Direito Internacional Público – 1ºAno A Determinação das Fontes do Direito Internacional
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1. A DETERMINAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL
Em relação ao Direito Internacional Público, em matéria de tipificação das fontes, a doutrina que
vai estudando a questão tem recorrido ao artigo 38º do ETIJ, diploma que organiza o órgão Judicial da ONU,
que é o TIJ, que a seguir se transcreve:
1. O Tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as controvérsias
que lhe forem submetidas, aplicará:
a. As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como direito;
c. Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. Com ressalva das disposições do artigo 59, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal (*) de decidir uma
questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.
O problema é que este artigo 38º do ETIJ está longe de ser uma solução perfeita para a
determinação das fontes de Direito Internacional, tal o volume de deficiências que comporta. Cinco são as
dificuldades com que deparamos na função do artigo 38º do ETIJ:
- nem todas as fontes apresentadas o são proprio sensu, podendo algumas ser outra coisa, mas não
certamente fontes de direito;
- a definição das fontes normativas é feita incorrectamente, padecendo a respectiva formulação de
alguns erros técnicos;
- a alusão às fontes, na sequência adoptada, não pode ter o significado de proceder à respectiva
hierarquização;
- a enumeração das fontes, no conjunto das que foram consideradas, levanta o problema do seu
carácter exaustivo, perguntando-se acerca das relevância de outras não contempladas;
- a aprovação deste preceito não tem qualquer valor vinculativo internacional no estabelecimento
universal de um sistema de fontes genericamente obrigatório.
Bem mais avisada parece ter sido a solução adoptada pelo ERTPI, que igualmente se socorre de
artigo análogo na enumeração das fontes jurídico-internacionais que o TPI deve aplicar no exercício das
suas competências, mas em que se regista a correcção de algumas das anomalias de que padece aquele
artigo 38º do ETIJ, atigo 21º do ERTPI que se transcreve.
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Artigo 21.º
Direito aplicável
1 - O Tribunal aplicará:
a) Em primeiro lugar, o presente Estatuto, os elementos constitutivos do crime e o Regulamento
Processual;
b) Em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de direito internacional
aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados;
c) Na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos
diferentes sistemas jurídicos existentes, incluindo, se for o caso, o direito interno dos Estados que
exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime, sempre que esses princípios não sejam
incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito internacional nem com as normas e padrões
internacionalmente reconhecidos.
2 - O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si
interpretados em decisões anteriores.
3 - A aplicação e interpretação do direito, nos termos do presente artigo, deverá ser compatível
com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, sem discriminação alguma baseada em
motivos tais como o sexo, tal como definido no n.º 3 do artigo 7.º, a idade, a raça, a cor, a religião ou o
credo, a opinião política ou outra, a origem nacional, étnica ou social, a situação económica, o nascimento
ou outra condição.
Da leitura deste artigo retiramos 3 conclusões:
- O sentido deste artigo é o realizar uma identificação das verdadeiras fontes do Direito
Internacional Penal aplicáveis pelo TPI, pelo que são dispensadas muitas daquelas fontes que nos parecem
ser pretensas fontes jurídico-internacionais, não se fazendo qualquer alusão neste contexto - e bem - à
jurisprudência e à doutrina internacionais;
- os princípios jurídicos, em qualquer das fórmulas utilizadas, não surgem como algo de externo ao
Direito Internacional Penal, mas são directamente assumidos como integrando esse ordenamento jurídico
especial, ainda que num certo passo daquele preceito sejam postos em comparação "tratados" e
"princípios";
- O elenco das fontes mencionadas é expressamente promovido com base numa ideia de hierarquia
na respectiva aplicação, assim se esclarecendo o intérprete-aplicador quanto à sua importância relativa,
transparecendo ainda uma lógica claramente subsidiária, que se compreende bem no âmbito de um ramo
especial do Direito Internacional, como é manifestamente o caso do Direito Internacional Penal.
1.1 A Tipologia das fontes normativas admissíveis
A observação directa do artigo 38º do ETIJ propõe como fontes do Direito Internacional as
seguintes realidades:
Os tratados Internacionais;
Os Costumes Internacionais;
Os princípios gerais de Direito;
A Jurisprudência;
A Doutrina; e
A equidade.
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Relativamente aos três últimos casos, este preceito tem o cuidado de limitar a sua relevância, ora
frisando o carácter complementar na jurisprudência e na doutrina, ora contextualizando as decisões de
equidade em pressupostos específicos.
Simplesmente, esta é uma tipologia que está muito longe de ser uma verdadeira tipologia de fontes
do Direito Internacional, pelo que não pode ser aceite, de acordo com as duas categorias de críticas,
dizendo coisas a mais e coisas a menos:
- a mais, porque há consideração como fontes normativas de realidade que não são
verdadeiramente fontes de direito;
- a menos, porque não há a consideração como fontes normativas de realidade que efectivamente
o são, mas que não aparecem nessa enumeração.
Dentro da primeira linha crítica, os princípios gerais de Direito não podem ser considerados fontes
normativas a se porque eles incorporam - e independentemente das respectivas qualificações - o próprio
ordenamento normativo, não se julgando lógico que algo possa ser, em simultâneo, o produto revelado
pela fonte e a própria fonte de onde o resultado é extraído;
A doutrina não tem hoje qualquer viabilidade como fonte normativa, do direito Internacional ou do
Direito em Geral. A doutrina é apenas uma actividade científica e intelectual que não suscita a produção ou
a revelação de quaisquer normas jurídico-internacionais.
O mesmo se diga da jurisprudência, que apenas pode emitir decisões com uma eficácia subjectiva e
objectiva limitada ao caso sub iudice, não podendo arvorar-se em tendência geral.
A equidade, designada pela decisão ex aequo et bono, não configura qualquer fonte de Direito,
apresentando-se, antes, como esquema alternativo de decisão de casos, de cariz não normativo.
