UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL
MARCELO AZEVEDO DE PAULA
ASPECTOS JURÍDICOS DO TERMO DE COMPROMISSO QUE ASSEGURA A PERMANÊNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS
NOS PARQUES NACIONAIS: ESTUDO DE CASO DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
MANAUS
2011
1
MARCELO AZEVEDO DE PAULA
ASPECTOS JURÍDICOS DO TERMO DE COMPROMISSO QUE ASSEGURA A PERMANÊNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS
NOS PARQUES NACIONAIS: ESTUDO DE CASO DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Direito Ambiental.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Sérgio Rodrigo Martínez
MANAUS
2011
2
TERMO DE APROVAÇÃO
MARCELO AZEVEDO DE PAULA
ASPECTOS JURÍDICOS DO TERMO DE COMPROMISSO QUE ASSEGURA A PERMANÊNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS
NOS PARQUES NACIONAIS: ESTUDO DE CASO DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, pela Comissão Julgadora abaixo identificada.
Manaus, 16 de dezembro de 2011.
_____________________________________
Presidente: Prof. Dr. Sérgio Rodrigo Martínez
Universidade do Estado do Amazonas
___________________________________________
Membro: Profa. Dra. Maria Anete Leite Rubim
Universidade Federal do Amazonas
__________________________________________
Membro: Prof. Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa
Universidade do Estado do Amazonas
3
Aos meus avós paternos Elias Alves de Paula e Maria Martins de Paula e avós maternos Newton Cabral de Azevedo e Joaquina Bezerra de Azevedo, originários do ‘hinterland’ amazônico, nascidos na beira dos rios. (in memoriam) A meus pais, Mario Jorge Martins de Paula e Maria do Carmo Azevedo de Paula, nascidos no ‘beiradão’ dos rios, do Paraná do Cambixe e do Madeira, professores por formação acadêmica e vocação, a quem tributo minha vida e formação. À minha esposa Márcia Christina Gurgel do Amaral de Paula e minhas filhas Maria Eduarda Gurgel do Amaral de Paula e Maria Fernanda Gurgel do Amaral de Paula, citadinas como eu, mas em constante busca pelas raízes amazônicas.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus pela vida.
Aos professores e professoras da minha vida escolar e acadêmica, sempre presentes em
minhas lembranças.
À Universidade do Estado do Amazonas, pela rica oportunidade proporcionada pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental, na pessoal do
Coordenador do PPGDA, Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo, os sinceros
agradecimentos pelos ensinamentos e debates.
Aos servidores e colaboradores do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental, em
especial à Clarissa Caminha Beserra, Lúcia Helena Santana Ferreira e Raimunda
Albuquerque de Oliveira, muito obrigado.
À Fundação Vitória Amazônica, representados por Carlos Durigan e Yara Camargo, pela
disponibilidade de vasto material bibliográfico.
À Justiça Militar da União sou grato pela licença que me possibilitou finalizar este Curso.
Ao Professor Doutor Sérgio Rodrigo Martinez, meu professor e orientador, obrigado pela
persistência, pela insistência, pela paciência e por ter me proporcionado um renascimento
epistemológico.
Aos caríssimos colegas Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental que comigo
participaram das aulas desse Curso, obrigado pela dialética e pelos conhecimentos divididos.
Aos colegas Denison Melo de Aguiar e Moysés Alencar de Carvalho, obrigado pela
disponibilidade de relevante material e pela colaboração.
5
“O homem não realiza a sua natureza numa humanidade abstracta, mas nas culturas tradicionais.” (LÉVI-STRAUSS, 1952, p.24)
“A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir.” (ARENDT, 2002, p. 16)
“O espaço social se retraduz no espaço físico.” (BOURDIEU, 1997, p. 160)
“A Amazônia não é um vazio demográfico ou cultural” (...) “O mundo amazônico inclui muitos ecossistemas inter-relacionados, cada um com sua própria história natural” (MORÁN, 1990a, p. 18)
Aos homens e mulheres que se encontram no Parque Nacional do Jaú:
Ex facto, oritur jus (O direito nasce do fato) (XAVIER, 2000, p. 228)
6
RESUMO
A presença humana, em unidades de conservação de proteção integral, costuma ser vista
como uma ameaça ao meio ambiente. Os Parques Nacionais foram os precursores das
unidades de conservação tendo inspirado outros modelos no mundo. O homem habitava tais
espaços, quando da implementação desse tipo de unidade e, ainda assim, as populações foram
afastadas. Tais situações ainda persistem mais de um século depois da criação do primeiro
parque nacional e as populações que não foram expulsas desses espaços sofrem forte pressão,
inclusive institucional, para deixarem as áreas, o que também ocorre no Brasil, apesar de
constarem no ordenamento jurídico normas protetivas à cultura dessas coletividades. No
mundo, diversos outros espaços territoriais tiveram a mesma configuração com idêntico
tratamento às populações residentes, causando rompimento de laços sociais, econômicos,
culturais, e, para algumas culturas, o espaço tinha simbolismo místico-religioso. A presente
pesquisa propõe uma reflexão acerca de um instrumento jurídico que assegura a permanência
de populações em unidades de conservação integral, utilizando como exemplo uma área na
Amazônia: o Parque Nacional do Jaú, no Amazonas.
Palavras-chave: Meio ambiente. Parques nacionais. Populações tradicionais.
7
ABSTRACT
The human presence in integral protection conservation unities has seen as a dangerous. The
National Parks was the forerunner of the model of conservation units that inspired other
national parks in the world. The man lived such spaces, when the implementing this type of
conservation unit and, even so the populations were turned away. Such situations still exist,
more than a century after the creation of the first national park and those who were not suffer
hard pressure, including institutional to leave these areas, which also occurs in Brazil, despite
there are registered legal norms to protect the culture of these communities. Worldwide,
many other territorial areas had the same configuration with the same treatment to local
residents, causing rupture cultural, economic and social ties, and in some cultures the space
has mystic and religious symbolism. This research proposes an reflection about an legal
instrument that allowed the presence of populations in integral protection conservation unity,
using as an example area in the Amazon: the Jau National Park, Amazonas.
Keywords: Environment. National Parks. Traditional people.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Ação Civil Pública
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ARPA Áreas Protegidas da Amazônia CDB Convenção sobre a Diversidade Biológica
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
ETEP Espaços territoriais especialmente protegidos
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EUA Estados Unidos da América
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
FVA Fundação Vitória Amazônica
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
MMA Ministério do Meio Ambiente
MPF Ministério Público Federal
NUC/IBAMA Núcleo de Unidades de Conservação do IBAMA
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PARNA Parque Nacional
PNAP Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
POLAMAZÔNIA Programa e Pólos Agropecuários e Minerais da Amazônia
PPG 7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
PUC Pontifícia Universidade Católica
RDS Reserva do Desenvolvimento Sustentável
REBIO Reserva Biológica
RESEX Reserva Extrativista
9
RMS Recurso Ordinário em Mandado de Segurança
SUDHEVEA Superintendência do Desenvolvimento da Borracha
SEMA Secretaria do Meio Ambiente
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
STF Supremo Tribunal Federal
SUDEPE Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TEK Traditional Ecological Knowledge
TEKMS Traditional Ecological Knowledge and Management Systems
UC Unidade de Conservação
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UICN União Internacional para a Conservação da Natureza
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(trad.)
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Mapa com a localização do PARNA-Jaú.........................................................69 Figura 2 - Mapa com o Mosaico do Baixo Rio Negro......................................................70 Figura 3 - Mapa com a localização de comunidades e localidades do PARNA-Jaú.........82 Figura 4 - Foto da comunidade Floresta............................................................................85 Figura 5 - Foto da comunidade Tapiíra.............................................................................85 Figura 6 - Fotografia de assembleia do termo de compromisso do PARNA-Jaú...........107
11
LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Censos do PARNA-Jaú....................................................................................83 Tabela 2 - Levantamento de moradores no plano de manejo............................................83 Tabela 3 - Itens alimentares dos moradores do PARNA-Jaú............................................84
12
ANEXOS
Anexo A - Ata da Procuradoria da República/AM, de 16 de dezembro de 2003.................135 Anexo B - Termo de Compromisso firmado na Procuradoria da República/AM, de 19 de de- zembro de 2003...................................................................................................137 Anexo C - Termo de Compromisso da REBIO-Piratuba......................................................140 Anexo D - Atas de reuniões preparatórias do Termo de Compromisso do PARNA-Jaú......149 Anexo E - Minuta do Termo de Compromisso do PARNA-Jaú...........................................162 Anexo F - Memorando que encaminhou a minuta do Termo de Compromisso do PARNA- Jaú.......................................................................................................................166
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................14
1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E PRESENÇA HUMANA....................................18 1.1 ASPECTOS LEGAIS PRELIMINARES SOBRE MEIO AMBIENTE............................18 1.2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO..................................22 1.3 POPULAÇÕES TRADICIONAIS: CONCEITOS ...........................................................25 1.4 A RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E POPULAÇÕES TRADICIONAIS...........................................................................................33 1.5 A PROTEÇÃO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO.39 1.6 A DIGINIDADE DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E O RESPEITO À ALTERIDADE E AO MULTICULTURALISMO.................................................................44 2 O PARQUE NACIONAL DO JAÚ ..................................................................................53 2.1 ANTECEDENTES DOS PARQUES NACIONAIS NO MUNDO...................................53 2.2 ANTECEDENTES DOS PARQUES NACIONAIS NO BRASIL ...................................59 2.3 ANTECEDENTES DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ ...............................................64 2.4 CARACTERIZAÇÃO E FUNDAMENTO LEGAL DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ...........................................................................................................................................67 2.5 A GESTÃO DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ...........................................................74 2.6 A POPULAÇÃO TRADICIONAL DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ.......................78 3 TERMO DE COMPROMISSO QUE ASSEGURA A PERMANÊNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM PARQUES NACIONAIS....................................89 3.1. ANTECEDENTES FÁTICOS DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ..89 3.2 FUNDAMENTOS LEGAIS DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ......94 3.3 O EXEMPLO PRECURSOR DA RESERVA BIOLÓGICA DO LAGO PIRATUBA....99 3.4 A CONSTRUÇÃO DO TERMO DE COMPROMISSO E A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE.....................................................................................................................103 3.5 A MINUTA DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ..............................110 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................116 REFERÊNCIAS...................................................................................................................121 ANEXOS...............................................................................................................................134
14
INTRODUÇÃO
Os agrupamentos humanos mais sujeitos a serem remanejados no processo de criação
de uma unidade de proteção integral são as chamadas populações tradicionais e, no caso do
Parque Nacional do Jaú (PARNA-Jaú), área objeto desta pesquisa, essa afirmação também é
verdadeira.
A população que habita essa unidade de conservação (UC) está sofrendo forte pressão
institucional para abandonar suas moradias. Por isso, a escolha desta pesquisa tangencia dois
aspectos: social e jurídico.
O aspecto social deve-se ao fato de haver populações residentes em unidades de
conservação antes da instituição legal dos espaços territoriais especialmente protegidos.
Quando tais áreas são criadas, novos territórios surgem sobrepostos aos já existentes,
acarretando uma intervenção política e jurídica na autodeterminação das comunidades,
lugares que possuem simbolismo afetivo reconhecido pela comunidade local.
No âmbito jurídico, esta dissertação abordará o termo de compromisso, dispositivo
inovador no âmbito da legislação ambiental, que resulta dos esforços conservacionistas com o
escopo de autorizar a permanência de populações tradicionais que residem em unidade de
conservação de proteção integral no país, representando um corte com o modelo até então
vigente para a criação de áreas protegidas, caracterizado pela exclusão dos grupos sociais
locais nos debates, tratando-os até então como invisíveis.
A situação de exclusão das populações residentes em espaços protegidos não é restrita
ao âmbito do Parque Nacional do Jaú; situação similar ocorre em outras unidades de
conservação no Brasil, assim como em espaços territoriais congêneres em outras partes do
mundo.
No Brasil, exemplos de implantação de unidade de conservação com a retirada de
populações tradicionais foram o Parque Nacional de Anavilhanas, no Amazonas, a Reserva
Biológica de Trombetas, a Floresta Nacional de Saracá-Taquera e a Floresta Nacional de
Carajás, todas no Pará. Outros casos em que houve registro de retirada de populações foram o
Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, o Parque Nacional da Serra da Bocaina, no Rio de
Janeiro/São Paulo, e as Estações Ecológicas de Aiuaba, no Ceará, Maracá-Jipioca, no Amaá,
Serra das Araras, no Mato Grosso, e de Cuniã, em Rondônia. Outros casos são o Parque
Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e o Parque Nacional da Serra do Divisor, no
Estado do Acre.
15
O primeiro parque nacional instalado no mundo, o de Yellowstone, em 1872, não foi
criado em uma “terra vazia”, mas em território de tribos indígenas e levou à expulsão de
populações que naqueles locais se encontravam antes da instituição desses “espaços
protegidos”.
Tal tratamento, além de acarretar a perda da territorialidade de populações cuja
ligação com o lugar tem especial simbolismo, constrói outro tipo de refugiado: os refugiados
ambientais, grupos humanos que fogem do lugar onde vivem em razão da ocorrência de
desastres ambientais e poluição, ou no caso de populações deslocadas dos parques nacionais
(e de outras unidades de proteção integral).
O texto constitucional traz, expressamente, o princípio da igualdade como
componente do rol de direitos fundamentais, sendo ainda a dignidade da pessoa humana um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil, postulados que estão presentes no caso
abordado associados à proteção do meio ambiente, consubstanciada pela criação de espaços
territoriais especialmente protegidos.
Assim, a questão abordada neste trabalho abriga, portanto, relações entre direitos que
possuem proteção constitucional, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de
um lado, e os modos de viver, criar, como patrimônio cultural brasileiro, e a dignidade da
pessoa humana, do outro.
Diante da proteção da questão cultural no prisma constitucional, cogita-se da
existência de uma Constituição cultural, tanto quanto uma Constituição política, econômica,
social ou ambiental.
Fundamentado na inserção da dignidade humana e do meio ambiente como objetivos
fundamentais do Estado, parte da doutrina chega a propor o desenvolvimento de um Estado
Ambiental de Direito, e, até mesmo, de um Estado de Direito Socioambiental, com base em
uma participação popular ativa.
No presente trabalho, a situação fática tratada nesta dissertação está ocorrendo com as
populações tradicionais que se encontram no PARNA-Jaú. Assim, a metodologia desta
dissertação foi baseada neste estudo de caso.
O tipo de pesquisa desenvolvida é a pesquisa qualitativa, enfatizando as qualidades do
tema com a compreensão de informações de forma global acerca do seu objeto, inter-
relacionando-o com fatores diversos.
16
Decorrente da pesquisa qualitativa, o foco desta pesquisa foi o estudo do caso do
PARNA-Jaú, cujo escopo é limitar os assuntos a serem tratados, com uma abordagem
jurídica, em uma unidade bem definida, qual seja o termo de compromisso que assegura a
permanência de um grupo populacional (o ser) no Parque Nacional do Jaú (o lugar).
O único termo de compromisso existente no Brasil, em uma unidade de conservação
de proteção integral, é o Termo de Compromisso nº 001/2006, celebrado entre o IBAMA e a
Comunidade do Sucuriju, referente à utilização dos lagos do cinturão lacustre oriental do
Estado do Amapá, localizados no interior da Reserva Biológica do Lago Piratuba.
Assim, além do estudo de caso factual, a presente dissertação também pode ser
considerada como estudo de caso comparado, pois possibilita o estabelecimento de relações
comparativas entre dois casos específicos, no caso o termo de compromisso da Reserva
Biológica do Lago Piratuba (já implantado) será utilizado como referência para o termo de
compromisso do Parque Nacional do Jaú (em tramitação).
No plano teórico, fez-se um levantamento bibliográfico com diversas fontes: em
órgãos governamentais (ICMBIO e IBAMA) e na organização não governamental Fundação
Vitória Amazônia (FVA), cogestora do Parque Nacional do Jaú, utilizando-se de
documentação direta e levantamento de dados e informações.
Por meio de levantamento bibliográfico da doutrina jurídica e de outras ciências
relacionadas a esse tipo de pesquisa e ao tema, tais como a antropologia, a geografia, a
ecologia e a história, foi possível analisar as relações homem-natureza em um contexto
histórico em um dado território.
Considerando ainda a impossibilidade temporal e humana de abranger integralmente
área objeto deste projeto, uma vez que as discussões sobre a confecção do termo de
compromisso já findaram, o grande número de comunidades, bem como a dimensão do
PARNA-Jaú, optou-se por recortar essa realidade, buscando dados sobre o termo de
compromisso em andamento.
Nesta dissertação, propõe-se o estudo da problemática em torno do instrumento
jurídico garantidor da permanência das populações tradicionais na unidade de conservação de
proteção integral do Parque Nacional do Jaú e contribuir para a discussão sobre esse modelo
excludente de espaço protegido – os parques nacionais.
A dissertação está dividida em três capítulos, sendo que, em relação ao primeiro,
serão abordadas generalidades sobre as unidades de conservação, destacando-se os aspectos
17
históricos, a definição, a regulamentação legal, a classificação, bem como conceitos de
populações tradicionais, a proteção das populações tradicionais nos tratados de direitos
humanos e a proteção constitucional no Brasil relacionando-as com unidades de conservação.
No segundo capítulo, abordar-se-á a área objeto desta pesquisa, o Parque Nacional do
Jaú, descrevendo sua caracterização, mencionando o fundamento legal de existência e
apresentando aspectos socioeconômicos das pessoas que lá se encontram.
O terceiro capítulo abordará o instrumento jurídico que recebeu a designação legal de
termo de compromisso que tem como escopo assegurar a permanência das populações
tradicionais em parques nacionais. Serão apresentados o fundamento legal, o conteúdo, os
participantes e as cláusulas do termo de compromisso do Parque Nacional do Jaú, com ênfase
para a construção do termo de compromisso, a participação da população, a tramitação do
termo de compromisso e a situação atual do termo de compromisso.
O estudo destina-se a apresentar subsídios jurídicos, históricos e sociais que permitam
a compreensão deste novel instrumento jurídico o qual prevê a participação popular na sua
formatação, com reflexões acerca da presença humana em áreas protegidas, fato que, como
adiante se verá, ocorre na Amazônia, no Brasil e no mundo.
Vale o registro de que o fato objeto desta pesquisa – o termo de compromisso – ainda
está ocorrendo no tempo e no espaço e, além disso, é o primeiro documento jurídico a ser
efetivado no Brasil em Parques Nacionais, razão pela qual será tomado como referência, para
o fito de comparação, o único termo de compromisso existente e já implantado em outra
unidade de proteção integral: o termo de compromisso da Reserva Biológica do Lago
Piratuba.
18
1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E PRESENÇA HUMANA
1.1 ASPECTOS LEGAIS PRELIMINARES SOBRE MEIO AMBIENTE
O homem iniciou sua existência como nômade, coletor, caçador e pescador,
explorando a riqueza do habitat e, após o esgotamento dos recursos, mudou-se para outras
regiões. Com o passar do tempo, aprendeu as técnicas de cultivo, passando a se fixar em
determinada região e a cultivar a terra, mantendo uma constância na produção de alimentos.
Atualmente, o homem, para satisfazer seus desejos ilimitados, utiliza-se dos bens da
natureza que, por sua vez, são limitados e esgotáveis. A consequência disso é a terrível
deterioração das condições ambientais.
No século XX, não é suficiente o direito à vida; há que se ter vida com qualidade,
erigido à categoria de princípio nas Constituições escritas. (MACHADO, 2009, p. 60)
O momento que inaugurou a preocupação com o meio ambiente foi a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, promovida pela Organização das
Nações Unidas (ONU), em Estocolmo/Suécia, e que contou com 114 países. Nesse evento
internacional, confeccionou-se uma carta contendo os princípios e os objetivos da proteção
ambiental.
O Brasil vinha na contramão desse pensamento, visto que no período militar liderou
um grupo de países na defesa do crescimento a qualquer custo, ou seja, as nações em
desenvolvimento ou subdesenvolvidas não deveriam arcar com os custos decorrentes da
proteção ao meio ambiente, sob o pretexto de que eram alvos de problemas socioeconômicos
gravíssimos. Em suma, propagou-se o abuso dos recursos naturais da Terra. Combatendo essa
ideia, Milaré acentua que (2004, p. 50):
[...] a natureza não serve ao homem. A utilização dos recursos naturais, inteligentemente realizada, deve subordinar-se aos princípios maiores de uma vida digna, em que o interesse econômico cego não prevaleça sobre o interesse comum da sobrevivência da humanidade e do próprio Planeta.
Após quase uma década da Conferência de Estocolmo, foi promulgada a Lei nº 6.938,
de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, sendo o
primeiro diploma legal no Brasil a disciplinar o meio ambiente enquanto direito autônomo.
19
Etimologicamente, a palavra ambiente é tida por particípio presente derivado do verbo
ambire (latim), ou seja, ir à volta; arrodear. Hoje, ainda há certa fidelidade semântica à
origem do vocábulo, à medida que se pode entender ambiente como o âmbito em que vive o
ser humano.
Mateo (apud SILVA, 2002, p. 19) e outros juristas reconheciam a expressão meio
ambiente como redundante. Já a doutrina moderna vem desconsiderando a existência do
pleonasmo (o termo "meio" já estaria contido naquilo que se considera ambiente), sob o
argumento de que meio ambiente tem conotação mais ampla, o que se percebe claramente na
conceituação dada por SILVA (2002, p. 20):
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais.
Nada obstante o esforço doutrinário em conceituar meio ambiente, a Lei nº 6.938/81,
no art. 3º, I, dispõe que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
As duas ideias (doutrinária e legal) corroboram o entendimento de que a expressão
meio ambiente não é redundante, posto que retrata, além do ambiente/espaço, o conjunto de
relações físicas, químicas e biológicas entre os seres bióticos (vivos) e abióticos (não vivos)
existentes no ambiente e que são imprescindíveis à manutenção da vida.
O conceito doutrinário, ora citado, leva em consideração três aspectos do meio
ambiente, quais sejam:
• Artificial - compreende o espaço urbano construído (aglomerado de edificações) e os lugares públicos (ruas, praças, áreas verdes), i.e., espaço urbano fechado e aberto, respectivamente; • Cultural - consistente no patrimônio histórico, cultural, paisagístico, artístico, arqueológico, turístico, fruto da obra humana e caracterizado pelo valor agregado; • Natural ou Físico - abarca o solo, a água, o ar atmosférico, a flora e tudo o mais que diga respeito à relação dos seres vivos com o meio (ambiente físico) em que se inserem.
Além dos aspectos artificial, cultural e natural, há previsão do meio ambiente do
trabalho, o qual Melo (2001) defende ser integrante do meio ambiente, até porque positivado
na Carta Magna, no art. 200, inciso VIII, a despeito de haver divergências doutrinárias quanto
essa classificação.
20
Silva (2002, p. 21), numa interpretação restritiva, entende que a Lei nº 6.938/81 define
meio ambiente tão somente sob o aspecto natural ou físico. Para ele, o meio ambiente
artificial é tutelado pelo Direito Urbanístico cujo objetivo é a preservação da qualidade de
vida do indivíduo em relação ao entorno, e não o equilíbrio ecológico do local em que este se
insere, independentemente da área que o cerca.
No âmbito artificial, o homem é o foco da proteção legal (até porque a sua criação lhe
é devida). Já no ambiente natural, a proteção incide sobre todas as formas de vida. Nessa
visão, o Direito Ambiental tutela o equilíbrio ecológico e, por via reflexa, a qualidade de vida
do homem; de outro vértice, o Direito Urbanístico visa proteger o entorno artificial,
preservando-se a qualidade de vida do homem (visão antropocêntrica).
Sirvinskas (2008, p. 4) assevera que o direito ambiental “trata-se de uma disciplina
relativamente nova no direito brasileiro. O direito ambiental era um apêndice do direito
administrativo e do direito urbanístico”, que só adquiriu sua autonomia com o advento da Lei
nº 6.938/81.
Antes, a proteção jurídica se dava de forma reflexa, indireta e mediata, já que advinha
da tutela de outros direitos, como, por exemplo, o direito de vizinhança, de propriedade, da
saúde, das regras urbanas de ocupação do solo, dentre outros.
A Lei nº 6.938/81 traçou as diretrizes e os mecanismos de formulação e aplicação da
política nacional do meio ambiente.
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em 05 de
outubro de 1988, complementou-se o arcabouço jurídico ao se inserirem, no Capítulo VI, os
princípios que regem o Direito Ambiental, o que reforça a ideia de que se trata de ciência
autônoma.
A doutrina é pacífica no sentido de que a Lei nº 6.938/81 foi recepcionada pela CRFB
e que, por força do disposto no art. 24, VI e § 1º, é norma geral ambiental. Essa tese sustenta-
se no fato de que o Brasil adotou a teoria da recepção das leis, ou seja, recepciona-se a
legislação anterior naquilo que for compatível com os novos princípios e preceitos
constitucionais.
Milaré (2004, p. 84) afirma que o Direito Ambiental cuida tanto do ambiente natural
quanto do artificial, visto que a atividade humana afeta a existência do Planeta. Observa,
ademais, que a Lei nº 6.938/81 traz um conceito de meio ambiente elástico, que não se atém
aos recursos naturais, mas que abarca, também, o ecossistema humano.
21
Silva (2007, p. 228) entende que o meio ambiente é um macro-bem, uma vez que seus
elementos estão sujeitos a regime jurídico especial, “enquanto bens essenciais à manutenção
das vidas em todas as suas formas” e cuja compreensão do tratamento constitucional
demanda uma análise sistêmica da Carta Magna.
A CRFB, no art. 225, caput, estatui um conceito de meio ambiente ao estabelecer que
"todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo”. Evidencia-se, nessa proposição, a natureza jurídica do bem ambiental, qual seja, bem
de uso comum do povo.
O art. 98 do Código Civil consagra essa ideia, certamente com a finalidade de reforçar
o regime jurídico de direito público do bem ambiental. E, mesmo sob essa ótica, incide na
espécie o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, haja vista
tratar-se de um bem difuso e, portanto, pertencente à coletividade (res communes omnium).
Nesse caso, cabe à administração pública sua guarda e gestão.
De outro vértice, enquadrar o bem ambiental na categoria de direito público não é tão
fácil por se tratar de direito de terceira geração, posição em que a linha divisória entre os
ramos público e privado é muito tênue.
Quanto à consideração do Direito Ambiental como ramo do direito público, é preciso
esclarecer que essa tese esbarra, por exemplo, no direito de propriedade. Ademais, hoje, a
dicotomia entre direito público e privado deixou de ser rigorosa. Na verdade, o direito
privado sofre inserções do direito público e vice-versa. O problema se dá justamente com os
direitos novos, que já nascem com a marca da miscigenação.
Fontoura (2001, p. 11), no plano internacional, assevera que o “desenvolvimento do
Direito Ambiental Internacional se apresenta como uma das principais transformações do
Direito das Gentes em toda a sua história”.
Ainda no plano internacional, Benjamin (2008, p. 61), acentua que “é seguro dizer
que a constitucionalização do ambiente é uma irresistível tendência internacional, que
coincide com o surgimento e consolidação do Direito Ambiental”.
Canotilho (2008, p.1) vai além da constitucionalização; o autor assevera já existir
“cronologia de gerações de direitos” no direito ao ambiente, mencionando “problemas
ecológicos de primeira geração e problemas ecológicos de segunda geração”.
22
Leuzinger (2002, p. 302) entende que o direito ao meio ambiente é um direito difuso,
portanto, de terceira geração que traz como principais características sua transindividualidade
e a indivisibilidade de seu objeto, desvinculando-se de critérios patrimoniais e abandonando a
ideia tradicional de direito subjetivo”.
O mais importante é o quanto afirmado por Silva (2007, p. 230), o que evidencia o
direito ao meio ambiente como direito humano fundamental:
[...] Não há possibilidade da concretização dos demais direitos fundamentais sem o direito ao meio ambiente, que reduz em última análise como o direito à própria vida, ou seja, o direito à água em quantidade e qualidade adequadas para suprir as necessidades humanas fundamentais, o direito a respirar um ar sadio, o direito a que exista um controle de substâncias que comportem riscos para a existência da própria vida. O direito ao meio ambiente configura-se, portanto, como a matriz de todos os demais direitos fundamentais.
Assim, sob a ótica da interpretação sistêmica, a Carta de 1988 destacou tanto o meio
ambiente natural (art. 225) quanto o cultural ou o do trabalho (art. 200, VIII), sendo que, em
relação ao meio ambiente natural, criou os espaços territorialmente protegidos, também
nominados unidades de conservação.
1.2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
A CRFB, de 05 de outubro de 1988 foi a primeira Carta Magna pátria a tratar do meio
ambiente como direito fundamental 1, consoante o caput do artigo 225, a seguir transcrito,
tratamento diverso das Constituições anteriores:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para cumprir o comando constitucional de preservar o meio ambiente às futuras
gerações, com o propósito de assegurar a efetividade desse direito, a Constituição prevê que o
Poder Público deva “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos” (art. 225, inciso III)
1 Art.5º, inciso LXIII, da CRFB/88: qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
23
O mencionado dispositivo constitucional determina que a alteração e a supressão
desta situação (especialmente protegido) sejam efetivadas somente por meio de lei e proíbe
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Antes dessa ordem constitucional, a Lei nº 6.938/81, trazia no bojo do art. 9º, e entre
seus instrumentos, o inciso VI que prevê:
[...] a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal.
Esse espaço territorialmente protegido, previsto na CRFB e na Lei nº 6.938/81, é chamado de Unidade de Conservação, assim conceituado pelo art. 2º, da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) da Natureza:
I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;
Todavia, o mencionado diploma legal não colocou termo nas divergências acerca da
definição de UC. Neste sentido, salienta Silva (2004, p. 230), “a Lei 9.985/00, de 18.7.2000,
perdeu boa oportunidade de assumir uma terminologia adequada, tal como prevista na
Constituição (art. 225, III)”.
Espaço protegido é, conforme Marés de Souza Filho (1993, p. 11)
[...] todo local, definidos ou não seus limites, em que a lei assegura especial proteção. Ele é criado por atos normativos ou administrativos que possibilitem à administração pública a proteção especial de certos bens, restringindo ou limitando sua possibilidade de uso ou transferência, pelas suas qualidades inerentes.
A UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) define unidade de
conservação como sendo: “uma superfície de terra ou mar consagrada à proteção e
manutenção da diversidade biológica, assim como dos recursos naturais e dos recursos
culturais associados, e manejada através de meios jurídicos e outros eficazes”. (UICN, 1988,
p. 185)
Contudo, espaços territoriais especialmente protegidos não podem ser utilizados como
sinônimo de unidades de conservação, pois estas são as espécies daqueles, consoante como
Silva (2005, p. 161): “um espaço territorial se converte numa unidade de conservação,
24
quando assim é declarado expressamente, para lhe atribuir um regime jurídico mais restritivo
e mais determinado”.
Os espaços territoriais especialmente protegidos são:
[...] áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais (SILVA, 2005, p. 160-161).
Não resta dúvida de que um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente para conservar a natureza, adotado mundialmente, é a criação de áreas naturais
protegidas, ou seja, as unidades de conservação, que têm como objetivos, consoante o art. 4º,
da Lei nº 9.985/2000:
I - contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional; III - contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais; IV - promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; V - promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica; VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural; VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados; X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica; XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; XIII - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente. (grifos nossos)
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor
das UC, já compreende a importância das populações tradicionais na gestão das áreas
protegidas quando assevera, em publicação interna que “a gestão das UCs devem ser
instrumentos dinâmicos e passarem por constante monitoramento”, quando da realização do
25
evento “Seminário e Oficina sobre Termos de Compromisso com Populações Tradicionais
em Unidades de Conservação da Natureza de Proteção Integral”. 2
Constata-se, pois, que não houve exclusão quanto à participação de populações,
notadamente as populações locais nos procedimentos de “criação, implantação e gestão das
unidades de conservação” (art. 5º, inciso III, da Lei nº 9.985/2000), até mesmo no tocante à
administração das áreas protegidas (art. 5º, inciso V, da Lei nº 9.985/2000).
