DESIGN APLICADO AO APROVEITAMENTODE RESDUOS DE MADEIRA
NATIVA CERTIFICADA
Carolina Romn Amigo
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
DESIGN APLICADO AO APROVEITAMENTO DE RESDUOS DE MADEIRA NATIVA CERTIFICADA.
Carolina Romn Amigo
Monografia apresentada ao Curso de Graduao da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, disciplina TFG II -Trabalho Final de Graduao.
SO PAULO 2007
II
A ecologia e o equilbrio ambiental so os esteios bsicos de toda a vida
humana na Terra; no pode haver vida nem cultura humana sem eles.
O design preocupa-se com o desenvolvimento de produtos, utenslios,
mquinas, artefatos e outros dispositivos e esta atividade exerce uma influncia
profunda e direta sobre a ecologia.
A resposta do design deve ser positiva e unificadora; deve ser a ponte entre
as necessidades humanas, a cultura e a ecologia.
Victor Papaneck
III
Agradecimentos
Agradeo Profa. orientadora Maria Ceclia Loschiavo dos Santos, ao Prof. co-orientador Lus Cludio Portugal e todos os professores participantes e consultados. Agradeo designer Etel Carmona, ao mestre de marcenaria Moacir Tozzo e toda equipe da Marcenaria Almeida Carmona e do Show Room Etel Interiores pela colaborao e acolhida. Agradeo equipe do LAME da FAU-USP, especialmente ao Emlio, cujo trabalho srio e entusiasmado permitiu que o projeto final se materializasse. Agradeo minha me, aos meus irmos e aos meus familiares pelo apoio e compreenso incondicionais. Agradeo ao meu pai (in memorian) pela formao que me proporcionou e pelo exemplo de vida que permanece em meus pensamentos e orienta toda minha conduta. Agradeo ao Mateus pelo apoio, pela companhia, pelas dicas preciosas e por seu permanente entusiasmo em compartilhar idias.
IV
Sumrio Resumo .................................................................................................................................................. VI Abstract ................................................................................................................................................. VII Introduo............................................................................................................................................. VIII PARTE I - O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade 1. Sistema de Produo e Consumo e a relao com o Meio Ambiente: Contexto Histrico, Atualidade e Perspectivas....................................................................................................................... 2 2. O Conceito de Sustentabilidade e o Ciclo de Vida do Produto..................................................... 12
2.1. Pr-Produo......................................................................................................................... 15 2.2 Produo ................................................................................................................................ 15 2.3. Distribuio ............................................................................................................................ 16 2.4. Utilizao ............................................................................................................................... 16 2.5 Descarte ................................................................................................................................. 16
3. A Ecologia Industrial e a Desmaterializao da Economia: Estratgias para a Sustentabilidade........................................................................................................................................................... 18
3.1. Ecologia Industrial ................................................................................................................. 18 3.2. Desmaterializao ................................................................................................................. 19 3.3. Panorama Atual e Perspectivas ............................................................................................ 25
4. O Projeto do Ciclo de Vida (Life Cycle Design) Ferramenta para a Sustentabilidade...............28 4.1. Minimizao dos Recursos.................................................................................................... 28 4.2. Escolha de recursos e processos de baixo impacto ambiental ............................................ 29 4.3. Otimizao da vida dos produtos .......................................................................................... 30 4.4. Extenso da Vida dos Materiais ............................................................................................ 32 4.5. Desenho para a Desmontagem (Design for Disassembly) ................................................... 36
PARTE II - A Madeira Brasileira
Introduo ......................................................................................................................................... 38 1. Diversidade e Ocorrncia ............................................................................................................. 42 2. Extrao e Consumo .................................................................................................................... 46 3. Desmatamento ou Desflorestamento ........................................................................................... 51 4. Manejo Florestal, Manejo Florestal Sustentvel e Bom Manejo Florestal.................................... 55 5. Certificao Florestal e de Produto............................................................................................... 61 6. Reflorestamento x Madeira Nativa................................................................................................ 67
PARTE III - A Cadeia Produtiva da Madeira Brasileira
Introduo ......................................................................................................................................... 69 1. Pr Produo ............................................................................................................................. 71
1.1 Silvicultura e Colheita Florestal ............................................................................................. 71 1.2. Primeira Transformao ........................................................................................................ 73
2. Produo....................................................................................................................................... 75 2.1. Segunda e Terceira Transformao...................................................................................... 75
3. Volume de Perdas na Cadeia Produtiva da Madeira.................................................................... 78 4. Impacto Ambiental da Gerao de Resduos Slidos na Cadeia Produtiva da Madeira ............. 79 5. Estratgias Atuais de Gerenciamento de Resduos nas fases da Cadeia Produtiva da Madeira 81 7. Referncias da aplicao do Design ao Reaproveitamento dos Resduos ................................. 86
Antnio Vespoli............................................................................................................................. 86 Carlos Motta ................................................................................................................................. 87 Etel Carmona................................................................................................................................ 88 Fabola Bergamo e Lars Diederichsen ......................................................................................... 89 Hugo Frana ................................................................................................................................. 90
V
Jos Zanine Caldas ...................................................................................................................... 91 Maurcio Azeredo.......................................................................................................................... 92 1 Prmio de Design de Mobilirio Mais com Menos Madeira..................................................... 93 Prmio Ecodesign - FIESP/CIESP ............................................................................................... 94 Projeto Design Certificado Ncleo de Design Sustentvel da Universidade Federal do Paran...................................................................................................................................................... 95 Projeto Design Tropical da Amaznia .......................................................................................... 96 Tecnologia PRIMAS Padronizao dos Resduos Industriais de Madeira Slida em Volumes Comerciais.................................................................................................................................... 97
PARTE IV - Laboratrio
Introduo ....................................................................................................................................... 100 1. Marcenaria Almeida Carmona .................................................................................................... 102
1.1. Ficha de Caracterizao da Marcenaria.............................................................................. 104 1.2. Gerao e Gerenciamento de Resduos na Marcenaria..................................................... 108
2. Partido de projeto........................................................................................................................ 114 2.1 Mesa de Centro .................................................................................................................... 116
2.1.1 Etapas de Produo...................................................................................................... 116 2.1.2 Projeto Finalizado.......................................................................................................... 124
2.2 Aspectos Sustentveis do Projeto........................................................................................ 125 2.3 Materiais Complementares Utilizados.................................................................................. 126
2.3.1 Vidro Plano Temperado ................................................................................................ 126 2.3.2 Materiais para fixao e Acabamento........................................................................... 128
Anlise dos Resultados e Concluses............................................................................................ 129 Referncias ......................................................................................................................................... 130
Livros, Teses, Documentos Tcnicos e Revistas ........................................................................... 130 Palestras ......................................................................................................................................... 137 Sites ................................................................................................................................................ 137
VI
Resumo
O trabalho consiste numa pesquisa sobre o papel do design em um novo
panorama sustentvel de produo e consumo, com enfoque na cadeia produtiva da
madeira nativa brasileira, que possui um dos menores ndices de eficincia no
aproveitamento de matria prima. So abordadas as estratgias de manejo florestal
sustentvel, certificao florestal e de produto e as etapas de beneficiamento da
madeira, com enfoque na gerao de resduos. feito um laboratrio em uma
reconhecida marcenaria de SP, pioneira no uso de madeira certificada, com
levantamento e caracterizao dos resduos e da infra-estrutura produtiva, alm da
elaborao de um projeto em carter experimental. Conclui-se ao final do processo
que o design pode ser uma ferramenta para gerenciamento de resduos com
vantagens ambientais, sociais e econmicas superiores dos mtodos de
gerenciamento convencionais.
Palavras-Chave: Projeto, Design, Madeira, Resduo, Sustentabilidade, Marcenaria, Cadeia Produtiva, Projeto do Ciclo de Vida, Ecologia Industrial, Desmaterializao, Processamento Mecnico.
VII
Abstract
This paper consists in a research about the role of design in a new sustainable
context of production and consumption, with a focus on the production chain of native
Brazilian wood, wich has one of the lower rates of efficiency in the use of raw
materials. The strategies for sustainable forest management, forest certification and
product certification and the steps for processing of wood are approached, with a
focus on the generation of residues. A laboratory is realized in a recognized
woodwork business of So Paulo city, pioneer in the use of certified wood, with
mapping and characterization of the residues and the productive infrastructure as
well the development of one project in a trial. The conclusion at the end of the
process, its that the design can be a tool for managing residues with environmental,
social and economic advantages, better than those achieveds in the conventional
methods of management.
Key Words: Project, Design, Wood, Residue, Sustainability, Woodwork, Production Chain, Life Cycle Assessment, Industrial Ecology, Desmaterialization, Mechanic Processing.
VIII
Introduo
Gui Bonsiepe, em seu livro Teoria e Prtica do Desenho Industrial, escrito em
1975, dedica boa parte do primeiro captulo a definir as competncias que devem
ser atribudas ao Desenho Industrial. Dentre elas, est que [O Design Industrial]
uma disciplina encaminhada ao melhoramento da qualidade ambiental, enquanto
que esta est determinada pelos objetos. Fica claro, no decorrer da leitura, que o
autor no se refere exclusivamente ao ambiente do usurio, que engloba o
atendimento das necessidades humanas pelos objetos, sua interface e qualidade
esttica, mas tambm ao meio ambiente do planeta que habitamos. Ao afirmar que a
crise ambiental (j dando sinais naquela poca) interessa incontestavelmente a
todas as disciplinas projetuais orientadas para a estruturao do ambiente material,
ele convida a pensar sobre um design mais comprometido com a sociedade e o
futuro.
