7/22/2019 Dois Estudos Sobre a Lei Complementar No Direito Brasileiro - Felipe Lima Gomes
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Dois estudos sobre a leicomplementar no direito
brasileiro
Felipe Lima Gomes
FLG
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Dados Internacionais de Catalogao na PublicaoUniversidade Federal do Cear
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
G633d Gomes, Felipe Lima.Dois estudos sobre a lei complementar no direito brasileiro /Felipe
Lima Gomes. Fortaleza: Felipe Lima Gomes, 2012.Livro eletrnico. 108 p.1,11 MB. PDF.
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-913652-1-0
1. Direito Constitucional - Brasil. 2. Legislao - Brasil.I. Ttulo.
CDD 342.030981
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Felipe Lima GomesMestrando em Direito pela Universidade Federal do Cear
Dois estudos sobre a leicomplementar no direito
brasileiro
FortalezaEdio do autor
2012
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DOIS ESTUDOS SOBRE A LEI COMPLEMENTAR NODIREITO BRASILEIRO
Felipe Lima Gomes
Junho de 2012
Felipe Lima Gomes (editor)Endereo eletrnico: [email protected]
TODOS OS DIREITOS LIBERADOS. Desde que citada a fonte,so expressamente permitidos (e encorajados pelo autor/editor)o download, a retransmisso, o arquivamento e a reproduo,
total ou parcial, seja por que mdia for, deste livro.
ISBN: 978-85-913652-1-0
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Estes estudos so dedicados a
RAIMUNDO DE FARIAS BRITO
Maior filsofo brasileiro,nascido na cidade de So Benedito,
no alto do planalto ibiapabano,em especial homenagem pelo
centsimo quinqagsimo
aniversrio de seu nascimento.
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SUMRIO
Prefcio.......................................................................................................................7
PRIMEIRO ESTUDO
Repasse histrico das leis complementares no direito constitucional
brasileiro
1. Colocao do tema................................................................................................ 132 Evoluo da lei complementar no direito brasileiro................................... 152.1 Primeira fase........................................................................................................... 15
2.2 Segunda fase........................................................................................................... 27
2.3 Terceira fase............................................................................................................ 34
2.3.1 As teses restritivas: a matria regulada como componente
necessrio da lei complementar.................................................................................... 36
2.3.1.1 A contribuio de Geraldo Ataliba..................................................................... 36
2.3.1.2 A contribuio de Jos Souto Maior Borges..................................................... 40
2.3.1.3 A contribuio de Celso Ribeiro Bastos............................................................ 44
2.3.1.4 A contribuio de Sergio Reginaldo Bacha....................................................... 47
2.3.2 As teses ampliativas: a matria regulada como componente
acidental da lei complementar...................................................................................... 52
Referncias.................................................................................................................57
SEGUNDO ESTUDO
Hugo de Brito Machado e Jos Souto Maior Borges sobre a lei
complementar: notas margem de uma polmica
1. Introduo polmica........................................................................................612. Exposio e crtica da polmica....................................................................... 632.1 A doutrina de Jos Souto Maior Borges.................................................................632.2 A doutrina de Hugo de Brito Machado..................................................................682.3 Outras consideraes. Crticas preliminares s doutrinas expostas................... 73
2.3.1 O problema da hierarquia normativa................................................................... 75
2.3.2 Reserva material de lei reforada pelo procedimento
e alguns problemas decorrentes dessa questo............................................................ 79
3. Esboo de uma tese para o problema das tensesinter-normativas no direito brasileiro...............................................................90Referncias.............................................................................................................. 106
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PREFCIO
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Prefcio
Eu ainda era um primeiranista do curso jurdico e estava na primeira
cadeira de direito constitucional, quando foi dada uma aula sobre o processo
legislativo brasileiro. A professora desenhou um tringulo na lousa e comeou a
escrever os atos jurdicos do ordenamento. Iniciou pela Constituio, no topo, e ps
as leis logo abaixo. Nesse momento, surgiam algumas das dvidas que consumiriam
boas horas da minha ateno nos anos subseqentes. Estranhei profundamente a
afirmao de que havia uma lei complementar e uma lei ordinria para mim,
como praticamente todas as pessoas no-iniciadas, lei era lei, sem muito mais. Os
adjetivos dados s leis tambm me causaram certo desconcerto, pois nem sempre era
uma lei complementar a que complementava a normao constitucional; por outro
lado, a lei ordinria um instrumento legislativo extremamente importante para o
sistema jurdico nacional, a despeito de uma das acepes do termo ordinria,
como algo de pouco valor. Embora fosse simples compreender que a atuao do
legislador de fundamental importncia para o plano normativo inaugurado pelas
normas constitucionais, foi difcil conceber o motivo pelo qual se punham duas
espcies legislativas para isso.
Para minha surpresa, as descobertas esquisitas daquela aula no haviamacabado. A maior e mais intrigante ainda viria. No havia acordo sobre a relao que
se estabeleceria entre aquelas duas espcies de lei. Para muitos, a lei complementar
era hierarquicamente superior lei ordinria, j que contava com um procedimento
mais reforado de aprovao; entretanto, outros doutrinadores defendiam a tese
segundo a qual as leis complementar e ordinria dividiam o mesmo patamar
hierrquico, pois haveria apenas um campo material destinado, constitucionalmente,
lei complementar, dentro do qual a lei ordinria no teria valor em todas asoutras matrias, as duas espcies se equivaleriam. No estou muito certo sobre o
resto da aula, mas imagino que a professora fez meno aos julgados do Supremo
Tribunal Federal, nos quais a corte reitera seu entendimento de que no h
hierarquia entre as leis complementares e ordinrias e que a lei ordinria pode dispor
sobre qualquer assunto fora da reserva material da lei complementar, mesmo
regulado anteriormente por ato desta espcie.
Terminada a aula, eu comecei a consultar algumas obras sobre o tema,
pois no acreditava muito na existncia de uma incerteza desse nvel em assunto que
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poderia trazer conseqncias prticas to dramticas para os cidados. E a minha
surpresa apenas aumentou, quando eu pude perceber que as polmicas j contavam
dcadas de idade e que boa parte dos maiores juristas brasileiros alguns dos quais
eu apenas via citados nos compndios que lia quela poca j haviam tomado parte
no debate. E ainda no era tudo: um professor da faculdade em que eu estudava
defendia, com vigor, uma tese diferente, a qual teorizava a superioridade hierrquica
da lei complementar e a impossibilidade de suas normas serem derrogadas pelas
normas de uma lei ordinria superveniente, mesmo que a lei complementar no
estivesse nos quadrantes materiais indicados expressa ou implicitamente pela
Constituio. Esta tese poderia levar a resultados prticos inteiramente distintos, se
comparados aos resultados a que leva a tese que admite essa revogao.