No presente trabalho, o local onde ocorre a instrumentalização do instituto jurídico
objeto desta dissertação é uma unidade de conservação, notadamente o Parque Nacional do
Jaú, espaço territorialmente protegido de uso indireto, área que possuía comunidades no seu
interior quando de sua instalação, as nominadas populações tradicionais.
1.3 POPULAÇÕES TRADICIONAIS: CONCEITOS
Nos últimos anos, a sociedade global vem buscando alternativas para a questão
ambiental. O desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento se apresenta como uma
delas, pois visa compatibilizar o desenvolvimento econômico, a preservação do meio
ambiente e a melhoria da qualidade de vida.
O desenvolvimento sustentável foi a meta estabelecida na Agenda 21 e na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também
nominada Declaração Rio-Eco ou Rio 92, cujo princípio 4 acentua que:
[...] Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.
O desenvolvimento sustentável, conforme Sachs (2008, p. 15), “acrescenta uma outra
dimensão – a sustentabilidade ambiental – à dimensão da sustentabilidade social”.
O crescimento é desejável e salutar, no entanto, é preciso equacionar desenvolvimento
econômico-social e proteção do meio ambiente. Em outras palavras, é necessário pensar o
meio ambiente como patrimônio dessa e das futuras gerações, sob pena de colocar em risco a
própria biodiversidade e, em sentido amplo, o ecossistema planetário.
2 Boletim Interno do ICMBio. Brasília: ICMBio, n. 123, v. 4, p.10, nov. 2010.
26
Para alcançar esse ideal, é imprescindível que o ser humano promova modificações
consideráveis em sua conduta. Isso requer educação ambiental adequada, seja na escola ou
mesmo fora dela, e a criação de leis visando coibir os abusos cometidos pelos poluidores e
degradadores do meio ambiente, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
No que diz respeito à vida sustentável, vale mencionar seus princípios norteadores,
conforme lição de Milaré (2004, p. 55):
I - Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos - os indivíduos devem preocupar-se uns com os outros e com as demais formas de vida; II - Melhorar a qualidade da vida humana - o desenvolvimento econômico não prescinde da dignidade da pessoa humana, que, entre outros, envolve o acesso à educação, a liberdade política e o combate à violência; III - Conservar a vitalidade e a diversidade do Planeta - devem-se adotar medidas com o objetivo de preservar a biodiversidade e o uso sustentável dos recursos renováveis; IV - Minimizar o esgotamento de recursos não renováveis - visa prolongar a disponibilidade desses recursos, valendo-se da reciclagem, uso em menor escala na atividade industrial, ou mediante substituição destes por espécie renovável; V - Permanecer nos limites da capacidade de suporte do Planeta Terra - refere-se à implementação de políticas públicas para adequar o homem ao espaço físico em que se insere, dotando-o de todas as garantias necessárias para a preservação da espécie (a dificuldade reside em definir o que seja suporte do Planeta Terra); VI - Modificar atitudes e práticas pessoais - impõe a reavaliação dos valores individuais visando à preservação do meio ambiente e à melhoria da qualidade de vida.
Milaré (2004, p. 97) traça o seguinte paralelo:
I - Numa visão ética tradicional, em que se pretende ressarcir o inocente, dá-se a primazia ao fator humano; numa perspectiva ética moderna, em que muitos fatores mais são ponderados, não se separam a espécie humana e o ecossistema planetário; II - Permitir que as comunidades cuidem do seu próprio ambiente - trata-se de medida básica para o estabelecimento de uma sociedade sustentável, já que cada cidadão se constitui canal adequado para exigir a solução dos problemas ambientais; III - Gerar uma estrutura nacional para integração do desenvolvimento e conservação - o programa de sustentabilidade deve abarcar os interesses da população, com vistas à prevenção de problemas; IV - Construir uma aliança global - a ideia é que a sustentabilidade mundial, se alcançada, beneficiará todos os países.
O movimento internacional acerca do Direito Ambiental faz crer que se está diante de
uma ciência cujo caráter é metaindividual, ou seja, não há fronteiras. A tese que vem sendo
sustentada é a de um Direito Ambiental Internacional, que teria por objeto regras
internacionais de cooperação entre os povos, relativamente ao meio ambiente (CF, art. 4º,
27
IX). Esse fato ocasionaria a migração do direito flexível (soft law) - normas de Direito
Ambiental Internacional sem conteúdo obrigatório, ou seja, com caráter de mera
recomendação - para o direito positivo (hard law), caracterizado pela necessária observância
do conteúdo normativo.
Compulsando-se alguns trechos da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente,
de 1972, marco normativo internacional acerca da questão ambiental, constata-se, de plano,
que a presença do homem nunca foi afastada da questão da conservação do meio ambiente:
1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. (grifos nossos)
Como se profetizasse o futuro, a referida Declaração não impediu o homem de
modificar o meio ambiente, sobretudo quando for para assegurar condições mínimas de
existência e com dignidade:
3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha. (grifos nossos)
Relativo a esse panorama, Diegues (2001) apresenta a etnoconservação como um
esboço de teoria da conservação que surge a partir dos questionamentos suscitados com a
constatação das ambiguidades das teorias preservacionistas elaboradas nos países do Norte,
onde se prega a criação de áreas protegidas na ideia de natureza selvagem intocada.
Assim, a etnoconservação permite pensar novas estratégias de conservação para a
proteção da biodiversidade e a diversidade cultural, na qual a comunhão entre pesquisa e as
28
populações tradicionais construiria uma nova aliança entre homem e a natureza, o novo
naturalismo.
Registra Fonseca (2011, p. 17), que a diversidade social “é claramente decorrente da
diversidade ambiental que impõe níveis diversos de adaptabilidade à condições mesológicas
que alicerçam, passo a passo, a configuração dos padrões culturais”, configurando uma
“etologia dos conjuntos humanos”, pois cada um pratica formas próprias de adaptação ao
ambiente natural.
Tal assertiva é corroborada por Morán (1990a, p. 31) quando assevera que a difusão
cultural é forma de adaptação ao ecossistema, contrapondo-se à corrente preservacionista,
sendo esta adaptação variável, a depender do contexto onde ela ocorre, salientando que “uma
população humana, num ecossistema específico, apresenta respostas que refletem pressões
ambientais presentes e passadas”.
Inserida na definição de diversidade biológica, está a diversidade cultural, formada
pelos componentes tangíveis acima descritos (território e recursos naturais), e por
componentes intangíveis (conhecimentos, inovações e práticas), de natureza imaterial, tais
como os chamados conhecimentos autóctones, parte integrante e indissociável da
biodiversidade. (SANTILLI, 2005, p. 78)
Nestes termos, o conceito de biodiversidade vai além de um conjunto de seres vivos
de origem animal e vegetal. Abarca-se ainda, todos os organismos vivos ou micro-
organismos, alem dos bens imateriais, reconhecidos como conhecimentos tradicionais
associados ao ecossistema, bem como o próprio ecossistema em que estão inseridos.
Por conhecimentos tradicionais, entende-se:
[...] um corpo de conhecimento construído por um grupo de pessoas através de sua vivencia em contato próximo com a natureza por varias gerações. Ele inclui um sistema da classificação, um conjunto de observações empíricas sobre o ambiente local e um sistema de auto-manejo que governa o uso dos recursos. (PNUMA, 1972)
Para Witkoski (2010, p. 43), o “ecossistema é extensão geral do ambiente onde ocorre a
adaptação humana”, salientando ainda que “não existe adaptação perfeita na relação homem e
meio ambiente (p. 54).
Shiraishi Neto (2006a, p. 10) acentua “a existência da diferença entre tradição e
costume e que atrela o sentido de tradicional ao direito consuetudinário, que causa o
‘congelamento das práticas jurídicas’ próprias das comunidades tradicionais”.
29
Isso ocorre porque tradição, no sentido de populações tradicionais, “nada tem a ver
com permanência e mais se atém a processos reais e sujeitos sociais que transformam
dialeticamente suas práticas, mesmo quando as convertem em normas para fins de
interlocução, redefinindo suas relações sociais e com a natureza” (SHIRAISHI NETO, 2006a,
p. 11).
Para Almeida (2006, p. 26), “as teorias do pluralismo jurídico, para as quais o direito
produzido pelo Estado não é o único, ganharam força com a Constituição de 1988” e que,
juntamente com elas e com as críticas ao positivismo, “que historicamente confundiu as
chamadas ‘minorias’ dentro da noção de ‘povo’, também foi contemplado o direito à
diferença, enunciando o reconhecimento de direitos étnicos”.
A Lei do SNUC, nos artigos 18 e 20, ao definir as reservas extrativistas e de
desenvolvimento sustentável, estabeleceu, ainda que indiretamente, o conceito de
"populações tradicionais", "cuja subsistência baseia-se no extrativismo e,
complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte"
(no caso das reservas extrativistas), ou
[...] cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica" (no caso das reservas de desenvolvimento sustentável).
Quanto ao conceito de populações tradicionais, o Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro
de 2007, no art. 3º, inciso I, estabelece que:
Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
O conceito de "populações tradicionais" foi, entretanto, desenvolvido pelas ciências
sociais, e, para compreendê-lo, parece-nos fundamental recorrer aos conhecimentos
produzidos por essas ciências. A categoria "populações tradicionais" está relacionada ao uso
de técnicas ambientais de baixo impacto e a formas equitativas de organização social e de
representação, como conceituado por Cunha (2009, p. 300):
[...] grupos que conquistaram ou estão lutando para conquistar (prática e simbolicamente) uma identidade pública conservacionista que inclui algumas das seguintes características: uso de técnicas ambientais de
30
baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que sao seletivamente reafirmados e reelaborados.
Brahy (2008, p. 289) sintetiza que “população tradicional é identificada pelo modo de
produção e transmissão”.
Dourado (2010, p. 55-56) acentua que a expressão “conhecimento tradicional” é
polissêmica e que o “conhecimento” não é mero estoque de informações de caráter
cumulativo, pois implica relações sociais, qualificando como “capital intelectual” ou “capital
cultural”.
Carneiro da Cunha & Almeida (2001), discorrendo sobre o tema, salientando que se
trata de uma estação ecológica, apontam que as populações tradicionais subsistem “da pesca,
agricultura e prestação de serviços aos moradores locais, o exercício dessas atividades, desde
que realizadas de forma compatível com os objetivos” de uma determinada unidade de
conservação, nos termos de seu plano diretor e respectivo zoneamento.
Segundo Witkoski (2010, p. 27), as populações tradicionais “possuem vasta
experiência na utilização e conservação da biodiversidade e da ecologia dos ambientes terras,
florestas e águas onde trabalham e vivem”.
Carneiro da Cunha & Almeida (2001) exemplificam autorizações normativas para a
permanência de populações tradicionais em unidades de conservação de proteção integral:
A Lei nº 293, de 20 de abril de 1995, do Estado do Rio de Janeiro, dispõe sobre a permanência de populações nativas residentes em unidades de conservação. A referida lei autoriza o Poder Executivo a assegurar às populações nativas residentes há mais de cinquenta anos em unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro o direito real de uso das áreas ocupadas, "desde que dependam, para sua subsistência, direta e prioritariamente, dos ecossistemas locais, preservados os atributos essenciais de tais ecossistemas".
Os ribeirinhos, também inseridos nas populações tradicionais, são o agrupamento
humano mais numeroso no Parque Nacional do Jaú (FVA, 1998) e a população mais sujeita a
ser remanejada no processo de criação das unidades de proteção integral.
Como retrato dos ribeirinhos, tem-se que eles “construíram um modo de vida
integrado pela agricultura e extrativismo vegetal ou animal, vivendo em função dos produtos
da floresta, dos rios e das terras molhadas da várzea amazônica” (FRAXE, 2010, p. 20).
31
A Lei nº 9.985/2000, sobre os grupos sociais classificados como “populações
tradicionais”, prevê que se deva garantir “às populações tradicionais cuja subsistência
dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação
meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos” (art. 5º,
inciso X).
O Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, prevê, no art. 3º, inciso II, quais são
os espaços das populações tradicionais:
[...] os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações.
Em verdade, o dispositivo acima transcrito, do Decreto nº 6.040/2007, construiu o que
denominou de “territórios tradicionais”.
Assim, não basta afirmar a existência de um direito, é preciso assegurá-lo, como
afirma Bobbio (1992). Essa é a situação atual dos movimentos sociais que, reconhecidos
formalmente, buscam seu espaço em luta de seus direitos.
Leff (2008) menciona que a cidadania forja estratégias de poder e legitimação para as
comunidades, pois a “exclusão deslegitima” (MÜLLER, 2009).
Mesmo antes de reconhecidas formalmente, as populações tradicionais agiam.
Enquanto os seringueiros promoviam o “empate” 3, os ribeirinhos faziam o “fechamento" 4
dos lagos, na defesa de seus direitos e protegiam os recursos de um rápido esgotamento.
Após as atuações de choque acima, o Estado interveio regulando as ações, por meio,
por exemplo, dos acordos de pesca 5 ou do termo de ajustamento de conduta.
Essas atuações pela defesa do espaço coletivo somente foram possíveis por uma
razão: a permanência desses grupos no espaço em que vivem.
3 Ação dos seringueiros que consistia em obstaculizar o avanço da exploração madeireira no Acre, liderado por Chico Mendes na década de 80.
4 Ação dos ribeirinhos que consistia em promover a interrupção da passagem de barcos comerciais pesqueiros para o interior dos lagos ou para determinados locais em corpos aquáticos. 5 Instrução Normativa nº 29 – IBAMA, de 31 de dezembro de 2002. Art. 1º, parágrafo único. Entende-se por acordo de pesca, um conjunto de medidas específicas decorrentes de tratados consensuais entre os diversos usuários e o órgão gestor dos recursos pesqueiros em uma determinada área, definida geograficamente.
32
O fato de que as pessoas se encontram no “território de um Estado é tudo menos uma
situação irrelevante. Compete-lhes, juridicamente, a qualidade de ser humano, a dignidade
humana, a personalidade jurídica. Os habitantes não habitam um Estado, mas um território”
(MÜLLER, 2009, p. 60).
Além disso, o respeito e reconhecimento das comunidades tradicionais acentuam o
respeito à alteridade, em especial no povo brasileiro, miscigenado e pluriétnico, afirmação
esta extraída de um dos mais significativos elementos de interpretação constitucional – o
preâmbulo da Constituição:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (...) (grifo nosso)
O preâmbulo, como assentou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF),
“não constitui norma central”, “não tem valor normativo”, “apresentando-se desvestido de
força cogente”. 6
Outrossim, em outros julgados do STF, consta que o preâmbulo atua como norte
interpretativo, que qualifica o Brasil com “valores supremos de uma sociedade pluralista,
fraterna e sem preconceitos”, sociedade que se põe “como base de inspiração do princípio da
dignidade da pessoa humana”. 7
Miranda (2002, p. 437-438), ao tratar sobre o valor e ao significado dos preâmbulos
constitucionais, acentua que:
[...]o preâmbulo é parte integrante da Constituição, com todas as suas consequências. Dela não se distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo instrumento em que se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas pela sua eficácia ou pelo papel que desempenha. Os preâmbulos não podem assimilar-se às declarações de direitos.
Härbele (2005, p. 93) salienta que os preâmbulos são essência de uma Constituição e
“conferem um significado singular à dignidade humana como ponto de partida”.
6 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2076 / AC. Relator: Min. CARLOS VELLOSO e Mandado de Segurança (MS) nº 24.645-MC-DF. Relator: Min. CELSO DE MELLO. 7 Habeas Corpus (HC) nº 97.256/RS e Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) nº 26.071/DF, em ambos Relator: Min. AYRES BRITTO.
33
Como afirmado no Mandado de Segurança (MS) nº 24.645-MC-DF, “preâmbulo não
é um conjunto de preceitos”, nem “pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria
direitos ou deveres”.
Em verdade, a República Federativa do Brasil não precisa do preâmbulo da
Constituição para afirmar-se multicultural, miscigenada e pluriétnica; a história prova que o
Brasil assim o é; a miscigenação de sua população também o faz.
Associado ao preâmbulo da CRFB/88, os modos de viver, criar e fazer têm proteção
constitucional, pois constituem patrimônio cultural brasileiro, uma vez que são portadores de
referência da identidade, da ação e da memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira (art. 216, inciso II).
Há também previsão constitucional em relação à criação de “espaços territoriais
especialmente protegidos”, disciplinada pelo art. 22 da Lei nº 9.985/2000 (SNUC),
dispositivo que estatui que a criação das nominadas unidades de conservação ocorram por ato
do poder público, sem fazer referência a que tipo de ato seja, podendo ser criadas por ato
federal, estadual ou municipal, pois a Lei do SNUC, pelo art. 3º, prevê a possibilidade de
unidades de conservação por qualquer dos entes federativos.
Portanto, quando se cria uma área protegida, deve-se levar em consideração a
presença de populações, pois possuem tutela constitucional e na própria legislação que rege o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
1.4 A RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E
POPULAÇÕES TRADICIONAIS
A Constituição de 1988 relevou de importância a cultura que alcança a identidade e
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, mencionada em diversos
dispositivos (artigos 225; 261 e quanto à etnia, art. 231).
Em relação à cultura, é importante frisar que, tanto na Amazônia como em outros
locais no mundo, foram os modos de viver locais que mantiveram o meio ambiente. Exemplo
34
disso é o depoimento de Maatai 8 (2007, p. 215), quando afirma que “sob muitos aspectos, a
cultura de nossos antepassados protegeu o meio ambiente do país.”
Marés de Souza Filho (1998, p. 120) acentua que “a questão da territorialidade
assume a proporção da própria sobrevivência dos povos, um povo sem território, ou melhor,
sem o seu território, está ameaçado de perder suas referências culturais e, perdida a
referência, deixa de ser povo”.
Uma das exigências para a criação de UC é a realização prévia de estudos técnicos e
de consultas públicas com vistas a garantir a publicidade do ato, de modo que a população
local e outros interessados possam se manifestar, bem como para delimitar a localização e a
dimensão do espaço protegido (art. 22, §2º, da Lei do SNUC).
Antes da Lei do SNUC, diversas categorias de unidades de conservação haviam sido
criadas por outras normas, sendo que, com o advento do referido diploma legal, ocorreu a
consolidação dos tipos de espaços protegidos existentes em um único texto, com a criação de
categorias e a extinção de outras.
São dois os tipos de UC:
Art. 7o As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: I - Unidades de Proteção Integral; II - Unidades de Uso Sustentável.
O propósito das Unidades de Proteção Integral é a preservação da natureza, conforme
o art. 7º, §1º, da Lei n. 9.985/2000, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos
naturais, com exceção dos casos previstos na Lei do SNUC.
O Parque Nacional do Jaú, área objeto deste estudo, é uma unidade de proteção
integral, de conformidade com o art. 8º, inciso III, da Lei n. 9.985/2000:
Art. 8o O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre.
8 Vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2004, criadora do Movimento Cinturão Verde, no Quênia.
35
No caso dos parques nacionais, num resgate histórico, “os parques são as primeiras
unidades de conservação e proteção criadas pelo Direito Brasileiro” (MARÉS DE SOUZA
FILHO, 1993, p. 23).
O objetivo básico de um parque nacional é a preservação de ecossistemas naturais de
grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas
científicas e atividades de educação ambiental e de turismo ecológico (art. 11, da Lei do
SNUC).
Não se vislumbra, entre os objetivos dessa categoria de unidade de conservação, o
acolhimento, a habitação de determinada população.
Em que pese o fato da Lei do SNUC haver consolidado as normas existentes acerca de
unidades de conservação, é mister tecer considerações sobre imprecisões conceituais
existentes.
De início, a ementa da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, assim se apresenta:
“regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.”
Na ementa consta, pois, que o referido diploma legal regulamenta dispositivo
constitucional instituindo ainda o SNUC. Ocorre que na Constituição inexiste o termo
“unidades de conservação”, utilizando a Carta Magna a nomenclatura “espaços territoriais
especialmente protegidos”.
A imprecisão que merece maior destaque ocorre entre os relevantes termos
conservação e preservação.
No art. 2º, a Lei nº 9.985/2000 conceitua esses dois termos. Outrossim, a referida lei,
apesar de instituir o SNUC traz no seu bojo espaço territoriais protegidos que têm por escopo
a preservação da natureza.
Assim, questiona-se: a Lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação tem como objetivo a preservação? Ou deve também considerar a conservação,
sem prejudicar os atributos da área protegida? E determinadas populações que habitavam tal
área efetivamente prejudicam o ecossistema, especialmente onde a presença de órgãos de
fiscalização é fraca e quase inexistente?
De acordo com Morsello (2001), a prática usual do estabelecimento de UCs era a
expulsão da população local, às vezes, residentes há séculos no local. Os problemas e
36
prejuízos desse modelo foram reconhecidos pela UICN que, desde 1984, vem alterando suas
diretrizes em relação ao tema, mas ainda não existe um consenso: alguns acham que as
populações podem desenvolver suas atividades como caça, pesca e extrativismo, outros
discordam totalmente e outros ainda acreditam em compromissos entre a população e os
objetivos conservacionistas. Dessa forma, o acesso ou a presença de populações locais às
UCs se constituem em um dos maiores e mais polêmicos problemas na gestão dessas áreas.
Constatam-se relações predatórias em unidades de conservação em diversos pontos do
País, como exemplo, unidades de conservação no Sudeste, utilizadas como “lazer e veraneio”
ou como forma de “especulação imobiliária em áreas da Mata Atlântica do Estado de São
Paulo” (LEITÃO, 2002, p. 75).
Ocorre que não pode haver generalização em relação às demais unidades de
conservação, sob pena de incorrer em injustiças.
No âmbito internacional, instrumento jurídico marcante é a “Convenção Internacional
Relativa à Proteção da Herança Universal Cultural e Natural”, aprovada no ano de 1972, em
Paris, da qual o Brasil é signatário.
Seu principal objetivo é “estabelecer um sistema de proteção à herança cultural e
natural de valor universal, organizando de firma permanente e de acordo com os modernos
métodos científicos”.
A Constituição de 1988 deu relevo à cultura envolvendo o conceito de identidade e
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Tal noção é mencionada
em diversos dispositivos (arts. 225, e quanto à etnia, art. 231 e 261), cogitando-se a existência
de uma Constituição cultural, ao lado de uma Constituição política, econômica, social ou
ambiental.
A Carta Magna de 1988 estabelece ainda, categoricamente, que “todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (caput do art. 225).
Do mesmo modo, em outro artigo, afirma que “constituem patrimônio brasileiro os
bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem” tanto as formas de expressão como os modos de criar, fazer
e viver (art. 216, incisos I e II).
37
Indubitavelmente, as unidades de conservação, gênero onde a categoria parques
nacionais estão inseridos constituiu, de início, um modo de proteger o meio ambiente.
Outrossim, na evolução do conceito de parque e, consequentemente, do conceito de
unidade de conservação, surgiram as de uso direto em que é admitida a presença de
população local e o uso racional dos recursos naturais. Esse modelo sofre críticas da corrente
preservacionista, que defende a perspectiva de áreas protegidas sem moradores, em especial
quanto à capacidade desse tipo de UC em conservar a natureza.
Fávero (2001) também considera que o desenvolvimento do conceito de UCs no
Brasil foi baseado na visão preservacionista dos Estados Unidos da América onde o homem é
necessariamente um destruidor na natureza, impedindo e desconsiderando quaisquer relações
naturais entre o homem e os recursos naturais, salvo aquelas exclusivamente científicas, e
pondera que:
[...] a delimitação de áreas protegidas e/ou das UCs podem contribuir efetivamente para a conservação ambiental e paralelamente com o desenvolvimento sustentável, entretanto, seus objetivos e metas precisam estar em conformidade com as necessidades e as particularidades locais (p.16).
As populações indígenas e os remanescentes de quilombos têm seus direitos
assegurados de modo expresso na CRFB, respectivamente no art. 231 e seguintes, e art. 68,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), apesar de que, como ressaltado
por LEITÃO (2002, p. 78), “a Lei do SNUC é silente com relação à inclusão de índios e
quilombolas no espectro das populações tradicionais”.
No tocante às comunidades tradicionais, apesar de não constarem, expressamente, na
CRFB disposições similares às populações indígenas e aos remanescentes de quilombos, a
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada no Rio de Janeiro em 1992,
aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 2 de 1994, e
promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998, em seu artigo 10 dispõe que as
partes contratantes devem na medida do possível:
[...] proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável bem ainda apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade biológica tenha sido reduzida.
38
A Declaração de Limoges II apresentou recomendações que tinham como destinatária
a Conferência Mundial do Meio Ambiente (Rio + 10), em Joanesburgo, África do Sul, em
2002, dentre outras, com o propósito de:
[...]a) reafirmar os termos atuais do estatuto jurídico próprio, interno e internacional das coletividades autóctones e comunidades tradicionais e, segundo a necessidade, aprofundar e renovar a inspiração e a formulação; b) assegurar uma gestão equitativa e participativa dos recursos naturais garantindo a plena satisfação das necessidades das coletividades autóctones e comunidades tradicionais; c) assegurar uma parceria real, plena e igual no nível local, nacional e internacional, com as coletividades autóctones e comunidades tradicionais, assim como os sistemas jurídicos que daí se originam.
Ao assumir o caráter pluriétnico, a Constituição inclui as etnias indígenas, os
afrodescendentes e “outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” e propicia
a aplicação de igual tratamento aquele dispensado aos demais grupos étnicos.
No período de concepção dos parques nacionais, a população que lá residia era
transgressora das normas estatais, uma vez que seu objetivo era contrário aquele imposto pelo
Estado.
Com a abertura democrática no Brasil, consolidada com a Constituição de 05 de
outubro de 1988, os movimentos populares passaram a ter voz e reivindicar seus direitos
coletivamente.
O marco desse movimento foram os seringueiros do Acre, liderados por Chico
Mendes, sendo que tais movimentos passaram da marginalidade (período de implantação dos
parques), para a invisibilidade (deixaram de ser transgressores, mas ainda não existiam
formalmente) até o reconhecimento estatal (atualidade).
Conforme Esterci, Lima & Lena (2002, p. 3), “delineou-se desde o final dos anos 80
e foi se consolidando aos poucos uma aliança entre esses segmentos organizados –
identificados como ‘populações tradicionais’9 – e o movimento ambientalista que defendia
‘interesses universais’ de proteção da vida.
Tais alianças representam, como acentua Jelin (1996, p. 24), um “processo de
construção de cidadania ativa, aberta ao debate permanente”, reforçando a importância das
comunidades tradicionais na proteção do meio ambiente.
9 Dentre os vários conceitos existentes Lena (2002, p. 11) entende populações tradicionais como sendo aquelas que exploram os recursos naturais com impactos reduzidos devido à baixa densidade demográfica e à falta de integração ao mercado.
39
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, no período de 5
a 14 de junho de 1992, reconheceu a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos
de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que
é desejável repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento
tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à
utilização sustentável de seus componentes 10.
Nesse passo, todos os grupos étnicos ou tradicionais têm direito a um território
cultural, consubstanciado o espaço necessário ao exercício dos direitos culturais, pois nesses
territórios físicos onde vivem estão presentes sua história, sua identidade, seus modos de
produção e reprodução cultural, não sendo apenas algo exterior à identidade; é imanente a
ela.
A criação de unidades de conservação, conforme a CRFB, é indispensável para a
proteção do meio ambiente. Todavia, ao criar unidades de conservação, o Estado altera as
condições socioculturais de aglomerados humanos, em especial das populações tradicionais,
presumindo que essas comunidades seriam nocivas ao meio ambiente.
1.5 A PROTEÇÃO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO
Neste tópico, será abordado o tratamento constitucional dos direitos e garantias dos
povos indígenas e dos quilombolas até a proteção das populações tradicionais.
O tratamento constitucional dos direitos e garantias dos povos indígenas encontra
assento constitucional no dispositivo a seguir transcrito:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
10 Trecho do preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica.
40
§ 2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
A Constituição não estabeleceu, pois, um caráter de imemorabilidade para fins de
reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Ao contrário,
constitucionalizou, conforme Silva (2005, p. 857), a “teoria da ‘posse indigenata’, que ‘não
se confunde com a ocupação, com a mera posse’, mas sim é ‘fonte primária e congênita da
posse territorial; é um direito congênito’, enquanto a ocupação é título adquirido”, ou seja,
não se concebe que os índios tivessem adquirido, por simples ocupação, aquilo que lhes é
congênito e primário.
Assim, a dignidade humana dos povos indígenas está condicionada ao respeito aos
seus territórios, aos seus modos de vida e às suas instituições, como garantia prévia e
imprescindível à satisfação das necessidades básicas. “Portanto, o espaço e as formas de vida,
enquanto direitos consuetudinários, devem ser protegidos, sendo esse o comando
constitucional” (DANTAS, 2004, p. 226).
E no caso dos direitos dos indígenas, como afirma Zagrebelsky (1997, p. 11), tem-se
que os enunciados constitucionais são, na verdade, princípios uma vez que “as normas
constitucionais são prevalecentemente princípios quando versam sobre direitos e justiça.”
Após a Constituição Federal de 1988, a conclusão não é outra: “a Constituição
Federal de 1988 contém a maior inclusão de garantias e direitos referentes aos índios e às
sociedades indígenas em toda a história constitucional brasileira” (DANTAS, 2003, p. 492).
Todos os direitos constitucionalmente consagrados aos povos indígenas foram
ratificados no julgamento da Petição nº 3388/Roraima, em 19 de março de 1999, quando o
STF determinou a demarcação da Terra Indígena “Raposa Serra do Sol”, em caráter contínuo,
como “capítulo avançado do Constitucionalismo Fraternal.”
Outrossim, o STF, no julgamento em questão, harmonizou o direito à demarcação das
terras indígenas com outros elementos constitucionalmente tutelados, como é o caso da faixa
de fronteira, ao reconhecer que “há compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e
faixa de fronteira”, pois:
[...] a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em muito facilita e até obriga que as instituições de Estado (Forças Armadas e Polícia Federal, principalmente) se façam também presentes com seus postos de vigilância, equipamentos, batalhões, companhias e agentes. Sem precisar de licença de quem quer que seja para fazê-lo.
41
No caso das comunidades quilombolas, a Constituição de 1988 determina que sejam
reconhecidas as terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, nos seguintes
termos:
Art.68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
O dispositivo, acima transcrito, exige interpretação conjunta com outros dispositivos
constitucionais que, notadamente, reconhecem as áreas ocupadas por comunidades
remanescentes de quilombos como patrimônio cultural brasileiro.
Vários instrumentos normativos internacionais11, ratificados pelo Brasil, trazem a
obrigatoriedade de implementação de políticas e de instrumentos legais que garantam o
direito a terra e à proteção cultural, entre eles, destaca-se a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, que regula em âmbito
internacional a promoção e defesa dos direitos culturais e territoriais desses povos, tendo sido
incorporada ao ordenamento jurídico interno brasileiro, por meio da edição do Decreto
Legislativo 142/2002, em vigor desde 25 de julho de 2003.
Vale ressaltar que o único caso de propriedade comunitária plena admitido no
ordenamento jurídico brasileiro é a propriedade quilombola, pois o art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 reconhece a
propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras, impondo ao Estado o dever de emitir-lhes os títulos respectivos, ou
seja, de reconhecer formalmente este direito e impor o seu reconhecimento a toda sociedade.
O artigo 11 do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta a
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes dos quilombos, trata a sobreposição às unidades de conservação constituídas,
em relação às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, e
estabelece que a Fundação Palmares e os órgãos gestores dessas terras conciliem os interesses
do Estado de forma a garantir a sustentabilidade dessas comunidades.
11 Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966), Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965, Declaração sobre Raça e Preconceito Racial (1978), Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver (1976), Declaração da ONU sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas ou Linguísticas (1992).
42
No caso do Parque Nacional do Jaú, o processo de reconhecimento quilombola foi
finalizado, tendo sido a comunidade do Tambor, localizada na área central do Parque,
certificada pela Fundação Cultural Palmares 12.
