Vinícius Abilhoa, Biólogo, CRBio 9978-07D
Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno
Diagnóstico
da Ictiofauna
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 1
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................ 2
INTRODUÇÃO .................................................................................... 3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Levantamento de dados secundários .................................................. 6
Levantamento de dados primários ...................................................... 7
DIAGNÓSTICO
Caracterização regional da ictiofauna ................................................. 9
A ictiofauna do Parque Municipal São Luis de Tolosa e entorno ............ 9
Espécies raras e ameaçadas ............................................................... 14
Espécies endêmicas ........................................................................... 15
Relação espécies / habitat .................................................................. 16
CONCLUSÕES .................................................................................... 19
RECOMENDAÇÕES ............................................................................. 21
BIBLIOGRAFIA ................................................................................. 24
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 2
APRESENTAÇÃO
Este documento apresenta o diagnóstico da ictiofauna do Parque Ecoturístico
Municipal São Luis de Tolosa, localizado em Rio Negro, Paraná.
A caracterização da ictiofauna foi desenvolvida utilizando-se técnicas
convencionais de coleta e estudo de peixes, sendo que para isso foram realizadas
coletas na área da unidade de conservação e no seu entorno, e também foram
levantadas informações disponíveis em bibliografia.
Os objetivos deste trabalho foram investigar a composição da ictiofauna da
unidade, levantar dados referentes à riqueza, distribuição e conservação das
espécies registradas e apontar recomendações para o Plano de Manejo do parque
municipal.
As coletas foram realizadas com autorização para captura e transporte de
peixes expedida pelo IBAMA, autorização 10320.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 3
INTRODUÇÃO
A bacia hidrográfica do Rio Iguaçu estende-se por 72 mil km2 na região
sudeste da América do Sul, abrangendo áreas do sul do Brasil e nordeste da
Argentina. A maior parte da bacia está em território paranaense (57 mil km2)
(MAACK, 1981). Em todo o seu percurso, o Rio Iguaçu percorre cerca de 1.300 km
até sua foz no Rio Paraná, no município de Foz do Iguaçu, atravessando regiões
fitofisionômicas distintas. Nasce na vertente oeste da Serra do Mar, região
predominantemente de Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica), e flui para o
oeste, cortando os terrenos dos três planaltos paranaenses, onde atravessa regiões
de Floresta Ombrófila Mista (“Mata de Araucária”) e Floresta Estacional
Semidecidual (“Mata do Interior”).
Quando comparada com outros tributários do Rio Paraná, a ictiofauna do Rio
Iguaçu é caracterizada por um pequeno número de espécies, pelo seu elevado grau
de endemismo e também pela ausência de inúmeras famílias de peixes muito
comuns na bacia do Paraná (JÚLIO JUNIOR. et al., 1997). A ictiofauna desta bacia
hidrográfica é composta por pelo menos 90 espécies de pequeno (<20cm), médio
(entre 20 e 40cm) e grande porte (>40cm), entretanto, este número deve ser
considerado subestimado, em função do número insuficiente de levantamentos e da
falta de conhecimento da composição taxonômica de alguns táxons representados.
A participação das diferentes ordens reflete a situação descrita para os rios
neotropicais, sendo que mais de 90% dos peixes pertencem às ordens
Characiformes e Siluriformes.
A distribuição longitudinal da ictiofauna ao longo do curso do Rio Iguaçu não
é uniforme, sendo que algumas espécies são encontradas apenas em regiões de
maior altitude, próximas às cabeceiras desse sistema (ABILHOA, 2004), enquanto
outras são exclusivas das regiões do curso médio e baixo. Esta divisão segue, em
linhas gerais, três subunidades naturais: Primeiro Planalto ou Planalto de Curitiba,
Segundo Planalto ou Planalto de Ponta Grossa e Terceiro Planalto paranaense
(Tabela 1, Figura 1). A divisão destas paisagens está baseada no substrato
geológico, nos divisores de água e na posição das escarpas, as quais delimitam as
bordas dos planaltos. A substituição de espécies e a variação no grau de
dominância entre estas unidades podem ser notadas ao longo da bacia.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 4
Tabela 1. Subdivisões adotadas para a definição das unidades biográficas naturais para o
grupo de peixes na bacia hidrográfica do Rio Iguaçu.
Subunidades Características fisiográficas
Alto Iguaçu
Esta subunidade compreende o trecho entre suas nascentes, na
vertente ocidental da Serra do Mar, até a divisa entre o Primeiro e o
Segundo Planalto paranaense. O Alto Iguaçu corresponde
basicamente à área de drenagem da bacia na Região Metropolitana
de Curitiba.
Médio Iguaçu
Esta subunidade está localizada entre as escarpas devoniana, que
limita o Primeiro Planalto Paranaense, e a escarpa mesozóica, que
faz a divisa entre o Segundo e Terceiro Planaltos. Esta região
também inclui a bacia hidrográfica do Rio Negro.
Baixo Iguaçu
Esta subunidade está localizada entre a escarpa mesozóica, que faz
a divisa entre o Segundo e Terceiro Planaltos, e as cataratas do
Iguaçu, já próximo da sua foz no Rio Paraná.
Fonte: Dados baseados no relatório final do projeto “Caracterização Ecológica e
Biogeográfica da Bacia do Rio Iguaçu”, Processo CNPq 563889/2005-5, Edital
MCT/CNPq/CT-HIDRO nº 037/2005.
