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FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA UNIR
NCLEO DE CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM EDUCAO
MESTRADO ACADMICO EM EDUCAO
JUSIANY PEREIRA DA CUNHA DOS SANTOS
OS DESAFIOS DA FORMAO DOCENTE NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
COM SURDEZ DA REDE MUNICIPAL DE JI-PARAN/RO
Porto Velho RO
2014
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JUSIANY PEREIRA DA CUNHA DOS SANTOS
OS DESAFIOS DA FORMAO DOCENTE NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS
COM SURDEZ DA REDE MUNICIPAL DE JI-PARAN/RO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps- Graduao Strictu Sensu em Educao Mestrado Acadmico em Educao, da Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR, campus de Porto Velho, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao, sob a Orientao da Professora Dr Carmen Tereza Velanga.
Porto Velho RO
2014
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte.
Ficha catalogrfica
Elaborada pela bibliotecria Cleuza Diogo Antunes CRB 11/864
Elaborada pela bibliotecria Cleuza Diogo Antunes CRB 11/864
S237d Santos, Jusiany Pereira da Cunha dos Os desafios da formao docente na aprendizagem dos alunos
com surdez da rede municipal de Ji-Paran-RO / Jusiany Pereira da Cunha dos Santos 2014.
164 p. : il.
Orientadora: Prof Dr Carmen Tereza Velanga.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Rondnia, rea de Cincias da Educao, 2014.
1. Educao - Brasil. 2. Formao de professores Educao especial. 3. Incluso escolar Surdos. I. Velanga, Carmen Tereza. II. Os desafios da formao docente na aprendizagem dos alunos com surdez da rede municipal de Ji-Paran-RO.
CDD 371.9046
CDU 37-057.8
DEDICATRIA
Aos meus familiares, que, de maneira especial,
compreenderam meus momentos de ausncia; ao meu
pai, meus irmos, minha sogra e cunhadas, por serem a
prova de que, com persistncia e luta, alcanamos nossos
ideais; minha me, Hilca Pereira da Cunha (in
memorian), por seu amor to puro que me fez ser quem
sou, pelo seu exemplo de honestidade e sinceridade.
Ao meu grande amor, Marcos Antonio dos Santos, que
representa minha segurana, por ter pacientemente
trilhado comigo cada degrau e por todo estmulo que me
deu para enfrentar os desafios.
Ao meu filho,Markus Vincius Pereira dos Santos, que
minha jia preciosa, meu primognito, por nunca se fazer
ausente, por rir e chorar comigo.
AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a Deus, por ter me concedido o dom da vida,
dando-me fora para vencer todos os obstculos e continuar estudando, por me
guiar, abenoar e proteger.
Aos meus colegas do mestrado, em especial s minhas amigas Sonia Carla
e Andria Castro, que estiveram ao meu lado durante o curso, cuja convivncia
tornou-se para mim uma oportunidade de crescimento, de relao saudvel com as
diferenas, por oferecerem sua amizade e incentivo.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao Strictu Sensu em
Educao da Fundao Universidade Federal do Estado de Rondnia, em especial
aos docentes: Dr. Antnio Carlos Maciel e Dr. Jos Lucas Bueno, por terem me
acompanhado, pelas contribuies que deram para essa pesquisa.
professora Dra Rosangela Aparecida Frana, por todas as sugestes to
preciosas, pela sua dedicao formao docente, suas aulas e sugestes de
leitura enriqueceram significativamente minha trajetria no mestrado.
Ao Dr. Clarides Henrich de Barba, sempre mostrou compreenso, ofertando
seu apoio que diversas vezes senti ser o divisor de guas e pensamentos, ou seja,
desconstruindo juntos diversas situaes, dando sugestes importantes que
contriburam sobremaneira nesta caminhada.
Ao Dr. Jos Juliano Cedaro, que ao receber o convite para participar deste
desafio aceitou prontamente, por suas contribuies preciosas e pela maneira to
gentil de mostrar que poderia ser melhor, que valeria a pena cada mudana.
professora Dra Margarida Arcari, pessoa maravilhosa que tive o prazer e
privilgio de conhecer, por ter me orientado em diversas situaes, por todos os
ensinamentos e encorajamentos, pelo auxlio nos momentos mais difceis, mesmo
sendo uma pessoa to ocupada, esteve sempre disposta. Por todos os conselhos
nos momentos mais turbulentos, pelo carinho e por ser essa pessoa to presente em
minha vida.
Ao meu grande amigo Paulo Dutra, por todo estmulo em cada encontro que
contribuiu para minha formao. Pelos incentivos que me levaram a ter confiana
nesta trajetria. Por ter me feito acreditar que o Mestrado no era um sonho
impossvel, enfim por acreditar em mim, muito obrigada.
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professora Dra Sandra Patrcia Faria do Nascimento, pela sensibilidade e
humildade, pessoa essa que atendeu s minhas expectativas e contribuiu
significativamente com meus estudos.
Aos meus colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Educao e aos
professores das Escolas Municipais Jandinei Cella e Ruth Rocha, por acreditarem
que a escola local privilegiado e, muitas vezes, nico, onde a pessoa com
deficincia exerce sua cidadania. Juntos lutamos e rompemos barreiras para garantir
que esse direito seja reconhecido.
Secretria Municipal de Educao Leiva Custdio Pereira e Gerente da
Educao Especial Maria Ceclia C. Ribeiro, por terem me apoiado, pela
sensibilidade de compreenderem esse momento de minha vida nesses dois anos de
pesquisa.
Aos Gestores das Escolas pesquisadas, pelo acolhimento e prontido. Aos
professores de AEE e das salas regulares, aos instrutores surdos pela gentileza em
colaborarem com esta pesquisa. Aos pais dos alunos surdos que prontamente
estiveram nas escolas quando foram solicitados, pelas informaes e contribuies.
Camila Camargo, por ter me ouvido e sempre disse que tudo iria dar
certo, nos momentos de dificuldades esteve ao meu lado, nos encontros do grupo de
estudo (GEIPEI), nos finais de semana, por termos compartilhado tantas
aprendizagens nos seminrios e encontros.
Uma imensa gratido minha orientadora, que me acompanha h alguns
anos nessa caminhada de formao, Professora Dra Carmen Tereza Velanga,por ter
me recebido com carinho neste desafio, pelas contribuies com tanta dedicao,
pacincia e compreenso durante a construo e reconstruo desta dissertao.
Ajudando a transformar o sonho em realidade, ser sempre minha inspirao de
orientadora.
Quando eu aceito a lngua de outra pessoa, eu
aceito a pessoa.
Quando eu rejeito a lngua, eu rejeitei a pessoa
porque a lngua parte de ns mesmos.
Quando eu aceito a lngua de sinais, eu aceito
o surdo, e importante ter sempre em mente
que o surdo tem o direito de ser surdo. Ns no
devemos mud-los, devemos ensin-los, ajud-
los, mas temos que permitir-lhes ser surdo
Terje Basilier (psiquiatra Surdo- Noruegus).
SANTOS, Jusiany P. da Cunha dos. Os Desafios da Formao Docente na Aprendizagem dos Alunos com Surdez da Rede Municipal de Ji-Paran/RO, 2014, Dissertao de Mestrado. Programa de Ps- Graduao Strictu Sensu em Educao. Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR, Porto Velho (RO), 2014, p.164.
RESUMO
O objetivo da pesquisa identificar a formao inicial e continuada dos docentes no perodo de 2009 a 2012, que atuam junto a alunos surdos na rede pblica municipal de Ji-Paran-RO, do ponto de vista de seus atores: Gerente da Educao Especial, dez professores das Salas Regulares; trs professores das Salas de Recursos Multifuncional (SRM) e dois instrutores surdos. Para a construo deste estudo utilizou-se de tericos como: Damzio (2007), Lopes (2007), Lacerda e Lodi (2010), Lacerda (2010), Mazzotta (2001), Mendes (2010) e Strobel (2008), entre outros, bem como a legislao pertinente em vigor. A pesquisa tem uma abordagem qualitativa, do tipo descritivo e exploratrio, baseado nos estudos de Minayo (2012) e Ludke (1986). Os instrumentos de coleta de dados foram: leitura analtica e fichamentos, anlise de documentos na Secretaria de Educao, aplicao de questionrios junto aos participantes e observao do espao escolar. Os resultados se pautaram nas observaes e entrevistas semiestruturadas realizadas com os profissionais responsveis pelos educandos surdos e demonstram que, no perodo indicado, os docentes participaram de diversas capacitaes em servio na rea de educao inclusiva, dentre outras. Os dados apontam que: a) h falta de profissionais nas escolas e nas salas de recursos para atuarem com alunos surdos; b) h necessidade de capacitaes continuadas aos profissionais das salas regulares e do professor da sala do AEE, de encontros dinmicos e peridicos com os familiares, para avano na aquisio de conhecimento, bem como ateno ao campo afetivo e social do surdo que oportunize a incluso destes no espao escolar. Estes dois contextos formativos, a sala regular e a SRM, apresentam diversas dificuldades em termos pedaggicos e metodolgicos, o que sugere a necessidade de ampliar a reflexo sobre o atendimento escolar, considerando a precariedade da formao inicial e continuada, das polticas pblicas direcionadas formao docente e necessidade de envolvimento da famlia e esclarecimento, sociedade, quanto promoo da incluso no contexto educacional das pessoas surdas.
Palavras- chave: Formao Docente. Incluso de Alunos Surdos. Adequaes Curriculares.
Santos, Jusiany P. da Cunha dos. The Challenge in Teachers Training. Students with Deafness Learning in Ji-Parana City Rondnia, 2014. Masters Thesis Graduate Program in Education Strictu Sensu Rondonias Federal University Institution (UNIR), Porto Velho (RO), 2014, p.164.