As populações indígenas e os remanescentes de quilombos têm seus direitos
assegurados de modo expresso na CRFB, respectivamente no art. 231 e seguintes, e art. 68,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Confirmação da assertiva acima é o quanto afirmado por Santilli (2005, p. 42), ao
destacar que “a Constituição seguiu uma orientação claramente multicultural e pluriétnica,
reconhecendo direitos coletivos e povos indígenas e quilombolas, e assegurando-lhes direitos
territoriais especiais”.
Em relação às comunidades tradicionais, outrossim, não há regra protetiva expressa
no Texto Constitucional no mesmo patamar daquelas para as populações indígenas e para os
remanescentes de quilombos, a despeito da Constituição tutelar os modos de viver.
Não se pode olvidar que comunidades já habitavam as unidades de conservação,
conforme o resgate histórico apresentado, antes mesmo de sua instituição legal.
Segundo Wallauer (1998), em 1977, existiam no mundo 9.766 UCs, totalizando 870
milhões de hectares em 149 países. Sem dúvida, essas áreas contribuem em muito para a
conservação dos ambientes naturais e sua biodiversidade, mas apresentam muitas
dificuldades para sua instalação e real cumprimento de seus objetivos. Uma delas – no que
pese a crescente contribuição de áreas particulares transformadas em UCs – está o custo de
aquisição de terras pelos governos, especialmente nos países mais pobres, completadas com a
tensão das retiradas dessas áreas do processo produtivo convencional, da falta de políticas de
planejamento e gestão, da falta de recursos para o seu funcionamento e manutenção
adequados, sejam recursos financeiros, estruturais ou humanos.
Assim, é muito comum que áreas reveladas em estatísticas oficiais como UCs –
notadamente em países mais pobres – estejam apenas “no papel”, não possuindo as mínimas
condições de cumprir seus objetivos e muitas vezes não possuindo nem sua área delimitada.
Leuzinger (2002, p. 310) aponta que, aproximadamente, “em 80% das unidades
existentes habitadas, 36% são unidades de conservação de uso indireto”.
12 Portaria n. 11, da Fundação Cultural Palmares, de 06 de junho de 2006, publicada no Diário Oficial da União
nº 108, Seção 1, p. 5.
43
Para Morsello (2001), com base em vários autores, a situação de muitos países é de
dificuldades econômicas onde as necessidades básicas da população ainda não foram
satisfeitas, sendo difícil, nessa situação, a disputa por recursos para a implantação e
manutenção de UCs.
Para Diegues (2004), a noção norte-americana de conservação da natureza que
culminou com a criação do Yellowstone está baseada na noção de natureza selvagem –
wilderness – que se contrapõe à noção de natureza domesticada dos europeus. Essa noção
estabelece que a natureza somente pode ser protegida quando separada do convívio humano.
Essa visão de wilderness acabou sendo a preponderante e expandiu-se mundialmente através
do conceito de áreas de proteção sem moradores, o que transforma ainda mais as UCs como
concorrentes com as populações locais.
Apesar dessa sobreposição territorial e as implicações para o deslocamento dos grupos
humanos do interior das unidades de conservação de uso indireto, percebe-se que “estas
populações não têm tido nenhuma participação na eleição e definição destas unidades de
conservação”. (MOREIRA et al, 1996, p. 12)
Quando se discute sobre os direitos das populações tradicionais, está se abordando,
dentro da pluralidade consagrada na Constituição, o respeito à dignidade humana, pois como
salienta Shiraishi Neto (2006, p. 177), “no caso das situações sociais que envolvem esses
povos e grupos sociais, entendo que se trata de atribuir ao ‘princípio da pluralidade’ o mesmo
valor que é atribuído ao ‘princípio da dignidade humana’.
Conforme Sousa Santos, Meneses & Nunes (2006, p. 22) os termos “conhecimento
local”, “conhecimento indígena”, “conhecimento tradicional” ou mesmo “etnociência” “têm
surgido com frequência na última década, com o objectivo (sic) de chamar a atenção para a
pluralidade de sistemas de produção de saber no mundo”.
No caso da Amazônia os saberes das populações ribeirinhas enfrentam um fluxo que
varia em função da vinculação de suas vidas e atividades produtivas que, por vezes, impõem
ritmos estranhos aos das populações “modernas”.
Morán (1990) destaca que, ao longo de sua existência histórica, “as populações
indígenas e caboclas da Amazônia têm-se adaptado ao meio ambiente físico amazônico e às
forças externas da sociedade colonial e nacional.”, em que os graus de adaptação ao meio
ambiente amazônico que cada uma tem atingido variam em função das forças históricas,
sociais e político-econômicas que os têm influenciado.
44
A importância internacional dos conhecimentos tradicionais, bem como o papel das
populações locais e das comunidades indígenas, foi reconhecida com o advento da
Convenção sobre Diversidade Biológica.
No caso de finalidades biotecnológicas, o relevo de tais conhecimentos desconsidera
sua inclusão no conceito de biodiversidade, desviando para um caráter estritamente
comercial, a partir do qual o valor e agregado a capacidade de localização de propriedades da
diversidade biológica com aplicação industrial.
Não se trata, neste caso, de um direito individualmente protegido, mas sim de uma
comunidade e seu bem imaterial, seus conhecimentos, costumes e cultura aplicáveis de forma
prática no uso de propriedades naturais.
O Brasil assinou e ratificou a Convenção sobre Diversidade Biológica, incluindo em
seu ordenamento a Medida Provisória n. 2.186-16/01 para regulamentar o acesso aos recursos
genéticos, respeitando os conhecimentos tradicionais e incluindo a repartição de benefícios
para sua proteção.
Isso caracteriza a mudança na consciência etnocêntrica do mundo ocidental, pois as
formas de saber que não fossem oriundas do mundo urbano-industrial eram consideradas
como ultrapassadas ou mesmo sem valor.
1.6 A DIGINIDADE DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E O RESPEITO À
ALTERIDADE E AO MULTICULTURALISMO
A conservação ambiental in situ13 tem sido viabilizada, dentre outras formas, por meio
da criação de áreas protegidas no mundo todo. Esse tipo de intervenção implica um
ordenamento territorial e tem sido bastante polemizado desde seu início pela constatação de
que, embora supostamente selvagens e estritamente naturais, as áreas ambientalmente
protegidas são, frequentemente, “habitadas por grupos culturais muito diversos, cujos modos
de vida passam a ser submetidos às regras da conservação ambiental, constituindo o que se
denomina como um primitivismo forçado”. (BARRETTO FILHO, 2006, p. 113)
13 Conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características (Art. 2º, inciso VII, da Lei nº 9.985/2000).
45
Por outro lado, tem crescido, tanto nacional como internacionalmente, a constatação
de que “grupos minoritários e etno-culturais devem ter garantias e direitos específicos que
lhes permitam manter seus modos de vida diversos dentro dos Estados nacionais em que
vivem” (TAYLOR, 1993).
E a civilização implica, como ressaltou Lévi-Strauss (1952, p.89), “a coexistência de
culturas que oferecem entre si a máxima diversidade e consiste mesmo nessa coexistência. A
civilização mundial só poderia ser coligação, à escala mundial, de culturas que preservassem
cada uma sua originalidade.”
É o que se denomina multiculturalismo a designar, originalmente, “a coexistência de
formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades
‘modernas’” (SOUSA SANTOS, 2003, p. 26).
Não somente no PARNA-Jaú, mas em diversas unidades de conservação do Brasil
residem populações indígenas, remanescentes de quilombos e populações tradicionais.
Essas novas formas de ocupação e uso comum dos recursos naturais emergiram pelo
conflito, delimitando territorialidades específicas, e não tiveram até 1988 qualquer
reconhecimento legal.
As territorialidades específicas podem ser entendidas aqui como “resultantes dos
processos de territorialização, apresentando delimitações mais definitivas ou contingenciais,
dependendo da correlação de força em cada situação social de antagonismo” (ALMEIDA,
1989, p. 183).
Distinguem-se, neste sentido, tanto a “noção de ‘terra’, estrito senso, quanto daquela
de ‘território’, conforme foi sublinhado, e sua emergência atém-se a expressões que
manifestam elementos identitários ou correspondentes à sua forma específica de
territorialização” (ALMEIDA,1989, p. 183-184).
Ribeirinhos, faxinalenses, caiçaras, criadores de fundo de pasto, quebradeiras de coco,
seringueiros, castanheiros, pescadores artesanais, mangabeiros, laguistas, povos ilhéus,
cipozeiros, caiçaras, dentre outros, constituem o modo de viver do povo brasileiro.
Registre-se que a situação das comunidades tradicionais, como dito alhures,
representa a garantia legal do “ser e do lugar” de uma determinada comunidade amazônica,
tangenciando direito humano inserto no art. 1º, inciso III, da CRFB/88: a dignidade da pessoa
humana.
46
A dignidade da pessoa está consagrada em vários tratados internacionais de direitos
humanos, dentre os quais o Pacto de San Jose da Costa Rica (art. 11).
E a dignidade, conforme Carmen Lúcia Antunes Rocha, “é um conceito em
permanente processo de construção e desenvolvimento” (1999, p. 24).
SARLET (2005, p. 37), esboça o seguinte conceito sobre dignidade:
“é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
A legislação brasileira infraconstitucional, Lei do SNUC (9985/2000) e respectivo
decreto regulamentador (4.340/2002) estabelecem a transferência compulsória dos moradores
dessas áreas, trazendo alterações profundas às comunidades afetadas, de ordem ética, social,
econômico, político e cultural e que, para algumas, etnias, possui simbolismo místico-
religioso.
Gómez-Pompa & Kaus (1992) contestam a política ambiental de preservação dos
ecossistemas. Para eles, essa política está “baseada mais em crenças ocidentais sobre a
natureza do que em realidade, uma vez que selecionamos o que deva ser preservado e de que
maneira deva ser manejado”.
A partir da década de 70, a comunidade internacional começa a se importar com os
crescentes conflitos envolvendo populações e áreas protegidas, com destaque para os
conflitos com os grupos étnicos africanos que foram desalojados para criação de áreas
naturais protegidas. (BRITO, 2003, p.28)
O marco dessa época é a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano
que ocorreu em 1972 e ficou conhecida como a Conferência de Estocolmo. Pela primeira vez,
num fórum intergovernamental, foram discutidos problemas políticos, sociais e econômicos
do meio ambiente global, com o intuito de se empreender ações corretivas. Uma de suas
primeiras ações foi criar o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Talvez o maior legado da Conferência de Estocolmo tenha sido a inserção definitiva
das “questões ambientais na agenda mundial e o estabelecimento do conceito de que os
47
problemas ambientais transcendiam fronteiras, e que estavam relacionados a questões de
ordem política, econômica, social e cultural” (BRITO, 2003, p. 29).
Em meados da década de 70, é lançado o Programa Man and Biosfere (MAB) da
UNESCO. “Começava-se assim a aceitar a realidade da ocupação humana em áreas naturais
protegidas e instalaram-se ao redor do mundo as Reservas da Biosfera que introduzem o
conceito de desenvolvimento em equilíbrio nas relações entre o homem e seu ambiente”
(BRITO, 2003, p. 29).
É nesse contexto mundial que emerge, ao lado dos trabalhos preocupados com a
degradação ambiental e a perda global da biodiversidade, a importância do homem nesse
processo, salientando que seu papel não era unicamente de destruidor, ou seja, nem todos
contribuíam para a destruição do ambiente, ao revés eram responsáveis pela sua conservação.
Há, pois, a preocupação em estudar o conhecimento tradicional dos povos em relação
ao meio ambiente, ressaltando a capacidade das comunidades de se valer de estratégias de
conservação dos recursos naturais como forma de assegurar sua reprodução material e
imaterial. Ou seja, essas comunidades atribuem valor aos recursos naturais: valor de uso e
valor simbólico.
Diegues & Arruda (2001, p. 26) consideram a etnociência como um dos enfoques que
mais tem contribuído para o conhecimento das populações tradicionais, partindo “da
linguística para estudar os saberes das populações humanas sobre os processos naturais,
tentando descobrir a lógica subjacente ao conhecimento humano do mundo natural, as
taxonomias e classificações totalizadoras”.
O precursor dos estudos etnocientíficos foi Claude Lévi-Strauss que, em 1962,
publicou “O Pensamento Selvagem” (La penseé sauvage). Lévi-Strauss estudou os sistemas
de classificação indígenas, contrapondo-se aos funcionalistas (Malinowski e outros),
argumentando que o conhecimento dos “selvagens” não está ligado unicamente às suas
necessidades. Ele discute que o homem primitivo é mais do que funcionalista; ele por
observação é conhecedor do que está no seu ambiente, mesmo que não lhe seja útil:
[...] De tais exemplos, que se poderiam retirar de todas as regiões do mundo, concluir-se-ia, de bom grado que as espécies animais e vegetais não são conhecidas porque são úteis; elas são consideradas úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas. (LÉVI-STRAUSS, 1989, p.24)
48
Berta Ribeiro (1995) descreve em detalhes o modo de vida dos índios do Alto Rio
Negro (com destaque para os Desâna), inclusive as técnicas de identificar e classificar os
recursos naturais disponíveis em seu ambiente e como conseguiram desenvolver estratégias e
técnicas adequadas de manejo com vistas à preservação.
A autora se propôs também a uma reflexão sobre a criatividade das culturas indígenas
dos trópicos; o saber ecológico que, por meio da dominação dos mecanismos de reprodução
das plantas e animais, desenvolveu estratégias adequadas à sua preservação; a herança
indígena para a cultura brasileira, viva até hoje, não somente entre os habitantes do interior,
mas também entre os urbanos, de forma tão integrada que a maioria das pessoas nem sabe
que são legados indígenas. (BERTA RIBEIRO, 1995)
No posfácio “O sabor do saber indígena”, Berta Ribeiro (1995, p.237) aduz que a
vocação da Amazônia é a biodiversidade, a policultura (em pequenas glebas e à maneira
indígena), produtos florestais, artesanato e ecoturismo. “São imensas as potencialidades da
floresta na medida em que fora manejada inteligentemente. (...) As reservas de biodiversidade
da Amazônia ainda existem por causa dos territórios indígenas, porque aí se conservam
ecossistemas inteiros”.
Berta Ribeiro conclui sua obra ao afirmar que os índios e as populações originais além
de terem desenvolvido conhecimentos sobre biologia amazônica, criaram também
mecanismos de autocontenção para protegê-la e preservá-la, e que esses mecanismos não se
tratam de “arcaísmos ou de sobrevivências obsoletas. O atrasado, o retrógrado é transformar
em capim a floresta amazônica” (BERTA RIBEIRO, 1995, p.238).
Todo ser humano tem direito a querer melhores condições de sobrevivência,
facilidades proporcionadas pela sociedade urbana, sem que isso destrua seu modo de vida
tradicional que é continuamente realimentado, há várias gerações, pela transmissão oral e
pela vivência prática.
A partir da década de 80, destacaram-se os estudos sobre as formas de gestão dos
recursos naturais e da organização sociocultural das populações tradicionais. Desenvolveu-se
um campo de ação com inovadoras perspectivas de valorização dos saberes tradicionais na
gestão dos recursos naturais, que vai além do aspecto cognitivo, os quais são designados pela
sigla TEK (Traditional Ecological Knowledge). (BORGES et al., 2004, p. 65)
O TEK, conforme Borges et al (2004, p. 65), foi associado à tutela do direito de
propriedade intelectual direcionado para proteção de agricultores e coletores, ante as
49
empresas capitalistas que se apropriam do conhecimento desses povos sem pagar por isso. No
campo de referências da gestão, nas organizações internacionais (p.ex. IUCN, UNESCO),
além da sigla TEK, tais saberes são nomeados por TEKMS (Traditional Ecological
Knowledge and Management Systems).
Na verdade, trata-se, consoante Comparato (1993, p. 78), do “reconhecimento do
direito fundamental à própria identidade, no campo sociocultural.”
O fato é que identidade, segundo Wolkmer (2001, p. 130), “deve ser compreendida
como o reconhecimento de subjetividades libertadas e como recuperação de experiências
compartilhadas por coletividades políticas, sujeitos coletivos e movimentos sociais”, como
um processo de ruptura o qual permite que movimentos sociais se tornem sujeitos de sua
própria história.
E esse reconhecimento não significa que a isonomia deva ser abolida ou restringida,
pois é “indispensável entender que todos os grupos sociais têm igual direito à preservação de
suas características culturais, sem privilégios de nenhuma espécie” (COMPARATO, 1993, p.
78)
Geertz reforça o reconhecimento das diferenças entre "aqueles que pensam diferente
de mim", pois é justamente nessas assimetrias que reside a possibilidade do respeito à
alteridade, à diferença: "temos que conhecer um ao outro, e viver com este conhecimento, ou
acabaremos como náufragos num mundo beckettiano de solilóquios em colisão." (1999, p.
30)
O objetivo, segundo Geertz, é pensar sobre uma “diversidade de uma maneira bem
diferente da que estamos acostumados.” (1999, p. 31).
A diversidade também possui proteção em tratados internacionais, como é o caso da
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural14, na qual consta que “a defesa da
diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade do ser
humano” (art. 4º).
Na Constituição brasileira, o multiculturalimo está presente em todos os dispositivos
dedicados à proteção da cultura, impondo-se ao Estado a obrigação “de proteger as
manifestações culturais dos diferentes grupos sociais e étnicos” (SANTILLI, 2005, p. 75).
14 Convenção aprovada e discutida na 31.ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, no dia 02 de novembro de 2001.
50
Vale destacar que os direitos culturais são considerados, na Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural, como marcos da diversidade cultural e parte integrante dos
direitos humanos, e, portanto, são universais, indissociáveis e interdependentes (art. 5º).
O reconhecimento devido “não é só uma cortesia que devemos aos demais: é uma
necessidade humana vital” (TAYLOR, 1993, p. 45).
No caso do território, a partir do momento em que há identificação com este são
criados laços de afetividade com ele. Esse novo arranjo socioespacial (a unidade de
conservação) impõe uma ruptura, um desenraizamento, “um separar o homem do seu chão”.
O sentimento é o de estar sendo apartado de suas raízes, de sua origem, mesmo que os
moradores permaneçam nas unidades de conservação.
Simone Weil descreve o desenraizamento como “uma doença quase mortal” para as
populações que são atingidas por ele:
[...] Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber a quase totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos meios dos quais faz parte naturalmente. (...) Não deve alimentar-se das contribuições externas senão depois de as ter digerido, e os indivíduos que o compõem não devem recebê-las senão através dele. Há desenraizamento todas as vezes que há conquista militar, e nesse sentido a conquista é quase sempre um mal. (...) quando o conquistador permanece estrangeiro ao território de que se tornou possuidor, o desenraizamento é uma doença mortal para as populações submetidas. Atinge o grau mais agudo quando há deportações maciças ou há
supressão brutal de todas as tradições locais. (WEIL, 2001, p. 44)
Ainda sobre o desenraizamento, Weil argumenta que, mesmo sem intervenção militar,
esse pode ocorrer no interior dos países pela força da dominação econômica:
[...] o poder do dinheiro e a dominação econômica podem impor uma influência estrangeira a ponto de provocar a doença do desenraizamento.
Furlan (2000, p. 470) reforça que as populações locais precisam ser enxergadas pelos
administradores como aliados na conservação do ambiente natural:
Até hoje há uma enorme resistência do movimento ambientalista, bem como dos órgãos públicos, a qualquer tentativa de permitir a adequada permanência dessas populações nas áreas que já ocupam. Recusam-se a reconhecer que as práticas tradicionais (intencionalmente ou não) permitiram a conservação da área. Desprezam o conhecimento para o desenvolvimento de formas sustentáveis de aproveitamento da floresta. Também não conseguem perceber que, se estas populações permanecerem na área, usufrutuárias que são da floresta, será do
51
interesse delas protegê-las de eventuais ações predatórias, facilitando o controle sobre a área como um todo.
A via da negociação é o caminho mais provável para propiciar um convívio mais
amistoso entre administração e moradores. Só que esse procedimento exige que os moradores
estejam organizados para que possam lutar por causas comuns, deixando as desavenças
pessoais para serem debatidas internamente.
Essa luta pelo interesse comum não é algo novo. Ihering assim já se posicionava:
“Quem defende o seu direito, defende também na esfera estreita deste direito, todo o direito. O interesse e as consequências do ato dilatam-se portanto muito para lá de sua pessoa.” (IHERING, 1997, p. 46)
É a busca pela sua “personalidade, da sua honra, do seu sentimento do direito, do
respeito a si próprio”, pois “a força do direito reside no sentimento, exatamente como a do
amor” (IHERING, 1997, p. 38)
O Direito, conforme Streck (1988, p. 53), “não está imune/blindado contra as
transformações ocorridas no campo filosófico, pois é um fenômeno inserido em uma
intersubjetividade racional, a ser produzida e garantida com base nos processos de
compreensão”, em um “âmbito de constituição de entendimento”,
Primack & Rodrigues (2001) discutem que o estabelecimento de UC’s à revelia dos
moradores locais gera uma exploração dos recursos muito superiores ao modo de vida
daquela população pela falta de alternativas ou pela revolta.
Tal forma de exclusão pode vir a se tornar o círculo vicioso a que aludiu Ost (1995)
em que “os grupos humanos que migram tendem a conquistar as áreas ecológicas mais
frágeis, o que acarretará na degradação dos recursos naturais, unida a uma miséria acrescida,
que por seu turno gera uma pressão cada vez mais destrutiva sobre os meios já fragilizados”.
A Constituição Federal encontra-se em harmonia com os instrumentos jurídicos
internacionais de proteção da biodiversidade e sociodiversidade dos quais o Brasil é
signatário, rompendo com sistema constitucional anterior, pois reconhece o Estado brasileiro
como pluriétnico e multicultural, garantindo a todos o pleno exercício dos direitos culturais,
apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais populares,
indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional (art. 215, caput, e § 1º), que se traduzem dentre outros em suas formas de expressão
e em seus modos de criar, fazer e viver (art. 216, incisos I e II).
52
Assim, o respeito aos direitos das populações que sempre ocuparam os espaços,
atualmente denominados de proteção especial, é, portanto, direito também fundamental e
integra o rol de garantias de um Estado Democrático de Direito.
A expulsão de populações sem a indicação de aspecto objetivo de que degradam o
meio ambiente em que vivem, ofende a dignidade da pessoa humana e a criação de uma área
protegida, que possui tutela constitucional, sem atentar para a presença de populações tende a
violar outro postulado constitucional: a dignidade da pessoa humana.
Desse modo, o termo de compromisso objeto desta dissertação propicia, em última
análise, o resgate da dignidade dessas comunidades.
53
2 O PARQUE NACIONAL DO JAÚ 2.1 ANTECEDENTES DOS PARQUES NACIONAIS NO MUNDO
A necessidade das sociedades modernas de preservar espaços naturais lúdicos,
aprazíveis está ligada às crenças do homem como destruidor. Durante a existência, a história
registra que o homem tem degradado o meio ambiente.
Na antiguidade, já se verifica a preocupação em demarcar espaços protegidos; há
relatos que o imperador Ashoka, em 252 a.C., determinou a proteção de certos animais,
peixes e florestas. Registra-se também outro imperador indiano, Babar, no século XV, criou
territórios para proteção de rinocerontes, salientando que a atividade fim dessas áreas era para
a caça desses animais. (WALLAUER, 1998)
A civilização Inca impôs limites físicos e sazonais para a caça de determinadas
espécies e na Europa Medieval, a palavra “parque” significava um espaço no qual animais
estavam sob a responsabilidade do soberano. (MORSELLO, 2008, p. 22)
Danos causados pela poluição das indústrias instaladas em Londres e nos seus
arredores já era percebidos nos séculos XVI e XVII, assim como sua superpopulação.
(THOMAS, 1988)
Em fins do século XVIII, a natureza passou a ser considerada refúgio espiritual do
homem. Não só cientistas, mas pessoas comuns se interessaram por estudar espécies animais
e vegetais. Partiram dessas pessoas as primeiras campanhas, na Inglaterra, pela preservação
da natureza. (THOMAS, 1988)
As áreas criadas na Europa tinham como principal objetivo a proteção de recursos
para assegurar à aristocracia o exercício da caça e a provisão de madeira. (QUINTÃO, 1983)
Thomas cita trechos de um relatório escrito na década de 1830 sobre a relação
espiritual do homem com a natureza, mas com a indicação de que os animais haviam sido
criados para servir aos homens:
[...] Deus criou o boi e o cavalo para labutar a nosso serviço, disse o naturalista William Swainson; o cão para demonstrar lealdade afetuosa e as galinhas para exibir ‘perfeita satisfação em um estado de parcial confinamento’. O piolho era indispensável, explicava o reverendo Willian Kirby, porque fornecia poderoso incentivo aos hábitos de higiene. (1988, p. 24-25)
54
Outro autor que discorre sobre a natureza e o homem é Simon Schama em sua obra
“Paisagem e Memória”, de 1996. Ele propõe uma “escavação feita abaixo do nível de visão
convencional com a finalidade de recuperar os veios de mito e memória existentes sobre a
superfície” (SCHAMA, 1996, p. 25).
Antunes (2001, p. 322) afirma que a “primeira reserva natural foi estabelecida na
França, no ano de 1853, em Fointainebleau”, oficializada por decreto de 13 de agosto de
1861, tendo sido o ato consequência de um movimento organizado por um grupo de artistas e
intelectuais, cuja finalidade era a de preservação da mencionada área natural.
As teorias mais elaboradas no sentido de se estabelecer áreas protegidas tiveram como
marco a concepção desenvolvida nos Estados Unidos no século XIX que culminou com a
criação do primeiro Parque Nacional, Yellowstone National Park, em 1872, com grande
valorização da beleza cênica do local e com o objetivo de proporcionar benefício e lazer à
população. (MORSELLO, 2008, p. 27)
A preocupação inicial com a beleza cênica das áreas protegidas foi dando lugar a uma
importância cada vez maior para a preservação da natureza, conservação da biodiversidade e
com outros propósitos ligados à preocupação ecológica e também com o objetivo de fazer
frente ao processo de desenvolvimento desenfreado que causa a destruição e a transformação
dos ambientes naturais.
Pode-se verificar que a criação dos primeiros parques se dá na Europa (em países
como a Inglaterra) e nos Estados Unidos. O mesmo homem que destruiu e dominou a
natureza confina porções desta para protegê-la de seus próprios atos. A “consciência
ecológica” vai surgir no rastro de desastres ecológicos e do histórico de devastação.
Nos Estados Unidos, a criação do Parque Nacional de Yellowstone objetivava oferecer
atrativos para uso público, principalmente de caráter recreativo e turístico com exaltação da
beleza cênica, mas vetava a presença fixa do homem. Ratificam-se, então, os propósitos da
corrente preservacionista para a qual a natureza é concebida longe da presença humana
(wilderness - áreas selvagens não habitadas permanentemente).
Schama (1996) questiona o conceito ou crença de natureza selvagem, dando como
exemplo a criação de Yosemite Valley (1864) com o lugar de significado sagrado para o povo
americano, um verdadeiro Éden, uma natureza selvagem, sem máculas humanas:
55
É evidente que o próprio ato de identificar o local pressupõe nossa presença e, conosco, toda a pesada bagagem cultural que carregamos. (...) afinal a natureza selvagem não demarca a si mesma, não se nomeia. (...) Tampouco a natureza selvagem venera a si mesma. Foram necessárias visitas santificantes de pregadores da Nova Inglaterra (...) para representá-la como o parque sagrado do Oeste. (SCHAMA, 1996, p. 17)
Os idealizadores de Yosemite optaram por deixar o homem fora da sua área, “tanto as
companhias de mineração quanto os índios Ahwahneechee foram meticulosa e energicamente
expulsos do idílico cenário” (SCHAMA, 1996, p. 18).
Tal concepção de conservação da natureza é nominada in situ, mais difundida no
mundo, que propõe o estabelecimento de um sistema de áreas naturais protegidas. Segundo o
Manual de planificadón de sistemas nacionales de áreas silvestres protegidas en America
Latina, os Sistemas Nacionais de Áreas Naturais Protegidas são:
[...] un conjunto de espacios naturales protegidos, de relevante importância ecológica y social, pertenecientes a la nación, que ordenadamente relacionados entre si y através de su protección e manejo, contríbuyen al logro de determinados objetivos de conservación y, a su vez, al desarrollo sostenido de la nación. (MOORE & OMARZÁBAL, 1988, p. 2)
A criação de parques nacionais ou de outras áreas naturais protegidas é considerada
por Machlis & Tichnell (1985) um fenômeno global.
O pressuposto inicial que fundamentou a existência de áreas naturais protegidas foi o
da socialização do usufruto, por toda a população, das belezas cênicas existentes em
determinados territórios. Por exemplo, ao criar o Parque Nacional de Yellowstone, o
Departmento do Interior norte-americano determinava que a área protegida que se situava no
curso superior do rio Yellowstone seria:
[...] reservada y separada de la colonización, ocupación o venta bajo las leves de los Estados Unidos y dedicada y apartada para parque público o terrenos de recreo para el beneficio y disfrule del pueblo; y toda persona que se eslablezca u ocupe este parque o cualquiera de sus partes, excepto las posteriormente estipuladas, será considerada infractor y por tanto será desalojada del lugar. (AMEND, 1991, p. 3)
Yellowstone teve também sua história de conflito e derramamento de sangue. O
parque foi criado na área dos índios shoshones e a proteção tanto da natureza quanto dos
índios constava do plano original de criação do parque. No entanto, quando de sua efetiva
56
criação, os nativos eram vistos como “demônios vermelhos rastejantes”. Muitos foram
expulsos de forma velada e centenas de outros foram mortos em conflitos com as autoridades
locais. Anos depois, a administração do parque foi transferida para o exército americano.
(DIEGUES, 2004 e MORSELLO, 2008)
Vale dizer que antes da criação do Serviço Nacional de Parques, o Exército dos
EUA protegeu o espaço territorial criado, no período de 1886 a 1918, tendo instalado o Forte
Yellowstone, para essa finalidade 15.
Assim, o valor recreativo e a beleza cênica, pouco a pouco, deram lugar à conservação
de habitats e espécies, sendo este considerado atualmente como o principal objetivo de
criação de UCs. (MORSELLO, 2001)
O caso particular da criação do Parque Nacional de Yellowstone representou, nos
EUA, uma vitória dos presercionistas, dentre os quais o naturalista John Muir, na época seu
maior expoente.
Segundo pesquisa procedida na página do Serviço Nacional de Parques dos Estados
Unidos da América (EUA) na rede mundial de computadores 16, a história da presença
humana em Yellowstone remonta há cerca de 11 mil anos. Desse período até início do século
XIX, vários grupos de nativos americanos residiam no parque e utilizavam o espaço como
territórios de caça e rotas de transporte.
Yellowstone está localizado nos estados norte-americanos do Wyoming, Montana e
Idaho, situados no meio-norte e oeste dos EUA.
O nome do primeiro parque nacional dos Estados Unidos e do mundo foi dado pela
tribo Minnetaree que chamava o rio do seu interior de “Mitse a-da-zi,” que se traduz como
"Rock Yellow River" (Rio da Rocha Amarela). Em 1797, o geógrafo e explorador David
Thomson usou a versão em inglês Yellow Stone, a partir da qual, pela junção das duas
palavras, o rio passou a ser chamado e que, futuramente, daria nome ao parque:
Yellowstone.17
Segundo os propósitos da corrente nominada preservacionista, o conceito de
biodiversidade não contempla a presença humana (wilderness - áreas selvagens não habitadas
15 Disponível em <http://www.nps.gov/yell/historyculture>. Acesso em 06.07.2010 (tradução livre).
16 Ibidem. 17 Disponível em <http://www.nps.gov/yell/planyourvisit/upload/Yell257.pdf>. Acesso em 06.07.2010 (tradução livre).
57
permanentemente), sendo o naturalista John Muir, na época seu maior expoente. (DIEGUES,
2004).
