DIEGO VINICIUS PACHECO DE ARAUJO
A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do
Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de So Paulo: recomendaes para a redao
do termo de consentimento livre e esclarecido.
Dissertao apresentada Escola de
Enfermagem da Universidade de So
Paulo para obteno do ttulo de
Mestre em Cincias.
rea de Concentrao: Cuidado em
Sade.
Orientadora: Professora Doutora Elma
Zoboli
So Paulo
2009
Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada
a fonte.
Assinatura: _________________________Data:___/___/______
Catalogao na Publicao (CIP)
Biblioteca Wanda de Aguiar Horta
Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo
Araujo, Diego Vinicius Pacheco de A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo: recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e esclarecido. / Diego Vinicius Pacheco de Araujo. So Paulo, 2009. 122 p. Dissertao (Mestrado) Escola de Enfermagem da Universidade de
So Paulo. Orientadora: Prof Dr Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli. 1. tica em Pesquisa 2. Biotica 3. Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido 4. Escolaridade I. Ttulo
Nome: Diego Vinicius Pacheco de Araujo
Ttulo: A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios do Hospital das
Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo:
recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e
esclarecido.
Dissertao apresentada Escola de
Enfermagem da Universidade de So
Paulo para obteno do ttulo de Mestre
em Cincias.
Aprovado em: ___/___/______
Banca Examinadora
Prof. Dr. ________________________ Instituio: _______________
Julgamento: ______________________ Assinatura: _____________
Prof. Dr. __________________________ Instituio: _____________
Julgamento: _______________________ Assinatura: ____________
Prof. Dr. __________________________ Instituio: _____________
Julgamento: _______________________ Assinatura: ____________
DEDICATRIA
Ao meu querido av, Pacheco, que partiu antes do incio desta jornada, mas que sempre estar presente no meu corao.
minha me, Crmen, que foi fundamental para esta conquista, mesmo distante, nunca deixou de participar de todos os momentos.
Ao amor da minha vida, Rossana, foi quem vivenciou todos os momentos desta fase da minha vida.
Vocs so muito importantes na minha vida e representaram uma motivao essencial para o desenvolvimento deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
A elaborao de uma Dissertao envolve, alm de tempo e dedicao, a
colaborao de algumas pessoas. Estes agradecimentos destacam algumas
destas pessoas que merecem meu prestgio.
Ao Prof. Dr. Jos Roberto Goldim, responsvel direto pelo meu interesse
pela biotica e pela tica em pesquisa. Foi quem possibilitou, desde a minha
graduao, experincias de iniciao cientfica e de monitoria nas disciplinas
de Biotica. Foi quem idealizou o estudo que deu origem a esta pesquisa.
Prof Dr. Elma Zoboli, orientadora deste estudo que, por muitas vezes, foi
mais do que orientadora acadmica. Agradeo por compartilhar seu saber,
pela orientao neste estudo e pelos ensinamentos que levarei comigo nas
prximas etapas da minha formao acadmica e por toda minha vida.
Ao Prof. Dr. Eduardo Massad, por viabilizar a realizao deste estudo no
HCFMUSP, alm disso, contribuiu muito para o desenvolvimento da primeira
verso deste trabalho durante o exame de qualificao.
Prof Dr. Ana Luiza Vilela Borges, pelas contribuies para o
desenvolvimento da primeira verso do trabalho durante o exame de
qualificao.
Ao programa de ps-graduao em enfermagem da Escola de Enfermagem
da USP, agradeo a oportunidade concedida e aceitao da minha proposta
de estudo.
minha famlia, meu pai, Edelberto, minha me, Crmen, seus
companheiros, minhas irms, Paola, Pmela e Pietra, aos meus tios, tias e
primos, principalmente ao Tio Dinho que sempre esteve presente na minha
vida. Quero que saibam que vocs foram muito importantes para a
realizao desta conquista, obrigado pela ateno, carinho e pela
compreenso por ter ficado to distante.
famlia da Rossana, e por que no minha famlia, aos meus sogros, que
me acolheram e me ajudaram a amenizar a dor de estar longe dos meus
pais.
Aos meus queridos colegas e amigos da ps-graduao, com quem dividi
momentos importantes desta conquista. Obrigado, Adriana Avanzi, Adriana
Jimenez, Angela Maricondi, Heitor Pasquim, Marcel Bataiero, Rebeca
Guedes, Sheila Lachtim, Tatiane Moreira e Tiago Braga.
Aos colegas da Famlia Zoboli, Aline, Dani, Elton, Ftima, Ftima, Gabi,
Janina, Luana, Natlia e Virgnia que sempre se mostraram dispostos a
ajudar e contribuir com a pesquisa.
A todos os amigos que, perto ou longe, sempre demonstraram carinho e
ateno.
A todos os funcionrios e docentes do Departamento ENS que foram muito
importantes para a concretizao deste trabalho.
Enfim, agradeo a todos que me ajudaram em mais uma conquista to
importante na minha vida.
Angustiado diante do possvel uso
dos avanos da revoluo
molecular contra a humanidade,
meu criador juntou duas palavras,
bio (vida) e tica (conduta humana
ideal), e, ento, nasci.
Fui, naquele momento, apenas um
neologismo, tradutor, porm, de uma
problemtica muito profunda.
Deram-me a incumbncia de ser
uma ponte para o futuro...........eu
representaria um elo entre as
cincias biolgicas e as cincias
humanas, olhando para o futuro da
humanidade.
(Hossne, 2006 - p.144)
Araujo DVP. A caracterizao do alfabetismo funcional em usurios
do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So
Paulo: recomendaes para a redao do termo de consentimento livre e
esclarecido. [Dissertao]. So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade
de So Paulo; 2009.
Resumo
Os objetivos deste estudo so: descrever o nvel de alfabetismo
funcional dos usurios do ambulatrio do Hospital das Clnicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de So Paulo; comparar o nvel de alfabetismo
funcional dos usurios ambulatoriais do Hospital das Clnicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de So Paulo (HCFMUSP) com os do Hospital
de Clnicas de Porto Alegre (HCPA); identificar recomendaes para
adequar a redao do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizado
nas pesquisas do HCFMUSP ao nvel de alfabetismo de seus usurios.
Trata-se de um estudo transversal quantitativo com 399 sujeitos, a amostra
foi intencional, selecionada entre usurios dos ambulatrios do HCFMUSP.
A coleta de dados utilizou um instrumento que continha um texto em prosa
compatvel para a avaliao das habilidades de leitura necessrias para a
compreenso de um TCLE. Os dados apontam que mais de 46,6% dos
entrevistados foram classificados como analfabetos funcionais, desses,
12,7% sequer foram capazes de entender a tarefa proposta no texto lido.
Apesar disto, quase 50% dos entrevistados declararam ter ao menos
iniciado o ensino mdio. Os resultados e as orientaes para a redao de
texto centrada no leitor permitiu que elaborssemos recomendaes para
tornar os termos de consentimento mais fceis de ler. Recomendamos que o
pesquisador elabore o TCLE como um texto em estrutura narrativa, dirigido
ao leitor, usando palavras e termos familiares aos sujeitos, ou seja, termos
comuns linguagem dos sujeitos e linguagem mdica. Alm de contribuir
para melhorar a relao entre o sujeito e o pesquisador, acredita-se que
estas recomendaes possam contribuir para a diminuio do tempo de
tramitao de projetos de pesquisa, j que os problemas na redao do
TCLE motivam boa parte das pendncias que retardam este andamento.
PALAVRAS-CHAVE: tica em Pesquisa, Biotica, Termo de
Consentimento, Escolaridade
Araujo DVP. The functional literacy characterization among users of
the Hospital das Clinicas, Faculty of Medicine, University of So Paulo:
recommendations for the wording of informed consent form. [Dissertation].
So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2009.
Abstract
This study aimed to describe the literacy of the patients at the Hospital das
Clinicas, Faculty of Medicine, University of Sao Paulo; compare literacy
between the patients at the Faculty of Medicine, University of Sao Paulo
(HCFMUSP) and those at the Hospital de Clnicas de Porto Alegre (HCPA);
and recommend how to suit the Consent Form in research protocols to
HCFMUSP patients literacy .This is a quantitative cross-sectional study with
399 subjects. Sample was intentionally selected among users of ambulatory
HCFMUSP. Data collection used a narrative text compatible for assessing
the reading skills needed for understanding consent forms. Results point out
that 46.6% of the respondents were funcionally illiterate, and 12.7% of them
were not even able to understand the task presented in the questions.
Despite this, almost 50% of the respondents declared that they had, at least,
started the high school. Based on the results and guidelines for writing texts
centered on subjects literacy we recommend how to make consent forms
easier for reading. We recommend that researchers write consent forms as a
narrative texts addressed to the research subject reader; use words and
expressions suitable to subjects culture and literacy. In other words,
researchers should use words common to both languages: the popular
language spoken by the patients and the medical language. We believe that
these recommendations might improve the relationship between researchers
and subjects and, as well, reduce the time taken to obtain the ethical
approval of research projects.