ABSTRACT
The goal of this search is identify the teachers initial and continuing education in the period from 2009 to 2012, teachers who works with deaf students in Public schools in Ji-Parana city from the authors point of view: The Special Educations Manager, ten teachers of regular classes; three teachers from Multifunctional Resources Room (MRR), and two Deaf instructors. To construct this study was used as base theoreticians like: Damzio (2007), Lopes (2007), Lacerda and Lodi (2010), Lacerda (2010), Mazzotta (2001), Mendes (2010), and Strobel (2008), among others, as well as a relevant legislation. The study has a qualitative approach, in a descriptive and exploratory way, based on Minayos (2012) and Ludke (1986) studies. The tools for data collection were: analytical reading and book report, analysis of documents in the Secretary Education, questionnaires with the participants and school space observation. The results were based in observations and semi-structured interviews conducted by the professionals responsible for the deaf students and show that in the indicated period the teachers participated in a lot of capacities in an inclusive education services area, among others. The data indicated that: a) there is a lack of professionals in the schools and in the rooms resources to assist this deaf students; b) there is a necessity of continuing training for professionals in regular classrooms and teachers in the Specialized Educational Service room, dynamic and regular meetings with the family, for advancement in knowledge acquisition, as well as attention to the Deafs emotional and social field that favor the inclusion in the school space. These two training contexts, the regular room and the Multifunctional Resources Room (MRR) show a lot of difficulties in pedagogical and methodological terms, which suggests the necessity to increase the debate about the school assistance considering the precariousness in theinitial and continuing education, the public policies directed to the teachers education and the necessity of the families engagement and the explanation to the society to promote inclusion in the educational context of deaf people.
Key-words: Teachers education. Deaf Students Inclusion. Curriculum Adjustments.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AACD- Associao de Assistncia Criana Defeituosa
AEE- Atendimento Educacional Especializado;
ANFOPE- Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao
APAE- Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais
BM- Banco Mundial
CADEME- Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de Deficientes Mentais
CEB- Cmara de Educao Bsica
CEEJA- Centro Estadual de Educao de Jovens e Adultos
CEF- Centro de Ensino Fundamental
CENESP- Centro Nacional de Educao Especial
CESB- Campanha para a Educao do Surdo Brasileiro
CEULJI- Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran
CNE- Conselho Nacional de Educao
CNEC- Campanha Nacional de Educao de Cegos
CONAE- Conferncia Nacional de Educao
CRE- Coordenao Regional de Ensino
DMU- Deficincia Mltipla
EAD- Educao a Distncia
ECA- Estatuto da Criana e do Adolescente
EDUFBA- Editora da Universidade Federal da Bahia
EDUFSCAR- Editora da Universidade Federal de So Carlos
EDUFRN- Editora da Universidade Federal de Rio Grande do Norte
FACEVV- Faculdade Cenecista de Vila Velha
FASA- Faculdade Santo Andr
FENEIS- Federao Nacional de Educao e Integrao de Surdos
GEIPEI- Grupo de Estudo Interativo e Pesquisa em Educao Inclusiva
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ILS- Intrprete de Lngua de Sinais
INES- Instituto Nacional de Educao de Surdos
JK- Juscelino Kubitschek
LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LIBRAS-Lngua Brasileira de Sinais
MEC- Ministrio de Educao
NUPPES- Ncleo de Pesquisas em Polticas Educacionais para Surdos
OMMES- Observatrio Municipal de Educao Especial
ONU- Organizao das Naes Unidas
PDE- Plano de Desenvolvimento da Educao
PNE- Plano Nacional de Educao
PNEE- Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais
PNUD- Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
POPS- Projeto de Portugus para Surdos
PPGE- Programa de Ps-Graduao em Educao
RO- Rondnia
SECADI- Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso
SEESP- Secretaria de Educao Especial
SEDUC- Secretaria Estadual de Educao
SEMED- Secretaria Municipal de Educao
SRM- Sala de Recursos Multifuncional
TGD- Transtornos Globais do Desenvolvimento
UFC- Universidade Federal do Cear
UFCG- Universidade Federal de Campina Grande
UFPR- Universidade Federal do Paran
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina
UFSM- Universidade Federal de Santa Maria
ULBRA- Universidade Luterana do Brasil
UNB- Universidade de Braslia
UNESP- Universidade Estadual Paulista
UNESCO- Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
UNICEF- Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UNIR- Universidade Federal de Rondnia
UNIRON- Unio das Escolas Superiores de Rondnia
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Descrio dos participantes .............................................................................. 72
Quadro 2-Caracterizao dos Professores de Sala Regular (P) e professores de SRM (PR) e Professora Itinerante (PI) .......................................................................... 72
Quadro 3- Caracterizao dos Instrutores de LIBRAS (I) ................................................. 74
Quadro 4 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2009 ....................................................... 90
Quadro 5 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2010 ....................................................... 91
Quadro 6 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2011 ....................................................... 91
Quadro 7 - Cursos Ofertados pela SEMED em 2012 ....................................................... 92
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Formao continuada das professoras das salas regulares e professoras das SRM........................................................................................................................ 74 Grfico 2 - Evoluo das Matrculas dos Alunos com Deficincia nas Escolas da Rede Municipal de Ji-Paran RO ............................................................................... 89
Grfico 3- Necessidades das Escolas ........................................................................... 115
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Localizao Geogrfica de Rondnia e do Municpio de Ji-Paran.......71
SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................................... 14
2 PARADIGMAS SOBRE A DEFICINCIA: DA SEGREGAO INCLUSO ........... 22
2.1 Marcos Histricos da Deficincia ............................................................................ 25
2.2 Os Caminhos da Incluso no Brasil ........................................................................ 31
3 INCLUSO ESCOLAR DA PESSOA SURDA ............................................................ 39 3.1 Uma Viso Cultural sobre a Surdez ........................................................................ 39
3.2 Filosofias Educacionais para Surdos: da Oralidade ao Bilinguismo ........................ 44
3.3 A Incluso dos Surdos nas Escolas ........................................................................ 51
4 FORMAO DOCENTE E O ATENDIMENTO VOLTADO PESSOA SURDA ....... 57 4.1 Formao Docente e a Educao Inclusiva ............................................................ 62
5 DELINEAMENTO DA PESQUISA .............................................................................. 69
5.1 Enfoque Metodolgico ............................................................................................. 69
5.2 Lcus e Sujeitos da Pesquisa ................................................................................. 70
5.3 Os Procedimentos Metodolgicos da Pesquisa ..................................................... 74
6 A FORMAO DOCENTE NO CONTEXTO DA INCLUSO DO SURDO NO MUNICPIO DE JI-PARAN ......................................................................................... 78 6.1 A Educao Especial no Municpio de Ji-Paran .................................................... 78
6.2 Atendimentos na Sala de Recursos Multifuncional de Ji-Paran ............................ 80
6.3 A Formao Docente em Ji-Paran ........................................................................ 88
6.4 A Fala dos Professores sobre a Formao Docente e a Incluso ........................... 94
6.5 O Olhar dos Instrutores Surdos ............................................................................... 117
7 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 124 REFERNCIAS ............................................................................................................. 130 APNDICES .................................................................................................................. 142 ANEXOS ....................................................................................................................... 150
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1 INTRODUO
A educao brasileira tem o grande desafio de incluir e possibilitar a
permanncia dos alunos com deficincia nas escolas pblicas, contudo torna-se
fundamental conhecer a formao dos docentes que atuam nestas escolas, bem
como a trajetria dos alunos com deficincia ao longo da histria. Assim, observando
as lutas polticas dos alunos com deficincia, em especial dos alunos com surdez,
percebe-se que seus resultados so evidenciados principalmente a partir da dcada
de 1970,por ocasio da promulgao da Lei n 5.692/1971, que reformulou o ensino
do 1 e 2 graus e, neste momento, contemplou com tratamento especial em um
artigo, o que deveria ser disponibilizado aos alunos com deficincias fsicas, mentais
bem como os que estivessem com atraso considervel como distoro idade/srie e
ainda aos superdotados.
Trata-se; pois, de ver que a incluso seria ou um desafio, contudo ao
valorizar a diversidade, promover-se- mudanas positivas no mbito educacional
por implicar em mudanas pedaggicas e por diversas situaes especificas, a fim
de atender aos alunos com deficincia, conforme afirmam Miralha e Schulnzen
(2007,p.87):
Perceber o desafio lanado pela incluso em especial, na escola: valorizar a diversidade implica numa mudana de paradigma educacional, em primeiro lugar, que passe a considerar o direito de todos a ocuparem este espao, independente de suas limitaes. Implica numa mudana pedaggica que no se encerra com as orientaes especficas para os casos de deficincia, nem tampouco com atendimentos clnicos.
Com relao aos alunos surdos desde o sculo XVII, havia apenas uma viso
fortemente clnica da surdez e os surdos eram conceituados exclusivamente como
deficientes auditivos. O principal propsito seria que eles pudessem desenvolver
seus pensamentos e express-los atravs da fala, negando a surdez, enxergando-
os como seres anatomicamente incorretos que, por sua vez, necessitavam
comunicar-se com o mundo ouvinte.
A Lngua de Sinais foi proibida no Congresso de Milo em 1880,conforme
ser explanada mais adiante, nesta poca, ela era considerada apenas como
mmicas e gestos.Hoje, com base na Lei Federal n 10.436/2002 e posteriormente
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regulamentada pelo Decreto n 5.626/2005, que a oficializou, a Lngua de Sinais
passou a ter status e reconhecimento legal no Brasil, com gramtica e estruturas
lexicais prprias.
A Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) teve, finalmente, o reconhecimento
legal.E, neste momento histrico, assume a posio de primeira lngua para os
surdos, para que tenham condies lingusticas de aprender a Lngua Portuguesa
como segunda lngua na modalidade escrita,com base nessa articulao, os surdos
possam desenvolver os demais aprendizados que, segundo S (2010, p.131):
No h como negar que o uso da lngua de sinais seja um dos principais elementos aglutinantes das comunidades surdas, sendo, assim um dos elementos importantssimos nos processos de desenvolvimento da identidade surda/de surdo e nos de identificao dos surdos entre si.
A lngua utilizada pela populao ouvinte a lngua majoritria do pas, sendo
que na modalidade oral, enquanto que os surdos se comunicam atravs da LIBRAS,
so considerados um grupo minoritrio com direitos lingusticos que precisam ser
respeitados.
Esta pesquisa focaliza os docentes de alunos surdos em contextos de
formao, assim como os professores das Salas de Recursos Multifuncional (SRM).