Para os preservacionistas, as áreas virgens deveriam receber proteção total, sendo
permitidas em seu interior apenas as atividades de caráter recreativo ou recreacional.
(MCCORMICK, 1992)
Esse pressuposto, que estava no bojo das formas de percepção da sociedade urbana
perante a natureza, não era o único. Conservacionistas, com pressupostos diferentes, também
acreditavam ser possível a exploração dos recursos naturais do continente de forma racional e
sustentável. Seu maior representante foi Gifford Pinchot, para o qual a conservação deveria
se basear em três princípios: desenvolvimento (o uso dos recursos pela geração presente);
prevenção do desperdício; e o desenvolvimento dos recursos naturais para todos.
(MCCORMICK, 1992)
O aumento de áreas protegidas em todo o mundo – com um ciclo de criação nos anos
20 e 30 e com grande impulso a partir dos anos 50 – e o grande número de propósitos dessas
áreas provocaram a proliferação dos mais diversos tipos de “parques” e outras áreas
protegidas com grande diversificação de objetivos e significados. Em 1948, foi criada a
UICN (União Internacional para a conservação da Natureza) 18, que passou a desempenhar
um papel fundamental para o desenvolvimento da filosofia de áreas naturais protegidas,
atuando também no assessoramento para o planejamento e manejo dessas áreas em nível
mundial.
O conceito de preservação era bem distinto em países da Europa, como a Inglaterra,
onde imperava o conceito de criação de áreas naturais para pesquisa de fauna e flora. O
“Countryside Act” de 1949 amplia a conceituação e define parques como sendo áreas de
finalidades múltiplas que poderiam ser alteradas pela ocupação e expansão humanas. Em
função disso, a UICN passou a classificar os parques ingleses numa nova categoria de
manejo: paisagens protegidas.
Em 1962, a UICN realiza o Primeiro Congresso Mundial de Parques Nacionais, no
qual foram discutidos, de modo inaugural, critérios para classificação de espaços protegidos,
passando a fazer recomendações sobre as diversas terminologias e objetivos dos tipos de
unidades de conservação. (MORSELLO, 2001)
18 Órgão vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas), com o objetivo de obter cooperação internacional nas áreas de conservação da natureza.
58
Ainda nesse Primeiro Congresso, era latente a influência da concepção norte-
americana de parques com base no modelo “Yellowstone” de “parque sem gente”, tanto que
em 1964, quase um século após a criação de Yellowstone, o Wilderness Act, nos Estados
Unidos, ratifica que as unidades de conservação devem ser áreas onde o homem é apenas
visitante e não morador e onde a beleza natural é essencial para estimular os sentimentos de
enlevo do homem moderno.
Em 1972, é realizado o segundo Congresso Mundial, em Yellowstone, incentivando a
demarcação de novas unidades de conservação e a proteção absoluta dessas áreas de
preservação. (QUINTÃO, 1983)
O Terceiro Congresso Mundial de Parques Nacionais, em Bali, em 1982, destacou a
expansão do número de áreas protegidas no mundo e foi considerado como uma importante
estratégia para a conservação dos recursos naturais do planeta. Outrossim, apareceram
discussões sobre a utilização sustentável dos recursos da natureza, recomendando-se a
criação de áreas com a categoria de uso múltiplo e sustentável, assim como as decisões sobre
planejamento e manejo dos recursos naturais deveriam ser tomadas com as comunidades
residentes. (DIEGUES, 2004)
A quinta recomendação do Plano de Ação de Bali de Parques sugeriu "promover a
ligação entre a gestão da área protegida e desenvolvimento sustentável", pois
as pessoas que vivem dentro ou perto de áreas protegidas podem apoiar a sua gestão.
(SCHERL et al., 2004, p. 4)
Em 1992, em Caracas, ocorreu o Quarto Congresso Mundial de Parques Nacionais e
Áreas Protegidas, cujo título – Povos e Parques – ressaltou a importância de outras categorias
de UCs, além dos parques nacionais. Entre outras, as recomendações foram para que a gestão
de áreas protegidas fosse “realizada de uma maneira sensível às necessidades e preocupações
dos povos locais. (SCHERL et al., 2004, p. 5)
Ainda no Quarto Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, “as
comunidades, organizações não governamentais e instituições do setor privado foram
encorajadas a participar ativamente na implantação e gerenciamento de parques nacionais e
áreas protegidas.” (SCHERL et al., 2004, p. 5)
A necessidade de encontrar formas inovadoras e eficazes para a gestão das áreas
protegidas no âmbito do desenvolvimento sustentável e estratégias de redução da pobreza
59
foram os destaques do Quinto Congresso Mundial de Parques e Áreas Protegidas, realizado
em Durban, África do Sul, em setembro de 2003. (SCHERL et al., 2004, p. 5)
Assim, percebe-se que a dinâmica dos debates internacionais caminha em direção à
pacificação do uso sustentável dos recursos pelas comunidades locais, realidade ainda
diversa, pois sequer é possível manter tais populações no espaço em que vivem.
Similar ao modelo precursor no mundo, a ideologia “isolacionista” do homem em
relação à natureza foi adotada no Brasil, conforme se verifica pelo histórico dos parques
nacionais.
2.2 ANTECEDENTES DOS PARQUES NACIONAIS NO BRASIL
O Brasil apresenta, desde o início de sua história moderna, grandes conflitos entre a
forma de seu desenvolvimento e o uso e conservação da natureza.
Os recursos naturais eram utilizados de forma equilibrada por um grande número de
nações indígenas que habitavam as terras brasileiras, mas a partir da chegada dos portugueses
se iniciou a devastação do pau-brasil (Caesalpinia echinata) e logo a seguir uma grande
intensificação de abertura de áreas para o estabelecimento da cultura da cana-de-açúcar.
Essas atividades, concentradas na costa, causaram grandes devastações na floresta.
Com a descoberta do ouro em Minas Gerais e em outros locais longe da costa, iniciou-se a
ocupação do interior do país e as consequentes agressões ao ambiente natural nesses locais.
No início do século XIX, José Bonifácio de Andrada e Silva propôs a criação no
Brasil de um setor administrativo específico para as matas e bosques, similar ao concedido
aos setores de Obras Públicas, Mineração, Agricultura e Indústria. José Bonifácio declarava
sua preocupação com as matas, pois representavam “um grande livro, cujo segredo e riquezas
poderiam ser arrebatados pelo conhecimento científico.” (DIEGUES, 2004, p.112)
Em 14 de junho de 1937, é criado o primeiro Parque Nacional, em Itatiaia, no Rio de
Janeiro, por meio do Decreto n° 1.713, do Governo Getúlio Vargas, com o objetivo de
incentivar a pesquisa e o lazer para a população urbana. (QUINTÃO, 1983 apud DIEGUES,
2004)
Uma semelhança em relação a Yellowstone diz respeito ao fato de esses primeiros
parques nacionais brasileiros terem sido instalados em áreas onde havia concentração
60
populacional urbana e de atividades humanas, almejando uma tomada de consciência para
conservação de ecossistemas remanescentes, ao passo que, no caso dos parques norte-
americanos, havia uma concepção de “suposta intocabilidade humana” (considerando o
tratamento aos povos que habitavam).
Essa situação é percebida pela localização do Parque Nacional de Itatiaia, cujas terras
pertenciam a Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá, e foram adquiridas pela União
para a instalação de dois núcleos coloniais, que não foram bem sucedidos. 19
Como unidade de conservação, a história de Itatiaia é mais antiga: no período de 1920
a 1927, foi reserva florestal e de 1927 até sua criação, possuía o modelo de estação
biológica20.
A proposta de criação do Parque Nacional de Itatiaia surgiu ainda no século XIX
(1876) com André Rebouças, tendo como modelo os parques americanos, propondo a criação
de parques nacionais na Ilha do Bananal e em Sete Quedas, sendo que, em 1914, foram
criados por decreto os dois primeiros parques nacionais do país, no então território do Acre.
Essas iniciativas, porém, foram ignoradas em termos de gestão e mesmo em termos legais e
essas áreas nunca foram implementadas. (MEDEIROS, 2007)
Prevaleceu, no ideário de criação dos parques nacionais brasileiros, o conceito de
natureza que excluía o homem igualmente ao seu precursor norte-americano, Yellowstone; a
ideia de separar o natural do não natural estava presente em concepções preservacionistas
mundo afora e também no Brasil, por meio das políticas públicas. Como alerta Furlan (2000),
as políticas públicas brasileiras enxergam homens e natureza como opostos e formulam
estratégias de conservação reforçando essa separação.
Medeiros (2007) salienta que o Código Florestal de 1934, instituído pelo Decreto n°
23.793, de 23 de janeiro de 1934, tornou possível o estabelecimento de unidades de
conservação tal qual o modelo atual 21.
Pádua (2002) tece críticas aos procedimentos de criação das unidades de conservação
no Brasil, enfatizando a sua proliferação sem base técnica e, às vezes, sem necessidade.
19 Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br>. Acesso em 03.07.2010. 20 Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br>. Acesso em 03.07.2010. 21 Apesar de no Código Florestal de 1934 não existir as tipologias previstas na Lei nº. 9985/2000 (SNUC): unidade de proteção integral e unidade de uso sustentável (art. 7º.).
61
Em 1939, foram criados dois outros parques nacionais, o do Iguaçu22 e o da Serra dos
Órgãos23, ambos estabelecidos na Mata Atlântica, “já que era a área de maior visibilidade e
que apresentava, mesmo na década de 1930, nível crítico de devastação.” (DEAN, 1997,
apud MEDEIROS, 2007)
Após os três parques (Itatiaia, Iguaçu e Serra dos Órgãos), entre a década de 1940 e o
início do regime militar, diversos parques foram criados 24.
No Código Florestal promulgado em 1965 25, foram apenas duas as menções a parques nacionais:
Art. 26. Constituem contravenções penais, puníveis com três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário-mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cumulativamente: d) causar danos aos Parques Nacionais, Estaduais ou Municipais, bem como às Reservas Biológicas;
Art. 42. omissis § 2° Nos mapas e cartas oficiais serão obrigatoriamente assinalados os Parques e Florestas Públicas.
Sobre os dispositivos acima transcritos do Código Florestal emergem as seguintes
considerações: todos devem saber onde os parques estão situados (art. 42, § 2°), pois a ação
danosa (sem especificar qual) é uma contravenção (art. 26, “d”).
Quatorze anos depois do Código Florestal, foi editado o regulamento dos parques
nacionais 26, contendo o conceito, objetivos e outras disposições específicas sobre essas áreas
protegidas (tais como plano de manejo, vedação de introdução de espécies estranhas, dentre
outras):
CONCEITO: Art. 1º. § 1º. Para os efeitos deste Regulamento, consideram-se Parques Nacionais, as áreas geográficas extensas e
22 Dec. n° 1.035, de 10.01.39.
23 Dec. n° 1.822, de 30.11.39. 24 Dec. nº 25.865, de 24.11.48, cria o Parque Nacional de Paulo Afonso (BA); Dec. nº 45.954, de 30.04.59, cria o Parque Nacional de Ubirajara (CE); Dec. nº 47.446, de 17.12.1959, cria o Parque Nacional de Aparados da Serra (RS); Dec. nº 47.570, 31.12.59, cria Parque Nacional do Araguaia; Dec. nº 49.874, de 11.01.61, cria o Parque Nacional das Emas (GO); Dec. nº 49.875, de 11.1.1961, cria o Parque Nacional do Tocantins (GO), alterado posteriormente para Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Dec. nº 70.492, de 11.05.1972); Dec. nº 50.455, de 14.04.1961, cria o Parque Nacional do Xingu (MT); Dec. nº 50.646, de 24.5.1961, cria o Parque Nacional de Caparaó (MG/ES); Dec. nº 50.774, de 08.06.61, cria o Parque Nacional das Sete Cidades (PI); Dec. nº 50.922, de 06.07.61, cria o Parque Nacional de São Joaquim (SC); Dec. nº 50.923, de 06.07.61, cria o Parque Nacional do Rio de Janeiro (após alterado para Parque Nacional da Tijuca – Dec nº 60.183, de 08.02.67; Dec. nº 241, de 29.11.61, cria o Parque Nacional de Brasília (DF) e Dec. nº 242, de 29.11.61, cria o Parque Nacional do Monte Pascoal (BA). 25 Lei n° 4.771, de 15.09.1965. 26 Dec. n° 84.017, de 21.09.1979.
62
delimitadas, dotadas de atributos naturais excepcionais, objeto de preservação permanente, submetidas à condição de inalienabilidade e indisponibilidade no seu todo.
OBJETIVOS: Art. 1º. § 2º. Os Parques Nacionais destinam-se a fins científicos, culturais, educativos e recreativos e, criados e administrados pelo Governo Federal, constituem bens da União destinados ao uso comum do povo, cabendo às autoridades, motivadas pelas razões de sua criação, preservá-los e mantê-los intocáveis.
Apesar da “pretensa intocabilidade”, o próprio regulamento, indiretamente, reconhece
a existência de populações no interior dos parques nacionais:
Art 2º. Serão considerados Parques Nacionais as áreas que atendam às seguintes exigências: I – Possuam um ou mais ecossistemas totalmente inalterados ou parcialmente alterados pela ação do homem, nos quais as espécies vegetais e animais, os sítios geomorfológicos e os " habitats ", ofereçam interesse especial do ponto de vista científico, cultural, educativo e recreativo, ou onde existam paisagens naturais de grande valor cênico. (grifo nosso)
Na Amazônia, a criação dos parques nacionais foi inspirada na Teoria dos Refúgios27
proposta por Haffer, em 1969, segundo a qual a biodiversidade no Brasil, notadamente na
região amazônica, estaria associada às transformações climáticas que ocorreram durante e
depois das glaciações (principalmente no Pleistoceno28), período em que o continente sul-
americano teria passado de uma expansão da semi-aridez a uma posterior retropicalização.
No período de semiaridez, a caatinga teria sido a vegetação dominante, ao passo que
as florestas tropicais ficaram restritas a regiões isoladas entre si - daí a denominação
“refúgios” -, até se expandirem novamente durante a retropicalização.
Portanto, segundo essa teoria, a diversidade e a distribuição diferencial das espécies
animais e vegetais em florestas tropicais, hoje contínuas, poderiam ser explicadas pelas
amplas mudanças climáticas que teriam provocado alterações no sistema florestal, no espaço
total do que hoje é a Amazônia.
27 Segundo Moon (2010, p. 74), estudos publicados pela Revista Science, tentam demonstrar que “a biodiversidade amazônica não remonta ao término da idade do gelo. É muito anterior”, descontruindo a Teoria dos Refúgios, que era o modelo utilizado, até então, para explicar a origem da biodiversidade nas florestas tropicais. 28 Uma das fases do Período Terciário, o último do período glacial, durante o qual ocorreu profundas mudanças climáticas na Amazônia, e o clima ficou muito seco, transformando a região que era formada por florestas em savanas e cerrados, onde restaram algumas ilhas de vegetação florestal, denominados de refúgio de Pleistoceno. Com a volta das condições atuais, a floresta recobriu a savana, e essas ilhas foram uma das responsáveis pela atual diversidade biológica da Floresta Amazônica” ( BENATTI, 1997, p.5).
63
No período de semiaridez, as espécies permaneceram isoladas nos refúgios de
florestas tropicais, submetidas a pressões seletivas particulares e, portanto, a diferentes
processos de subespecialização. Assim sendo, descobrir a região original desses refúgios
poderia fornecer importantes subsídios para a compreensão da tropicalidade em políticas de
conservação ambiental. (AB’SÁBER, 1992)
Essa Teoria influenciou a opção do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF) para eleger as áreas de refúgios como prioridades de conservação da
natureza na Amazônia.
Durante o período militar, imperava a visão nacionalista de defesa do território que,
associada ao desenvolvimentismo tecnocrata, refletiu na política de meio ambiente com a
criação de mais parques nacionais29, mantendo-se o caráter centralizador e excludente, em
relação às populações tradicionais.
Segundo Moraes (1997, p.13), “a apropriação de novos lugares, com suas populações,
riquezas e recursos naturais, era o móvel básico da colonização. Isso imprime uma marca na
sociedade gestada na colônia”, que tinha na conquista territorial um forte elemento de
identidade.”
A prática de ignorar os direitos tradicionais com a criação de novas unidades de
conservação tem sido “denominada ‘ecolonialismo’, devido à sua semelhança com os abusos
históricos dos direitos dos nativos praticados por forças colonialistas de épocas passadas”.
(COX E ELMQVIST, 1993 apud PRIMACK E RODRIGUES, 2001)
Assim, sob a ótica que comanda o processo de instalação do colonizador, “se expressa
num padrão extensivo (do ponto de vista do espaço) e intensivo (do ponto de vista dos
recursos naturais) de uso do solo. Nesse quadro, as populações são vistas como apenas um
meio de se retirar a riqueza natural”. (MORAES, 1997, p.13)
Moraes (1997) destaca ainda que construir o país é uma ideia recorrente na história,
cujo pressuposto foi a ocupação dos imensos espaços ou fundos territoriais não explorados,
alimentando os projetos nacionais de integração, que perpassam o imaginário dos
29 Dec. nº 68.172, de 4.2.1971, cria o Parque Nacional da Serra da Bocaina (RJ/SP); Dec. nº 70.355, de 3.4.1972, cria o Parque Nacional da Serra da Canastra (MG); Dec. nº 73.683, de 19.2.1974, cria o Parque Nacional da Amazônia (AM/PA); Decreto nº 83.548, de 05.06.79, cria o Parque Nacional da Capivara (PI); Dec. nº 83.550, de 5.6.1979, cria o Parque Nacional do Pico da Neblina (AM); Dec. nº 84.019, de 21.09.79, cria o Parque Nacional Pacaás-Novos (RO); Dec. nº 84.913, de 15.07.80, cria o Parque Nacional Cabo Orange (AP); Dec. nº 86.392, de 24.09.81, cria o Parque Nacional Pantanal Mato-Grossense.
64
governantes brasileiros até hoje se alterando, evidentemente, os objetivos e focos dos planos
estratégicos de integração:
[...] a formação do Estado do Brasil vai estar continuamente marcada por uma forte orientação de cunho geopolítico: garantir a soberania e a integridade dos fundos territoriais será sempre sua missão básica. Daí um aparelho de Estado construído tendo por referência o domínio do território e não o bem-estar do povo. Isso se ilustra numa máxima que atravessa a ação estatal ao longo de nossa história: tutela do povo em nome da integridade do espaço. (MORAES, 1997, p. 15)
Diegues & Arruda (2001) criticam o modelo norte-americano de preservação
ambiental centrado nas áreas protegidas de uso indireto, que tem no Parque Yellowstone sua
maior expressão.
Ainda conforme os autores, a importação desse tipo de áreas protegidas, no início do
século XX, pela África, Ásia e América Latina, sofreu resistências das populações locais. Por
ser um modelo originariamente norte-americano, esse tipo de conservação não se enquadrou
a outras realidades de países com distintas formas de ocupação, como é o caso do Brasil.
(DIEGUES E ARRUDA, 2001)
Dessa forma, o contexto dos espaços territorialmente protegidos apresenta similar
peculiaridade. São modelos operacionais importados, em que não há previsão, mais até é
restrita a presença do homem no interior da área, mesmo as populações que habitavam antes
da criação dessas unidades.
Nesse contexto e com base nesse modelo foi criado o Parque Nacional do Jaú.
2.3 ANTECEDENTES DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
Evans & Meggers (1965, p. 64) informam que possivelmente “o homem penetrou no
Novo Mundo através do Estreito de Bering, há cerca de 40.000 anos. Por volta de 12.000
anos passados, senão antes, os imigrantes chegaram ao extremo sul da América.”
Neves (2006, p. 23) acentua que “datas ao redor de 9200 a.C. foram obtidas na
escavação da Pedra Pintada, uma gruta localizada no atual município de Monte Alegre, no
Pará”.
De qualquer modo, diferentes partes da Amazônia já eram ocupadas em torno de 7000
a.C. (NEVES, 2006, p. 24)
65
No caso do PARNA-Jaú, os registros que se têm da presença humana na região
também são confirmados pelos achados arqueológicos na área.
Conforme Barretto Filho (2001, p. 215-6), Michael Heckenberger, diretor do Projeto
Arqueológico da Amazônia Central, coordenou em setembro de 1996 um levantamento
arqueológico preliminar nos arredores da confluência do Rio Jaú com o Rio Negro, nos
marcos da elaboração do Plano de Manejo do PNJ e, naquela ocasião, em pouco menos de
uma semana de trabalho, identificou 16 sítios arqueológicos:
[...] Alguns dos fragmentos de cerâmica encontrados estão provavelmente afiliados à fase Itacoatiara, enquanto que outros, decorados, estariam associados à Tradição Policroma Amazônica, especificamente à sub-tradição Guarita. A equipe também reconheceu, como em outras partes da Amazônia, uma correlação entre a presença de terra preta e restos arqueológicos. (BARRETTO FILHO, 2001, p. 216)
Tais achados pertencem aos chamados paleoíndios, antecessores dos atuais povos
indígenas. (MEGGERS, 1987, p. 64)
Segundo Souza & Machado (1998, p. 39), “nações de milhares de habitantes, como a
brava nação Muhra, viviam na boca do rio Negro, dominando as várzeas férteis e os corpos
de terra firme que se estendem entre a margem esquerda, a campina de Manacapuru e o vale
do Jaú.”
Benchimol (1977) menciona que os índios que iniciaram a ocupação humana e os seus
descendentes desenvolveram as suas matrizes histórico-culturais em íntimo contato com o
ambiente físico, adaptando-se às peculiaridades regionais e oportunidades econômicas
oferecidas pela floresta, pela várzea e pelo rio, deles retirando os recursos materiais de sua
subsistência.
A paisagem do PARNA–Jaú é emblemática na evolução dos rios amazônicos, desde o
período do plioceno 30. (SOUZA & MACHADO, 1998, p. 33)
Conforme Souza & Machado (1998, p. 33), “quase toda a Amazônia é formada por
processos geológicos do quaternário 31, possuindo:
[...] Regiões de depressão como o médio rio Negro estão cobertas por sedimentos originados especialmente no pleistoceno. A malha de rios serpenteantes, a hesitação dos leitos e sua drenagem das águas fazem dessa parte
30 Término do período Terciário Superior, com duração em torno de seis milhões de anos. É nesse período que surgem os Hominídeos. (SOUZA, 1977, p. 101) 31 É a última grande divisão do tempo geológico. Embora não exista concordância geral, é considerado ter-se iniciado há aproximadamente 2 milhões de anos, estendendo-se até o presente. (GUERRA et al., 2009, p. 241)
66
central de nítidas características geológicas. Partes de seus portentos e de sua beleza vem da formação que remonta os tempos glaciais.
O vale principal do rio Amazonas, onde está localizado o rio Jaú, encontra-se no
ponto central da América do Sul, que “compreende uma área erodida formada durante a era
glacial wurmiana 32, que fez baixar o nível dos mares, há 18.000 anos, com os mares a 130
metros abaixo do seu nível, as áreas de drenagem do rio Amazonas foram atingidas,
formando um imenso lago interior” (SOUZA & MACHADO, 1998, p. 34).
O Parque Nacional do Jaú, no entanto, segundo Souza & Machado (1998, p. 32),
“nunca sofreu as consequências dos ciclos econômicos que determinam a ocupação do vale
do Rio Negro, pois sempre foi uma área de passagem e refúgio temporário”.
O PARNA-Jaú foi criado durante o período do regime militar, período no qual o
Estado, através dos Planos Nacionais de Desenvolvimento I e II (PND I e II) e, mais
especificamente, o POLAMAZÔNIA33 determinava duas iniciativas aparentemente
antagônicas para fomentar o seu povoamento: a do desenvolvimento e a da conservação.
Assim, o parque surgiu nos interstícios de locais onde havia projetos
desenvolvimentistas, tais como a modernização do setor florestal e a expansão e
modernização da fronteira agrícola na região amazônica. Em um local que, segundo relatório
dos ecólogos (SCHUBART et al., 1977 apud BARRETTO FILHO, 2001) que fizeram a
primeira expedição à área com vistas à definição de uma área protegida, “era praticamente
inabitado – o que mais tarde evidenciou-se ao contrário”.
A importância do ecossistema da região do PARNA-Jaú possuía, à época que
antecedeu sua criação, defensores de lados opostos: uns defendiam a grande presença de
endemismo do local (WETTERBERG et al., 1976, apud BARRETTO FILHO, 2001),
baseados na teoria de refúgios do pleistoceno, enquanto outros alegavam a inexistência de
importância endêmica na região (FORESTA, 1991, apud BARRETTO FILHO, 2001).
Atualmente essa discussão já não é mais polemizada nesses termos: fez-se inquestionável o
fato de que é importante conservar o PARNA-Jaú.
De acordo com o Plano de Uso Público do Parque Nacional do Jaú (AUBRETON,
2002), “no ano de 1977, uma expedição realizada pelos alunos do curso de pós-graduação em
32 Relativo a würm: quarta e última glaciação do Pleistoceno. (SOUZA,1977, p. 137). 33 Programa e Polos Agropecuários e Minerais da Amazônia, criado pelo Decreto n° 74.67, de 25 de setembro de 1975.
67
Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) produziu um relatório que
deu impulso à criação do PARNA-Jaú”.
Com base nesses estudos, foi proposta, em 1979, a criação de uma Reserva Biológica
(REBIO), em seguida, transformada em Parque Nacional, devido às restrições das REBIO à
visitação pública. O PARNA-Jaú foi, então, criado em 1980.
2.4 CARACTERIZAÇÃO E FUNDAMENTO LEGAL DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
O PARNA-Jaú situa-se no Estado do Amazonas, aproximadamente 200km ao
noroeste de Manaus e possui 2.272.000 hectares de áreas pertencentes aos municípios de
Novo Airão e Barcelos. É o segundo parque do país em extensão e uma das maiores reservas
de floresta tropical úmida e intacta do mundo, com área maior que o Estado de Israel 34, e
somente é menor em extensão do que o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque,
no Amapá, com 3.867.000 hectares 35.
No Amazonas, “o rio comanda a vida”, verdade inexorável, no lapidar título da obra
de Tocantins (2000), e dos cursos d’água o homem amazônico obtém seu sustento e sua
sobrevivência.
Para o homem amazônico, para o ribeirinho, consoante Thiago de Mello (2005, p.27),
“na sua casa, na sua comida, no seu trabalho de cada dia, o regime das águas é um elemento
constante no trabalho de cada dia”, salientando que também são ciclos econômicos.
Para o homem amazônico, as condições de trabalho são inseparáveis das águas
(WITKOSKI, 2010, p. 33).
Várias localidades amazônicas e vários cursos d’água têm seus nomes associados a
peixes, por exemplo, a comunidade objeto desta dissertação reside em uma unidade de
conservação (UC) de proteção integral, o Parque Nacional do Jaú (PARNA-Jaú também
designado por PNJ).
34 No Almanaque Abril (2001, p. 99) consta que a área de Israel é de 2.070.000ha.
35 Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br>. Acesso em: 15.06.2010.
68
O parque tem o mesmo nome — de origem tupi (ya´ú) — do rio que banha a região e
de um enorme peixe que vive em suas águas, um dos maiores peixes brasileiros, o jaú
(Paulicea luetkeni).
Uma das peculiaridades mais marcantes do PARNA-Jaú é o fato de proteger
totalmente a bacia de um rio extenso (o Rio Jaú, possuindo cerca de 450 km), um ecossistema
de águas escuras 36.
Além do Parque Nacional do Jaú, instituído pelo Decreto nº 85.200, de 24 de
setembro de 1980, existem outros seis parques nacionais no Amazonas: Parque Nacional do
Pico da Neblina37, Parque Nacional Nascentes do Lago Jari38, Parque Nacional de
Anavilhanas39, Parque Nacional da Amazônia40, Parque Nacional do Juruena41 e Parque
Nacional Campos Amazônicos42, salientando que apenas o Jaú e os três primeiros encontram-
se exclusivamente no Estado.
Criado pelo Decreto nº. 85.200/1980, o PARNA-Jaú abarca praticamente toda a bacia
hidrográfica do rio Jaú na sua área principal. Os seus limites principais estabelecidos pelo
decreto são os que se seguem, conforme a figura a seguir:
Art 1º É criado, no estado do amazonas, na bacia do rio jaú, com área estimada de 2.272.000 hectares (dois milhões duzentos e setenta e dois mil hectares), o Parque Nacional do Jaú, subordinado ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF, autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, compreendido dentro do seguinte perímetro: o ponto inicial é a confluência do Rio Jaú com o Rio Negro e a partir deste sobe pela margem direita do Rio Jaú até a foz do Rio Carabinani e continua por este, em sua margem direita até a sua nascente principal, seguindo os divisores de águas deste rio com o Igarapé Açú, do Rio Jaú com o Rio Cunauaru, Igarapé Timbó Titicá e Igarapé Sebastião; continuando pelo Igarapé Maruim e posteriormente pela margem esquerda do Rio Pauini e Rio Unini, indo desembocar novamente no Rio Negro, e pela margem esquerda deste último rio até o ponto inicial desta descrição.
36 Benchimol (1977, p. 526) salienta que os rios de água preta (o Negro, o Jaú, dentre outros), são caracterizados por estabilidade relativa de seus leitos; pequena incidência de erosão fluvial; encostas íngremes e altas falésias marginais; solos arenosos e areno-argilosos do platô terciário; ácidos e fortemente laterizados, ausência de sedimentos e argilas em suspensão em suas águas; presença de ácido húmico, responsável pela cor preta de suas margens; pobreza de sais minerais, escassez de peixes, animais, insetos e plantas aquáticas e submersas, denominados “rios da fome”. 37 Decreto nº 83.550, de 05.06.1979 (localizado no Município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas). 38 Decreto s/nº, de 05.05.2008 (localizado nos Municípios de Tapauá e Beruri, ambos no Amazonas). 39 Lei nº 11.799, de 29 de outubro de 2008 (localizado no Município de Novo Airão, Amazonas). 40 Decreto nº 73.683, de 19.02.1974 (localizado em áreas dos Estados do Amazonas e Pará). 41 Decreto s/nº, de 05.06.2006 (localizado em áreas dos Estados do Amazonas e de Mato Grosso). 42 Decreto s/nº, de 21.06.2006 (localizado em áreas dos Estados do Amazonas e de Rondônia).
69
Figura 1. Mapa com a localização do PARNA-Jaú.
Fonte: Borges et al (2004, p.5). Fazendo comparação com um Estado da Federação, segundo Barretto Filho (2005, p.
45), o PARNA-Jaú é um Estado de Sergipe dentro do Amazonas.
Das UC existentes no Brasil, o Parque Nacional da Serra da Capivara, o Parque
Nacional do Iguaçu e o Parque Nacional do Jaú são sítios do Patrimônio Natural Mundial da
UNESCO 43.
No PARNA-Jaú existem ambientes representativos dos ecossistemas amazônicos,
com “uma das unidades de conservação mais representativas de bacias de águas pretas na
Amazônia central: florestas de terra firma, florestas de igapó, campinarana, campinas,
capoeira e campos alagáveis, além dos ambientes aquáticos (rios, igarapés e lagos).” (FVA,
1998, p.30)
O acesso ao PARNA-Jaú, partindo de Manaus, ocorre por via fluvial, pelo Rio Negro
ou pela Rodovia AM–070, que liga Manaus aos Municípios de Iranduba e Manacapuru,
distando cerca de 70 km. Partindo de Manacapuru, há a Rodovia AM-352 que alcança o
43 Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/patrimnoniocultural/bensdobrasilnalistadopatrimoniomundial>. Acesso em 15.06.2010.
70
Município de Novo Airão, 98 km depois. A partir de Novo Airão, o acesso somente ocorre
por via fluvial.
O PARNA-Jaú também integra o Mosaico do Baixo Rio Negro, que alcança 11 áreas
protegidas 44, conforme a figura a seguir apresentada:
Figura 2. Mapa com o Mosaico do Baixo Rio Negro
Fonte: Fundação Vitória Amazônica (2010), s.n.