A subunidade denominada de Médio Iguaçu está localizada entre as escarpas
devoniana, que limita o Primeiro Planalto Paranaense, e a escarpa mesozóica, que
faz a divisa entre o Segundo e Terceiro Planaltos (Figura 1). Esta região também
inclui a bacia hidrográfica do Rio Negro, seu principal afluente. Apesar de possuir as
cabeceiras igualmente próximas a Serra do Mar (como a nascente do Rio Iguaçu,
na Região Metropolitana de Curitiba), o Rio Negro se junta ao Iguaçu na
proximidade do Município de São Mateus do Sul, dentro desta subunidade.
O Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa compreende uma área
aproximada de 54 ha que apresenta um importante remanescente da floresta com
araucária. A unidade limita-se com o Rio Passa Três, e tem o rio Negro no seu
entorno direto, logo após a estrada de acesso. O Rio Passa Três se insere na bacia
hidrográfica do Rio Negro dentro da subunidade biogeográfica Médio Iguaçu
(Figura 2).
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 5
Figura 1. Subdivisões adotadas para a definição das unidades biográficas naturais para o
grupo de peixes na bacia hidrográfica do Rio Iguaçu. A seção esquemática dos planaltos
paranaenses e estrutura geológica do relevo foi modificada de
www.uepg.br/dicion/verbetes/n-z/segundo-planalto.htm (PAR - Paranaguá, CTB – Curitiba,
PGR – Ponta Grossa, GUA – Guarapuava, S.M. – Serra do Mar, P.C. – Planície Costeira).
Figura 2. Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e
sua rede hidrográfica: (a) lagoa e (b) riacho próximo ao
Centro Ambiental Casa Branca, afluente do rio Rio Passa Três,
(c) Rio Passa Três e (d) Rio Negro.
Baixo
Iguaçu Médio
Iguaçu
Alto
Iguaçu
a b
d c
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Levantamento de dados secundários
A caracterização da ictiofauna foi desenvolvida utilizando-se técnicas
convencionais, onde além dos estudos realizados in loco foram levantadas
informações secundárias disponíveis em bancos de dados, bibliografias, entidades
ambientais públicas e privadas.
As seguintes bases de dados foram utilizadas para o levantamento e a
sistematização dos dados secundários da fauna de peixes da região:
Base de dados do Sistema de Bibliotecas da UFPR.
Base de dados do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (www.usp.br/sibi).
Base de dados do Portal de Serviços e Conteúdo Digital da CRUESP-Unibibliweb - USP, UNESP e UNICAMP (bibliotecas-cruesp.usp.br/unibibliweb/cruesp_ebooks.html).
Portal da informação – UFSCar. (www.ufscar.br).
Base de dados Scielo – Fapesp (www.scielo.org).
Sistema de Informação do Programa Biota – Fapesp (www.biota.org.br).
Sistema de Informação do Projeto Taxonline (www.taxonline.ufpr.br).
Fishbase (www.fishbase.org).
Neodat (www.neodat.org).
Além destas informações, coleções científicas de diversas instituições que
apresentam material coligido na bacia hidrográfica em estudo foram consultadas:
Paraná: MHNCI - Museu de História Natural Capão da Imbuia (Prefeitura Municipal de Curitiba), NUP – NUPÉLIA / Núcleo de Pesquisas em Limnologia,
Ictiologia e Aqüicultura (Universidade Estadual de Maringá), Instituto Ambiental do Paraná (Secretaria Estadual do Meio Ambiente, PUCPR -
Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Rio de Janeiro: MNRJ - Museu Nacional do Rio de Janeiro da UFRJ (via on-line NEODAT).
São Paulo: MZUSP - Museu de Zoologia da USP (via on-line NEODAT).
Rio Grande do Sul: MCP – Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS (via on-
line NEODAT).
Também foram consultadas publicações acadêmicas em Universidades
Públicas e Privadas nos Estados do Paraná e Santa Catarina (UFPR, UNIOESTE,
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UNICENTRO, UFSC), além de trabalhos técnicos de órgãos estaduais nos dois
estados, como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos -
SEMA, Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento
Ambiental – SUDERHSA, Instituto Ambiental do Paraná – IAP e Instituto
Tecnológico SIMEPAR, no Paraná, e Fundação de Amparo a Tecnologia e ao Meio
Ambiente – FATMA, em Santa Catarina.
A nomenclatura científica utilizada segue os catálogos e referências
tradicionais dos grupos aquáticos (BUCKUP et al., 2007; LANGEANI et al., 2007).
Levantamento de dados primários
Como as informações disponíveis sobre a ictiofauna da área de estudo
apresentam abrangência espacial e temporal satisfatórias para caracterização dos
grupos, as amostragens realizadas para a elaboração do diagnóstico do Parque
Municipal foram realizadas de forma completar, de acordo com o sugerido pela
metodologia da AER – Avaliação Ecológica Rápida (SAYRE et al., 2003). Outrossim,
o presente inventário não teve a pretensão de discutir de forma definitiva a
dinâmica da ictiofauna da Unidade de Conservação, mas sim embasar o diagnóstico
e fomentar os estudos futuros dessa área
Tendo isso como base, a localização das áreas de amostragem e o método de
levantamento dos dados para esta Unidade de Conservação foram determinados de
forma que um plano factível e integrado de amostragem pudesse ser realizado,
com os objetivos de caracterizar a ictiofauna da unidade e de seu entorno e
fornecer subsídios para o zoneamento e manejo da Unidade.
Para o estudo dos peixes, com o objetivo de registrar o maior número de
espécies possível e compreender o funcionamento do sistema biológico de água
doce da região, assim como avaliar as pressões que os ecossistemas poderão estar
sofrendo, foram amostrados diversos ambientes através dos seguintes métodos
tradicionais de coleta:
Tarrafas – foram realizados diversos arremessos com tarrafas de dois
tamanhos (0,5cm e 1,5cm), de 10 e 20m de circunferência.