Estes dois contextos formativos, a sala regular e a SRM apresentam dificuldades
diversas em termos pedaggicos e metodolgicos, o que provocou a necessidade
de refletir sobre a formao dos docentes nestes contextos, e verificar se de fato
houve avanos na aprendizagem dos alunos, cujos professores participaram das
formaes propiciadas pela SEMED, em Ji-Paran.
A incluso das pessoas com deficincia percorre caminhos cheios de desafios
para atender s diferenas na educao, dentre estes caminhos, foi possvel
averiguar que em Ji-Paran existem 28 escolas da rede municipal, contando com
485 professores atuando, e nelas foram recebidos, no ano de 2013, um total de 147
alunos com deficincias. Estes alunos foram atendidos em 13 salas de AEE
disponibilizadas em diferentes escolas.Quanto aos alunos surdos, foram
encontrados nove alunos matriculados em cinco escolas.
Diante desse levantamento preliminar, importante para a definio da
pesquisa, surgiu ento a inteno de investigar como a formao docente reflete na
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aprendizagem dos alunos com surdez que frequentam as salas regulares, bem como
as SRM das escolas municipais de Ji-Paran/RO.
Desta forma, acredita-se na necessidade de problematizar o papel dos
docentes na educao de surdos, diante da realidade escolar da incluso, para
melhor atender aos educandos surdos inseridos nas salas regulares e atendidos nas
SRM, levando em considerao que a necessidade de visualizar o desenvolvimento
lingustico das crianas surdas e possibilitar a elas a aquisio da Lngua de Sinais
condio fundamental para que no se tornem segregadas no processo
educacional.
Tendo em vista a ocorrncia de atrasos no desenvolvimento dos surdos,
gerados pela falta de acesso a uma lngua, as parcerias com fonoaudilogos,
psiclogos entre outros profissionais se fazem necessrias para que essas crianas
tenham condies de acompanharem o ensino regular da maneira mais adequada
possvel.
Ressalta-se que de extrema importncia que esses profissionais, ao
trabalharem com surdos, aprendam a Lngua de Sinais e mantenham contato com a
comunidade surda, a fim de conhecerem sua cultura e,
impreterivelmente,estabelecerem uma comunicao com esses sujeitos, quer sejam
surdos ou deficientes auditivos.
Frente a esse entendimento da surdez, coloca-se como inadivel a
necessidade da escola regular embasar-se no bilinguismo para pensar a educao
de surdos. Por meio deste ambiente bilngue que, de fato, os alunos tero
possibilidades de realizar suas construes, partilhar saberes, sentimentos e de
utilizar a LIBRAS como primeira lngua e a Lngua Portuguesa como segunda lngua.
Mesmo havendo questionamentos sobre as modalidades de ensino, enfatiza-
se que o mtodo mais adequado para o ensino dos surdos o bilngue, pois alm de
oferecer aos alunos surdos condies de aprendizado e desenvolvimento efetivos
por priorizar a LIBRAS, est regulamentado no Decreto n. 5.626/2005. A legislao
vigente prev a organizao de turmas bilngues, orienta para a formao inicial e
continuada de professores e de intrpretes de Lngua Brasileira de Sinais. por
esse territrio poltico, lingustico e cultural que essa pesquisa esta transitando.
Diante do contexto destacado, questiona-se:De que modo as formaes
continuadas proporcionadas aos docentes em servio, no perodo de 2009 a 2012,
que trabalham com os alunos surdos da rede municipal de ensino de Ji-Paran,
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incidem sobre o trabalho docente no desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem desses alunos?
Neste sentido, as questes de pesquisa originadas do problema so as
seguintes:
a) Quais foram e como ocorreram as formaes continuadas dos docentes em
servio, que atuam junto aos alunos surdos matriculados na rede municipal de Ji-
Paran no perodo de 2009 a 2012?
b) Qual o papel dos docentes junto educao inclusiva dos alunos surdos
nas escolas municipais de Ji-Paran?
c) Em quais contextos as polticas nacionais de incluso contribuem para a
formao continuada dos professores de alunos surdos no municpio de Ji-Paran?
Diante da formulao do problema e das questes de estudo, aponta-se a
relevncia da pesquisa.
Ao ouvir os professores dos alunos surdos percebe-se, em suas falas, a
dificuldade destes educandos em aprender e assimilar os cdigos convencionais da
Lngua Portuguesa. Contudo, na Formao destes docentes evidencia-se que
faltavam experimentos e/ou iniciativas sobre o ensino/aprendizagem dos educandos
surdos, faltava-lhes o conhecimento sobre os recursos pedaggicos visuais e
questes didticas ou metodolgicas para atuar com estes sujeitos.
O propsito de explorar as experincias, junto aos docentes engajados, e
ainda perceber o reflexo nas aprendizagens dos alunos surdos tornou-se parte desta
pesquisa, almejando conhecer melhores estratgias em prticas inclusivas, que se
adaptem realidade dos educandos facilitando a ao dos professores e, por
consequncia,orientando para que eles respeitem os ideais e cultura dos surdos
como cidados conscientes, autnticos sujeitos que pensam e agem.
Nos ltimos dez anos, a pesquisadora dedicou-se ao estudo voltado para a
educao de surdos, desde o incio do AEE junto aos surdos nas escolas municipais
de Ji-Paran, cujo inicio ocorreu em maio de 2004. Nesse perodo, foi propiciada a
ela a oportunidade de trabalhar como professora de Sala de Recursos.
O primeiro contato com a Lngua de Sinais aconteceu por meio dos estudos
com um grupo de professores, a cada encontro estes profissionais estudavam temas
de LIBRAS com o auxlio de um CD, que foi enviado pelo Ministrio da Educao
(MEC) em parceria com a Secretaria de Educao Especial (SEESP),
posteriormente participou de encontros na Secretaria Municipal da Educao
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(SEMED) e na Secretaria Estadual da Educao (SEDUC), para estudar LIBRAS.
Dessa forma, ela colocou o aprendizado da Lngua de Sinais como meta
profissional, com a inteno de melhorar a comunicao, bem como as estratgias
de ensino aos trs educandos surdos que eram atendidos na poca.
Tambm participou de diversas formaes continuadas que aconteceram por
intermdio da SEMED, SEDUC, Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran
(CEULJI/ULBRA) e Fundao Universidade Federal de Rondnia (UNIR) em
parceria com o MEC. Assim, o interesse inicial por focar o tema aprendizagem dos
alunos surdos matriculados na rede municipal de Ji-Paran decorreu de uma
Especializao: Dficit Cognitivo e Educao de Surdos em parceria da SEMED/
MEC/Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),no perodo de 2008 a 2010,
sendo que nessa especializao surgiu a necessidade de pesquisar sobre a incluso
dos alunos surdos matriculados na rede municipal. Em seguida, concluiu outro curso
de especializao: Atendimento Educacional Especializadoem parceira com a
SEMED/MEC/Universidade Federal do Cear (UFC)2010/2011, e novamente tratou-
se do tema atendimento aos alunos com surdez, sendo que nessa ocasio focalizou-
se a Sala de Recursos, gerando maior e especfico interesse nesta temtica de
pesquisa, que acabou por se confirmar diante do contexto de atuao profissional,
cujos temas de Trabalhos de Concluso de Curso foram: Experincias e
descobertas com Alunos Surdos do Ensino Fundamental em Ji-Paran e: O direito
de ser Bilngue para alunos com Surdez.
A pesquisadora finalizou mais duas especializaes em nvel Lato Sensu:
LIBRAS pela Unio das Escolas Superiores de Rondnia (UNIRON), em 2008, e
Traduo e Interpretao da LIBRAS pela Faculdade Santo Andr
(FASA),2012/2013, cujo tema de Trabalho de Concluso de Curso foi: O Aluno
Surdo e a Importncia do Atendimento Especializado para sua Aprendizagem.
Desta forma,percebeu, ao longo desses anos, a necessidade de
aprofundamento na rea da Educao Especial, com a importncia dos
conhecimentos concernentes educao dos surdos includos.O ingresso no
Mestrado Acadmico em Educao da UNIR representou esta possibilidade.
Nos anos de 2009 a 2013,atuou como formadora de docentes da rede pblica
municipal nos cursos de LIBRAS ofertados pela SEMED, alm de participar como
pesquisadora e membro do Grupo de Estudo Interativo e Pesquisa em Educao
Inclusiva (GEIPEI) de 2011 a 2013, colaboradora das pesquisas do Observatrio
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Municipal de Educao Especial de Ji-Paran (OMMES) de 2011 at 2013.
Por intermdio da FASA desde 2011, organizou diversos Seminrios de
Capacitao para os profissionais da Educao que atuam com alunos surdos. Os
Seminrios foram: LIBRAS em Contextos I e II, Tcnicas de Traduo e
Interpretao da LIBRAS, Introduo Traduo e Interpretao, Tcnicas
Corporais Aplicadas Lngua de Sinais, cujos docentes que ministraram os
encontros so pessoas militantes da causa surda, engajadas no movimento que luta
por melhores condies de ensino aos surdos.
Em 2012, a SEMED proporcionou aos Instrutores Surdos e pesquisadora
uma visita s escolas do Distrito Federal no intuito de conhecer as prticas
pedaggicas do local. Neste mesmo perodo, teve a oportunidade de participar do
movimento dos surdos de todo o pas, culminando numa passeata em Braslia (onde
ocasionalmente tinha ido para conhecer o atendimento educacional especializado
para alunos com surdez), solicitando polticas pblicas que contemplassem a
educao dos surdos com escolas bilngues, como se observa no relato abaixo:
No dia 24 de abril, os trs professores participaram ativamente, durante todo o dia, das atividades que aconteceram na Esplanada dos Ministrios, em comemorao aos 10 anos da Lei de Libras, dirigida pela Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS, lder do Movimento Nacional em Favor da Educao e Cultura Surda, na luta da implantao de Escolas Bilngues Libras e Lngua Portuguesa, em todo o Brasil (NASCIMENTO1, 2012, p.1).