Todas essas circunstncias me levaram a acumular, progressivamente,
alguns trabalhos relativos lei complementar. Com o tempo, dei-me conta de que
havia vrios assuntos adjacentes s discusses, sem trato mais detido pelos
doutrinadores brasileiros (alguns pontos sobre processo legislativo e controle de
constitucionalidade, desdobramentos da distino entre texto e norma etc.), cujo
estudo mais aprofundado necessariamente passado por alguns autores
estrangeiros, pois alguns temas conheceram maiores desenvolvimentos em virtude
das particularidades de outros sistemas jurdicos poderia abalar algunsfundamentos das doutrinas correntes, ou mesmo corrobor-las de forma mais
consistente. O interesse me fez, ao final do curso, defender um trabalho monogrfico
sobre a temtica. Dois anos depois, retomei alguns pontos em escrito apresentado no
final de uma disciplina do curso de mestrado1. Com a dedicao dispensada lei
complementar, resolvi divulgar alguns resultados das pesquisas empreendidas, sem
grandes pretenses, nos ltimos anos. Se no por qualquer outro motivo, este
trabalho ter algum valor pelas referncias consultadas, coletadas e selecionadas,pacientemente, as quais podem servir como um bom roteiro inicial a quem quiser
realizar incurses mais ousadas.
Os dois estudos componentes deste opsculo tm objetos bem distintos.
Na verdade, possvel afirmar que o primeiro uma introduo ao segundo. Cuidarei
de apresentar os estudos nos prximos pargrafos; por ora, indico o ponto que
permeia os dois, apesar da diferena de objeto entre ambos: a nota de que a atividade
do legislador (e dos intrpretes que detm a misso de atualiz-la) decisiva para o
1 O segundo estudo que compe este livro um verso pouco mais desenvolvida desse trabalho.
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sucesso (ou malogro) de uma constituio2. A forma como os constituintes e os
intrpretes de um texto constitucional encaram a normao dos poderes constitudos
pode ter graves impactos na efetivao das normas constitucionais, questo
especialmente relevante no contexto de uma constituio que trace metas
pretensiosas de regulao das relaes jurdicas. Por outro lado, fundamental que o
sistema normativo seja claro o suficiente para cumprir uma das grandes promessas
do constitucionalismo moderno: o conhecimento do direito em vigor pelos cidados.
Desta forma, um sistema de atos legislativos que dificulte em medida
desproporcional o desenvolvimento normativo do ordenamento, iniciado pelas
normas constitucionais, e/ou complique (tambm desproporcionalmente) o
conhecimento do direito pelos cidados trar prejuzos perfeitamente evitveis, seja
pela ao do prprio legislador, seja pela ao dos intrpretes (no que incluo
magistrados e doutrinadores). Os juzos sobre a adaptao do sistema brasileiro de
atos legislativos aos desideratos indicados, sempre com maior nfase dada lei
complementar, estaro presentes em diversos momentos.
Minha idia inicial era fazer um livro de dimenses mais significativas, que
pudesse dar um depoimento abrangente sobre o tema. Mas percebi que tinha
algumas pequenas idias nunca lanadas, pelo menos no direito brasileiro, as quais
deveriam ficar sujeitas imediatamente a eventuais crticas e, na seqncia, passarpelos ltimos testes laboratoriais, medidores, de forma mais segura, do seu valor.
Elegi dois temas extraordinariamente caros a mim e que podem, em seus
desdobramentos, trazer tona essas idias. No primeiro estudo, realizo um breve
repasse do histrico da lei complementar no direito brasileiro. Dois adiantamentos
devem ser realizados: (1) o marco zero do histrico ser a Constituio imperial;
no ignoro a existncia de atos legislativos que complementaram o direito anterior,
mas a abordagem desse perodo seria impertinente e alongaria desnecessariamente oestudo, uma vez que a ateno (no primeiro estudo, frise-se) est ao redor da relao
constituio-lei; (2) a lei complementar, com os elementos formais especficos, tais
como so conhecidos na atual Constituio, nem sempre existiu; apesar disso, j se
fazia referncia a lei complementar para indicar o ato legislativo que desenvolvia
preceitos constitucionais, ainda que se tratasse de lei comum, do ponto de vista
2 Nessa linha, passei a dedicar ateno ao controle jurisdicional das omisses legislativas, grande
problema do desenvolvimento normativo da constituio, ao qual a Constituio de 1988 trouxe novasdimenses, ainda carentes de explorao mais acentuada da doutrina e, principalmente, dajurisprudncia.
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formal. Este ponto ser bem explorado. O que pode ser visto no primeiro estudo
uma tentativa de resgatar, sumariamente, tudo o que foi pensado sobre a
complementao legislativa das Constituies brasileiras, para indicar as fontes do
ato legislativo especificado no inc. II, do art. 59, do atual diploma constitucional, bem
como as principais interpretaes realizadas sobre a sua instituio.
No segundo estudo, a proposta fazer uma exposio e algumas crticas a
uma das mais marcantes discusses sobre a lei complementar, travada entre Jos
Souto Maior Borges e Hugo de Brito Machado, com o objetivo de, a partir da
constatao da existncia de algumas insuficincias das doutrinas dos dois, oferecer
um refinamento terico para o trato das relaes inter-normativas possveis no
direito brasileiro. A polmica entre os dois professores despertou-me vivo interesse,
por vrios motivos, dos quais destaco os seguintes: envolvia dois grandes
tributaristas brasileiros; as teses so defendidas com vigor, marca dos grandes
embates intelectuais; cada professor envolvido se filia, de maneira geral, a uma das
duas grandes correntes doutrinrias sobre o tema, pois um (Maior Borges) defende a
identificao da lei complementar por seus aspectos formais e materiais (doutrina a
que nomeio restritiva, por reduzir o mbito material de atuao da lei
complementar), ao passo que Hugo Machado defende a identificao da lei
complementar por seus aspectos formais (doutrina intitulada ampliativa, pelo fatode deixar um campo material de atuao bem mais amplo a esse ato legislativo);
muitas das discusses tiveram como eixo um grande mal-entendido, pois os autores,
pelo mesmo nome, tratavam de coisas distintas (hierarquia normativa) desventura
mais comum que o desejvel em discusses jurdicas. O segundo estudo o mais
propositivo dos dois, de modo que o primeiro, de leitura mais recomendada a quem
no conhece to bem o tema, pode ser considerado uma grande introduo. A quem
domina satisfatoriamente a matria, posso mesmo dizer que o segundo estudo deveser lido; o primeiro, apenas consultado, se necessrio.
