UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ENSINO RELIGIOSO E CÉREBRO: UMA CONEXÃO DE
SUCESSO NA ESCOLA
Por: Simone Campos Fernandes de Lima
Orientadora
Profa. Marta Pires Relvas
Rio de Janeiro
2014
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ENSINO RELIGIOSO E CÉREBRO: UMA CONEXÃO DE
SUCESSO NA ESCOLA
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Neurociência Pedagógica
Por: Simone Campos Fernandes de Lima
3
AGRADECIMENTOS
A Deus que está sempre ao meu lado indicando o caminho.
A meu filho Julio Cesar que é minha luz.
A meu marido, Robson, amigo e paciente.
A meus pais, Paulo e Isa, minha irmã Marcia e minha avó Arlette pelo apoio e
pelas mãos amigas sempre que precisei.
A Marta Relvas, Professora e Orientadora, que me fez ver o mundo escolar
através dos olhos do cérebro.
5
RESUMO
O tema da presente monografia versou sobre o ensino religioso e seus
benefícios para o cérebro. O objetivo deste estudo foi refletir sobre o ensino
religioso em uma escola católica do Rio de Janeiro, e analisar os possíveis
impactos no cérebro para a aprendizagem. Buscou-se estabelecer uma
relação entre o desenvolvimento do cérebro e o meio, conhecer quais áreas do
cérebro são ativadas durante a prática de religião, tecer considerações acerca
de espiritualidade e plasticidade cerebral e por fim conhecer a relação entre fé,
sistema emocional e aprendizagem. Para tanto, foram realizadas pesquisas
bibliográfica e webgráfica acerca do tema, além de feitas entrevistas com
diferentes profissionais e alunos da instituição de ensino.
Palavras-chave: cérebro – religião – aprendizagem – relação – meio
6
METODOLOGIA
O presente estudo se deu em uma escola católica do Rio de Janeiro,
Nossa Senhora da Misericórdia, aonde a prática do ensino da religião católica
se dá a partir do Educação Infantil e segue até o Ensino Médio. Apesar de se
fazer estudos da Bíblia e de se trabalhar os sacramentos, os ensinamentos
têm como objetivo principal a discussão e o ensinamento de valores.
O tema foi desenvolvido primeiramente a partir de pesquisa bibliográfica
e webgráfica. Autores como Izabel Galvão (2012), que em seus estudos
acerca de Henri Wallon nos chamou a atenção para a dialética
desenvolvimento cerebral x meio, Marta Relvas (2011), que fala sobre o
cérebro emocional e o racional, e Daniel e Michel Chabot (2005), que discutem
acerca da importância de uma pedagogia emocional, foram fundamentais para
o embasamento da ideia de que há uma estreita relação entre meio ambiente e
o desenvolvimento do cérebro, e também dos benefícios do ensino de valores
trazidos para o ambiente escolar. Já Andrew Newberg & Mark Robert
Waldman (2009) e Raul Marino Jr. (2005) reforçaram a ideia de que razão e fé
caminham juntas, e que uma não anula a outra. O diálogo entre as duas
ajudaria o autoconhecimento.
Além da pesquisa bibliográfica e webgráfica, foram feitas entrevistas
com profissionais que lecionam religião nos diferentes segmentos da escola,
bem como alunos de diferentes series. Além destes, também foram
entrevistados professores que lecionam outras disciplinas. Buscou-se entender
de maneira mais prática a visão destes acerca do impacto da religião na
escola e, consequentemente, na aprendizagem.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - CÉREBRO E MEIO: CONEXÃO TOTAL 10
1.1 – O Sistema Nervoso 11
1.2 – Córtex Pré-Frontal 14
1.3 – O Sistema Límbico e o Hipocampo 15
CAPÍTULO II - AULAS DE RELIGIÃO: 21
O CÉREBRO SE TRANSFORMA
2.1 – Breve Histórico da Instituição Observada 21
2.2 – Ensino de Religião na Escola: Do Início ao Fim 23
2.2.1 – O Ensino Religioso na Educação Infantil 23
2.2.2 – O Ensino Religioso no Ensino Fundamental 27
2.2.3 – O Ensino Religiosos no Ensino Médio 29
CAPÍTULO III – INTELIGÊNCIA COGNITIVA E RELIGIÃO: 32
O CÉREBRO SE DESENVOLVE
3.1 – Inteligência Cognitiva e Religião 32
3.2 – Plasticidade Cerebral e Religião 39
CAPÍTULO IV – INTELIGENCIA EMOCIONAL E RELIGIÃO: 42
O CÉREBRO REFLETE
CONCLUSÃO 51
8
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, em que a neurociência entra na escola e começa a
auxiliar os profissionais que nela trabalham a obter maior êxito no processo
ensino-aprendizagem, surgem alguns questionamentos: A neurociência
apenas trabalha a racionalidade e a aquisição de conteúdo? Por ser ciência,
não pode ser relacionada aos sentimentos e desenvolvimento emocional?
Tendo a educação religiosa como mote desta pesquisa, e sabendo-se que
diversos autores começam a desenvolver estudos que aliam a neurociência à
prática religiosa, aprofunda-se o questionamento: Pode-se, então, aplicar os
temas abordados por tais autores a escolas religiosas?
O interesse pelo tema surgiu a partir de estudos sobre a influência do
meio no desenvolvimento do cérebro. Após trabalhar com alunos do primeiro
segmento do Ensino Fundamental por mais de uma década em uma escola de
cunho religioso, observando o comportamento das turmas não apenas nas
aulas de religião, mas em outras aulas e ao longo dos anos, buscou-se
entender mais a fundo quais as áreas do cérebro são ativadas durante a
prática de oração e meditação, bem como analisar os possíveis benefícios
causados pelo ensino de uma doutrina religiosa na escola. Sendo a
espiritualidade um tema ainda pouco explorado pela neurociência,
principalmente no que diz respeito a sua aplicação em escolas, acredita-se ser
este um tema que merece maior atenção e que trará contribuições
interessantes para educadores.
O principal objetivo deste estudo é refletir sobre o ensino religioso e
seus possíveis impactos no cérebro para a aprendizagem. Ao longo desta
pesquisa, foram traçadas relações entre o desenvolvimento do cérebro e o
meio em que se está inserido. A visão de teóricos como Wallon e Piaget foram
discutidas, e fez-se a relação com a neurociência e desenvolvimento
emocional. A partir deste embasamento, fez-se a relação entre o ensino
9
religioso e seus impactos no cérebro, e foram tecidas considerações acerca de
espiritualidade e plasticidade cerebral. Ao final do estudo, buscou-se
compreender a relação entre cérebro, sistema emocional e aprendizagem.
O ponto de partida desta monografia foi a pesquisa bibliográfica e
webgráfica sobre o histórico da escola observada, bem como sobre o
funcionamento do cérebro e mais especificamente religião e cérebro. As
pesquisas foram enriquecidas com leituras sobre as visões de alguns teóricos
como Piaget, Wallon e Vygotsky a respeito do desenvolvimento humano e da
influência do meio ambiente para o indivíduo.
A seguir, foram feitas entrevistas semiestruturadas com diversos
profissionais da escola, como professores e supervisores, e também com
alunos do Ensino Fundamental da escola, com o objetivo de coletar dados
fundamentais ao estudo, bem como embasar as diversas leituras feitas e
ilustrar melhor o trabalho.
Ao final do estudo, foram realizadas observações em turmas durante
não apenas as aulas de religião, mas também aulas de outras disciplinas e
atividades desenvolvidas na instituição com cunho religioso. Tais observações
tiveram o objetivo de trazer exemplos práticos para a monografia, bem como
reforçar a fundamentação da pesquisa.
10
CAPÍTULO I
CÉREBRO E MEIO – CONEXÃO TOTAL
Durante uma das aulas no curso de Neurociência Pedagógica em
que se discutia a relação estreita entre cérebro e meio, um dizer da Professora
Marta Relvas resumiu essa ideia de maneira perfeita: “Se o cérebro é tirado do
corpo, este perde sua valia, pois este necessita dos estímulos externos para
realizar suas funções”. É interessante pensar que não apenas por uma
questão de sobrevivência do órgão, mas de realização de funções, o cérebro
precisa de estímulos que vem do meio externo. De acordo com Maia &
Thompson (2011), “O sistema nervoso é um conjunto de órgãos altamente
especializados, responsáveis pela vida mental e de relação do indivíduo, bem
como pelo funcionamento de diversos outros órgãos”.
Por meio, entende-se meio externo, aonde o ser-humano está inserido.
Compreende seus diferentes grupos como família, amigos, escola, e é
responsável pelo funcionamento e desenvolvimento cerebral. Quanto mais rico
e diverso em experiências, entende-se que mais desenvolvido o ser-humano
será, pois é através justamente deste meio externo ao corpo que estímulos
diferentes serão recebidos e interpretados e caracterizados pelo cérebro.
Afinal, a nossa vivência é a nossa grande escola, a nossa
grande academia de constituição, nosso grande lugar de
aprendizado e de ensinamentos e, ao mesmo tempo, de
partilhas, do que nos forma, do que nos faz, do que nos eleva,
do que nos constitui. (CORTELLA, 2013, p. 111)
Faz-se mister apontar, então, que tais estímulos são responsáveis não
apenas pelo funcionamento e desenvolvimento deste cérebro, mas também
pela formação do ser-humano enquanto indivíduo. Sua família, sua
comunidade e sua escola são fatores fundamentais para seu aprendizado
11
cultural e emocional. É a partir destes que as pessoas se estabelecem e
crescem na sociedade, entendendo seu papel e atuando de maneira civilizada.
Na visão de Piletti (2006),
Dentro de uma mesma sociedade, sejam quais forem as
maneiras de agir, pensar e sentir de cada grupo em particular,
há sempre maneiras comuns a toda sociedade, que
constituem sua unidade: uma língua, uma história, uma
geografia, uma literatura, etc. Além desses aspectos
específicos de uma sociedade ou de uma nação, existem as
conquistas da própria humanidade, no decorrer de sua
história: a ciência, a arte, o direito, as técnicas, etc. que são
patrimônio comum da humanidade. (p.113)
Visto que este estudo aborda o possível benefício de aulas de religião
para o cérebro de alunos em uma escola católica, e que estes benefícios
partirão de estímulos que partem de fora para dentro, faz-se necessário
relacionar quais principais áreas e sistemas cerebrais são diretamente ligados
ao meio.
1.1- O Sistema Nervoso
O sistema nervoso se divide em Sistema Nervoso Central, Sistema
Nervoso Periférico e Sistema Nervoso Autônomo. Juntos estes três sistemas
formam um conjunto harmonioso responsável pelo que os indivíduos sentem,
como reagem frente a determinadas situações, e mais importante que tudo,
como se relacionam com o meio externo e outros indivíduos. Diferentemente
de outros animais, apenas seres-humanos são capazes de refletir acerca de
suas decisões e de entender que são responsáveis por seus atos. “Nós somos,
de fato, aquilo que escolhemos e as consequências que assumimos”. (Cortella,
2014)
12
O Sistema Nervoso Autônomo é um sistema responsável por controlar
as funções internas do organismo, como por exemplo, a musculatura lisa da
parte do estômago, íris dos olhos, etc. No entanto, diferentemente do Sistema
Nervoso Central, o Sistema Nervoso Autônomo não tem um centro de decisão.