O tema, que cabe hoje no mbito definido pela palavra sustentabilidade1
vem ganhando ateno crescente medida que os sintomas ambientais provocados
pelas extraes e emisses provenientes de nossa economia aberta2 e de consumo
acelerado se intensificam: contaminao dos solos, rios, lagos, mares e atmosfera
por dejetos urbanos e substncias nocivas oriundas da atividade industrial ou
agrcola e da utilizao de seus produtos (como, por exemplo, automveis e
fertilizantes artificiais); esgotamento de recursos naturais, inclusive renovveis, pela
explorao mal planejada; aquecimento global pela emisso de gases de efeito
estufa; gerao descontrolada de resduos slidos, que se acumulam em um ritmo
cada vez maior devido obsolescncia planejada e a falta de reciclagem; reduo
da camada de oznio; e outros como a acidificao das chuvas e a eutrofia.3
Esse panorama e a nfase dada acima ao lado ambiental das atribuies do
design segundo Bonsiepe, anuncia sobre que bases o projeto proposto pelo
presente trabalho final de graduao pretende se desenvolver. Partindo do
pressuposto que o design tambm uma disciplina social, j que os objetos so
1 Ver Parte I, Captulo 2: O Conceito de Sustentabilidade e o Ciclo de Vida do Produto. 2 Economia Aberta ou Economia de Cowboy, segundo o economista K. Building, aquela onde o sistema de produo e consumo no cclico, ou seja, no prev a re-utilizao, diferente do sistema natural, que fechado.
IX
determinados pelas pessoas e indstrias que os fazem e [eis o xis da questo]
pelas relaes entre essas pessoas e indstrias e a sociedade em que os produtos
sero vendidos4 essencial considerar o comprometimento com essa sociedade,
que aqui encontrar caminho por meio da sustentabilidade. Como ser explicado
adiante, o termo abrange tambm a capacidade de elaborar um desenho coerente
com os processos produtivos disponveis, capaz de agregar valor ao produto
industrial, tanto do ponto de vista do usurio, quanto do produtor e da sociedade.
A fim de bem situar o recorte dado ao tema para realizao do laboratrio ou
estudo de caso5, na primeira parte deste trabalho destacou-se a utilizao do design
como ferramenta para a sustentabilidade em um panorama onde o sistema de
produo e consumo necessita urgentemente de profundas mudanas. Aps uma
introduo que trata de forma abrangente a incompatibilidade entre o ritmo de
consumo atual e o ritmo de resposta do planeta s demandas crescentes, so
explicadas as principais estratgias de projeto conhecidas para alcanar um nvel de
consumo sustentvel.
A cadeira produtiva da madeira nativa no Brasil, tratada a partir da segunda
parte, a escolhida para elaborao do laboratrio. Por possuir um dos mais baixos
ndices de eficincia em relao ao aproveitamento da matria prima, e por ser
diretamente relacionada a um dos mais graves problemas ambientais do pas, o
desmatamento, que hoje o maior responsvel pela emisso nacional de gases de
efeito estufa na atmosfera, a cadeia produtiva da madeira mostrou-se ideal para a
iniciativa deste estudo.
As alternativas explorao predatria dos recursos florestais, o manejo
florestal sustentvel e a certificao florestal e de produto so aqui abordadas e
divulgadas. O aproveitamento dos resduos slidos de madeira nativa torna-se
central nesse estudo devido ao alto ndice de gerao desse material, que , na
maioria dos casos, destinado queima para obteno de energia. A possibilidade de
obter vantagens ambientais, sociais e econmicas superiores s tradicionais por
meio da aplicao do design reafirmada pelas referncias encontradas de
iniciativas j tomadas por designers e centros de pesquisa.
3 Ver (MANZINI; VEZZOLI, 2002, apndice), para maiores detalhes sobre os tipos de impactos ambientais. 4 (FORTY, 2007). 5 prefervel o termo Laboratrio, pelo projeto possuir um carter mais investigativo e exemplar.
X
A quarta e ltima parte apresenta o laboratrio realizado na Marcenaria
Almeida Carmona Comercial Ltda., marcenaria de alto padro pioneira no uso de
madeira macia certificada. A escolha de uma marcenaria se deveu aos seguintes
fatores: facilidade de acesso e a proximidade da infra-estrutura de processamento
que permitir o tratamento dos resduos; possibilidade de processar os resduos na
prpria indstria geradora; possibilidade de estimular o reconhecimento do design
como ferramenta por parte da indstria; proximidade do mercado consumidor que
estabelece a demanda; e tipo de resduos gerados. Foi ento feita a caracterizao
da infra-estrutura produtiva e da gerao de resduos, bem como apresentadas as
principais estratgias de gerenciamento desses resduos adotadas na marcenaria.
O projeto por fim executado tem carter ilustrativo, utilizando-se de um
partido aberto de projeto, que, seguindo uma linha geral, capaz de absorver a
variao tpica dos resduos, otimizando seu reaproveitamento. O resultado obtido
confirma que por meio de um projeto de design que utilize tcnicas simples de
marcenaria e que considere a infra-estrutura j disponvel no prprio ambiente
gerador, possvel obter um produto de timo custo-benefcio, passvel de ser
introduzido no mercado.
PARTE I O Carter Sustentvel e a
Contribuio para a Sociedade
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
2
1. Sistema de Produo e Consumo e a relao com o Meio Ambiente: Contexto Histrico, Atualidade e Perspectivas.
Faz-se necessria, nessa monografia, uma breve introduo histrica ao sistema
de produo e consumo atual. Ainda que simplificada, essa introduo ajudar a
compreender o conceito da sustentabilidade, do qual trataremos no prximo
captulo. A esse propsito consideramos ideal a abordagem cronolgica feita por
Thierry Kazazian em seu livro Haver a Idade das Coisas Leves, enriquecida pelos
argumentos da pesquisa sobre as origens da mudana cultural ocorrida no ltimo
sculo, exposta por David Harley em Condio Ps-Moderna.
Em 1851 acontecia a inaugurao do Palcio de Cristal, de J. Paxton, com a
primeira Exposio Internacional das descobertas tcnico-cientficas, evento que
pode ser considerado o batismo da Revoluo Industrial. As descobertas cientficas
iluministas, a introduo do mtodo cientfico de Descartes e a teoria de Francis
Bacon do uso da cincia a favor da indstria, haviam despertado a idia de
progresso, de futuro melhor que o presente. Idia adequada ao sistema capitalista
das linhas de montagem industrial e da produo em larga escala que ento se
estabelecia.
At o incio do sculo XX, o sistema ganhou muito em complexidade. A forma
corporativa de organizao de negcios (gerncia, concepo, controle e execuo)
se estabeleceu, primeiramente aplicada s estradas de ferro, onde foi aperfeioada,
e depois estendida aos outros setores industriais. Porm em 1914 Henry Ford fez
uma grande inovao ao reconhecer que:
produo de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reproduo da
fora de trabalho, uma nova poltica de controle e gerncia do trabalho, uma nova
esttica e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrtica,
racionalizada, modernista e populista.6
O sistema fordista, com a colaborao dos Estados intervencionistas
keynesianistas do entre-guerras, moldou uma sociedade adequada a um sistema de
produo centralizado, baseado em economias de escala, de alto investimento, que
6 (HARVEY, 2003, p. 121).
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
3
empregava mo de obra organizada em sindicatos. Um sistema de produo em
massa que necessitava de uma sociedade voltada para o consumo de massa,
suscetvel seduo de todo o aparato publicitrio que viria a se desenvolver para
esse fim.
Segundo Marx, um dos pressupostos bsicos do sistema capitalista o
crescimento. Isso implica que o capitalismo tem de preparar o terreno para uma
expanso do produto e um crescimento em valores reais (...), pouco importam as
conseqncias sociais, polticas, geopolticas ou ecolgicas7. Dessa afirmao
podem-se depreender duas caractersticas pertinentes ao tema tratado aqui: a
necessidade de expanso ilimitada do consumo; e a sua inconseqncia, que pode
ser compreendida pelo processo de alienao de Marx. Essas duas caractersticas,
isoladas ou em conjunto, acabam por ter impacto na maneira e na intensidade como
se d a explorao de recursos materiais, sociais e ambientais. Pela palavra
recursos, entenda-se todos os insumos envolvidos na produo material: mo-de-
obra, matria prima, energia, tecnologia. Por maneira como se d a explorao,
entenda-se a busca por estabelecer um ciclo de utilizao fechado de recursos; e
por intensidade, entenda-se a relao entre ritmo e quantidade de explorao.