DESCRIPTORS: Ethics, Research; Bioethics; Consent Forms; Educational
Status
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Representao dos sujeitos com relao ao sexo ........................... 84
Figura 2 - Classificao dos sujeitos da pesquisa de acordo com o nvel de alfabetismo caracterizado ................................................................................. 88
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Estatstica descritiva: idade, Brasil - 2009 ....................................... 83
Tabela 2 - Estatstica descritiva: escolaridade em anos de estudo, Brasil -
2009 .................................................................................................................. 83
Tabela 3 - Caracterizao dos sujeitos da pesquisa quanto a Regio do
Brasil onde nasceu, Brasil - 2009 ..................................................................... 83
Tabela 4 - Frequencia de nveis de escolaridade, Brasil - 2009 ....................... 85
Tabela 5 - Grande Grupo de ocupaes segundo classificao brasileira de
ocupaes de 2002, Brasil - 2009 ..................................................................... 85
Tabela 6 - Situao atual da atividade profissional, Brasil - 2009 ..................... 86
Tabela 7 - Compreenso de leitura por nmero de consequncias citadas,
Brasil - 2009 ...................................................................................................... 87
Tabela 8 - Caracterizao da amostra com o agrupamento entre
analfabetos funcionais e funcionalmente alfabetizados, Brasil - 2009 ........... 87
Tabela 9 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS, Nvel de
Escolaridade, Brasil - 2009 ............................................................................... 89
Tabela 10 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Sexo, Brasil
- 2009 ................................................................................................................ 90
Tabela 11 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Regies do
Brasil, Brasil - 2009 ........................................................................................... 90
Tabela 12 - Teste entre as variveis Nvel de Alfabetismo VS. Anos de
Estudo, Brasil - 2009 ......................................................................................... 91
Tabela 13 - Nveis de alfabetismo nos estudos HCFMUSP, HCPA e INAF
2007, nas Regies em que os hospitais esto localizados (%), Brasil - 2009 .. 92
LISTA DE SIGLAS
CAPPESQ - Comisso de tica para Anlise de Projetos de Pesquisa
CEP Comit de tica em Pesquisa
CIOMS - Council for International Organizations of Medical Sciences
CNS Conselho Nacional de Sade
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Mdio
ES Ensino Superior
HCFMUSP Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de So Paulo
HCPA Hospital de Clnicas de Porto Alegre
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica
ICHC Instituto Central do Hospital das Clnicas
INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
IPM Instituto Paulo Montenegro
MS Ministrio da Sade
OMS - Organizao Mundial de Sade
ONG Organizao No-Governamental
OREALC - Oficina Regional de Educacin para America Latina y Caribe
PAMB Prdio dos Ambulatrios
SBB Sociedade Brasileira de Biotica
SISNEP Sistema Nacional de Informaes sobre tica em Pesquisa
SPSS - Statistical Package for the Social Sciences
SUS Sistema nico de Sade
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a
Cultura
USP Universidade de So Paulo
UTI Unidade de Tratamento Intensivo
LISTA DE SMBOLOS
2 Chi-quadrado
- menor ou igual
- maior ou igual
- menor
- maior
Sumrio
1 INTRODUO...................................................................................... 17
1.1 A TICA EM PESQUISA E A BIOTICA .................................................. 17
1.1.1 tica em pesquisa no Brasil e o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido .................................................................................. 22
1.2 O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................................. 32
1.3 O SUJEITO DE PESQUISA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO ................................................................................................. 45
1.3.1 Autonomia e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...... 45
1.3.2 Vulnerabilidade e Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido ............................................................................................... 56
1.3.3 Analfabetismo funcional e Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido ............................................................................................... 60
2 MARCO-REFERENCIAL ..................................................................... 66
3 OBJETIVOS ......................................................................................... 70
4 METODOLOGIA ................................................................................... 71
4.1 TIPO DE PESQUISA ..................................................................................... 71
4.2 LOCAL DA PESQUISA .................................................................................. 71
4.3 SUJEITOS DA PESQUISA .............................................................................. 73
4.4 COLETA DE DADOS ..................................................................................... 74
4.5 ASPECTOS TICOS ..................................................................................... 81
5 RESULTADOS ..................................................................................... 82
5.1 PERFIL SCIO-DEMOGRFICO DA AMOSTRA .................................................. 82
5.2 LETRAMENTO DA AMOSTRA ......................................................................... 86
5.3 TESTES PARA VERIFICAO DE ASSOCIAO ENTRE VARIVEIS ...................... 88
5.4 COMPARAO DOS RESULTADOS DE ESTUDOS SIMILARES (HCFMUSP E
HCPA) ........................................................................................................... 92
6 DISCUSSO ......................................................................................... 94
6.1 CARACTERSTICAS DA POPULAO ESTUDADA .............................................. 94
6.2 REDAO DE TEXTO CENTRADA NO LEITOR E TERMO DE CONSENTIMENTO
LIVRE E ESCLARECIDO ..................................................................................... 98
7 CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 107
REFERNCIAS ..................................................................................... 110
17
1 INTRODUO
1.1 A TICA EM PESQUISA E A BIOTICA
A tica um ramo da Filosofia que estuda sistemas de pensamento,
propiciando uma reflexo sobre a conduta moral. As palavras tica e
moralidade no devem ser confinadas a contextos tericos. Teoria tica e
filosofia moral so os termos apropriados para se referir reflexo filosfica
sobre a natureza e funo da moralidade. A teoria tem o fundamento de
aumentar a clareza ordem sistemtica e a preciso dos argumentos nas
reflexes sobre moralidade. J a moralidade refere-se a convenes sociais
sobre comportamento humano certo ou errado, ou seja, uma instituio
social com um cdigo de normas aprendido1.
A estratgia de organizar o pensamento sobre a adequao do viver
humano alavancou o surgimento da tica na histria da humanidade. A
faculdade de questionamento da prpria existncia uma das
caractersticas que permite identificar a pessoa humana como tal. A tica de
forma sistematizada e crtica reflete sobre as intuies morais, buscando as
justificativas que servem de embasamento para as escolhas morais que as
pessoas fazem. Saber reconhecer os limites da pesquisa, identificando a sua
adequao tica e metodolgica, a existncia de grupos e pessoas
vulnerveis, so temas fundamentais. Isso levou necessidade de propor
uma ampliao da discusso tica, que acabou sendo denominada de
biotica2.
O sculo XX foi um marco importante para o aprofundamento do
estudo sobre a tica, at ento havia a preocupao das questes
18
envolvendo, principalmente, vida, suicdio, nascimento e morte, o
amadurecimento da reflexo props a ampliao dos questionamentos sobre
a vida e sobre o papel do ser humano e suas relaes. Esta ampliao da
noo dos deveres dos seres humanos em suas relaes, inclusive com
outros seres vivos, passa a ser abordada com a denominao de biotica
em 1926, por Fritz Jahr. Portanto, a Biotica prioriza as discusses ticas
referentes vida humana e a todos os fatores de envolvimento do homem
com o meio2.
A Biotica pode ser entendida como uma atividade filosfica, enquanto
a tica um ramo da Filosofia. Este carter reflexivo h de estar sempre
presente ao se falar em desenvolvimento da Biotica que necessita de
reflexes mais profundas para ganhar definio e estabilidade frente aos
desafios e fatores adversos3.
A grande maioria das regulamentaes nacionais est neste escopo,
entretanto, alguns pases se destacam por exemplo a Dinamarca, que
tem uma proporo de leigos maior nos comits, eles devem ser compostos
por metade mais um de membros leigos. A participao das pessoas em
pesquisas e como elas devem ser informadas para que possam dar seu
consentimento so implicaes envolvidas no projeto de pesquisa e na sua
anlise. Em 1900, nos Estados Unidos, o Senador Jacob H. Gallinger fez
uma proposta de lei a ser aplicada no Distrito de Columbia, regulamentando
as pesquisas cientficas, contudo, essa proposta de lei no foi aceita pelo
Senado. Tal proposta sugeria, entre outras coisas, que o projeto fosse
avaliado por uma comisso, que o possvel participante fosse informado
sobre a pesquisa, autorizasse expressamente, ou seja, por escrito, na
presena de duas testemunhas. Por mais que esta lei no tenha entrado em
vigor, a sua proposta foi a precursora dos atuais documentos que
regulamentam as pesquisas em seres humanos4,5.
O Relatrio Belmont elaborado em 1979 por uma comisso do
Senado Norte Americano tem o intuito de sistematizar a aplicao da
biotica em pesquisa com seres humanos - mas no reconhece o mal
isoladamente, apenas a ausncia do mal como parte do bem (The Belmont
19
Report, 1979). Isso se d, pois o relatrio parte de trs princpios bioticos:
beneficncia, autonomia e justia. J no Brasil, em 1996, atravs da
Resoluo CNS 196/96 desconsidera esta contradio e reconhece o
Princpio da No-Maleficncia como um princpio biotico, devendo ser
aplicado tanto s pessoas isoladamente, como tambm na coletividade. A
pesquisa com seres humanos emana algumas questes ticas,
principalmente originadas pela adeso consciente ou no do provvel sujeito
de pesquisa. Em todos os grupos sociais existe a necessidade da criao de
vrias normatizaes para regulamentar a convivncia social6.
Na rea da sade, podemos destacar o incio da criao dessas
normas atravs do Cdigo de Nuremberg, onde foram definidos os
princpios para a experimentao mdica, no cdigo so descritos alguns
elementos importantssimos para a pesquisa, utilizados at hoje. Foi onde
surgiu o conceito de consentimento voluntrio, deu-se incio a anlise dos
riscos e dos benefcios e desde j apareceu o direito do sujeito de rejeitar ou
retirar seu consentimento sem repercusses7.
O Cdigo de Nuremberg tornou-se essencial para a criao dos
cdigos ticos subsequentes e aos regulamentos para execuo de
pesquisas. A Declarao de Helsinque (1964) ratificou o Cdigo de
Nuremberg quanto s premissas de risco e benefcio e foi acrescentada a
ideia do representante legal pessoa que poderia vir a fornecer o
consentimento caso o sujeito ou paciente estivesse incapaz de consentir.
Entre 1950 e 1974, muitas pesquisas foram realizadas de maneira imprpria,
com isso, originou, nos Estados Unidos, a discusso sobre a participao de
seres humanos em pesquisas7,8,9.
Entretanto, a regulamentao da pesquisa com seres humanos foi
inserida no bojo do desenvolvimento das polticas pblicas sociais com a
finalidade de ampliar e garantir os direitos dos cidados4,8,9,10.
Portanto se apresenta como consequncia das importantes
transformaes nos servios de sade, na prtica mdica e na pesquisa em
diversas reas.