Segundo a outra linha crítica, o preceito em apreço não contempla a totalidade das fontes
inegavelmente existem no Direito Internacional , mostrando um carácter não exaustivo nessa
interpretação.
A respectiva justificação liga-se ao facto de haver outras fontes que dele não constam, como é o
caso dos actos unilaterais dos Estados, na sua qualidade de fontes normativo-internacionais, bem como dos
actos das organizações internacionais.
Consequentemente, parece-nos melhor reformular as fontes normativas do Direito Internacional,
adaptando o elenco que é sugerido no artigo 38º do ETIJ. Sem rejeitar a análise de todas elas, importa dizer
que as verdadeiras fontes normativas do Direito Internacional se limitam aos:
Tratados Internacionais;
Costumes Internacionais;
Actos Internacionais Unilaterais
Em Contrapartida, as outras fontes normativas referenciadas são pretensas fontes:
Os princípios Gerais de Direito;
A Jurisprudência;
A Doutrina;
A Equidade.
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1.2 Os Tratados Internacionais
Os tratados internacionais nãos suscitam dúvidas na qualificação como fonte do Direito
Internacional, ao neles inequivocamente se verificar um modo de produção e revelação de normas jurídico-
internacionais.
Sendo essa uma conclusão genericamente aceite, pode suscitar-se certa hesitação no caso de um
tratado ser essencialmente contratual, categoria que se contrapões no caso de um tratado ser
essencialmente contratual, categoria que se contrapõe ao tratado-lei. Contudo, ainda aí parece ser
conceptualismo escusado desconsiderar a inserção do tratado internacional na tipologia das fontes do
Direito Internacional, sobretudo pela dificuldade de fazer uma cristalina separação entre normas jurídicas e
situações subjectivas.
Isso não retira ao tratado, no plano internacional, a sua relevância como fonte privilegiada, não só
pelo sue número crescente como por não encontrar paralelo no Direito Interno, que tem servido como
ponto de referência: a sua estrutura colectiva, articulando-se numa vontade contratualizada, confere-lhe
essa posição ímpar nas diversas fontes normativo-internacionais.
As figuras afins dos Tratados Internacionais:
Os acordos políticos (os gentlemen+s agreements);
Os actos unilaterais não autónomos;
Os Contratos internacionais;
As declarações ou as actas no final das conferências internacionais;
Os acordos políticos representam a combinação de vontades formulada entre os sujeitos
internacionais, muitas vezes sobre aspectos determinantes da evolução futura da sociedade internacional,
mas que não está provida de efeitos jurídicos, situando-se no plano fáctico das relações internacionais e
podendo aproximar-se da Comitas Gentium ou da Moral Internacional;
Os actos unilaterais não autónomos, sendo actos jurídico-internacionais , não se apresentam com
valor próprio relativamente aos tratados internacionais de que dependem. Assim sendo, o seu estudo deve
ser reconduzido ao estudo daqueles tratados, que estabelecem os termo da respectiva validade e eficácia.
Os contratos internacionais expressam vontades, contratualmente estabelecidas, que
transcendem as fronteiras estaduais, suscitando imbricados problemas de conflitos de leis. Só lhes falta o
elemento público para poderem ser reconduzidos aos tratados internacionais.
As declarações ou actas finais, produzidas no fim dos encontros e conferências internacionais, e
quando não se destinem a ser tratados internacionais proprio sensu, têm um valor meramente político-
histórico, espelhando as posições assumidas pelos diferentes sujeitos representados, mas sem que por isso
se possam colocar sob a alçada do Direito Internacional.
A despeito da relevância e da divulgação do vocábulo "tratado", o certo é que, pensando
especificamente na Ordem Constitucional Portuguesa, se preferiu a utilização de outro termo pra referir o
género, que é o de "convenção internacional", reservando-se a expressão "tratado" para a espécie do
tratado solene e a palavra "acordo" para o acordo simplificado.
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1.3 O Costume Internacional
A segunda fonte do Direito Internacional a considerar é o costume internacional, que alguns
consideram fonte privilegiada por pressupor uma elevada taxa de cumprimento por parte dos respectivos
destinatários.
De acordo com o mencionado preceito do ETIJ, esta fonte é descrita nos seguintes termos: "O
Tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará (…) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como Direito.
Enfrenta-se uma menção bastante errónea do que, com, vem a ser o costume, metodologicamente
claudicante nalguns aspectos mais básicos por várias razões:
- porque o costume não é uma prova de uma prática, é a própria prática que se eleva a norma
jurídico-internacional;
- porque o costume não vincula por ser aceite, mas porque brota espontaneamente da convivência
internacional, tendo como tal feição jurídica;
- porque o costume relevante não é só o geral, no sentido do âmbito da sua aplicação subjectiva,
pois que pode ser um costume regional e local, nem por isso deixando de ser costume.
Os costumes internacionais, tal como o costume em geral, existem na forçosa combinação de dois
elementos, sem os quais esta fonte não produz quaisquer efeitos normativos:
- o elemento material (o corpus), que se traduz na prática reiterada, que oportunamente é levada a
cabo pelos respectivos destinatários;
- o elemento psicológico (o animus), que consiste na convicção de que aquela prática, não sendo
tradicional ou rotineira, é para ser cumprida, tendo uma natureza de Direito Aplicável (opinio iuris vel
necessitatis)
A caracterização do elemento material do costume internacional não tem sido tarefa fácil, até
porque ao longo do tempo têm variado os requisitos exigidos para a sua identificação, podendo dizer-se
que agora o Direito Internacional se tornou bastante menos exigente.
Foi durante muito tempo usual requerer-se para a formação do costume internacional, nesta sua
vertente material, uma prática generalizada e imemorial, num duplo sentido:
- que a prática fosse executada por um número apreciável de sujeitos internacionais, não podendo
ser relevante um número reduzido; e
- que a prática fosse levada a cabo há muito tempo, não sendo suficiente a sua formação recente.