Ele “apresenta estruturas centrais e periféricas relacionadas apenas ao
controle involuntário de funções orgânicas”. (Maia & Thompson, 2011)
O Sistema Nervoso Central compreende todas as estruturas na calota
craniana, e é responsável por receber as informações que vem do meio
externo através dos sentidos. É no Sistema Nervoso Central que tais estímulos
são primeiramente catalogados no tálamo para depois serem enviados a
diversas outras áreas do cérebro. A partir desta distribuição, o ser-humano é
capaz de decifrar estes estímulos e desenvolver uma resposta. Conforme
explicita Maia & Thompson (2011),
O ser humano conhece o mundo e nele age, graças a um
funcionamento coordenado dos recursos cognitivos e às
múltiplas conexões que o cérebro tece, não só entre os dois
hemisférios mas também no interior de cada hemisfério,
desenhando uma rede complexa e articulada. (p.22)
Tais estímulos ou informações são enviados ao cérebro através do
Sistema Nervoso Periférico. Este sistema é responsável por colocar o Sistema
Nervoso Central em contato com os órgãos eferentes. Seria a ponte de
entrada e saída. Os estímulos entram por esta ponte, e as reações saem por
ela após a passagem pelo Sistema Nervoso Central. De acordo com Relvas
(2011), “As associações recíprocas entre as diversas áreas corticais
asseguram a coordenação entre a chegada de impulsos sensitivos, sua
decodificação e associação, e atividade motora de resposta”.
Faz-se mister apontar que a resposta vai ser produzida justamente a
partir de memórias previamente construídas por este ser-humano, memórias
13
estas que são construídas ao longo da vida e de acordo com as experiências
vividas. “Neste cenário, entende-se que as dimensões históricas, culturais,
econômicas, tecnológicas, sociais e políticas são pré-condições para o
entendimento da ‘informação”. (Nascimento & Marteleto, 2004)
Mais uma vez, apresenta-se o meio como fator decisivo para o
funcionamento do cérebro, uma vez que o estímulo externo despertará uma
memória que, por conseguinte, já foi desencadeada devido a um outro
estímulo proveniente deste mesmo meio que o cerca como um ciclo. Diferentes
memórias desencadeiam diferentes reações e vão modulando o cérebro e
desenvolvendo características individuais.
Ou seja,
Ora, se a informação não é apenas uma ‘coisa’ a ser
fisicamente observada, e sim historicamente construída, pois é
ela que ‘dá forma a alguma coisa’, pode-se concluir que os
sujeitos criam mecanismos informacionais (percepção,
memória, imagem, etc.) para reconhecer, interpretar e
transmitir significados. Ou seja, agir. Como resultado, entende-
se a informação, renascida do seu sentido ontológico, apenas
se inserida dentro de seu contexto cultural e social, e não
apenas causal ou natural. (Nascimento & Marteleto, 2004)
Entendendo-se que a informação recebida por este cérebro não pode
ser desvinculada de seu meio cultural e social, faz-se necessário discorrer
acerca de uma área cerebral fundamental para o comportamento humano: o
córtex pré-frontal.
14
http://amulhereoperineo.wordpress.com
1.2 – Córtex Pré-Frontal
O córtex pré-frontal, que se encontra no Sistema Nervoso Central, é
responsável, dentre muitas atribuições, pela cognição social e pelo controle
emocional. É nesta área do cérebro que acontece a decodificação dos
estímulos recebidos pelos sentidos.
A cognição social é o processo neurobiológico que permite
tanto humanos como animais interpretar adequadamente os
signos sociais e, consequentemente, responder de maneira
apropriada. (Buttman & Allegri, 2001).
Tais signos sociais vêm para o ser-humano imerso em um contexto
cultural e social, sendo interpretados e modulados através deste córtex.
Pessoas com ricas e diferentes experiências têm maior probabilidade de
produzir respostas mais adequadas às informações recebidas, dando “um
valor ao sentimento” (Buttman & Allegri, 2001). Isto se deve, justamente, ao
maior preparo deste córtex pré-frontal. Esta é, também, a área do cérebro que
por último amadurece, justamente por necessitar do meio e suas experiências
para construir seus julgamentos e reações. Como se diz, “A prática leva à
perfeição”.
15
Assim,
A informação deve ser referenciada à historicidade dos
sujeitos, ao funcionamento das estruturas e das relações
sociais e aos sujeitos que executam ações. Isto é, a
potencialidade de se ver a informação constituída como
problema da sociedade, configurado como um fenômeno da
ordem cultural e da humanidade. (Nascimento & Marteleto,
2004)
O córtex pré-frontal é fundamental para o Sistema Límbico, responsável
pelas emoções, e que será visto a seguir.
http://rayoflightcoaching.com/
1.3 – O Sistema Límbico e o Hipocampo
O Sistema Límbico, mais especificamente a área do Hipotálamo, é
aquele responsável pelas emoções. Estas são um mecanismo de defesa do
cérebro e são incontroláveis. “O hipotálamo é a via de comunicação com todos
os níveis do sistema límbico e desempenha também o papel das emoções
especificamente”. (Relvas, 2011). A tarefa de racionalizá-las é “delegada”
justamente ao córtex pré-frontal. Estas duas áreas do cérebro dialogam e
estão intrinsecamente ligadas. Seres-humanos não são apenas razão ou
emoção, ou mesmo mais razão do que emoção, ou mais emoção do que razão.
16
No cérebro, a emoção é sempre racionalizada. Mesmo quando uma reação é
mais acalorada, esta foi em um dado momento racionalizada e é consciente.
Citando Relvas,
“O Sistema Límbico não distingue o que é ruim do que é bom
e, por isso, recebe experiências emocionais negativas e
positivas. Em aproximadamente quatro segundos, ele envia
uma mensagem ao córtex pré-frontal que é quem interpretará
estas experiências. Logo após, a emoção transforma-se em
sentimento e sentimento é racional”. (2012, p. 35)
Entende-se aí a necessidade fundamental de experiências
enriquecedoras e variadas em sociedade. Quanto mais uma pessoa entrar em
contato com outras, em diferentes contextos e situações, mais terá memórias
anteriores para buscar uma resposta entendida como adequada a determinada
situação de vida. É a chamada bagagem, tão necessária para a vida em
sociedade. “Se cada um não organizar e reorganizar suas experiências,
ninguém o fará por ele. A não ser que o indivíduo se transforme em mero
autômato, a responder automaticamente aos estímulos externos, para os quais
foi condicionado”. (Piletti, 2006)
Não há como se falar do Sistema Límbico sem se mencionar o
Hipocampo, uma estrutura que se encontra justamente nesta área do cérebro,
e é responsável pela memória de longa duração. A memória de longa duração,
ou permanente, é aquela formada desde os primeiros momentos de vida do
ser-humano. Estudos mostram que lesões na área do Hipocampo acarretam
perda de registros de experiências vividas. “O Hipocampo intacto possibilita o
animal a lembrar e comparar as reações vividas anteriormente, permitindo a
melhor opção e garantindo, assim, a perpetuação da espécie”. (Relvas, 2011)
17
As amígdalas cerebrais também precisam ser mencionadas. Elas se
interconectam com o hipocampo, e mediam as atividades emocionais como
amizade, amor, afeição, bem como as de auto preservação como medo e ira.
“A amigdala é fundamental para a auto preservação, por ser o centro
identificador do perigo, gerando medo e ansiedade e colocando o animal em
situação de alerta, aprontando-se para se evadir ou lutar”. (Amaral & Oliveira,
2005)
Vê-se então que as memórias acumuladas no Hipocampo possibilitam
justamente a tomada apropriada de decisões. O amadurecimento cerebral
requer esta formação de memória. Por isso crianças ainda não são capazes de
modular suas emoções de maneira adequada, ou muitas vezes desconhecem
qual resposta é a ideal em um momento específico. Crianças não têm o
conhecido “filtro”, que será adquirido ao longo dos anos com auxílio da família,
escola e comunidade.
Na visão de Émile Durkheim,
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre
as gerações que não se encontram ainda preparadas para a
vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança,
certo número de estados físicos, intelectuais e morais,
reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo
meio especial que a criança, particularmente, se destine. (p.
41)
http://reginaldobatistasartes.blogspot.com.
18
Durante seu funcionamento, o cérebro não pode ser visto como áreas
separadas. No entanto, saber principais quais áreas são mais afetadas
durante a interação social, facilita o entendimento da importância das trocas
sociais desde a mais tenra idade. Ao se estabelecer contato com um bebê
recém-nascido, inicia-se sua visão de mundo. A partir daí, todas as
experiências levadas pelos nervos aferentes ao cérebro terão papel
fundamental no amadurecimento do córtex pré-frontal. É importante ressaltar
que tais experiências podem favorecer tal amadurecimento de forma positiva
ou, dependendo do teor de tais vivências, causar o desequilíbrio emocional. É
o que afirmam Chabot & Chabot no relato a seguir:
As competências emocionais são extremamente importantes
para explicar o sucesso e o êxito em todos os campos de
atuação. Quantas vezes não vimos atletas de alto nível
revelarem um péssimo desempenho nos jogos olímpicos,
desmoronando literalmente sob o peso da pressão e das
emoções? No entanto, técnica e fisicamente, eles estavam
preparados. O problema é que as lacunas eram emocionais.
(2005, p. 24)
Abordando-se agora o meio escolar em específico, em que momentos o
cérebro está sendo preparado para lidar com tais emoções? Em geral, vê-se
uma abordagem preocupada com resultados e conteúdo. A escola que afirma
preparar seu aluno para o sucesso em grande parte é aquela que promete
aprovações nas melhores universidades do país, e que se vangloria em
publicar listas intermináveis de alunos que para nestas instituições
ingressarão. No entanto, como é feita a preparação emocional destes
indivíduos?
Mais e mais são relatados casos de alunos medicados, rotulados,
“transtornados” ... Alunos incapazes de se “adequarem” à metodologia
19
escolar. Ocorre a evasão e a falta de interesse por parte dos educandos. Vale
lembrar, no entanto, que
As dificuldades de aprendizagem não estão ligadas apenas
aos sistemas biológicos cerebrais, mas podem ser causadas
por problemas passageiros, como, por exemplo, um conteúdo
escolar, que nem sempre oferece à criança condições
adequadas para o sucesso. (Relvas, 2007, p.52)
Muitas instituições e seus profissionais alegam que o momento atual de
avanços tecnológicos acaba por tornar a escola um ambiente pouco
convidativo. Será mesmo o excesso de tecnologia fora da escola a causa de
tantos adoecimentos e evasão? Não deveria esta escola rever suas técnicas e
metodologias e buscar uma melhor preparação emocional deste aluno? Não
estará a escola ajudando de alguma maneira a sociedade e adoecer seu corpo
discente com toda a compartimentalização de conteúdos que começa em
series cada vez mais iniciais, e a busca por resultados que frustra mais alunos
do que premia?