20
A discusso a respeito da regulamentao de pesquisa ampliada sobre
a proteo dos envolvidos participantes pesquisados deu-se atravs da
difuso das terrveis experincias a que foram submetidos prisioneiros,
principalmente dos alemes, em nome da cincia, durante a II Guerra
Mundial. O impacto internacional no Perodo Ps-guerra contribuiu de forma
decisiva para a elaborao, em 1948, do Cdigo de Nuremberg, com
diretrizes para as pesquisas na rea mdica4.
A discusso sobre a tica em pesquisa mdica originou a elaborao
da Declarao de Helsinque, em 1964, durante a 18 Assembleia da
Associao Mdica Mundial, que passou a ser aceita como uma referncia
internacional sobre a tica em pesquisa mdica. A Associao Mdica
Mundial, em 1964, props a Declarao de Helsinque, visando provocar uma
reflexo sobre os aspectos ticos envolvidos na pesquisa em seres
humanos. Esta Declarao reforou os termos do Cdigo de Nuremberg,
devido a sua origem como parte da sentena do Tribunal de Nuremberg, a
qual, em 1947, havia tido uma repercusso prtica limitada. A Declarao de
Helsinque iniciou uma discusso mundial sobre adequao das formas de
participao de seres humanos em pesquisa.2
J em 1974, o Congresso dos Estados Unidos criou a Comisso
Nacional para Proteo de Participantes em Pesquisa, rgo que veio a
elaborar o relatrio de Belmont, que recomendaria a adoo de trs
princpios ticos nas pesquisas biomdicas e comportamentais com seres
humanos, os princpios eram: respeito pelas pessoas, beneficncia e justia.
O respeito pelas pessoas exige que essas possam escolher o que
acontecer ou no com elas, de acordo com sua capacidade de
compreenso. Isso demanda no processo para obter o consentimento de
possveis voluntrios, o fornecimento de informao, a permisso da
compreenso e da voluntariedade. O princpio da beneficncia o
compromisso do pesquisador de assegurar o bem-estar das pessoas que
participam da pesquisa. O terceiro princpio a justia estabelece, por
exemplo, que devemos proteger as pessoas vulnerveis, nesse caso,
associa-se o princpio ao direito transpessoal de solidariedade Algumas
21
concepes de justia so relevantes para a pesquisa envolvendo seres
humanos, por exemplo, na seleo dos sujeitos, levando em considerao a
sade, a etnia, e as limitaes das pessoas relacionadas s instituies11.
Ao aplicar esses trs princpios como referenciais das diretrizes para a
pesquisa em seres humanos nas reas de sade e comportamental, este
documento oficial do governo norte-americano consolidou a proposta terica
predominante no Instituto Kennedy de tica2.
Com isso, foi definido que um grupo independente dos pesquisadores,
instituies e patrocinadores realizasse a avaliao prvia dos protocolos de
pesquisa, baseando-se em referncias ticas. Este grupo avaliaria os
protocolos sempre visando ponderao de riscos e benefcios e a proteo
de sujeitos de pesquisa contra possveis danos. O requisito foi includo na
reviso da Declarao de Helsinque feita na Assembleia da Associao
Mdica Mundial de 1975, deixando-se de aceitar a ponderao exclusiva do
pesquisador, em uma tica baseada essencialmente nas virtudes dos
cientistas4.
Na reviso da Declarao de Helsinque de 1975, foi includo o requisito
de avaliao de projetos de pesquisa por comit independente tal requisito
, desde ento, elementar em todos os documentos internacionais sobre
tica em pesquisa. As Diretrizes Internacionais para Pesquisas Biomdicas
envolvendo Seres Humanos tambm referencia aos comits independentes
para reviso dos protocolos. As Diretrizes referem ainda, que os comits
locais ou nacionais devem ser compostos de mdicos, cientistas e outros
profissionais, como enfermeiros, advogados, religiosos e representantes da
comunidade (leigos)4,5.
O modelo principialista um paradigma de origem Norte Americana,
tributria do Relatrio Belmont, divulgado em 1978, e das ideias de
Beauchamp e Childress, contidas na obra Principles of Biomedical Ethics,
editada pela primeira vez em 1979. Um ano aps a publicao do Relatrio
Belmont, Beauchamp (que fez parte da comisso) e Childress lanaram a
citada obra cujo enfoque so os quatro princpios morais que, segundo os
22
autores, deveriam ser aplicados na rea biomdica, so eles: Autonomia
(Respeito pelas pessoas), Justia, Beneficncia e No-maleficncia6,7,12.
Tais princpios no so absolutos e no so hierarquizveis, so
vlidos prima facie. Isto , em caso de conflitos entre si, a situao em
questo e suas circunstncias indicaro aquele que deve ganhar
precedncia sobre os demais1. Esses quatro princpios so adotados pela
Resoluo 196/96 CNS, resoluo esta que regulamenta as pesquisas com
seres humanos no Brasil e, por isso, foi elencado o principialismo como
referencial terico do presente estudo.
1.1.1 tica em pesquisa no Brasil e o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido
Na dcada de 70 o Brasil vivia um perodo de regime poltico de
exceo, ou seja, o perodo de ditadura, sem liberdade democrtica,
sofrendo com guerrilhas, torturas e amarguras. Essas restries abrangiam
diversas reas, inclusive a acadmica e a comunidade cientfico-cultural, no
havendo, portanto, espao para discusses e debates. Por isso,
compreensvel que todas as questes de cunho humanstico no tinham
espao na sociedade. Todavia, embora o perodo fosse de exceo, a rea
mdica e, por extenso, a rea biomdica, trazia os desafios ticos3.
Em 1985, o Ministrio da Sade transcreveu as diretrizes internacionais
para a investigao biotica em seres humanos preparada pelo Council for
International Organizations of Medical Sciences (CIOMS) em colaborao
com a Organizao Mundial de Sade. (OMS)4.
Neste mesmo ano, com adoo da Resoluo do Conselho Federal de
Medicina n 1.215/85 foi determinada a criao de Comisses de tica
23
Mdica em todos os servios de sade. Estas comisses atuavam
fiscalizando o exerccio profissional da Medicina e, tambm, como revisoras
dos aspectos ticos dos projetos de investigao realizados nas
instituies5.
Em 1988 surge a 1. Resoluo do Conselho Nacional de Sade (CNS)
do Ministrio da Sade (MS) que versava, exatamente, sobre diretrizes
ticas na pesquisa em seres humanos. Tratava-se de norma relacionada
tica mdica, que embora sem caractersticas aparentes de Biotica,
propiciou um ambiente favorvel ao seu surgimento no Brasil 4,5.
A Resoluo 01/88 ressaltava a relevncia do tema dentro dos
paradigmas do controle social e da participao da comunidade, continha as
Normas para Pesquisa em Sade e estabelecia que o possvel participante
deveria dar seu consentimento por escrito, aps as informaes sobre o
estudo serem transmitidas e determinava a criao de comits de tica para
a avaliao dos projetos da rea da sade.
Esta disposio normativa definiu as regras para a criao, a
constituio e o funcionamento dos Comits de tica em Investigao em
todas as instituies mdicas do pas. Determinou a obrigatoriedade da
reviso, por estes comits, dos aspectos ticos e cientficos de toda
investigao biomdica anterior a sua realizao.
No entanto, a Resoluo CNS/MS 01/88 no causou o efeito positivo
esperado. Uma pesquisa em 26 hospitais universitrios e uma amostra de
37 pesquisadores, realizada por Francisconi et al. (1995), com o objetivo de
armazenar dados acerca dos Comits de tica em Pesquisa em atividade no
Brasil, encontrou sua ocorrncia somente em 57,7% das Instituies. Assim,
s em 15 dos hospitais envolvidos na pesquisa havia um comit criado e
funcionando. Desses comits, sete no observavam as diretrizes ticas da
Resoluo para a sua estrutura. Nos 11 hospitais onde no havia comit, a
evoluo dos projetos de investigao em sade era realizada por
Comisses de tica Mdica ou pela Comisso Cientfica13.
24
Em dois hospitais a reviso era realizada pelos colegas ou pela direo
da instituio. Entre os pesquisadores, 26 deles (70,3%) informaram a
existncia de comit de tica em pesquisa em suas instituies, oito
disseram que no havia comit e trs no responderam pergunta. Estes
resultados, segundo os autores, constatavam a lamentvel situao do
cumprimento das diretrizes ticas para a investigao na sade e indicavam
a necessidade de divulgar cortes normativos junto aos pesquisadores e os
dirigentes dos servios de sade13.
A Sociedade Brasileira de Biotica (SBB) criada pelo professor William
Saad Hossne, professor titular da Faculdade de Medicina de Botucatu-SP
em 1992, inicialmente contava com a participao de sete pessoas as quais
foram se juntando a outras e, no incio de 1995 j contava com 29 membros.
Nesse perodo foram aprovados os estatutos e eleita a primeira Diretoria.
Em 1996, realizou-se o primeiro Congresso Brasileiro de Biotica, em So
Paulo, contando somente com estudiosos brasileiros; nessa ocasio, a SBB
foi solicitada para realizar uma discusso sobre o que viria ser a Resoluo
196/96, a qual criou um sistema de avaliao tica dos projetos que
envolvem seres humanos. O objetivo principal foi o de defender os
interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para
contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padres ticos.
Identificar situaes ou momentos de risco nos protocolos apresentados e
avaliar se so eticamente aceitveis em vista dos benefcios esperados com
a pesquisa, se h transparncia quanto aos objetivos e aos procedimentos
da pesquisa, se h adequao da distribuio desses riscos e benefcios e
das formas de obteno da adeso das pessoas3,4.
Em 1995, o Conselho Nacional de Sade do Ministrio de Sade, com
a inteno de corrigir a situao vigente e de se fazer cumprir as normas
ticas do Sistema nico de Sade (SUS), determinou a reviso da
Resoluo 01/88. Para fazer parte desta tarefa formou um grupo de
trabalho com investigadores e profissionais de sade, advogados, telogos,
religiosos e representantes de diversos setores da sociedade civil, incluindo
todos os envolvidos nas pesquisas desde a indstria farmacutica at os
25
sujeitos. Depois de um amplo processo democrtico de consulta, no s aos
interessados como tambm a sociedade em geral, o grupo elaborou
diretrizes ticas para regulamentar a pesquisa em seres humanos. Estas
diretrizes foram includas numa nova disposio normativa promulgada pelo
Ministrio da Sade em outubro de 1996 e que hoje conhecida como
Resoluo 196/96.