A expanso ilimitada do consumo decorrente da corrida pelo crescimento tem
relao direta com a explorao de recursos. Explora-se cada vez mais, pois
necessrio produzir cada vez mais, a fim de que se consuma cada vez mais. E esse
consumo sempre maior gera um volume crescente de resduos e poluentes. O ritmo
dessa explorao tambm aumenta gradualmente, j que a diminuio do tempo de
vida dos produtos uma forma de estimular o consumo. Essa obsolescncia
precoce, que pode ser entendida como destruio para reconstruo, a fim de
garantir o crescimento, conhecida como destruio criativa. Alguns produtos
descartveis so exemplos: poderiam durar anos se fabricados em um material mais
resistente, mas so feitos em material mais efmero para durar apenas o tempo de
uma nica utilizao. Todo o aparato publicitrio que exalta o novo, o mais
atualizado, o que est na moda, e o Styling8, no campo do design em particular, so
7 Ibidem. Pg 166. 8 O Styling faz [...] modificaes epidrmicas no produto, com o que proporciona a iluso de um produto novo e melhorado, enquanto que sua estrutura, portadora do valor de uso, continua inalterada. (BONSIEPE,1978) Concebido na dcada de 20, continua nas indstrias at hoje, em particular nas automobilsticas.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
4
outro exemplo: um produto que ainda atende aos requisitos de utilizao
substitudo por outro mais novo, considerado atual.
A destruio criativa tambm pode ser explicada de outra maneira. Marx
observou que o capitalismo possui contradies inerentes que, entre outras
implicaes, fazem com o sistema se comporte de maneira cclica, com perodos de
recesso, as chamadas crises de superacumulao. Desencadeadas principalmente
pela corrida pelo crescimento, so situaes onde capital e trabalho ociosos
coexistem sem haver maneira de os unirem. Podem ser compreendidas pela falta de
consumidores para uma enorme oferta de produtos. Uma das sadas possveis para
a crise a destruio criativa, a desvalorizao ou destruio foradas de ativos
antigos para dar espao aos novos. Outra a acelerao do tempo de giro do
capital, para que a acelerao de um dado ano absorva a capacidade excedente do
ano anterior 9, que recai numa acelerao dos processos sociais e uma extensa
srie de implicaes, entre elas a desvinculao entre o ritmo de renovao natural
dos recursos do planeta e o ritmo de demanda. Em ambas, diminui-se o tempo de
vida dos produtos.
A acelerao do consumo, porm, no deve ser analisada isoladamente. Outra
caracterstica do sistema capitalista que destacamos na frase de Marx, a
inconseqncia da necessidade ilimitada de crescimento, deve ser levada em
conta para a compreenso da situao insustentvel da economia atual. Pode-se
afirmar que tal crescimento inconseqente tem esse carter devido fragmentao
prpria da produo industrial, em que no se tem uma viso global da produo de
um artigo. O trabalho em linha de montagem, em que cada trabalhador
responsvel apenas por uma pequena parte da produo de um bem, em
comparao com o trabalho do arteso, ganha muito em termos de produtividade,
mas perde em termos de comprometimento ambiental e social. Perde-se a viso de
ciclo, do tempo comprometido com os ciclos de renovao da Terra e a chance de
estabelecer uma economia fechada, mais benfica. Atualmente, a organizao
corporativa tem o mesmo efeito da linha de montagem: o consumidor est to
distante da produo do bem que consome, que no toma conscincia de como a
matria prima est sendo extrada, que tipo de mo-de-obra est envolvida e
9 Ibidem. Pg 171.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
5
finalmente qual o destino dos resduos que so gerados. Sem a preocupao de
como a produo acontece, cria-se uma iluso de recursos infinitos e um
desencontro cada vez maior entre ritmo de extrao e ritmo de renovao da
natureza.
A conscincia da insustentabilidade do modelo de produo e consumo
comea a se dar a partir da dcada de 70. Thierry Kazazian coloca a primeira
viagem do homem a Lua, em 1969, como marco. Ao ver do espao a Terra to
pequena, isolada e finita, a humanidade desperta novamente para a imagem de sua
origem, de sua condio, de sua riqueza, de seus limites e de seu dever de
compartilhamento.10 Mais ou menos na mesma poca, os primeiros desastres
naturais comeam a sensibilizar a opinio pblica para a condio da natureza,
despertando a conscincia ecolgica. Novas vozes juntam-se de Mahatma Gandhi,
que j uma dcada antes havia proposto nenhuma produo de massa, mas uma
produo pelas massas pois a natureza pode responder necessidade de cada
um, mas no avidez de todos. Yves Klein, artista do movimento dos novos
realistas, prope a existncia no problemtica do homem no mundo. Victor
Papanek, designer, defende o design centrado no homem, na ecologia e na tica: a
nica importncia, no design, sua relao com as pessoas.
Em 1973 a primeira crise do petrleo, decorrente da guerra de Yom Kippur,
alerta para os limites dos recursos naturais. Surgem os primeiros estudos e
organizaes para o desenvolvimento sustentvel. O Clube de Roma, grupo de
cientistas do MIT, escrevem Limits of the Growth, que tenta determinar as
conseqncias do modo de vida dos pases no hemisfrio norte e da exploso
demogrfica dos pases do hemisfrio sul. fundado o WWF, World Wildlife Found,
que institui o termo pegada ecolgica11 para o impacto humano na Terra. So
reconhecidas a precarizao das condies de sobrevivncia no mundo e a
fragilizao dos meios naturais, ameaas ao futuro humano.
Paralelamente, segundo Harvey, a partir de 1973 pode-se considerar uma
transformao poltico-econmica no capitalismo, uma mudana no sistema de
acumulao. Desde a dcada de 60, o fordismo-keynesianista dava mostras de ser
10 (KAZAZIAN, 2005).
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
6
incapaz de conter todas as contradies inerentes ao sistema capitalista. Com a
rigidez dos investimentos de capital fixo em larga escala e de longo prazo em
sistemas de produo em massa que impediam flexibilidade de planejamento, alm
de uma fora de trabalho fortemente sindicalizada, ele dependia de uma fixidez dos
mercados que no correspondia realidade. Demasiado rgido para atender s
mudanas, que se aceleravam com o advento de novas tecnologias de produo e
comunicao, o fordismo acabou por provocar uma forte inflao, que, agravada
pelo aumento dos preos do petrleo gerou a recesso mundial de 1973. O
conjunto de medidas encontradas para reagir crise (racionalizao da produo e
do controle do trabalho, incrementos tecnolgicos, disperso geogrfica para facilitar
o controle sobre o trabalho, busca de novas atividades e nichos de mercado),
comeou a delinear um novo sistema de acumulao, chamado pelo autor de
acumulao flexvel.
O sistema de acumulao flexvel, ou produo just-in-time, pode ser
caracterizado como oposto ao sistema fordista em muitos aspectos (Tabela 1). Ele
tem como pressuposto flexibilizar os processos de produo a fim de responder de
maneira rpida s variaes do mercado. Alguns meios encontrados para esse fim
so orientar a produo para a demanda, ao invs de orientar para os recursos;
explorar novos nichos de mercado e voltar-se para a oferta de servios; substituir a
mo de obra perene por servios terceirizados e desvincular a produo de um local
especfico.
A orientao da produo para a demanda, ou gerenciamento pelo lado da
demanda (GLD), consiste em produzir de acordo com a solicitao do mercado. No
h estoques, a produo se d em pequenos lotes e tende a ser mais personalizada.
Assim, aumenta-se a liquidez (diminui-se o capital estagnado) e a capacidade de se
adequar s mudanas no mercado. A diversificao de atividades e a explorao de
novos nichos de mercado vm cobrir necessidades antes ignoradas pelo sistema de
produo em massa. A maior oferta de servios pode ser explicada pelo (em geral)
menor investimento necessrio a esta atividade, bem como a demanda por parte das
indstrias por mo de obra terceirizada. A substituio de mo de obra proletria por
11 Pegada Ecolgica: Estimativa da superfcie terrestre ou marinha biologicamente produtiva e necessria para responder s necessidades de um habitante. A mdia atual de 2,3 hectares/habitante, 20 % a mais que a capacidade da Terra [1,9 hectares por habitante] (KAZAZIAN, 2005).
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
7
servios de empresas terceirizadas, autnomos, cooperativas e at pequenas firmas
domsticas e artesanais tem como vantagem a facilidade de modificao do
contingente de trabalho, que pode ser mais ou menos solicitado de acordo com a
necessidade. Se por um lado essa descentralizao do controle do trabalho
enfraquece as foras sindicais e as garantias trabalhistas, por outro se abrem
oportunidades para organizaes de trabalho que haviam perdido espao com o
incremento do fordismo, como as artesanais, as cooperativas e as familiares. A
disperso territorial relacionada com essa nova organizao do trabalho e tambm
com a facilidade de deslocamento de investimentos. Tem como vantagem a
flexibilidade de procura por mercados, explorao de recursos e infra-estrutura.
O sistema de acumulao flexvel pde ser viabilizado principalmente pelos
incrementos tecnolgicos, como a automao e a informtica, que permitiram
otimizao e acelerao do processo produtivo, bem como facilidade de
comunicao e transporte. Por sua multipolaridade, fragmentao e carter
individualista, pode ser relacionado com o ps-modernismo, movimento que se
contraps ao modernismo e que pode ser considerado predominante na atualidade.
Apesar da acumulao flexvel se contrapor ao fordismo, o consumo acelerado e em
massa, bem como a pouca considerao dos aspectos ambientais, nunca deixou de
estar presente.
As primeiras iniciativas em prol do meio ambiente so tomadas na dcada de
80. O protocolo de Montreal, assinado em 1987, para a diminuio e depois
suspenso do uso de gs CFC, a primeira histria de sucesso na proteo do meio
ambiente. No mesmo ano sai o Relatrio da Comisso Mundial sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, que descreve o estado do planeta e expe a relao
essencial entre o futuro das comunidades humanas e o das comunidades
ecolgicas. Esse relatrio serviria de guia para a Conferncia das Naes unidas
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro
em 1992, que introduz pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentvel:
um crescimento para todos, assegurando ao mesmo tempo a preservao dos
recursos para as futuras geraes.