Redes de espera – foram utilizadas redes de espera de 20 metros de comprimento e malhas entre 1,5 e 10cm.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 8
Arrasto – método utilizado para captura de peixes de pequeno e médio porte através de uma rede de cinco metros de comprimento com
malha de 0,5cm.
Puçás – método utilizado para a captura de peixes pelágicos, principalmente de pequeno porte. Também eficiente em áreas de
vegetação alagada e pequenos corpos d’água.
Peneiras – método utilizado para a captura de peixes encontrados em
locais de corredeiras de pequeno e médio porte. Foi útil na captura de espécies criptobióticas.
Eletropesca – foi utilizado um gerador Honda de quatro tempos e
120V, com dois puçás condutores. Foi eficiente para a coleta de diferentes tipos de peixes, em especial aqueles considerados
criptobióticos e de difícil captura pelos demais métodos.
Todos os exemplares coletados foram imediatamente fixados em formalina a
10% (= formol a 4%), colocados em sacos plásticos devidamente etiquetados por
base e estocados em galões (Figura 3). Posteriormente, os exemplares foram
transferidos para uma solução de álcool a 70%. Em laboratório foi realizada a
identificação ao menor nível taxonômico possível, inclusive por consultas on-line
nos bancos de dados do FishBase (www.fishbase.org) e dos Projetos PRONEX e
Neodat II (www.neodat.org).
Figura 3. Procedimentos de coleta, triagem e identificação
preliminar de peixes capturados no entorno do Parque
Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 9
DIAGNÓSTICO
Caracterização regional da ictiofauna
A bacia do Rio Iguaçu é caracterizada pelo seu elevado grau de endemismo e
por ser possuidora de um pequeno número de espécies de peixes quando
comparada com outros rios da bacia do Rio Paraná (JÚLIO JÚNIOR et al., 1997).
Atualmente são conhecidas 90 espécies de Teleostei para a bacia do Iguaçu (sensu
EIGENMANN, 1911; ELLIS, 1911; HASEMAN, 1911a e b; HASEMAN & EIGENMANN,
1911; PINNA, 1992a, b; SEVERI & CORDEIRO, 1994; GARAVELLO et al., 1997;
REIS, 1997; LUCINDA & GARAVELLO, 2001; AZPELICUETA et al., 2002; ALMIRÓN
et al., 2002; AZPELICUETA et al., 2003; VITULE & ABILHOA, 2003; CASCIOTTA et
al., 2004; WOSIACKI & GARAVELLO, 2004; INGENITO et al., 2005; HALUCH &
ABILHOA, 2005; ABILHOA & DUBOC, 2007, WOSIACKI & PINNA, 2008, ALCAREZ et
al., 2009, PAVANELLI & BIFI, 2009, BIFI et al. 2009, PAVANELLI & OLIVEIRA,
2009), incluindo algumas espécies exóticas (ABILHOA & BOSCARDIN, 2004).
O levantamento realizado na área de drenagem da bacia do rio Negro
totalizou 47 espécies de peixes. Entre estas espécies, cinco (10%) podem ser
consideradas exclusivas, não ocorrendo em outros trechos do Rio Iguaçu e riachos
da bacia do rio Paraná. Uma grande proporção de espécies é compartilhada com os
trechos médio e baixo da bacia do rio Iguaçu. (Tabela 2).
Tabela 2. Famílias e número de espécies registradas para a bacia do Rio Negro,
organizadas de acordo com seus respectivos taxa.
Ordens Famílias (número de espécies registradas)
Characiformes Characidae (12), Curimatidae (1), Crenuchidae (3),
Erythrinidae (1)
Siluriformes Loricariidae (10), Trichomycteridae (6), Heptapteridae (4),
Callichthyidae (3)
Cyprinodontiformes Poeciliidae (2)
Perciformes Cichlidae (3)
Gymnotiformes Gymnotidae (1)
Synbranchiformes Synbranchidae (1)
A ictiofauna do Parque Municipal São Luis de Tolosa e entorno
De acordo com os dados primários e secundários levantados, 34 espécies de
peixes podem ocorrer na área da unidade de conservação e entorno, as quais estão
distribuídas em 25 gêneros e 12 famílias. A ictiofauna nativa é dominada
principalmente por Siluriformes, com 50% das espécies registradas, seguida de
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 10
Characiformes, com 35% (Tabela 3). A participação das diferentes ordens reflete a
situação descrita para os rios neotropicais (LOWE-McCONNELL, 1987), sendo que a
maioria dos peixes pertence às ordens Characiformes e Siluriformes.
Tabela 3. Famílias e espécies registradas para o Parque Municipal São Luis de Tolosa e
entorno (bacia do Rio Negro), organizadas de acordo com seus respectivos taxa.