Um olhar pelas referncias pode dar a impresso de que, com a quantidade
e a qualidade de opinies emitidas sobre a lei complementar, o assunto j teria
esgotado todas as suas possibilidades, sem haver motivo para inspirar trabalhos
monogrficos. Infelizmente, isso no correto. Para citar uma confuso recente que
envolve a lei complementar na sua relao com a lei ordinria, veja-se a
jurisprudncia recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justia. O primeiro tem deixado claro que nem toda soluo de conflito dessa
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natureza de sua competncia; apenas os casos em que esteja em discusso a
existncia ou inexistncia de reserva de lei complementar estabelecida pela
Constituio e de interpretao conforme s normas constitucionais so comportados
pela sua jurisdio3. A leitura atenta do inteiro teor dos julgados permite ver que a
jurisprudncia do STF vai mais longe e expressa a incompetncia do tribunal para
julgar os feitos nos quais a lei complementar apontada como o parmetro ao qual a
lei ordinria deve se conformar, caso no haja discusso relativa existncia de
reserva de lei complementar4. O Superior Tribunal de Justia, por sua vez, tem
entendido que os conflitos entre normas de lei ordinria e de lei complementar so
sempre matria constitucional, de competncia do STF, impassveis, pois, de
apreciao em recurso especial5, mesmo que seja argida somente a
3EMENTA: TRIBUTRIO. CONFLITO ENTRE LEGISLAO LOCAL E LEI COMPLEMENTAR DENORMAS GERAIS EM MATRIA TRIBUTRIA. INTERPOSIO DE RECURSOEXTRAORDINRIO ANTES DA EC 45/2004 (art. 102, III, D). MATRIA INFRACONSTITUCIONAL.OFENSA INDIRETA OU REFLEXA. CONTRIBUIO DE MELHORIA. MUNICPIO DELARANJEIRAS DO SUL. CONTRARIEDADE DA LEGISLAO LOCAL AO CDIGO TRIBUTRIONACIONAL. APURAO DO BENEFCIO INDIVIDUAL DEFICITRIA. LEI 43/1989. PROJETO09/1993. EDITAL 05/1994. DECRETO 08/1995. 1. Nem toda contraposio entre lei ordinria e leicomplementar se resolve no plano constitucional. Dentre outras hipteses, a discusso ser de aladaconstitucional se o ponto a ser resolvido, direta ou incidentalmente, referir-se existncia ouinexistncia de reserva de lei complementar para instituir o tributo ou estabelecer normas gerais emmatria tributria, pois a Constituio que estabelece os campos materiais para o rito de processo
legislativo adequado. 2. Num segundo ponto, possvel entrever questo constitucional prvia noconfronto de lei ordinria com lei complementar, se for necessrio interpretar a lei complementar luzda Constituio para precisar-lhe sentido ou tolher significados incompatveis com a Carta (tcnicas dainterpretao conforme a Constituio, declarao de inconstitucionalidade sem reduo de texto epermanncia da norma ainda constitucional). 3. Nenhuma das duas hipteses est configurada nestecaso, pois a parte-agravante invoca o Cdigo Tributrio Nacional como parmetro de controleimediato de norma local que teria falhado em apurar o benefcio individual aferido por cadacontribuinte, mas, ao invs, limitou-se a fixar o valor global da obra para rateio. 4. Na poca dainterposio do recurso ainda no vigia o art. 102, III, d da Constituio, includo pela EC 45/2004.Agravo regimental ao qual se nega provimento(RE 228339 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010,DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-04 PP-01235 RDDT n. 179,2010, p. 171-173 RT v. 99, n. 899, 2010, p. 105-108).4 Cf. o voto do relator do julgado referido na nota anterior. Vale fazer uma observao: o caso referidoabordava uma pretenso consistente no controle normativo de uma deciso judicial que teriadeclarado vlida lei local que descumpria um parmetro de lei complementar. A emendaconstitucional n 45 trouxe essa hiptese de conflito para o mbito do recurso extraordinrio (art. 102,inc. III, d). Contudo, em linha semelhante de atuao, o STF j consolida a sua jurisprudncia nosentido de admitir esse recurso extraordinrio apenas quando houver a demonstra o de que a Cortede origem, ao julgar vlida lei local contestada em face de lei federal, ofendeu o sistema de repartiode competncias legislativas estatudo na Constituio (cf. AI 774.514-AgR, Rel. Min. JoaquimBarbosa, julgamento em 31-8-2010, Segunda Turma,DJEde 1-10-2010. No mesmo sentido: AI769.919-AgR-segundo, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13-9-2011, SegundaTurma,DJEde 27-9-2011).5 PROCESSUAL CIVIL. AUSNCIA DE VIOLAO AO ART. 535, II, DO CPC. EVENTUALCONFLITO ENTRE O ART. 42 DA LEI N. 9.430/96 E AS NORMAS GERAIS DO CDIGO
TRIBUTRIO NACIONAL, QUE POSSUI STATUS DE LEI COMPLEMENTAR. QUESTO QUE SERESOLVE NO PLANO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. 1. Noviola o art. 535, II, do CPC, o acrdo que decide de forma suficientemente fundamentada, no
http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=615137http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628006http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628006http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628006http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628006http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=6151377/22/2019 Dois Estudos Sobre a Lei Complementar No Direito Brasileiro - Felipe Lima Gomes
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incompatibilidade entre normas de lei ordinria e de lei complementar! Ou seja: os
dois tribunais se recusar a apreciar o conflito entre as normas desses dois atos
legislativos, se no houver a discusso de fundo sobre a existncia de reserva material
complementar, situao que pode causar grandes embaraos, por deixar alijados da
jurisdio dos tribunais superiores os casos nos quais no h motivo para discutir o
problema da reserva material. Embora no seja objeto dos estudos aqui reunidos a
prtica jurisprudencial sobre esse ato legislativo, o exemplo aduzido demonstra que
os estudos sobre a lei complementar ainda tm um importante papel a cumprir em
nosso direito, inclusive para o foro, razo por que no merecem a pecha, tantas vezes
lanada com um tom pejorativo, de meramente acadmicos.
So as linhas gerais do pequeno trabalho que apresento e distribuo,
gratuitamente, a todas as pessoas, no af de receber as crticas que o merece.
Felipe Lima Gomes
estando obrigada a Corte de origem a emitir juzo de valor expresso a respeito de todas as teses edispositivos legais invocados pelas partes. 2. A controvrsia restringe-se suposta incompatibilidadedo art. 42 da Lei n. 9.430/96 com os arts. 43, 110, 142, 148 e 195 do Cdigo Tributrio Nacional,diploma legal que, de sua vez - em face do que dispe o art. 146, III, a, da Constituio da Repblica -,foi recepcionado com status de lei complementar. No entanto, eventual conflito entre lei ordinria e leicomplementar resolve-se no plano constitucional, de modo que a anlise da matria em questo, peloSuperior Tribunal de Justia, configura usurpao da competncia do Supremo Tribunal Federal. APrimeira Turma, ao julgar os EDcl no REsp 588.057/PR (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de19.6.2006, p. 101), enfrentou situao semelhante dos presentes autos, ocasio em que decidiu que andole constitucional da controvrsia impede o conhecimento do recurso especial, quer seja pela alnea
"a" ou pela letra "c" do inciso III do art. 105 da Constituio. 3. Recurso especial parcialmenteconhecido e, nessa parte, no provido (REsp 1226420/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELLMARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012).