Mas já não vem a ser a opinião dominante, mormente dos órgãos judiciais aplicadores do direito
Internacional, quanto à sua necessidade de verificação destas duas facetas do elemento material do
costume internacional.
No tocante ao número de sujeitos abrangidos pela prática que ser quer costumeira, admite-se que
possa ser executado por um número restrito, não sendo de excluir a formação de normas costumeiras de
âmbito regional ou local.
Relativamente à exigência de uma duração longa dos costumes internacionais , está
completamente posto de parte o requisito da imemorialidade, por força da velocidade das mudanças que
vão ocorrendo na sociedade internacional, que na maior parte dos casos são incompatíveis com uma lenta
formação de costumes internacionais.
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Daí que o costume, quanto ao elemento material, deve apenas nascer a partir de uma prática
constante, ainda que se reconheça dificuldade da sua determinação, prática que tanto pode consumar-
se por acção ou por omissão: Constante no sentido de uma prática uniforme, sendo insusceptível de se
aceitar ziguezagues de comportamento, mantendo-se estável. Tal não impede que ocorram situações de
violação pontual, pois se o costume internacional é decerto sociologicamente mais efectivo, não
equivalerá também a algo infalível e que possa transpor-se para o campo da inevitabilidade normativa.
Relativamente ao elemento psicológico, este uma vez que se liga a um sentimento, o qual se deve
expressar-se na convicção de que a prática se executa é juridicamente obrigatória.
É desde logo necessário que nessa convicção se instale um sentido normativo, ou seja, de que se
está perante uma orientação normativa. Tem de verificar-se uma prática que se sinta como vinculativa.
A acentuada complexidade da caracterização desta vertente psicológica dos costumes
internacionais é de tal magnitude, comparativamente ao que sucede com a sua vertente material, que nos
últimos tempos se tem aceitado a existência de uma presunção iuris tantum - portanto, ilidível - de que a
formação do corpus, nada havendo em contrário, permite supor a formação do correspondente animus.
A explicação da estrutura dos costumes internacionais transporta-nos para o tema mais complexo
do fundamento do mesmo, o fundamento do Direito Internacional.
Hugo Grócio propôs que o costume internacional era visto como estando fundado num pacto
tácito. Derivando este Direito da vontade dos Estados, a cabal concepção do costume só poderia ter essa
raiz voluntária tacitamente admitida, uma vez que os Estados os aceitariam nada fazendo ou nada dizendo
em contrário e, ao mesmo tempo, conformando-se com a respectiva conduta. A sobrevivência dos
costumes internacionais apenas seria possível pelo consentimento dado pelos Estados através do seu
silêncio legitimador.
Simplesmente, esta explicação jamais pode ser aceite, tropeçando em duas evidências que a
imediatamente deitam por terra: por um lado, se assim fosse, isso pressuporia que todos os Estados
deveriam conhecer a formação do costume, quando nem sempre isso sucede; por outro lado, tal teoria não
explica o motivo porque os novos Estados que ascendem à vida da Sociedade Internacional se consideram
vinculados a costumes relativamente aos quais, no momento da sua formação, nem sequer existiam, por
maioria de razão não podendo dizer sim ou não, mesmo que tacitamente, no tocante à sua vigência.
Por aqui se percebe que o fundamento dos costumes internacionais jamais pode ser a vontade dos
Estados, mesmo que tácita, devendo invés, assentar no respeito por valores supremos decorrentes do
Direito Natural. É este mais um argumento para se rejeitar as teorias voluntaristas no fundamento do
Direito Internacional.
1.4 Os actos unilaterais internacionais
Os actos unilaterais internacionais - dos Estados das organizações internacionais - não são
referidos no elenco do artigo 38º do ETIJ, o que não impede que se lhes faça uma igual alusão, até porque a
sua pertinência tem sido muito evidenciada na crescente intensificação das relações internacionais.
Importa fazer uma restrição na consideração dos actos jurídico-internacionais unilaterais, nem
todos se afigurando relevantes para o presente efeito: é de afastar os chamados actos unilaterais não
autónomos, isto é, os que são previstos por outras fontes normativas, que executam ou concretizam, não
retirando deles próprios a sua força jurídico-internacional.
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Pense-se na multidão de actos que dinamizam o Direito Internacional Convencional, como as
notificações, as reservas ou as denúncias, todos eles directamente aferidos aos respectivos tratados
internacionais.
Os actos unilaterais nem sempre podem ser considerados como verdadeira fonte de Direito
Internacional, não em função da sua dependência de outra fonte superior, mas por os respectivos efeitos
poderem não ascender à categoria de efeitos normativos.
Os actos unilaterais doutrinalmente mais trabalhados tem sido o dos actos unilaterais dos Estados,
classicamente se agrupando nestas cinco categorias:
- A notificação;
- O Reconhecimento;
- A promessa;
- A renúncia; e
- O Protesto.
A notificação consiste na comunicação aos respectivos destinatários, gerais ou específicos, de uma
qualquer situação ou acontecimento, ao qual se associam efeitos jurídico-internacionais, de cujo
conhecimento precisamente depende a produção de tais efeitos na esfera jurídica de um sujeito
internacional.
O reconhecimento representa a aceitação por parte do respectivo autor quanto à realidade de
certa entidade como sujeito de Direito Internacional, daí depois se atribuindo efeitos jurídico-
internacionais, alternativamente o mesmo sendo constitutivo ou declarativo.
A promessa expressa a vontade do autor do acto na concessão de uma vantagem que passa a ser
juridicamente protegida, independentemente da existência de qualquer retribuição, apenas dependendo
de si própria, numa visão estritamente unilateral.
A renúncia significa a vontade de o sujeito internacional fazer extinguir um direito que pertença à
sua esfera jurídica, claramente se diferenciando da situação do não exercício.