O PARNA-Jaú, junto com outras áreas, compõe o Corredor Central da Amazônia,
através do Projeto Corredores Ecológicos 45, que é um componente do Programa Piloto para a
Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras – PPG 7. O Projeto “tem como principal objetivo
a conservação in situ da diversidade biológica das florestas tropicais do Brasil, por meio da
44 Além do PARNA-Jaú, fazem parte do mosaico do Baixo Rio Negro: RESEx Unini, Parque Estadual Rio Negro Setor Sul; Parque Estadual Rio Negro Setor Norte; APA Margem Direita do Rio Negro; APA Margem Esquerda do Rio Negro; Estação Ecológica de Anavilhanas; Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé; APA M.E Tarumã Açu-Tarumã Mirim. 45 Os corredores ecológicos são porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais (art. 2°, XIX, da Lei nº. 9.985/00).
71
interação de UCs públicas e privadas em ‘corredores ecológicos’ selecionados”. Segundo o
disposto no site da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas:
[...]este projeto apresenta uma nova estratégia de conservação da biodiversidade, indo além do paradigma das ‘ilhas biológicas’ constituídas pelas unidades de conservação, para propor o manejo integrado de grandes extensões de terra mediante o uso gradativo de seus recursos, desde a conservação estrita até o aproveitamento sustentado. 46
Por fim, o PARNA-Jaú também faz parte da Reserva da Biosfera 47 da Amazônia
Central, que é o principal instrumento do Programa MaB (Man and Biosphere), também da
UNESCO, que busca aprofundar os conhecimentos para a conservação dos Patrimônios
Natural e Cultural, visando à promoção do desenvolvimento sustentável nas biorregiões
constitutivas do planeta.
Essa sobreposição de reconhecimentos vindos de diversas instâncias, além de traduzir
a importância biológica da área, constitui uma situação bastante intrigante do ponto de vista
político, pois se trata de intervenções de entidades internacionais (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, e Programa Piloto para Proteção
das Florestas Tropicais do Brasil, PPG7) em assuntos de gestão ambiental e cultural
localizados num determinado Estado, país, municípios, nações (indígenas).
Concernente à titularidade da terra, a maior parte da área é formada por terras
devolutas do Estado do Amazonas. Sob domínio privado, há cerca de 40 mil hectares, que
representam 1,76% da extensão do parque. Na época do recadastramento realizado pela
Fundação Vitória Amazônica (FVA), em 1996, havia 886 pessoas distribuídas em 143
famílias na região. Esses moradores desenvolvem atividades de pesca, extrativismo e
agricultura de subsistência e detêm a posse de pequenas parcelas de terra às margens do Rio
Jaú, cuja extensão e bacia estão totalmente inseridas no parque, e nas margens do Rio Unini,
limite norte da área. (FVA/IBAMA, 1998)
Dada a complexidade da floresta amazônica e as incontáveis possibilidades de se
adentrar ou abordar sua ecologia e seus ecossistemas, o veredicto final sobre a importância ou
46 Disponível em: <http://www.sds.am.gov.br/programas_02.php?cod=1153>. Acesso em: 10.07.2010. 47 A Reserva da Biosfera é um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, que tem por objetivos básicos a preservação da biodiversidade e o desenvolvimento das atividades de pesquisa científica, para aprofundar o conhecimento dessa diversidade biológica, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações (Art. 41, da Lei nº. 9.985/00).
72
não de se preservar uma determinada área possivelmente é muito abrangente em face da
escolha dos dados ou abordagem a serem utilizados.
O fato do PARNA-Jaú contar com cinco diferentes mecanismos 48 para fortalecer a
conservação da sua biodiversidade até agora não resultou em nenhuma ação concreta para
solucionar sua situação fundiária. De fato, as concepções de como a biodiversidade deve ser
protegida de cada uma destas instâncias varia um pouco, e a sobreposição destes diversos
mecanismos jurídicos e políticos, nacionais, regionais e internacionais talvez contribuam para
complexificar a implantação do PARNA-Jaú nos termos previstos pelo SNUC.
Há uma distinção metodológica referente ao grupo de atores relacionados ao PARNA-
Jaú. São eles: os ex-moradores e os moradores. Ambos apresentam especificidades e
diferenciações e também semelhanças entre si, de modo que, rigorosamente falando, muitos
poderiam ser classificados tanto como ex-moradores, quanto como moradores.
De qualquer modo, o foco da presente dissertação é dirigido aos moradores do parque,
embora as mobilizações de ambos os grupos têm ou podem ter efeitos claros sobre o outro
grupo, como no caso da Ação Civil Pública (APC) dos ex-moradores, que foi vinculada à
criação da RESEX Unini, pleiteada pelos atuais moradores.
Inicialmente, a ideia da FVA (antes da Lei do SNUC ser aprovada) era de que a
população residente na região pudesse permanecer na área, apesar da instituição do parque.
(FVA, 1998, p.30)
Se o Projeto de Lei n° 2.282/92, referente ao SNUC, tivesse sido sancionado
integralmente, isso seria permitido, pois, de acordo com ele, uma UC de proteção integral que
tivesse sido criada anteriormente à promulgação do SNUC e tivesse áreas ocupadas por
populações tradicionais, poderia ter sua tipologia modificada, em sua parte ocupada por estas
populações, como Reserva Extrativista ou Reserva Ecológico-Cultural. A FVA coloca
explicitamente essa intenção no seu livro A Gênese de um Plano de Manejo49: o caso do
Parque Nacional do Jaú. (FVA, 1998, p. 99).
48 1) Parque Nacional; 2) Sítio do Patrimônio Natural Mundial da UNESCO; 3) Reserva da Biosfera; 4) Mosaico do Baixo Rio Negro e 5) Projeto Corredores Ecológicos. 49 Plano de manejo é o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (Art. 2°, § 17°, Lei 9.985/00).
73
Assim sendo, conforme a Mensagem Presidencial n° 967, de 18 de julho de 2000,
coube veto ao art. 56 e seus incisos, sendo o inciso I, por contrariar o interesse público e o
inciso II, por afrontar a Constituição Federal.
Consideram-se como moradores do PARNA-Jaú as pessoas que vivem no parque,
mesmo que: 1) tenham casa construída na cidade, como um investimento ou precaução com
relação ao momento que terão que deixar o parque; 2) tenham parte da família morando na
cidade para dar seguimento à educação formal dos filhos; 3) passem temporadas na cidade
visitando parentes, vendendo e comprando mercadoria ou trabalhando em algum emprego
temporário; 4) passem um tempo na cidade por motivos de saúde.
Com a promulgação da Lei do SNUC, a presença de agrupamentos humanos não era
mais autorizada nos espaços territoriais protegidos dos parques nacionais:
Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Após a promulgação da Lei do SNUC, não houve a previsão da possibilidade de
alteração da classificação da unidade de conservação, pelo fato de o art. 56 e incisos do
Projeto de Lei n° 27/1999 terem sido vetados pelo Presidente da República 50.
Estas as razões do veto:
"O inciso I do art. 56, ao obrigar o Poder Público a promover o reassentamento de populações tradicionais, estabelecendo, inclusive, o prazo de cinco anos para tanto, aborda matéria alheia ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O reassentamento de populações é matéria relativa à política fundiária do Governo Federal, não se admitindo que esta lei venha a abordar tema tão díspar à problemática relativa às unidades de conservação. Ademais, tornar obrigatório o reassentamento de populações presentes no interior de unidades de conservação já existentes pode suscitar a ocupação irregular dessas áreas. O inciso II do art. 56 também merece veto. Ao determinar a reclassificação das unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral pelo Poder Público, esse dispositivo autoriza o Poder Executivo
50 Esse era o texto (vetado) do projeto de lei: Art. 56. A presença de população tradicional em uma unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral criada em função de legislação anterior obriga o Poder Público, no prazo de cinco anos a partir da vigência desta Lei, prorrogável por igual período, a adotar uma das seguintes medidas: I - reassentar a população tradicional, nos termos do art. 42 desta Lei; ou II - reclassificar a área ocupada pela população tradicional em Reserva Extrativista ou Reserva de Desenvolvimento Sustentável, conforme o disposto em regulamento.
74
a tornar menos restritiva a proteção dispensada à área. Dessa forma, contraria o art. 225, § 1o, inciso III, da Constituição Federal, que determina que somente lei poderá alterar os espaços territoriais especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Assim, volta-se a uma discussão que perdura desde a concepção do primeiro parque
nacional no mundo, com a exclusão de populações do interior desses “espaços protegidos”,
aspecto que, em relação ao PARNA-Jaú, tem sido atenuado pela “gestão compartilhada”
dessa “área protegida”, envolvendo outros atores além dos agentes estatais.
2.5 A GESTÃO DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
O órgão gestor do PARNA-Jaú foi, a princípio, o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), conforme o art.3º do Decreto nº 85.200/80, tendo
instalado uma base flutuante na foz do rio Jaú e iniciou sua atuação no local meses depois do
decreto acima.
Em 1989, o IBDF foi extinto por intermédio da Medida Provisória n° 28/89
(convertida na Lei n° 7.732/89) e, em seguida, a MP n° 34/89 (convertida na Lei nº 7.735/89)
extinguiu a SEMA e a SUDEPE, criando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
O IBAMA era vinculado ao Mistério do Interior e foi formado pela união de outros
órgãos que desempenhavam atividades bem diferentes. Eram eles os mesmos extintos pelas
leis citadas: a SUDHEVEA, o IBDF, a SEMA e a SUDEPE. A administração do IBAMA
cabia a um presidente e cinco diretores, nomeados pelo Presidente da República. Foram
transferidos ao IBAMA a competência e os mesmos direitos e obrigações que antes eram
conferidos aos órgãos que se fundiram para formá-lo.
Em 1990, foi criada a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República –
SEMAM, da qual o IBAMA era o órgão gestor da questão ambiental.
O IBAMA era o gestor da questão ambiental, responsável por formular, coordenar,
executar e fazer executar a Política Nacional do Meio Ambiente e da preservação,
conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis,
até o advento da Medida Provisória n° 366, de 26 de abril de 2007, quando a gestão das
75
unidades de conservação federais de proteção integral e de uso sustentável foi transferida ao
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Na mesma data em que foi apresentada a Medida Provisória n° 366/2007, foi editado
o Decreto nº 6.100, de 26 de abril de 2007, que aprovou a estrutura regimental do ICMBio e
criou os cargos em comissão e funções gratificadas para o referido órgão.
Na exposição de motivos para a criação do ICMBio, a então Ministra Marina Silva,
declara que o objetivo básico da criação dessa novel autarquia federal é:
[...] promover maior eficiência e eficácia na execução de ações da política nacional de unidades de conservação da natureza e proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União, bem como na execução das políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis, apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União. Ademais, caberá ao Instituto Chico Mendes fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade, de acordo com as diretrizes proferidas pelo Ministério do Meio Ambiente. 51
No mesmo documento acima mencionado, a atuação do IBAMA seria reservada para
[...] execução das políticas nacionais de meio ambiente relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente. 52
A mencionada medida provisória (nº 366/2007) foi convertida na Lei nº 11.516, de 28
de agosto de 2007 53, mantendo-se a vinculação do ICMBio ao Ministério do Meio Ambiente,
estabelecendo que cabe ao referido órgão
[...] a execução da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União (Art. 1o , inciso I).
51 Exposição de Motivos Interministerial Nº 23/MMA/MP/2007, de 25.04.2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Exm/EMI-23-MMA-MP.htm>. Acesso em: 09.05.2010. 52 Ibidem.
53 Após a prorrogação da vigência da Medida Provisória nº 366, de 26 de abril de 2007, por 60 dias, a partir de 26 de junho de 2007, nos termos do § 7º do art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, conforme Ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n. 40, de 18 de junho de 2007.
76
É um dos objetivos do ICMBio o apoio ao extrativismo e às populações tradicionais
apenas nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União (Art. 1o , inciso
II).
Coube-lhe ainda o exercício do poder de polícia ambiental para a proteção das UC
instituídas pela União (Art. 1o , inciso IV).
O ICMBio é responsável pela gestão das unidades de conservação distribuídas em
todo o território nacional, no total de 290, abrangendo, aproximadamente, 8% do Brasil,
sendo 126 UC de proteção integral, e desse grupo, perfazendo 4% do território, 62 parques
nacionais.
A organização não governamental (ONG) Fundação Vitória-Amazônica (FVA),
criada em 19 de janeiro de 1990, começou a sua atuação no PARNA-Jaú, por intermédio de
um levantamento socioeconômico por amostragem. A partir dele, em 1992, planejou-se uma
expedição multidisciplinar à unidade, que contou com membros da ONG, técnicos do
IBAMA e pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que resultaria no “Plano de Ação para a
Consolidação do Parque Nacional do Jaú, que objetivava servir de orientação à autarquia
gestora” (FVA/IBAMA, 1998, p. 7).
Em 1992, a FVA redigiu o “Censo e Levantamento Socioeconômico dos Moradores
do PARNA- Jaú”, em parceria com pesquisadores do INPA, da Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), cuja elaboração
estava prevista no plano de ação.
Em 1993, a ONG reuniu numa expedição o grupo de pesquisadores multidisciplinares
que trabalhariam no parque, nos três anos posteriores, e cujos estudos embasariam o Plano de
Manejo. (FVA/IBAMA, 1998, p. 7-8)
Ainda no ano de 1993, a FVA e o IBAMA oficializaram um termo de cooperação
técnica 54, que resultou no Plano de Manejo do parque, concluído em 1998. (FVA/IBAMA,
1998, p. 7)
54 A Fundação Vitória Amazônica, desde 1993 tem trabalhado em conjunto com o IBAMA através de um termo de cogestão com o IBAMA, sob o n° 39/93, e a partir daí por Termos de Cooperação Técnica que vêm sendo periodicamente renovados (FVA, 1998). O mais recente, e atual, foi o Acordo de Cooperação Técnica nº 07/2010, agora firmado com o ICMBio, assinado em 12.11.2010, cujo objeto é a elaboração e a execução de atividades relacionadas à conservação ambiental e o desenvolvimento da pesquisa cientifica no PARNA-Jaú e RESEx-Unini, documento cujo extrato foi publicado no Diário Oficial da União em 06.12.2010.
77
Granziera (2009, p. 378) estatui que “a responsabilidade pela gestão das Unidades de
Conservação é dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA)”,
ou seja, a Administração Pública federal, estadual e municipal, cujos órgãos e entidades
detenham competência para tanto.
No começo de 1995, o “Plano de Ação Emergencial” foi aprovado, embasando-se em
discussões entre membros do IBAMA, da FVA, representantes dos moradores e de outras
instituições. A ONG participou de reuniões com o IBAMA, pesquisadores e residentes, como
a “I Reunião sobre Manejo e Conservação de Bichos de Casco (quelônios)”, em 1995,
oportunidade em que:
[...] estiveram presentes mais de 150 pessoas, a maioria moradores do Parque, além da secretária de Educação do município de Barcelos, um representante da prefeitura de Novo Airão, o superintendente estadual, o chefe do Núcleo de Unidades de Conservação e a equipe de educação ambiental do IBAMA, uma equipe de pesquisadores e consultores da FVA e do INPA. Essa reunião repassou os resultados da pesquisa sobre quelônios e envolveu os moradores no manejo deles dentro do PNJ. As propostas sugeridas para discussão foram: o zoneamento de lagos e de praias, a defesa de espécies ameaçadas ou de distribuição restrita e o monitoramento da produção, comercialização e proteção. (FVA/IBAMA, 1998, p. 8)
O texto do “Plano de Ação Emergencial” elencou ainda a ocorrência prévia ao Plano
de Manejo de outras atividades que denominou de socioeducativas junto aos moradores,
possibilitando mapear o uso de recursos naturais da unidade e combinar conhecimentos
classificados como tradicionais e científicos, indicando o envolvimento dos moradores.
Tal situação traduz-se no princípio da participação o qual informa o Direito
Ambiental que “evidenciaria o diálogo entre todos os envolvidos: cogestores, pesquisadores,
moradores, representantes dos órgãos oficiais de conservação e prefeituras”, e objetivaria
“alcançar o consenso mínimo necessário para uma gestão eficiente da unidade”.
(FVA/IBAMA, 1998, p. 8-9)
Resultante de um processo de construção que envolveu comunitários, IBAMA e
pesquisadores, o plano de manejo desemboca no termo de compromisso para assegurar a
permanência da comunidade tradicional no Parque Nacional do Jaú que representa um
avanço nas relações entre o IBAMA e os comunitários da área, ao pactuar o compromisso e a
responsabilidade dos envolvidos no uso e proteção dos recursos naturais.
78
2.6 A POPULAÇÃO TRADICIONAL DO PARQUE NACIONAL DO JAÚ
Apesar da presente dissertação estar voltada para um instrumento jurídico, que será
doravante apresentado, com base na conclusão de MALINOWSKI (1978, p.34), claro está
que para “exercer a tarefa de estudar o homem deve-se estudar o domínio que a vida exerce
sobre ele”, razão pela qual não se pode deixar de fazer a inter-relação homem-natureza,
inclusive no prisma histórico.
Serão apresentadas evidências históricas da presença do homem branco 55, do negro e
povos ancestrais índios na área do PARNA-Jaú, salientado que no referido espaço territorial
não há terra indígena, como área juridicamente protegida.
Os territórios em que vivem as comunidades tradicionais contam fragmentos de sua
memória sobre o passado vivido “no sítio”, do seu presente sofrido e de um futuro incerto.
Como muito bem alertado por Toledo (1988 apud PRIMACK E RODRIGUES, 2001, p.282),
não há como resguardar a herança natural de um país, sem que seja dado valor equivalente
para a herança cultural:
É difícil planejar uma política de conservação em um país que é caracterizado pela diversidade cultural de sua população rural, sem levar em consideração a dimensão cultural; o profundo relacionamento que existe desde os remotos tempos entre natureza e cultura. Cada espécie de planta, grupo de animais, tipo de solo e paisagem quase sempre tem uma expressão linguística correspondente, uma categoria de conhecimento, um uso prático, um sentido religioso, um papel em um ritual, uma vitalidade individual ou coletiva. Salvaguardar a herança natural do país sem resguardar as culturas que lhe tem dado vida, é reduzir a natureza a algo sem reconhecimento, estático, distante, quase morto.
Na Amazônia, como em diversos outros lugares do planeta, “o homem se fixa onde
existe água, porque a água é a fonte mais importante para a agricultura e para a evolução da
própria vida social” (ARAÚJO, 2003, p. 11).
Sternberg (1998, p. 15) salienta que “quanto às relações entre a água e a sociedade
humana, o elemento líquido é universalmente condição indispensável para a presença do
homem”, em que “a canoa representa para o varziano da Amazônia, o papel do cavalo ou do
jegue, para o sertanejo de outras terras” (STERNBERG, 1998, p. 16).
55 Brito (2001, p. 68) salienta que branco são todos os homens que não são índios, nem negros, nem caboclos.
79
Em toda a vida do homem da Amazônia, estão presentes artefatos extraídos da
natureza: “a canoa, a casa, a moda, os utensílios” (ARAÚJO, 2003, p. 582).
A existência de moradores nos limites do PARNA-Jaú remonta a muitas gerações.
Todavia, tal como se apresentam na atualidade, as comunidades foram constituídas por
famílias extensas ou por junção de vários grupos domésticos, visando ao acesso e usufruto de
recursos comunitários obtidos junto às instituições públicas, como escola, motor de luz, entre
outros serviços. No início, esses agrupamentos são nomeados como “localidades”, mas ao
obterem bens e serviços públicos, passam a ser reconhecidos primeiramente por seus
moradores e posteriormente pelos agentes externos, como “comunidades”.
No caso dos europeus, há relatos históricos de que os portugueses firmaram sua
presença na Amazônia a partir de 1660, com a construção dos fortes da Barra e Barcelos.
As potencialidades do rio Negro, a mão-de-obra abundante, além da posição
estratégica foram os argumentos que motivaram os portugueses a investir na área. (SOUZA
& MACHADO, 1998)
Registro da atuação portuguesa na área do Rio Jaú também é apresentado por
Loureiro (1978, p. 149) quando assevera que
[...] Pedro da Costa Favela, auxiliado por frei Teodósio de Viegas, em 1668, estabeleceu na foz do riacho Alurium, no rio Negro, uma missão, em 1732, transferida pelo carmelita Frei José de Madalena para a foz do rio Jaú, sob a invocação de Santo Elias, que mais tarde tomou o nome de Airão. Nesta tarefa, também recebeu a preciosa ajuda dos índios Tapajós.
Depois, em 1759, Santo Elias do Jaú passou a ser denominada Airão (LOUREIRO,
1978, p. 152).
No Século XVIII, os portugueses idealizam Barcelos como a sua capital mais
ocidental na Amazônia, mandando para lá o arquiteto e urbanista Antônio José Landi e como
consequência do Tratado de Madri, o governo português precisava estabelecer os limites
agora estendidos de seus domínios na América do Sul, formando a fronteira com as terras de
Espanha. (SOUZA & MACHADO, 1998)
Conforme Souza & Machado (1998, p. 129), Barcelos foi a primeira cidade brasileira
a ter uma arquitetura não barroca.
80
Fora das rotas de expansão comercial, tanto Barcelos como sua vizinha Santos Elias
do Airão regrediram no desenvolvimento tencionado pelos portugueses, salientando que
Santo Elias do Airão foi extinta, originando outro município: Novo Airão.
Tanto portugueses como espanhóis, no processo de conquista e ocupação,
“transplantaram e difundiram os valores e símbolos culturais europeus, tendo havido
resistência à consolidação dessa conquista em face da rebeldia das populações nativas, que se
opunham à escravidão” (BENCHIMOL, 2009, p.73).
O povoamento da região foi fazendo-se “lentamente e quase sempre às margens dos
rios” (ARAÚJO, 2003, p.64), salientando que “a partir de 1750, houve uma política de
casamento inter-raciais estimulada pela coroa portuguesa na América do Sul e implementada
por Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal” (OLIVEIRA, 2008, p. 21).
Benchimol (2009, p. 118) informa que “no Amazonas, o rio Negro tinha apenas 710
escravos negros, o que vem confirmar a tendência de concentração do contingente da
população negra e mulata no baixo Amazonas e Belém”, havendo uma pequena participação
nos rios Negro e Solimões.
O historiador Victor Leonardi (1999, p. 169) registrou a chegada dos precursores da
família na primeira década do século XX, ou seja, como parte do processo de migração de
nordestinos para o vale do rio Jaú, durante a época de exploração de látex e produção de
borracha mais intensa na região, entre 1880 e 1914. Em suas palavras:
[...] Esses negros da foz do Pau[n]ini vieram de Sergipe (...) na primeira década do século XX. Primeiro veio um casal, senhor Jacinto Francisco de Almeida e sua esposa, dona Leopoldina. Não tiveram filhos. Mais tarde veio um sobrinho deles dois, chamado José Maria dos Santos. Desse Zé Maria, descendem os negros mais antigos do rio Pau[n]ini, principalmente do lugar chamado Tambor – Jacinto fixara-se no lugar chamado Arpão, e Zé Maria, no Tambor [...].
O negro está presente no PARNA-Jaú, em uma comunidade quilombola, o Tambor,
que pode ser verificada na Figura 2.
O índio 56, o branco e o negro são as etnias que formam a identidade brasileira.
56 BRITO (2001, p. 51) salienta que a palavra índio foi utilizada para nomear o homem ou grupos humanos que habitavam as terras americanas à época dos descobrimentos, sendo a categoria índio uma criação da sociedade e da cultura e não das sociedades ou culturas indígenas.
81
O amazônico é o fruto “do contato interétnico entre o índio e o branco: índio (matriz)
+ branco (matriz) = caboclo (nova identidade)”. (BRITO, 2001, p. 50)
O homem amazônico integrou-se ao ecossistema, de modo que:
[...]as populações originais, depois nativas e as tradicionais que se espalharam pela vasta planície, têm demonstrações claras e evidentes de que é possível construir aqui sociedades harmônicas e bem adaptadas a esse ambiente natural. E os saberes que elas foram empiricamente adquirindo e armazenando, constituem hoje um patrimônio de valor incalculável, pois são a fonte mais pura de conhecimento sobre a região. (FONSECA, 2004, p.11)
Assim, as mestiçagens que formaram o povo brasileiro e a população amazônica se
confrontam com a pretensa intocabilidade da área do PARNA-Jaú, uma vez que essa história
ocorreu nos municípios que ficam próximos à referida unidade de conservação: Barcelos e
Novo Airão.
No caso do PARNA-Jaú, na parte central da Amazônia, “não há cachoeiras ou
montanhas que impeçam a vida social. São os rios, aqui, a base para um grande sistema de
comunicações entre as comunidades nacionais da Amazônia e as comunidades estrangeiras
de toda a Hiléia” (ARAÚJO, 2003, p.37). A água, pois, “é o veículo da sociabilidade.”
(ARAÚJO, 2003, p.37)
Morán (1990a, p. 191) acentua que “a população distribui-se em função do acesso à
área de pesca e se dispersa de forma a controlar um território sobre o qual tem direitos e
responsabilidades”.
Os cursos d´água aqui, conforme Araújo (2003, p. 38), “têm o poder de estabelecer
relações sociais, de acelerar processos sociais, construir as ligações do intra-humano. Todo o
processo social da vida de relações, na Amazônia, é feito à base substancial da água”.
Benchimol (2009, p. 33) assevera que o homem amazônico da “Amazônia tradicional,
dos povos ribeirinhos dos baixos rios e do beiradão 57 da calha central, sobrevive em todos os
pequenos sítios, povoados, vilarejos e cidades que se estabeleceram ao longo do rio
Amazonas e seus afluentes.”
E assim procede a população que habita os corpos aquáticos do PARNA-Jaú,
distribuindo-se na margem dos rios, conforme se verifica na figura que se segue:
57 Beiradão é a margem dos rios principais, onde se fixaram os primeiros desbravadores e permaneceram os seus descendentes. Aí se encontram grandes seringais e castanhais, sem a riqueza e a fartura dos afluentes de águas pretas, assim como povoados e sedes municipais. (MAIA, 1999, p. 23)
82
Figura 3. Mapa com a localização de comunidades e localidades do PARNA-Jaú.
Fonte: Borges et al (2004, p. 25). As comunidades do PARNA-Jaú são: Carabinani (rio Carabinani); Seringalzinho,
Lázaro e Tambor (rio Jaú); Lago das Pedras, Terra Nova, Democracia, Tapiíra, Manapana,
Floresta, (rio Unini); Vista Alegre e Aracu (rio Pauini).
As localidades do PARNA-Jaú são: Enseada (rio Negro); Bela Vista, Queiroz,
Cachoeira, Patauá, Miratucu, Capoeira Grande, Nova Vida, Urubutinga, Supriano, Tambor
Velho, Peixe-Boi, Ingá e Anta (rio Jaú); Lago Jordão, Bacaba, Samaúma, Castanho, Monte
Cristo, Lago das Pombas (rio Unini); Cujubim, Jurupari e Bolívia (rio Pauini).
Apesar de não existir dados tabulados relativos ao censo de 2010/2011 58, em 1992, a
população total do Parque era de 979 pessoas reduzindo-se para 920 pessoas (-6%) em 2001. As
populações de cada rio apresentaram comportamentos diferenciados. No rio Unini foram registradas
602 pessoas em 1992 e em 2001 este número subiu para 669 pessoas (+11%). No rio Jaú, o
comportamento foi inverso, com uma população de 377 pessoas em 1992 reduzindo-se para 251
pessoas em 2001 (-33%) (FVA, 2004, p. 47).
Visualizando os resultados dos censos anteriores, tem-se um recorte da situação da população
do PARNA-Jaú nos censos de 1992, 1998 e 2001:
58 Tal informação foi repassada em pesquisa feita no IBGE, em Manaus, no dia 10 de setembro de 2011, prestada pelo servidor público Adjalma Nogueira Jaques, responsável pelo Setor de Disseminação de Informações.
83
Tabela 1. Censos do PARNA-Jaú
Fonte: FVA, 2004, p. 47
No plano de manejo do PARNA-Jaú também foi feito levantamento dos moradores
sendo o registro mais antigo o do ano de 1990:
Tabela 2. Levantamento de moradores no plano de manejo
Fonte: FVA, 1998, p. 139.
Considerando as tabelas acima, verifica-se ter ocorrido um pequeno decréscimo
populacional no decorrer do tempo. (FVA/IBAMA, 1998)
Em relação à alimentação, na grande maioria das refeições, os moradores consumem
mandioca e peixe, o que inclui vários subprodutos da mandioca (farinha, tapioca, beiju, pé-
de-moleque, bolo, macaxeira etc.) e várias espécies de peixe (piranha, pacu, tucunaré, aracu,
jaraqui, pirarucu etc.). Os animais de caça (quelônios, mamíferos e aves) são apenas o quinto
item alimentar (vindo depois do café, de frutas de pomar e coletadas). A criação doméstica é
insignificante como fonte de alimento, tendo sido citada em apenas 0,5% das refeições,
conforme a tabela a seguir.
84
Tabela 3. Itens alimentares dos moradores do PARNA-Jaú
Fonte: FVA, 1998, p. 48
Acerca das relações entre as comunidades tradicionais e o ecossistema, Diegues
(2004, p. 92) preleciona que:
Os povos desenvolveram uma série de maneiras de conviver com os ambientes frágeis. Nós conhecemos muito pouco sobre como esses sistemas se desenvolveram, como eles funcionam e como podem ser adaptados para fazê-los mais produtivos e ecologicamente sadios. Sabemos, no entanto, que a chave para o entendimento das atividades sustentáveis em ambientes frágeis começa com as populações locais. Seu conhecimento é valioso para o futuro do ambiente da terra e dos povos. No entanto, nós nunca conheceremos esses ambientes se os povos que os desenvolveram continuam a ser destruídos ou impedidos de continuar seu modo de vida tradicional.
Isso pode ser constatado pelos depoimentos de alguns ex–moradores do PARNA-Jaú
que migraram para o Município de Novo Airão e formaram associação para defesa de seus
direitos, conforme levantamento do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia:
Quando escuto e vejo meus companheiros, que me viram crescer, falando da diferença de sua vida dentro do Rio Jaú e de como é sua vida hoje na cidade fico triste. Sinto vontade de chorar, quando sei que alguém foi abordado pelos fiscais e assim uma família inteira ficou passando fome. Fico revoltado quando penso que para visitar a minha terra, onde eu nasci, tenho que ter autorização, dia e hora para entrar e dia e hora para sair. E que ainda tenho que levar meu alimento pois não tenho o direito de usar aquilo que eu também ajudei a preservar e também e também ajudei a construir. Muitas destas famílias foram humilhadas e até multadas pela tal proibição. (ALMEIDA, 2007, p. 8)
85
Indubitavelmente, como se verá pelas imagens a seguir, os moradores do PARNA-Jaú
são ribeirinhos, adaptados ao ecossistema e de baixo impacto sua atividade:
Figura 4. Foto da comunidade Floresta
Fonte: FVA, 1998, p. 145.
Figura 5. Foto da comunidade Tapiíra
Fonte: FVA, 1998, p. 145.
Os moradores e ex-moradores do PARNA-Jaú são, efetivamente, “homens e mulheres
levantados do chão, aqueles que, se ainda sobreviventes, fazem emergir luz e contradição, e,
se já mortos, estão ressuscitados pelos ideais presentes ainda radiantes.” (FACHIN, 2003, p.
32).
86
Conforme Araújo (2003, p. 144), “a convivência inter-humana, os processos de
interação, de crescimento da cultura, intensificaram-se quando as distâncias sociais são
menores”.
As comunidades, de acordo com seus vínculos socioculturais, possuem ritmos
próprios de gerir suas atividades, utilizando seus saberes na transformação dos recursos para
criar condições de adaptação à realidade.
Em termos de comunidade, os seres humanos não pertencem apenas ao "gênero
humano, mas também a comunidades específicas. A condição humana implica um sentido de
pertencer a uma comunidade política.” (JELIN, 1996, p.21)
A integração homem-natureza não foi observada nos conceitos desenvolvimentistas
implementados na região, como acentua Fonseca (2004, p. 11) “nos últimos 100-150 anos
(período muito curto em relação à história regional), os modelos de desenvolvimento
introduzidos na Amazônia têm pouco em comum com a realidade biogeoquímica que
determina nossa vocação natural.”