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REPASSE HISTRICO DAS LEIS COMPLEMENTARES NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
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REPASSE HISTRICO DAS LEIS COMPLEMENTARES NO
DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
1. Colocao do tema
Este estudo tem o objetivo de promover uma retomada da trajetria
histrica da lei complementar (e dos atos legislativos que lhe possam ser indicados
como antecedentes histricos) em nosso direito positivo. Deste modo, os esforos
aqui empreendidos vo no sentido de investigar as fontes do ato legislativo
consagrado, na atual Constituio brasileira, pelo inc. II, do art. 59. Conforme
delimitao dada ao tema, o resgate das aparies da lei complementar em outras
constituies ser feito apenas nos limites que se julgarem suficientes para a
compreenso da evoluo do ato legislativo, sem se tomar qualquer atitude tendente
a um resgate histrico completo. Tambm ser afastada a anlise de atos legislativos
reforados do direito estrangeiro, que possam ter servido de inspirao ao legislador
brasileiro, por razes que sero apontadas mais adiante1. Com esse intuito, a histria
da lei complementar ser dividida em trs fases. A diviso comporta alguns
esclarecimentos fundamentais.A primeira das fases propostas corresponde a um momento que vai desde
a primeira Constituio brasileira, nica carta constitucional promulgada durante o
perodo imperial, em 1824, at emenda constitucional n 4, que modificou a
Constituio de 1946, emenda promulgada em 1961. Ao longo desse perodo, a
questo fundou-se na doutrina das leis complementares (tambm chamadas leis
orgnicas, embora haja quem estabelea diferena entre as duas), que nada mais
eram do que os atos legislativos responsveis pela complementao normativa dos1 Sobre a influncia do direito estrangeiro acerca da lei complementar, cf. nota 65.
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dispositivos constitucionais. No se reconhecia a existncia de um ato diferente das
leis ordinariamente previstas nos diplomas constitucionais, de modo que a
caracterizao da lei complementar se dava, fundamentalmente, pela funo que
cumpria no espectro contnuo de normao jurdica, para utilizar expresso de
Gomes Canotilho2.
Na emenda constitucional referida, instituidora da segunda experincia
parlamentarista da histria brasileira, veio a previso de leis para promover a
complementao do sistema parlamentar de governo, cuja aprovao se daria por
maioria absoluta de votos nas duas casas do Congresso3. A partir de ento, com a
construo doutrinria decisiva de Pontes de Miranda, pouco tempo depois de
promulgada a emenda, passou-se a enxergar uma nova lei que, se no constitua nova
espcie de ato normativo, ao menos j se mostrava como ato de constituio
tipolgica diversa daquela projetada para as leis ordinrias que aquela Constituio
previa. Assim, com a matria relativa complementao do sistema parlamentar
restrita lei de procedimento reforado, se comparado ao da lei ordinria, esta ficaria
impossibilitada de tratar desse tema. Este perodo corresponder segunda fase da
evoluo aqui proposta.
Finalmente, com o advento da Constituio federal de 1967 a emenda n
1, de 1969, no ser considerada nova Constituio, para os fins do presente estudo ,a qual encerra a segunda fase e inaugura a terceira, a sistemtica da lei complementar
foi implantada com as mesmas bases at hoje observadas: trata-se de um ato jurdico
contido no bojo das disposies relativas ao processo legislativo, requerido,
expressamente, em algumas passagens do texto constitucional, como ato legislativo
para a normalizao de determinadas matrias4. Alm disso, tem o seu procedimento
diferenciado, nos moldes trazidos pela inovao da segunda fase; entretanto, no
ficou restrita a apenas uma matria, com aparies em diversas passagens do textoconstitucional. A Constituio de 1988 no trouxe inovaes significativas sobre o
tema, de modo que ser tratada tambm na terceira fase, a qual trouxe consigo as
mais profundas discusses doutrinrias. Uma grande disceptao ainda marca a
2 Cf.Relatrio sobre programa, contedos, e mtodos de um curso de teoria da legislao (Separatado volume 63 do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1987)) Coimbra:Coimbra, 1990. p. 60.3 Tratava-se do seu artigo 22: Poder-se- complementar a organizao do sistema parlamentar deGovrno ora institudo, mediante leis votadas, nas duas casas do Congresso Nacional, pela maioria
absoluta de seus membros.4 H discusso sobre se a Constituio tambm demanda, implicitamente, a lei complementar para aregulao de algumas matrias. O tema ser enfrentado na exposio da terceira fase.
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doutrina nesta fase: uma tendncia, majoritria, reduz o mbito exclusivo de ao da
lei complementar (doutrina restritiva); outra, minoritria, amplia o mbito de ao
da lei complementar para qualquer matria que possa ser tratada por lei, seja
ordinria, seja complementar (doutrina ampliativa). Como se ver mais detidamente,
a diferena entre as duas teses defendidas pelas correntes traz graves consequncias
prticas, especialmente no que diz com a possibilidade de revogao de norma
extrada de lei complementar por norma extrada de lei ordinria superveniente, caso
a Constituio no tenha reservado a matria para a lei complementar. Para a
doutrina restritiva, norma de lei ordinria pode revogar uma norma de lei
complementar, caso no se esteja na reserva material que a Constituio destina a
esta (alguns doutrinadores so da opinio segundo a qual no se estar diante de
verdadeira lei complementar, caso o seu contedo extrapole a reserva material); para
a doutrina ampliativa, esta possibilidade deve ser negada, por fora da posio
hierrquica que a lei complementar ocupa no ordenamento jurdico brasileiro. No
presente estudo, ser realizado apenas um repasse das duas doutrinas. Como j
adiantado na introduo, o lanamento de uma tese sobre as resolues de
antinomias normativas no direito brasileiro ser realizado apenas no segundo estudo.
2 Evoluo da lei complementar no direito brasileiro
2.1 Primeira fase
Uma das caractersticas mais marcantes do moderno constitucionalismo
a presena de constituies escritas, ordinariamente vazadas em apenas um diploma,
solenemente promulgado, embora nem sempre democraticamente postas. Este foi
exatamente o pano de fundo da promulgao da primeira Constituio brasileira,logo nos primeiros anos do perodo imperial, em 1824, depois da dissoluo da
constituinte instituda em 1823: uma carta constitucional outorgada pelo imperador
Dom Pedro I, no ano subsequente ao malogro da constituinte. A primeira
Constituio brasileira contou com um nmero significativamente alto de artigos
cento e setenta e nove. Bem mais, por exemplo, que a sua sucessora no perodo
republicano, que reunia apenas noventa e um artigos, os quais a fizeram a mais
sinttica da histria constitucional brasileira.