Diante dos fatos expostos, esta pesquisa nasceu da necessidade de
compreender como a formao dos docentes que trabalham com os alunos surdos,
tanto em sala regular quanto aos que atendem nas salas de atendimento
educacional especializado, pode contribuir para proporcionar situaes de
aprendizagem prazerosas e significativas aos alunos matriculados na rede municipal
de ensino de Ji-Paran, uma vez que a formao poder proporcionar situaes na
qual os docentes podem aprender reflexivamente para melhor acolher aos surdos,
estando evidenciadas as dificuldades de alfabetizao e letramento dos mesmos.
Considera-se que no h limites para um trabalho comprometido com o ideal
1Dra. Sandra Patrcia Faria do Nascimento, colaboradora na UNB e professora da primeira escola
bilngue de Taguatinga, escreveu o relatrio da visita em Braslia, para que fosse entregue na SEMED, com a finalidade de comprovar as atividades realizadas naquela semana, tendo nos encaminhado por e-mail este relato, sendo que o relatrio da visita se encontra nos anexos.
20
de fazer e refazer prticas pedaggicas, e que ainda h muito por fazer e repensar
na formao dos docentes e educao dos surdos do Municpio em questo. A
postura que se assume a de estar em constante procura, frente necessidade de
auxiliar esses alunos, mesmo com dificuldades.
A relevncia desta pesquisa est na possibilidade de vislumbrar as
aprendizagens dos docentes em cada uma das formaes, que ocorreram de 2009 a
2012, nos encontros de formao, por meio das trocas de experincias, que por sua
vez indicam que se torna de suma importncia que tais formaes oportunizem
condies de comunicao e aprendizado, incluindo-os nos contextos escolares.
Quanto aos alunos surdos, por meio de uma melhor formao docente
repassadas em seu atendimento pedaggico, hipoteticamente tero melhores
condies para se comunicarem com seus professores, sendo que, com o
atendimento nas SRM, partilharo um momento de construo de suas identidades
com os instrutores surdos.
Assim, em relao comunidade Surda e Escolar, esta pesquisa servir para
a anlise de uma conscincia crtica, para manifestar o respeito concepo
culturalista da surdez, para alm de uma viso tradicional em seu vis clnico,
concebendo a pessoa surda como cidado de direito e com uma cultura prpria do
seu grupo, constituda por meio de lutas nos movimentos sociais esvaziando a
concepo de surdez entrelaada deficincia Prope-se, ainda, construo da
narrativa a partir dos estudos sobre os surdos, inspirada na base culturalista,
conforme Skliar (2005), Lopes(2007) e S (2010).
Esta pesquisa tem como Objetivo Geral o seguinte: Identificar a formao
inicial e continuada dos docentes no perodo de 2009 a 2012, que atuam junto a
alunos surdos na rede pblica municipal de Ji-Paran do ponto de vista de seus
atores: professores, instrutores e gestores e como estas incidem sobre o processo
de ensino e aprendizagem desses alunos.
Os Objetivos Especficos so:
- Descrever o contexto histrico da abordagem s pessoas com deficincia no
Brasil e seus paradigmas;
- Analisar as polticas nacionais de incluso para a educao de surdos, as
leis, decretos, portarias, bem como os programas e projetos de formao continuada
para os docentes ofertados pelo governo federal e em parceria com a Prefeitura de
Ji-Paran.
21
- Identificar e problematizar a formao docente, inicial e continuada e seus
reflexos no atendimento a pessoa surda, tanto na sala regular como no AEE no
municpio de Ji-Paran.
Dessa forma, o trabalho de pesquisa assim subdivide-se:
A Seo 1, referente Introduo, apresenta a formulao do problema, a
relevncia da pesquisa, seus objetivos e uma exposio breve sobre a trajetria
profissional junto ao objeto da pesquisa.
Na Seo 2, intitulada Paradigmas sobre a deficincia: da segregao
Incluso, inicia-se o referencial terico, apontando os paradigmas sobre as
deficincias. Aborda os marcos histricos da Deficincia, bem como os caminhos da
incluso no Brasil, apresentando a viso de diversos autores.
Na Seo 3, intitulada A Incluso Escolar da pessoa Surda, aponta-se as
filosofias educacionais diante da Surdez: da oralidade ao bilinguismo, bem como a
incluso dos surdos nas escolas.
A Seo 4 aborda a Formao docente e o atendimento voltado pessoa
surda, problematizando a Formao Docente diante da Educao Inclusiva.
Na Seo 5, intitulada Delineamento da Pesquisa, aborda-se o enfoque
metodolgico, o lcus, os sujeitos da pesquisa e os seus procedimentos
metodolgicos.
A seo 6, A Formao Docente no Contexto da Incluso do Surdo no
Municpio de Ji-Paran, apresenta a educao especial no municpio, os
atendimentos na SRM e a Formao Docente oferecida neste municpio. A
seguir,apresenta-se os resultados e a anlise dos mesmos luz dos estudos
tericos realizados nas primeiras sees, apresentando a fala dos professores e o
olhar dos instrutores surdos acerca da formao docente e da incluso escolar.
Nesse contexto, busca-se problematizar, analisar e refletir sobre o preparo
dos docentes,tanto de sala regular quanto professores do AEE e Instrutores surdos
e, tambm, sua aceitao diversidade, a contribuio da LIBRAS para melhorar a
comunicao e o entendimento da incluso como um processo social, num ambiente
escolar adequado e com uma prtica pedaggica diferenciada, em cinco escolas da
rede pblica municipal de ensino de Ji-Paran/RO, onde esto includos os alunos
surdos.
22
2 PARADIGMAS SOBRE A DEFICINCIA: DA SEGREGAO INCLUSO
Diversos autores, pesquisadores e educadores utilizaram paradigmas para
descrever a situao das pessoas com deficincia desde a antiguidade at os dias
atuais, Sassaki (2012) dividiu esses perodos histricos em quatro paradigmas: a)
Excluso (rejeio social), b) Institucionalizao (segregao), c) Integrao (modelo
mdico da deficincia) e d) Incluso.
A excluso, caracterizada desde a antiguidade at o sculo XVIII, em que as
pessoas ficavam abandonadas, em algumas culturas foram levadas morte,
tinhanoes de invalidade e inutilidade;
Neste perodo, predominou o modelo da rejeio, as crianas eram
abandonadas prpria sorte, em outras culturas eram levadas morte, como
descrevem Botur e Manzoli (2007, p. 66):
Em Esparta crianas portadoras de deficincias fsica ou mental eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminao ou abandono, prtica perfeitamente coerente com os ideais atlticos e clssicos, alm de classistas, que serviam de base organizao scio cultural de Esparta e da Antiga Grcia. Porm o fato mais marcante na sociedade grega em relao s pessoas com deficincia, foi a prtica da eliminao. Desde o arremesso at a exposio proposital h uma situao de abandono que conduzia na grande maioria das vezes a morte, assim fica evidente que fatores tais como a preservao da fora e da sade fsica determinava o destino das crianas, futuros guerreiro.
A excluso das pessoas com deficincia foi uma prtica aceita na antiguidade
e a eliminao legitimada pela sociedade, pois a inteno seria formar futuros
guerreiros, logo os corpos dos deficientes no eram aceitos.
De acordo com Rodrigues (2008), os estudos sobre a deficincia e suas
implicaes surgem no sculo XIII. Posteriormente dois intelectuais Paracelso
(mdico) e Cardano (filsofo) escreveram sobre a deficincia como um problema
mdico. No sculo XVIII,Franois Emmanuel Foder, um mdico botnico francs
escreveu o tratado do bcio e do cretinismo, segundo ele havia a ideia da deficincia
ser hereditria, sendo que a degradao poderia ser maior ou menor conforme a
doena, estabelecendo diferentes graus de retardo associados a diversos nveis.
Nesse perodo no havia uma distino clara entre doena e deficincia, tanto que a
23
forma de tratamento tornou-se similar para ambos no paradigma da
institucionalizao como se pode observar a seguir.
A Institucionalizao (segregao) esteve presente no sculo XIX at incio do
sculo XX. Nesse contexto, ela estava associada enfermidade. Nas prises, asilos
ou hospitais psiquitricos ficavam enclausurados os sujeitos marginalizados, doentes
e deficientes, confinados a terem apenas ateno bsica de abrigo, vesturio e
alimentao.
Devido autoridade e influncia dos mdicos, surge no Brasil o movimento
higienista com o objetivo de modificar o comportamento da populao brasileira.
Rodrigues (2008) aponta para a preocupao dos mdicos como sendo a
preservao da infncia, pois estavam alarmados com a elevada taxa de
mortalidade infantil. Os mdicos higienistas concluram que precisavam apoiar a
populao para enfrentar tais problemas, com a finalidade de produzir um maior
nmero de pessoas sadias no futuro. Procuravam detectar as causas da
mortalidade, mostrando as intenes do movimento higienista, tais como: manter e
melhorar a vida da coletividade, assim, eles buscavam a disciplina individual para
que o sujeito de forma consciente se tornasse um fiscal da higiene, na tentativa de
melhorar a sade da populao.
Segundo Fernandes e Oliveira (2012), as classes representadas pelos pobres
eram consideradas perigosas, devido aos problemas com emprego, educao e
sade. Alegavam que as famlias pobres no sabiam cuidar dos bebs, por isso
havia grande preocupao com a higiene, apontavam ainda que os hbitos de
moradia coletiva eram perniciosos, devido s residncias coletivas que geravam
epidemias e a proliferao de vcios.
De acordo com Mazzotta (2001), a viso assistencialista proporcionava a
postura profissional e integrativa dos deficientes, cujo modelo adotado foi o da
institucionalizao dessas pessoas com deficincia. Desta forma, no final do sculo
XIX e incio do sculo XX, foram criadas diversas escolas especiais. Esse
movimento comeou na Europa, foi levado aos Estados Unidos, Canad e depois
chegou ao Brasil.