As pessoas não são apenas organismos biológicos, são também seres sociais e
indivíduos únicos. É bom ressaltar que, embora o homem seja um ser social, cada indivíduo
tem suas percepções do mundo, únicas, e nenhuma dessas visões pode ser desprezada ou
vista como sem valor.
Pode-se afirmar que o homem é formado por dois universos: um exterior e outro
interior. O primeiro está em constante processo de adaptação ao meio, o segundo é visto
através das respostas que interpretam a realidade. Energias de todas as ordens chegam a todo
instante, isso faz com que aconteçam constantes estímulos ao sistema sensorial dando
informações sobre o meio ambiente natural, cultural e social.
Matas, rios, lagos, igarapés, furos, igapós, roças e quintais compõem os ambientes
manejados pelos moradores através da adoção de uma variedade de técnicas simples e
engenhos práticos que lhes permitem o atendimento de suas necessidades de subsistência
(complementada com a venda do excedente) e, também, a reprodução dos recursos contidos
nesses espaços.
São “pessoas dos ecossistemas” (DEUMANN, 1989 apud FONSECA, 2011, p. 16), expressão que define
[...] os que vivem em simbiose com os ecossistemas e conseguem viver com o uso sustentado dos recursos naturais, distinguindo-os dos povos da biosfera que são sociedades interligadas por uma economia global de alto consumo e desperdício dos recursos naturais.
87
Assim, a retirada das populações tradicionais desses espaços protegidos configura
uma verdadeira “exclusão por estar presente”. 59
Conforme Derani (2008, p. 73), “elementos da realidade não partem do intelecto
humano puramente, mas de relacionamentos com o meio natural e social” e a realidade é que
a ação das populações tradicionais, de modo controlado, não degrada a natureza e demonstra
que “a realização de um novo modelo de desenvolvimento passa, no entanto, decidida e
reconhecidamente, pelas populações locais”. (ESTERCI, LIMA, & LENA, 2002, p. 4)
Na Amazônia, a ligação do homem aos cursos d´água é intensa. Tanto é que,
conforme Tocantins (2000, p. 278), “a noção do jus soli parece que se priva de seu conteúdo
sentimental em detrimento do rio”, pois “quando alguém se refere à terra natal só costuma
dizer: eu nasci no Juruá, eu nasci no Purus”.
Benchimol (1977, p. 440), também corrobora o quanto afirmado por Tocantins
quando acentua que “o homem assim nasce, casa e vive e morre no rio. Todos nós na
Amazônia somos filhos do rio”.
Os povos desenvolvem leituras de suas paisagens, não uma leitura de palavras, mas do
ambiente que os cercam. Estar em um ambiente é estar envolvido com ele, percebendo-o,
modificando-o, lendo-o, interagindo com ele; dessa forma, passa a ser reconhecido e
reinterpretado a cada nova vivência ambiental, a cada nova informação.
Esses são alguns fatores que influenciam os indivíduos a perceber de modo diferente o
mesmo ambiente, pois revelam o traçado imbricado de fronteiras de natureza material e
imaterial. A floresta, os igarapés, os lagos formam um espaço produtivo, de trabalho
instituído pelas relações sociais tanto intra e intergrupais, quanto intra e intercomunidades.
A dependência de recursos naturais disponíveis no local, o intercâmbio homem-
natureza nos diferentes ambientes os tornam usuários e aprendizes ao mesmo tempo em que
adaptam formas novas de uso no cultivo e na coleta desses recursos. São aprendizes que
também ensinam suscitando benefícios em termos de difusão de saberes, ou melhor,
“ecologia de saberes”, no dizer de Sousa Santos; Meneses & Nunes (2006).
59 MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico. A presença de populações tradicionais em unidades de conservação. Entrevista realizada em 13/08/2010, no Auditório da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, no “V Simpósio de Dano Ambiental na Sociedade de Risco / III Encontro Nacionais dos Grupos de Pesquisa em Direito Ambiental”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/PR, em Curitiba-PR, no período de 11 a 13/08/2010.
88
Afinal, conforme Herrera Flores (2004, p. 52) “humanizarnos, no significa, pues,
negar que seamos seres biológicos y naturales, sino seres que son capaces de explicar,
interpretar e intervenir en la naturaleza de la que somos parte y en la que vivimos”.
Na utilização dos diversos ecossistemas, o respeito aos ritmos dos ciclos da natureza
evidencia a existência de um conjunto de conhecimentos sobre técnicas que sustentam o
padrão de subsistência dessas populações. (FVA, 1998)
A ampliação dos conhecimentos sobre as populações nativas poderá servir para
potencializar, de modo racional, o manejo dos recursos naturais não renováveis e para apoiar
ações que visem à renovabilidade dos recursos naturais a longo prazo.
A garantia da permanência das populações locais somente é possível por meio de
instrumento jurídico que estabeleça acordo de convivência que permite às comunidades
usarem recursos da UC necessários ao seu modo de vida tradicional de forma controlada e
monitorada.
89
3 TERMO DE COMPROMISSO QUE ASSEGURA A PERMANÊNCIA DAS
POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM PARQUES NACIONAIS
3.1. ANTECEDENTES FÁTICOS DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ
Segundo Morsello (2008, p. 247), “o modelo de parques sem habitantes não
representa a realidade mundial. Estima-se que cerca de 50% das áreas protegidas do mundo
sejam habitadas”. Todavia, “os parques nacionais existem praticamente na legislação de
todos os países e têm a finalidade de preservar o ambiente” (MARÉS DE SOUZA FILHO,
1993, p. 23).
Vianna (2008, p. 27) afirma que “no Brasil, muitas áreas naturais protegidas de uso
indireto, foram criadas onde já havia a presença humana, configurando conflitos de
interesses. Essa ocupação humana era – e ainda é – diversificada, incluindo as populações
tradicionais”.
No Brasil, Santilli (2005, p. 156) exemplifica um caso de implantação de unidade de
conservação com a retirada de populações tradicionais (e vizinha ao PARNA-Jaú): Estação
Ecológica de Anavilhanas 60.
Ainda na região Norte, Guerra & Coelho (2009, p. 83, 84 e 90) fornecem outros
exemplos nesse mesmo sentido: Reserva Biológica de Trombetas, da Floresta Nacional de
Saracá-Taquera, da Floresta Nacional de Carajás. Brito (2003, p. 106), cita retirada de
populações do interior do Parque Nacional do Iguaçu e do Parque Nacional da Serra da
Bocaina; das Estações Ecológicas de Aiuaba, Maracá-Jipioca, Serra das Araras e de Cuniã.
Jacinto (1998) menciona a presença de populações no Parque Nacional Grande Sertão
Veredas. Campos (2001) salienta a existência de comunidades no Parque Nacional de Ilha
Grande 61.
Interessante é o caso do Parque Nacional do Iguaçu em que houve a retirada de
populações tanto no Brasil quanto na Argentina, na unidade de conservação congênere, o de
o Parque Nacional de Iguazu.
60 Anavilhanas, concebido inicialmente como estação ecológica (Decreto nº 86.061, de 2 de junho de 1981), é, atualmente, um parque nacional instituído pela Lei nº 11.799, de 29 de outubro de 2008 (art. 1º).
61 O decreto de criação do Parque Nacional de Ilha Grande foi considerado caduco, em razão de decisão datada de 08 de abril de 2010, nos autos da Ação Civil Pública nº 2009.70.00.025365-5, da 6ª Vara Federal de Curitiba/PR.
90
No mundo, Brito (2003, p. 22) cita como exemplo a tribo Ik, em Uganda, e pescadores
artesanais do Canadá, também retirados de suas terras. Diegues (2004, p. 19) exemplifica que
os Tharus, no Nepal, têm grande dificuldade de sobreviver tendo em vista a proibição da
prática de suas atividades tradicionais após a instalação de parques.
Esse tratamento, além de acarretar a perda da territorialidade de populações cuja
ligação com o lugar tem especial simbolismo, constrói outro tipo de refugiado: os refugiados
ambientais (MARTINEZ, 2009, p.50), também chamados “flagelados ambientais”, ou ainda
“refugiados da conservação” (DOWIE, 2008, p. 113), grupos humanos que fogem do lugar
onde vivem em razão da ocorrência de desastres ambientais e poluição (Chernobyl e Bhopal,
por exemplo), ou no caso de populações deslocadas dos parques nacionais (e de outras
unidades de proteção integral), sob o argumento de que põem em risco o ecossistema
existente, o que poderá provocar o aumento do contingente de submoradias nas áreas urbanas
(favelização), bem como da miséria.
Entre outros diversos casos, Santilli (2005, p. 155) destaca que os Masai, população
tradicional do Quênia, deixaram suas terras para a implantação de um parque nacional. Outro
parque nacional criado com o sacrifício da expulsão de populações tradicionais foi o Krüger,
na África da Sul.
Morsello (2008, p. 143) acentua que o primeiro parque nacional instalado no mundo,
o de Yellowstone, em 1872, não foi criado em uma “terra vazia”, mas em território das tribos
Crow, Blackfeet e Shoshone-Banncok. Colchester (2000, p. 233) informa que parques
nacionais para a proteção dos gorilas, no Zaire, Uganda e Ruanda levaram à expulsão dos
pigmeus batwas.
Usualmente, segundo Morsello (2008, p. 248), e tal pode ser confirmado também no
caso do Parque Nacional do Jaú, “o território é propriedade oficial do estado mas, na
realidade, é controlado ‘de fato’ pelos residentes”.
Conforme Furriela (2002, p. 38), a Convenção de Aarhus62 “é uma das normas mais
completas e atuais sobre o tema da participação pública na gestão do meio ambiente e
processos relacionados que reflete um amplo debate fomentado pela ONU”.
62 Convenção aprovada e discutida pela Comissão Econômica para a Europa da Organização das Nações Unidas, em 21 de abril de 1998, na Dinamarca, intitulada Convenção sobre Acesso à Informação, à Participação Pública em Processos Decisórios, e à Justiça em Matéria Ambiental. (FURRIELA, 2002, p. 38)
91
O artigo 1º da Convenção de Aarhus dispõe sobre o direito de assegurar a participação
popular em processos decisórios:
Para contribuir para a proteção do direito de qualquer pessoa das presentes e futuras gerações a viver num ambiente adequado para seu bem-estar, deverá ser garantido o seu direito de acesso à informação, à participação pública em processos decisórios e à justiça em matéria de meio ambiente.
A origem do Termo de Compromisso do Parque Nacional do Jaú, como documento,
remonta ao dia 16 de dezembro de 2003 quando da realização de reunião para discussão das
bases de um termo de compromisso ou termo ajustamento de conduta (TAC) celebrado pelo
Ministério Público Federal (MPF) com representantes do IBAMA, da Fundação Vitória
Amazônia (FVA), membros da Comissão de Moradores e ex-moradores do Rio Jaú, cujo
objeto era a regularização fundiária do Parque Nacional do Jaú (Anexo A).
O Chefe da PARNA-Jaú, à época, salientou que a situação dessa UC era “um
problema histórico de praticamente todas as UC´s do país”, conforme trecho constante no
Anexo A.Tal afirmação pode ser confirmada pela celebração de um TAC, semelhante ao que
ocorreu inicialmente com o PARNA-Jaú, no Parna Nacional Cabo Orange63, o Termo de
Compromisso 01/2007, também assinado pelo IBAMA, MPF e a Colônia de Pescadores Z-3
de Oiapoque/AP.
O TAC do PARNA Cabo Orange tinha por finalidade permitir a pesca de pequeno
porte em parte das águas que compõe a área marinha na mencionada UC, no município de
Oiapoque/AP.
Interessante é o registro de alguns ‘considerandos’ do TAC do PARNA Cabo Orange:
- Que o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro, conforme previsto no art. 1º, inc. III, da CRFB; - Que o exercício da atividade pesqueira pela população local do município de Oiapoque é condição essencial a sua sobrevivência em condições mínimas de dignidade; - Que a instituição do Parque Nacional do Cabo Orange limitou significativamente a atividade pesqueira desenvolvida pelos munícipes
63 Com uma área de 619.000 ha, criado pelo Decreto nº 84.913, de 15 de julho de 1980, no extremo norte do Amapá, próximo à baía do Rio Oiapoque que, neste trecho, separa o Brasil da Guiana Francesa. Situado nos municípios de Calçoene e Oiapoque, tem a vegetação marcada por florestas de terra firme e pela planície flúvio-marinha de Macapá-Oiapoque, com áreas planas de restingas e grandes manguezais, sujeitos a inundações frequentes pelas águas do mar. O Parque abriga o Rio Caciporé, que ao ser invadido pelas águas do oceano, causa o fenômeno da pororoca (Disponível em <http://uc.socioambiental.org/uc/1439>. Acesso em 15.09.2011).
92
de Oiapoque, tendo em vista que sua área marinha alcança seis milhas náuticas;
À época da celebração do TAC no PARNA-Jaú havia a pressão do IBAMA para que
os moradores desocupassem o Parque Nacional do Jaú, ao argumento de que a presença
humana era ilegal. Tal situação mantém-se, agora sob a atuação do IMCBio.
A concepção de “ilhas” isoladas da sociedade, inicialmente apoiada por
preservacionistas, teóricos do “equilíbrio insular”, está perdendo força de argumentação.
Estudos científicos (arqueológicos, históricos e ecológicos) demonstram que muitas áreas
consideradas “naturais” e de alta biodiversidade foram influenciadas há milhares de anos por
atividades humanas.
Nata Ata em questão, o objetivo do termo de compromisso foi a definição de regras
para o reassentamento e indenização ou subsídio mais a assistência técnica, que, conforme
sugestão do Chefe do PARNA-Jaú à época, por um a dois anos, até que as famílias pudessem
estabilizar seus processos de produção.
Ressalta-se que o termo de compromisso tratado naquela ocasião não é o termo objeto
desta pesquisa, e sim um TAC firmado entre o MPF e o órgão ambiental.
O termo de compromisso ou o TAC têm eficácia de título executivo extrajudicial, a
teor do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (LACP), e tal compromisso de
ajustamento às exigências legais surge porque alguém - pessoa física ou jurídica, de direito
privado ou de direto público - não está integralmente cumprindo a legislação que, no caso,
era a legislação ambiental, vez que havia “infratores” em uma área protegida.
Vale dizer que ‘ajustamento’ não significa transigência no cumprimento das
obrigações legais, pois o Ministério Público não pode fazer concessões diante de "interesses
sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da CF/88), divergindo do instituto da
transação, uma vez que não há concessões mútuas das partes envolvidas, retratando a
celebração de um ajuste e não induz ao despojamento de direitos indisponíveis em questão.
A sugestão para firmar tais termos de compromisso foi da FVA. Vale o registro de
que os termos de compromisso a que se referia a Ata, celebrada em 16 de dezembro de 2003,
tinham a natureza de TAC, como ressaltou expressamente o Membro do MPF (final da Ata) e
não do termo de compromisso objeto desta pesquisa, mesmo instituído no ano anterior, como
se verá no próximo tópico.
93
Na Ata de 16 de dezembro de 2003, foi ajustado que o reassentamento das famílias no
PARNA-Jaú deveria ocorrer em área similar e com acordo dos moradores, bem como sobre a
possibilidade de criação de uma Reserva Extrativista do Rio Unini.
Outro aspecto previsto na Reunião de 16 de dezembro de 2003 foi o registro da
existência de 182 famílias no PARNA-Jaú e que 42 moravam nos Rio Jaú e Carabinani (no
interior da UC), sendo que a maioria morava no Rio Unini, onde se pleiteava a criação de
uma RESEX. Para as demais famílias, assim como para 65 famílias que moravam em Novo
Airão, a solução provável seria o reassentamento e indenização, que deveriam ocorrer em
etapas para atender imediatamente aqueles moradores que já saíram do Parque e hoje se
encontram na cidade de Novo Airão, e depois os moradores que ainda residiam no Parque.
Ficou assentado ainda, na oportunidade, que os valores das indenizações devem levar
em conta o conceito de posse agroextrativista ou tradicional, explanado no Plano de Manejo
do PARNA elaborado pela FVA, a fim de não se fixar somente nas benfeitorias (quadrilátero:
casa, roça, casa de farinha) e sim englobar as áreas de uso como o lago, as trilhas de castanha,
a área de caça, etc. A FVA salientou ainda sobre a existência de recursos para projetos
específicos em comunidades na modalidade de micro-crédito.
De início, esse TAC retirou a situação de “invisibilidade” ou “ilegalidade” das
comunidades que se encontram no PARNA-Jaú, conferindo-lhes dignidade, inserindo-os em
um documento jurídico, sob a tutela do MPF, em contraposição à política estatal de exclusão
daquela área protegida e, mais, impôs obrigações ao IBAMA, apresentando como último
‘considerando’, o fato de que:
[...] com a criação do Parque Nacional do Jaú, através do Decreto nº 85.200 de 24.09.1980, as populações tradicionais residentes não foram realocadas ou indenizadas na forma dos dispositivos acima transcritos, sendo que várias famílias saíram da área do Parque, estando hoje residindo na cidade de Novo Airão, e outras continuam no Parque sem alternativa econômica para sua subsistência.
Interessante sublinhar que a Ata foi lavrada no dia 16 de dezembro de 2003 e, no dia
19 de dezembro de 2003, foi celebrado o termo de compromisso (Anexo B) firmado pelo
MPF e pelo IBAMA, contendo 05 (cinco) cláusulas: 1) a primeira, constando a
responsabilidade de o IBAMA destinar recursos para regularização fundiária do PARNA-Jaú,
inclusive o reassentamento e/ou indenização da população residente na UC; 2) a segunda com
previsão da criação de uma RESEX no limite norte do PARNA-Jaú (Rio Unini); 3) a terceira
prevê a base de cálculo da indenização a ser paga às pessoas e famílias moradoras e ex-
94
moradoras do PARNA-Jaú; 4) a quarta, com a determinação para que o reassentamento das
pessoas ou famílias moradoras do PARNA-Jaú, que assim o preferirem, será feito em área
com as mesmas características naturais do local original, com subsídio/assistência técnica por
parte do IBAMA.
Vale salientar que, ao fim do termo, na cláusula quinta do Anexo B, o MPF alerta que,
eventual descumprimento de quaisquer das cláusulas motivará a propositura de ação civil
pública (ACP).
No caso do PARNA-Jaú, a celebração desse TAC, muito embora necessária para
garantir um “freio” à perseguição sofrida pela população que se encontra naquela área, ainda
revela que a presença humana no interior da UC era indesejável, subsistindo o ideário
construído com a criação de Yellowstone.
Tal ilação decorre do fato de que, nos “considerandos” existentes antes das cláusulas
do termo de compromisso, verificam-se disposições da Lei nº 9.985/2000, acerca do
tratamento das populações tradicionais e, tendo sido celebrado, em 19 de dezembro de 2003,
o referido documento não trouxe, como fundamento, o Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de
2002, que regulamentou a referida lei, mesmo editado há mais de um ano da assinatura do
termo de compromisso.
Certamente, o Decreto nº 4.340/2002 era do conhecimento do MPF, pois suas
disposições são muito mais objetivas em relação à proteção das populações tradicionais
residentes em uma UC, sendo o termo firmado em 2003 de natureza precária. O que pode ter
ocorrido é o fato de que tal documento foi o melhor possível naquela oportunidade,
considerando o acordo entre as partes envolvidas.
O Decreto nº 4.340/2002 é o fundamento primaz do termo de compromisso acerca da
permanência das populações tradicionais em unidades de conservação, servindo como
fundamento também para a população que se encontra no interior do PARNA-Jaú.
3.2 FUNDAMENTOS LEGAIS DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ
A Lei nº. 9.985 de 18 de julho de 2000, que regulamentou o art. 225, § 1o, incisos I, II,
III e VII da Constituição Federal, se refere à presença humana nas UCs de Proteção Integral
em duas ocasiões, tratando-a como uma situação excepcional e transitória.
95
A primeira referência encontra-se no art. 7º parágrafo primeiro, em que a Lei do
SNUC estatuiu que objetivo básico das UCs de Proteção Integral é preservar a natureza,
sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos ali
previstos.
Entre os conceitos adotados pelo SNUC no art. 2º, o uso indireto é apresentado no
inciso X como “aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos
naturais”. Esse conceito de uso indireto explicita a incompatibilidade proposta pela lei entre a
presença humana e o alcance dos objetivos da unidade: como pode a população viver na área
sem consumir nem coletar nenhum recurso natural ?
A segunda referência ocorre no parágrafo único do art. 28, quando determina que até
a formulação do Plano de Manejo,
[...] todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais.
O regulamento do SNUC, o Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, reforça essa
disposição de excepcionalidade e transitoriedade da presença humana nas Unidades de
Conservação de Proteção Integral, ao dedicar um Capítulo inteiro - o IX - para regulamentar
o reassentamento de populações tradicionais.
O art. 35 do Decreto nº 4.340/2002 determina que o processo indenizatório de que
trata o art. 42 da Lei do SNUC respeite o modo de vida e as fontes de subsistência das
populações tradicionais, enquanto o art. 36 determina que apenas as populações tradicionais
residentes na unidade no momento da sua criação terão direito ao reassentamento. Não há
menção à indenização da posse das comunidades residentes nas UCs de proteção integral,
sendo-lhes, portanto, negado o reconhecimento de domínio, ainda que a área seja ocupada há
gerações.
O art. 38 deixa a cargo do “órgão fundiário competente, quando solicitado pelo órgão
executor”, apresentar, em seis meses, “programa de trabalho para atender às demandas de
reassentamento das populações tradicionais, com definição de prazos e condições para a sua
realização”.
O art. 39 dispõe sobre a forma como as populações tradicionais poderão permanecer
na Unidade de Conservação de Proteção Integral, impondo a celebração de termo de
96
compromisso, a ser negociado entre o órgão executor e as populações, ouvido o conselho da
unidade de conservação. Os parágrafos desse artigo regulamentam o teor, inclusive prazo e
condições para o reassentamento, e as partes compromissárias. Aqui o legislador impõe prazo
para sua celebração; um ano para as UCs a serem criadas, e dois anos para as áreas já criadas.
A população que for reassentada ou mesmo removida sem a devida indenização pode
propor ação indenizatória contra o ente federado que emitiu o ato de criação, na pessoa de seu
órgão gestor, na forma da legislação civil e processual em vigor, buscando ir além da
compensação das perdas materiais, pois a maior perda é imaterial, a territorialidade, e tem
repercussões intergeracionais.
Estabelece o § 1o, do art. 11, da Lei do SNUC que o parque nacional é de posse e
domínio públicos, onde as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas,
sendo que a visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de
Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão gestor e àquelas previstas em
regulamento (art. 11, § 2o, da Lei do SNUC).
Ocorre que, com a edição do Decreto nº 4.340/2002, houve uma possibilidade jurídica
de assegurar a permanência das comunidades que lá residem.
Assim dispõe o art. 39, do Decreto nº 4.340/2002:
Art. 39. Enquanto não forem reassentadas, as condições de permanência das populações tradicionais em Unidade de Conservação de Proteção Integral serão reguladas por termo de compromisso, negociado entre o órgão executor e as populações, ouvido o conselho da unidade de conservação.
O inciso III do Art. 5.º, da Lei n. 9.985/2000, que trata das diretrizes pelas quais será
regido o SNUC, assinala a tendência para um processo com um mínimo de participação da
sociedade civil ao prever que deve ser assegurada a “participação efetiva das populações
locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação”. O segundo e o terceiro
parágrafos do Art. 22 do mesmo diploma legal reforçam a preocupação em foco:
Art. 22. [...] § 2.º A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento. § 3.º No processo de consulta de que trata o § 2.º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
97
No caso da presença desses grupos sociais em UC de proteção integral, como é o caso
do Parque Nacional do Jaú, o Art. 42 da Lei no 9.985/2000 estabelece a seguinte providência:
Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.
O artigo 39 do decreto regulamentador trata do caso em que as populações residentes
em unidades de conservação de proteção integral não foram ainda reassentadas. Procura dar
um tratamento jurídico para uma situação ignorada até então, em que tais populações eram
invisíveis ou criminalizadas em relação ao uso que fazem dos recursos do entorno de suas
comunidades, o que concorre para a expulsão destas de suas terras sem que lhes sejam
garantidas as condições objetivas de reprodução de seu modo de vida, de seus hábitos e
costumes.
O referido dispositivo prevê ainda o conteúdo e o prazo do termo de compromisso:
Art. 39. [...] § 1o O termo de compromisso deve indicar as áreas ocupadas, as limitações necessárias para assegurar a conservação da natureza e os deveres do órgão executor referentes ao processo indenizatório, assegurados o acesso das populações às suas fontes de subsistência e a conservação dos seus modos de vida. § 2o O termo de compromisso será assinado pelo órgão executor e pelo representante de cada família, assistido, quando couber, pela comunidade rural ou associação legalmente constituída. § 3o O termo de compromisso será assinado no prazo máximo de um ano após a criação da unidade de conservação e, no caso de unidade já criada, no prazo máximo de dois anos contado da publicação deste Decreto. § 4o O prazo e as condições para o reassentamento das populações tradicionais estarão definidos no termo de compromisso.
A comunidade local e suas práticas têm guarida em convenções internacionais, como
é o caso da Convenção sobre Diversidade Biológica, em que o art. 8º., alínea “j”, prevê que
cada parte contratante deve:
[...] em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.
98
Outrossim, apesar da proteção normativa, a violência contra as populações locais,
cujos ensinamentos são transmitidos pela tradição, daí a designação tradicionais, continua tão
forte hoje como no passado. “Se antes era física e directa, hoje é-o (sic) muitas vezes de
forma mais dramática, porque apostada na destruição e aniquilamento cultural, no
epistemicídio” (SOUSA SANTOS; MENESES e NUNES, 2006, p. 24).
A solução, consoante Sousa Santos, Meneses e Nunes (2006, p. 24):
[...] passa por um duplo processo de debate interno no próprio campo da ciência e de abertura de um diálogo entre formas de conhecimento e de saber que permita a emergência de ecologias de saberes em que a ciência possa dialogar e articular-se com outras formas de saber, evitando a desqualificação mútua e procurando novas configurações de conhecimentos.
O termo de compromisso a que alude o art. 39, do Decreto nº 4.340/2002, representa a
garantia legal do ser e do lugar de uma determinada comunidade amazônica, uma vez que
tangencia direito humano inserto no art. 1º, inciso I, da CRFB: a dignidade da pessoa
humana.
Na realidade, ainda está presente na questão em foco a dicotomia homem-natureza,
em que, para muitos cientistas, os adeptos à corrente preservacionista, o homem deve ser
apartado da natureza, pois não colabora para a sua conservação. Os ambientes naturais devem
ser preservados como uma reminiscência de tempos passados e dos quais o homem só pode
ser visitante, lhe cabendo somente reverenciar a natureza.
Assim, o termo de compromisso confere proteção normativa à permanência da
comunidade tradicional na área protegida do Parque Nacional do Jaú, de modo a ser
instrumento jurídico para garantir a dignidade daquela população e inserir o saber local como
elemento de eficácia dos planos de gestão da unidade de conservação, permitindo a
compreensão dos hábitos e do modo de vida caipira, caiçara, indígena, ribeirinho,
faxinalense, dentre outros, na contramão da tendência hodierna à homogeneização cultural
cujo padrão é a cultura ocidental urbana.
O próprio ICMBio reconhece a importância do termo de compromisso ao ressaltar
experiências em unidades de conservação de proteção integral como é o caso da
[...] Rebio do Rio Trombetas, sobre acordo envolvendo coleta de castanha; e de termo de compromisso firmado com comunidades locais no Parna Serra da Canastra (MG) e Serra dos Órgãos (RJ). Também foram apresentadas experiências de termos de compromisso em
99
desenvolvimento, como na Esec Serra Geral do Tocantins e no Parna Jaú (AM) e da Serra do Divisor (AC). 64
Cabe o registro da conclusão do “Seminário e Oficina sobre Termos de Compromisso
com Populações Tradicionais em Unidades de Conservação da Natureza de Proteção
Integral”:
[...] a apresentação de experiências foi a base para os trabalhos em grupo e construção das propostas de normas, procedimentos e diretrizes para implementação desse importante instrumento previsto no Snuc. 65
O único espaço territorial protegido em que houve a primeira celebração, no Brasil, do
termo de compromisso regulado pelo art. 39, do Decreto nº 4.340/2002 foi a Reserva
Biológica do Lago Piratuba 66 , razão pela qual será utilizado como referência em relação ao
conteúdo do instrumento jurídico da minuta do PARNA-Jaú.
3.3 O EXEMPLO PRECURSOR DA RESERVA BIOLÓGICA DO LAGO PIRATUBA
O único termo de compromisso efetivado no Brasil foi implantado na Reserva
Biológica do Lago Piratuba e será utilizado como referência para o termo de compromisso do
Parque Nacional do Jaú (em tramitação) 67.
O Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006, que institui o Plano Estratégico Nacional
de Áreas Protegidas (PNAP), apresenta possível mudança institucional no tratamento da
relação homem-natureza, pois elenca entre os seus princípios os seguintes, constantes no item
1.1.:
III - valorização dos aspectos éticos, étnicos, culturais, estéticos e simbólicos da conservação da natureza; [...] VII - reconhecimento das áreas protegidas como um dos instrumentos eficazes para a conservação da diversidade biológica e sociocultural;
64 Boletim Interno do ICMBio. Brasília: ICMBio, n. 123, v. 4, p.10, nov. 2010. 65 Ibidem.
66 Ibidem, p. 11.
67 BARRETTO FILHO, Henyo Trindade. Impressões sobre populações tradicionais em unidades de conservação. Entrevista realizada em 16/07/2010, no Auditório da Reitoria da UEA, por ocasião do “Simpósio Internacional sobre conhecimentos tradicionais na Pan-Amazônia”, promovido pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA/PPGAS-UFAM, em Manaus-Am. O estudo de caso comparativo entre o termo de compromisso do PARNA-Jaú e da REBIO do Lago Piratuba foi abordado nesta entrevista.
100
VIII - valorização da importância e da complementariedade de todas as categorias de unidades de conservação e demais áreas protegidas na conservação da diversidade biológica e sociocultural; (grifo nosso)
Conforme ressalta Fonseca (2011, p. 239):
[...]os manuais de metodologia de pesquisa separam ‘conhecimento científico’ do ‘conhecimento tradicional’ (popular) por considerarem que este último, por ter origem na relação do homem com seu meio, sem método e sem sistematização, tem suas bases assentadas em critérios reflexivos e valorativos sendo, por isso falível e inexato [...].
Em relação ao texto do Decreto nº 5.758/2006 verifica-se, claramente, sinal de
mudança de paradigma, pois admite valores culturais e socioculturais associados à
conservação da natureza, bem como no inciso XX do mesmo dispositivo é listado como
princípio a participação social na gestão das áreas protegidas, com vistas ao desenvolvimento
social, com especial atenção para as populações do interior e do entorno das áreas protegidas.
Em outra passagem do Decreto nº 5.758/2006, figura como uma das diretrizes
fomentar a participação social em todas as etapas da implementação e avaliação do Plano
Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (item 1.2., X).
Constitui objetivo geral do referido Plano, no item 4.2., II, letra f, promover a
governança diversificada, participativa, democrática e transparente do SNUC, possuindo
como estratégia “fomentar a organização e o fortalecimento institucional de comunidades
locais, quilombolas e povos indígenas, bem como de outras partes interessadas”. (grifo nosso)
O item 5.2., II, letra g, do Decreto nº 5.758/2006, prevê a necessidade de documentar
conhecimento e experiências sobre a gestão de áreas protegidas, inclusive os conhecimentos
tradicionais e o item 6.4., I, letra a, estabelece a incorporação contínua dos conhecimentos
técnico-científicos e conhecimentos tradicionais no estabelecimento e na gestão das unidades
de conservação.