Taxa Nome vulgar
Characiformes
Curimatidae Cyphocharax sp. Sagüiru
Crenuchidae Characidium zebra Canivete
Characidae
Astyanax altiparanae Lambari-relógio
Astyanax sp. B Lambari-rabo-vermelho
Astyanax sp. C Lambari-rabo-amarelo
Astyanax sp. D Lambari
Astyanax sp. E Lambari
Bryconamericus sp. Piaba
Hyphessobrycon reticulatus Piaba
Mimagoniates microlepis Piaba-azul
Oligosarcus longirostris Saicanga
Erythrinidae Hoplias aff. malabaricus Traíra
Siluriformes
Trichomycteridae
Trichomycterus castroi Candiru
Trichomycterus davisi Candiru
Trichomycterus naipi Candiru
Trichomycterus plumbeus Candiru
Callichthyidae
Callichthys callichthys Tamboatá
Corydoras paleatus Coridoras
Corydoras ehrhardti Coridoras
Loricariidae
Ancistrus sp. Cascudo-roseta
Hisonotus sp. Cascudinho
Hypostomus derbyi Cascudo
Pareiorhaphis parmula Cascudo
Rineloricaria maacki Cascudo-viola
Rineloricaria sp. Cascudo
Heptapteridae
Heptapterus stewarti Bagre
Pimelodella sp. Mandi
Rhamdia quelen Jundiá
Rhamdiopsis moreirai Bagrinho
Gymnotiformes Gymnotidae Gymnotus aff. carapo Tuvira
Cyprinodontiformes Poeciliidae Phalloceros harpagos Barrigudinho
Perciformes Cichlidae Cichlasoma cf. paranaense Acará
Geophagus brasiliensis Acará
Synbranchiformes Synbranchidae Synbranchus marmoratus Muçum
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 11
De um modo geral, a ictiofauna local apresenta o padrão generalizado da
ictiofauna da bacia do Rio Iguaçu, com relativamente poucas espécies e um elevado
grau de endemismo. Caracteriza-se também pela ausência das famílias de peixes
migradores mais comuns na bacia do Rio Paraná, muito embora o Rio Iguaçu seja
tributário desde a formação histórica desta última bacia (GARAVELLO et al., 1997).
O isolamento causado pelas cataratas do Iguaçu, associado a fenômenos climáticos,
podem ter levado a uma compartimentalização geológica da bacia do Rio Iguaçu,
sendo este fenômeno o principal evento responsável pela atual situação da
ictiofauna desta bacia (SAMPAIO, 1988).
Este representativo número de espécies observado e a predominância
daquelas que apresentam uma ampla distribuição nesta subunidade pode indicar
que não existem preferências por um ou outro ambiente. Entretanto, os inúmeros
ambientes aquáticos registrados na região (calha principal do Rio Negro, riachos de
pequeno e médio porte e lagoas) sugerem diferentes ictiocenoses, as quais
correspondem a ecossistemas aquáticos com padrões ambientais relativamente
homogêneos.
Lagoas, lagos e pequenos reservatórios
Estes ambientes aquáticos são formados pelo represamento da drenagem
local. Apresentam dinâmica temporal influenciada pelos níveis pluviométricos, com
provável alteração acentuada no gradiente térmico durante os períodos de dia
(insolação) e noite (baixa temperatura). Estas lagoas foram registradas próximas
ao Centro Ambiental Casa Branca (Figura 2a).
Estes represamentos podem apresentar uma elevada flutuação dos fatores
limnológicos e da composição e estrutura de suas comunidades, e esta
complexidade depende das características topográficas e fisionômicas de cada área
considerada. A oscilação do nível do rio, por exemplo, pode influenciar essas áreas
alagadas de diferentes maneiras, dependendo da conexão entre estes dois
ambientes. Esta conexão pode ser temporária ou permanente, conforme a
morfologia do lago, a sua posição e o seu tamanho. Assim, enquanto pequenos
lagos podem secar completamente, algumas áreas alagadas podem atuar em certas
épocas do ano como canais naturais, contendo água corrente ou parada.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 12
De maneira geral, estes ambientes apresentam uma fauna aquática bastante
peculiar, isolada do rio, sendo que a riqueza e a diversidade de cada comunidade
esta relacionada basicamente a dois fatores:
tempo de existência do ambiente, que determina alterações na estrutura das
comunidades em função da intensidade e duração dos fenômenos envolvidos
(sucessão).
influência de outros corpos d’água na colonização desses novos ambientes
Espécies de peixes de pequeno porte, sedentárias, com alto potencial
reprodutivo, baixa longevidade e ampla tolerância ambiental caracterizam-se
normalmente com oportunistas, e exibem maior facilidade na invasão de novos
ambientes. Essas características demonstram-se apropriadas à espécie registrada
neste tipo de ambiente (Phalloceros harpagos).
Riachos
Os riachos localizados no entorno e na unidade de conservação (Figura 2b)
apresentam aspecto sinuoso, com pouca profundidade e uma correnteza moderada.
O substrato é formado principalmente por areia, pedras e seixos de diferentes
tamanhos, matacões e uma grande variedade de resíduos vegetais.
A ictiofauna deste tipo de ambiente aquático possui um forte componente de
espécies torrentícolas, ou seja, aquelas adaptadas à vida em riachos e cabeceiras
de cursos de água. Além de apresentar uma comunidade peculiar, este tipo de
ambiente aquático (riachos) abriga normalmente espécies de pequeno porte, com
limitado potencial de dispersão (WEITZMAN & VARI, 1988), que apresentam
interações ecológicas complexas, sendo o endemismo uma característica
importante (KNÖPPEL, 1970, SABINO & ZUANON, 1998). Outra característica
importante desta ictiofauna é a sua dependência, direta ou indireta, de recursos
importando da vegetação marginal. Esta vegetação marginal pode proporcionar
uma ampla gama de microambientes, pois além de evitar a erosão dos solos, a
queda de galhos e troncos dentro de um riacho pode provocar inúmeros pequenos
represamentos, e estes ambientes criam condições favoráveis para abrigar
diferentes grupos, como algumas espécies reofílicas (torrentícolas) (como os
lambaris Astyanax spp. e Bryconamericus spp.), bentônicas (como os candirus
Trichomycterus spp.) e de ambientes lênticos (como os ciclídeos). No caso da
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unidade de conservação, estas espécies foram registradas apenas no trecho final do
riacho, já próximo ao Rio Passa Três.