O protesto corresponde à manifestação de uma discordância, factual ou jurídica, quanto a um
acontecimento ou a uma situação, assumindo-se de elevada relevância para se evitar a produção de
hipóteses de consentimento do lesado.
Os actos unilaterais das organizações internacionais podem ter as seguintes classificações:
Actos vinculativos e actos consultivos: actos que produzem efeitos obrigatórios e actos que
apenas contêm recomendações ou pareceres;
Actos internos e actos externos: actos que apenas se destinam à organização e ao funcionamento
dos respectivos órgãos e actos que, inversamente, se projectam nas relações jurídicas com outras
entidades.
Actos normativos e actos não normativos: actos que incorporam normas jurídicas e actos que
contêm somente efeitos individuais e concretos;
Actos auto-exequíveis e actos hetero-exequíveis: actos que se aplicam por si mesmo e actos que,
para se tornarem operativos, carecem de um outro acto que lhes confira executoriedade.
De todas estas classificações, ressalta a importância da tipologia de actos unilaterais das
organizações internacionais que tomem em linha de conta a natureza do poder público de que são
titulares, distinguindo-se:
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- os actos legislativos;
- os actos executivos; e
- os actos jurisdicionais.
A colocação dos actos unilaterais das organizações internacionais como fonte do Direito
Internacional apenas releva do ponto de vista dos actos que sejam produtores de normas jurídicas, ou seja,
os actos externos ou internos, com conteúdo normativo, sendo certo que nem todas as aludidas
modalidades revestem tais características, numa posição em que seja manifesta a sua autonomia nos
efeitos produzidos relativamente ao tratado internacional que instituiu a organização a que pertencem.
Por outro lado, não se pode deixar de lembrar a dependência destes actos unilaterais relativamente
ao tratado constitucional institutivo da organização internacional em são segregados: mas essa vem a ser a
uma dependência que lhes pode conferir uma específica autonomia, uma vez que se impõem mesmo
contra os Estados outorgantes naquele tratado fundacional que não tenham dado o seu assentimento à
respectiva produção ou que, pura e simplesmente, não estejam representados no órgão que tenha
proferido a decisão em questão.
1.4 Os princípios gerais de Direito
Entrando agora no grupo das pretensas fontes do Direito Internacional, decerto que a mais
significativa, pelo seu conteúdo vem a ser a dos princípios gerais de Direito , igualmente referenciados no
artigo 38º do ETIJ. A fórmula adoptada suscita as maiores reticências quanto à respectiva aceitabilidade
científica, por vários motivos:
- porque dá a entender que o Globo tem nações "civilizadas e nações não civilizadas",
descriminação inadmissível e que mergulha as suas razões no tempo colonial.
- porque os princípios em causa, seja qual for o seu âmbito, nunca derivam das nações, mas sim dos
Estados, as nações representando um conceito sociológico, e não um conceito jurídico-público.
- porque tais princípios, ao referirem-se aos Estados, de acordo com esta correcção, desconsideram
outros sujeitos internacionais que poderia igualmente contribuir para a descoberta desses princípios, como
já via sucedendo com as organizações internacionais, dotadas de ordenamentos internos progressivamente
mais sofisticados.
Estes princípios gerais de Direito correspondem, no plano da Metodologia do Direito, a orientações
ordenadoras gerais, que indicam ao intérprete e ao aplicador do Direito Internacional uma determinada
direcção, em grande medida se concretizando através de outras normas, que especificamente fazem deles
uma aplicação normativa, ainda que possam ter uma aplicação autónoma.
Em rigor, deve-se frontalmente questionar a inserção dos princípios gerais de Direito no conceito
de fonte normal de Direito Internacional: é que eles correspondem a direito aplicável, não sendo
propriamente um esquema por que se possa exprimir um dever-ser a aplicar depois, na convicção de que o
aplicador resolve os casos que lhes sejam submetidos tanto por normas como por princípios jurídicos.
A amplitude dos princípios gerais de Direito a admitir é total, incluindo princípios de Direito Positivo
e de Direito Natural, incluindo princípios comuns aos Direito Internacional Geral e Comum e princípios
específicos do Direito Internacional Particular e Especial, e incluindo princípios de Direito Internacional e de
Direito Interno.
Vários são os exemplos que é possível indicar de princípios gerais do Direito operativos no Direito
Internacional, segundo aquelas diversas categorias:
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- Princípios de Direito Natural: princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da igualdade;
princípio da liberdade; princípio da proporcionalidade:
- Princípios oriundos dos diversos sistemas jurídicos internos: Princípio da pacta sunt servanda (os
pactos devem ser respeitados); princípio da não vinculação de terceiros; princípio da boa fé; princípio rebus
sic stantibus (teoria da imprevisão); princípio da protecção da confiança; princípio da protecção jurídica;
princípio do caso julgado;
-Princípios de Direito Internacional Geral: Princípio da não ingerência; princípio da não agressão;
Princípio da autodeterminação; princípio do não reconhecimento de conquistas territoriais pela força.
Os Princípios gerais do Direito têm habitualmente quatro funções atribuídas:
- uma função legitimadora: Os princípios, sobretudo os de coloração ética, permitem questionar a
legitimidade material das normas ou de outros princípios que com eles estejam desconformes , podendo
provocar a respectiva invalidade material;
- uma função interpretativa: os princípios permitem determinar preferências, de entre várias
soluções hermenêuticas, de outro modo todas igualmente possíveis.
-uma função integradora: os princípios possibilitam integrar lacunas de regulamentação, assim se
colmatando a ausência de critérios de decisão, derivada da falta de normas especificamente aplicáveis; e
- uma função complementadora: os princípios têm a virtualidade de regulativamente alargar a
extensão da aplicação do Direito Internacional.
1.5 A Jurisprudência
No seu sentido geral o valor da jurisprudência na construção do Direito Internacional é limitado,
não vigorando a regra do precedente, a qual significaria, se tivesse sido adoptada, que as decisões futuras
deveriam tomar-se em obediência a uma primeira decisão obtida, no âmbito de uma idêntica questão
jurídica.
