos industriais, no
vale do rio Paraíba, a partir das representações inacabadas e abertas da modernidade, como
o princípio da comunidade que, no entender de Santos, é o menos obstruído por
determinações no domínio da regulação e, por isso, capaz de instaurar uma dialética
positiva com o pilar da emancipação.
As dimensões – participação e solidariedade – deste princípio da comunidade
ficaram restritas, no Estado liberal, à esfera política (cidadania e democracia participativa),
mas, estabeleceram-se, em muitos outros domínios da vida social, como competências não
especializadas e indiferenciadas da comunidade271
abrindo, assim, novas possibilidades de
gestões integradas na região do Médio Paraíba do Sul.
Finalizando em termos indicativos e não conclusivos, afirmamos a necessidade
de se melhor trabalhar algumas questões para que se possa definir, com maior clareza, a
estrutura fundiária da região do Médio Paraíba do Sul, no século XIX, em análises que
permitam a verificação da amplitude das fazendas cafeeiras e sua conseqüente contribuição
à alteração ambiental. As dificuldades encontradas para realização destas análises sugerem
aprofundamento, na medida em que inúmeros dados encontram-se dispersos em Registros
Paroquiais e inventários de bens, muitas vezes deteriorados pelo tempo. A estranheza
causada pelas estatísticas que confirmam uma maior devastação da Mata Atlântica no
período de implantação da agropecuária, no início do século XX, mesmo que muitas
análises histórico-ambientais salientem a necessidade de uma grande devastação para a
implantação dos cafezais, no século XIX, também demanda estudos posteriores..
271
Op. cit., p. 75.
245
Da mesma forma, os esclarecimentos relacionados à ocupação/fragmentação das
terras, assim como o processo de obtenção das propriedades àquela época, requerem
estudos totalizantes da região, tendo em vista que a análise realizada restringiu-se aos
estabelecimentos da Freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença e da Freguesia de
Sancta Teresa do Município de Valença, nos anos de 1855/57.
Em resumo, o estudo desenvolvido nesta tese reconhece outras possibilidades de
investigações, na perspectiva de identificar práticas sociais que ocasionam problemas
sócio-ambientais, a fim de que não se repitam nas ações presentes, em prejuízo das
gerações futuras.
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