Desde ento o tema vem despertando cada vez mais ateno. Os termos
sustentabilidade ou desenvolvimento sustentvel hoje esto presentes nas mais
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
8
diversas reas. Empresas, organizaes governamentais e no governamentais
esto despertando para o assunto e tomando iniciativas, desde investir em
reciclagem at capacitar mo-de-obra, assim como estabelecer acordos entre
corporaes para otimizao do uso de matrias primas.
As respostas corporativas s demandas da sociedade, para um desenvolvimento
sustentvel, vm aumentando a percepo de que este representa uma conveno
de mercado, influenciando os parmetros da competio em um contexto cada vez
mais global (Vinha, 2000)12.
Cada vez mais, h o questionamento do progresso pelo progresso e dos
meios que devem ser utilizados para satisfazer as necessidades humanas. A busca
pela unio entre crescimento e futuro incita nossa responsabilidade coletiva. O
assunto faz parte do cotidiano, mas muitas vezes tratado de maneira superficial.
No captulo que se segue se explicar de maneira mais aprofundada no que
consiste o conceito de sustentabilidade.
12 Apud (MAY, p. 4).
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
9
Tabela 1 Contraste entre o fordismo e a acumulao flexvel segundo Swyngedown
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
10
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
11
Fonte: HARVEY, David. Condio Ps-Moderna. Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudana Cultural. 12 edio. So Paulo: Edies Loyola, 2003. pp 167 a 169.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
12
2. O Conceito de Sustentabilidade e o Ciclo de Vida do Produto.
Um acordo frtil entre o homem e a Terra. Com essa frase Thierry Kazazian
resume o conceito de sustentabilidade. Esse acordo consiste em no explorar alm
do que a Terra pode oferecer; e no descartar alm do que a Terra pode absorver.
Consiste em manter um equilbrio nas relaes com o planeta, de maneira a se
usufruir infinitamente de seus recursos. O conceito foi introduzido em 1987 pela
World Commission for Environment and Development (WCED), no texto Our
Common Future:
Com esta expresso [sustentabilidade ambiental], referimo-nos s condies
sistmicas segundo as quais, em nvel regional e planetrio, as atividades humanas
no devem interferir nos ciclos naturais em que se baseia tudo o que a resilincia13
do planeta permite e, ao mesmo tempo, no devem empobrecer seu capital natural14,
que ser transmitido s geraes futuras.
Essas ltimas palavras atendem tambm ao princpio de equidade, expresso
no texto de 1995 Friends of the Earth, do Wuppertal Institute,
pelo qual se afirma que, no quadro da sustentabilidade, cada pessoa (incluindo as geraes futuras) tem direito ao mesmo espao ambiental15, isto , mesma
disponibilidade de recursos naturais do globo terrestre.16
Pelas definies dadas, a compreenso da lgica cclica que existe em todos
os ecossistemas terrestres fundamental para alcanar a sustentabilidade.
Kazazian explica essa lgica a partir de quatro dimenses: Interdependncia, tempo,
ciclo e optimum. A interdependncia o fato de que cada elemento de um sistema
13 A resilincia de um ecossistema a sua capacidade de sofrer uma ao negativa sem sair de forma irreversvel de sua condio de equilbrio. Esse conceito, aplicado ao planeta inteiro, introduz a idia de que o sistema natural em que se baseia a atividade humana tenha seus limites de resilincia que, superados, provocam fenmenos de degradao ambiental. (MANZINI; VEZOLLI, 2002) 14 O capital natural o conjunto de recursos no renovveis e das capacidades sistmicas do ambiente de reproduzir os recursos renovveis. Mas o termo tambm se refere riqueza gentica, isto , variedade das espcies viventes no planeta. Idem. 15 O espao ambiental a quantidade de energia, gua, territrio e matria prima no renovveis que podem ser usados de maneira sustentvel. Indica quanto de ambiente uma pessoa, nao ou um continente dispem para viver, produzir e consumir sem superar os limites da sustentabilidade. Idem
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
13
existe pela soma de suas relaes com os outros e em uma geometria temporal
prpria: o tempo. Ao longo do tempo se do as transformaes da matria que
constituem um ciclo, seqncia de fenmenos que se renovam periodicamente. Por
fim, os elementos em conjunto, ou os sistemas, se desenvolvem na medida em que
recebem energia, em um fenmeno prprio de auto-regulao, chamado pelo autor
de optimum.
Traduzindo essa lgica para o campo da produo, deve-se observar o ciclo
de vida de um produto17 dentro do seu contexto, com seus fluxos materiais e suas
conseqncias ambientais e sociais. Aqui,
Em ciclo de vida considera-se o produto desde a extrao dos recursos
necessrios para a produo dos materiais que o compe at o ltimo tratamento
desses mesmos materiais aps o uso do produto. (...) Podemos, portanto, contar
toda a vida de um produto como um conjunto de atividades e processos, cada um
deles absorvendo uma certa quantidade de matria e energia, operando uma srie
de transformaes e liberando emisses de natureza diversa.18
Podem-se dividir esses processos nas seguintes etapas: Pr-produo,
produo, distribuio, uso e descarte. Cada uma dessas etapas gera impactos na
biosfera e na geosfera.19 Devem tambm ser considerados os ciclos de vida
adicionais ao ciclo de vida do produto, como aqueles referentes s atividades e infra-
estrutura necessrias produo. O diagrama a seguir ilustra as etapas do ciclo
produtivo e suas principais relaes e impactos gerados.
16 Idem. 17 O termo ciclo de vida de um produto ambguo, sendo utilizado no mbito administrativo para indicar as vrias fases que diferenciam a entrada, a permanncia, e a sada de um produto no mercado. Ibidem. 18 Ibidem. 19 Biosfera o conjunto dos organismos vivos ou, mais precisamente, a parte externa da superfcie terrestre na qual subsistem as condies indispensveis vida animal e vegetal. Geosfera o conjunto das terras e das guas. Ibidem
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
14
Figura 1 O Ciclo de Vida do Sistema-Produto
Fonte: MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentveis. So Paulo: EDUSP, 2002. p.92
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
15
2.1. Pr-Produo
A pr-produo a fase em que so extradas e/ou produzidas as matrias
primas. Estas podem ser provenientes de recursos primrios e/ou secundrios.
Recursos primrios ou recursos virgens so aqueles provenientes diretamente da
geosfera e podem ser renovveis ou no renovveis20. Recursos secundrios ou
reciclados so provenientes de descartes e refugos do sistema produtivo (pr-
consumo) e das atividades de consumo (ps-consumo). Envolve a aquisio dos
recursos, o transporte desses recursos ao local de produo e a sua transformao
em insumos21 e energia.22 relevante nessa fase levantar, entre outros: a origem da
matria prima, os fatores envolvidos na sua extrao, como quantidade de energia
envolvida, mo de obra utilizada e impacto ambiental; o modo de processamento,
toxidade das substncias empregadas, condies de trabalho e gerao de
resduos.
2.2 Produo
Na produo os materiais23 so transformados em produtos finais. a fase da
atuao do projetista. Pode ser dividida, na maioria dos casos, em processamento
das matrias primas, montagem e acabamento. Geralmente envolve grande
variedade de materiais, que podem ser diretos e indiretos. Os materiais diretos, so
aqueles que, uma vez beneficiados, encontram-se no produto; os materiais indiretos,
por sua vez, esto incorporados nas instalaes fabris e nos equipamentos
necessrios para sua produo.24 necessrio portanto considerar os ciclos de
vida dos equipamentos de infra-estrutura para avaliar o conjunto de impactos
20 Recursos primrios renovveis so aqueles que provm diretamente da geosfera, cultivados e colhidos. Conhecidos tambm como biomassas. Recursos primrios no renovveis so aqueles que provm diretamente da geosfera, extrados do solo. (MANZINI; VEZZOLI, 2002) 21 Insumo: sm (ingl in(put)+(con)sumo) Econ polt Neologismo com que se traduz a expresso inglesa input, que designa todas as despesas e investimentos que contribuem para a obteno de determinado resultado, mercadoria ou produto at o acabamento ou consumo final. Insumo (input) tudo aquilo que entra; produto (output) tudo aquilo que sai. Moderno Dicionrio da Lngua da Lngua Portuguesa Michaelis Online. Disponvel em . 22 (MANZINI; VEZZOLI, 2002. p.94). 23 Nesta monografia, a exemplo do empregado por (MANZINI; VEZZOLI, 2002) recursos e matrias-primas referem-se aos insumos da fase de pr-produo. Materiais (matrias primas semi-elaboradas), aos insumos da fase de produo.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
16
gerados por um produto. importante, tambm, avaliar o consumo de energia para
produo e a gerao de resduos slidos25 e lquidos, bem como emisses
gasosas.
2.3. Distribuio
A distribuio composta pela embalagem, transporte e armazenagem. A
embalagem tem papel importante na proteo do produto, mas pode gerar grande
impacto se mal planejada, principalmente na fase de descarte ps-consumo. O
transporte consome grande quantidade de energia e dependendo da modalidade,
gera emisses poluentes. Devem ser computados tambm os impactos gerados pela
prpria produo dos meios de transporte. A armazenagem gera impactos pela
ocupao espacial e construo da edificao para abrigar os produtos.