Com a Integrao (modelo mdico da deficincia) surgem, no incio dos anos
1940, os servios pblicos de reabilitao fsica e profissional. Inspiradas na
Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), aparecem as associaes
voltadas ao assistencialismo. Neste perodo, nasce o paradigma de servios, um
24
modelo citado por Sassaki (2012), marcado pela luta contra a no segregao total
por parte dos pais e familiares das pessoas com necessidades especiais. Dessa
maneira, passou-se a buscar a integrao das pessoas com deficincia, depois de
capacitadas, habilitadas ou reabilitadas nas instituies especializadas, elas eram
encaminhadas para as escolas regulares:
Nesta h um processo de educar/ensinar crianas ditas normais junto com crianas portadoras de deficincia, em que alunos com deficincias devem se adaptar realidade das escolas, enquanto estas permanecem com suas condies inalteradas para receberem quelas crianas (MARTINS et al. 2007, p.110).
Os movimentos em prol da integrao das crianas surgem quando se
questionava as prticas segregadoras. Sua noo era a normalizao, ou seja, a
insero dos deficientes no ambiente regular de ensino sendo elas escolas
especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, classes
hospitalares, ensino domiciliar e outros (MANTOAN, 2006).
Esse paradigma caracterizou-se pela oferta de servios organizados em trs
etapas: avaliao, interveno e encaminhamento ou reencaminhamento (Brasil,
2000, p. 15).
Contudo, o grande problema desse modelo integrao era que o indivduo
que teria de adaptar-se nova realidade, estaria inserido nas salas, mas no havia
preparo ou formao dos profissionais da educao para receb-los e muito menos
para mediar a educao dos alunos integrados:
Nas situaes de integrao escolar nem todos os alunos com deficincia cabem nas turmas de ensino regular, pois h uma seleo prvia dos que esto aptos insero. Para estes casos, so indicados a individualizao dos programas escolares, os currculos adaptados e a reduo dos objetivos educacionais para compensar as dificuldades de aprender. Em suma: a escola no muda como um todo, mas os alunos tm de mudar para se adaptar s suas exigncias (MANTOAN, 2006, p.18).
O processo da integrao escolar envolve a realidade dos programas
escolares ao currculo escolar.
A partir de 1990, a Incluso no Brasil surge com a luta dos prprios
deficientes, que pediam a equiparao de oportunidades, adequao dos sistemas
sociais no intuito de que possam participar em todos os ambientes.
25
Esses movimentos representam um avano da responsabilidade social ao se
preocuparem com as pessoas com deficincia. Matos e Mendes (2014) consideram
que o movimento pela incluso surgiu nos Estados Unidos, partindo da reflexo
sobre a necessidade de se questionar o atendimento s pessoas com deficincia, na
inteno de defender um sistema nico de qualidade para todos.
Mantoan (2006) descreve que a evoluo dos atendimentos nas escolas
regulares, por meio das polticas pblicas foi crescendo e hoje todos tm direito a
escolarizao:
A Incluso questiona no somente as polticas pblicas e a organizao da educao especial e da regular, mas tambm o prprio conceito de integrao. Ela incompatvel com a integrao, j que prev a insero escolar de forma radical, completa e sistemtica. Todos os alunos, sem exceo, devem frequentar as salas de aula do ensino regular (p.19).
A construo de uma sociedade inclusiva passou a ser defendida
mundialmente, e as teorias e praticas educacionais, bem como modificaes nos
currculos escolares, as formaes dos professores so mudanas que precisam ser
articuladas, a proposta inclusiva representa a insero destes sujeitos que at o
sculo XIX foram excludos e rejeitados, essa uma dvida da atual sociedade
diminuir o preconceito e hostilidade diante das diferenas.
2.1 Marcos Histricos da Deficincia
A histria da excluso dos deficientes muito antiga, o simples fato de
seremcrianas j as deixava desfavorecidas, o trato com estas pessoas deficientes
foi mudando no transcorrer da histria da sociedade mundial e de igual forma em
nvel nacional, na antiguidade era visto como normal o infanticdio quando bebes
nasciam com qualquer anormalidade:
Em 384 a.C. Aristteles defendeu arduamente que o homem expressava seus conhecimentos e inteligncia atravs da fala, se um indivduo no tem linguagem, logo, to pouco possuir inteligncia. Isso tornava os surdos incapazes de receber educao (LOURENO, BARANI, 2012, p.2).
26
Havia uma cultura de que no poderiam admitir pessoas com imperfeies,
por exemplo, em Atenas os Surdos eram deixados em praas pblicas e em Esparta
jogados nos rochedos e em Roma atirados no Rio Tiger, logo os surdos no tinham
dignidade e lugar na prpria sociedade.
Os gregos no reconheciam nas crianas suas capacidades. Segundo Castro
(2013), Plato sugeria que a virtude das crianas era o fcil amoldamento, ou seja,
seriam submetidas s vontades dos adultos, se estes decidissem que elas no
teriam o direito de sobreviver por alguma anomalia ou deformidade, elas seriam
extintas ou abandonadas:
Apesar do pensamento de Plato em relao aos princpios da educao estar frente de seu tempo, ele tinha uma concepo excludente em relao aos deficientes, na verdade, um sentimento comum sua poca, Plato em seu livro Repblica prope a morte das crianas de corpo mal organizado e o cuidado dos que receberam da natureza corpo so e alma formosa. Aristteles no livro Poltica sugere a proibio de alimentar toda criana disforme. Tambm, segundo ele, era intil o Estado investir na educao da pessoa surda, pois o pensamento impossvel sem a palavra. Posteriormente, criou-se a ideia de que os deficientes eram endemoniados (CASTRO, 2013, p.2).
As crianas que nasciam com deficincias estavam fadadas morte,
considerando o agravante que eram abandonadas por seus familiares.Nos
primrdios as pessoas deficientes eram entendidas como seres desqualificados e
inferiores, portanto no tinham o direito de viver, tendo em vista que naquele perodo
somente os indivduos saudveis eram considerados dignos. De acordo com Castro
(2013, p.1):
Os bebs nascidos disformes deveriam ser expostos, a deformidade da criana ou a pobreza da famlia bastavam para que a justia domstica decretasse sua morte ou se abandono. Na Roma antiga os bebs malformados eram enjeitados ou afogados. Estes podiam ser perfeitamente mortos, atirados ao mar ou queimados. Acreditava-se que as deformidades traziam mau agouro para comunidade e para a famlia.
Aps o nascimento de Jesus Cristo, e por meio dos seus ensinamentos
apontados como Cristianismo, a postura sobre a deficincia mudou, a sociedade
comea a aceit-los como criaturas de Deus. A partir de ento, todos so
considerados filhos de Deus, as pessoas com deficincia passam a ter alma.
27
Dessa forma, comearam a ser assistidas com alimentao e abrigo, e logo, a Igreja
Catlica comea a combater a eliminao das crianas que nasciam deficientes.
Na idade mdia, a supremacia da Igreja Catlica fez com que as pessoas
aceitassem a ideia de que as pessoas com deficincia seriam consideradas como
doentes, a ausncia de condies de higiene e ainda a presena de diversas
doenas endmicas, fez com que surgissem instituies para que essas pandemias
fossem minimizadas, conforme podemos observar na afirmao de Botur e Manzoli
(2007, p.67):
As pessoas com deficincias so entendidas como doentes precisam de cuidados dos mdicos e tm direitos a procedimentos de reabilitao fsica adequados, desta maneira a medicina comea a ganhar forte espao, e as pessoas com deficincia passam a ser vistas como objeto e clientela de estudo, sendo, portanto o modelo mdico utilizado para uma melhor compreenso das deficincias.
Segundo Fernandes, Schlesener e Mosquera (2011) no sculo VI comearam
a surgir os hospitais e instituies de caridade, que por sua vez abrigavam pessoas
deficientes e indigentes. Nestas instituies eram proporcionados alimentao,
educao e os cuidados que precisavam.
Os hospitais e asilos de caridade, com objetivos de abrigar, proteger e educar, acabavam excluindo-os da convivncia social. Cabe ressaltar que, dentro desse contexto histrico, alguns paradigmas surgiram em relao ao movimento das ideologias e organizao social das sociedades frente aos indivduos com deficincia. (FERNANDES, SCHLESENER e MOSQUERA, 2011, p.4)
No fim da idade mdia, a marca o reencontro do homem consigo mesmo. A
crena em supersties, misticismo e ocultismo, bem como explicaes onde tudo
a vontade divina,se modifica.
No Renascimento, sculo XIV, e posteriormente no incio da idade moderna
(sculo XV em diante), a deficincia passa a ser analisada sob o vis mdico e
cientfico.Esta concepo pode ser analisada e entendida que a deficincia deve ser
analisada diante do contexto geral das deficincias.
Segundo Mazzotta(2001), em 1770 cria-se, em Paris, com o abade Charles
Michel LEpee, a primeira instituio especializada para a educao de surdos, ele
criou tambm o chamado mtodo dos sinais. Em 1776, sua obra foi publicada com o
ttulo: A Verdadeira Maneira de Instruir os Surdos Mudos.
28
Em 1784, sobre o atendimento dos cegos, Valentin Hauy, fundou em Paris, o
Instituto Nacional dos Jovens Cegos, que no se caracterizava apenas como um
asilo, mas Hauy ficou conhecido por sua metodologia (letras em relevo) de ensinar
aos jovens:
Em 1829, um jovem cego francs, Louis Braille (1809-1852), estudante daquele Instituto, fez uma adaptao do cdigo militar de comunicao noturna, criado por Barbier. [...] De inicio, tal adaptao foi denominada de sonografia, e mais tarde, de braile. At hoje no foi encontrado outro meio, de leitura e de escrita, mais eficiente e til para o uso das pessoas cegas (MAZZOTTA, 2001, p.19).
O jovem Louis Braille queria conhecer o mundo atravs da leitura, quando
conheceu o mtodo de comunicao noturna de Barbier, posteriormente fez
modificaes na acentuao, pontuao e sinais matemticos (CANEJO, 2005). No
ano de 1929 publicou seu mtodo, mas somente em 1937 sua proposta foi finalizada
e conhecida mundialmente com seu nome.