Nada obstante a quantidade de matrias e de artigos que a Constituio de
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DOIS ESTUDOS SOBRE A LEI COMPLEMENTAR NO DIREITO BRASILEIRO
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1824 somou em seu bojo, ela cumpriu a funo de lanar apenas as bases
fundamentais da ordem jurdica que iniciou, a se revelar como o produto das decises
fundamentais levadas a cabo quando da realizao da constituinte. Por razo de
ordem prtica, no seria vivel aos constituintes promoverem a regulao,
pormenorizada, de todas as relaes jurdicas que se venham a travar entre os
cidados. Essas razes fazem com que uma constituio traga em seu bojo apenas os
lineamentos medulares da ordem que funda, a ponto de Joo Barbalho ter dito que
no seria ella constituio, mas tomaria o caracter e as largas propores de um
codigo, si em seu contexto particularisasse a organisao completa das instituies e
servios necessarios ao regimen que estabeleceo5. Desta forma, a normatividade que
principia pela Constituio deve ser seguida por atos normativos outros que deem
prosseguimento atividade nomolgica, a fim de se prossegu ir com o espectro
contnuo de normao jurdica.
O papel de continuao da normao iniciada pela Constituio pode caber
a diversos atos, admitidos que sejam por um ordenamento. No mbito dos sistemas
constitucionais modernos, a lei assumiu papel preponderante de ato normativo
imediatamente posterior Constituio na atividade normativa. E, em virtude da
natureza genrica das disposies constitucionais, demonstrada pela lio transcrita
acima, as normas constitucionais podem requerem algum ato superveniente quepossa dar continuidade tarefa do constituinte; tambm h normas que admitem
restries ou redues em seus comandos, por meio de atos normativos ulteriores6.
As questes surgidas em virtude da aplicabilidade das normas
constitucionais foi, com precedncia, alvo de graves preocupaes nos Estados
Unidos da Amrica, pas que conta com uma Constituio extremamente sinttica,
motivo que concorreu fortemente para a doutrina lanar seus cuidados sobre o tema.
A grande quantidade de aes judiciais vindas a lume sobre a matria propiciou
5 CAVALCANTI, Joo Barbalho Ucha. Constituio federal brasileira. Rio de Janeiro: CompanhiaLytho-Typografia, 1902. p. 138 (Edio fac-similar. Braslia: Senado Federal, 2002). Na pginaanterior da obra citada, foi alm o antigo ministro do Supremo Tribunal Federal, para notar que danatureza das constituies conterem smente os lineamentos geraes da organisao politica queinstituem, seos principios essenciaes e da descrio das funces dos differentes orgos do governo,indicando o objecto dellas, mas em geral sem descer aos meios particulares e s providencias propriasda execuo.6 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; e BRITO, Carlos Ayres de. Interpretao e aplicabilidade das normasconstitucionais. So Paulo: Saraiva, 1982. p. 15. Prosseguem os professores: Nestes casos, emboracuidando-se de manifestao normativa de um poder simplesmente constitudo, o certo que as
prescries daLex Maxima so integradas pela vontade do poder ordinrio. E por fora mesma dessaintegrao, d-se uma unidade monoltica de comandos constitucionais e infraconstitucionais, de sorteque a normatividade dos primeiros s se perfaz com a normatividade dos segundos.
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estudos e decises judiciais que culminaram na construo de uma teoria que passou
a dividir os ditames constitucionais, no que diz com a regulao de situaes jurdicas
imediatamente aps o incio da vigncia de uma Constituio, em dois: os auto-
executveis (self-executing) e os no-auto-executveis (not self-executing)7.
bem verdade que a matria referida experimentou avanos notveis na
literatura jurdica brasileira na segunda metade do sculo passado, com grande
influncia, alm do direito norte-americano, como j aventado, do direito germnico
e, principalmente, do direito italiano8. Todo o modo, importa fazer a considerao de
7 A doutrina norte-americana clssica sobre a aplicabilidade das normas constitucionais foiinsuperavelmente exposta no Brasil por Rui Barbosa, com a erudio que lhe marca a produojurdica. Escreveu ele que so auto-executveis (expresso por ele proposta como traduo de self-executing) aquelas determinaes para executar as quaes, no se haja mister de constituir ou designar
uma autoridade, nem criar ou indicar um processo especial, e aquellas onde o direito instituido se achearmado por si mesmo, pela sua propria natureza, dos seus meios de execuo e preservao. J asoutras seriam aquelas que demandam uma ao legislativa para lhes tornar efetivos os preceitos (cf.BARBOSA, Ruy. Commentarios Constituio Federal. Colligidos e ordenados por Homero Pires. v.II. So Paulo: Saraiva. 1933. p. 475-496, esp. 488).8 Vale a feitura da exposio, a breve passo, as contribuies que maior repercusso tiveram nadoutrina brasileira. Apoiado, sobretudo, na doutrina italiana, que se desenvolveu com a suscitao doproblema aps a Segunda Guerra Mundial, veio o pioneiro e brilhante contributo de Jos HorcioMeirelles Teixeira. Ele parte de uma crtica doutrina clssica norte-americana, principalmenteporque ela seria insuficiente para captar a programaticidade das Constituies surgidas noconstitucionalismo de cunho social, caracterstica marcante de diversos ordenamentos jurdicos dasegunda metade do sculo XX. Nesse sentido, as normas constitucionais se deveriam classificar entreas de eficcia plena e de eficcia limitada ou reduzida. As primeiras seriam as que j tivessem, desde
o primeiro momento, todos os elementos suficientes para incidir diretamente sobre a matria que lhesconstitui o objeto. As segundas so as que no produzem, de logo, todos os efeitos essenciais, por lhesfaltar a normatividade suficiente para isso, pelo que requerem a atuao posterior do legislador,atividade para a qual estipulam certos princpios. As limitadas ainda se dividiriam em normasprogramticas, que tratam de matria eminentemente tico-social e formam um programa de aosocial assinalado ao legislador, e em normas de legislao, as quais dizem respeito organizao daConstituio e, eventualmente, aos direitos e garantias fundamentais (cf. Curso de DireitoConstitucional. Organizado e atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1991.p. 285-361). Esta obra corresponde a apostilas referentes a aulas ministradas pelo autor desde afundao da Faculdade de Direito da PUC-SP at aos primeiros anos da dcada de 60, conforme ao quenoticia a organizadora do livro. Infelizmente, somente houve publicao desse material, preciosidadeda literatura jurdica nacional, quase trinta anos depois da compilao das referidas apostilas. Namesma esteira, Pontes de Miranda ofertou a seguinte classificao: regras bastantes em si, regras