Assim, constata-se claramente que tais dispositivos colocam o conhecimento
tradicional no mesmo patamar do conhecimento científico, ambos importantes para a gestão
de áreas protegidas.
Imperioso é destacar o item 6.4., I, letra c, do PNAP, ao listar como estratégia o
estímulo e fomento de “estudos que gerem conhecimentos técnico-científicos e
tradicionais que contribuam para a conservação da diversidade biológica e sociocultural,
auxiliando o estabelecimento e gestão das unidades de conservação.” (grifos nossos)
101
Essa norma dá sentido à afirmação de que “estamos no fim de um ciclo de hegemonia
de uma certa ordem científica” (SOUSA SANTOS, 1987, p. 9).
Possivelmente, este é o propósito do termo de compromisso objeto desta pesquisa: a
construção de uma solução negociada, de modo a aliar o conhecimento tradicional à
conservação do meio ambiente natural.
O instrumento objeto do presente projeto é o primeiro termo de compromisso, no
Brasil, que assegura a permanência de populações tradicionais em um Parque Nacional,
existindo apenas um instrumento no país, celebrado em outra categoria de unidade de
proteção integral, Reserva Biológica (REBIO), constante no Anexo C: o Termo de
Compromisso nº 001/2006, firmado entre o IBAMA e a Comunidade do Sucuriju, referente à
utilização dos lagos do cinturão lacustre oriental do Estado do Amapá, localizados no interior
da Reserva Biológica do Lago Piratuba.
Outra diferença em relação ao termo de compromisso da Comunidade do Sucuriju é
que, no caso do PARNA-Jaú, o mencionado instrumento regulará as condições em que a
comunidade tradicional residente no interior dessa UC utilizará os recursos naturais
existentes, ao passo que no caso na REBIO do Lago Piratuba regula apenas as condições de
acesso da comunidade ao espaço territorialmente protegido.
A Reserva Biológica (REBIO) do Lago Piratuba está localizada no extremo leste do
Estado do Amapá, na área dos municípios de Tartarugalzinho e Amapá. A Unidade foi criada
por meio do Decreto n° 84.914 de 16 de julho 1980 e teve seus limites alterados pelo Decreto
n° 89.932 de 10 de julho de 1984.
Tal qual no PARNA-Jaú, antes da criação da UC, já existiam moradores dentro da área
e várias famílias continuam na Reserva, mesmo após quase trinta anos de sua criação, os
chamados laguistas (SAUTCHUK,2007, p. 15).
As comunidades tradicionais tiveram suas vidas modificadas em razão das restrições de
uso impostas pela Reserva, entre as quais se inclui a Vila do Sucuriju localizada no limite
nordeste da unidade de conservação, no litoral do Estado do Amapá.
Assim, com a criação da Reserva Biológica do Lago Piratuba, a Vila do Sucuriju se
transformara num “enclave entre a Rebio do Lago Piratuba e o mar; a pesca marítima comercial
colapsara; permaneciam as dificuldades no suprimento de água potável; os obstáculos no acesso
aos serviços públicos tornavam-se relativamente mais significativos” (SAUTCHUK, 2007, p.
33).
102
Similar ao PARNA-Jaú, ainda durante o regime militar, não houve nenhum tipo de
consulta ou participação da Comunidade do Sucuriju na delimitação ou até mesmo na criação
da Reserva Biológica do Lago Piratuba, tendo os pescadores tradicionais assumido uma
condição de “ilegalidade”.
O caso da REBIO do Lago Piratuba representa a análise de Monjeau (2007) a respeito
dos principais fatores sociais e naturais que influenciam a conservação da natureza. Em sua
observação, a maioria dos problemas locais acontece quando a criação das unidades de
conservação ignora a realidade social local e, na maioria das situações, com a usurpação de
terras de populações locais.
Como Diegues enfatiza, a criação dessas unidades de conservação seguiu o modelo
norte-americano de Parques Nacionais desenvolvido no final do século passado, o qual foi
concebido a partir do conceito de “wilderness”, no sentido de grandes áreas desabitadas
(DIEGUES, 2004, p. 24).
Mesmo assim, apesar desta exigência por ausência de moradores, grande parte dessas
unidades de conservação teve suas áreas sobrepostas sobre as áreas das populações locais,
conflitando, desta forma, com os interesses dessas populações em permanecer na áerea
protegida. Em muitos casos, a criação dessas UC tem gerado disputas traumáticas com as
populações locais, pois a sua implementação tem implicado desapropriação dessas
populações de suas terras, tal qual no caso do PARNA-Jaú.
Interessante registrar que no Anexo C, item 2, tópico ‘considerandos’ consta a
informação sobre estudos que afirmam a existência de moradores no local da área protegida
ainda no século XIX:
Considerando o relatório sobre a relação da Comunidade da Vila de Sucuriju, município de Amapá – AP, com os lagos do norte da Reserva Biológica do Lago Piratuba, de autoria do antropólogo Carlos Emanuel Sautchuk, que afirma a existência de moradores, desde a passagem do século XIX para o XX, tanto no Cabo Norte, região litorânea do município de Amapá - AP (onde hoje se encontra a Vila do Sucuriju) quanto nos lagos – denominados de cinturão lacustre oriental (que passaram a pertencer à Reserva Biológica do Lago Piratuba em 1980).
Outro fundamento dos ‘considerandos’, item 4, faz referência ao art. 42, § 2º, da Lei nº
9.985/00, dispositivo que determina que deverão ser estabelecidas normas e ações específicas
destinadas a “compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os
objetivos da unidade de conservação, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de
103
subsistência e os locais de moradia destas populações”, bem como “assegurando-se a sua
participação na elaboração das referidas normas e ações”.
O último item dos ‘considerandos’, faz alusão ao art. 39 do decreto federal nº
4.340/2002, segundo o qual as condições de permanência das populações tradicionais em
Unidade de Conservação de Proteção Integral serão reguladas por termo de compromisso,
negociado entre o órgão executor e as populações, ouvido o conselho da unidade de
conservação.
O Termo de Compromisso nº 001/2006 firmado entre o IBAMA, à época órgão
ambiental responsável pela gestão das UC, e a Comunidade do Sucuriju, é composto de 30
cláusulas, que estabelecem vigência, objeto, as condições de acesso à área protegida,
identificação de moradores cadastrados, proibição de uso de locais de reprodução de
espécies, proibição de determinados procedimentos de pesca, regulação da pesca de
determinadas espécies, inclusive estabelecendo o número do anzol, previsão de avaliações
semestrais, enfim um documento amplo.
Na cláusula primeira estabelece que estará vigente o referido instrumento “enquanto os
lagos do cinturão lacustre oriental (que hoje fazem parte da Reserva Biológica do Lago
Piratuba) forem imprescindíveis para a subsistência da Vila do Sucuriju e existirem as
moradias sazonais dos pescadores nesses lagos”.
O objetivo é estabelecer normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a
presença dos pescadores da Vila do Sucuriju, no interior da Reserva Biológica do Lago
Piratuba, com os objetivos da unidade de conservação, sem prejuízo dos modos de vida, e
com a presença da comunidade, seja na REBIO do Lago Piratuba ou no PARNA-Jaú, na
construção do termo de compromisso, em razão do princípio da participação.
3.4 A CONSTRUÇÃO DO TERMO DE COMPROMISSO E A PARTICIPAÇÃO DA DA COMUNIDADE
Um dos objetivos do SNUC é a proteção dos recursos naturais necessários à
subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua
cultura e promovendo-os social e economicamente e, como uma de suas diretrizes, a garantia
às populações tradicionais, cuja sobrevivência dependa da utilização de recursos naturais
104
existentes no interior das unidades de conservação, de meios de subsistência alternativos ou
da justa indenização pelos recursos perdidos.
As populações tradicionais constituem grupos sociais que construíram seus saberes
em um determinado território e possuem modos distintos de utilização dos recursos naturais,
que, como salientado, não representam degradação ao meio ambiente, ao contrário,
asseguram o seu modo de fazer e viver em comunidade e a sua identidade cultural, modos
esses tutelados constitucionalmente.
SCHERL (2004) indica a necessidade de se desenvolver pesquisas sobre alternativas
econômicas sustentáveis capazes de incorporar as técnicas típicas dessas comunidades locais.
Tal parceria pode minimizar os conflitos decorrentes das desigualdades socioculturais que
não contribuem para o projeto de conservação da biodiversidade. Assim, SCHERL discute a
importância e as possibilidades de gerir as Unidades de Conservação como um núcleo para,
além da preservação dos recursos, também reduzir a pobreza e a marginalização de
populações tradicionais que dependem dos recursos presentes nessas áreas.
O atual modelo de UC sinaliza para uma necessidade de mudança na ciência moderna
que considera os “outros saberes” e formas de aquisição de conhecimento sobre a natureza
como “irracionais” e, por isso, irrelevantes ao progresso da sociedade. Nesse passo, a
incorporação das comunidades tradicionais locais em um processo democrático de decisões
sobre a conservação da natureza tende à utopia, dada a centralidade política que a ciência
moderna e seus produtos ocupam na sociedade contemporânea.
É a caracterização de uma situação de “invisibilidade” e “ilegalidade” de grupo de
pessoas em pleno Estado Democrático de Direito.
Dallari (1993, p. 129) acentua que “sendo o Estado Democrático aquele em que o
próprio povo governa, é evidente que se coloca o problema de estabelecimento dos meios
para que o povo possa externar sua vontade”, pois o mínimo que qualquer cidadão possui é o
“direito de participar do governo” (DALLARI, 1999).
Sousa Santos (2003, p. 141) identifica uma “democracia participativa”, na qual,
apesar de dizer respeito ao povo indígena Kulina, não há limitação para as populações
tradicionais, uma vez que no Brasil, “Estado constitucional, este é ‘mais’ do que o Estado de
Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check
the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação desse mesmo poder (to
legitimize state power). (CANOTILHO, 1998, p. 93)
105
Vale ressaltar que os órgãos estatais reconhecem a necessidade de participação
popular em unidades de conservação, o que pode ser verificado pela criação do programa de
voluntariado em tais espaços 68:
Art. 6º. Qualquer unidade de conservação federal, estadual ou municipal, de categoria prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza poderá participar do Programa de Voluntariado.
Essa é a recomendação do “Quinto Congresso Mundial de Parques Nacionais e
Áreas Protegidas”, em relação às áreas protegidas:
As áreas protegidas não devem existir como ilhas, divorciadas contexto social, cultural e econômico em que se encontram (Recomendação 5,29, V Congresso Mundial de Parques da IUCN, in Scherl et al., 2004, p. 3).
O termo de compromisso é documento que se originou da reação dos moradores e ex-
moradores do Parque Nacional do Jaú que se mobilizaram e foram reivindicar o respeito a
sua dignidade, justamente nessa forma de “democracia participativa” a que aludiu Sousa
Santos.
Pelo fato de ser um termo de compromisso, portanto, no mínimo possui natureza
contratual tendo em vista a necessidade de impor deveres e obrigações às partes contratantes,
existindo a bilateralidade obrigacional, busca-se, de início, fundamento no Título V do
Código Civil (Dos contratos em geral), constando a seguinte a redação do art. 851:
Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar. (grifos nossos)
Poder-se-ia cogitar da utilização desse dispositivo pelo fato de haver litígio, embora
não há lide, por exemplo, entre órgão ambiental e moradores do PARNA-Jaú. Todavia, o art.
852 do Código Civil apresenta-se como uma barreira intransponível a esta utilização:
Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. (grifos nossos)
É imperioso destacar a natureza jurídica do termo de compromisso, uma vez que
compulsando o Código Civil Brasileiro, não há como aplicá-lo às disposições do objeto desta
pesquisa, em que pese ter sido o referido código atualizado perante a Constituição vigente.
68 Portaria nº 19 - IBAMA, de 21 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a criação do Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação.
106
Como abordado em tópicos anteriores (1.5 e 1.6), não se trata no presente caso de
questão patrimonial, mas de simbolismos e preservação da identidade cultural e mesmo do
respeito à dignidade, o que exclui a utilização do Código Civil como fundamento do
instrumento jurídico objeto desta pesquisa.
Apesar de não haver possibilidade de aplicação do Código Civil em relação à natureza
do termo de compromisso, aproveita-se o art. 851 em relação à capacidade para “contratar”,
inserto no caput, do art. 5º, do referido diploma legal, pois para a validade do ato o Código
Civil requer agente capaz, sendo tal capacidade aferida no momento do ato (VENOSA,
2004).
Em virtude da presença de órgão público, no caso, o ICMBio, uma autarquia federal,
poderia ser imputada ao termo de compromisso a natureza de contrato administrativo. Ocorre
que, na sua formatação, o termo de compromisso, conforme o caput do art. 39, do Decreto nº
4.340/2002, deve ser fruto de solução ‘negociada’ entre o órgão executor e as populações,
ouvido o conselho da unidade de conservação.
Outra característica elementar do contrato administrativo é a “supremacia de uma das
partes, que, a seu turno, procede da prevalência do interesse público sobre interesses
particulares” (MELLO, 2002, p. 554).
Assim, ao termo de compromisso previsto no art. 39, do Decreto nº 4.340/2002 não
pode ser dedicada, exclusivamente, a natureza de contrato administrativo, vez que não surgiu
do poder de império da Administração Público e não possui, por exemplo, as chamadas
“cláusulas exorbitantes” 69; esse instrumento tem natureza híbrida, ou então, como a própria
situação fática o ampara, ele é um documento plural, multifacetário, vez que se origina da
‘negociação’ entre o morador, seu grupo comunitário e o órgão público ambiental.
Seguindo o conceito de contrato administrativo, é difícil enquadrar o termo de
compromisso em tal definição:
[...] é um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado (MELLO, 2002, p. 557-558).
69 No Direito Administrativo, compreende as prerrogativas da Administração que, assim, exorbitam do Direito Privado (DE PLÁCIDO E SILVA, 2002, p. 173), tais como a rescisão unilateral por parte da Administração e a cláusula da exceção ao contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus).
107
O termo de compromisso pode ser nominado de “contrato atípico”, uma vez que
“tanto quanto os particulares, o Estado pode encontrar-se na situação de insuficiência dos
modelos contratuais preexistentes” (JUSTEN FILHO, 2000, p. 51).
Na realidade, a natureza jurídica mais aproximada do termo de compromisso é mesmo
do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instrumento jurídico que possui eficácia de
título executivo extrajudicial, largamente utilizado pelo Ministério Público, conforme tópico
3.1 anterior.
Outra relevância desse instrumento jurídico é a possibilidade de resolução de conflitos
sem a submissão ao Poder Judiciário, afastando-se, conseguintemente, do sistema binário que
vigora nas demandas judiciais, vez que não há interesse em soluções não convencionais,
assim como não há preocupação sobre o relacionamento entre as partes.
O que fica patente é o modo de construção desse documento, originado de
assembleias com as comunidades residentes no PARNA-Jaú (Anexo D), com a presença dos
moradores, da ONG Fundação Vitória Amazônica e do órgão ambiental, em reuniões ou
assembleias.
Nessas assembleias, conforme a imagem que se segue, são tratados diversos aspectos,
dentre os quais, por exemplo, os recursos naturais que deverão ser considerados no termo de
compromisso, extrativismo, caça, pesca, regras de convivência, preparação do roçado,
necessidade de serviços (escola, posto de saude, telefone público, poço artesiano, energia
solar).
Figura 6. Fotografia com assembleia do termo de compromisso do PARNA-Jaú
Fonte: Disponível em <http://www.fva.org.br>. Acesso em 13.09.2011.
108
Quando da realização das assembleias, as reuniões são ordenadas em 02 tipos: normas
gerais (normas que cabem a todas as comunidades, que será acordada do mesmo modo com
todos) e normas específicas em relação a cada comunidade (especificidades e necessidades de
cada comunidade, que deverão estar expressas e previstas no Termo).
Exemplo do apoio à comunidade em relação ao meio ambiente, notadamente no caso
de recursos pesqueiros, é o que foi discutido na Ata constante no Anexo D:
[...] A comunidade sugere uma nova área de preservação de quelônios, pois trata-se de uma praia mais protegida, pois fica dentro do lago - lago do Rosário e praia do Panelão. Vila Nunes, representada nessa reunião pelo Sr. Antônio, informa que a área de preservação daquela comunidade é a praia do Vovô e lago do Arraia. Para dar certo, é necessário o apoio da comunidade. Jonas propõe que o ICMBio forme um "fiscal" por comunidade para proteger as praias. (grifos nossos)
Na Ata constante no Anexo D podem ser verificadas as discussões e o resultado com
definições de condutas relativas ao Parque Nacional do Jaú, como se observa em relação à
limitação da pesca:
- Sobre a pesca, as comunidades do PNJ poderão realizar a pesca comercial apenas na área da RESEX. Na área do Parque, não pode haver pesca comercial, ornamental ou esportiva. - Fica definida como área de uso da comunidade Vista Alegre (a mesma na RESEX): parte de cima do lago do Caranguejo até o lado de baixo do lago Acari. - Na discussão sobre a quantidade de peixe para alimentação a ser transportada em viagem para fora do Parque ficou definido que será permitida 10kg por família, dependendo ainda de uma acordo para todo o rio.
Ao final, os presentes subscrevem as atas e após consolidação dos pleitos e a análise
oficial da minuta, o documento retorna para ser apresentado à comunidade, em momento
posterior, para ser discutido e referendado, após o que, quando formalizado, será assinado.
E não há como subsistir a proteção eficaz ao meio ambiente sem o apoio da
comunidade local, considerando que os órgãos ambientais não possuem estrutura de pessoal
capaz de fiscalizar as unidades de conservação, uma vez que, como ressaltado por estudo da
ONU o “Brasil é deficiente na gestão das unidades de conservação” e apresenta “baixo
orçamento para investimento em infraestrutura” 70.
70 Disponível em <http://uc.socioambiental.org/noticia/onu-afirma-que-brasil-%C3%A9-deficiente-na-gest%C3%A3o-das-unidades-de-conserva%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em 15.09.2011.
109
A atual situação do termo de compromisso não permitiu, in locu, o acompanhamento
da gênese e da construção deste instrumento, o que somente foi possível pela análise dos
documentos constantes nos Anexos, considerando que o instrumento em questão vem se
aperfeiçoando desde dezembro de 2003, conforme apresentado no item 3.1.
A ONU ressalta que o Brasil possui a quarta maior área coberta por unidades de
conservação (1.278.190 km²), com um total de 8,5% de sua superfície coberta por UC, mas
fica atrás de nações mais pobres e menores quando são comparados quesitos como
funcionários e orçamento por hectare.
Cita como exemplo a Costa Rica, país da América Central com 4,5 milhões de
habitantes, que possui um funcionário para cada 26 km² de área e investe R$ 31,29 em cada
hectare (10 mil m²). O Brasil, por sua vez, tem um funcionário para cada 186 km² de florestas
protegidas e aplica R$ 4,43 em cada hectare. O número é muito abaixo dos Estados Unidos,
que aplica R$ 156,12 por hectare (35 vezes mais que o Brasil) e tem um funcionário para
cada 21 km².
Obviamente, no caso da Amazônia, a proporção de agentes estatais é ainda menor,
pois como afirma a reportagem retirada da rede mundial de computadores, o próprio
Secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente afirmou que tem
que "usar a criatividade para melhorar a gestão e proteção" e cita ainda como exemplo o
PARNA-Jaú, ao mencionar que devem ser feitas “parcerias com instituições acadêmicas ou
ONGs para uma gestão compartilhada nas unidades de conservação”, salientando que tal
situação “já ocorre nos parques nacionais da Serra da Capivara (PI) e do Jaú (AM)”.
Em verdade, somente a criatividade não basta para atuar na gestão e proteção de uma
unidade de conservação como o PARNA-Jaú que conta, atualmente, com apenas 04 analistas
ambientais, conforme informação obtida em recente documento oficial do ICMBio, o
Boletim Interno do ICMBio nº 154, p. 3.
Sinal da importância do termo de compromisso e, ao mesmo tempo, do início das
discussões sobre tal instrumento jurídico, ainda que passados oito anos de sua instituição
legal, é o fato de no ano de 2010, o ICMBio realizou a primeira “Oficina sobre termos de
compromisso com populações tradicionais em unidades de conservação da natureza de
proteção integral”, no período de 10 a 13 de novembro de 2010, em Brasília-DF, consoante
informação obtida em recente documento oficial do ICMBio, o Boletim Interno do ICMBio
nº 123, p. 10.
110
3.5 A MINUTA DO TERMO DE COMPROMISSO DO PARNA-JAÚ
Uma das providências elecandas no TAC firmado pelo MPF e IBAMA no dia 19 de
dezembro de 2003 (Anexo B), foi cumprida em 21 de junho de 2006, com a edição do
Decreto s/nº, que criou a Reserva Extrativista Rio Unini, no Município de Barcelos, Estado
do Amazonas, abrangendo uma área de aproximadamente oitocentos e trinta e três mil,
trezentos e cinquenta e dois hectares, localizada na confluência do Rio Unini com o Rio
Negro.
A RESEX Rio Unini tem por objetivo, de conformidade com o art. 2º, do Decreto
s/nº, de 21 de junho de 2006, proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista
residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da
unidade.
Apesar desta pesquisa estar direcionada para uma unidade de proteção integral, não é
somente em unidades de uso indireto que ocorrem conflitos, como ressaltado por Oliveira &
Camargo (2006), em artigo sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé.
Oliveira & Camargo (2006, p. 219) concluem que “a exclusão das populações
tradicionais (usuários locais dos recursos naturais) da formação e gestão das unidades de
conservação é prejudicial para o meio ambiente natural e para a efetivação do
desenvolvimento sustentável”, pois é uma exclusão (baseada em uma ideologia
preservacionista) que prejudica a interação do homem com o meio que o circunda e gera
problemas sociais, ensejando a pobreza.”
Há também exemplos exitosos da relação homem-natureza e um deles é o caso da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
A área da Reserva, criada em 1990, inicialmente como Estação Ecológica (Decreto nº
12.836 de 9 de março de 1990), numa área de 1.124.000 hectares, localiza-se no município de
Tefé, no interior do Estado do Amazonas, fazendo limites com os municípios de Maraã,
Alvarães, Uarini, Juruá e Fonte Boa, distando cerca de 600 km de Manaus, na região do
Médio Solimões, na confluência dos rios Solimões e Japurá, entre as Bacias do Rio Solimões
e do Rio Negro. Sua porção mais a leste fica nas proximidades da cidade de Tefé, no
Amazonas. (BANNERMAN, 2008)
111
Conforme Bannerman (2008), as comunidades residentes na época da instituição da
unidade de conservação, cuja categoria inicial - estação ecológica - é incompatível com o uso
dos recursos naturais, viviam da pesca e da coleta e da agricultura de subsistência. Tal fato
motivou a adequação jurídica da unidade de conservação à realidade local, sendo que, em
1996, Mamirauá foi reclassificada pelo Governo do Estado do Amazonas em Reserva de
Desenvolvimento Sustentável.
Os territórios em que vivem as comunidades tradicionais contam fragmentos de sua
memória sobre o passado vivido “no sítio”, do seu presente sofrido e de um futuro incerto.
Como muito bem alertado por Toledo (1988 apud PRIMACK E RODRIGUES, 2001, p.282),
não há como resguardar a herança natural de um país, sem que seja dado valor equivalente
para a herança cultural:
É difícil planejar uma política de conservação em um país que é caracterizado pela diversidade cultural de sua população rural, sem levar em consideração a dimensão cultural; o profundo relacionamento que existe desde os remotos tempos entre natureza e cultura. Cada espécie de planta, grupo de animais, tipo de solo e paisagem quase sempre tem uma expressão linguística correspondente, uma categoria de conhecimento, um uso prático, um sentido religioso, um papel em um ritual, uma vitalidade individual ou coletiva. Salvaguardar a herança natural do país sem resguardar as culturas que lhe tem dado vida, é reduzir a natureza a algo sem reconhecimento, estático, distante, quase morto. (grifos nossos)
Com base no Termo de Compromisso nº 001/2006, firmado entre o IBAMA e a
Comunidade do Sucuriju, constante no Anexo C, comparando-a com a minuta do Termo de
Compromisso formulado para o Parque Nacional do Jaú (Anexo E), verifica-se não haver o
tópico ‘considerandos’, em que ressalta a existência de populações antes da instituição da
área protegida ou que faça referência ao fundamento legal da celebração do instrumento
jurídico.
Delineada a natureza jurídica do termo de compromisso, qual seja documento público
uma vez que tem a atuação de órgão de direito público, o ICMBio, e regula condições de
acesso à área que tem proteção pública, uma unidade de conservação, vê-se que o termo de
compromisso está adstrito às disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, uma vez
que além de licitações, o referido diploma legal também regula os contratos administrativos.
A minuta do termo de compromisso referente ao PARNA-Jaú possui 09 cláusulas,
considerando ter havido incorreção em relação à numeração da oitava cláusula.
112
Cabe o registro de que o termo de compromisso da REBIO do Lago Piratuba possui
um detalhamento maior, em relação à minuta do termo de compromisso do PARNA-Jaú,
acerca das limitações quanto ao uso dos recursos naturais expresso em, pelo menos, 09
cláusulas, regulando inclusive a pesca, e o período, de determinadas espécies.
Além de detalhamento maior no termo de compromisso da REBIO do Lago Piratuba,
verifica-se não ter sido lançada na minuta do termo de compromisso do PARNA-Jaú a
legislação aplicável ao contrato, exigência prevista no art. 55, inciso XII, da Lei nº 8.666/93.
Vale dizer, que no caso da REBIO do Lago Piratuba, esta legislação está presente, é o
Decreto nº 4.340/2002, justamente o diploma legal que fundamenta o instrumento jurídico.
Outro aspecto importante não previsto na minuta do termo de compromisso do
PARNA-Jaú foi sobre a identificação do morador dessa UC, a exemplo do existente no
Termo do Lago Piratuba com documento específico fornecido pelo órgão ambiental, o que
facilita a fiscalização e controle daqueles que pretendem ter acesso à área protegida.
Em relação a determinadas autorizações quanto ao uso dos recursos naturais
destacam-se aqueles previstos na cláusula terceira do Anexo E:
I - continuidade da agricultura familiar com abertura de até 2 quadras/ano por família, nos mesmos locais e áreas hoje em utilização, sendo permitida a abertura de outras áreas nos casos de comprovada necessidade com autorização prévia e supervisão do ICMBio; II - queima controlada em áreas utilizadas para agricultura, com supervisão do ICMBio; III - aproveitamento de madeira em áreas de roçado para finalidades domésticas; IV - reforma das edificações, embarcações e manutenção das benfeitorias já existentes, e ampliação ou construção de novas estruturas avaliadas como indispensáveis à permanência digna, reprodução e subsistência das famílias; mediante autorização do ICMBIO; V - complementação ou substituição de cultura ou atividade por outra de demonstrado menor potencial de impacto ambiental, a ser avaliada pelo ICMBio; VI - corte ou erradicação de espécies vegetais exóticas, sem autorização do ICMBio, exceto nas Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, VII - captura artesanal de peixes, de acordo com as normas aplicadas à pesca, e desde que exercida pelos moradores para consumo próprio, vedada a captura de espécies ameaçadas de extinção, mesmo localmente. VIII - extrativismo vegetal para consumo e para pequena atividade comercial, cora vistas a gerar rendimento económico para compra de diversos insumos necessários a vida cotidiana familiar, devendo a exploração do recurso ser feita de forma manejada e previamente autorizada pelo ICMBio;
113
IX - caça para subsistência, respeitando-se as espécies em extinção, períodos de reprodução e mães acompanhadas de filhotes, zelando pelo não desperdício; X - criação de espécies domésticas de pequeno porte, em cercados adequados e com a supervisão do ICMBio; XI - operação do turismo em base comunitária, respeitado o Plano de Uso Público da unidade.
Em relação a determinadas restrições quanto ao uso dos recursos naturais destacam-se
as seguintes proibições constantes na cláusula quarta do Anexo E:
I - corte de espécies de vegetação nativa, com exceção dos casos de extrema necessidade e devidamente autorizados pelo ICMBio; II - criação, comércio e domesticação de espécies de animais silvestres; III - criação de abelhas exóticas ou de espécies que não ocorrem no Parque; IV - realização de qualquer tipo de barramento nos cursos d'água; V - estabelecimento de tanques para aquicultura; VI - despejo de lixo, resíduos tóxicos e lastros de embarcações nos rios e lagos que compõe os recursos hídricos do Parque.
Restrição inserta na minuta do termo de compromisso do PARNA-Jaú é a limitação
da entrada de não moradores, somente mediante a assinatura de Termo de Não Morador,
prevista na cláusula quinta do Anexo E, em que o morador responsabilizar-se-á pelos atos do
visitante. Nesse caso, tal trecho é de duvidosa legalidade, uma vez que prevê, explicitamente,
hipótese de responsabilização objetiva.
De acordo com o § 1º do art. 39 do Decreto nº 4.340/2002, o termo de compromisso
deve indicar as áreas ocupadas, as limitações necessárias para assegurar a conservação da natureza e os deveres do órgão executor referentes ao processo indenizatório, assegurados o acesso das populações às suas fontes de subsistência e a conservação dos seus modos de vida.
Decompondo-se o dispositivo legal acima em relação à minuta do termo de
compromisso do PARNA-Jaú tem-se que:
I - as áreas ocupadas: o Parque Nacional do Jaú – cláusula primeira; II - as limitações necessárias para assegurar a conservação da natureza: – cláusulas terceira e quarta; III - os deveres do órgão executor referentes ao processo indenizatório: inexiste no termo compromisso; IV –acesso das populações às suas fontes de subsistência e a conservação dos seus modos de vida: das permissões – cláusula terceira.
Outra ausência relevante no termo do PARNA-Jaú é a falta de designação do Foro
para dirimir eventuais conflitos, exigência em qualquer contrato administrativo, conforme
dispõe o § 2º, do art. 55, da Lei nº 8.666/93.
114
O prazo para assinatura do termo de compromisso, segundo o § 3º do art. 39 do
Decreto nº 4.340/2002, é de 01 ano da criação da UC ou de 02 anos da publicação do referido
decreto federal, que, certamente, já foi extrapolado. De qualquer forma, em razão da
característica de “negociação”, posteriormente das análises oficiais a que a minuta deva ser
submetida e retorno à comunidade, tal prazo é, praticamente, inexequível. Mesmo no caso da
REBIO do Lago Piratuba, esse somente foi assinado em 30 de novembro de 2006, portanto
04 anos após a edição do decreto em questão.
De igual forma ao Termo da REBIO do Lago Piratuba é o fato de que, na minuta do
termo de compromisso do PARNA-Jaú, os signatários são o órgão ambiental (ICMBio, no
caso do PARNA-Jaú foi), o morador e o presidente da associação comunitária, consoante
previsão do § 2º do art. 39 do Decreto nº 4.340/2002.
Assim, tomando-se como referência o Termo de Compromisso da REBIO do Lago
Piratuba, único documento desse gênero em execução, e o fato de ainda ser uma minuta o
Termo de Compromisso do PARNA-Jaú, constatam-se ausências relevantes, sejam no âmbito
fático (no caso de limitações a uso de espécies), sejam no âmbito legal (no caso da legislação
aplicável, dos deveres do órgão executor e do foro).
A situação atual do Termo de Compromisso do Parque Nacional do Jaú ainda é a
minuta apresentada no Anexo E, encaminhada ao órgão sede do ICMBio em Brasília-DF por
meio do Memorando PNJ nº 055/2009, datado de 03 de novembro de 2009, constante no
Anexo F.
Após análise da minuta pelo órgão sede do ICMBio e retorno à sede em Manaus, a
minuta foi objeto de novas assembleias, nos dias 16 e 17 de fevereiro de 2011, com técnicos
da FVA, do ICMBIO e representantes da Associação dos Moradores do Rio Unini
(AMORU).
Conforme informação da Fundação Vitória Amazônica, “neste evento foram reunidas
todas as comunidades do Rio Unini para discutir e acordar a minuta do termo de
compromisso e rever as regras que irão compor o anexo normativo do documento.” 71
71 Disponível em <http://www.fva.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=97:fva-e-icmbio-discutem-termo-de-compromisso-com-comunidades-do-parque-nacional-do-jau&catid=3:noticias&Itemid=1>. Acesso em 13.09.2011.