Hoje esta a norma que regulamenta a pesquisa em seres humanos
no Brasil. A Resoluo afirma que toda pesquisa, envolvendo seres
humanos, implica em risco. O prejuzo iminente poder ser imediato ou
tardio, comprometendo o indivduo ou a coletividade. A Resoluo aludi,
como risco da pesquisa, a possibilidade de danos dimenso fsica,
psquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em
qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente4.
As diretrizes ticas abrangem qualquer pesquisa que envolve seres
humanos. Sua aplicabilidade no se restringe apenas a rea da sade,
abarca todas as reas do conhecimento. Estabelece as exigncias ticas e
cientficas fundamentais para garantir os direitos do sujeito, com o objetivo
de preservao da sade fsica, mental e social. Por isso, toda pesquisa
deve ser aprovada por um Comit de tica em Pesquisa (CEP) antes de ser
iniciada, orientando para reflexes de riscos e benefcios 4,14.
A Resoluo 196/96 estabelece um sistema interligado de CEPs, que
devem ser informados em todas as instituies que desenvolvem pesquisas
em seres humanos; uma Comisso Nacional de tica em Pesquisa
(CONEP), que pertena ao Ministrio de Sade como uma comisso
assessora do Conselho Nacional de Sade. Esta rede CEP / CONEP
responsvel pela reviso e o segmento dos aspectos ticos de projetos de
pesquisa em seres humanos. A avaliao deve ocorrer antes do incio da
pesquisa e um protocolo pode ser aprovado, contestado ou devolvido ao
pesquisador para correes. Neste caso, depois das correes, o protocolo
deve retornar ao comit para reavaliao 15.
26
A Resoluo 196/96 atinge as exigncias comuns a todos os projetos
e a base de todo o sistema para reviso tica das pesquisas em seres
humanos no Brasil.
Os aspectos ticos a serem observados nos projetos fazem parte do
captulo III da Resoluo 196/96. Para facilitar o entendimento destes
aspectos, eles foram descritos em tpicos:
a) Relevncia Social: a pesquisa deve ser importante para o local onde
ser realizada, ou seja, deve investigar problemas de transcendncia
segundo a realidade da sade local. Assim, difcil justificar a realizao de
pesquisas cuja relevncia local seja pequena. A estimativa desta diretriz
tica essencial nas pesquisas coordenadas ou patrocinadas por um pas
estrangeiro e naquelas que envolvem comunidades especficas, como
indgenas 16.
b) Correo metodolgica: um projeto de pesquisa mal fundamentado
em seus aspectos cientficos ou metodolgicos no est eticamente correto,
pois expe os sujeitos a riscos e incmodos sem resultar em algo vlido.
Todo estudo deve fundamentar-se em experimentos prvios. Quando se
pesquisa novos medicamentos, os resultados obtidos nas fases anteriores
devem ser descritos em detalhes, sendo o uso em modelos animais ou em
laboratrio. Nas pesquisas coordenadas em pases estrangeiros, o
pesquisador brasileiro deve participar da elaborao do projeto e deve
garantir formas de transferncias de tecnologia brasileira a fim de possibilitar
a realizao independente de pesquisas futuras 16.
c) Competncia da equipe pesquisadora: os pesquisadores envolvidos
no projeto devem ser idneos e competentes para investigar no campo de
estudo. A instituio pesquisadora deve dispor de recursos e condies para
realizar a pesquisa e assistir os sujeitos, especialmente no caso de danos e
ocorrncias adversas. A segurana e a proteo da equipe de pesquisa
quanto aos riscos fsicos, qumicos e biolgicos tambm devem ser
valorizadas 16.
27
d) Seleo equilibrada dos sujeitos: essa uma das diretrizes mais
difcilde ser respeitada, pois comum que uns sejam sempre selecionados
para o crculo de sujeitos e outros se beneficiem dos resultados e avanos
resultantes das pesquisas. Por exemplo, os pacientes de hospitais
universitrios de pases pobres, com frequncia, so sujeitos de ensaios
clnicos para medicamentos e, uma boa parte deles no dispor dos meios
para adquirir tal tratamento aps a comercializao 16.
e) Balano de riscos e benefcios: segundo as diretrizes ticas
brasileiras, risco a possibilidade de danos aos sujeitos e/ou sua
comunidade, seja em nvel fsico, psquico, moral, intelectual, social, cultural
ou espiritual, desde que causados ou associados aos procedimentos em
qualquer fase da pesquisa. Os benefcios resultantes de uma pesquisa
devem ser proporcionais ou superiores aos riscos. No caso em que o
medicamento ou procedimento em experincia se mostre superior ou ocorra
incidentes graves, o procedimento deve ser interrompido, com a notificao
do ocorrido ao CEP. O balano de riscos e benefcios especialmente difcil
nas pesquisas sem benefcio direto aos sujeitos envolvidos. A segurana do
sujeito deve prevalecer sobre os interesses da cincia, pois h preos, como
o ultraje dignidade e liberdade humana que no podem ser pagos na
busca da evoluo cientfica 16.
f) Equivalncia teraputica: o benefcio oferecido pelo medicamento ou
procedimento em experimento deve ser igual ao melhor segundo as
evidncias. As diretrizes brasileiras admitem o uso do placebo somente em
situaes nas quais no haja meios conhecidos para o tratamento16.
g) Compensao por danos: segundo as diretrizes ticas brasileiras,
dano o agravo ao indivduo ou a coletividade, seja imediato ou tardio,
desde que resultante dos procedimentos prprios da pesquisa. Os danos
previsveis devem ser evitados. O patrocinador e o pesquisador devem
indenizar os sujeitos em caso de dano resultante da pesquisa. Em nenhum
caso o sujeito pode eximir esta responsabilidade do investigador ou do
patrocinador16.
28
h) Conflito de interesses: as diretrizes determinam que se deva
assegurar a inexistncia de conflitos de interesses entre investigador e
sujeitos ou entre patrocinador e investigador16.
i) Continuidade da assistncia: A assistncia mdica-sanitria
necessria deve ser continuada mesmo depois de terminada a pesquisa,
assim como o abastecimento de medicaes em experincia em caso de
benefcio ao sujeito16.
j) Publicao de resultados: os resultados devem ser relatados com
honestidade e devem ser encaminhados publicao, sendo ou no
favorveis. importante que os pesquisadores, ao elaborarem o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, deem ateno publicao dos
resultados16.
k) Consentimento livre e esclarecido: a ajuda desta expresso nas
diretrizes brasileiras em lugar de consentimento informado, como ocorre
nas diretrizes internacionais, objetiva destacar dois pontos: a importncia da
liberdade do sujeito para aceitar ou recusar a participao da pesquisa, ou
seja, insere-se nesse aspecto a condio de voluntariedade, e a maneira
como o sujeito deve ser informado. imprescindvel que contenha no corpo
do documento, as formas de contato com o pesquisador responsvel e com
o CEP16.
l) Proteo aos vulnerveis: as diretrizes afirmam que prefervel
envolver sujeitos de pesquisa capazes de consentir. Pessoas em situao
vulnervel podem ser envolvidas se a investigao resultar em seu prprio
benefcio direto16.
m) Confidencialidade: o projeto deve descrever os procedimentos para
garantir a preservao da confidencialidade dos sujeitos. O consentimento
deve assegurar ao sujeito que sua privacidade e a confidencialidade de suas
informaes e de sua identidade sero protegidas por toda a equipe
pesquisadora e pelos patrocinadores16.
29
n) Compensao por gastos: as diretrizes ticas brasileiras probem o
pagamento ao sujeito, porm determinam que ele deva ser indenizado pelos
seus gastos e/ou pelas perdas de rendimentos resultantes de sua
participao na pesquisa. O ajuste desta compensao no deve ser tal que
induza o sujeito a participar da pesquisa16.
Entretanto, para algumas das chamadas reas temticas especiais
foram promulgadas disposies normativas complementares Resoluo
CNS/MS 196/96.
A rede de Comits de tica em Pesquisa formada pelos comits
institucionais e pela Comisso Nacional de tica em Pesquisa. O Comit de
tica em Pesquisa um colegiado interdisciplinar e independente criado
para defender os interesses, a integridade e a dignidade dos sujeitos. Os
comits, que so de carter consultivo, deliberativo e educativo, devem
contribuir para que as pesquisas se realizem de maneira a respeitar as
diretrizes ticas. Deste modo, devem revisar os aspectos ticos de todas as
pesquisas em seres humanos antes de seu incio.
O CEP formado, no mnimo, por sete membros, entre homens e
mulheres, e possui mandato de trs anos. Em sua constituio, participam
profissionais de sade, cincias exatas e humanas, como juristas, telogos,
filsofos, socilogos, estatsticos, bioeticistas e, ao menos, um representante
dos usurios da instituio de onde esteja este comit. Ao menos a metade
dos membros do CEP deve ser de especializados em pesquisas, eleitos por
seus colegas. Devido ao carter multidisciplinar do CEP no pode haver
mais da metade de seus membros pertencentes a uma mesma profisso.
Est prevista a consulta a consultores ad hoc em caso de necessidade,
como exemplo, quando se envolvem comunidades indgenas, devido s
peculiaridades de suas diferentes tradies culturais. O trabalho nestes
comits no remunerado. As direes das instituies devem garantir a
independncia e os recursos necessrios para o bom trabalho do CEP.17
A CONEP deve ser formada tanto por homens quanto por mulheres,
tendo mandato de quatro anos. Para a formao da CONEP, cada CEP
30
indica dois nomes que compem uma lista de candidatos. O Conselho
Nacional de Sade do Ministrio da Sade (CNS/MS) elege sete candidatos
por indicao e seis por sorteio. A CONEP coordena esta rede de Comits
de tica em Pesquisa, que s pode funcionar para reviso e para aprovao
de projetos depois de autorizados. A cada renovao do CEP, deve-se
tambm renovar a autorizao para seu funcionamento.