no-bastantes em sie regras jurdicas programticas. As duas primeiras corresponderiam, em linhasgerais, aos dois tipos propostos pela doutrina americana clssica; as regras jurdicas programticas,que tanto podem ser bastantes em si, como podem ser no-bastantes em si, seriam aquelas emque o legislador, constituinte ou no, em vez de edictar regra jurdica de aplicao concreta, apenastraa linhas diretoras, pelas quais se ho de orientar os podres pblicos (cf. PONTES DE MIRANDA,Francisco Cavalcanti. Comentrios Constituio de 1967 com a emenda n 1 de 1969. t. 1. 3. ed. Riode Janeiro: Forense, 1987. p. 126-127). Em 1968, veio a lume a primeira edio da obra Aplicabilidadedas normas constitucionais, de Jos Afonso da Silva, responsvel pela mais influente classificao dasnormas constitucionais. Segundo ele, a diviso dar-se-ia em trs tipos: normas de eficcia plena,normas de eficcia contida e normas de eficcia limitada. As primeiras podem ser dadas comocorrespondentes s de mesma designao na classificao de Meirelles Teixeira; as segundas soaquelas que produzem inicialmente todos os seus efeitos essenciais, mas trazem conceitos ou previsesque permitem a limitao da sua eficcia em certas circunstncias; as ltimas no produzem seus
efeitos essenciais ab ovo, porque o legislador constituinte por qualquer motivo, no estabeleceu,sobre a matria, uma normatividade para isso bastante (...). Estas seriam ainda divisveis em normasdeprincpio institutivo, que traam princpios que devero ser obedecidos pelos rgos pblicos, como
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que, com adeso forte dos doutrinadores9, formou-se na doutrina nacional um
programas das respectivas atividades, com vistas realizao dos fins sociais do Estado, e normasprogramticas, responsveis por impor esquemas de gerais de estruturao e atribuies de rgospara o legislador ordinrio ao estrutur-las em definitivo (cf. Aplicabilidade das normasconstitucionais. 7. ed. So Paulo. Malheiros, 2007. p. 81-87, 121-126, 135-138). Poucas obrasmonogrficas foram to influentes no constitucionalismo brasileiro, a servir de inspirao para tantosestudos por tanto tempo. Maria Helena Diniz partiu da classificao de Jos Afonso da Silva e propsuma nova diviso, nos seguintes termos: normas supereficazes ou com eficcia absoluta; normas comeficciaplena; normas com eficcia relativa restringvel; normas com eficcia relativa completveloudependente de complementao. As normas supereficazes no podem ser revogadas, total ouparcialmente, de modo algum, pois so imunes ao poder de reforma. Elas tm uma eficcia positiva,com incidncia imediata, e uma eficcia negativa, por vedar qualquer norma em contrrio. No casobrasileiro, seria exemplo deste tipo de normas as que se extraem do 4, do art. 60, da Constituio.As normas de eficcia plena so idnticas quelas propostas por Jos Afonso da Silva; as de eficciarelativa restringvel so semelhantes s normas de eficcia contida propostas pelo professor acabadode citar. J as normas de eficcia relativa completvel demandam uma complementao por parte dolegislador ordinrio; tm eficcia paralisante das normas inferiores contrrias a si, embora no
estejam infensas alterao por emendas constitucionais. Podem ser de duas espcies: de princpioinstitutivo e programticas, ambas com termos semelhantes aos de Jos da Silva (cf. Normaconstitucional e seus efeitos. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 1992. p. 98-105). Nos ltimos anos, a doutrinade Jos da Silva tem ainda sido alvo de crticas, como as de Virglio Afonso da Silva e WilsonSteinmetz. O ltimo reparou a distino que seria feita entre eficcia e aplicabilidade das normasconstitucionais, que no seria justificada por Jos da Silva. Alm disso, critica o conceito deaplicabilidade das normas constitucionais como qualidade daquilo que aplicvel, o que representariauma tautologia (cf. A vinculao dos particulares a direitos fundamentais. So Paulo: Malheiros,2004. p. 40-46). A crtica de Virglio da Silva mais abrangente e atinge os fundamentos daquela tese,pelo menos a respeito das normas de direitos fundamentais, que foram objeto de estudo de seutrabalho. Para ele, h trs problemas com a tese de Jos da Silva: um terminolgico, um classificatrioe um existencial. O primeiro relativo ao problema do termo designado para as normas de eficciacontida; com base na crtica de Manoel Gonalves Ferreira Filho, Virglio da Silva defende a
nomenclatura normas de eficcia restringvel, pois so normas que lanam todos os seus efeitosdesde o incio de sua vigncia. O problema classificatrio tambm baseado em crtica de ManoelFilho, consistente na afirmao de que as normas de eficcia plena e contida formariam, a rigor, um sgnero, no duas espcies distintas, j que ambas lanam seus efeitos desde o incio, sem necessriainterpolao legislativa. O terceiro tem como apoio a tese, defendida por Virglio da Silva, de que todanorma de direito fundamental pode, pelo menos em certas circunstncias, ser restringida ouregulamentada ( praticamente impossvel, para ele, apontar diferena entre restrio eregulamentao) pela legislao ordinria. Desta forma, deixaria de fazer sentido distinguir normas deeficcia plena e as normas de eficcia restringvel. Alm disso, como todas as disposies de direitosfundamentais precisam de regulamentao para produzir todos os seus efeitos, tambm no fariasentido diferenciar as normas de eficcia limitada, pois todas j o seriam. importante notar, por fim,que Virglio da Silva faz questo de deixar claro que a classificao a que faz essas crticas se ajusta concepo dos limites imanentes dos direitos fundamentais, concepo da qual no partilha (cf.
Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2009. p.246-251). Jos Afonso da Silva dirigiu longa resposta s crticas de Virglio da Silva e WilsonSteinmetz, cuja exposio aqui no tem maior interesse (cf. Aplicabilidade das normasconstitucionais. 7. ed. So Paulo. Malheiros, 2007. p. 286-304).9 Em passagem de seus comentrios Constituio de 1891, Carlos Maximiliano asseverou:Regulamentar artigos da Constituio tem sido perigosa ida fixa de notaveis homens publicos doBrasil. Assim como rara, difficilima, quasi impossivel, uma lei apenas interpretativa, meramentedeclaratoria de outra; assim tambm, e pela mesma razo, quem se propuzer a regulamentar odisposto no codigo fundamental, de facto modificar, ampliar ou restringir o sentido rigoroso dotexto. (Commentarios Constituio Brasileira. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro, 1918. p. 112-113(Edio fac-similar. Braslia: Senado Federal, 2005)). Geraldo Ataliba aponta, por fora da passagemtranscrita, Carlos Maximiliano como adversrio da tese das leis complementares Constituio, umavez que tomara posio extremamente prudente e radicalmente contrria tese lder da
complementao da Constituio. Entretanto, talvez Ataliba se haja apressado na anlise queempreendeu do pensamento de Maximiliano. A rigor, a admoestao de Maximiliano se voltava contraalgumas tentativas, que quela poca se faziam, do Congresso de, em nome de uma regulamentao
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consenso, desde cedo, sobre a necessidade de a Constituio ser complementada por
outros atos normativos, que dariam prosseguimento regulamentao das situaes
jurdicas apenas delineadas vagamente pelas normas constitucionais. A partir disso,
comeou a se formar uma doutrina das leis complementares Constituio; no se
tratava da conformao de um ato legislativo que levasse um nomen juris especfico,
com um procedimento diferenciado, mas, antes, de umafuno a ser cumprida pelas
normas da legislao ordinria que complementavam as normas constitucionais.