Não há como não deixar de citar Relvas a respeito da nova e necessária
função da escola:
Qual será a função da Educação na atualidade? E a formação
do Corpo? Onde encontrar um meio interativo e salutar por
excelência? Conclui-se, portanto, afirmando que o mal-estar é
inevitável. Com isso, observa-se que se corre o risco de
cometer suicídios permanentes e sucessivos, buscando
soluções mágicas para a insistente vontade de dar, olhar,
amar, viver... (...) Insistir com isso na necessidade de tentar
romper, definitivamente, com o vício e a impregnação de
atitudes apenas cerebrais em detrimento de uma
sensorialidade provocadora de intensidades. (2012, p. 255)
20
Entendendo a necessidade urgente de uma escola mais holística,
buscadora não apenas de resultados quantitativos mas também qualitativos,
nos próximos capítulos, o presente estudo discorrerá mais especificamente a
respeito de aulas de religião, como estas são interpretadas pelo cérebro, e
como podem contribuir para uma aprendizagem emocional e um retorno à
reflexão e aos valores.
21
CAPÍTULO II
AULAS DE RELIGIÃO: O CÉREBRO AGRADECE
Conforme abordado no capítulo anterior, o cérebro e o meio estão
intrinsecamente ligados. É a partir deste meio exterior e as reações causadas
que o cérebro se desenvolve e responde. A seguir, serão apontadas mais
especificamente como tais áreas mencionadas são afetadas pelo ensino de
uma religião.
2.1 – Breve histórico da instituição observada
O presente estudo teve como local de pesquisa uma escola americana
católica particular no Rio de Janeiro. Esta escola foi fundada há mais de
cinquenta anos por um grupo de famílias inglesas e americanas católicas
residentes no Brasil, que primeiramente criaram uma sociedade intitulada
“Sociedade Nossa Senhora da Misericórdia” com o intuito de propagar a fé
católica na língua inglesa. Com o passar dos anos, a sociedade acabou por
fundar a escola também. Aliavam, assim, a fé ao ensino americano. No início,
a escola era moradia de freiras e padres responsáveis não apenas pelo ensino
da Palavra, mas também por lecionar a maior parte dos conteúdos. A escola
nesta época abrigava em sua totalidade alunos americanos e britânicos. Com
o passar dos anos, as freiras deram lugar a professores, e os padres mudaram
sua residência para fora da escola.
Atualmente, a Escola Nossa Senhora da Misericórdia conta com
aproximadamente seiscentos alunos de diferentes nacionalidades. A maioria é
de brasileiros. A religião Católica não é pré-requisito para ingresso, mas várias
reuniões com famílias que pretendem matricular seus filhos na escola são
realizadas com o intuito de deixar claro que a instituição é americana e
católica. Há uma capela dentro da escola, e um capelão responsável por
22
realizar missas nos finais de semana em português e inglês, bem como
diferentes celebrações ao longo do ano letivo. Este capelão tem função ativa
nas decisões da escola e na hierarquia se encontra no mesmo patamar do
Diretor. Há um Departamento de Religião, e sacramentos como Batismo,
Comunhão, Crisma, Casamentos... são oferecidos aos alunos e estendidos às
suas famílias e funcionários. Retiros espirituais são feitos tanto com os alunos
da escola como com a equipe periodicamente. Nestes retiros, além de estudos
da Bíblia, o corpo religioso busca principalmente a reflexão acerca de valores.
A escola também sedia encontros periódicos de diversas Irmandades e
Organizações Não-Governamentais.
A missão da escola se encontra no Projeto Político Pedagógico e em
diferentes setores dos prédios. Ela é repetidamente relembrada e reforçada. A
Escola Nossa Senhora da Misericórdia é uma escola Americana Católica, que
educa a pessoa como um todo para o entendimento global. “Na Escola Nossa
Senhora da Misericórdia, o objetivo é desenvolver o caráter, a espiritualidade e
a consciência social, ao mesmo tempo, permitindo que descubram seus dotes
e talentos para se tornarem cidadãos produtivos e responsáveis.” (Escola
Nossa Senhora da Misericórdia,2014). Tal missão é também constantemente
trabalhada e revisada com o corpo docente durante os treinamentos nos
recessos e ao longo do ano pelos coordenadores com seus departamentos. Da
mesma maneira que é feito com as famílias, não há obrigatoriedade religiosa
em relação aos funcionários que trabalham na escola. No entanto, pede-se
sempre que se respeite o ambiente e se busque seguir a missão desta.
Como escola americana, a OLM oferece desenvolvimento
intelectual, físico, artístico e social através de um currículo em
língua inglesa. Como escola católica, proporcionamos
desenvolvimento espiritual e emocional através da educação
religiosa e programas de serviços sociais, como também da
celebração da liturgia oferecendo preparação para os
sacramentos do Batismo, Primeira Comunhão e Crisma. Como
23
uma escola internacional e inclusiva, a OLM proporciona
atendimento diferenciado para alunos que aqui chegam sem
domínio da língua inglesa e/ou portuguesa e para aqueles com
necessidades especiais. (Escola Nossa Senhora da
Misericórdia, 2014)
2.2 – Ensino de Religião na Escola – Do Início ao Fim
Como mencionado no subcapítulo anterior, as famílias desejosas de
matricularem seus filhos na Escola Nossa Senhora da Misericórdia passam por
uma reunião com o Departamento de Religião. Este encontro tem por objetivo
esclarecer aos pais o cunho católico da escola, bem como explicitar as
diversas atividades religiosas no calendário e no dia-a-dia dos alunos. Sempre
que necessário, outras reuniões são agendadas. Em geral, isto ocorre quando
se observam divergências entre a fé pregada na instituição e a fé da família.
Em certos casos, apesar de as famílias nas reuniões iniciais se dizerem à
vontade com a missão da escola, nos momentos religiosos em sala alguns
alunos se mostram desconfortáveis.
De acordo com o relato de uma das professoras do Departamento de
Religião,
Muitas famílias procuram nossa escola por ter o ensino
religioso, mesmo sendo de outra religião. Elas acreditam que é
importante crescer em um ambiente onde valores morais e
espiritualidade são trabalhados. E também que esse trabalho
religioso ajuda a dar norte na vida da criança e traz equilíbrio
emocional.
É interessante notar que, apesar de provavelmente desconhecedores
de neurociência, as famílias se preocupam com o bom amadurecimento do
24
córtex pré-frontal ao buscarem valores morais e equilíbrio emocional. É
justamente nos lobos frontais que ocorre a abstração do pensamento, a
análise das sensações. Daí vem o equilíbrio emocional e a noção de valores.
“Entre as funções normais dos lobos frontais estão aquelas que nos permitem
pensar abstratamente – elaborar sistemas filosóficos, éticos e religiosos -,
diferenciando-nos das demais criaturas terrenas”. (Marino Jr, p.28-29, 2005)
Estas famílias têm então a preocupação, principalmente aquelas que pregam
outra religião, de busca de um ambiente escolar aonde a reflexão acerca da
vida é constante, proporcionando desta forma o fortalecimento emocional de
seus filhos.
O interesse familiar em buscar a escola como extensão do que se prega
em casa vem também colaborar para o crescimento deste aluno. Quando tal
família colabora com o trabalho desenvolvido na instituição e faz a ponte
escola-família, o diálogo é facilitado e as trocas possibilitam um maior
conhecimento interior. É o que defende Rego, quando afirma que,
A família, entendida como o primeiro contexto de socialização,
exerce, indubitavelmente, grande influência sobre a criança e
o adolescente. A atitude dos pais e suas práticas de criação e
educação são aspectos que interferem no desenvolvimento
intelectual e, consequentemente, influenciam o
comportamento da criança na escola. (1996, p. 97)
As aulas de religião têm início já no Maternal, e se estendem até o
Ensino Médio. São ministradas por professores de Religião. O conteúdo
programático segue a orientação da Arquidiocese do Rio de Janeiro. É
adotado material didático a partir do Ensino Fundamental. Desde cedo as
crianças já são expostas ao calendário católico e à Santíssima Trindade. A
partir do Ensino Médio, são exigidas trezentas horas de Serviço Social, que
compreendem visitas a asilos, orfanatos, entrega de cestas básicas,
campanhas sociais e trabalho em festas da escola. Aqueles que ultrapassam
25
as horas exigidas recebem um diploma especial ao se formarem. No quarto e
quinto ano, a Primeira Comunhão é oferecida àqueles que desejam receber
este sacramento, e sua preparação é feita na própria escola duas vezes na
semana, após o horário de saída. A Crisma é oferecida a alunos a partir do
nono ano, e também a adultos. A preparação ocorre da mesma maneira que a
Primeira Comunhão. A abordagem religiosa vista em cada segmento, bem
como sua relação com o cérebro serão relatados a seguir.
O estudo da criança contextualizada possibilita que se
perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-
se uma dinâmica de determinações recíprocas: a cada idade
estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e
seu ambiente. Os aspectos físicos do espaço, as pessoas
próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada
cultura formam o contexto do desenvolvimento. Conforme as
disponibilidades da idade, a criança interage mais fortemente
com um ou outro aspecto de seu contexto, retirando dele os
recursos para seu desenvolvimento. (Galvão, 2012-pg 39)
2.2.1 – O Ensino Religioso na Educação Infantil
As aulas de Religião na Educação Infantil começam já aos dois anos de
idade e acontecem três vezes na semana. O objetivo principal, conforme a
professora responsável pelo segmento, é apresentar Jesus, Maria e José
fazendo uma ligação com a ideia de família para mais tarde fazer a associação
com a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Vale ressaltar que,
“por mais fragmentário que possa parecer o pensamento infantil, está longe de
ser totalmente inorganizado”. (Galvão, 2012- pg. 79) Algumas orações são
ensinadas, e os alunos participam de celebrações realizadas na Capela. A
maioria das aulas é composta de dobraduras, pinturas e pecinhas teatrais. É
esperado que desde cedo as crianças saibam como se portar na Capela. O
reforço de atitudes positivas ocorre a todo tempo. As histórias criadas para o
26
ensinamento bíblico têm forte cunho lúdico, e são sempre divididas com as
famílias em algum momento com o objetivo de se facilitar o envolvimento
família/escola. As festas do calendário da escola como Dia das Mães, dos Pais
e Festa Junina são também planejadas juntamente com o Departamento de
Religião.