2.4. Utilizao
O uso dos produtos gera impactos pelo consumo de energia e recursos
durante a sua vida til (e os resduos decorrentes), materiais e mo de obra para
reparos e manuteno. Devem ser considerados, entre outros: o consumo de
energia eltrica; a gerao de substncias poluentes e tempo de vida do produto
coerente com a quantidade de insumos utilizados em sua produo.
2.5 Descarte
O descarte pode acontecer por diversas razes: obsolescncia do produto,
seja ela tecnolgica, cultural ou esttica; decrepitude dos materiais, por tempo ou
utilizao; danos causados por uso imprprio ou incidentes. Aps o descarte, pode-
se recuperar a funcionalidade do produto ou de alguns de seus componentes; pode-
se reciclar os materiais utilizados ou recuperar a energia utilizada na sua produo
por meio da incinerao; ou pode-se simplesmente no recuperar nada do produto.
24 (MANZINI; VEZZOLI, 2002). 25 Nesta monografia, entenda-se por refugos os resduos das fases de pr-produo, produo e distribuio. E por descartes os resduos das fases de utilizao e descarte.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
17
Para a recuperao da funcionalidade, ou refabricao, decises tomadas ainda na
fase de projeto, como standartizao e desenho para desmontagem, so muito
significativas. a opo mais sustentvel, pois exige menor quantidade de insumos
e energia e gera menor quantidade de resduos. A reciclagem pode ser de dois
tipos: em anel fechado e em anel aberto. Em anel fechado, os produtos descartados
voltam fbrica de origem para a fabricao de novos produtos. Em anel aberto, os
materiais so encaminhados para fins diferentes. Ambas possuem impactos de
coleta, separao, transporte e pr-produo que devem ser considerados. Os
materiais a serem incinerados tambm possuem impacto gerado pela coleta e
transporte, e as emisses provenientes da queima muitas vezes so poluentes. O
descarte sem recuperao de nenhum tipo o de maior impacto, pois em muitos
casos, alm da coleta e do transporte, h desperdcio de matria prima e energia,
ocupao de espaos, no reabsoro dos resduos pelo meio ambiente no ritmo
adequado, e por vezes liberao de toxinas e contaminao de rios e solos, alm de
ameaa a ecossistemas.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
18
3. A Ecologia Industrial e a Desmaterializao da Economia: Estratgias para a Sustentabilidade.
Manzini e Vezzoli, no livro O desenvolvimento de produtos sustentveis,
frisam que a sustentabilidade no um modo de proceder, mas sim um objetivo a
ser alcanado. Portanto so necessrias estratgias de ao para diminuir o impacto
ambiental gerado pelo atual sistema de produo e consumo. So propostos trs
nveis de atuao, dos mais superficiais aos mais profundos: substituio de
insumos e tecnologias, bem como redesenho de produtos; substituio de produtos
pelo servio por eles oferecido; e proposio de novos modelos de consumo e estilo
de vida, em substituio aos atuais. As propostas tratadas pelos autores atuam nos
diversos nveis, em maior ou menor escala. Podem ser divididas em aquelas
referentes ecologia industrial e aquelas referentes desmaterializao.
3.1. Ecologia Industrial
Na ecologia industrial, h duas maneiras para minimizar a interferncia dos
ciclos artificiais nos naturais, a fim de no extrapolar a resilincia do meio ambiente:
a biocompatibilidade ou biociclos; e a no interferncia ou tecnociclos.
Os biociclos consistem na mxima integrao entre os ciclos artificiais e os
naturais. Assim, os processos produtivos, de consumo e descarte se misturariam o
tanto quanto possvel s cadeias de transformao naturais. Para isso,
fundamental a compreenso em profundidade do funcionamento dos ciclos naturais,
para no romper o equilbrio do sistema. A extrao equilibrada de recursos
renovveis (da qual o manejo florestal, a ser explicado nos prximos captulos, um
exemplo) e o descarte biodegradvel e planejado, a fim de restituir as matrias
primas aos locais e concentraes originais, se encaixam no modelo biocompatvel.
J os tecnociclos consistem no mximo26 isolamento dos ciclos artificiais em
relao aos naturais. Os tecnociclos buscam simular os ciclos naturais, reciclando os
recursos infinitamente, de maneira a anular as extraes e emisses para o meio
26 O isolamento completo no possvel devido inevitabilidade de perdas energticas.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
19
ambiente. A reciclagem do alumnio, que no implica em perdas na quantidade nem
na qualidade do material, se aproxima desse modelo.
Porm ambas as propostas no oferecem solues completas para a
sustentabilidade. As duas restringem as possibilidades de produo. No caso dos
biociclos, s podem ser utilizados recursos renovveis, explorados dentro dos limites
de recuperao natural. Estes devem ser processados de maneira tal que resultem
em materiais totalmente biodegradveis, que devem ser restitudos aos locais de
extrao na quantidade original. Nos tecnociclos, so poucos os recursos que
permitem reciclagem total sem perdas qualitativas27, com emisses e extraes
tendendo a zero. E no caso de intercmbio de recursos entre indstrias (o descarte
de uma se constitui no insumo de outra) as dificuldades de compatibilizao e
integrao tambm so significativas. Portanto, muitos processos produtivos
utilizados atualmente no podem ser encaixados em nenhum desses modelos.
Uma combinao entre as duas estratgias seria mais adequada, porm
deve-se levar em conta que a integrao entre biociclos e tecnociclos em alguns
aspectos difcil, devido s suas naturezas antagnicas. Por exemplo, aos biociclos,
mais interessante uma organizao territorial dispersa, e aos tecnociclos, uma
organizao concentrada.
A aplicao de ambos em larga escala perde muito em eficincia. Sendo
assim, a desmaterializao da economia poderia ser uma soluo, em conjunto com
a ecologia industrial, pois diminuiria a quantidade de material a ser processada nos
ciclos.
3.2. Desmaterializao
A desmaterializao da economia consiste em desvincular o crescimento
econmico da explorao de recursos. Significa proporcionar o mesmo nvel de
bem-estar coletivo com uma menor quantidade de produtos e insumos ambientais.
Em alguns de seus aspectos exige mudanas de ordem social, poltica, econmica e
tecnolgica, incluindo o campo de atuao do projetista, cujo papel importante no
27 O ao um exemplo de material que sofre decrscimos na sua qualidade a cada reciclagem. Esse fenmeno denominado reciclagem em efeito cascata. J o alumnio mantm intactas suas caractersticas originais, permitindo infinitas reciclagens. (Vide Fig.5 Reciclagem em Efeito Cascata)
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
20
apenas nos aspectos econmicos e tecnolgicos, mas tambm no social. Nesse
caso, a sua tarefa no a de projetar estilos de vida sustentveis, mas, sim, a de
propor novas oportunidades que tornam praticveis estilos sustentveis de vida.28
O conceito de desmaterializao foi introduzido em 1981 por Walter e Reday
Stahel, em sua publicao Jobs for Tomorrow, the Potential for Substituting
Manpower for Energy. Analisando o ciclo de vida de prdios e automveis, esse
estudo concluiu que todo aumento de tempo de vida til de um produto ou material
significa economia de energia e mo de obra. A partir da, props mudanas no
sistema produtivo em duas principais direes: que estendessem da vida til dos
produtos e materiais; e que desmaterializassem a economia, ou seja, fossem
capazes de proporcionar o mesmo nvel de bem estar com uma quantidade menor
de produtos.
Uma delas sugere um sistema em loop-espiral (Fig.2), em que o produto
teria vrios ciclos de vida, viabilizados por meio da reciclagem, recondicionamento
ou reuso. Dessa maneira, os recursos ambientais para a produo de novas
matrias primas seriam poupados. O desenho industrial, em especial no que diz
respeito ao reuso, pode ter um papel muito relevante. Com criatividade e pouco
investimento em material e energia, pode-se agregar valor a objetos que seriam
descartados ou que consumiriam muita energia para reciclagem. Os alunos da
Tokyo Zokey, sob orientao do Prof. Fumi Matsuda, em visita cidade de So
Paulo em maro de 2007 mostraram vrios exemplos na exposio por eles
organizada na Fundao Japo.
No que diz respeito desmaterializao, so maneiras diretas de alcan-la:
a miniaturizao, a centralizao de mltiplas funes em um nico aparelho e as
tecnologias de informao. Telefones celulares, cmeras fotogrficas e aparelhos de
som so exemplos de produtos que tm seu tamanho reduzido a cada novo
lanamento. Um notebook possui vrias funes em uma estrutura porttil. Um CD
ou DVD capaz de conter toda uma enciclopdia em uma quantidade mnima de
material. A prpria Internet, ao disponibilizar farta quantidade de informao a
qualquer ponto de acesso, em qualquer localidade e horrio, poupa recursos desde
28 (MANZINI; VEZZOLI,2002)..
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
21
os necessrios ao deslocamento para a busca das informaes at os suportes
materiais para os dados.
O Gerenciamento pelo Lado da Demanda (GLD), caracterstico do sistema de
acumulao flexvel citado anteriormente, tambm contribui para a
desmaterializao. Ao produzir de acordo com a demanda, em pequenos lotes,
eliminando estoques e otimizando a produo, evita-se o consumo desnecessrio de
insumos. A otimizao da produo, com tecnologias avanadas e controle de
qualidade integrado, reduzem as perdas no processo.