Nestes ambientes, a mata ciliar é também responsável pelo fornecimento de
uma variedade de alimentos de origem vegetal e de animais terrestres que caem
na água. O espectro alimentar apresentado pelas espécies citadas acima mostra
uma dependência direta ou indireta da matéria orgânica importada da vegetação
ciliar na alimentação, e isto pode ser claramente detectado na bibliografia, em
função do registro de itens alimentares autóctones (larvas de insetos,
microcrustáceos, insetos aquáticos e algas) e alóctones (invertebrados e plantas
terrestres).
Rio Negro e tributários
Na subunidade biogeográfica Baixo Iguaçu, o Rio Iguaçu e seus tributários de
maior porte apresentam um aspecto rejuvenescido, com inúmeras ilhas e
corredeiras. Nesta região, sua bacia drena áreas com inúmeros centros urbanos e
extensas áreas agrícolas.
Esta região possui comunidades de peixes com muitas espécies e com inter-
relações complexas entre seus membros, como conseqüência de uma grande
heterogeneidade ambiental. No caso do Rio Passa Três (Figura 2c), este apresenta
uma grande variabilidade longitudinal, sendo os trechos inferiores profundamente
influenciados pelo Rio Negro (Figura 2d).
Além da variação longitudinal ao longo das calhas dos rios, WARD &
STENFORD (1989) propõe outros tipos de variação, como a vertical (coluna
d’água), lateral (água-terra) e temporal (cheia-seca). Desta forma, diferentes tipos
de habitats podem existir dentro das bacias hidrográficas, os quais possuem
distintas composições e funcionamentos das comunidades de peixes.
A ocorrência destes distintos ambientes propicia a manutenção de um
considerável número de espécies, as quais apresentam variações na sua
abundância e na fase de desenvolvimento de acordo com o ambiente considerado.
Segundo AGOSTINHO et al. (1995), este fato pode estar relacionado (i) às maiores
faixas de tolerância as condições físicas, químicas e biológicas; (ii) a diferentes
exigências e tolerâncias durante o ciclo de vida; e (iii) a um comportamento
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 14
nômade ou errante da espécie, permanecendo em cada ambiente enquanto as
condições limnológicas estão próximas ao seu ótimo ecológico.
A ictiofauna deste trecho da bacia hidrográfica é composta por espécies de
pequeno (<20cm) e médio (entre 20 e 40cm), e a participação das diferentes
ordens reflete a situação descrita para os rios neotropicais, sendo a maior parte dos
peixes pertencentes às ordens Characiformes e Siluriformes. Algumas espécies
registradas no leito do Rio Negro e no Rio Passa Três encontram provavelmente
ambientes propícios à reprodução, conforme já constatado para o Rio Iguaçu na
área de influência da UHE de Segredo (SUZUKI & AGOSTINHO, 1997).
Algumas espécies introduzidas também parecem ocorrer na bacia do Rio
Negro (Cyprinus carpio e Tilapia rendalli) de acordo com algumas entrevistas
realizadas, mas como nenhum exemplar foi capturado elas não foram consideradas
nas análises. Espécies introduzidas são aquelas provenientes de outras bacias
hidrográficas neotropicais ou até mesmo outros continentes, que foram introduzidas
na região por meio de escapes de cultivos ou solturas intencionais.
Espécies raras e ameaçadas
Devido à falta de conhecimento básico sobre a distribuição dos peixes
neotropicais, as espécies raras ou ameaçadas dificilmente são consideradas na
elaboração de listas oficiais. Raras exceções são observadas na legislação do Estado
de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do sul, na relação
de peixes ameaçados do Brasil (ROSA & MENEZES, 1996), nas publicações avulsas
de sobre os padrões de Biodiversidade da Mata Atlântica do Sudeste e Sul do Brasil
(MENEZES et al., 1996) e sobre as ações prioritárias para conservação de
elasmobrânquios (LESSA et al., 2000).
Apesar da escassez de informações, na recente lista nacional (Instrução
Normativa no. 5, 21/05/2004 e MACHADO et al., 2008), no livro vermelho da fauna
ameaçada no Paraná (ABILHOA & DUBOC, 2004) e no plano de conservação para
espécies da ictiofauna ameaçada do Rio Iguaçu (VITULE & ABILHOA, 2009), duas
espécies da bacia do Rio Iguaçu que ocorrem na região foram enquadradas em
categorias de ameaça da IUCN, em função da constatação do declínio de suas
populações, da destruição de seus hábitats, do isolamento das populações
sobreviventes e de áreas de distribuição reduzidas:
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1. Rhamdiopsis moreirai, um bagre de pequeno porte da família
Heptapteridae que parece ocorrer apenas no trecho Médio e Alto da
bacia do Rio Iguaçu. A espécie foi capturada em pequenos riachos no
entorno da unidade de conservação, fora da zona urbana de Rio Negro.
2. Trichomycterus castroi, um candiru da família Trichomycteridae que se
distribui por toda a bacia do Rio Iguaçu. A espécie prefere ambientes
de pequena profundidade e correnteza forte, o que está relacionado ao
seu hábito criptobiótico e a sua alimentação (ABILHOA et al., 2008).
Esta espécie foi registrada no rio Passa Três, limite da Unidade de
Conservação (Figura 4).
Figura 4. Trichomycterus castroi,
candiru, registrado no Rio Passa Três,
bacia do Rio Negro.
Espécies endêmicas
A ictiofauna registrada pode ser dividida basicamente em duas categorias de
espécies, em função da sua distribuição original: (i) espécies autóctones, ou seja,
aquelas endêmicas da bacia do Rio Iguaçu, (ii) espécies alóctones, que são aquelas
de ocorrência natural em outras bacias hidrográficas, além da bacia do Rio Iguaçu.