Será um cérebro assim tão jovem beneficiado de alguma maneira pelo
ensino religioso? Destacando-se Piaget e os estágios de desenvolvimento,
entende-se que a partir dos dois anos a criança estaria em transição do
período sensório-motor para o pré-operatório, cuja marca principal é a
emergência da linguagem. (TERRA, 2014) Piaget defende, no entanto, ser a
inteligência primeiramente necessária para a articulação desta linguagem. Ou
seja, mesmo ainda em início de vida, estes alunos estão se desenvolvendo e
sendo estimulados a partir das experiências vividas nas aulas de religião. De
acordo com Newberg & Waldman, “As crianças mais novas não possuem as
habilidades cognitivas para articular conceitos abstratos de Deus, mas podem
usar a imaginação visual para compreender os reinos espirituais”. (2009 - p.
127)
Com a linguagem, a criança passa então a se relacionar de maneira
mais estreita com o mundo a sua volta. A partir daí,
Haverá modificações importantes em aspectos cognitivos,
afetivos e sociais da criança, uma vez que ela possibilita as
interações interindividuais e fornece, principalmente, a
capacidade de trabalhar com representações para atribuir
significados à realidade. (Terra, 2014)
Mais uma vez entram as aulas de religião, que discutem valores e
comportamentos através das histórias e peças encenadas pelos alunos. Sendo
o egocentrismo característica principal desta faixa etária, visto que nesta fase
a criança não se concebe fora da realidade, tais atividades promovem maior
27
facilidade em atitudes como dividir e ter empatia pelo outro – trabalho do
córtex pré-frontal. Conforme relatado pela professora, muitas vezes os alunos
dividem os brinquedos com os colegas e dizem que o fazem pois é importante
ser “bom como Jesus, que dividia o que tinha”. De acordo com Galvão, “A
linguagem, ao substituir a coisa, oferece à representação mental o meio de
evocar objetos ausentes entre si”. (2012, pg. 78) Não há a pretensão de se
mudar uma característica inerente e necessária de tal faixa etária. No entanto,
já há uma exposição a certas atitudes esperadas no futuro, e que estão
contextualizadas. “O cérebro foi criado para que nos relacionemos tanto com
nós mesmos quanto com o mundo que nos rodeia e com a presença de quem
o criou”. (Marino Jr, 2005-pg.41)
2.2.2 – O Ensino Religioso no Ensino Fundamental
Mais uma vez citando Piaget, é no Ensino Fundamental que se inicia o
chamado Período das Operações Concretas. Este vai dos sete até
aproximadamente os doze anos. A capacidade da criança de estabelecer
relações e coordenar diferentes pontos de vista tem início aí. Há a integração
lógica destes. A criança passa agora a interiorizar as ações. No entanto,
Embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto
os esquemas conceituais como as ações executadas
mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou situações
passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma
concreta. (Terra, 2014)
No Ensino Fundamental, principalmente nas séries iniciais, nas aulas de
Religião ainda se valorizam as atividades lúdicas. No entanto, a estas
atividades são aliadas discussões a respeito de passagens bíblicas que são
apresentadas em forma de histórias ou vídeos infantis. As aulas são sempre
iniciadas com orações, aonde os alunos têm a chance de “conversar com
28
Deus”. Fazem pedidos e agradecem. Este é um momento de calma, que
acontece sempre com as luzes apagadas e com os alunos voltados para o
altar da sala. As celebrações na capela continuam a existir e têm sempre
participação ativa dos alunos tanto na elaboração das atividades que ali
ocorrem quanto durante a cerimônia em si. Os alunos sempre esperam
ansiosamente pelas celebrações.
Muitas campanhas acontecem ao longo do ano letivo. Além da
arrecadação de alimentos e fraldas para diversas entidades filiadas à escola,
os alunos também participam de campanhas em suas salas, como a que
antecede a Páscoa. Eles são convidados a fazerem “sacrifícios” a serem
oferecidos a Deus. Inicialmente, esta pode parecer uma campanha bastante
forte para alunos jovens. No entanto, os sacrifícios nas séries iniciais se
resumem a “tomar banho quando a mãe pedir na primeira vez”, ou “não brigar
com seu irmão quando for provocado”. Os sacrifícios se tornam mais difíceis
conforme os alunos vão passando às séries mais avançadas. São retirados em
sorteios, e alguns exemplos são: “Não jogar vídeo game por uma semana” ou
“Não usar o Facebook no fim-de-semana”. Durante as diferentes campanhas,
diversas reflexões são feitas, utilizando-se não apenas parábolas da Bíblia,
mas também situações cotidianas. Diversos alunos aproveitam tais momentos
de troca para conversarem de situações que acontecem em suas próprias
vidas. A professora relatou que por diversas vezes teve que lidar com temas
como morte de parentes, animais, e brigas de pais de alunos. É comum que
alguns alunos busquem o Departamento de Religião nos intervalos de aulas
em busca de conforto ou conselhos. Trabalha-se aí com a emoção na sua
forma mais pura. Emoção esta que passa pelo Sistema Límbico cuja função é
“prover o indivíduo de emoções, é denominado como a casa dos sentimentos.
É responsável pelo equilíbrio ou desequilíbrio emocional do ser humano,
responsável pela produção das sensações ligadas aos processos emotivos”.
(Relvas, 2012- pg. 74) A possibilidade de se ter um espaço dentro da escola
que promova discussões acerca destes sentimentos vivenciados pelos alunos
29
trabalha a inteligência emocional desde cedo, tornando estas crianças mais
preparadas para lidar com situações de estresse e mais confiantes. Além
disso, as faz mais conscientes do outro, trabalhando a empatia e a
solidariedade.
As emoções podem ser consideradas, sem dúvida, como a origem da
consciência, visto que exprimem e fixam para o próprio sujeito, através do
jogo de atitudes determinadas, certas disposições específicas de sua
sensibilidade. Porém, elas só serão o ponto de partida da consciência
pessoal do sujeito por intermédio do grupo, no qual elas começam por fundi-
lo e do qual receberá as fórmulas diferenciadas de ação e os instrumentos
intelectuais, sem os quais lhe seria impossível efetuar as distinções e as
classificações necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo.
(Wallon, APUD Galvão, 2012 – pg. 63, 64)
A partir do Ensino Fundamental, além do ensino religioso, alia-se a
prática de meditação. A Orientadora Educacional tem encontros quinzenais
com as turmas, que praticam técnicas de relaxamento. Os professores também
são incentivados a praticar técnicas de relaxamento com suas turmas após o
almoço. De acordo com esta profissional, “o relaxamento e a meditação são
essenciais nos dias de hoje, em que crianças muito novas já se deparam com
rotinas pesadas, dias longos e exigências altas”. Ela também defende tais
práticas como benéficas para alunos com transtornos, principalmente os de
atenção e hiperatividade. Nas palavras dela, “estes alunos encontram
ferramentas dentro do relaxamento para se acalmarem sem tanto auxílio de
medicamentos. A longo prazo, os resultados aparecem”.
2.2.3 – O Ensino Religioso no Ensino Médio
Poucas coisas na vida são certas, e esta é uma delas: todo
mundo já foi, é ou será adolescente. A razão é simples. A tal
da adolescência é a época inevitável de transição em que o
cérebro da infância se transforma em um cérebro adulto.
(Herculano-Houzel, 2005 - p.14)
30
A partir do Ensino Médio, o aluno se encontra no Período das
Operações Formais. “De acordo com a tese piagetiana, ao atingir esta fase, o
indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja, ele consegue
alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta”. (Terra,
2014) É nesta fase que seu padrão mais adulto de pensar se estabelece, e
que o córtex pré-frontal está em largo processo de amadurecimento. De
acordo com Rappaport apud Terra, “Seu desenvolvimento posterior consistirá
numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade,
mas não na aquisição de novos modos de funcionamento mental". (2014)
No Ensino Médio, a assimilação de conteúdo e as reflexões religiosas
assumem um cunho cada vez mais sério, as aulas de meditação e relaxamento
continuam, e é acrescentado o chamado Serviço Social. Os alunos na Escola
Nossa Senhora da Misericórdia só se formam se apresentam um mínimo de
duzentas horas de serviços voluntários. Caso cumpram um número maior,
recebem um Diploma Especial. Tais atividades são organizadas pelo
Departamento de Religião, e compreendem projetos dentro e fora da escola.
Como exemplos temos trabalho nas festas da escola, leitura de histórias para
os alunos mais jovens, visitas a asilos e orfanatos, arrecadação e entrega de
cestas básicas em instituições, entre outras.
É a partir deste segmento que o aluno vai escolher de maneira
independente, e não mais atender sua família, se seguirá uma vida pautada na
fé religiosa, acompanhando os passos da igreja, ou se não a seguirá de forma
tão ativa. No entanto, dentro da escola sua prática ainda não é opcional. Fato
importante, visto que “O sistema de recompensa passa por grandes mudanças,
e com isso mudam os gostos, as vontades, os ímpetos, os desejos, e também
a vulnerabilidade ao vício e a transtornos de humor, como a depressão”.
(Herculano-Houzel, 2005 – p14)
31
É característica desta fase da vida uma maior aproximação com o grupo
de amigos. Os pais tornam-se chatos, e a necessidade de aprovação dos
amigos é grande. Se tornam mais calados, e sofrem grandes decepções por
motivos mínimos. A vida parece ser vista e realizada através de óculos 4D.
As brincadeiras de infância são abandonadas e trocadas por
jogos brutos, que entretêm a força física e a agressividade
nascentes; elas passam a se interessar por bebês e aprendem
com as mais velhas a cuidar deles; eles formam gangues,
abandonam a família e vão procurar sua turma. (Herculano-
Houzel, 2004 – p.61)
Sendo o adolescente mais suscetível a decisões feitas pelo grupo em
detrimento daquelas feitas em família, ter diferentes momentos e espaços na
escola que reflitam acerca de valores possibilita a esse adolescente um maior
poder de reflexão acerca de atitudes que quer em relação a atitudes que deve
tomar. Ter momentos que o permitam relaxar e buscar maior contato com seu
eu-interior traz a este adolescente maior auto controle e menor impulsividade.
“A educação é um tempo muito mais amplo dentro de nossa existência.
Educação é tudo aquilo que nos molda, nos organiza em nossa trajetória, o
que inclui também a escola”. (Cortella, 2013)
No próximo capítulo, a inteligência cognitiva e a plasticidade cerebral
entrarão em questão. Como exatamente elas se dão, principalmente em
relação à religião na escola.
32
CAPÍTULO III
INTELIGÊNCIA COGNITIVA E AULAS DE RELIGIÃO: O
CÉREBRO SE DESENVOLVE
O objetivo principal da escola é certamente o ensinar. O objetivo
principal do cérebro, aprender. Entende-se, então, que a escola e o cérebro
foram feitos um para o outro. É na escola que o cérebro jovem se desenvolverá
até que a criança esteja pronta para interagir adequadamente em sociedade.
(MAIA, 2011) A seguir, serão discutidas a inteligência cognitiva e a
plasticidade cerebral, ambas trabalhadas incansavelmente tanto na escola
quanto no cérebro visando o amadurecimento do aluno para a vida.