Porm a forma mais significativa de desmaterializao estimular a
passagem de uma sociedade de consumo baseada no produto para uma sociedade
de utilizao, cuja principal modalidade seria o servio. Nela, se alcana o bem-
estar por meio de uma satisfao que resulta mais da utilizao do que da posse. 29
Nessa economia leve como a define Kazazian, o produto visto apenas como o
suporte de um servio prestado, um intermedirio que deve assegurar a qualidade
da prestao a ser realizada.30 Passar de uma oferta de produtos para uma oferta
de servios levaria a empresa a diversificar suas atividades e seus mercados, e a
estabelecer uma nova relao com seus clientes pela ateno e pelo
acompanhamento permanente das necessidades deles. Dessa forma, oferecer um
produto passaria a ser o mesmo que oferecer um resultado. Esse sistema,
subentende que necessrio fazer mais com menos, segundo um princpio de
qualidade baseado nas abordagens de anlise do valor, para uma melhor gesto da
matria e uma concepo do produto utilizando o [justo necessrio].31
29 Ibidem. 30 Ibidem. 31 Ibidem.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
22
Figura 2 Sistema de Produo Loop-espiral
Fonte: MALAGUTI, CYNTIA. Ecodesign - por uma nova relao entre a produo industrial e o meio ambiente. Disponvel em . Publicado em 16 de dezembro de 2000.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
23
O aspecto mais importante dessa proposta a tentativa de inverso da lgica
de consumo da economia atual, na qual os produtores obtm um lucro tanto maior
quanto o volume de produo e venda de produtos. Assim, mais interessante
que o produto tenha vida mais curta, para que seja descartado mais rapidamente, a
fim de ser substitudo por outro. Em uma economia baseada nos servios, a
empresa prestadora teria interesse na vida longa do produto, porque significaria uma
despesa a sua substituio. Para ela, no seria mais a venda do produto que geraria
o lucro, mais sim o seu usufruto.
Kazazian d exemplos de como esse conceito poderia ser aplicado. Em um
deles, j em funcionamento em alguns lugares da Europa, ele desenvolve uma idia
de W. Stahel: o aluguel conjunto de carros por condomnio de apartamentos. Nesse
sistema, nenhum indivduo proprietrio de nenhum automvel, mas sim um usurio
do servio oferecido pela empresa proprietria de uma frota, contratada pelo
condomnio. Cada morador tem sempre sua disposio um carro na garagem,
mediante o pagamento de uma mensalidade. Assim, diminui-se o nmero de carros
ociosos e a manuteno dos automveis otimizada, j que do interesse da
empresa responsvel investir em engenharia preventiva de manuteno. No caso da
empresa prestadora no ser a fabricante, podem-se obter facilidades no
estabelecimento de convnios com empresas de manuteno, para substituio de
peas e na compra de combustvel. H interesse na otimizao da vida dos produtos
e a concentrao das atividades facilita o reuso, recondicionamento, atualizao
tcnica e utilizao em cascata. Os custos de eliminao do lixo so internalizados
pelo produtor. Todos os riscos, enfim, so transferidos para o produtor e prestador
de servios, mais capacitados para preveni-los.
Em 1986, Brlin and Stahel elaboraram uma tabela (Tabela 2), a partir de um
estudo intitulado "Economic strategies to enhance the durability of goods", onde
avaliaram as diferenas entre venda, aluguel e venda da utilizao de um sistema, a
fim de compreender as vantagens de oferecer performance ao invs de produtos.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
24
Tabela 2 Performance x Produto
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25
3.3. Panorama Atual e Perspectivas
Manzini & Vezzoli, referindo-se a Ehrlich & Ehrlich (1991) e Meadows et
al.(1992), procuram dar a dimenso da desmaterializao necessria para que a
sustentabilidade ambiental seja atingida.
O controle do impacto provocado no ambiente pelas atividades humanas depende
de trs variveis fundamentais: A populao, a procura do bem-estar humano e a
ecoeficincia das tecnologias aplicadas, isto , a maneira como o metabolismo do
sistema produtivo capaz de transformar recursos ambientais em bem-estar
humano.32
possvel inserir nesta equao as perspectivas de crescimento populacional
e de crescimento da procura pelo bem-estar por parte das naes em
desenvolvimento, e ento tem-se que a ecoeficincia das tecnologias teria que ser
aumentada em pelo menos 10 vezes para que se alcance um nvel de produo e
consumo sustentvel. Tal aumento, segundo as perspectivas atuais, invivel. A
alternativa, ento, seria reduzir em 90% a quantidade atual de recursos utilizada por
unidade de servio prestado. O que significa proporcionar o mesmo servio e o
mesmo nvel de bem estar com uma quantidade drasticamente menor de produtos.
Ambos os ndices so muito difceis de serem alcanados. Manzini & Vezzoli
sugerem que uma combinao entre aumento da ecoeficincia tecnolgica e a
diminuio da demanda material necessria ao bem-estar social a sada mais
vivel. Essa relao pode ser mais bem compreendida a partir do grfico (Figura 3)
que se segue.
32 Esta relao pode ser expressa com a frmula IPAT: Impacto = Populao x Bem-estar (Agiatezza) x Tecnologia. (Ehrlich e Ehrlich, 1991; Meadows et al.,1992 apud MANZINI;VEZZOLI, 2002, p.29)
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
26
Figura 3 Redesign do existente e solues sustentveis
Fonte: MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentveis. So Paulo: EDUSP, 2002. p.37
A linha expressa as combinaes entre aumento da ecoeficincia tecnolgica
(T) e a diminuio da demanda material necessria ao bem-estar social (C) que
esto no limiar da sustentabilidade. Estas combinaes e as contidas na rea acima
da linha podem ser consideradas sustentveis. As que estiverem abaixo da linha
podem ser consideradas como pertencentes ao eco-design, que contribuem para a
sustentabilidade, mas no so suficientemente sustentveis.
Atingir esse patamar exigir mudanas de difcil previso, pois envolvem
vrios atores e variveis em um cenrio altamente complexo. De qualquer maneira,
a necessria mudana se prenuncia, pela emergncia dos limites ambientais e os
processos de globalizao econmica e cultural ligados difuso das tecnologias da
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
27
informao e da comunicao.33 A desmaterializao na escala adequada e a
aplicao da ecologia industrial para as bases materiais imprescindveis ao
funcionamento da economia parecem indicar o caminho para a reconfigurao da
nossa sociedade insustentvel. Os incrementos da informtica e das tecnologias da
comunicao possibilitam hoje organizaes industriais de alta complexidade, que
so necessrias para a constituio de biociclos e tecnociclos. Manzini e Vezzoli
acrescentam que polticas de incorporao dos custos ambientais na produo
industrial (e conseqentemente no preo final dos produtos) assim como o prprio
aumento desses custos, pela escassez dos recursos, provavelmente estimularo a
transio para a economia de servios. A presso cada vez maior por parte de
consumidores conscientizados, que exigem produtos aprovados pelos organismos
reguladores, tambm deve contribuir para a mudana de cenrio.
O prprio sistema capitalista atual de acumulao flexvel parece oferecer
condies para que as mudanas em direo a uma economia sustentvel se
concretizem: a nfase e crescimento do setor de servios; a terceirizao e
flexibilizao das foras de trabalho, que alm de fortalecerem o setor de servios,
oferecem oportunidades para organizaes produtivas de menor escala ou
artesanais, antes excludas do sistema fordista34; a produo orientada para a
demanda, que evita explorao em massa de recursos e pode evoluir para uma
educao do mercado, para uma demanda inteligente de acordo com os recursos
que podem ser explorados em um dado momento, respeitando-se o ritmo de
renovao natural; e a alta capacidade de adaptao s especificidades,
fundamental para um sistema produtivo sustentvel.
33 (MANZINI; VEZZOLI, 2002, p.43). 34 Esse fator tem especial importncia no que diz respeito ao manejo sustentvel comunitrio de madeira tropical, tratado na Parte II, Captulo 3: Manejo Florestal, Manejo Florestal Sustentvel e Bom Manejo Florestal.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
28
4. O Projeto do Ciclo de Vida (Life Cycle Design) Ferramenta para a Sustentabilidade
O projeto do ciclo de vida do produto (Life Cycle Design) tem como objetivo
reduzir a carga ambiental associada a todo o ciclo de vida do produto.35 uma das
metodologias mais utilizadas (e que tem mostrado melhor desempenho) para o
desenvolvimento de produtos sustentveis. Em muitos aspectos uma ferramenta
para a ecologia industrial e para a desmaterializao. Seguem as suas principais
estratgias:
4.1. Minimizao dos Recursos
a mais direta das formas de desmaterializao. Por meio do projeto, busca-
se reduzir a quantidade de material de um produto; a quantidade de refugos e
perdas durante a produo e uso; a quantidade de insumos e energia utilizada para
a produo, transporte e utilizao a quantidade de recursos utilizados durante o
desenvolvimento do produto.
Para diminuir a quantidade de materiais utilizados em um produto, pode-se
eliminar aqueles que no so absolutamente essenciais, principalmente no caso de
embalagens; pode-se trocar os materiais utilizados por outros com melhor
desempenho estrutural para a funo, a fim de diminuir espessuras; pode-se
substituir partes materiais por partes digitais, quando for possvel; pode-se diminuir o
tamanho dos produtos, quando a tecnologia permitir, e pode-se centralizar funes
em um nico produto. Pode-se citar o exemplo dos cartes de crdito, que
desmaterializam as transaes financeiras, dispensando o uso de moedas, notas e
cheques.