Em relao deficincia fsica, Mazzotta (2001) considera que os registros
so da Alemanha, em Munique, que havia uma instituio encarregada de educar os
coxos, os manetas e os paralticos. Tambm neste mesmo perodo inicia-se o
atendimento aos deficientes intelectuais, o mdico Jean Marc Itard mostrou a
educabilidade de um menino chamado de selvagem de Aveyron:
Reconhecido como a primeira pessoa a utilizar mtodos sistematizados para o ensino de deficientes ou retardados mentais, Itard trabalhou durante cinco anos com Vtor, uma criana de doze anos, menino selvagem capturado na floresta de Aveyron, no sul da Frana, por volta de 1800 (MAZZOTTA, 2001, p.20).
O mdico considerou o comportamento do menino semelhante ao de um
animal, por conta da socializao precria, desta forma, Itard empregou uma regra
considerada por ele como bsica, que era repetir a experincia de sucesso, mais
tarde desenvolvendo amplos materiais didticos pedindo aos professores que
seguissem seus processos, como foi apontado por Mazzotta (2001).
Sobre a educabilidade de Itard com Victor2, Tezzari (2009) afirma que:
2 O nome foi escolhido pelo prprio menino, pois de acordo com a governanta de Itard, o selvagem tinha uma sensibilidade ao som da letra o, e aps a pronncia de vrios nomes masculinos, Victor foi o nome que fez com que o garoto olhasse para a Mme.Gurin(TEZZARI, 2009).
29
Ao se deparar com um menino que foi privado durante anos do convvio com a civilizao, acreditou que suas caractersticas eram consequncia do prprio isolamento e no de um quadro de idiotia. Props-se ento a educ-lo e baseou-se, ao elaborar seu plano de desenvolvimento, nas teorias em que acreditava [...] E assim ele iniciou sua empreitada. Ao ler seus relatrios percebe-se que sua interveno junto ao menino foi a de um professor, e no aquela de um mdico. Incontveis atividades foram propostas, assim como a criao de materiais para o desenvolvimento das mesmas. Todavia, nem todos os objetivos foram alcanados, ou talvez, alguns deles no tinham sido alcanados de forma plena, mas em parte, dentro das possibilidades que Victor apresentava naquele momento e em acordo com a metodologia empregada. Ao desenvolver seu experimento com Victor, o mdico-pedagogo foi extremamente fiel e rgido na aplicao dos princpios tericos nos quais acreditava (p.80).
A privao deste menino significa que ele necessitava de um maior convvio
com pessoas que pudessem entend-lo. Dessa maneira, o mdico, ao trat-lo como
uma criana com dificuldades, repetia as experincias de sucesso, levando-o a
desenvolver materiais didticos que depois repassou aos professores para que
pudessem trabalhar com outras crianas com as mesmas deficincias.
De acordo com Fernandes, Schlesener e Mosquera (2011), Philippe Pinel
props que os indivduos com deficincias fossem tratados e reabilitados, do mesmo
modo como foi feito com o menino selvagem. A partir de ento, inicia-se o
atendimento s pessoas com deficincia e o crescimento das instituies
especializadas, observando-se o interesse pela limitao das deficincias.
A respeito do modelo de Institucionalizao, Tezzari (2009) destaca que foi
ento delimitado pelos profissionais quais, entre os atrasados, iriam para as
instituies e quais seriam aptos para o ensino nas escolas regulares.
Como consequncia da adoo desse modelo, a nfase era colocada no tratamento das crianas e no na sua educao, tendo os testes de inteligncia, nesta poca, papel relevante, os quais rotulavam as crianas consideradas com dficit intelectual, aumentando assim a discriminao das mesmas.
Aps esse modelo de Institucionalizao,Tezzari (2009) considera que houve
uma ampliao dos processos de escolarizao, expressivamente entre os sculos
XVIII e XIX na Europa, e no Brasil no sculo XX:
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Esse movimento de identificao e classificao das crianas com rendimento aqum daquele considerado o ideal acontece, no por acaso, simultaneamente ao processo de democratizao do acesso escolarizao. A educao escolar, que antes era privilgio de pequena parcela da populao, na maioria dos pases, comea a ser ampliada (p.29).
O fato de classificarem os sujeitos com deficincia no se constitua uma
preocupao com a educao das mesmas, mas havia uma preocupao em rotular
os indivduos e reabilit-los, conforme destaca Serpa (2011, p.21):
Inspiradas no modelo mdico da deficincia, no qual as diferenas eram vistas como patologias individuais, sendo necessria a mobilizao de estratgias individuais de adaptao sociedade, atravs de mudanas operacionalizadas por profissionais, que trariam, a esses sujeitos sociais, a reabilitao ou a cura, intentando o modelo mdico melhorar as pessoas com deficincias, para adequ-las aos padres da sociedade. Como consequncia da adoo desse modelo, a nfase era colocada no tratamento das crianas e no na sua educao, tendo os testes de inteligncia, nesta poca, papel relevante, os quais rotulavam as crianas consideradas com dficit intelectual, aumentando assim a discriminao das mesmas.
Os testes de inteligncia funcionavam para que fosse justificado o fracasso
escolar, logo a culpa da no aprendizagem ficaria com o individuo fracassado, esse
modelo clnico serviu para aliviar a responsabilidade da sociedade e o sofrimento
das famlias. As pessoas com deficincia eram encaminhadas para os asilos,para
que fossem vigiados e o contato com a sociedade ficava mais restrito. A esse
respeito,Botur e Manzoli (2007, p.67) destacam:
Assim no Sculo XIX criavam-se escolas especiais para o atendimento da pessoa com deficincia, desta maneira tranquilizava-se a conscincia coletiva proporcionando cuidado e assistncia a quem necessitava, protegendo o deficiente da sociedade, sem que esta tivesse que suportar o seu contato.
Aps a institucionalizao, foram criadas as escolas especiais, o objetivo foi
manter os indesejveis longe dos ditos normais. Contudo, no sculo XX, surge a
necessidade da expanso no setor educacional.
Segundo Botur e Manzoli (2007), inmeros alunos destacaram-se como
aqueles que no conseguiam acompanhar o ritmo normal, comeou ento, com
Binet, o teste de inteligncia, que justificaria a retirada da escola regular daqueles
31
que no acompanhavam o ritmo, e os demais, considerados normais, no teriam
de suportar a convivncia com os no educveis no mesmo ambiente:
ento que se aplica a diviso do trabalho educao e nascem espaos diferentes para educar. Binet, em 1905, cria o instrumento para poder retirar da escola regular os mais fracos, os atrasados. Por meio desses testes era possvel determinar o grau de inteligncia de uma criana e classific-la, com relativa preciso, em normal ou anormal, observa-se com isso uma proliferao das classes especiais e a rotulao das crianas seguindo diversas etiquetas (p.67).
Com esses testes, os alunos eram encaminhados s escolas especiais, que
se multiplicaram e diferenciavam-se em diferentes funes e etiologias, como
centros especializados para o atendimento de surdos, cegos, deficientes mentais,
distrbios de aprendizagem, da fala, paralisia cerebral, dentre outras. Nesta poca,
observa-se que havia uma preocupao em rotular a criana que no aprendia para
justificar o fracasso escolar, colocando na deficincia a culpa pela falta de certas
habilidades acadmicas.
2.2 Os caminhos da Incluso no Brasil
No Brasil,a incluso dos deficientes iniciou de forma concreta quando D.
Pedro II determinou que, em 12 de setembro de 1854, fosse edificado o Imperial
Instituto dos Meninos Cegos:
A instituio foi instalada no Rio de Janeiro e tinha como modelo o Instituto de Meninos cegos de Paris, cujos mtodos de ensino eram considerados os mais avanados de seu tempo. Foi o discurso eloquente do jovem cego e ex-aluno do Instituto de Paris Jos lvares de Azevedo que convenceu o imperador a institu-lo, durante a audincia intermediada pelo mdico da corte, ao Dr. Jos Francisco Xavier Siga e pelo Baro do Rio Bonito, o ento presidente da Provncia do Rio de Janeiro ( LANNA JUNIOR, 2013, p.1).
Em 26 de setembro de 1857, pela Lei n 939, de autoria de D. Pedro II, foi
criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos3, com a vinda do Professor Surdo
3Surdos-Mudos,denominao antiga atribuda ao indivduo Surdo.
32
Ernest Huet da Frana. Em 1957, por meio da Lei n 3.198, passou a denominar-se
Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES).
De acordo com Galindo, a criao dessas duas instituies no Brasil, mostra
o modelo Europeu para lidar com as pessoas com deficincia, ou seja, eram
confinadas em asilos, conventos e hospitais psiquitricos. Estes lugares eram
similares s prises, conhecidos como instituies totais,onde as pessoas com
deficincias eram enviadas. Constituam-se; pois, de espaos de moradia e trabalho
para instruo de indivduos cegos e surdos, significando que eram excludos de
seus ambientes familiares durante um longo perodo de tempo:
Desse modo a institucionalizao (segregao) perdurou at a metade da dcada de 50 do sculo XX; pois nesse perodo, o mundo ocidental vivia grandes transformaes com relao aos movimentos sociais. Na dcada de 60, em consequncia das guerras mundiais, surgiu um movimento e foram feitas a institucionalizao de pessoas com doena mental e outras deficincias. Nesta perspectiva, iniciou-se, ento, um modelo de atendimento implantao de servios de habilitao profissional, com o intuito de preparar o indivduo para a integrao ou reintegrao na vida da comunidade. (2012, p. 15)
Com a Proclamao da Repblica em 1889,diversos profissionais, que
estudavam na Europa, voltaram ao Brasil entusiasmados e com desejo de
modernizar o pas, caracterizando, na medicina,um interesse por crianas com
deficincia:
Os mdicos foram os primeiros a estudar os casos das crianas com prejuzos mais graves e criaram instituies para crianas junto a sanatrios psiquitricos. (...) Esse interesse dos mdicos pelas pessoas com deficincias teria maior repercusso aps a criao dos servios de higiene mental e sade publica que em alguns estados deu origem ao servio de Inspeo mdico - escolar e a preocupao com a identificao e educao dos estados anormais de inteligncia (MENDES, 2010, p.95).