3.1– Inteligência Cognitiva e Religião
Sabe-se que o cérebro é sedento de conhecimento, criativo por
natureza e solucionador eterno de problemas, sendo o aprender sua principal
função ao longo de sua existência. Vê-se, então, a inteligência cognitiva como
própria do ser humano. O homem tem a capacidade inata de aprender, realizar
raciocínios lógicos e abstrair.
A aprendizagem e o cérebro se misturam e completam. “Considera-se
ocorrido o aprendizado quando a rede neural atinge uma solução generalizada
para uma classe de problemas”. (MAIA & THOMPSON, 2011, p. 21) Alguns
aprendizados ocorrem de maneira instintiva ao longo do desenvolvimento do
ser-humano e se aprimoram com o tempo. Estes são comuns a todos os
animais. Como exemplos poderiam ser citados se comunicar, se locomover e
se alimentar. Outros aprendizados, inerentes apenas ao cérebro humano e
relativos à sua cultura, são passados de maneira estruturada e planejada.
33
Dentre estes aprendizados estão os vistos na escola, como escrita e
matemática. De acordo com Costa & Maia (2011),
A aprendizagem pode ser entendida como um processo de
aquisição de novas informações provenientes do meio,
englobando sua recepção, processamento e consolidação,
bem como a recuperação dessa informação e aplicação em
momentos apropriados. (p.55)
O fator primordial e inicial para a aprendizagem é a atenção. Sem esta,
é impossível que o ser-humano aprenda e execute funções. Esta função é
desempenhada por uma estrutura denominada Formação Reticular. “Essa
estrutura mantém o córtex em alerta para receber novos estímulos e buscar
interpretá-los ou decodificá-los, principalmente os sensoriais que devem ser
selecionados”. (Relvas, 2012 – p.28)
www.cerebromente.org.br
Faz-se necessário o querer aprender e o voltar-se para tal. Não apenas
iniciar a atenção, mas mantê-la por um período que possibilite a
aprendizagem. A capacidade de prestar atenção está ligada à vontade e, de
uma certa maneira, ao treinamento. Quanto mais jovem for o aluno, menor será
seu tempo de atenção. Por isso, atividades para crianças da Educação Infantil
devem ter curta duração e ser envolventes e lúdicas por natureza. Por atenção
entende-se:
34
A capacidade de selecionar e manter controle sobre a entrada
de informações externas necessárias em um dado momento
para a realização de um processo mental, mas também diz
respeito ao controle de informações geradas internamente.
(COSTA & MAIA, 2011 – p. 47)
É justamente a falta de atenção um dos maiores problemas relatados
nas escolas. É comum o relato de professores acerca não de apenas um aluno
desatento, mas de turmas desatentas. Falta o tão conhecido foco. “A atenção
não é apenas o primeiro elo da cadeia do aprendizado, mas também, o mais
sensível”. (Chabot & Chabot, 2005 – p. 41). A expressão aluno-problema é
utilizada comumente nos espaços escolares, e uma leva cada vez maior deles
fica para trás ao final de cada ano letivo nas escolas. São tidos como
desinteressados e pouco envolvidos no processo. Professores acionam os
orientadores ou supervisores, que por sua vez chamam as famílias, que por
sua vez apontam problemas na sala de aula... num processo infindável de
acusações que muitas vezes deixam de focar no real problema sem mudança
na situação do aluno ou da turma.
O processo desenrola-se mais ou menos assim: diante das
dificuldades que vão se apresentando no dia-a-dia,
professores culpam os alunos, que culpam professores, e
assim por diante, instaurando um círculo vicioso e improdutivo
de atribuição de responsabilidade a um outro segmento
envolvido. (Aquino, 1998 – p. 140)
Como as aulas de religião podem contribuir para a atenção inicial e a
sustentada? De acordo com uma das entrevistadas, professora de português
do Ensino Fundamental, que inicia diariamente suas aulas rezando com suas
turmas, tal prática visa não apenas o momento de oração e reflexão em si, mas
também a volta `a calma após o momento de transição entre aulas. A turma
lentamente se organiza e se torna naturalmente mais focada ao final da
35
oração. As mesmas orações, o Pai Nosso e a Ave Maria, são feitas todos os
dias, com as luzes da sala apagadas. De acordo com a professora, ganha-se
tempo e desperdiça-se menos energia. Além disso, seria uma maneira mais
agradável para os alunos de se começar as aulas. Defendem Newberg e
Waldman (2009 – p.42), “De uma perspectiva espiritual, cada mudra ou mantra
está associada a uma ideia teológica ou metafísica, mas de uma perspectiva
científica, qualquer forma de movimento ou som repetitivo ajuda a manter a
mente focada”. Até mesmo os alunos tidos como mais agitados se acalmam, se
movimentando menos e entrando no ritmo das palavras ditas em voz baixa.
Uma outra professora entrevistada faz técnicas de relaxamento no
horário que acredita ser o mais difícil de controlar seus alunos e conseguir sua
atenção: após o almoço.
Os alunos passam uma hora brincando geralmente de correr.
Retomar o ritmo de aula era difícil. Criei um sistema que se
resume em leitura por dez minutos e em seguida relaxamento.
Apago as luzes, toco músicas clássicas ou próprias para
meditação e às vezes fico calada ou, quando sinto que é um
dia mais difícil de se controlar a agitação, guio os alunos por
“passeios a cachoeiras, bosques, praias...” Eles adoram, e
agora me pedem para fazer tais passeios com mais
frequência. Quando termino o momento de meditação,
encontro um grupo de alunos calmos e felizes, que
tranquilamente seguem minhas instruções e realizam as
tarefas.
Tal relato pode ser corroborado por estudos realizados acerca dos
benefícios da meditação para o cérebro. Conforme visto por Newberg &
Waldman,
36
Nossos estudos com tomografias cerebrais mostraram que a
meditação fortalece um circuito específico – envolvendo os
lobos pré-frontal e orbito frontal, o cingulado anterior, os
gânglios da base e o tálamo (...) Esse circuito comanda uma
grande variedade de atividades envolvidas com a consciência,
a clareza da mente, a formação da realidade, a detecção do
erro, a empatia e compaixão, equilíbrio emocional e a
supressão do medo e da raiva”. (2009 –p. 48)
Após conseguida a atenção precisa-se de percepção e memória para
aprendizagem. A prática religiosa também beneficia a ambas. A cognição
ocorre a partir de estímulos provenientes do ambiente externo. O cérebro,
através do Sistema Nervoso Central, responde a estes estímulos que chegam
pelo Sistema Nervoso Periférico. Uma das principais funções do sistema
nervoso é justamente a cognição, ou aprendizagem. De acordo com Maia &
Thompson (2011),
O cérebro, como estrutura mais desenvolvida do SNC, tem as atribuições mais complexas dentre as supracitadas, incluindo projeção sensorial e cognição, planejamento e iniciação de movimentos voluntários, processos mentais complexos (pensamento, raciocínio), compreensão e expressão da linguagem, memória e aprendizagem, experiências emocionais e motivacionais.
Vale lembrar que a partir das informações recebidas pelo cérebro
através dos órgãos dos sentidos por meio de estímulos nervosos, o Sistema
Nervoso Central dá significado a esta sensação. Estas são as chamadas
funções cognitivas, ou “conjunto de funções cerebrais básicas que permitem a
recepção e o processamento de estímulos (externos e internos) e as respostas
aos mesmos”. (Maia, 2011) Tais funções possibilitam a elaboração do
raciocínio e da emoção, e acontecem em diferentes estruturas cerebrais
especializadas. A prática de oração ou meditação também favorece a
percepção. Durante suas realizações, diferentes neurotransmissores como
37
serotonina e dopamina são liberados, bem como os níveis de cortisol
diminuem. (Marino Jr., 2005) Desta maneira, ao iniciar as aulas, os alunos
encontram-se mais preparados para o momento da instrução.
Em seguida, a interpretação desta informação é levada para a área da
memória. Esta pode ser armazenada de forma temporária ou consolidada,
dependendo da necessidade. São três os tipos de memória: a memória de
trabalho, “responsável pelo processamento em tempo real das informações
recebidas do meio e das informações resgatadas da memória permanente para
a execução do raciocínio” (Maia, 2011); a consolidação, responsável pela
seleção das informações que devem ser armazenadas permanentemente no
córtex cerebral; e a memória permanente, ou “o acúmulo de informações
desde os nossos primeiros momentos de vida” (Maia, 2011).
www.cantinhodaunidade.com.br
É interessante notar que diversos alunos entrevistados trouxeram a
prática da oração em momentos de testes ou exercícios para fazê-los “lembrar”
da matéria. Uma aluna de oito anos relatou que, “Eu rezo para me prevenir
que eu vou fazer um lindo trabalho”. Já um menino na mesma faixa etária que
a reza é importante “para eu me concentrar nos testes”. Um terceiro diz que
reza “quando tenho dificuldade”. Tais atitudes são tomadas buscando
justamente a melhor modulação das emoções, ou o controle do sistema
límbico. Conforme relata Sé (2014),
Fatores chamados de não-cognitivos influenciam no
desempenho de memória de maneira significativa. Os estados
38
afetivos, o humor ou emoção alteram o processamento das
informações. Ou seja, nossos sistemas de memória podem
estar funcionando adequadamente, mas se estivermos em
estado de tensão, estresse, depressão ou ansiedade teremos
dificuldades na recepção e registro de informação. Do ponto
de vista biológico, durante o momento de estresse, liberam-se
grandes quantidades de corticóides (substância química que
nosso corpo produz) pela glândula supra-renal que inibem
todos os processos de produção e evocação de todo tipo de
memória, o que causa o famoso "branco".
Como estes alunos já estão constantemente expostos não apenas às
orações e à meditação, como também a constantes reflexões acerca do
momento de utilizá-las, torna-se natural buscar justamente tais práticas de
maneira independente, propiciando maior rendimento e foco no momento de
tarefas mais complexas ou quando necessitam se acalmar. Conforme o relato
da professora de Português anteriormente citada, “Os alunos aprimoram seus
conhecimentos com o decorrer das séries, demonstrando uma mudança no
comportamento”.
Assim, o que os cientistas mostram é que a meditação permite
exercitar o cérebro, como um esportista exercita o resto do
corpo, e os benefícios dessa prática podem ser vistos no dia-
a-dia, na nossa capacidade de experimentar o mundo e de
crescermos nele, desenvolvendo ao máximo nossas
potencialidades.(http://blog.vocenopolocultural.com.br/2010/04
/08/meditacao-e-plasticidade-cerebral/)
39
3.2– Plasticidade Cerebral e Religião
Entende-se por plasticidade cerebral, “a capacidade que o cérebro tem
de se remodelar em função das experiências do sujeito, reformulando as suas
conexões em função das necessidades e dos fatores do meio ambiente”.
(ALMEIDA, 2012, p 44-45). Até pouco tempo, acreditava-se que o cérebro teria
uma idade limite para aprender, tornando-se imutável a partir daí. No entanto,
com o advento da tecnologia e a possibilidade de se fazer exames mais
modernos, viu-se que o ser-humano aprende até seu último momento de vida.