A quantidade de refugos e perdas no processo produtivo pode ser reduzida
por meio de tecnologias mais eficientes de produo, bem como estratgias de
reinsero dos refugos no ciclo de produo. O reaproveitamento de resduos de
madeira se insere nesse caso.
35 (MANZINI; VEZZOLI, 2002).
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
29
A reduo da quantidade de insumos e energia envolvida na produo
tambm pode ser obtida por meio de tecnologias mais eficientes, com sistemas de
administrao eficazes. Os sistemas de transporte e armazenagem tambm devem
ter a logstica otimizada para diminuir o consumo energtico, e devem possuir baixo
impacto ambiental. Produtos mais leves e desmontveis contribuem para economias
nessa fase. J no momento da utilizao, consomem menos energia e insumos:
produtos de uso coletivo; produtos com sistemas de regulagem para adequao a
cada intensidade de uso; produtos com sistemas de recuperao de energia e
materiais; produtos com sistemas de transformao de energia mais eficientes; entre
outros. Cabe ao designer escolher as alternativas de melhor custo-benefcio
energtico e ambiental.
No processo de desenvolvimento dos produtos, ou seja, na fase de projeto,
possvel diminuir os recursos utilizados, minimizando o uso de papel, embalagens,
cartuchos e toner; substituindo as plataformas materiais pelas digitais; diminuindo os
gastos com deslocamento fazendo uso dos instrumentos de comunicao; utilizando
sistemas eficientes de iluminao e aquecimento no local de trabalho. O uso de
maquetes virtuais em substituio s reais contribui nesse sentido.
4.2. Escolha de recursos e processos de baixo impacto ambiental
Devem-se observar na escolha de recursos e processos o ritmo de renovao
desses recursos, sua toxidade e a sua reabsoro pela natureza aps o seu
descarte final. Deve-se evitar utilizar recursos que esto para se exaurir; cuidar para
que o ritmo de explorao daqueles que so renovveis esteja de acordo com sua
capacidade de renovao; e apenas utilizar os que possuem ritmo de reabsoro
pelo meio ambiente adequado aos ciclos naturais. A madeira proveniente de manejo
florestal se encaixa aqui como exemplo.
As fontes de energia utilizadas tambm devem ser de baixo impacto.
Portanto, devem ter baixa emisso de substncias nocivas durante sua utilizao em
qualquer fase do ciclo de vida do produto; devem ser renovveis; e devem ser
provenientes de um sistema de alto rendimento, com perdas mnimas na
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
30
distribuio. Pode-se citar a exemplo um aparador de grama desenvolvido pelo
grupo Eletrolux, que utiliza energia solar ao invs da eltrica.
4.3. Otimizao da vida dos produtos
Otimizar a vida dos produtos uma maneira de diminuir a demanda por
matria prima e reduzir os impactos decorrentes das extraes e descartes (Figura
4). As diretrizes para otimizao e extenso da vida dos produtos so as seguintes:
projetar a durao adequada; projetar a segurana; facilitar a atualizao e
adaptabilidade; facilitar a manuteno; facilitar a reparao e a reutilizao; facilitar a
remodelao e intensificar a utilizao.
Projetar a durao adequada significa planejar a durao da vida do produto e
de seus componentes de acordo com a sua destinao. Em muitos casos significa
fabricar produtos com vida mais longa, a fim de evitar os impactos de produo de
substitutos, assim como os impactos de descarte. No caso dos computadores,
porm, que necessitam de constantes atualizaes devido s mudanas
tecnolgicas, faz-los durveis significa desperdcio. Estratgia melhor seria a
adaptabilidade do produto substituio de componentes, e a fabricao das partes
substituveis em material de menor durao e de fcil reciclagem.
Projetar a segurana dos produtos visa evitar os impactos provenientes da
sua reparao e do descarte precoce j que produtos no confiveis, mesmo se
durveis, so rapidamente descartados36. Minimizar o nmero de partes e
componentes, simplificar os produtos e evitar junes frgeis contribui para
aumentar a segurana e a confiabilidade.
Facilitar a atualizao dos produtos pode aumentar a sua vida til. Projetar
produtos cuja substituio de componentes seja prevista, assim como propor
produtos reconfigurveis e multifuncionais, minimiza impactos de produo e
descarte. Mveis infantis com partes mveis e removveis, que acompanhem o
crescimento da criana, so um exemplo.
36 Ibidem.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
31
Figura 4 Vantagens ambientais na extenso da vida dos produtos.
Fonte: MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentveis. So Paulo: EDUSP, 2002. p.183
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
32
A fcil manuteno dos produtos previne os custos com reparaes e
substituies. Fornecer instrues de manuteno claras, assim como simplificar os
procedimentos tambm muito til para preveno de danos aos produtos. Como
exemplo, podemos citar camisas vendidas juntamente com punhos e colarinhos para
substituio. O baixo custo de reparo tambm fundamental para o aumento da
vida til dos produtos. Projetar partes e componentes estandartizados, bem como
fornecer instrumentos para reparo e facilitar o conserto no prprio local de uso
contribuem para diminuir os custos.
Facilitar a reutilizao e a refabricao evita os custos com produo e
reciclagem. A reintroduo de refugos da produo industrial no processo produtivo
diminui a demanda por matria prima primria e o volume de resduos gerados. A
reintroduo na linha de montagem de peas ainda em condies de uso,
provenientes de produtos em final da vida til, tem impacto e custo muito pequenos
comparados aos que seriam gerados pelo descarte dessas peas, pela sua
reciclagem ou pela produo de uma pea nova. Projetar prevendo um segundo
uso, que acontece no caso de embalagens de vidro que so utilizadas como copos,
significa uma extenso da vida til do produto e tem a mesma vantagem. O projeto
de partes intercambiveis e modulares tambm.
Por fim a intensificao do uso consiste em projetar produtos multifuncionais,
que poupem o impacto de produo e descarte ao centralizar as funes de vrios
produtos em um s, e projetar produtos voltados ao uso compartilhado ou coletivo, o
que tambm diminui a quantidade de produtos necessrios para satisfazer o mesmo
nmero de pessoas. A empresa de aluguel de carros citada anteriormente um
exemplo.
4.4. Extenso da Vida dos Materiais
Possui benefcios semelhantes aos da otimizao da vida dos produtos, pois
ao estender a vida dos materiais, previne custos de extrao, economiza energia e
reduz o volume de descartes. Os seus procedimentos fundamentais so a
reciclagem, recondicionamento ou reuso e a incinerao para a recuperao de
energia.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
33
O reuso dos materiais, como j foi explicado anteriormente na otimizao da
vida dos produtos, a alternativa de menor impacto ambiental. O design pode ser
uma ferramenta fundamental para a revalorizao dessa matria prima.
No caso da reciclagem, devem ser computados todos os impactos com
transporte, separao e tratamento do material, existentes antes do processo de
reciclagem em si. Os materiais para reciclagem podem ser de dois tipos, pr-
consumo e ps-consumo. Os de pr-consumo normalmente esto livres de
impurezas e bem identificados. O mesmo no acontece com os de ps-consumo, e
principalmente nesse caso que o projeto de desenho industrial pode colaborar com a
reciclagem.
No que diz respeito incinerao, deve-se avaliar os impactos decorrentes de
possveis emisses e resduos txicos provenientes da queima. Impurezas, bem
como resinas e vernizes aplicados na etapa de acabamento por vezes emitem
substncias txicas durante a combusto e devem ser considerados.
Para facilitar a reciclagem e a incinerao, o projetista deve buscar: adotar a
reciclagem em efeito cascata37; escolher materiais com tecnologias de reciclagem
eficientes; facilitar a recolha e transporte aps o uso; identificar corretamente os
materiais; minimizar o nmero de materiais incompatveis38 entre si; facilitar a sua
separao, por meio da desmontagem; facilitar a limpeza; e facilitar a combusto.
Para a reciclagem em efeito cascata, deve-se prever a perda das
caractersticas do material a cada ciclo e destin-lo a usos adequados. O sistema
FARE da Fiat, recicla o polmero utilizado nos pra choques e o utiliza nos
canalizadores de ar, que possuem exigncias de qualidade inferior, e depois o
recicla uma segunda vez, reutilizando o material dos canalizadores nos tapetes do
carro.
Escolher materiais com tecnologias de reciclagem eficientes significa no
apenas escolher os que consomem menos energia no processo, ou que mantm
mais propriedades do material, mas tambm optar por aqueles que permitem a
elaborao de projetos que facilitem a reciclagem. Portanto, optar por materiais que
37 Reciclagem em efeito cascata: a maioria dos materiais sofre decrscimos nas suas propriedades a cada reciclagem. Deve-se levar esse fato em considerao e tirar melhor partido da aplicao desses materiais, em usos correspondentes qualidade obtida em cada ciclo de utilizao. (Vide Fig.5 -Reciclagem em efeito Cascata)
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
34
no necessitem de aditivos, que possam ser enrijecidos apenas por solues de
desenho, e que possam ser utilizados isoladamente (evitar compsitos).
Para facilitar a recolha e o transporte aps o uso, deve-se diminuir o peso dos
produtos, prever a compactao, projetar um sistema que facilite a recolha desses
materiais e informar adequadamente o usurio sobre como proceder no descarte.