Uma das funes da rede CEP-CONEP estabelecer um meio de
comunicao entre a sociedade, os pesquisadores e os sujeitos, facilitando
denncias, reclamaes e notificaes.
Em 1997, um ano depois da promulgao da Resoluo CNS/MS
196/96, o nmero de comits autorizados para funcionar era 112. Em maio
de 2007, eram 546 comits registrados, hoje so 602 CEPs no pas, sendo
que destes, apenas 400 esto registrados no (SISNEP) Sistema Nacional de
Informaes sobre tica em Pesquisa18,19.
A distribuio dos comits no igual em todo Brasil. As regies Sul e
Sudeste registram uma quantidade maior de CEPs, pois onde se encontra
a maioria das Universidades e dos Centros de Pesquisas do pas19.
Em Junho de 2003, havia 4.611 profissionais nos comits, com uma
mdia de 12 participantes em cada um. A maioria destes profissionais eram
mdicos (30%). Em segundo lugar estavam os representantes das humanas,
com 15% do total. Havia a participao de enfermeiros, advogados,
farmacuticos, telogos, matemticos, estatsticos, fsicos, bilogos,
pedagogos, filsofos, etc20.
No incio do processo de implementao das diretrizes ticas, havia
uma grande parte de projetos (70%) devolvidos ao pesquisador para
correo, devido a problemas ticos. No entanto, este quadro pouco a pouco
vem mudando e hoje em dia mais de 70% dos projetos so aprovados no
primeiro parecer. Isso mostra o empenho dos pesquisadores, membros de
comits e da CONEP para se fazer observar as diretrizes ticas para
pesquisa em seres humanos 20.
31
As causas para devoluo so: formulrio de consentimento livre e
esclarecido mal elaborado; ausncia de certos documentos do projeto;
ausncia de retorno de benefcios aos sujeitos envolvidos; erros na
metodologia; inexistncia de anlises custo-benefcio; suspenso da
assistncia mdica aos sujeitos de pesquisa depois do fim do projeto;
problemas nos clculos.20
Os problemas no consentimento livre e esclarecido so: linguagem de
difcil compreenso para o sujeito, existncia de clusulas de restrio da
indenizao; ausncia de informaes completas sobre a pesquisa;
ausncia de informaes sobre os meios para contatar com o pesquisador
em caso de necessidade do sujeito; ausncia de informaes completas
sobre os riscos; ausncia de informao sobre a indenizao por gastos
resultantes da participao do sujeito na pesquisa20.
O que nos fica claro, que a pesquisa em seres humanos tem o
compromisso de resguardar a integralidade dos envolvidos. Uma das
estratgias que tem sido utilizada para proteger as pessoas, ora
identificadas como sujeitos de pesquisa, o consentimento livre e
esclarecido 21.
A Resoluo 196/96 normatiza que a pesquisa deve ter um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e este deve ser redigido em
linguagem acessvel, deve detalhar as informaes que necessariamente
devem fazer parte deste documento. O Brasil, atravs da Resoluo utiliza a
nomenclatura Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ao invs de
Consentimento Informado, indicando que o possvel voluntrio, alm de
informado sobre a pesquisa, tambm deve ser esclarecido, e que tambm
livre para aceitar participar ou no do estudo, bem como suspender sua
participao quando quiser, sem qualquer tipo de coero e
constrangimento3,5.
Entretanto, o CEP deve realar a importncia do processo de
consentimento livre e esclarecido e no s a assinatura do Termo de
32
Consentimento. Nos casos em que pacientes internados so sujeitos de
pesquisa convm registrar em seus pronturios os procedimentos para a
implementao do processo de consentimento livre e esclarecido, quando
possvel. Assim, o protocolo de pesquisa deve conter a descrio dos
procedimentos para esclarecimento do sujeito (informao individual, em
grupos, palestras, vdeos) e por quem ser feito15.
1.2 O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O consentimento um elemento do atual exerccio da medicina e de
toda rea da sade, tanto na prtica assistencial quanto na pesquisa. O
Consentimento Livre e Esclarecido no apenas uma doutrina legal, mas
um direito moral dos sujeitos, que gera obrigaes morais para os
profissionais.22 entendido como a autorizao dada de forma livre para a
realizao de um procedimento clnico, cirrgico ou de pesquisa, aps terem
sido fornecidas todas as informaes necessrias plena compreenso dos
riscos, desconfortos e benefcios associados23.
O Consentimento Livre e Esclarecido a liberdade de expresso que o
sujeito de pesquisa tem ao servir de instrumento para assegurar e
comprovar sua autonomia. Toda e qualquer pesquisa requer o
consentimento do provvel sujeito quanto a sua participao ou no.
importante que a pessoa tenha conscincia que est sendo convidada a
participar da pesquisa, no acarretando, portanto, qualquer constrangimento
ou danos no caso da no aceitao. Essa exigncia baseada no dever
moral de no se agir contra a vontade de um indivduo e no respeito
dignidade da pessoa humana. Portanto, o consentimento livre e esclarecido
parte de uma deciso compartilhada entre o participante do estudo e o
pesquisador. Como citado anteriormente, a tica em pesquisa exige que o
33
pesquisador obtenha o consentimento de acordo com as diretrizes nacionais
e internacionais. A declarao de Helsinque, da Associao Mdica
Mundial, e nas diretrizes ticas Internacionais para a Pesquisa Biomdica
em Seres Humanos, elaboradas pelo Conselho de Organizaes
Internacionais de Cincias Mdicas (CIOMS) em colaborao com a
Organizao Mundial da Sade (OMS) estabelece as diretrizes
internacionais sobre consentimento livre e esclarecido. A declarao de
Helsinque e as diretrizes do CIOMS estipulam que as informaes
essenciais devem ser fornecidas de forma clara e objetiva aos possveis
participantes da pesquisa24.
H uma diferena muito importante entre uma interveno mdica
assistencial e uma interveno no mbito de um protocolo de pesquisa. A
principal diferena o interesse primrio entre as duas aes, na primeira, a
ao visa um benefcio direto pessoa em questo, j na segunda, o bem
buscado para a sociedade em geral e para o conhecimento tcnico, com
possveis benefcios aos participantes. Esta diferena essencial refora a
exigncia de que a participao em um estudo seja voluntria. O
consentimento livre e esclarecido assegura que as pessoas participantes
sejam tratadas dignamente24.
O fundamento tico do consentimento livre e esclarecido o princpio
moral do respeito autonomia do participante, ou seja, a capacidade das
pessoas de tomarem decises apropriadas referentes aos procedimentos
envolvidos em uma interveno clnica. Este princpio derivado da difuso
e aceitao amplas da propriedade moral do respeito autonomia dos
participantes em todas as circunstncias24.
A mais concisa definio de consentimento livre e esclarecido a
citada nas diretrizes do CIOMS, trata-se de uma deciso manifestada quanto
participao em uma pesquisa por uma pessoa plenamente capaz que,
aps ter recebido as informaes necessrias, tenha entendido-as
adequadamente e considerado-as, decide a participao ou no no estudo
sem ter havido uma coero, influncia indevida, induo ou intimidao24.
34
Os pesquisadores devem obter o consentimento livre e esclarecido dos
provveis sujeitos, para tanto necessrio o fornecimento apropriado de
informaes, contendo os detalhes do experimento em uma linguagem
adequada ao nvel de compreenso dos sujeitos; importante tambm
salientar que o consentimento baseado na confiana mtua entre os
envolvidos24.
A validade tica do consentimento no depende apenas do termo,
todavia da qualidade da interao entre um leigo e um especialista. Em
alguns tipos de pesquisa, como por exemplo, aquelas em que so aplicados
questionrios respondidos pelo participante e devolvidos ao pesquisador h
a dispensa do termo em si, pois, nesses casos, o participante demonstra
ipso facto ter consentido em participar do estudo. O consentimento no
deve ser visto como o evento em que a pessoa d anuncia ou no quanto a
sua participao em uma pesquisa, mas um processo que visa,
fundamentalmente, resguardar a autonomia da pessoa, no sentido de
garantir a sua livre escolha aps ter sido convenientemente esclarecido
sobre todas as questes pertinentes. Um pressuposto deste processo o de
que a pessoa tenha capacidade para tomar decises que resultem no seu
melhor interesse23. Formalizar o registro, portanto, apenas uma etapa do
processo. Tal processo inicia com o primeiro contato que o pesquisador faz
com os possveis participantes e continua at que o estudo se complete, por
isso, diz-se que a obteno do consentimento no finda na assinatura do
formulrio. Ressalta-se a importncia de que o surgimento de qualquer
informao que possa afetar o consentimento obtido previamente durante o
andamento da pesquisa devem ser comunicados aos sujeitos, com a
finalidade de rever a manuteno deste consentimento, levando em
considerao tais fatores24.
Um dos aspectos essenciais para nortear a deciso do participante
conhecer a metodologia e os riscos da pesquisa na qual ele est sendo
convidado a participar voluntariamente e essa uma das grandes
responsabilidades do TCLE. So caracterizadas como duas violaes
35
bsicas ao processo de consentimento: a falta de informaes adequadas e
a falha na obteno do consentimento (anuncia). Esta caracterizao indica
dois componentes fundamentais e interdependentes do Consentimento
Informado, so eles o de informao e o de consentimento 23,25.
O primeiro deles, o componente de informao, deve garantir ao
provvel sujeito de pesquisa, no caso de uma investigao cientfica, o
acesso aos dados sobre a pesquisa e procedimentos utilizados, sua
participao como voluntrio, os riscos submetidos e os possveis benefcios
envolvidos, a confidencialidade das informaes e que ser atualizado sobre
as novas informaes geradas ao longo do projeto. O meio para transmitir a
informao deve ser adequado ao estgio de desenvolvimento da pessoa e
ao seu grau de compreenso22,23.