Neste perodo, a deficincia era concebida como doena, logo o indivduo
deficiente precisava de tratamento. Observa-se uma preocupao em identificar os
casos leves de anormalidade da inteligncia, uma vez que os casos mais graves
eram rejeitados nas escolas pblicas e encaminhados para as Instituies. Essa
concepo clnica ganhou foras do Brasil at o ano de 1930:
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Aos poucos esse atendimento foi substitudo pela psicologia, na qual se destacou Helena Antipoff. Antipoff realizou diversos cursos de formao de professores, principalmente na regio de Betim, Minas Gerais. Por meio da atuao de Helena foram fundadas no Brasil as Sociedades Pestalozzi. A partir de ento a sociedade comea a ampliar sua preocupao com o atendimento s pessoas com deficincia e sua insero no mercado de trabalho. Em 1950 surgem no Brasil as chamadas APAES e em 1960, so criadas Campanhas para educao das pessoas com deficincia visual, auditiva e mental (SILVEIRA, DRAGO, 2010, p.82):
Mendes (2010, p.98-99) descreve que a caracterstica do Estado Novo (1945-
1964) seria a expanso dos estabelecimentos de ensino especial.Cerca de 190
estabelecimentos foram criados no final da dcada de 50 no pas, dos quais a
grande maioria (cerca de 77%) eram pblicos e em escolas regulares.
Mazzotta (2001) relata que, do perodo de 1854 a 1956, foram iniciativas
oficiais e particulares isoladas, a criao do Instituto dos Meninos Cegos, O Instituto
Nacional dos Surdos, depois em 1874 o Hospital Estadual de Salvador na Bahia
para atender pessoas com deficincias mentais, at 1950 havia 40 estabelecimentos
mantidos pelo poder pblico.
Em 1926, em Porto Alegre, criado o Instituto Pestalozzi, depois em Minas
Gerais. Por sua vez, em 1948, Helena Antipoff funda, no Rio de Janeiro a Sociedade
Pestalozzi do Brasil, assim tambm em outros estados foram criadas as Pestalozzi.
Em 1950, a Associao de Assistncia Criana Defeituosa (AACD) mantinha
convnio com a prefeitura de So Paulo. Em 1954, no Rio de Janeiro, foi criada a
primeira Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
O segundo perodo descrito por Mazzotta (2001), de 1957 a 1993, chamou de
iniciativas oficiais de mbito nacional e eram campanhas nacionais assumidas pelo
governo federal.
A primeira campanha, denominada de Campanha para a Educao do Surdo
Brasileiro (CESB), foi realizada em 1957. Aps a realizao desta, em 1958, houve
a segunda Campanha Nacional de Educao de Cegos (CNEC). Em 1960, uma
campanha foi instituda por influncia dos movimentos liderados pela sociedade
Pestalozzi e APAE, a Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de
Deficientes Mentais (CADEME).
Em 1961, promulga-se a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LDBEN), a Lei n 4.024/61 e, em seus artigos 88 e 89, afirma que:
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Art. 88. A educao de excepcionais,deve, no que for possvel, enquadrar-se no sistema geral de educao, a fim de integr-los na comunidade. Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educao, e relativa educao de excepcionais, receber dos poderes pblicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, emprstimos e subvenes (BRASIL, 1961, p. 15).
Com relao deficincia, no perodo da ditadura militar, Mendes (2010,
p.100) assinala que houve fomentao ao assistencialismo, ou seja, as classes
especiais nas escolas regulares representavam 74% dos servios, foram
evidenciadas abordagens mais teraputicas do que Educacionais.
Antes de 1970, as aes voltadas para as pessoas com deficincia eram
assistencialistas e caritativas, conforme aponta Lanna Junior (2010, p.12):
A opresso contra as pessoas com deficincia tanto se manifestava em relao restrio de seus direitos civis quanto, especificamente, que era imposta pela tutela da famlia e de instituies. Havia pouco ou nenhum espao para que eles participassem das decises em assuntos que lhes diziam respeito. Embora durante todo o sculo XX surgissem iniciativas voltadas para as pessoas com deficincia, foi a partir do final de 1970 que o movimento das pessoas com deficincia surgiu, tendo em vista que, pela primeira vez, elas mesmas protagonizaram suas lutas e buscaram ser agentes da sua prpria histria. O lema Nada sobre Ns sem Ns, expresso difundida internacionalmente, sintetiza com fidelidade a histria do movimento (p.12).
O movimento das pessoas com deficincia foi fundamental para se perceber
as necessidades de atendimento com relao aos aspectos sociais, polticos,
econmicos e culturais. A frase Nada sobre Ns sem Ns comeou a ser utilizada
h mais de 20 anos, em sntese mostra que no basta inseri-los na sociedade, pois
esta no est baseada em igualdade se todos no participam ativamente.
At a dcada de 1970, muitos pases, tendo como princpio norteador a
Declarao Universal dos Direitos Humanos, passaram a buscar um novo modelo
para atender as pessoas com deficincia. Segundo o princpio da normalizao, as
pessoas diferentes poderiam habilitadas a viver em espaos de sociedade:
Na tentativa de eliminar os preconceitos e de integrar os alunos portadores de deficincias nas escolas comuns do ensino regular, criou-se o movimento de integrao escolar.Esse movimento caracterizou-se, de incio, pela utilizao das classes especiais (integrao parcial) na preparao do aluno para a integrao total na classe comum (BRASIL, 2001, p. 21).
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A Resoluo aprovada pela Assembleia Geral da Organizao das Naes
Unidas (ONU) foi um passo importante para o reconhecimento dos direitos das
pessoas deficientes, pois assume que todas as pessoas tm direitos de desfrutar
uma vida to normal quanto plena, inclusive com direitos iguais concernentes
educao.
Em 1973, o MEC criou o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP),
por meio do Decreto n 72.425, que se constituiu o primeiro rgo educacional do
governo federal com a finalidade de promover em todo o territrio nacional, a
expanso e melhoria do atendimento aos excepcionais (MAZZOTTA, 2001).
A partir da dcada de 1980, surgem os movimentos a favor da incluso
escolar que, por sua vez, criou propostas de estruturao da educao brasileira. A
Constituio Brasileira, de 1988, no Captulo III, Da Educao, da Cultura e do
Desporto, Artigo 205 prescreve: "A educao direito de todos e dever do Estado e
da famlia". Em seu Artigo 208, prev: o dever do Estado com a educao ser
efetivado mediante a garantia de: "atendimento educacional especializado aos
portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino".
Em 1990, vrias aes concernentes s polticas pblicas tratam da educao
das pessoas com deficincia, na qual se destaca o Estatuto da Criana e do
Adolescente, Lei n 8.069/90, em seu Art. 54, inciso III, institui: Atendimento
Educacional Especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede
regular de ensino (BRASIL, 1990, p.13).
Na dcada de 1990, Carvalho (2007, p.77) descreve que outras iniciativas
tm destaque como a Declarao Mundial de Educao para Todosrealizada na
Tailndia, com cerca de 1.500 participantes de 155 pases, incluindo autoridades
nacionais e especialistas em educao. Essa Conferncia o resultado da
colaborao conjunta do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF),
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
(UNESCO),Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco
Mundial.
Ao analisar o documento impossvel no perceber que o Brasil no atingiu
todas as metas, embora haja vrios avanos que vo desde o acesso ao ensino
fundamental matrcula dos jovens na idade prpria no Ensino Mdio. As
necessidades bsicas de aprendizagem para todos com a inteno de atingir metas
estabelecidas no documento foram ampliadas e, embora o documento no tenha
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sido elaborado visando educao especial, os objetivos acabaram contemplando
as pessoas com deficincia, tendo em vista que os objetivos, estabelecendo
princpios, diretrizes e normas, pressionaram reformas em diversos pases.
Conforme Carvalho (2007),se reuniram, na Espanha, mais de 300
representantes de 88 governos e 25 organizaes internacionais. A Declarao de
Salamanca (1994) composta de princpios, polticas e prticas para a educao
especial e,por meio deste documento, foi ampliado o conceito de necessidades
educacionais especiais, sugerindo a incluso de todas as crianas nas escolas
regulares, este documento trata das orientaes sobre a incluso:
Princpio fundamental da escola inclusiva o de que todas as crianas devem aprender juntas, sempre que possvel, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenas que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder s necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educao de qualidade a todos, atravs de um currculo apropriado, arranjos organizacionais, estratgias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de servios e apoio proporcional ao contnuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola (BRASIL, 1994, p.5).
Pode-se dizer que a declarao acima alm de contribuir para o
fortalecimento da educao inclusiva, reestrutura instituies educacionais, prope
que nestas instituies os servios precisam estar adequados para atender s
necessidades educacionais, bem como diversidade, que sejam contempladas as
especificidades de cada educando includo e que as diferenas sejam respeitadas.
Barreta e Canan (2012, p.11) entendem que o Brasil, ao aderir Declarao
de Salamanca, assumiu um compromisso internacional com a ONU, UNESCO e
Banco Mundial (BM) de melhorar os indicadores nacionais da educao bsica.
A atual LDBEN, Lei n 9.394/96 de 1996 destaca, no Captulo V,- Art. 58 e 59,
a respeito dos deficientes:
Art. 58. Entende-se por educao especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. 1 Haver, quando necessrio, servios de apoio especializado, na escola regular, para atender s peculiaridades da clientela de educao especial. 2 O atendimento educacional ser feito em classes, escolas ou servios especializados, sempre que, em funo das condies
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especficas dos alunos, no for possvel a sua integrao nas classes comuns de ensino regular.[...] Art. 59. Os sistemas de ensino asseguraro aos educandos com necessidades especiais: I - currculos, mtodos, tcnicas, recursos educativos e organizao especficos, para atender s suas necessidades; II - terminalidade especfica para aqueles que no puderem atingir o nvel exigido para a concluso do ensino fundamental, em virtude de suas deficincias, e acelerao para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especializao adequada em nvel mdio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integrao desses educandos nas classes comuns (BRASIL, 1996, p. 25).
Dentre os pontos positivos desta Lei, cita-se a obrigao do Estado em prover
a oferta da educao especial, a insero desses alunos nas salas regulares,
capacitao dos docentes para a oferta de apoio especializado e os recursos que
so utilizados no AEE.