Vem então a pergunta: O que a plasticidade tem a ver com religião?
Citando Newberg & Waldman,
Tudo, se para contemplar algo tão complexo e misterioso
quanto Deus você precisa de explosões incríveis de atividade
neural disparando em diferentes áreas do seu cérebro. Novos
dendritos irão crescer rapidamente e velhas associações irão
se desconectar enquanto novas perspectivas imaginativas irão
emergir. Em essência, quando pensamos nas grandes
questões da vida – sejam elas religiosas, científicas ou
psicológicas -, o cérebro começa a crescer. (2009 – p.31)
Além da repetição das frases das orações decoradas, que permite ao
cérebro relaxar, alia-se a reflexão acerca das necessidades individuais dos
alunos, o que faz com que o cérebro inicie também um processo de ligações
cerebrais. As aulas de religião são sempre permeadas por reflexões acerca de
valores. Utilizando-se do relato da professora que ministra as aulas de religião
para os alunos do Ensino Fundamental, nota-se ser a busca de exemplos e o
autoconhecimento do aluno objetivos principais do programa adotado pela
escola.
40
As aulas visam encorajar o aluno a experimentar os valores
cristãos através das orações, do amor ao próximo e oferecer
momentos de reflexão sobre a sua vida espiritual através das
histórias bíblicas, orações, dias de convivência e debates em
sala.
A professora da Educação Infantil relata que as aulas têm por objetivo,
“Mostrar às crianças o amor a Deus e estruturar valores cristãos através de
atividades lúdicas”.
blog.vocenopolocultural.com.br
Tais discussões e atividades lúdicas resultam justamente na
plasticidade cerebral. Quando os alunos vivenciam as parábolas em forma de
jogos e peças, ou conversam com seus professores sobre tais assuntos
relacionando-os às suas próprias experiências e contextos, diversas novas
conexões são realizadas. A criatividade entra em cena, pois a religião é um
tema abstrato, quase que místico para os mais novos, e psicológico para os
mais velhos. Discutir a vida, ações, erros e acertos de personagens quase
intocáveis e mágicos, podendo trazê-los para sua experiência pessoal
favorece o envolvimento do sujeito e atua diretamente no córtex pré-frontal,
área do julgamento e da modulação das emoções. Talvez devido a esta
propriedade rarefeita das aulas de religião os alunos se sintam tão à vontade
para tratarem de temas e sentimentos mais pessoais e velados. Vários alunos
responderam em suas entrevistas que o momento das aulas de religião mais
41
agradável é aquele em que escutam as histórias sobre a vida de Jesus. Tal
visão vai de encontro ao que defendem Newberg & Waldman:
Até onde interessa ao funcionamento mecânico do cérebro,
não importa se Deus é física, mental ou espiritualmente real. O
que realmente importa é se o conceito será útil para a nossa
sobrevivência, e uma vez que as noções de reinos espirituais
permearam nossa história cultural, isso sugere que a religião
teve um papel importante ao ajudar as pessoas a lidar com a
vida. (2009 – p. 121)
Outro ponto para reflexão é o fato de que ao participar das aulas de
religião e suas inúmeras discussões, o aluno se depara constantemente com
perguntas que exigem respostas abertas, com inúmeras possibilidades. Há a
confusão necessária ao ato de aprender, o desconstruir para construir. É um
questionamento agradável e que faz com que este aluno trabalhe mentalmente
e quase que incessantemente, mas de maneira prazerosa. O refletir é um dos
mais poderosos agentes de plasticidade neural, pois promove sinapses e
contribui para novas conexões neurais. Na visão de Tarcitano (2012 – p.235),
É lícito acreditar que um cérebro ativo e estimulado por
diferentes desafios se revele mais perspicaz, mais hábil e
naturalmente mais capaz de responder às solicitações do
pensamento. Na exigente sociedade de hoje, só as pessoas
que invistam seriamente no capital intelectual de que dispõem
(inteligência, criatividade e conhecimento) poderão aspirar a
lugares destacados no mundo do trabalho.
Visão esta que nos leva ao próximo capítulo. Inteligência cognitiva e
plasticidade cerebral são considerados fatores essenciais para o sucesso de
um indivíduo. No entanto, não se pode esquecer da inteligência emocional,
outro campo de atuação do ensino religioso.
42
CAPÍTULO IV
INTELIGENCIA EMOCIONAL E RELIGIÃO: O CÉREBRO
REFLETE
Afinal, a nossa vivência é a nossa grande escola, a nossa
grande academia de constituição, nosso grande lugar de
aprendizagem e de ensinamentos e, ao mesmo tempo, de
partilhas, do que nos forma, do que nos faz, do que nos eleva,
do que nos constitui. (Cortella, 2014 – p.111)
Emoção e raciocínio caminham juntas? Tantos utilizam a expressão “Me
deixei levar no calor da emoção...” para explicar o que chamam de atitudes
impensadas, irracionais, que imagina-se comumente que uma é antagônica à
outra. Analisando por um ângulo mais científico, no entanto, entende-se que
não existe tal coisa. Emoção e raciocínio andam juntas o tempo todo, sim. Não
existe uma sem a outra. O córtex, promotor da racionalidade humana, dos
pensamentos e o Sistema Límbico, chamado de casa dos sentimentos (Relvas,
2012-p. 74) dialogam constantemente.
Assim como não existe emoção sem razão, hoje em dia também se sabe
que o cérebro não possui um hemisfério emocional e um hemisfério racional.
Na verdade, os hemisférios atualmente são denominados de verbal e não-
verbal, e estão interligados pelo corpo caloso. Pode-se comparar o cérebro a
uma orquestra. Diversos instrumentos, ou diversas áreas, que funcionam em
ambos os lados, são necessárias para a harmonia da música. O maestro em
se falando de cérebro seria o tálamo. Assim como os instrumentos não
conseguem se harmonizar sem os comandos do maestro, o cérebro humano
não funciona de maneira adequada sem a participação do tálamo, muitas
vezes também comparado a um aeroporto, cuja função principal seria a de
distribuir os estímulos externos para suas áreas de destino final.
43
Um importante centro coordenador das funções cerebrais é o
chamado Diencéfalo, uma região formada pelo Tálamo e pelo
Hipotálamo. O primeiro consiste em uma massa cinzenta que
processa a maior parte das informações destinadas aos
hemisférios cerebrais. É uma grande estação de elaboração
dos sentidos. (Ballone, 2008)
http://www.pharmaciaessentia.com.br
Se está comprovado cientificamente que não existe emoção sem razão,
por que crianças agem muito mais emocionalmente do que racionalmente? E
por que existem tantos casos de pessoas consideradas desequilibradas
emocionalmente, mesmo quando são tidas como extremamente inteligentes? A
resposta está no córtex pré-frontal. Esta área do cérebro é a última a maturar,
e como tem como uma de suas funções modular as emoções, no caso de
crianças, tendo ainda esta área imatura, não possuem as ferramentas
necessárias para tomarem as melhores decisões emocionais.
A região pré-frontal é conhecida como um centro
executivo, responsável pelas nossas vontades e desejos e
pelo comportamento social. É a região que permite a
consciência do eu, a subjetividade, os valores, as motivações,
ou seja, é a área mais humana do cérebro. Talvez por esses
atributos, está seja a região que tem a sua maturação mais
lenta, sendo que a mielinização completa desta área só
aconteça por volta dos 18 anos de idade. (Andrade, 2004)
44
No caso de pessoas mais velhas, a dificuldade em se conter as
emoções que ocorre de maneira habitual demonstra falta de inteligência
emocional. Esta não se desenvolve no cérebro sem que seja trabalhada. Faz-
se necessário expor o indivíduo a diferentes situações, não apenas prazerosas
e de fácil resolução, para que com o decorrer do tempo este se torne capaz de
controlar as emoções e, de posse das memórias construídas ao longo de sua
vida, escolher a mais apropriada para cada momento e cada grupo social.
Para tal desenvolvimento em seus anos iniciais, é importante haver uma
parceria entre família e escola. Quanto mais rica em experiências for a
realidade deste indivíduo, maior será sua chance de ser inteligente não
apenas cognitivamente, mas, acima de tudo, emocionalmente.
A família, entendida como o primeiro contexto de socialização,
exerce, indubitavelmente, grande influência sobre a criança e
o adolescente. A atitude dos pais e suas práticas de criação e
educação são aspectos que interferem no desenvolvimento
individual e, consequentemente, influenciam o comportamento
da criança na escola. (Rego, 1996 – p.97)
A sociedade atual exige a perfeição de seus cidadãos. Precisam ser
belos, fortes, ágeis e inteligentes. O conhecimento está por toda a parte.
Homens e mulheres precisam cada vez mais provar sua capacidade em gerir
as próprias vidas, bem como de seus familiares e de seus “subalternos” de
maneira impecável, sem demonstrar um traço de fraqueza. Aliada a estes
fatos, está a superexposição causada pelas redes sociais. Postar sucessos na
velocidade da luz faz-se imperial nos dias de hoje, o que acaba por causar
uma falsa sensação de que está sempre faltando alguma coisa.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se
cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se
culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido
contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos.
45
Apenas fazem o melhor que podem. Se é para ser mestre em
alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da
patrulha do pensamento. (Medeiros, 2014)
Ao se preocupar em demasia com a inteligência cognitiva e não buscar
momentos e espaços para se desenvolver a inteligência emocional, a escola
acaba por alimentar o imediatismo atual na sociedade, e falha em cumprir seu
papel maior: o de promover o desenvolvimento social de seus alunos.
Desenvolvimento este que engloba conhecimento, valores e
autoconhecimento. A escola atual se deixou levar por esta sociedade cada vez
mais vazia, permitindo desta maneira uma inversão de papeis perigosa,
conforme afirma Illich:
Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem
intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza
para confundir processo com substância. (...) O aluno é, desse
modo, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem,
obtenção de graus com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua
imaginação é “escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor
(grifo meu)”. (Illich Apud Gadotti, 2002, p.297)
Alguns teóricos mencionam o papel da sociedade para o
desenvolvimento humano. No entender de Wallon, por exemplo, a criança
passa de biologicamente direcionada, em que busca suas necessidades
básicas inicialmente sem ainda estabelecer um real contato com outros
indivíduos, para socialmente direcionada quando inicia habilidades motoras
como engatinhar. A partir daí, o meio externo passará a ser determinante para
seu desenvolvimento. “O simples amadurecimento do sistema nervoso não
garante o desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas. Para
que se desenvolvam, precisam interagir com “alimento cultural”, isto é,
linguagem e conhecimento”. (Galvão, 2012 – p. 40/41)
46
Vygotsky também fala da importância do meio social para a formação do
indivíduo. Em sua concepção, “Os produtos da atividade humana são sempre
coletivos na medida em que só adquirem um significado a partir da vivência
social, que é mediada pela linguagem”. (Siméia, 2009) Ou seja, mais uma vez
a teoria de que a coletividade é o que faz o ser-humano se desenvolver social
e cerebralmente.