J o componente de consentimento deve basear-se no respeito
capacidade de livre deciso das pessoas. Segundo Kesselring T (1993),
Jean Piaget descreveu a noo de autonomia como a capacidade do
indivduo coordenar diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do
respeito recproco26.
Alm dos dois componentes apresentados, segundo English DC
(1993), alguns autores como Judith C. Ahronheim e colaboradores
caracterizaram trs elementos bsicos para o consentimento informado:
capacidade, informao e consentimento. Porm, para que o consentimento
seja considerado vlido, Dan English ampliou para quatro o nmero de
elementos: fornecimento de informaes; compreenso; voluntariedade e o
consentimento propriamente dito27.
O componente de consentimento baseado na autonomia e essa
autodeterminao uma condio necessria ao Consentimento Informado,
cuja validade moral e legal depende da capacidade da pessoa. Esta
capacidade de deciso autnoma individual, alm das caractersticas de
desenvolvimento psicolgico, baseia-se em diversas habilidades, entre as
quais o envolvimento com o assunto, a compreenso das alternativas e a
36
possibilidade de comunicao de uma preferncia, que nos remetem ao
outro componente que o da informao23.
Comumente os pesquisadores em sade elaboram o TCLE com se
estivessem dirigindo-se a um colega da rea, com estrutura, contedo e
linguagem tcnico-cientfica. O projeto de pesquisa tem que ser
apresentado ao CEP desta forma, contudo nunca o TCLE, pois este visa o
fornecimento de informaes aos sujeitos em pesquisa e aquele visa
explicitao aos membros de um CEP25.
O TCLE um documento destinado ao potencial sujeito da pesquisa e
precisa ser autoexplicativo, pois, como j mencionado, o instrumento em si
dever ser claro e objetivo sem qualquer interferncia do pesquisador no
que diz respeito interpretao do documento. Alm de claro, o TCLE deve
ser o mais sucinto possvel, sendo composto apenas daquelas informaes
indispensveis, em linguagem leiga e simples. No carecendo de inferncias
do pesquisador, porm no privando o direito do sujeito solicitao de
explicaes, bem como a participao da leitura e interpretao do
instrumento junto a outra pessoa (familiares, amigos) para que assim possa
tomar uma deciso. O sujeito de pesquisa tem o direito de acessar os
resultados da pesquisa e ter conhecimento dos meios de divulgao e das
estratgias que sero usadas para preservar sua identidade25.
Esta simplicidade textual necessria para a elaborao do TCLE pode
ser exemplificada at mesmo atravs da palavra consentimento, uma vez
que ela pode no ser compreendida pelo voluntrio. Na Lngua Portuguesa
h vrios nveis de linguagem, distanciam-se, portanto, a lngua falada
lngua escrita, a popular norma culta, dificultando com isso a compreenso
de determinados vocbulos utilizados. O principal objetivo destacar a
clareza da linguagem na Elocuo de Aquiescncia Alumiada e Autocfala
imprescindvel, ou seja, fundamental que o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido tenha linguagem clara. No exemplo acima, nota-se a diferena
na seleo dos vocbulos a despeito da rea de atuao dos interlocutores,
esta se mostra clara e objetiva para os agentes familiarizados com a
37
pesquisa e aquela demonstra uma quantidade de palavras mais complexas,
de difcil compreenso25.
Veatch (1995) defende que o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido deveria ser abandonado ao menos da maneira com que
entendido hoje, isso porque, impossvel o mdico ou o pesquisador terem
a exata noo do repasse adequado das informaes ao sujeito de
pesquisa. A pessoa que elabora o TCLE, sendo mdico ou pesquisador, no
tem condies de estabelecer o que o melhor interesse do interlocutor 28.
Pode-se dizer que existem dois tipos de modelos de obteno de
consentimento: como evento e como processo. O consentimento como
evento no permite que sejam dadas todas as informaes necessrias para
uma tomada de deciso adequada. J o modelo tipo processo, permite que,
no caso de uma pesquisa, os envolvidos possam trocar informaes e
questionamentos23,29.
Quadro 1 - Comparao entre as caractersticas do Consentimento
como evento e como processo.
Caracterstica Consentimento como evento
Consentimento como processo
Capacidade Suposta Avaliada
Explicao Repasse de informaes Troca de informaes Recomendao Comunicada Discutida Compreenso Possvel Buscada
Deciso Rpida e simples Demorada e refletida Autorizao Burocrtica Humanizada
nfase Legal Moral
Fonte: Goldim JR23, 1999; p.54.
O modelo tipo evento torna-se predominante, at pelo ponto de vista
prtico, pois ele acarreta menos envolvimento, conhecimento e,
principalmente, tempo para obter a anuncia da pessoa. O Termo de
consentimento, como elaborado atualmente, no evidencia uma
preocupao moral do pesquisador com o participante. Esta situao
ressalta que, infelizmente, este termo de consentimento , na verdade,
pretendido como um termo de iseno de responsabilidade23.
38
Vale ressaltar que a relao entre o possvel sujeito de pesquisa e o
pesquisador pode ser dividida e caracterizada em diferentes modelos.
Robert Veatch props quatro modelos para caracterizar esta relao: o
paternalista; o informativo; o igualitrio e o contratualista.
Em 1992, Ezequiel Emanuel e Linda Emanuel propuseram uma outra
classificao. Nesta abordagem incluram o modelo instrumental, dividiram o
contratualista em interpretativo e deliberativo e por fim, excluram o modelo
igualitrio23.
Dos modelos propostos por Emanuel e Emanuel alguns no so
aconselhveis para a pesquisa, por exemplo, o instrumental que utiliza o
participante da pesquisa como um meio, e h uma relao de poder implcita
ou explcita entre o pesquisador e o sujeito de pesquisa. Para facilitar a
compreenso desta relao, necessrio verificar os conceitos de poder e
de autoridade, propostos por Bertrand de Jouvenal. Autoridade, segundo
este autor, no tem vinculao com a utilizao de coero ou fora, na
verdade ela a caracterstica que uma pessoa tem de induzir ao
assentimento, aceitao de sua proposta. Seguir uma autoridade um ato
voluntrio, logo, a autoridade termina quando a aceitao voluntria cessa.
J o poder, por seu lado, a habilidade de dirigir a ao de outras pessoas
atravs da fora implcita ou explcita30.
O modelo instrumental caracterizaria uma relao claramente abusiva,
pois o poder estaria concentrado no pesquisador. De acordo com este
modelo, o participante da pesquisa seria utilizado apenas como um meio
para atingir outra finalidade, sem que merecesse considerao pela sua
participao. Nesta relao, o Consentimento Livre e Esclarecido inexiste do
ponto de vista moral, pois os participantes da pesquisa no recebem
informaes adequadas nem tem a possibilidade de exercerem o seu direito
de deciso voluntria23.
No modelo paternalista o componente de voluntariedade do
Consentimento Livre e Esclarecido ainda est ausente, visto que o
39
pesquisador exerce o seu poder frente ao sujeito de forma mais implcita.
Pode-se utilizar da relao de dependncia de um paciente com relao ao
atendimento de suas necessidades de sade ou de posies hierrquicas
com relao a alunos ou funcionrios23.
O modelo informativo baseia-se na premissa de que o pesquisador no
deve exercer a sua autoridade frente aos indivduos convidados a
participarem da pesquisa, e sim manter-se isento. Toda a responsabilidade
pela deciso recai sobre o indivduo pesquisado. Esta posio pode,
contraditoriamente, reduzir a qualidade das informaes prestadas. O
pesquisador, ao no assumir a defesa de sua proposta, pode deixar o
eventual participante em uma situao de insegurana23.
O modelo igualitrio, no qual o pesquisador e o participante decidem
com igualdade de papis, tem algumas dificuldades para ser transposto para
a pesquisa. Nesta proposta o pesquisador no teria qualquer influncia, nem
por poder nem por autoridade, frente ao participante. A nica possibilidade
seria a verificada em estudos que se utilizam de mtodos de pesquisa
participante, no qual o pesquisador se iguala aos indivduos pesquisados.
Mesmo assim, esta relao desigual, uma vez que o pesquisador se
agrega a este grupo de pessoas com um objetivo ou questes de pesquisa
previamente definidos. O Consentimento Livre e Esclarecido, nestas
situaes, seria difcil de ser compreendido: no haveria a clara
diferenciao de papis entre pesquisador e indivduos pesquisados23.
O modelo contratualista se caracteriza pelo exerccio da autoridade por
parte do pesquisador. O processo de tomada de deciso, contudo,
compartilhado entre pesquisador e pesquisado. Ocorre uma troca de
informaes, com o reconhecimento de valores individuais que podem
influenciar na deciso. O pesquisador assume a defesa da alternativa
proposta pela pesquisa, mas o pesquisado tem liberdade para argumentar e
decidir. Este seria o modelo ideal para a obteno de um Consentimento
Livre e Esclarecido23.
40
A anlise dos diferentes modelos de obteno do Consentimento Livre
e Esclarecido e da relao entre pesquisador e pesquisado, indica algumas
inadequaes na transposio do consentimento, habitualmente utilizado em
situaes assistenciais para as de pesquisa23.
Na situao assistencial, o paciente quem, habitualmente, busca o
contato com o mdico. Este tem por objetivo atender aos melhores
interesses de seu paciente. Na pesquisa, ao contrrio, o pesquisador recruta
pessoas que preencham seus critrios de incluso, previamente
estabelecidos, visando gerar novos conhecimentos. Em muitos projetos, a
pesquisa tambm pode atender a interesses dos participantes, porm em
outros eles no tero qualquer benefcio direto23.