Cerca de 50% das espécies registradas são exclusivas dessa bacia
hidrográfica (Rio Iguaçu), e essa participação demonstra a importância dos
processos regionais na determinação da composição e estrutura das ictiocenoses.
Entre as 90 espécies de peixes já citadas para estudos realizados no Rio Iguaçu,
algumas são exclusivas para o trecho médio da bacia, como Cyphocharax sp.,
Ancistrus sp., Pareiorhaphis parmula, Rineloricaria maacki e Pimelodella sp.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 16
Relação espécies / habitat
Informações relativas à distribuição, hábitos e habitat das famílias de peixes
registradas na unidade de conservação e entorno foram disponibilizadas na Tabela
4.
De forma geral, a ictiofauna registrada para o trecho estudado do Rio Negro,
em sua maioria, apresentou espécies que podem ser enquadradas em duas
categorias segundo LOWE-McCONNEL (1975): espécies reofílicas e espécies de
ambientes lênticos. As espécies reofílicas são aquelas com preferência por
ambientes de água corrente, que aparentemente apresentam menores condições
para permanecer em uma área represada. As espécies adaptadas a ambientes
lênticos são aquelas que ocorrem em áreas profundas, remansos e regiões
alagadas de corpos d’água.
Tabela 4. Informações relativas à distribuição, hábitos e habitat das famílias de peixes
registradas para o Parque Municipal São Luis de Tolosa e entorno (bacia do Rio Negro).
Famílias Relação com o habitat
Crenuchidae
São peixes de pequeno porte, que ocorrem em rios, lagoas,
riachos e canais, onde se alimentam de larvas de insetos
aquáticos. Apresentam modificações nas nadadeiras pélvicas e
peitorais (tamanho e formato) que permitem que algumas
espécies ocorram em locais de grande vazão, inclusive
transpondo barreiras (quedas d’água).
Characidae
Peixes de forma muito variada, quase sempre comprimidos ou
lateralmente achatados. Dulcícolas, de hábitos alimentares
diversificados (herbívoros, omnívoros e carnívoros), exploraram
uma grande variedade de habitats. Os lambaris (Astyanax) são
comuns na área de estudo. Algumas espécies realizam
pequenas migrações, e podem se reproduzir durante boa parte
do ano.
Curimatidae
Os saguirus são peixes de pequeno porte, que apresentam
modificações na boca, arcos branquiais e trato digestório para
um melhor aproveitamento dos detritos, sedimentos e algas que
fazem parte de sua dieta. Algumas espécies realizam pequenas
migrações. Habitam lagoas, rios e canais.
Erythrinidae
As traíras são peixes carnívoros, predadores, que apresentam
ampla distribuição. Habitam ambientes lênticos, rios de pequeno
e grande porte. Os indivíduos jovens são predominantemente
insetívoros, enquanto que os adultos são ictiófagos. Os locais de
desova são as lagoas marginais e as calhas dos rios.
Trichomycteridae
Peixes de pequeno porte. Possuem espinhos na região
opercular, sendo que algumas espécies se introduzem nas
guelras dos peixes maiores para sugar-lhes o sangue.
Alimentam-se de invertebrados aquáticos, e informações sobre
a reprodução são escassas. A boca é subterminal, com ou sem
barbilhões. São comuns nas cabeceiras dos rios.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 17
Tabela 4. Continuação...
Callichthyidae
Peixes de pequeno e médio porte. Possuem o corpo coberto com
duas séries de placas. Apresentam órgãos acessórios para a
respiração (região posterior do trato digestório). Alimentam-se
de pequenos peixes, invertebrados e vegetais. As espécies
podem ser encontradas em riachos, lagoas e canais.
Loricariidae
Os cascudos desta família constituem um dos grupos mais
diversificados de peixes Siluriformes. Possuem uma ampla
distribuição em toda região Neotropical. Possuem o corpo
recoberto por placas ósseas em várias séries, os lábios
alargados em forma de ventosa e as maxilas providas de
dentículos adaptados para raspar alimentos do substrato.
Heptapteridae
Esta família de bagres compreende animais carnívoros e
bentônicos, que podem ser encontrados em corredeiras e poços
profundos de rios. Estes bagres de pequeno e médio porte
apresentam barbilhões. A espécie Rhamdia quelen pode realizar
pequenas migrações, e sua reprodução acontece durante o
verão.
Cichlidae
Espécies comuns em rios e canais. Desovam durante boa parte
do ano, sendo que os ovos são depositados em pequenos
círculos construídos com a boca. Apresenta cuidado parental.
Preferem águas de fundo lodoso, movimentando-se
preferencialmente à noite. São bentófagos, alimentando-se
basicamente do lodo depositado no fundo.
Poeciliidae
As espécies desta família apresentam adaptações pouco usuais
dentre os teleósteos, sendo a viviparidade a principal delas, o
que envolve modificações morfológicas e fisiológicas em machos
e fêmeas, entretanto, nem todas as espécies são vivíparas.
Alimentam-se de larvas de insetos e algas.
Gymnotidae
Grupo peixes eletrogênicos de água doce representados
atualmente por poucas famílias e aproximadamente 70
espécies. Peixes de hábitos noturnos que usam órgãos elétricos
para sua orientação. Não possuem nadadeira caudal é o corpo é
escuro, com faixas oblíquas claras. Vivem preferencialmente em
ambientes lênticos.