115
Participaram da Assembleia 41 representantes das comunidades Floresta, Tapiíra,
Manapana, Lago das Pombas, Vista Alegre localizadas no Parque, Terra Nova, Patauá e Lago
das Pedras. A expectativa é que até o final de 2011, os termos de compromisso sejam
assinados entre as famílias moradoras do rio Unini e os gestores do Parque Nacional do Jaú.
116
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia de que o homem está inserido no ecossistema e dele necessita para sua
sobrevivência conduz à conclusão de que o meio ambiente é direito humano fundamental de
terceira geração. É exatamente isso que ocorre com o Direito Ambiental, relacionando-se
com o direito à vida num ambiente ecologicamente equilibrado. É bem indivisível por
natureza, não sendo passível de apropriação. Nesse sentido, é imperioso limitar seu uso no
presente para tê-lo no futuro.
Contudo, para que as áreas protegidas consigam alcançar os objetivos pretendidos, em
primeiro lugar, elas não poderão permanecer como “ilhas de preservação” do meio natural,
isoladas da realidade local; em segundo lugar, esses espaços protegidos não devem ser
instituídos sem consultar a sociedade, especialmente as comunidades diretamente afetadas;
em terceiro lugar, criação de áreas de proteção ambiental poderá ser compatível com a
presença das populações tradicionais, que também podem auxiliar na gestão dessas áreas.
O movimento preservacionista, inspirado em uma perspectiva ecocêntrica, trata como
ilegal a presença humana nos biomas, por ser entendida como destruidora dos ecossistemas
naturais. Tal ideologia, inspirada no modelo norte-americano do primeiro parque nacional no
mundo, o Yellowstone, desencadeou a criação de diversos outros parques nacionais.
As unidades de conservação exercem um relevante papel para a conservação dos
recursos naturais dos ecossistemas, com a preservação de amostras representativas de áreas
naturais e de sua diversidade biológica, bem como a manutenção da estabilidade ecológica
dos territórios próximos e os valores culturais de uma população circunvizinha.
E, nesse processo, há diversas terminologias para definir uma categoria específica de
manejo, como parques, reservas, florestas, entre outras. Outrossim, tais nomenclaturas não
têm serventia alguma se as normas e as diretrizes de planos de manejo de uma unidade não
forem respeitadas e praticadas, bem como a sua legislação.
As primeiras unidades de conservação foram criadas sem nenhum tipo de critério
científico e técnico, isto é, estabelecidas apenas em razão de suas belezas cênicas, resultando
em processo de criação deficiente e gestão precária. O que ocorre também é a criação de
unidades como resposta a índices decrescentes de biodiversidade em ecossistemas do planeta,
com a pretensão de reverter o processo de extinção de recursos em constante aceleração em
razão da ação predatória do homem sobre a natureza.
117
A criação do Parque Nacional do Jaú também foi inspirada nesse ideário em que o
homem deve ser apartado da natureza e mais, de que não havia a existência de pessoas na
área delimitada.
O que se percebe é que, tão somente, a criação de unidades não garantirá a
conservação dos recursos naturais se forem executadas sem políticas de defesa do meio
ambiente e sem a participação das comunidades locais, somadas a uma educação e
consciência ambiental nessas comunidades.
Além da falta de preparo de técnicos e de esclarecimento da população, outros fatores
comprometem a conservação da biodiversidade, dentre as quais a problemática da questão
fundiária, a fiscalização precária, demora na aplicação de multas e compensações em relação
à área degradada, bem como a infraestrutura (física e humana) das unidades.
A condição de país megadiverso e plural da República Federativa do Brasil não pode
deixar excluir a diversidade cultural como participante e, em alguns momentos, agente desta
constituição biodiversa, até porque a diversidade cultural, consubstanciada nos direitos
culturais, também é direito humano.
Com efeito, um dos elementos marcantes da forma de organização social das
populações tradicionais é o modo com se relacionam com a natureza. É certo que todos os
grupos sociais possuem certa interdependência com os recursos naturais, mas para essas
populações a importância de tal relação possui inúmeras particularidades, não sendo legítimo
qualquer tipo de comparação entre essas e as sociedades ditas industriais.
As populações tradicionais, tal qual aquelas que habitam o Parque Nacional do Jaú, se
inserem nas discussões acerca da biodiversidade contrapondo-se às teses preservacionistas
fundamentadas na separação entre homem e natureza, sendo o termo de compromisso o
instrumento jurídico que consagra essa inclusão, afastando, inclusive no campo legal, a ideia
excludente da relação homem-natureza.
Desta feita, para países em desenvolvimento como o Brasil, considerando a estreita
relação entre sociodiversidade e biodiversidade, há necessidade de alternativas que permitam
não apenas a proteção da biodiversidade, mas o desenvolvimento social, principalmente dos
povos tradicionais.
A conservação diz respeito à estratégia de uso da natureza em bases sustentáveis, isto
é, fundadas em manejo, racionalidade da exploração dos recursos considerando o homem
118
como sujeito no equilíbrio de tal relação. Assim, a estratégia de uso sustentável dos recursos
naturais insere os povos tradicionais como atores da proteção da biodiversidade.
Nesse passo, quando se cria uma área protegida, devem-se levar em consideração
todos esses aspectos, inclusive a possibilidade de uma relação simbiótica entre homem e
natureza, como ocorre no Parque Nacional do Jaú, pois exsurge uma indagação: como pode
ser protegido o patrimônio cultural brasileiro, que possui tutela constitucional, com a
exclusão de populações do local onde a cultura se originou?
Tal política unilateral de criação de unidades de conservação em áreas de que já
habitavam populações tradicionais tem levado a uma colisão de dois direitos fundamentais
garantidos constitucionalmente: o direito cultural e o natural.
Neste caso, há um ‘choque’, um autêntico conflito de direitos. Trata-se de um
autêntico conflito entre direitos fundamentais e bens jurídicos das populações tradicionais,
expressado pelo patrimônio cultural, e o direito de preservação de um bem ambiental, no caso
o meio ambiente.
Tendo em vista que no ordenamento jurídico brasileiro inexiste normas
constitucionais inconstitucionais, ou seja não há possibilidade de uma antinomia
constitucional, para a solução desse conflito deve-se partir do pressuposto de que todos os
direitos têm, em princípio, igual valor, devendo os seus conflitos serem solucionados por
meio do recurso ao princípio da concordância prática, de modo que não pode levar ao
sacrifício ou aniquilação de um em relação ao outro.
As definições de unidades de conservação contêm os princípios conservacionistas do
início do século, com valores socioculturais diferentes dos que existem na realidade brasileira
hodierna; por isso exigem mudanças e atualizações capazes de abarcar tais princípios e
valores e fazer com que seus preceitos sejam aplicáveis ao abrigo de novos paradigmas.
Na elaboração das normas, o legislador deixa-se impregnar pelos valores
socioculturais vigentes em um dado momento histórico. Logo, a mens legis espelha o espírito
sociocultural vigente à época de sua elaboração.
Antes que as populações tradicionais desapareçam mais rápido do que as florestas
tropicais nas quais habitam, é mister conhecer o modo de vida dessas populações, pois grande
parte do conhecimento sobre os recursos naturais são obtidos por meio da tradição.
119
A defesa do meio ambiente é maior do que a defesa somente da flora, da fauna e do
meio físico; inclui também o ser humano, através de suas atividades culturais e materiais,
consubstanciado a diversidade cultural de um país plural.
Registre-se aspecto assaz paradoxal em relação ao tema objeto desta pesquisa: a
instalação de uma unidade de proteção integral com comunidades no seu interior, no caso no
Parque Nacional do Jaú, só reforça o fato de que, nessa situação, tais grupos humanos não
degradaram o meio ambiente. Ao revés, se aquelas comunidades tivessem causado
degradação sensível ao meio ambiente, não se teria uma unidade de proteção integral.
Não pode deixar de ser reconhecido o valor das unidades de conservação para
proteção da biodiversidade; outrossim, a eventual retirada de populações da áreas que o
Estado “pretendeu proteger” pode significar a acelerada degradação ambiental daqueles
espaços.
De outra parte, cada vez mais se reconhece o papel relevante das populações
tradicionais para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais, pois essas populações
possuem conhecimentos e práticas de subsistência que são adequadas ao meio em que vivem
e possuem um papel de “guardiães do patrimônio biogenético do planeta”, sem perder de
vista que também há registros de mau uso dos recursos naturais ou utilização de áreas
protegidas, tais como “veraneios” ou com vistas à especulação imobiliária, como ocorre em
exemplos antes mencionados na Mata Atlântica.
Ademais, os princípios que inspiraram a criação de algumas unidades de conservação,
a exemplo do Parque Nacional do Jaú, são anteriores à Constituição atual, merecedores,
portanto, de uma revisão normativa para se harmonizarem com os mandamentos
constitucionais, em especial o postulado da dignidade humana. Caso contrário, estaríamos,
em tese, diante de uma inconstitucionalidade, pois se de um lado a Constituição tutela os
elementos naturais, artificiais e culturais, de outro, a lei ordinária e os agentes do poder
público ambiental desconsideram o aspecto cultural.
Vale dizer que a criação do PARNA-Jaú foi inspirada em cartografia política, em que
as pessoas lá existentes eram invisíveis e após passaram a ser transgressores. Hoje, tais
pessoas passam a buscar uma “cartografia da existência”.
Não se pode partir da premissa que a presença humana seja nociva ao ambiente.
Devem ser utilizados critérios objetivos e técnicos hábeis a essa constatação, afastando
‘subjetivismos’ e ‘generalismos’. Tais critérios podem estar elencados no termo de
120
compromisso que se reveste de verdadeiras ‘regras de convivência’ entre homem e natureza,
limitando a ação humana nos espaços protegidos.
Os povos tradicionais têm travado uma luta em busca de seu protagonismo no uso dos
recursos naturais, consubstanciando uma ‘desobediência civil’ de não aceitação de um
modelo ‘pós-posto’, sem reconhecer a realidade local.
No caso das comunidades presentes no Parque Nacional do Jaú, não há na literatura
oficial pesquisada elementos ou informações que permitam indicar que tal população esteja
causando degradação ao meio ambiente; talvez, até mesmo, possa ser indicativo do trabalho
de conscientização realizado para a consecução do termo de compromisso.
A área do Parque Nacional do Jaú é de difícil acesso e, diferente de diversas outras no
país, não apresenta proximidade com estradas ou rodovias ou mesmo aglomerados urbanos,
de modo que as comunidades ali instaladas, obrigatoriamente, optaram por esse modo de vida
que causa pouquíssima degradação ao meio ambiente natural.
O termo de compromisso, originário do poder estatal, é um exemplo de instrumento
de democracia direta que permite a construção de um documento oficial no seio da
comunidade, com a participação desta e de órgãos públicos e não governamentais,
normatizado, estipulando ‘regras de conduta’ dos recursos naturais em relação aqueles que
habitam espaços protegidos.
Percebe-se não haver esgotamento do modelo estatal, mas a necessidade da
participação e cooperação de outros atores para a consecução dos objetivos propostos pelo
próprio Estado, qual seja, a proteção de determinados espaços territoriais.
O termo de compromisso, assim, revela-se também uma solução negociada, uma
forma de mediação social, sem perder o caráter cogente, uma vez que também impõe
sanções, mas não de inspiração unilateral, evitando a via “de cima para baixo”, de molde a
evitar flagrantes injustiças e evidenciando prática democrática, ao prever a participação do
cidadão, respeitando a sua dignidade, relevando a cidadania, ao mesmo tempo em que prevê
limitações ao uso dos recursos naturais.
121
REFERÊNCIAS
AB’SÁBER, Aziz. A teoria dos refúgios. Revista Estudos Avançados, nº 15, p. 9-11. São Paulo: IEA/USP, 1992. ALMANAQUE ABRIL. São Paulo: Abril, 2001. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de Preto, Terras de Santo, Terras de Índio: uso comum e conflitos. In: Castro, E. M.; Hebette, J. (org.) Na Trilha dos Grandes Projetos. Belém: NAEA/UFPA, 1989. ______. (coord.). Ribeirinhos e Quilombolas: Ex-moradores do Parque Nacional do Jaú, Novo Airão, Amazonas. Fascículo 5. Brasília: Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, 2007. ______. Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais do povo”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: Coleção “Tradição & Ordenamento Jurídico”. Vol 2. Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2006. AMEND, S. Parque Nacional El Ávila. Caracas: GTZ, 1991. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. ARAÚJO, André Vidal de. Introdução à Sociologia da Amazônia: formação social e cultural. 2. ed. Manaus: Valer, 2003. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. AUBRETON, Thérèse. Plano de Uso Público para o Parque Nacional do Jaú. Manaus: IBAMA/Ministério do Meio Ambiente, 2002. BANNERMAN, Matt. Mamirauá: um guia da história natural da várzea amazônica. 2. ed. Tefé: Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, 2008. BARRETTO FILHO, Henyo Trindade. Da Nação ao Planeta através da Natureza.: uma abordagem antropológica das unidades de conservação de proteção integral na Amazônia brasileira. Tese de Doutorado em Antropologia Social. São Paulo, 2 vol., FFLCH/ USP, 2001, 528p. _______. Populações Tradicionais: introdução à crítica da ecologia política de uma noção. In: ADAMS, Cristina; MURRIETA, Rui e NEVES, Walter (orgs.), Sociedades Caboclas Amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume, 2006. _______. Preenchendo o buraco da rosquinha: uma análise antropológica das unidades de conservação de proteção integral na Amazônia brasileira. In: ESTERCI, Neide; LIMA, Deborah; LENA, Philippe (ed.). Boletim Rede Amazônia: diversidade sociocultural e políticas ambientais. Ano 1, n.1. Rio de Janeiro, 2002, p. 45-49.
122
_______. Impressões sobre populações tradicionais em unidades de conservação. Entrevistador: Marcelo Azevedo de Paula, Manaus: 2010. Entrevista realizada em 16/07/2010, no Auditório da Reitoria da UEA, por ocasião do “Simpósio Internacional sobre conhecimentos tradicionais na Pan-Amazônia”, promovido pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA/PPGAS-UFAM, em Manaus-AM. BENATTI, José Heder. Diagnóstico fundiário do Parque Nacional do Jaú. Manaus: FVA/IBAMA, 1997. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco-antes e além-depois. Manaus: Umberto Calderaro, 1977. ______. Amazônia: formação social e cultural. 3. ed. Manaus: Valer, 2009. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos e. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57-130. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BORGES, Sérgio Henrique et al. Janelas para a biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma estratégia para o estudo da biodiversidade na Amazônia. Manaus: Fundação Vitória Amazônica, 2004. BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. BRAHY, Nicolas. The Property Regime of Biodiversity and Traditional Knowledge: institutions for Conservation and Innovation. Bruxelles: Larcier, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set. 1965. ______. Decreto-Lei nº 289, de 28 de fevereiro de 1967. Cria o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 fev. 1967. ______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 set. 1981. ______. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (Vetado) e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1985.
123
______. Lei nº 7.732 de 14 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de autarquias e fundações públicas federais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 fev. 1989. ______. Lei nº 7.735 de 22 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 fev. 1989. ______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 1993. ______. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 2000. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. ______. Medida Provisória n° 366, de 26 de abril de 2007. Dispõe sobre a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 abr. 2007. ______. Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007. Dispõe sobre a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes; altera as Leis nos 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, 11.284, de 2 de março de 2006, 9.985, de 18 de julho de 2000, 10.410, de 11 de janeiro de 2002, 11.156, de 29 de julho de 2005, 11.357, de 19 de outubro de 2006, e 7.957, de 20 de dezembro de 1989; revoga dispositivos da Lei no 8.028, de 12 de abril de 1990, e da Medida Provisória no 2.216-37, de 31 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 ago. 2007. ______. Decreto Legislativo nº 2, de 05 de junho de 1992. Convenção sobre diversidade biológica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 fev. 1994. ______. Decreto nº 84.017, de 21 de setembro de 1979. Aprova o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 set. 1979. ______.Decreto nº 85.200, de 24 de setembro de 1980. Cria, no Estado do Amazonas, o Parque Nacional do Jaú. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 set.1980. ______. Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 1998.
124
______. Decreto nº 4.340 de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 ago.2002. ______. Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006. Institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas - PNAP, seus princípios, diretrizes, objetivos e estratégias, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 abr.2006. ______. Decreto s/nº, de 21 de junho de 2006. Cria a Reserva Extrativista Rio Unini, no Município de Barcelos, Estado do Amazonas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun.2006. ______. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 fev. 2007. ______. Decreto nº 6.100, de 26 de abril de 2007. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 abr. 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2076/AC. Relator Ministro Carlos Velloso. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 15.10.2011.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus (HC) nº 97.256/RS. Relator Ministro Ayres Britto. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em 15.10.2011.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança (MS) nº 24.645-MC-DF. Relator Ministro Celso de Mello. Disponível em: < http://www.stf.jus.br>. Acesso em 15.10.2011.
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) nº 26.071/DF. Relator Ministro Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 15.10.2011. BRITO, Maria Cecília Wey de. Unidades de conservação: intenções e resultados. 2. ed. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2003. BRITO, Rosa Mendonça de. O homem amazônico em Álvaro Maia: um olhar etnográfico. Manaus: Valer, 2001. CAMPOS, João Batista. O Parque Nacional de Ilha Grande no contexto de conservação da biodiversidade. In:______ (org.). Parque Nacional de Ilha Grande: re-conquista e desafios. 2. ed. Maringá: IAP, 2001.
125
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1998. ______. Direito Constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In:______; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1-11. COLCHESTER, Marcus. Resgatando a natureza: comunidades tradicionais e áreas protegidas. In: DIEGUES, Antonio Carlos (org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 225-256. COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, Desigualdades. In: Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 69-78. CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. ______; ALMEIDA, Mauro Wagner Berno de. Populações tradicionais e conservação ambiental. In: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro et al. (orgs.). Biodiversidade na Amazônia brasileira: avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios. São Paulo: Estação Liberdade, Instituto Socioambiental, 2001. p. 184-193. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. ______. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1999. DANTAS, Fernando Antônio de Carvalho. A "cidadania ativa" como novo conceito para reger as relações dialógicas entre as sociedades indígenas e o Estado Multicultural Brasileiro. In: Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus. ano. 2, n.º 2.: Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 215-230. ______. Humanismo latino: o Estado brasileiro e a questão indígena. In: MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e o estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003. p. 474-519. DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ______; COSTA, José Augusto Fontoura (orgs.). Direito ambiental internacional. Santos: Leopoldianum, 2001. DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
126
______. Construção da etnoconservação no Brasil: o desafio de novos conhecimentos e novas práticas para a conservação. In: PEREIRA, Henrique dos Santos et al (orgs.). Pesquisa interdisciplinar em ciências do meio ambiente. Manaus: Edua, 2009, p. 11-22. ______; ARRUDA, Rinaldo S.V. (orgs.). Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001. DOURADO, Sheilla Borges. Os conhecimentos tradicionais como objeto de disputas no campo: a diversidade dos sentidos relacionais. In:______; ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de et al (orgs.). Caderno de debates Nova Cartografia Social: conhecimentos tradicionais na Pan-Amazônia. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/UEA Edições, 2010.2, p. 55-63. DOWIE, Mark. Refugiados da Conservação. In: DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana (org.). A Ecologia política das grandes ONGs transnacionais conservacionistas. São Paulo: NUPAUB/USP, 2008, p.113-124. ESTERCI, Neide; LIMA, Deborah; LENA, Philippe (ed.). Boletim Rede Amazônia: diversidade sociocultural e políticas ambientais. Ano 1, n.1. Rio de Janeiro, 2002, p. 3-5. EVANS, Clifford; MEGGERS, Betty J. Guia para prospecção arqueológica no Brasil. Belém: Museu Emílio Goeldi, Séries Guias n. 02, 1965. FACHIN, Luiz Edson. Homens e mulheres do chão levantados. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v.1, n.1, p. 23-37, agosto-dezembro 2003. FÁVERO, O. A. Do berço da siderurgia brasileira à conservação de recursos naturais – um estudo da paisagem da Floresta Nacional de Ipanema (Iperó – SP). São Paulo. Dissertação de Mestrado em Ciências – Geografia Humana. DG/FFLCH/USP, 2001, 320p. FONSECA, Ozório José de Menezes. Amazonidades. Manaus: Silva, 2004. _______; BARBOSA, Walmir de Albuquerque; MELO, Sandro Nahmias. Manual de Normas para elaboração de monografias, dissertações e teses. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas, 2005. _______. Pensando a Amazônia. Manaus: Valer, 2011. FRAXE, Therezinha de Jesus Pinto. Cultura cabocla-ribeirinha: mitos, lendas e transculturalidade. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2010. FUNDAÇÃO VITÓRIA AMAZÔNICA. Gênese de um plano de manejo: o caso do Parque Nacional do Jaú. Manaus: FVA, 1998. FURLAN, Sueli A. Lugar e cidadania: implicações socioambientais das políticas de conservação ambiental (situação do Parque Estadual de Ilhabela na Ilha de São Sebastião – SP). Tese de Doutorado/Departamento de Geografia/FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000, 481p.
127
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. 1. ed. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2002. GEERTZ, Cliford. Os usos da diversidade. In Horizontes antropológicos, n. 10. Porto Alegre: PPGAS, 1999, p. 9-19. GÓMEZ-POMPA, Arturo; KAUS, Andrea. Domesticando o mito dos ecossistemas virgens. In: Bioscience 42(2), 1992, p. 92-108. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009. GUERRA, Antonio José Teixeira et al. Dicionário de Meio Ambiente. ALENCAR, Erenice Costa (org.). Rio de Janeiro: Thex, 2009. _______; COELHO, Maria Célia Nunes (orgs.). Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2009. HÄRBELE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In:______; MAURER, Béatrice; SEELMAN, Kurt; KLOEPFER, Michael; SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 89-184. HERRERA FLORES, Joaquín. Cultura y naturaleza: la construción del imaginário ambiental bio(socio)diverso. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano 2, n. 2. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2004. INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). Boletim Interno do ICMBio nº 123, Ano IV, 19/11/2010. Brasília: ICMBio, 2010. ______. Boletim Interno do ICMBio nº 154, Ano IV, 15/07/2011. Brasília: ICMBio, 2011. INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Portaria nº 19, de 21 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a criação do Programa de Voluntariado em Unidades de Conservação. ______. Instrução Normativa nº 29, de 31 de dezembro de 2002. Dispõe sobre os acordos de pesca. IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. JACINTO, Andréa Borghi Moreira. Afluentes de memória: itinerários, taperas e histórias no Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: [s.n], 1998, 211p. JELIN, Elisabeth. Cidadania e alteridade: o reconhecimento da pluralidade. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 24, 1996, p. 15-25. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000.
128
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. LEITÃO, Sérgio. Presença humana em unidades de conservação: é possível ? In: LIMA, André (org.). O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 73-84. LEONARDI, Victor. Os Historiadores e os Rios: Natureza e Ruína na Amazônia Brasileira. Brasília: Paralelo 15/UnB, 1999. LEUZINGER, Márcia Dieguez. A Presença de populações tradicionais em unidades de conservação. In: LIMA, André (org.). O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 301-318. LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1989. ______. Raça e história. Tradução de Inácia Canelas. 3. ed. Lisboa: Presença, 1952. LOUREIRO, Antonio José Souto. Síntese da História do Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial, 1978. MAATHAI, Wangari Muta. Inabalável: memórias. Tradução de Janaína Senna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MACHLIS, Gary E.; TICHNELL David L. The state of the world´s parks: an international assessment for resource management, policy and research. London: Westview Press, 1985. MAIA, Álvaro. Beiradão. 2. ed. Manaus: Valer, 1999. MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos dos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1978. MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico. Espaços ambientais protegidos e unidades de conservação. Curitiba: Champagnat, 1993. ______. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 1998 ______. Presença de populações tradicionais em unidades de conservação. Entrevistador: Marcelo Azevedo de Paula, Manaus: 2010. Entrevista realizada em 13/08/2010, no Auditório da Pontifícia Universidade do Paraná, por ocasião do “V Simpósio de Dano Ambiental na Sociedade de Risco / III Encontro Nacionais dos Grupos de Pesquisa em Direito Ambiental”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/PR, em Curitiba-PR, no período de 11 a 13/08/2010. MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Aspectos introdutórios ao Estado Mundial Ambiental. 3. rev. São Paulo: Clube dos Autores, 2009.
129
MCCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume-Damará, 1992. MEDEIROS, João de Deus. Criação de unidades de conservação no Brasil. In: ORTH, Dora; DEBETIR, Emiliana (orgs.). Unidades de Conservação: gestão e conflitos. Florianópolis: Insular, 2007. MEGGERS, Betty J. Amazônia: a ilusão de um paraíso. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987. MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito ambiental. São Paulo: LTr, 2001. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Araújo Esteves. Direitos humanos: coletânea de legislação. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. MELLO, Thiago de. Amazonas, pátria da água: Notícia da visitação que fiz no verão de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5. ed. São Paulo: RT, 2004. MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. MONJEAU, A. Conservación de la biodiversidad, áreas protegidas y gente: escalas diferentes, problemas diferentes. 2007. In: Nunes, M. de L.; Takahashi, L. Y.; Theulen, V. (orgs.). Unidades de Conservação: Atualidades e tendências 2007. Curitiba: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. MOORE, Alan; OMARZÁBAL, César. Manual de planificadón de sistemas nacionales de areas silvestres protegidas en America Latina: metodologia y recomendaciones. Santiago: Proyecto FAO/PNUMA, 1988. MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos Direitos Fundamentais: Contribuição para uma Teoria. São Paulo: LTR, 1997. MORÁN, Emílio F. Adaptabilidade humana: Uma introdução à Antropologia Ecológica. São Paulo: Universidade de São Paulo: 1990. ______. A ecologia humana das populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1990a. MOREIRA, A. et al. Presença humana em unidades de conservação. Seminário Internacional sobre Presença Humana em Unidades de Conservação. Anais. Brasília, 1996.
130
MORSELLO, Carla. Áreas protegidas públicas e privadas: seleção e manejo. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2008. ______. Unidades de conservação públicas e privadas: seleção e manejo no Brasil e pantanal mato-grossense. In: JACOBI, Pedro Roberto (org.). Ciência Ambiental: os desafios da interdisciplinaridade. São Paulo: PROCAM/FAPESP/Annablume, 2001. MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo ? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumman. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. NEVES, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. OLIVEIRA, Evelinn Flores de; CAMARGO, Serguei Aily Franco de. Desenvolvimento sustentável em unidades de conservação. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano 4, n. 7. Manaus: Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2006, p. 203-221. OLIVEIRA, João Pacheco de. A fronteira e seus cenários: Narrativas e Imagens sobre a Amazônia. In: NORONHA, Nelson Matos de; ATHIAS, Renato (orgs.). Ciência e saberes na Amazônia: indivíduos, coletividades, gêneros e etnias. Recife: UFPE, 2008, p. 13-32. ORTH, Dora; DEBETIR, Emiliana (orgs.). Unidades de Conservação: gestão e conflitos. Florianópolis: Insular, 2007. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. PÁDUA, Maria Tereza Jorge. Unidades de Conservação: muito mais dos atos de criação e planos de Manejos. In: MILANO, Miguel Serediuk (org.). Unidades de Conservação: Atualidades e Tendências. Curitiba: Fundação O Boticário. 2002. p. 3-13. PNUMA. Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.biodiv.org>. Acesso em 15.07.2011. PRIMACK, Richard B. e RODRIGUES, Efraim. Biologia da Conservação. Londrina: Rodrigues, 2001. QUINTÃO, A. Evolução do conceito de parques nacionais e suas relações com o processo de desenvolvimento. In: Brasil Florestal. Brasília: IBDF, ano XII, n.54,1983. RANGEL, Vicente Marotta. Direito e relações internacionais. 7. ed. São Paulo: RT, 2002. REVISTA ÉPOCA. Rio de Janeiro: Globo, edição nº 652, de 15 de novembro de 2010, “Quanto mais quente melhor”, de Peter Moon, p. 74-75. RIBEIRO, Berta. Os índios das águas pretas. São Paulo: Edusp/Cia das Letras, 1995. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social. In: Revista Interesse Público, n. 04, 1999, p. 23-48.
131
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005. SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In:______; MAURER, Béatrice; SEELMAN, Kurt; KLOEPFER, Michael; HÄRBELE, Peter (Orgs.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. SAUTCHUK, Carlos Emanuel. O Arpão e o Anzol: técnica e pessoa no estuário do Amazonas (Vila Sucuriju, Amapá). Tese de Doutorado/Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2007, 402p. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Cia das Letras, 1996. SCHERL, Lea M. et al. Can Protected Areas Contribute to Poverty Reduction? Opportunities and Limitations. IUCN, Gland, Switzerland and Cambridge, UK, 2004. Disponível em: <http://www.iucn.org>. Acesso em 03.07.2010. SEELMAN, Kurt; KLOEPFER, Michael; HÄRBELE, Peter (orgs.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 13-43. SHIRAISHI NETO, Joaquim. Reflexões do Direito das “comunidades Tradicionais” a partir das declarações e Convenções Internacionais. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 2, nº 3. julho-dezembro/2004. Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/ Universidade do Estado do Amazonas, 2006. p. 177-195. ______. Leis do babaçu livre: práticas jurídicas das quebradeiras do coco babaçu e normas correlatas. Manaus: PPGSCA-UFAM/Fundação Ford, 2006a. ______. (org.). Direito dos Povos e das Comunidades Tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2002. ______. Curso de Direito Constitucional Positivo. Paulo: Malheiros, 2005. ______. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. SILVA, Solange Teles da. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: avanços e desafios. Revista de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2007. p. 225-245.
132
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Constitucional do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2008. SOUSA SANTOS, Boaventura de. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ______. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto: Afrontamento, 1987. ______; MENESES, Maria Paula G; NUNES, João Arriscado. Conhecimento e transformação social: por uma ecologia de saberes. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano 4, n.º 6. Manaus: Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2006. SOUZA, Alfredo Mendonça de Souza. Dicionário de Arqueologia. Rio de Janeiro: ADESA, 1977. SOUZA, Márcio; MACHADO, José de Paula. Parque Nacional do Jaú: o médio rio Negro. Rio de Janeiro: Agir, 1998. STERNBERG, Hilgard O´Reilly. A Água e o homem na várzea do Careiro. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1998. STRECK, Lênio Luiz. As constituições sociais e a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental: 1988-1998, uma década de constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1988. TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la política del reconocimiento. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. THOMAS, Keith. O Homem e o mundo natural. São Paulo: Cia das Letras, 1988. TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a Vida: uma interpretação da Amazônia. 9. ed. rev. Manaus: Valer, 2000. UICN. Estratégia Mundial para a Conservação: a conservação dos recursos vivos para um desenvolvimento sustentado. São Paulo: IISP/CESP, 1988. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. VIANNA, Lucila Pinsard. De invisíveis a protagonistas: populações tradicionais e unidades de conservação. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2008. WALLAUER, M. T. B. Sistema de unidades de conservação federais no Brasil: um estudo analítico de categorias de manejo. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Engenharia Ambiental – UFSC. Florianópolis, 1998, 171p. WEIL, Simone. O enraizamento. São Paulo: EDUSC, 2001.
133
WITKOSKI, Antônio Carlos. Terras, florestas e águas de trabalho: os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. 2. ed. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2010. WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. rev. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. YELLOWSTONE NATIONAL PARK. Yellowstone: a Brief History of the Park. 2006. Disponível em: <http://www.nps.gov/yell/planyourvisit/upload/Yell257.pdf>. Acesso em 06.07.2010. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Latim no Direito. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2000. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 2. ed. Madrid: Trotta, 1997.
137
ANEXO B - TERMO DE COMPROMISSO FIRMADO NA PROCURADORIA DA REPÚBLICA/AM, EM 19 DE DEZEMBRO DE 2003