Por último, no entender de Piaget, "o conhecimento não procede nem da
experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no
sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de
estruturas novas" (Piaget apud Freitas 2000 – p.64). Para este teórico em sua
visão interacionista, existe uma relação estreita entre o homem e seu objeto de
conhecimento. Em suma, o organismo busca constantemente o equilíbrio com
o meio em que está inserido.
Os teóricos acima mencionados falam exatamente da busca
inconsciente do homem em adquirir a inteligência emocional. É a partir dela
que este terá habilidades para funcionar e ter sucesso em sociedade.
Conforme apontado, tal inteligência passa por estágios e depende dos
estímulos, exemplos e experiências.
Ao encontro de tais concepções anteriormente relatadas, vai o dizer da
professora de religião da Educação Infantil. Ela afirma que “É necessário que
os valores cristãos sejam postos em prática, para que haja na instituição uma
convivência mais fraterna e ética. Os alunos aprendem mais pelo exemplo. Se
praticamos o que ensinamos, a aprendizagem é mais eficiente”. Em outro
trecho, esta professora também relata que há maior progresso em crianças
cujas famílias apoiam a prática em sala de aula.
É interessante lembrar que diversos estudos apontam para a teoria de
que a consciência social e o pensar no outro são características que nem
47
sempre foram parte da consciência humana. “A evolução neurológica do
cérebro sugere que a empatia e a consciência social são as áreas da nossa
anatomia psicológica que se desenvolveram mais recentemente”. (Newberg &
Waldman, 2009 -p. 33) Vale lembrar também que o ser-humano ainda tem em
seu cérebro desenvolvido a área reptiliana, que durante muito tempo guiava
suas ações. A partir do desenvolvimento da comunicação houve então a
percepção social, que veio acompanhada de uma visão menos egocêntrica e
mais voltada para o grupo. As ações quase instintivas de sobrevivência deram
lugar a ações mais arquitetadas, e se passou a sentir compaixão.
A compaixão parece ser um processo adaptativo
evolucionário, e nosso coração neurológico parece ser o
cingulado anterior, uma estrutura bem pequena situada no
centro de uma junção importante que serve de comunicação
entre o lobo frontal (onde surgem nossos pensamentos e
comportamentos) e o sistema límbico (que processa uma
extensa gama de sentimentos e emoções). Ele ajuda a manter
um delicado equilíbrio entre nossos sentimentos e
pensamentos, e é a área mais nova dentro da história
evolutiva do cérebro. (Newberg & Waldman, 2009 – p.35)
www.neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com
Talvez seja esta a maior contribuição deixada pelo ensino religioso: o
desenvolvimento da inteligência emocional. Ao trabalhar valores e promover o
autoconhecimento, a escola que tem a seu favor o ensino de uma religião que
48
não se volta apenas para os dogmas, mas procura contextualizar o conteúdo
ensinado e, primordialmente, educar através do exemplo, está diretamente
trabalhando o emocional de seus alunos, e auxiliando o amadurecimento do
córtex pré-frontal.
Ao praticarem os exercícios de oração ou meditação, por exemplo, os
alunos estão desenvolvendo técnicas comprovadas cientificamente de
relaxamento cerebral, o que pode também ser utilizado em situações de
estresse.
A respiração profunda aciona uma resposta neurológica
diferente e inicialmente diminui a atividade no lobo frontal. Ela
reduz a quantidade de gás carbônico no sangue, que em troca
reduz o fluxo de sangue em outras áreas do cérebro,
diminuindo a atividade cognitiva. (Newberg & Waldman, 2009 -
p.255)
Outro benefício das aulas de religião para o ensino emocional são os
debates, reflexões e encenações realizados constantemente em sala. Ter
espaços e momentos programados para se trabalhar valores e discutir atitudes
a partir das parábolas trabalhadas por seus professores, permite aos alunos
analisarem tais experiências e estabelecer vínculos estreitos entre o que é
visto nas aulas e o que é vivido por elas. Desta maneira, formam juízo próprio
a respeito de valores e como se portar em sociedade de maneira bastante
natural e agradável. “A mente emocional mantém unidos os poderes da
natureza e as forças da cultura, que, por sua vez, nos mantêm unidos em
nossos relacionamentos sociais e construto cognitivo sobre o que é mais
importante em nosso mundo”. (Marino Jr., 2005 – p.93)
É o que se viu em algumas das entrevistas feitas com alunos do Ensino
Fundamental. Alguns alunos afirmaram que as aulas de religião a ajudam a
“não bater nos amigos”, que Deus gosta de nós “como somos”, que “ter fé é
49
importante”, porque “leva o que aprendeu nas aulas de religião para casa...”
Tais depoimentos demonstram o poder dos assuntos tratados nas aulas de
religião e seus impactos na vida das crianças.
Um segmento em especial que se favorece com as aulas de religião em
um momento que pode ser visto como crucial é o Ensino Médio. Na visão de
Herculano-Houzel, “A adolescência, entre outras coisas, é um período de
intenso aprendizado social” (2005 -p.163). É durante esta fase da vida que o
indivíduo amadurece a habilidade em tomar as decisões corretas utilizando-se
das próprias emoções e a capacidade de empatia, ou seja, de se colocar no
lugar do próximo. O adolescente experimenta dar seus próprios passos fora do
ninho e necessita da aprovação do grupo de amizades. A possibilidade dada
ao adolescente de fazer trabalhos voluntários, onde este jovem compara sua
realidade a outras e interage com indivíduos de diferentes idades, os diálogos
promovidos pelos professores do departamento de religião e os diversos
retiros em que os alunos precisam trabalhar com diferentes grupos e variadas
atividades favorecem o diálogo entre o córtex pré-frontal, que formará
memórias e gerirá as emoções, e o sistema límbico, que terá as emoções mais
bem equalizadas e seu sistema de recompensas ativado.
Outra medida inusitada é oferecer uma grande variedade de
estímulos novos: novos livros, novos autores, filmes de
diretores e tendências variadas, debates motivadores. Isso é
especialmente atraente para o adolescente em razão do
amadurecimento de outra parte de seu cérebro, o córtex pré-
frontal, que o dota de uma capacidade de raciocínio até então
inusitada, e que traz grande prazer tanto ao próprio
adolescente quanto aos seus pais. (Herculano-Houzel, 2005 –
p.130-131)
50
Conforme discutido neste capítulo, ao longo de sua vida o ser humano
recebe as experiências emocionais através de seu sistema límbico. Este não
“lê” tais emoções e as reconhece como boas ou más, ou positivas e negativas,
pois tal decisão acontece no córtex pré-frontal. É ali que se educa a emoção
(Relvas, 2012). Faz-se necessário, então, se moldar a leitura destas
sensações, visto que as reações em princípio fazem parte de um mecanismo
de defesa, que muitas vezes desperta o sistema límbico. A educação
emocional focada com constância nas aulas de religião propicia um maior
controle das emoções e uma visão mais apurada dos estímulos provenientes
do meio, além de facilitar a leitura feita pelo cérebro das atitudes tomadas por
outros indivíduos. A pessoa cuja inteligência emocional foi bem trabalhada tem
maior probabilidade de sucesso frente a situações de estresse, por exemplo,
pois tem maior resiliência. O efeito promovido é o de turmas menos
estressadas e mais felizes.
51
CONCLUSÃO
Durante o preparo dessa pesquisa, ficou evidente o quanto o ensino
religioso pode contribuir para o desenvolvimento do cérebro, tanto cognitiva
quanto emocionalmente. A escola voltada para a formação holística de sua
clientela deve permitir espaços que trabalhem não apenas o conhecimento
conteudista, mas também valores e atitudes. Tais aspectos são amplamente
debatidos e vividos quando a educação religiosa é abordada de maneira a
proporcionar a discussão e não a simples pregação e memorização de
doutrinas.
Como defendido por Milton Santos (2004), “vivemos um momento que
alia o conhecimento tecnológico a uma necessidade de busca interior”. No
entanto, ao se observar a rotina em sala de aula de muitas escolas, quiçá da
maioria das instituições de ensino atualmente, pode-se verificar que a escola
não acompanha este momento. Ainda são predominantes as aulas expositivas,
os tempos corridos, os conteúdos compartimentalizados. Entende-se sucesso
como algo a se conquistar individualmente. Na era da tecnologia, em um
mundo em constantes mudanças, cujas crianças e adolescentes se
acostumaram a responder a diversos estímulos, a escola ainda espera que
com tal proposta conquiste sua clientela, subestimando seus alunos e se
transformando em um espaço obsoleto apesar de todo o maquinário e preparo
de sua equipe.
Com as descobertas da neurociência sobre o cérebro, suas funções e,
principalmente, como este aprende, as instituições de ensino têm um poderoso
aliado no que diz respeito ao desenvolvimento de seus alunos. Infelizmente,
muito atenção se dá ao aspecto cognitivo da aprendizagem. A busca está em
como fazer com que este cérebro acumule mais informações. No entanto, a
questão principal deveria ser: Como fazer com que este cérebro utilize as
informações adquiridas da melhor maneira possível para a sociedade?
52
Com as diversas atividades propostas pelo departamento de religião na
escola observada, que envolvem não apenas suas aulas, mas a escola como
um todo, características interpessoais, tão necessárias ao sucesso profissional
e `a compreensão das informações provindas do meio externo, são
amplamente desenvolvidas. Conforme visto no presente estudo, a construção
de memórias se faz essencial para o melhor desenvolvimento do cérebro
social. Tais memórias, no caso do ensino religioso, muitas vezes tiram a
criança e principalmente o adolescente de suas zonas de conforto, fator
primordial para o crescimento emocional.
Na Educação Infantil, o ensino religioso aliado às atividades lúdicas e
que frequentemente ativam o cérebro motor, auxiliam a maturação corporal
desta faixa etária e iniciam o trabalho de socialização. Como apontado pela
professora que trabalha com estas turmas, o exemplo tem papel primordial
para o sucesso das aulas, e muitas famílias de alunos ainda muito novos
relatam a repetição em casa do que foi visto na escola. O fato de a escola
buscar sempre incluir os familiares no trabalho desenvolvido dentro de seus
muros fortalece a parceria escola/família e promove maior aprendizagem.
Histórias ouvidas e dramatizadas pelos alunos do Ensino Fundamental
que são retiradas das Escrituras Sagradas não são Contos de Fadas. Tratam
de pessoas que em geral passam por dificuldades e nem sempre têm um final
feliz. Tais histórias ativam áreas do cérebro como o Córtex pré-frontal e o
Sistema Límbico, e ajudam estes alunos a lidar com suas próprias frustrações.
O aluno adquire um olhar mais apurado em relação ao seu colega de turma,
entendendo diferenças e diminuindo disputas tão pertinentes a esta faixa
etária. Um dos comentários ouvidos foi justamente o de que na escola as
turmas aceitam alunos com necessidades especiais com maior facilidade.