Synbranchidae
Apresenta ampla distribuição, desde o sul do México, incluindo
toda América Central, até o Norte da Argentina. Com corpo
serpentiforme, são carnívoros e apresentam hábitos noturnos.
Fonte: HAHN et al. (1997), BAZZOLI et al. (1997), BRITSKI (1970), MORAES & BARBOLA
(1995), SILVA et al. (1997), BRITSKI et al. (1984), CORRÊA et al. (1995), ALVES &
BUCKUP (1997), FATTORI et al. (1997), SUZUKI & AGOSTINHO (1997), MAGALHÃES
(1931), COSTA & MAZZONI (1997), ADRIAN et al. (1997), LORIER & BERIOS (1995),
MAGO-LECCIA (1978), TRIQUES (1993), BULLOCK et al. (1979).
A ictiofauna da região também possui um forte componente de espécies
torrentícolas, ou seja, aquelas adaptadas à vida em riachos e cabeceiras de cursos
de água. Além de apresentar uma comunidade peculiar, este tipo de ambiente
aquático abriga normalmente espécies de pequeno porte, que apresentam
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 18
interações ecológicas complexas. Uma característica importante desta ictiofauna é a
sua dependência, direta ou indireta, de recursos importando da vegetação
marginal, como itens alimentares autóctones (larvas de insetos, microcrustáceos,
insetos aquáticos e algas) e alóctones (invertebrados e plantas terrestres).
Tendo isto em vista, a preservação de remanescentes na área de estudo,
mesmo que isolados, tem papel importante na manutenção da diversidade
faunística local, tendo em vista que a fauna aquática da região abrange diversas
espécies dependentes em maior ou menor grau de ambientes florestais.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 19
CONCLUSÕES
O diagnóstico da ictiofauna do Parque Ecoturístico Municipal São Luis de
Tolosa, localizado em Rio Negro, Paraná, embora evidente em sua natureza
preliminar, compila um grande conjunto de informações que retratam as
características desse componente importante da fauna regional.
Pelo que se pode depreender do levantamento, o Rio Passa Três e seus
importantes tributários, como o riacho localizado dentro da unidade de
conservação, possuem comunidades de peixes com muitas espécies com inter-
relações complexas entre seus membros, como conseqüência de uma ampla área
de drenagem e grande heterogeneidade ambiental. A disponibilidade de alimento,
abrigo e as condições físicas e químicas propiciadas pela grande diversidade de
hábitats na região são favoráveis à propagação de inúmeras espécies de peixes que
dependem das flutuações naturais do nível fluviométrico.
Em alguns riachos do entorno da unidade, o número de espécies registrado
foi bastante inferior ao esperado para a bacia, o que pode estar relacionado com
estado de alteração ambiental da região, como a perda significativa de áreas
florestais e a alteração da dinâmica e qualidade de suas águas. Os impactos
causados pela poluição da água, desmatamento das margens, introdução de
espécies e a alteração da dinâmica da água podem ter levado a uma diminuição
drástica no número de espécies regionais, como já constatado para inúmeros
ambientes (SMITH & BARRELLA, 2000; BARRELLA & PETRERE JR., 2003).
Por outro lado, um considerável número de espécies foi observado. É possível
que isto tenha ocorrido em função da qualidade que estes ambientes aquáticos
apresentam, associado à presença de uma mata ciliar secundária preservada. Esta
vegetação marginal pode estar proporcionando uma ampla gama de
microambientes, pois além de evitar a erosão dos solos, a queda de galhos e
troncos dentro de um riacho pode provocar inúmeros pequenos represamentos, e
estes ambientes criam condições favoráveis para abrigar diferentes grupos, como
espécies reofílicas (torrentícolas) (como os lambaris), bentônicas (como os
cascudos e bagres) e de ambientes lênticos (como os ciclídeos).
Além disso, a mata ciliar é responsável também pelo fornecimento de uma
variedade de alimentos de origem vegetal e de animais terrestres que caem na
água. O espectro alimentar apresentado pelas espécies citadas acima mostra uma
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 20
dependência direta ou indireta da matéria orgânica importada da vegetação ciliar
na alimentação, e isto pode ser claramente detectado na bibliografia, em função do
registro de itens alimentares autóctones (larvas de insetos, microcrustáceos,
insetos aquáticos e algas) e alóctones (invertebrados e plantas terrestres).
Apesar de algumas espécies apresentarem dependência de material alóctone
importado da vegetação marginal para sobrevivência e até mesmo alguma
especialização reprodutiva, esses peixes de pequeno porte são normalmente
espécies bem adaptadas a bruscas variações nos fatores abióticos, o que é uma das
características marcantes dos ambientes de cabeceiras de rios. Estas espécies de
pequeno porte correspondem a uma boa parcela do total de espécies de peixes de
água doce descritas para a América do Sul, e mostram muitas vezes um grau
elevado de endemismo geográfico, sendo consideradas importantes ferramentas
para estudos conservacionistas.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 21
RECOMENDAÇÕES
Baseado nessas constatações e no atual conhecimento sobre as espécies,
comunidades e ambientes aquáticos do Parque Ecoturístico Municipal São Luis de
Tolosa e entorno, a proposição de soluções definitivas para a sua conservação ainda
é prematura, todavia, é importante a adoção de medidas de controle ambiental que
desacelerem o atual estado de modificação ambiental e garantam a identidade da
fauna de peixes.