A jurisprudência, tal como a doutrina, apenas permite revelar as tendências e as orientações
jurisprudenciais quantos a certos problemas jurídico-internacionais.
A jurisprudência no âmbito do Direito Internacional tal como ela vem a ser equacionada no seio das
decisões judiciais, cobre múltiplas e diferenciadas situações, que se repartem por dois grupos:
- as decisões arbitrais; e
- as decisões judiciais.
As decisões arbitrais são proferidas por tribunais de cunho arbitral, as quais têm como
singularidades o menor formalismo processual, a disposição do Direito aplicável pelas partes e a
intervenção destas na escolha dos juízes que se encarregarão de decidir o litígio.
As decisões judiciais stricto sensu incluem as sentenças e os acórdãos dos tribunais judiciais, os
quais se revestem de todas as características atribuídas À judicatura pública.
São várias as instâncias que oferecem um recorte de tipo jurisdicional, podendo até dizer-se que o
avanço do Direito Internacional se tem devido, em grande medida, ao esforço jurisprudencial que nessa
sede tem vindo a ser feito.
O órgão a que cumpre referir a título fundamental é o TIJ, criado no âmbito da ONU e que beneficia
de diploma próprio, que é precisamente o ETIJ. A publicação periódica das respectivas decisões - que são
acórdãos e opiniões - tem sido de uma enorme utilidade para a modernização e pré-codificação do Direito
Internacional.
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É importante salientar os seguintes Tribunais internacionais:
- O Tribunal Penal Internacional;
- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;
- O Tribunal Internacional do Direito do Mar.
1.6 A Doutrina
A Doutrina é o conjunto de opiniões jurídicas a respeito do Direito Internacional, nas suas fontes,
nas sua interpretação e na sua aplicação.
O Papel dos jusinternacionalistas fica claro quando, debruçando-se sobre os assuntos em discussão,
dão opiniões que permitem melhor interpretar os textos, descobrir novas fontes ou resolver antinomias
lógicas e valorativas entre as normas do Direito Internacional, bem como sistematicamente surpreender os
sue princípios rectores, resolvendo os casos práticos que se lhes colocam.
Não se vislumbra qualquer função normativa que rigorosamente justifique que a doutrina seja
fonte de Direito Internacional, como, de resto, de qualquer outro sector jurídico.
A observação do papel da doutrina ao longo da História mostra uma progressiva diminuição da sua
relevância, tendo inclusivamente a doutrina sido - ao nível interno - uma verdadeira fonte de Direito.
Num primeiro momento o Direito Internacional esteve muito dependente do trabalho dos
jusinternacionalistas, bastando pensar nas questões relativas à liberdade de navegação ou à utilização da
força.
Só que essa importância tem vindo a diminuir não só por causa da multiplicação daqueles que hoje
cultivam o Direito Internacional como por o Direito Internacional ter vindo a diversificar-se
dogmaticamente, conquanto já não politicamente.
1.7 A Equidade
A equidade comummente entendida como a "justiça do caso concreto", significa a resolução de
casos através da aplicação de critérios pelo próprio aplicador, num ajustamento da pauta de decisão às
características de cada situação em análise.
É para esse tipo de juízo que o artigo 38º do ETIJ aponta ao dizer que as decisões poder ser ex
aequo et bono. Esta expressão implicita que o julgador, perante o caso concreto, está liberto da aplicação
de orientações normativas pré-definidas, devendo procurar um critério que melhor sirva os interesses
contrapostos do caso sub iudice.
O ponto é que a equidade não configura qualquer esquema de produção de critérios materiais de
decisão, que têm a característica de serem normativos. É antes um critério que se constrói ao sabor do
caso, aspirando-se uma orientação que se julga, de acordo com o espírito de justiça do julgador, mais
apropriada às singularidades factuais da situação que lhe incube resolver.
Evidentemente que daqui resulta a ausência de qualquer orientação normativa, como o
consequente afastamento da equidade - em geral e no Direito Internacional - do elenco das fontes de
Direito.
A equidade é chamada a cumprir várias tarefas, recordando-se que a mesma consiste na aplicação
de um critério formal de decisão ao caso concreto, no lugar das normas e dos princípios normalmente
aplicáveis, de entre elas salientando estas três:
- Suavizar o Direito Internacional (a equidade secundum legem): significa que o Direito aplicável,
sem ser afastado, pode ser adaptado às circunstâncias de cada caso:
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- Complementar o Direito Internacional (a equidade praeter legem): assume uma lógica subsidiária,
na medida em que por ela se possam aplicar critérios formais de decisão que não decorram das fontes
normativas existentes; e
- Substituir o Direito Internacional (a equidade contra legem): é a situação em que a equidade,
afastando o Direito aplicável se eleva a único critério de decisão.
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2. A SISTEMATICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL
Expostas as diversas fontes do Direito Internacional interessa agora apreciar por que forma tais
fontes normativas jurídico-internacionais entre si se relacionam.
Esse é um relacionamento que pode apresentar-se sob diversas formas, que interessa identificar. A
situação mais comum é aquela em que à diversidade regulativa corresponde uma diversidade factual do
ponto de vista das situações que são versadas: a cada grupo de casos corresponde uma regulação
normativa própria, assim se distribuindo o Direito, nos seus vários ramos, sem concursos de normas ou de
fontes.