No Brasil, tambm nessa mesma poca, comea um longo caminho pela
incluso. O Conselho Nacional de Educao aprovou a Resoluo n 02/2001, que
institui as Diretrizes Nacionais para a incluso das crianas com necessidades
educacionais especiais e instituiu diretrizes para a Educao Especial na Educao
Bsica, incluindo os alunos surdos no grupo daqueles com dificuldade de
comunicao e sinalizao, diferenciando dos demais alunos, e que demandam a
utilizao de linguagens e cdigos aplicveis. Conforme o pargrafo 2, do Art. 12,
desta Resoluo:
Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de sinalizao diferenciada dos demais educandos, a acessibilidade aos contedos curriculares mediante a utilizao de linguagens e cdigos aplicveis, como o sistema BRAILLE e a Lngua de Sinais, sem prejuzo no aprendizado de Lngua Portuguesa, facultando-lhes s suas famlias a opo pela abordagem pedaggica que julgarem adequadas, ouvindo os profissionais especializados em cada caso (BRASIL, 2001, p. 6).
Em 2001, o Conselho Nacional da Educao, acompanhando o processo de
mudana e as Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica,
lana a Resoluo CNE/CEB n 2/2001, que, no artigo 2, determina:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo s escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condies
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necessrias para uma educao de qualidade para todos (BRASIL, 2001, p. 1).
Partindo da anlise destes documentos, resolues e diretrizes nacionais
percebe-se que no basta apenas matricular esses educandos no ensino regular e
permitir que tenham acesso s escolas, percebe-se tambm que estes alunos com
deficincia tm direito ao atendimento especializado, que a educao deve ser de
qualidade, e inegvel que diversos documentos, leis e regulamentaes precisam
ser articulados para que sejam cumpridas as determinaes, considerando-se que
urgente a qualidade na educao.
notrio que a educao inclusiva tornou-se um movimento universal e por
meio dos seminrios internacionais e convnios firmados entre os pases mobilizou
aes polticas,sociais e pedaggicas no intuito de contemplar indiscriminadamente
a todos os alunos, para que todos venham a participar e aprender, compreendendo
que cabe aos gestores e profissionais da educao visualizarem as diferenas e
especificidades de cada aluno, garantindo no s a incluso destes no ensino
regular, mas tambm a sua permanncia na escola,com qualidade.
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3 A INCLUSO ESCOLAR DA PESSOA SURDA
3.1 Uma Viso Cultural sobre a Surdez
Atualmente existem diversos autores que buscam compreender quem so os
surdos e a diferena da sua cultura, dentre eles esto Skliar (2005), Lopes (2007),
Strobel (2008a, 2008b), Chiella (2007), S (2010) e Costa (2010), bem como as
particularidades das identidades que se constroem por conta dessa diferena da
lngua.
As mudanas que esto acontecendo, com relao educao dos surdos e
suas lutas, evidenciam-se questes relevantes quando se pretende conhecer as
concepes sobre a surdez e discutir sobre a concepo clnica e a cultural.
Strobel (2008a) descreve que, no modelo clnico aplicado no perodo da
institucionalizao,prevalecia o modelo de adaptao por meio de terapias da fala,
excluindo-se a diferena; a sociedade de maneira geral os percebia como aqueles
cujos ouvidos so defeituosos, que precisavam de reparao:
As crianas surdas no podiam participar nas comunidades surdas e, inicialmente, os espaos compartilhados eram os dormitrios das instituies e asilos, onde os sujeitos surdos eram entregues pelas famlias em regime de internato, at que estivessem aptos para retornar ao convvio familiar, o que, invariavelmente acontecia no incio da idade adulta (p. 25).
Costa (2010, p.17) escreve sobre a posio do surdo como patolgico, ou
seja, aquele que precisa ser diagnosticado; o surdo como anormal, que no est
enquadrado dentro dos padres do que se diz normal, se encaixa nos padres da
anormalidade, sendo, pois sujeito a ser corrigido.
Nos dados histricos da institucionalizao, encontra-se a marca da
concepo clnica, arraigada ao princpio da normalizao, ou seja, a filosofia da
integrao est permeada pelo modelo mdico, conforme assinala Lopes(2007, p.8):
A cincia, no desejo de produzir conhecimentos capazes de explicar o desconhecido, inventou a surdez atravs dos nveis de perdas auditivas, das leses no tmpano, dos fatores hereditrios e adquiridos. [...] Foram criados distintos modos de trabalhar com sujeitos acometidos pela surdez. Na clnica, terapias de fala,
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aparelhos auditivos, tcnicas diversas de oralidade foram desenvolvidas com a finalidade de normalizao.
O modelo mdico procurou explicar a surdez, enumerando graus e perdas,
porm a autora assinala que a inteno retirar a anormalidade, curar atravs das
terapias da fala e das tcnicas orais, o que se pretende, de fato, negar a surdez e
esconder a deficincia.
Segundo S (2010), a concepo clnica trata da surdez como deficincia que
precisa ser abolida, e que por sua vez, deve ser concertada:
Alheias a essas questes, a sociedade v a surdez como uma deficincia que futuramente h de ser abolida por meio de concertos neurocirrgicos prometidos pela pesquisa mdica, ou pela engenharia, ou pela gentica, ou pela preveno de doenas. [...] O aparecimento da surdez, muitas vezes visto como um mal, um contgio, resultante de ms condies sanitrias da classe desfavorecida ou da falta de cuidados familiares ou mdicos. Ou mesmo uma fatalidade, como um castigo, punio ou situao a que se estaria exposto por purgao de culpas, da prpria pessoa ou dos que a cercam (p.68-69).
A este respeito, compreende-se que a viso clnico-teraputica considera a
surdez como deficincia que precisa se concertada, o surdo visto como anormal ou
algum que precisa ser mudado, curado. Wrigley (1996) apud Strobel (2008a)
explica que o modelo e poltica ouvintista prevaleceu e consideraram-se tticas
reparadoras, onde a surdez era tida como doena ou defeito que precisava de
correo:
[...] surdos so pessoas que ouvem com ouvidos defeituosos. Se pudssemos consertar os ouvidos, eles estariam ouvindo. Esta lgica comum na verdade comum, mas no necessariamente lgica. Os negros so pessoas brancas que possuem pele escura. Se pudssemos consertar a pele, eles seriam brancos. As mulheres so homens com genitlia errada (2008a, p.22).
Reis (2013) entende, ao falar dos surdos, que precisa falar em diferena de
cultura, considerando que os surdos no se sentem deficientes, preciso estudar as
diferenas de cultura e identidade pelo vis antropolgico, e essa viso
antropolgica fica sobreposta viso clnica por considerar os surdos como
deficientes, conforme argumenta a seguir:
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Na contramo da viso meramente clnica da surdez, surgem alguns estudos que, por no se contentarem com tal conceituao e por entender que o que vem primeiro o ser humano, o ser surdo, o surdo, buscou explicar a surdez pelo vis antropolgico, nos quais a cultura e identidade so mais relevantes do que a perda auditiva, exames audiomtricos e nveis de decibis. E, neste caso, o surdo considerado Diferente. No considera sua condio de no ouvir uma deficincia, apenas uma diferena (p.66).
A inteno est em ampliar o entendimento e ultrapassar a viso mdico
clnica, deixando de entender a surdez como patologia e reconhecendo-a enquanto
diferena lingustica.
Reis (2013, p.67) aponta que reconhecer que existem pessoas diferentes
um passo importante para a incluso de qualquer cultura, traduzindo esse
reconhecimento em aes que considerem os surdos como cidados que tm o
direito de aprender em sua lngua de instruo que a LIBRAS.
Lopes (2007) considera que nos dias atuais,h dedicao de diversos grupos
de estudos, por exemplo, citou o Ncleo de Pesquisas em Polticas Educacionais
para Surdos(NUPPES), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por
apresentar contribuies quanto ao respeito aos estudos surdos, cultura e
identidades prprias dessa comunidade. Para ela, os fatores que mais contriburam
para a participao da comunidade surda foram a realizao de pesquisas e
publicaes cientficas em peridicos nacionais, realizao de congressos, fruns de
discusses e ainda a participao dos surdos na construo de polticas
educacionais para surdos.
Desta maneira, observa-se a imagem do sujeito surdo no humanizado, pois
se analisar sob o ponto de vista clnico no lhes retirado o peso da anormalidade,
conforme afirma Costa(2010, p.27-28):
Na expresso de to variadas posies-sujeito ocupadas pelo surdo, atravs dos tempos, h algo que se impe como caracterstico nos textos pelos quais passamos: a imagem do surdo no humanizado ou a figura humana de natureza inferior, no aceita e no compreendida pela sociedade que busca figuras para representar esse sujeito. [...] essas imagens no se organizam temporalmente, elas se confundem, no reconhecem na educao do sujeito surdo um lugar de mudana marcante do imaginrio, pois continuam a aparecer declaraes e comparaes que tiram do surdo o estatuto de humanidade, a posio-sujeito humanizada.
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O sujeito surdo foi marcado por representaes que sugeriam a falta ou
anormalidade, sempre foi visto pelo vis e marca do preconceito, durante muito
tempo no foi considerado humano por conta da sua diferena cultural.
De acordo com Strobel (2008a), desde o final do sculo passado que diversos
pesquisadores vm elaborando inmeros conceitos sobre cultura, a concluso que
se chegou que a cultura no deve ser vista de forma unitria, padronizada, pelo
princpio de normalizao. Argumenta-se o fato quando a cultura vista de maneira
nica e perfeita e a diferena comea a ser percebida como mancha para a
sociedade.
Strobel (2008a) compreende que a cultura, ao longo do tempo, deve ser
entendida como um processo dinmico:
A cultura uma ferramenta de transformao, de percepo da forma de ser diferente, no mais na homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de fazer, de compreender e de explicar. Essa nova marca cultural transporta para uma sensao a cultura grupal, ou seja, como ela diferencia os grupos, no que nos faz emergir a diferena (p.18).
Ao considerar a questo da cultura no plural, admite-se as multiplicidades de
grupos que se manifestam de diversas formas, logo dentre eles esto os que se
constituem ou se destacam por meio da lngua, dascrenas, doshbitos e dos
costumes transmitidos aos grupos que tm contato, ou seja, existem formas de
mergulhar nesta ou naquela manifestao de cultura.