Ações de manejo para açudes, tanques e lagoas artificiais no entorno da UC
Apesar das confusões conceituais na utilização dos termos, as denominações
"espécie introduzida", "espécie exótica", “espécie alienígena”, "espécie não-nativa"
e "espécie não-indígena" devem ser consideradas sinônimas. De forma geral e
simplificada, estes termos correspondem a "toda e qualquer espécie transportada e
solta pelo homem, ou seja, introduzida, fora de sua área de distribuição natural,
intencional ou acidentalmente" (FAO 2006). Uma definição mais precisa é dada pela
The World Conservation Union (IUCN, 2000; 2006): "espécie, subespécie ou o
menor nível taxonômico identificável, encontrado fora de sua área de distribuição
natural (atual ou precedente) e potencial dispersão (i.e. fora da área que ocupa
naturalmente ou que poderia ocupar sem auxílio direto ou indireto do ser humano)
incluindo qualquer parte, gameta ou propágulo da espécie que possa sobreviver e
posteriormente reproduzir".
De acordo com as referências técnicas tradicionais na área de bioinvasão
(peixes de água doce, principalmente), o termo mais apropriado é “espécie
introduzida” (WELCOMME, 1988; DEAN, 2003; RUESINK, 2005; CASAL, 2006;
VITULE et al., 2006; GHERARDI, 2007; VITULE et al., 2009; GOZLAN & NEWTON,
2009; GOZLAN et al., 2010). As introduções podem ocorrer de forma acidental ou
deliberada, e com motivações diversas: culturais, sociais, econômicas, entre outras.
Muito embora nenhuma espécie introduzida tenha sido registrada durante o
levantamento realizado para o diagnóstico, açudes, tanques e lagoas artificiais no
entorno da UC podem levar a introdução de diversas espécies não-nativas, como
tilápias, por exemplo. Isto é um impacto potencial, pois a piscicultura é o principal
mecanismo de dispersão de espécies para novos ambientes, sendo que a
introdução destas espécies pode causar a redução ou extinção de populações locais
e a disseminação de parasitos.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 22
Para que isto não ocorra, são necessárias as seguintes ações:
(1) Levantamento dos açudes, tanques e lagoas artificiais situados
no entorno da UC, promovendo um contínuo acompanhamento das
atividades em desenvolvimento.
(2) Isolar ou exterminar tanques de piscicultura no entorno da UC
que possam servir de fonte para introdução de espécies consideradas
“exóticas invasoras” (Portaria IAP n°074, de 19 de abril de 2007).
(3) Incluir o tema em Programa de Educação Ambiental alertando
sobre as conseqüências que a invasão de uma espécie pode ocasionar
aos ecossistemas da região, como também promover a necessidade de
cuidados extremos das atividades.
Preservação de remanescentes no entorno da UC
Algumas áreas de alagamento e pequenos córregos da região estão bastante
comprometidos no que diz respeito aos seus componentes aquáticos naturais. Por
este motivo, a preservação de remanescentes na área de estudo, mesmo que
isolados, tem papel importante na manutenção da diversidade faunística local,
tendo em vista que a fauna aquática dos riachos da área de estudo abrange
diversas espécies dependentes em maior ou menor grau de ambientes florestais.
Programa de pesquisas de médio e longo prazo com a ictiofauna
Muito embora o diagnóstico produzido represente um considerável
incremento de informações sobre a fauna de peixes da região, as listas de nomes
científicos e vulgares apresentadas são de difícil aproveitamento na avaliação da
dinâmica espacial e temporal da ictiofauna. De fato, listagens de nomes científicos
e vulgares dificilmente são aproveitáveis na avaliação e gerenciamento de qualquer
ecossistema, pois desprezam o conceito de que populações naturais respondem às
alterações ambientais de modo diferenciado, sendo que as respostas dependem da
intensidade e duração dos fenômenos envolvidos.
Desta forma, além da composição específica, dados relativos à estrutura,
biologia e o comportamento de uma comunidade frente a certas variações no
ambiente mostram-se fundamentais para a avaliação de sua dinâmica, sendo assim
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 23
possível qualquer associação entre as comunidades existentes e o grau de alteração
em determinado ambiente.
Para que isso ocorra, é absolutamente necessário um correto monitoramento
da ictiofauna, que permita o conhecimento das interações das espécies registradas
com o seu ambiente, porque é a partir deste conhecimento que se poderá obter
uma maior chance de coibir ações deletérias ao meio aquático, ou ao menos
minimizar seus efeitos.
O programa deve obter informações sobre:
(1) distribuição espacial das populações;
(2) variações espaço-temporais das assembléias;
(3) estrutura das populações;
(4) alimentação e reprodução;
(5) estado de higidez da ictiofauna;
(6) espécies indicadoras de qualidade ambiental;
(7) espécies raras e ameaçadas de extinção.
Programa de pesquisas no Rio Passa Três
Nos estudos apresentados para o Rio Passa Três, conforme apresentado no
diagnóstico da ictiofauna, ficou evidente a ausência de conhecimentos consolidados
acerca da ictiofauna existente. Evidenciou-se também, através das amostragens
realizadas, que na bacia ocorrem espécies ameaçadas, dentre elas Rhamdiopsis
moreirai, um bagre de pequeno porte da família Heptapteridae, e Trichomycterus
castroi, um candiru de pequeno porte da família Trichomycteridae.
Estes resultados indicam a necessidade de monitoramento da ictiofauna e da
qualidade da água em toda a bacia. Este programa tem como objetivos principais
aumentar o conhecimento sobre a ictiofauna do Rio Passa Três e acompanhar as
alterações das características físicas, químicas e biológicas da água a fim de
subsidiar planos corretivos e/ou preventivos. Além disso, o monitoramento da
qualidade da água irá subsidiar os estudos limnológicos e de monitoramento da
fauna aquática.
Diagnóstico da ictiofauna Parque Ecoturístico Municipal São Luis de Tolosa e entorno 24
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