Sendo essa a situação normal, nem sempre é a situação real, podendo haver casos em surge uma
pluralidade de fontes e de normas aplicáveis a uma dada situação, que fica assim sendo potencialmente
regulada por mais que uma solução normativa, relações que podem ser e diversas categorias:
As relações de subsidiariedade: é a relação que se estabelece entre uma norma que regula
um certo instituto e a norma que genericamente se aplica, sendo esta subsidiária por
funcionar na falta daquela norma que lhe foi peculiarmente dirigifa;
As relações de especialidade: é a relação que se estabelece entre a norma especial, que
está peculiarmente adaptada a determinadas situações, e a norma geral, aquela ganahndo
preferência sobre esta, numa conexão entre espécie e género;
As relações de excepcionalidade: é a relação que se estabelece entre a norma excepcional,
que está singularmente dirigida a certas situações, para as mesmas fixando um regime
substancialmente diverso, e a norma que é genericamente aplicável, não levando em conta
aquelas especialidades, devendo aquela preferir-se a este; e
As relações de consumpção: é a relação que se estabelece entre duas normas, com âmbitos
de aplicação factual coincidentes, mas em que a norma mais ampla absorve a norma
menos ampla, prevalecendo a tutela de interesses que ali se realiza.
Estas relações inter-normativas dão origem a concursos aparentes, uma vez que se descobre
sempre uma norma que é tida por aplicável, em detrimento de outra, a qual apenas o foi em potência.
Mais complexa é a situação de concurso real de normas e de fontes, hipótese em que se verifica a
aplicabilidade de duas ou mais normas a uma mesma situação de facto, gerando-se assim:
As relações de cumulação: é a relação em que se estabelece entre duas normas, que se
aplicam simultaneamente ao mesmo grupo de casos, sendo dotadas de efeitos que são
complementares entre si.
As relações de conflito: é a relação que se estabelece entre duas normas que disciplinam
divergentemente um mesmo grupo de casos, nenhumas delas se podendo aplicar por
ambas traduzirem orientações antinómicas, entre si incompatíveis.
As relações de inter-normativas de conflito sobressai entre as outras, ao mesmo tempo que suscita
as mais delicadas questões do ponto e vista da respectiva resolução.
A contradição inter-normativa não tem sempre a mesma consistência, sendo legítimo apresentar
duas diversas modalidades:
A contradição lógica; e
A contradição valorativa.
Direito Internacional Público – 1ºAno A Sistematicidade do Direito Internacional
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A contradição lógica afirma-se pela impossibilidade de duas mesmas disposições, entre si
incompatíveis, poderem ser simultaneamente aplicáveis, porquanto contêm sentidos normativos
inconciliáveis.
A contradição valorativa plasma-se no facto de, havendo duas normas incompatíveis entre si, uma
delas dever ser preferida, por referir-se a valores normativos eticamente prevalecentes.
2.1 Os critérios de resolução das antinomias normativas em geral
Apelando à Teoria Geral do Direito, arriscamos a necessidade de resolver as antinomias entre
fontes e normas com base em quatro critérios que determinam a prevalência de umas sobre as outras:
O critério ético-valorativo;
O critério hierárquico;
O critério lógico; e
O critério cronológico.
Devendo-se seguir a tipologia apresentada como critério de preferência para solucionar as
antinomias normativas no Direito Internacional.
O critério ético-valorativo parte da ideia de que as opções jurídico-internacionais que constam das
suas fontes e normas não são todas iguais, devendo-se fazer uma distinção entre um patamar mais
relevante – pela proximidade com o próprio fundamento supremo do Direito Internacional - e os restantes
patamares inferiores – não tão relevantes ou até mesmo indiferentes do ponto de vista de uma
consideração axiológica tida por aplicável. É nesse sentido que aponta a categoria do ius cogens. A CVDTE
alude, em dois dos seus preceitos, a essa categoria, pressupondo que as normas de ius cogens prevalecem
sobre as outras que não sejam alcandoradas a esse supremo escalão normativo, independentemente de
outras considerações, como o tipo de fonte ou o momento do início da respectiva vigência. (ver também
artigo 21º nº3 do ERTPI)
O critério hierárquico é também um factor de prevalência entre as fontes e as normas de Direito
Internacional, o qual se prende com o reconhecimento da superioridade formal de certa fonte ou norma
em função do poder que a segrega, de certa sorte podendo ser aparentado a uma função constitucional
que se vai desenvolvendo na sociedade internacional. A diferença entre este critério hierárquico e o critério
ético-valorativo reside no facto de a prevalência hierárquica não ser materialmente selectiva, sendo muitas
vezes indiferente às opções de conteúdo, e apenas se afigura relevante a entidade que a produz, bem omo
o lugar que lhe reserva na hierarquia das fontes e das normas de Direito Internacional.
O critério lógico (specialia generalibus derogant) salienta a preferência a dar à fonte ou à norma
que especificamente regula certa situação em relação à fonte ou à norma que apenas genericamente versa
a mesma situação, no pressuposto de que melhor se adequa à orientação normativa que mais
proximamente quis abordar a hipótese em análise, isto é, devendo aplicar-se a norma que foi
especialmente concebida para regular o caso. A dificuldade é que nem sempre isso se sucede e não se
esqueça, por outro lado, que este critério não é tido por aplicável quando a vontade normativa for também
a de afastar a solução especial, por aí se favorecendo a solução geral. Este critério tem uma aplicação
Direito Internacional Público – 1ºAno A Sistematicidade do Direito Internacional
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limitada, este tem de ser especificamente pretendido pela fonte ou pela norma, sendo legítimo, perante o
silêncio na matéria, preferir a solução normativa especial em detrimento da solução normativa geral.
O critério cronológico (lex posterior priori derogat) reside na crença de que a vontade normativa
que foi manifestada em último lugar, por razões de maior vizinhança em relação ao problema político-
social subjacente, é sempre a melhor. Não esquecendo que este critério é um critério subordinado dos
anteriores.
2.2 O ius cogen(normas peremptórias) internacional em especial
O grande interesse das normas de ius cogens internacional, no contexto em que localizámos a
categoria, é o de servir de critério, numa feição ético-valorativa para dirimir conflitos entre normas e fontes
de Direito Internacional.