A relao entre mdico e paciente, excetuando-se talvez o modelo
instrumental, sempre personalizada. uma relao entre duas pessoas
claramente identificadas, pelo menos no momento do atendimento. Na
pesquisa, a relao do pesquisador com a amostra de indivduos, com o
conjunto de dados que esto sendo gerados, uma relao genrica e,
muitas vezes, difusa. O pesquisador pode, inclusive, nunca ter contato
pessoal com os indivduos pesquisados, e at mesmo no ter acesso,
sequer, a dados que permitam identific-los23.
Em um grande nmero de situaes de pesquisa com seres humanos,
independentemente do pas onde ocorra, o modelo clssico de obteno de
Consentimento Livre e Esclarecido, especialmente o desenvolvido como
processo, tem indicao e uso apropriado. Existem, contudo, situaes
especiais, que poderiam merecer tratamento diferenciado, inclusive com a
dispensa da aplicao do TCLE. Podem ser includas nesta categoria as
pesquisas em bancos de dados, as pesquisas realizadas em situaes de
emergncia, as pesquisas com preservao plena de anonimato23.
O TCLE evoluiu nos ltimos anos e hoje visto como um elemento
fundamental na relao mdico-paciente e na relao pesquisador-sujeito de
41
pesquisa. Esta evoluo parte da tradio hipocrtica, em que, no princpio,
o que vigorava era a beneficncia paternalista31,32.
Com os ltimos anos, tem sido buscada a participao dos sujeitos
envolvidos nas relaes para uma participao mais ativa nas decises, com
isso, o protagonismo dos pacientes e sujeitos de pesquisa tem sido mais
solicitado, consequentemente, o profissional, que na tradio hipocrtica era
o detentor do saber, hoje passa a no mais decidir pela pessoa. Contudo,
devido aos seus conhecimentos e competncias tcnicas so participantes,
pois ajudam as pessoas a compreender a situao, tornando a deciso do
sujeito mais autnoma 31.
Para que uma ao seja considerada autnoma, ela deve cumprir trs
condies: intencionalidade (capacidade de ao intencional), conhecimento
(compreenso) e ausncia de controles externos (coero)32,33.
O TCLE se responsabiliza na investigao com seres humanos atravs
da aplicao do princpio tico da autonomia. A definio do Consentimento
Livre e Esclarecido, difundida no Brasil atravs da Resoluo 196/96 CNS,
dispe que15:
Consentimento livre e esclarecido - anuncia do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vcios (simulao, fraude ou erro), dependncia, subordinao ou intimidao, aps explicao completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, mtodos, benefcios previstos, potenciais riscos e o incmodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participao voluntria na pesquisa.
Portanto, o TCLE deve garantir que a pessoa, sendo um sujeito de
pesquisa ou paciente, aps ter sido devidamente informado e com suas
dvidas esclarecidas, livre de qualquer tipo de presso ou coero, d ou
no sua anuncia sobre participar de uma pesquisa de forma voluntria.
importante ressaltar que a liberdade da pessoa, em retirar o seu
consentimento, nunca poder oner-la quanto ao seu tratamento na
instituio, bem como, em casos especficos, a continuao do tratamento
aps o encerramento do estudo. Nesse caso, trata-se de pesquisas com
42
medicamentos em fases de testes, em que o sujeito de pesquisa
beneficiado com a utilizao da medicao em teste, junto com a equipe
responsvel ser realizada a avaliao da continuidade deste tratamento.
Outra questo importante, que o responsvel por esse tratamento dever
ser o responsvel pelo financiamento da pesquisa, no caso de pesquisas da
indstria farmacutica. Fica evidente que o Sistema nico de Sade SUS
nunca poder ser onerado de tratamentos ou fornecimentos de materiais ou
medicamentos para fins de pesquisas 15,19.
Pode-se dizer que o TCLE constitudo de dois componentes, o
informativo e o consentimento. O componente informativo consiste na
exposio da informao passvel de compreenso pelo sujeito. J o
consentimento remete deciso voluntria do sujeito de submeter-se ou no
a uma interveno proposta 23,32.
Em todos os casos os elementos normativos do consentimento
compreendem 32:
1. Um processo contnuo de dilogo, que envolve uma tomada de
deciso baseada na reflexo, trata-se de uma ao prudencial e que, em
todas as ocasies, requer apoio escrito e deve ser registrado de maneira
adequada, isso torna mais fcil a manuteno do consentimento, pois a
pessoa pode, a qualquer momento, retomar sua deciso baseada no TCLE.
Por isso, a simplificao do consentimento como um evento fere do ponto de
vista tico a aplicao do princpio da autonomia32.
2. Voluntariedade expressa pela confirmao de um processo de
consentimento livre de coaes, de manipulaes e de excesso de
persuaso por parte do profissional/pesquisador, por isso apontada como
condio necessria e suficiente para que os atos possam ser considerados
autnomos1.
3. Informao suficiente: a adequao da informao deve ser
especfica, de acordo com as necessidades de cada pessoa para que ela
possa tomar uma deciso. Esse um dos motivos pelos quais o
consentimento no deve estar ligado apenas ao TCLE, mas as
especificidades e necessidades de cada indivduo1,32.
43
4. Informao compreensvel, esse um ponto crucial no TCLE, e faz
parte da reflexo deste trabalho, pois a informao deve ser adaptada e
dirigida para o pblico no qual o pesquisador est interagindo. Os
pesquisadores em geral e, principalmente, as equipes de sade geralmente
utilizam uma linguagem altamente tcnica, distante da realidade dessas
pessoas, atravs de textos pouco acessveis32.
5. Capacidade por parte do paciente para compreender a informao,
avali-la e comunicar sua deciso. A exposio de informao no to
eficiente na maioria das vezes; estimular questionamentos e procurar
conhecer os interesses e preocupaes dos provveis sujeitos de pesquisa
auxiliam na compreenso32.
A competncia para tomar decises requer exatamente isso, que a
pessoa tenha a capacidade para entender a informao, portanto, julga-se
que a pessoa tenha o direito de conhecer a pesquisa para sua tomada de
deciso em participar ou no.
6. O Processo de tomada de deciso consiste na aceitao ou recusa
da participao como voluntrio na pesquisa32.
Podemos dizer que o consentimento composto por quatro elementos
bsicos: a capacidade de consentir; a exposio total de informaes
importantes; a compreenso adequada destas informaes e a deciso
voluntria em participar ou no da pesquisa em qualquer momento sem
prejuzo para este sujeito.
Logo, no podemos afirmar que o consentimento consista apenas na
assinatura do TCLE, mas sim num processo que perpasse pela informao,
compreenso e voluntariedade do provvel sujeito de pesquisa, logicamente,
o TCLE faz parte desse processo e tem grande importncia no
consentimento.
O Consentimento livre e esclarecido apontado como parte essencial
na afirmao tica de uma pesquisa. No Brasil, o respeito dignidade
humana expresso pelo consentimento livre e esclarecido dos sujeitos de
44
pesquisa, por isso, de forma geral, toda pesquisa que evolva seres humanos
deve conter o consentimento15.
Alm de ser elaborado em linguagem acessvel aos provveis sujeitos,
o TCLE deve conter a justificativa, os objetivos e os procedimentos aos
quais o sujeito poder ser submetido. Devem ser apontados os desconfortos
e riscos possveis bem como os benefcios esperados, os mtodos
alternativos pesquisa; a forma de acompanhamento e assistncia; deve
ser garantido o direito de esclarecimentos antes e durante o curso da
pesquisa, sobre a metodologia, incluindo a informao da possibilidade de
incluso em grupo controle ou placebo. garantida ao provvel sujeito de
pesquisa a possibilidade de recusar a sua participao na pesquisa bem
como, retirar o seu consentimento em qualquer momento, sem sofrer
nenhum tipo de penalidade. Deve-se ainda, garantir o sigilo, a privacidade
dos sujeitos e a confidencialidade dos dados que possam identificar as
pessoas. Caso haja alguma forma de ressarcimento de despesas
decorrentes da pesquisa, essas devem ser apontadas no TCLE, bem como
as formas de indenizao diante de eventuais danos decorrentes da
pesquisa15.
O TCLE deve ser elaborado pelo pesquisador responsvel, deve ser
aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa que referenda a investigao e
deve ser elaborado em duas vias, garantindo ao sujeito de pesquisa, o
direito de guardar uma das vias para posterior avaliao sobre sua
participao e com isso, podendo manifestar seu interesse em retirar seu
consentimento15.
Caso haja necessidade de restrio de informaes aos sujeitos de
pesquisa, a depender do mrito da pesquisa, o fato deve ser explicitado e
justificado pelo pesquisador responsvel ao CEP15.
45
1.3 O SUJEITO DE PESQUISA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE
E ESCLARECIDO
1.3.1 Autonomia e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
O princpio do respeito pessoa ou princpio da autonomia
expresso pela anuncia ou no da pessoa para o uso do seu corpo ou de
qualquer informao dela coletada. O instrumento mais utilizado que tem
como principal funo o respeito pela autonomia da pessoa o
consentimento livre e esclarecido, sendo em sua forma mais conhecida
como um TERMO ou em outras formas como a verbal. O consentimento
livre e esclarecido envolve uma relao de dilogo, respeito mtuo,
tolerncia ativa, vnculo e acolhimento, com isso, deveriam ser eliminadas as
atitudes arbitrrias ou prepotentes por parte do profissional da sade ou
pesquisador, sendo o potencial sujeito de pesquisa um ser autnomo, livre e
merecedor de respeito34,35. Este princpio est pautado na tica
principialista que teve ampla utilizao na Amrica do Norte e no mundo,
apesar das limitaes impostas pelas dificuldades prticas de sua aplicao
nas decises, uma vez que no se prope a uma hierarquia pr-definida
entre os valores, e pelos questionamentos de sua adequao dentro da
diversidade cultural e social dos pases.