Como se ver, a doutrina brasileira comeou a cuidar do tema ainda no Imprio, para
chegar a formas mais desenvolvidas no final da dcada de quarenta do sculo
prximo passado.
A Constituio brasileira de 1824 j demandava, em diversos dispositivos,
sua complementao por leis ordinrias, no somente nos casos em que suas
previses j regulavam parcialmente alguma situao, mas tambm nos casos em que
somente requeria a atuao legislativa, dando, ao poder constitudo, ampla liberdade
de conformao. Como exemplo dos dispositivos em que se dava maior amplitude
liberdade do legislador, cite-se a previso de edio de um cdigo civil e outro
criminal, que se deveriam fundar pela justia e pela equidade, sem parmetros mais
especficos relativos matria desses diplomas10. Para citar um caso em que a
Constituio de 1824 estabelecia maiores restries atividade do legislador, pode-se
da Constituio, contorcer o significado desta, em flagrante desrespeito supremacia constitucional.A propsito, noutra parte da mesma obra, Maximiliano escreveu : sombra das disposies dos ns. 33e 34 [do artigo 34, da Constituio de 1891] propuzeram no Congresso leis interpretativas ouregulamentadoras da Constituio, cuja linguagem crystallina era adrede torcida e alterada no seusignificado logico. No se regulamentam Constituies; nem ellas comportam leis interpretativas,salvo quando votadas com os mesmos requisitos que se exigem para reformar o codigo supremo, deaccrdo com o artigo 90. Foram erros de poca revolucionaria, que felizmente no medraram (p.429. Grifou-se). Como se v, a reao de Maximiliano no se voltava contra a indigitada doutrina;voltava-se, sim, contra as tentativas furtivas do Congresso de usurpar a Constituio federal. Alis, eletambm afirmou que o poder da Unio de editar leis necessrias era um alargamento de sua
competncia, no uma limitao, o que foi lembrado pelo prprio Ataliba, e que incumbia aoCongresso organizar os machinismos necessarios para pr em acco effectiva os poderes conferidosao Legislativo, Executivo e Judiciario pela Constituio Federal (cf. a obra por ltimo citada, s pginas 428-429, e ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituio. So Paulo: Revista dosTribunais, 1971. p. 12-13). vista disso, Ataliba parece ter-se equivocado ao afirmar que Maximilianocombatia completamente a tese das leis complementares.10 Em 1830, era promulgado o cdigo criminal brasileiro. Contudo, o cdigo civil enfrentou uma sagatormentosa at conhecer sua promulgao. Ao longo do Imprio, foram feitas vrias tentativas depromover a codificao do direito civil, um desejo partilhado pelo prprio imperador D. Pedro II,todas malogradas. Na Repblica, essa histria conheceu novos captulos, at que, em 1899, o cearenseClvis Bevilqua foi convidado para projetar o cdigo civil. Depois de aproximadamente quinze anosde tramitao (e diversas alteraes), promulgou-se, no primeiro dia de 1916, a lei n 3071, que baixouo cdigo civil. Como se pode perceber com este exemplo, o descumprimento das previses
constitucionais um antigo problema brasileiro. importante ressaltar que este estudo objetiva atrajetria da lei complementar no direito brasileiro, razo pela qual no se poder tratar das omisseslegislativas, embora seja matria ligada seriamente complementao legislativa da Constituio.
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trazer o art. 134, o qual, a propsito dos crimes dos ministros, dispunha que uma Lei
particular especificar a natureza destes delictos, e a maneira de proceder contra
elles11 (no artigo anterior, fixavam-se as condutas pelas quais os ministros poderiam
ser responsabilizados12). No ltimo exemplo, tem-se claramente um caso em que a
previso constitucional de responsabilizao ministerial somente poderia ocorrer
com a promulgao da lei que cumprisse a demanda constitucional pela especificao
desses crimes e da forma pela qual se procederia contra eles o que foi cumprido
pelo legislador em 1827, em lei que data do dia 15 de outubro13.
Embora a Constituio imperial tenha demandado certas atuaes
legislativas, existe opinio de que isso no foi alvo da cogitao daqueles
constituintes. Afonso Arinos de Melo Franco afirma que, apesar do precedente da
Constituio norte-americana no tema, a primeira carta constitucional brasileira no
trouxe dispositivo claro sobre o assunto, o qual pareceu no ter sido interessante para
os legisladores. Arinos funda sua concluso na interpretao que Pimenta Bueno deu
ao art. 15, 9, daquele diploma, segundo o qual era atribuio da Assemblia Geral
velar na guarda da Constituio e promover o bem geral da nao. Com isso, apenas
se conferiria competncia ao legislativo para inspecionar o exato cumprimento das
leis, um poder geral, conferido ao Parlamento, de fiscalizar todas as leis ordinarias
por ele votadas14. Entretanto, h motivos para discordar de Arinos, ou, semdiscordar, complementar o pensamento desse juspublicista neste ponto15.
Em primeiro lugar, as referncias da Constituio de 1824 a leis
posteriores, que lhe vinham a desenvolver certos parmetros normativos mais ou
menos indicados, do a nota de que a atividade do legislador constitudo foi, em
diversas passagens, tomada em considerao pelo constituinte. Os dois exemplos
11 H, na Constituio de 1988, artigo semelhante, relacionado ao presidente da repblica (art. 85).12 Art. 133. Os Ministros de Estado sero responsveis: I. Por traio. II. Por peita, suborno, ouconcusso. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observancia da Lei. V. Pelo que obrarem contra aLiberdade, segurana,ou propriedade dos Cidados.VI. Por qualquer dissipao dos bens publicos.13 Sobre este ato legislativo, Pimenta Bueno comentou: Esta lei uma das conquistas gloriosas dopoder legislativo brazileiro nos tempos em que elle exercia todas as suas attribuies e era circundadode grande fora moral (Direito publico brazileiro e analyse da constituio do imperio. Primeiraparte. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. p. 263). Mais uma vez, nota-se que a resistncia dos poderesconstitudos ao desempenho de todas as suas atribuies uma antigidade de nosso direito. Diga-se,ainda, que a opinio de que o legislador no goza de grande reserva moral secular e continuabastante acreditada.14 Cf.As leis complementares da constituio. Tese (concurso cadeira de direito constitucional). Riode Janeiro, 1948. p. 13-14.15 Adiante-se que, para o autor referido, as leis complementar so aquelas que pem em
funcionamento ou execuo certos preceitos constitucionais (As leis complementares da constituio.Tese (concurso cadeira de direito constitucional). Rio de Janeiro, 1948. p. 7). A noo ser retomadamais frente.