Para facilitar a identificao dos materiais, fundamental no processo de
triagem para reciclagem, deve-se codificar corretamente os materiais no momento
da produo, de acordo com a simbologia existente e de preferncia em local bem
visvel; fornecer informaes sobre reciclagens anteriores e procedncia; indicar
presena de aditivos ou materiais txicos.
O nmero de materiais incompatveis entre si pode ser minimizado pela
integrao das funes de vrios materiais em um s; pela utilizao de sistemas de
unio no mesmo material das partes a serem unidas; pela escolha de materiais
compatveis entre si, que permitam reciclagem conjunta; pela utilizao de um nico
material em diferentes formas para diferentes usos. O prottipo de geladeira
desenvolvido pela GEP Plastic se encaixa nesse ltimo caso. As paredes da
geladeira so feitas integralmente em poliestireno, sendo que na parte externa o
material injetado e na parte interna, espumado. A parede pode ser reciclada sem
necessidade de separao das partes.
Para facilitar a limpeza e a combusto, os procedimentos so semelhantes
aos necessrios para diminuir o nmero de materiais incompatveis entre si. Deve-se
evitar aditivos e materiais que sejam de difcil separao do material a ser reciclado
ou incinerado, a fim de se evitar contaminaes na reciclagem ou produtos
indesejados na combusto.
Por fim, a fcil separao dos materiais fundamental para viabilizar o
processo de reciclagem, pois permite que se obtenha um produto de melhor
qualidade, e evita-se emisses txicas na combusto. Alm da correta identificao
dos materiais, bem como um sistema eficiente de coleta e triagem, o desenho para a
desmontagem uma das principais ferramentas de projeto para esse propsito.
38 H materiais que possuem afinidades e permitem reciclagem conjunta, e materiais que devem ser separados
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
35
Figura 5 Reciclagem em efeito Cascata
Fonte: MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentveis. So Paulo: EDUSP, 2002. p.223
antes da reciclagem. O termo materiais incompatveis refere-se a esse ltimo caso.
Parte I O Carter Sustentvel e a Contribuio para a Sociedade
36
4.5. Desenho para a Desmontagem (Design for Disassembly)
Facilitar a desmontagem significa tornar mais simples o processo de
manuteno, atualizao, reutilizao e reciclagem dos produtos. O desenho para a
desmontagem , portanto uma ferramenta a favor da extenso da vida dos produtos
(por meio da reparao, atualizao e reuso) e dos materiais (por meio da
reciclagem).
As principais diretrizes so: facilitar e minimizar os procedimentos de
desmontagem; utilizar sistemas de juno no permanentes e de fcil remoo; no
caso de junes permanentes, facilitar a sua extrao, ou utilizar materiais
compatveis com as partes unidas; projetar sistemas para a desmontagem; para o
caso de separao por triturao, prever a utilizao de materiais facilmente
separveis. A modulao das partes, bem como sua padronizao, contribuem para
facilitar a desmontagem. No caso de um sistema automtico, a linearidade das
operaes fundamental. Minimizar o nmero de junes, bem como utilizar um
nico tipo, aceleram o processo.
Em quase todas as estratgias para o projeto do ciclo de vida do produto, a
standartizao, a modulao e o desenho para desmontagem so instrumentos de
projeto muito teis. importante observar tambm que em todos os procedimentos
fundamental fazer consideraes e avaliaes sobre o impacto de forma global, a
fim de pesar se h compensao entre a reduo dos impactos referentes aos
produtos e aqueles gerados pelos prprios procedimentos de desmaterializao.
1
PARTE II A Madeira Brasileira
Parte II A Madeira Brasileira
38
Introduo
Por isso o que importa em relao ao mvel recuperar o afeto especial que o
homem brasileiro sempre teve pela madeira, redescobrir as origens, nos nomes das
essncias vegetais buscar os significados do mvel. S assim sairemos de nossas
razes, partiremos para o plano universal da forma moderna e, depois
reencontraremos na nossa prpria terra os principais elementos que compem o
passado do nosso gosto. Joo Batista Vilanova Artigas, apud (SANTOS, 2003).
A madeira foi a matria prima escolhida para o desenvolvimento do
Laboratrio. H razes de ordens tcnica, ambiental e cultural para essa escolha,
que se entrelaam numa rede de argumentos a favor da sustentabilidade e da
valorizao dos recursos nativos.
Dos pontos de vista tcnico e ambiental, a madeira possui caractersticas que
a tornam uma matria prima sustentvel. um recurso primrio altamente
renovvel, particularmente abundante e rico em diversidade em nosso pas, passvel
de explorao por manejo florestal. No exige nenhum processamento qumico de
transformao, e em muitos casos pode ser utilizada in natura, limitando-se a sua
fase de pr-produo praticamente silvicultura, colheita, secagem e corte das toras
em serrarias, o que, alm de poupar recursos e diminuir a produo de poluentes
durante seu ciclo produtivo, mantm o produto biodegradvel.
O consumo de energia para o beneficiamento da madeira muito inferior ao
de outros materiais amplamente utilizados em movelaria, como o ao e o plstico
(Tabela 3 e Grfico 1). O processamento da madeira na fase de produo de
mobilirio e objetos tambm no exige infra-estrutura muito complexa, o que o faz
mais adequado ao alcance do presente estudo.
Tabela 3 - Consumo de energia na produo de alguns materiais 1 tonelada de madeira consome 2,4x103 kcal de energia 1 tonelada de ao consome 3000x103 kcal de energia 1 tonelada de plstico consome 5795x103 kcal de energia (FONTE: LNEC, 1976; CALDERONI, 2003)
Parte II A Madeira Brasileira
39
Grfico 1 ndice de impacto para a produo de alguns materiais mais utilizados (Ecoindicator 95).
Fonte: MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentveis. So Paulo: EDUSP, 2002. p.149
Parte II A Madeira Brasileira
40
Dentre as razes de cunho ambiental, ainda se destaca o fato da cadeia
produtiva da madeira possuir um dos menores ndices de eficincia no
aproveitamento de matria-prima. Em casos extremos, apenas 20% do volume de
madeira extrado da floresta chega ao final da cadeia e ao consumidor final (IBQP-
PR, 2002)39. Isso se deve baixa tecnologia do setor, a erros cometidos durante o
processo, a defeitos na matria prima sob a tica da indstria, mas na maior parte,
s caractersticas intrnsecas ao material. A gerao de resduos pode ser reduzida
por meio de otimizaes de linha de produo e de projeto, porm, inevitvel, uma
vez que a madeira necessita, nos mtodos tradicionais de processamento, de
inmeros recortes para adquirir a forma final desejada. Assim, mtodos de
aproveitamento desses resduos, nos quais o design pode ter um papel primordial,
so de grande importncia econmica e ambiental.
A cadeia produtiva da madeira est inclusive diretamente relacionada com o
desmatamento, que o maior responsvel pela emisso nacional de gases de efeito
estufa na atmosfera. Levando-se em conta o contexto atual de aquecimento global
acelerado, estimular o manejo florestal sustentvel por meio da exigncia da
certificao da madeira, e empregar outras formas de aproveitamento dos resduos
que no a combusto energtica, que a usualmente empregada, so iniciativas
vlidas.
No mbito cultural, a madeira brasileira, abundante e de excelente qualidade,
sempre teve estreita relao com o mobilirio brasileiro. J os indgenas a utilizavam
para construir jiraus (espcie de cama indgena), macas de repouso e bancos
zoomrficos, entre outros. Os colonizadores portugueses trouxeram desenhos e
tcnicas produtivas prprias, como o alfarje, tcnica de embutidos e encaixes, de
origem rabe, caracterizada pela ausncia de pregos e colas na estrutura. Do sculo
XVI at o XVIII, predominava o estilo de mobilirio portugus, porm executado com
nossas espcies de madeiras nativas. A partir do sculo XIX, os mveis de estilo D.
Joo V, D. Jos I e D. Maria I passaram a conviver com outros de desenho mais
simples e liso, que utilizavam a palhinha ao invs do estofamento. No sculo XX,
foram diversos os designers que buscaram uma identidade brasileira no mbito do
design de mveis. A madeira foi eleita a matria prima brasileira por excelncia, por
39 Apud (CASSILHA, Curitiba).
Parte II A Madeira Brasileira
41
nomes como Joaquim Tenreiro, Srgio Rodrigues, Cludia Moreira Salles, Maurcio
Azeredo, Carlos Motta, entre outros.
Segundo Gloria Bayeux, no universo do mobilirio est registrada a histria
do cotidiano do homem: a sua maneira de viver, a sua relao com o habitar, seus
usos e costumes, suas condies sociais e econmicas, seus conhecimentos
tcnicos e seus valores artsticos.40 No caso do mobilirio brasileiro, a madeira
nativa personagem de grande destaque, com suas cores, desenhos e
propriedades nicas. Faz parte assim da memria afetiva dos brasileiros, o que pode
contribuir para a valorizao dessa matria prima e para a preservao e manejo
sustentvel de nossas reservas.
40 (BAYEUX, 1997).
Parte II A Madeira Brasileira
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1. Diversidade e Ocorrncia
A madeira nativa foi escolhida para esse estudo de caso pela sua diversidade,
pelas suas caractersticas intrnsecas e por possuir menor impacto ambiental em
rela