Historicamente, o bem pessoa foi uma meta obrigatria,
entretanto, devido s vrias nuances do bem, com o tempo, esse
entendimento foi se perdendo e, com isso, na rea da sade, o
paternalismo. Esta rejeio ao paternalismo oriunda do Iluminismo que fez
aflorar o princpio da autonomia como reconhecimento de que os afetados
pela ao mdica no so seres heternimos, mas autnomos e, sendo
46
assim, possuem o direito de ser consultados em muitos momentos para que
assim possam dar seus consentimentos livres e esclarecidos36.
A palavra autonomia, derivada do grego autos (prprio) e nomos
(regra, governo ou lei), significa, etimologicamente, autoimposio de
leis. Segundo Beauchamp e Childress (2002), a autonomia adquiriu
significados diversos, como autogoverno, direitos de liberdade, privacidade,
escolha individual, liberdade de vontade, ser o motor do prprio
comportamento e pertencer a si mesmo. a capacidade da pessoa de
escolha independente e livre. Respeitar a autonomia aceitar as opinies
dos outros, suas escolhas, desde que essas no prejudiquem a terceiros,
assim, a reduo da autonomia individual caso esta expusesse a
coletividade seria justificvel37. Respeitar a autonomia , ainda, garantir o
direito informao para que a pessoa possa ter a liberdade de agir com
base em seus julgamentos, livre de coaes1.
O respeito pela autonomia implica em as pessoas serem capazes de
deliberar sobre suas decises e, sendo assim, devem ser tratadas com
respeito pela sua capacidade de autodeterminao. Caso a pessoa esteja
em situao que diminua sua autonomia, ela dever ser protegida contra
prejuzos ou abusos38.
A autonomia deve ser considerada como um exerccio da
subjetividade, cada pessoa estabelece sua prpria escala de valores,
podendo, diante de determinada circunstncia, ter condies de decidir de
acordo com esses valores.
Charlesworth (1996) apud Seaone e Fortes (2007), traz uma
perspectiva social para a autonomia da pessoa, podendo conduzir noo
de cidadania. Ningum est capacitado para desenvolver a liberdade
pessoal e sentir-se autnomo se est angustiado pela pobreza, privado de
educao bsica ou se vive desprovido da ordem pblica39.
Pelez (2005) indica que a informao em sade, bem como outros
fatores protetores relacionados com a comunicao so fundamentais para o
47
aumento das condies que favoream a sade das pessoas, e com isso,
est intrinsecamente ligado promoo da sade, pois relaciona-se com a
autonomia destas pessoas. necessrio que, na ateno sade, uma
comunicao consciente, com informaes oportunas, sensveis e precisas
seja realizada. Outras caractersticas do consentimento livre e esclarecido
que reconhecem a dignidade humana so a empatia e o respeito40. A
relao da autonomia pessoal na dimenso social de extrema relevncia
para o terceiro mundo, onde as sociedades mantm equilbrios instveis,
desigualdades persistentes, dependncias restritivas que devem ser
agravadas por tenses indevidas ao exerccio da autonomia41.
Beauchamp e Childress (2002) caracterizam a pessoa autnoma
como a que age livremente de acordo com um plano escolhido por ela
mesma, da mesma forma como um governo administra seu territrio e
define suas polticas, ou seja, o consentimento dado por uma pessoa
consciente de sua autonomia40. A pessoa com autonomia reduzida , em
algum aspecto, ao menos controlada por outros ou incapaz de deliberar ou
agir com base em seus desejos e planos1.
O termo de consentimento livre e esclarecido TCLE, como mais
comumente chamado o consentimento informado, no Brasil, tem sido
discutido em seus aspectos legais, reduzindo a complexidade da questo,
ao acatamento ou no de regras jurdicas. O consentimento informado no
apenas uma doutrina legal, mas direito moral das pessoas e gera
obrigaes ticas para os profissionais envolvidos na assistncia ou na
pesquisa22.
A necessidade da autorizao da prpria pessoa para que seu corpo
possa ser tocado, violado ou manipulado, est na tradio anglosax desde
a outorga da Magna Charta Libertatum, em 1215. Posteriormente, em 1859,
John Stuart Mill22, em sua obra On Liberty, props que "Sobre si mesmo, seu
prprio corpo e mente, o indivduo soberano". Foi nesta perspectiva
cultural que se formou a noo de consentimento informado.
48
A primeira utilizao de um documento que pode ser equiparado a um
TCLE em pesquisa que data de 1833 e ocorreu quando foi estabelecido um
contrato entre um mdico e um paciente para que esse estivesse disponvel
por um ano para todos os experimentos que fossem realizados pelo
profissional42.
A denominao Consentimento Informado foi criada em 1957 em
uma sentena judicial no Estado da Califrnia/EUA, no julgamento do caso
Salgo v. Leland Stanford Jr University Board of Trustees. O caso envolvia a
necessidade de informar adequada e previamente ao paciente a realizao
de um procedimento, possibilitando o consentimento racional do paciente43.
No Brasil, a utilizao do Termo de Consentimento Informado em
atividades de pesquisa foi efetivamente regulamentada em 1988 pela
Resoluo 01/88 do Conselho Nacional de Sade (CNS). Nesta ocasio, o
documento foi denominado de Termo de Consentimento Ps-Informao.
Em 1996, esta norma foi substituda pela Resoluo 196/9623. O documento
passou a ter a denominao oficial de Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. No item IV.2 da Resoluo esto estabelecidos os requisitos
para que o documento seja considerado eticamente vlido.
Em linhas gerais, o TCLE deve ser elaborado pelo pesquisador
responsvel em linguagem compatvel com o nvel de compreenso
intelectual, psicolgica, cultural, emocional e etria do possvel sujeito de
pesquisa, devendo ser feito em duas vias que sero assinadas por todos os
envolvidos. Destas vias, uma fica em poder do sujeito e a outra deve ser
arquivada pelo pesquisador responsvel. Segundo a resoluo, o Comit de
tica em Pesquisa deve aprovar o texto do TCLE.
Entretanto, o consentimento livre e esclarecido no se restringe ao
evento da anuncia em participar de uma pesquisa ou submeter-se a um
procedimento com a assinatura do termo de consentimento, mas um
processo que envolve respeito mtuo, dilogo, tolerncia ativa, vnculo e
acolhimento na relao sujeito de pesquisa-pesquisador35. Como essa
49
relao demanda segurana, necessrio que haja o respeito pela
autonomia do sujeito37.
Tom L. Beauchamp e Ruth Faden1, propuseram como componentes
do processo de consentimento: condies prvias da pessoa que ir
consentir, elementos de informao e consentimento propriamente dito:
I) Pr-condies:
1.Capacidade para entender e decidir;
2.Voluntariedade no processo de tomada de deciso.
II) Elementos da informao:
3.Explicao sobre riscos e benefcios;
4.Recomendao de uma alternativa mais adequada;
5.Compreenso dos riscos, benefcios e alternativas.
III) Elementos de consentimento:
6.Deciso em favor de uma opo, dentre no mnimo duas
propostas;
7.Autorizao para a realizao dos procedimentos propostos.
A competncia ou a capacidade de deciso baseia-se em diversas
habilidades. A capacidade moral e legal do consentimento livre e
esclarecido dependem da capacidade da pessoa44.
50
Para Beauchamp e Childress (2002), a capacidade mais uma
pressuposio ou condio da prtica da obteno do consentimento do
que um elemento, por isso tomada como pr-condio. A capacidade para
deciso est ligada s condies cognitivas, psicolgicas, legais e
emocionais para a deciso autnoma e, assim, s questes sobre a
validade do consentimento1.
A capacidade possui um significado fundamental que a habilidade
de realizar uma tarefa. A tomada de deciso uma tarefa. A capacidade
para decidir relativa, ou seja, o nvel de capacidade exigido de cada um
depende da deciso particular a ser tomada, por isso, raramente, se julga
uma pessoa incapaz com respeito a todas as tarefas da vida. A capacidade,
portanto, deve ser entendida como algo especfico e no global1.
Uma deciso substancialmente autnoma aquela tomada por uma
pessoa considerada responsvel, Beauchamp e Childress (2002) partem do
pressuposto de que, em geral, adultos so capazes de tomar decises1, ou
seja, a capacidade para entender e decidir, usualmente, vista como
dependente da idade.
Entretanto, a capacidade de uma pessoa se baseia em diversas
habilidades necessrias ao processo de tomada de deciso, tais como: a
possibilidade de envolver-se com o assunto, de compreender ou avaliar o
tipo de alternativas e a possibilidade de comunicar a sua preferncia45. A
capacidade individual de compreender uma informao relacionada com a
liberdade. Esta compreenso vista como uma base necessria para que se
possam realizar juzos de valores40.
Estas caractersticas e habilidades no so unicamente dependentes
da idade cronolgica do indivduo. O fato de a pessoa ter atingido uma
determinada idade legal no garante que ela j tenha capacidade para tomar
decises, tampouco, os limites inferiores da maioridade civil ou o contrrio, a
senilidade so impedimentos para que a criana, o adolescente ou o idoso
participem do processo de consentimento46. A capacidade deve ser vista
51
como uma funo contnua e no pontual, como uma caracterstica rotular.
Uma criana j pode ter capacidade para lidar com determinadas situaes
assim como os adolescentes. Um idoso, pelo simples fato de ter uma idade
avanada, no tem obrigatoriamente perda de capacidade para tomar
decises, ao contrrio, pode ter uma melhor compreenso do processo
como um todo, devido a sua experincia adquirida ao longo da vida. Mesmo
um idoso com a Doena de Alzheimer pode ter capacidade para tomar
decises sobre a sua sade, dependendo do estgio em que a doena se
encontra e da deciso a ser tomada47.
Pode-se dizer que autonomia a capacidade que a pessoa tem de
deliberar sobre suas metas e finalidades pessoais. Entretanto, o seu
exerccio possui limitaes manifestadas por alteraes de conscincia
consequentes de enfermidades mentais, efeitos de drogas e at mesmo
quando uma pessoa est submetida coao ou ameaa. Outra
incapacidade reconhecida a que limita por idade, entretanto, hoje as
crianas so muit