Ao chegar ao Ensino Médio, o aluno que passou vários anos exposto
aos temas trabalhados pelos professores de religião e cuja família acredita e
53
vive também os ensinamentos praticados pela escola tem maior possibilidade
de desenvolvimento da Inteligência Emocional. Ao realizar as atividades do
serviço voluntário, este aluno porá à prova sua capacidade de funcionar em
grupos muito diferentes do que ele está acostumado, tanto no que se refere à
idade, mas também nível social. Este terá responsabilidades, e se sentirá
valorizado e admirado por suas atitudes. Mais uma vez vê-se o fortalecimento
do córtex pré-frontal, além da ativação do sistema de recompensas, área tão
privilegiada por esta faixa etária. A diferença se dá no que ativa tal sistema. No
caso do adolescente, a ativação costuma ser feita em situações de perigo ou
de rebeldia. Com o serviço voluntário, este adolescente passa a entender que
também encontra prazer ao auxiliar necessitados em diferentes situações, ou
dar exemplo a outras crianças.
Ao permitir a seus alunos vivenciarem situações que promovem reflexão
interior, a escola também cumpre seu papel perante a sociedade de buscar a
inclusão de todos, respeitando suas diferenças, necessidades e
individualidades. Mostrando a possibilidade de erros e diversas maneiras de
acertos, e ao trabalhar a empatia e unir os grupos de diferentes segmentos,
esta escola torna seus educandos mais unidos e menos preocupado com o
sucesso individual.
Outro aspecto interessante realizado pela escola em questão é o
envolvimento de todo o corpo docente com o trabalho religioso. Ao trazer os
professores e demais funcionários para os temas trabalhados em religião, e
relembrar constantemente o cunho religioso da escola, a empatia, o cuidar do
outro e a tomada de decisões acertadas, em suma, a ÉTICA, passa a ser
pauta de discussões não apenas durante as aulas de religião, mas também
durante as aulas de outras disciplinas, fazendo com que a religião deixe de ser
uma disciplina compartimentalizada e passe a ser vista com naturalidade como
possível modo de vida.
54
Por ser uma escola aberta a diferentes práticas, a chegada das
atividades de meditação tornou a oração ainda mais eficaz no controle
emocional do cérebro. As diferentes técnicas adotadas em diversas turmas e
com diferentes idades propicia momentos essenciais de relaxamento do
cérebro e que facilita a compreensão e o entendimento dos conteúdos
lecionados. Estas técnicas também se mostraram eficiente ferramenta
positivamente disciplinadora, pois são utilizadas também com o intuito de
acalmar grupos em momentos de maior agitação.
Pode-se afirmar, então, que o ensino religioso quando bem
desenvolvido pela equipe docente de uma escola, contribui para a formação
holística do aluno. Este desenvolve sua capacidade cognitiva ao trabalhar
técnicas de oração e meditação que promovem no cérebro melhor
aprendizagem (cérebro racional), e também seu desenvolvimento emocional
(cérebros primitivo e intermediário) através das situações dramatizadas e
debatidas em sala, que contribuem para o maior amadurecimento deste aluno,
e sua capacidade de se enxergar no outro, ou de empatia, fundamental para a
vida em sociedade. A ilustração a seguir representa as diferentes áreas
cerebrais desenvolvidas com a prática religiosa na escola.
Fonte: A biologia do cérebro com interface na sala de aula - Profa. Marta Relvas
Não se busca com tal pesquisa tornar todas as instituições de ensino
praticantes de alguma religião. Sabe-se que a Escola Nossa Senhora da
Misericórdia não é uma instituição de grande porte, o que facilita a integração
55
entre professores e segmentos, e que nem todos os alunos e famílias se
adequam ao perfil proposto pela escola. No entanto, fica a ideia de retorno a
uma educação mais filosófica. Um retorno às origens da aprendizagem,
quando os pupilos se sentavam embaixo de sombras de árvores e aprendiam
sobre a VIDA, e quando se aprendia por aprender, e não para avaliações.
Talvez não se possa mais retornar totalmente àquele tempo. Seria
interessante, porém, resgatar um pouco daquela escola que, respeitando
vivências e privilegiando debates e sentimentos, foi berço de tantos sábios. O
cérebro agradece.
56
BIBLIOGRAFIA
AQUINO, Julio Groppa. (org) Diferenças e Preconceito na Escola: Alternativas
Teóricas e Práticas. SP: Summus, 1998.
ALMEIDA, Geraldo Peçanha. Plasticidade Cerebral e Aprendizagem. In: Que
Cérebro É Esse Que Chegou à Escola? As Bases Neurocientíficas da
Aprendizagem. RJ: WAK, 2012.
CHABOT, Daniel & CHABOT, Michel. Pedagogia Emocional – Sentir para
Aprender. SP: Sá, 2005.
CORTELLA, Mario Sergio. Pensar Bem Nos Faz Bem. Vol.1 RJ: Vozes, 2013.
________________. Pensar Bem Nos Faz Bem. Vol.2, 2 Ed RJ: Vozes, 2013.
COSTA, Célia Regina & MAIA, Heber. Atenção. In: MAIA, Heber.
Neurociências e Desenvolvimento Cognitivo. Vol.2 RJ: WAK, 2011.
DAVIDSON, Richard J & SHARON, Begley. O Estilo Emocional do Cérebro.
RJ: Sextante, 2013.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 11ed., SP: Melhoramentos, 1978
FREITAS, M.T.A. De Vygotsky e Bakhtin: Psicologia e Educação: um intertexto.
SP: Ática, 2000.
GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. SP: Ática, 2002.
GALVÃO, Izabel. Henry Wallon – Uma Concepção Dialética do
Desenvolvimento Infantil. 21 Ed, RJ: Vozes, 2012.
57
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. O Cérebro em Transformação. RJ: Objetiva,
2005.
HORA, Dinair Leal da. Gestão Democrática na Escola. 11Ed. SP: Papirus,
2004.
MAIA, Heber. Funções Cognitivas e Aprendizado Escolar. In: MAIA, Heber.
Neurociências e Desenvolvimento Cognitivo. Vol.2 RJ: WAK, 2011.
MAIA, Heber & THOMPSON, Rita. Cérebro e Aprendizagem. In: MAIA, Heber.
Neurociências e Desenvolvimento Cognitivo. Vol.2 RJ: WAK, 2011.
MANTOAN, Maria Tereza Égler. O Direito de Ser, Sendo Diferente na Escola.
In: RODRIGUES, David. (org) Inclusão e Educação: Doze Olhares Sobre a
Educação Inclusiva. SP: Summus, 2006.
MARINO JR., Raul. A Religião do Cérebro. 7Ed. SP: Gente, 2005.
NEWBERG, Andrew & WALDMAN, Mark Robert. Como Deus Pode Mudar Sua
Mente. SP: Prumo, 2009.
PILETTI, Nelson. Sociologia da Educação. 18Ed. SP: Ática, 2006.
REGO, Tereza Cristina R. A indisciplina e o processo educativo: uma análise
na perspectiva vygotskiana. In: AQUINO, Julio Groppa. (org) Indisciplina na
escola: alternativa teóricas e práticas. SP: Summus, 1996.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência na Prática Pedagógica. RJ: WAK, 2012.
58
________________. Neurociência e Transtornos de Aprendizagem. 5 Ed RJ:
WAK, 2011.
________________. Que Cérebro É Esse Que Chegou à Escola? As Bases
Neurocientíficas da Aprendizagem. RJ: WAK, 2012.
SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização – Do Pensamento Único Á
Consciência Universal. 5 Ed. SP: Record, 2004.
SAVIANI, Dermeval. Os Desafios da Educação Pública na Sociedade de
Classes. In: ORSO, Paulino José. Educação, Sociedade de Classes e
Reformas Universitárias. 1 Ed. SP: Editores Associados, 2007.
TARCITANO, Luiz Antonio Costa. Neuroplasticidade Cerebral e
Aprendizagem. In: Que Cérebro É Esse Que Chegou à Escola? As Bases
Neurocientíficas da Aprendizagem. RJ: WAK, 2012.
59
WEBGRAFIA
AMARAL, Julia Rocha do & OLIVEIRA, Jorge Martins. As Estruturas Cerebrais
na Formação das Emoções. Disponível em: www.cerebromente.org.br
ANDRADE, Alexandro. O desenvovlimento motor, a maturação das áreas
corticais e a atenção na aprendizagem motora. Revista Digital. N.78.
Disponível em: www.efdeportes.com
BALLONE, GJ. Sentimentos e Emoções. Disponível em www.psiqweb.med.br
BUTMAN, Judith & ALLEGRI, Ricardo F. A Cognição Social e o Córtex
Cerebral. Disponível em: www.scielo.br
MARTELETO, Denise Morado & MARTELETO, Regina Maria. A Informação
Construída nos Meandros dos Conceitos da Teoria Social de Pierre Bordieu.
In: Revista da Ciência da Informação. V.5 – Disponível em: www.dgz.org.br
Escola Nossa Senhora da Misericórdia. Sobre a Instituição. Disponível em:
www.olmrio.com
MEDEIROS, Marta. Feliz por Nada. Disponível em: www.pensador.uol.com.br
Meditação e Plasticidade Cerebral. Disponível em:
www.vocenopolocultural.com.br
SÉ, Elisandra Vilella. Como as Emoções Influenciam a Memória. Disponível
em: www.uol.com.br
SIMÉIA, Eliá. Relação Indivíduo/Sociedade em Vigotsky. Disponível em:
www.uneabeaprendizagem.blogspot.com.br
60
TERRA, Marcia Regina. O Desenvolvimento Humano na Teoria de Piaget.
Disponível em: www.unicamp.br
61
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - CÉREBRO E MEIO: CONEXÃO TOTAL 10
1.1– O Sistema Nervoso 11
1.2– Córtex Pré-Frontal 14
1.3– O Sistema Límbico e o Hipocampo 15
CAPÍTULO II - AULAS DE RELIGIÃO: 21
O CÉREBRO SE TRANSFORMA
2.1 – Breve Histórico da Instituição Observada 21
2.2 – Ensino de Religião na Escola: Do Início ao Fim 23
2.2.1 – O Ensino Religioso na Educação Infantil 23
2.2.2 – O Ensino Religioso no Ensino Fundamental 27
2.2.3 – O Ensino Religiosos no Ensino Médio 29
CAPÍTULO III – INTELIGÊNCIA COGNITIVA E RELIGIÃO: 32
O CÉREBRO SE DESENVOLVE
3.1 – Inteligência Cognitiva e Religião 32
3.2 – Plasticidade Cerebral e Religião 39
62
CAPÍTULO IV – INTELIGENCIA EMOCIONAL E RELIGIÃO: 42
O CÉREBRO REFLETE
CONCLUSÃO 51
BIBLIOGRAFIA 56
WEBGRAFIA 58
ÍNDICE 59