A pertinência material do sentido ordenador contido nas normas de ius cogens internacional tem,
assim, suscitado a sua aplicação numa outra dimensão subjectiva, dada a sua relação com a generalidade
da comunidade internacional, delas derivando obrigações erga omnes,
O principal dos problemas com se defronta o ius congens é o da sua determinação material, tarefa
quanto mais ingente quanto é o certo representar uma localização suprema na Ordem Jurídica
Internacional.
A construção substantiva do ius cogens só se realiza com recurso a normas e princípios que sejam
portadores dos grandes valores da sociedade internacional, os quais se impõem, involuntariamente, à
conduta dos respectivos membros. São blocos essenciais de ius cogens os direitos humanos ou certas
normas universalmente estruturadoras da sociedade internacional, do mesmo modo se devendo abrir a
porta aos regimes gerais da responsabilidade internacional e dos crimes internacionais.
Necessário é também dissociar o ius cogens das respectivas fontes normativas, sendo uma parcela
daquele Direito Internacional a observar como um todo, numa função de prevalência mais de normas do
que de fontes. O ius cogens não deriva de nenhuma fonte em especial, podendo brotar tanto da fonte
convencional como da fonte consuetudinária, com o que se contribui para o alargamento do seu âmbito
regulativo.
As consequências para a contradição do Direito Internacional relativamente à sua parte que seja de
ius cogens refletem-se na respectiva eliminação, mas de acordo com dois resultados distintos:
Ou o do desvalor das normas violadoras, por nulidade, no caso de essa desconformidade
ser inicial;
Ou o da cessação de vigência dessa norma, no caso de a norma de ius cogens surgir
posteriormente.
Direito Internacional Público – 1ºAno A codificação do Direito Internacional
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3. As singularidades da codificação no direito internacional
O código consiste numa lei, acto produzido pelo poder público que se manifesta exclusivamente no
âmbito das fontes internacionais do Direito, com a força jurídica própria dos textos legais, contrapondo-se,
desta forma, ao costume, que brota espontaneamente de comportamentos sociais reiterados que
adquirem obrigatoriedade.
O Direito internacional também tem sido influenciado pela ideia de código, que aqui se costuma
designar a formalização, por intermédio da feitura de textos escritos, das suas normas consuetudinárias,
mas de acordo com princípios comuns.
Na realização dessa tarefa, pode optar-se entre o método da declaração e o método da convenção,
ou por outras palavras, entre a codificação científica e a codificação jurídica:
ali, as normas consuetudinárias são simplesmente reduzidas a escrito;
aqui, as normas costumeiras são incorporadas num texto com força jurídica própria.
O conceito de código pelo Direito Internacional aparece reformulado em face de uma das
particularidades do seu sistema de fontes: em vez da fonte unilateral que é a lei, aparece numa fonte
plurilateral, corporizada pelo tratado internacional.
Devido ao carácter inorganizado da sociedade internacional, que difere muito da sociedade
estadual, não há um centro mundial produtor de norma jurídicas, capaz de proceder à sua emissão geral e
unilateral. A ordenação normativa da sociedade internacional, quando intencional, faz-se pelos tratados
internacionais, em que todos os sujeitos internacionais ocupam idêntica posição jurídica.
A despeito disso, recentemente tem-se admitido que certos actos jurídicos unilaterais se
constituam como fonte do Direito Internacional.
Encontram-se na Codificação do Direito Internacional alguns aspectos específicos que não se
encontram no Direito Interno.
Uma dessas características prende-se com a própria dispersão material que se verifica no Direito
Internacional, devido ao crescente alargamento das matérias internacionalmente reguladas. Esse carácter
fragmentário do Direito Internacional inviabiliza a produção de um código que contenha todas as normas.
Outra característica deriva da particular função que a codificação é chamada a desempenhar no
Direito Internacional: ela destina-se essencialmente, à conversão do Direito Costumeiro em Direito
Convencional.
Uma terceira característica situa-se numa vertente técnico-procedimental. Aquando da aplicação
do Conceito ao Direito Internacional, dissemos que, para nós, as chamadas codificações científicas ou
codificações levadas a cabo pelo método da declaração não desembocavam em verdadeiros códigos, por
lhes faltar a força inerente a um novo acto jurídico. Isso evidência que, os códigos de Direito Internacional
são o fruto da elaboração doutrinária efectuada nos códigos científicos, concedendo-se à doutrina um
papel muito mais decisivo e autónomo relativamente àquilo que se passa no Direito Interno.
Direito Internacional Público – 1ºAno Os tratados Internacionais como principal fonte do Direito Internacional
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4. As convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 e de 1986
Até alguns anos atrás, o estudo dos tratados internacionais assumia-se particularmente árduo por
causa da ausência de um regime que genericamente esclarecesse os aspectos fundamentais da sua
produção, em grande desvantagem com os Direitos Internos, em cujo contexto os respectivos textos
constitucionais são verdadeiras normae normarum (normas primárias) no tocante às fontes que nessa sede
se mostram ser relevantes.
A aplicação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados, com vista a regular
os termos por que se deve reger a sua participação na elaboração dos tratados Internacionais, está
directamente prevista, devendo ser ratificada pelos Estados Signatários, também se admitindo a sua
abertura para adesão de outros Estados.
No entanto, a CVDTE, como vai sucedendo cada vez mais com outros instrumentos convencionais
emblemáticos, para muitos Estados que não emitiram uma vontade de ratificar ou aderir, podem bem
considerar-se globalmente vinculativa como repositório de costumes internacionais gerais ou até, nalguns
casos, de princípios gerais de Direito.
4.1 A delimitação conceptual
O estudo dos tratados internacionais deve começar pela análise do respectivo conceito, que a
própria CVDTE tem o cuidado de propor, (art. 2º, nº1, al. a) da CVDTE):
Um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional,
quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer
que seja a sua denominação particular"
Todavia esta definição de tratado internacional não é feliz, em alternativa, um corrigido conceito de
tratado internacional inclui três elementos:
Um elemento material;
Um elemento subjectivo; e
Um elemento formal.
O elemento material implica que o tratado repouse num acordo de vontades de cariz plurilateral, o
que se chama simultaneamente a atenção para dois aspectos fundamentais: por um lado haver a expressão
de uma vontade, produto de uma intenção de criação de normas jurídicas; por outro lado, ser uma
manifestação intencional geneticamente combinada entre dois ou mais sujeitos.
O elemento subjectivo sublinha a consideração das entidades que produzem o acordo de vontades,
não sendo irrelevante a sua qualidade: devem ser sujeitos de Direito internacional, por este reconhecidos a
outorgar nesta fonte normativa.
O elemento formal consiste na especial configuração da vontade manifestada segundo três
características fundamentais:
1. Ser uma vontade normativa, dirigida à criação de proposições normativas;
2. ser uma vontade que se destina à produção de efeitos colocados ao abrigo do Direito;
Direito Internacional Público – 1ºAno Os tratados Internacionais como principal fonte do Direito Internacional
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3. serem efeitos normativos regulados pelo Direito Internacional, não de qualquer outro
sector jurídico.
Em conformidade com a tradição e a prática internacionais, há denominações que têm tido uma
utilização mais frequente e até constante para nomear certas modalidades de tratados internacionais,
ainda que não se possa encontrar qualquer orientação normativa na respectiva utilização:
"Constituição", "Carta" ou "Estatuto": para textos institutivos de organizações
internacionais;
"Convenção" e "Pacto": para textos declarativos de direitos do Homem e para tratados
entre Estados e organizações internacionais;
"Concordatas": para textos que vinculam a Santa Sé e outros sujeitos internacionais;
"Protocolos": para textos de modificação, aditamento ou revisão de Tratados inicialmente
elaborados e que se afiguram como núcleo central da regulação em causa;
"Acta geral" ou "Acta final": para o texto celebrado no final de uma conferência
internacional;
"Modus Vivendi": para um texto que reflicta um acordo temporário ou provisório;
"Compromisso": para o texto de um acordo relativo ao funcionamento de um tribunal
arbitral.
4.2 As mais relevantes modalidades
A apresentação dos elementos que integram o conceito de Tratado Internacional, para o seu mais
perfeito conhecimento, sugere-nos a observação de algumas das respectivas modalidades agrupadas por
outras tantas classificações:
A sua multiplicação recente, causada pela interpenetração metodológica com outras ciências
normativas, permite a indicação de três grupos de classificações mais relevantes:
As classificações subjectivas, atendendo aos sujeitos intervenientes;
as classificações materiais, tomando em consideração as opções de conteúdo que são
adoptadas; e
as classificações formais, pensando-se no formalismo da respectiva celebração.
As classificações subjectivas permitem avançar com três critérios:
Critério do número de partes: Tratados bilaterais ou tratados unilaterais, tudo dependendo
do número de sujeitos celebrantes, dois ou mais de dois, sendo ainda neste caso de
diferenciar entre os tratados multilaterais gerais - para uma apreciável quantidade de
outorgantes - e os tratados multilaterais restritos - para um número reduzido de sujeitos
partes;
Critério da qualidade das partes: Tratados entre Estados, tratados ente organizações
internacionais ou tratados entre outros sujeitos internacionais, atendendo à qualidade dos
sujeitos por vezes com terminologias próprias.
Critério da abertura a sujeitos terceiros: Tratados abertos, tratados semi-fechados ou
tratados fechados, em função de ser possível a sujeitos que não assinaram e ratificaram a
Direito Internacional Público – 1ºAno Os tratados Internacionais como principal fonte do Direito Internacional
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ulterior pertença ao seu conteúdo, de tal possibilidade ser condicionada ou de tal
possibilidade ser, simplesmente, proibida.
As classificações materiais têm os seguintes critérios:
Critério da abrangência das Matérias: tratados gerais ou tratados especiais, conforme
estabeleçam uma regulação aplicável a uma generalidade de matérias ou, pelo contrário, se
destinam a versar especificamente um aspecto material;
Critério do tipo de efeitos: Tratados-leis ou tratados-contratos, de acordo com o sentido
normativo ou concreto, individual e não duradouro, dos efeitos que sejam estabelecidos no
respectivo articulado, com implicações essencialmente hermenêuticas;
Critério da natureza institucional ou material: tratados constitucionais (ou institucionais)
ou tratados materiais, em razão da diferença que existe entre um tratado que institua uma
nova entidade e um tratado que se limite a estabelecer um conjunto de normas e
procedimentos;
Critério do tipo exequibilidade: tratados auto-exiquíveis ou tratados hetero-exequíveis,
conforme possam ser aplicáveis por si ou por interposto acto ou procedimento;
Critério da aplicabilidade circunstancial; tratados imediatamente aplicáveis ou tratados
mediatamente aplicáveis, conforme possam ou não ter logo aplicação:
Critério da Duração: tratados perpétuos ou temporários;
Critério da conexão com outros tratados: tratados principais ou tratados acessórios.
As classificações formais podem apresentar os seguintes critérios:
Critério do grau de complexidade procedimental: tratados solenes ou acordos em forma
simplificada (executive agreements), em razão de ser ou não, autonomamente, o acto de
ratificação por parte do chefe de Estado.
Critério da formalização escrita ou verbal: tratados escritos ou tratados orais, tomando
em consideração a adopção ou não da forma escrita de celebração.
4.3 Quanto ao âmbito de aplicação da CVDTE, corroborando tudo quanto se disse a esse propósito, este
instrumento apenas considera, no seu estrito âmbito, duas únicas modalidades:
Tratados apenas entre Estados, não se incluindo os tratados entre Estados e organizações
internacionais e entre estas; e
Tratados apenas celebrados por escrito, excluindo-se os tratados celebrados por outro
meio de formalização da vontade.