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trazidos pouco acima podem comprov-lo, e outros podem ser apresentados16. Em
segundo lugar, Afonso Arinos limitou sua anlise ao n. 9, do art. 15, sem maior
justificativa. Esta opo carece de fundamento, medida que h outros dispositivos
que conferiam Assemblia Geral um poder mais abrangente, acerca da legislao de
complemento Constituio. O n. 8, do mesmo artigo, conferia uma ampla
competncia ao mesmo rgo (Art. 15. da attribuio da Assembla Geral VIII.
Fazer Leis, interpretal-as, suspendel-as, e revogal-as), competncia que abrangia
diversas outras que a Constituio, por prolixidade ou por questes de segurana, fez
questo de explicitar em outras passagens, dentre elas a de velar na guarda da
Constituio; afinal, do que adiantaria a concesso do poder de fazer as leis, sem que
fosse tambm assegurado o poder de faz-las cumprir com alguns instrumentos?17 Se
o legislador tinha ampla competncia para legislar, e se havia um grande nmero de
previses de atuao legislativa, que serviriam para complementar vrias matrias
constitucionais, como negar que o constituinte tivera em mente a questo das leis
complementares? No se v um motivo convincente para isso. Em terceiro lugar, h
uma razo que pode ter contribudo para um menor cuidado sobre a matria na
Constituio imperial: este diploma era um estranhssimo caso de constituio escrita
que consagrava um conceito material de normas constitucionais18. Com efeito, em seu
art. 178, dizia-se que somente era constitucional o que dissesse respeito aos limites eatribuies dos poderes polticos e aos direitos polticos e individuais dos cidados;
todo o mais, ainda que constante do texto constitucional, poderia ser alterado sem o
procedimento reforado de reforma constitucional, em sede de legislao ordinria.
16 Apenas para citar mais alguns casos, podem ser ofertados os seguintes: o art. 6, n. 5, trazia apreviso de uma lei que especificasse as qualidades precisas para a expedio de carta denaturalizao, do que resultou a lei de 23 de outubro de 1832, depois alterada parcialmente pelodecreto n 291, de 1843; o art. 97 previa lei para estabelecer o modo prtico das eleies e o nmero de
deputados em relao populao do Imprio (somente em 1846, pela lei n 387, procurou-se cumpriro ditame constitucional, e a matria ficou, durante todo esse tempo, basicamente, sob a regncia dedecretos, o que abriu margem para uma srie de arbitrariedades nas eleies, como se pode consultarem SOUSA, Joaquim Rodrigues.Analyse e commentario da constituio politica do imperio do Brazilou theoria e pratica do governo constitucional brazileiro . v. 2. So Luiz do Maranho: B. de Mattos,1870. p. 59 ss.).17 Esta exatamente a opinio do mesmo Pimenta Bueno, em que Afonso Arinos se apia para afirmarque a Constituio imperial menospreza a atividade legislativa complementar, a dedicar atenoapenas funo de fiscalizao das leis promulgadas (cf. Direito publico brazileiro e analyse daconstituio do imperio. Primeira parte. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. p. 105).18 Muitas vezes, casos como esse so praticamente ignorados pela doutrina. Por exemplo, FranciscoCampos afirmou que a distino entre normas constitucionais formais e materiais incompatvel como sistema de constituio escrita e asseverou: o sistema de constituio escrita se acha, pois, visceral e
inseparavelmente conexo ao conceito puramente formal do que seja uma lei ou clusulaconstitucional (cf. Elaborao legislativa. In: ______.Direito constitucional. v. 1. Rio de Janeiro/SoPaulo: Freitas Bastos, 1956. p. 393-394).
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Trata-se de um detalhe importante para o tema em estudo, porque, se o legislador
poderia alterar a prpria Constituio com leis comuns naquilo que no fosse matria
constitucional, nos termos do art. 178, no havia razo para a previso de atuao
legislativa superveniente nestes temas. bastante plausvel sustentar que esse foi um
motivo limitador dos casos de exigncia constitucional por leis complementares, sem
que elas fossem desprezadas por completo, como se demonstrou.
Apesar dos antecedentes da Constituio imperial, foi realmente a partir
da elaborao e dos estudos sobre a Constituio de 1891, que a doutrina das leis
complementares se desenvolveu mais acentuadamente no Brasil e angariou a
preocupao dos grandes juristas que cuidaram das normas relativas questo. Os
dispositivos constitucionais que diziam respeito matria eram os seguintes:
Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional:33) decretar as leis e resolues necessrias ao exerccio dos poderes quepertencem Unio;34) decretar as leis orgnicas para a execuo completa da Constituio.
As origens desses dispositivos dividiram vrios especialistas. Para Carlos
Maximiliano, o antecedente do n. 33, do art. 34, era o art. 1, seo 8, n. 18, da
Constituio norte-americana19. Sobre o nmero seguinte, Joo Barbalho v relao
com o art. 108, do projeto da comisso formada ainda pelo governo provisrio, que
conferia ao legislativo o poder de realizar a interpretao por via de autoridade oucomo medida geral20, o que valeu a crtica de Maximiliano, pois este entendia que
Constituio no comporta lei interpretativa, salvo quando votada com os mesmos
requisitos para reformar a Constituio21. Afonso Arinos critica a ambos, para afirmar
que a origem direta dos dispositivos so as diversas emendas apresentadas por Rui
Barbosa, grande artfice da primeira Constituio republicana brasileira, ao projeto
da comisso do governo provisrio22. A crtica de Arinos no de todo desarrazoada;
as emendas de Rui Barbosa tiveram inquestionvel influncia na configurao da
19 Cf. Commentarios Constituio Brasileira. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro, 1918. p. 426 (Ediofac-similar. Braslia: Senado Federal, 2005)). O nmero da Constituio dos Estados Unidos a que sefez referncia dispe que da competncia do Congresso to make all Laws which shall be necessaryand proper for carrying into Execution the foregoing Powers, and all other Powers vested by thisConstitution in the Government of the United States, or in any Department or Officer thereof.20 Cf. Constituio federal brazileira: commentarios. Rio de Janeiro: Companhia Lytho-Typografia,1902. p. 138 (Edio fac-similar. Braslia: Senado Federal, 2002).21 Cf. a obra citada na penltima nota, pgina 429.22As leis complementares da constituio. Tese (concurso cadeira de direito constitucional). Rio deJaneiro, 1948. p. 15-17. Para conferir as emendas a que Afonso Arinos faz referncia em seu trabalho,
cf. Obras completas de Rui Barbosa. v. 17. t. 2 (A Constituio de 1891). Rio de Janeiro: Ministrio daEducao e Sade, 1946. p. 40, 42, 43, 110. Disponvel emhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm.Acesso em 06/05/2012.
http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htmhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm7/22/2019 Dois Estudos Sobre a Lei Complementar No Direito Brasileiro - Felipe Lima Gomes
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redao final do texto constitucional, como se pode ver pela confrontao das fontes.
Seja como for, no se pode desprezar o antecedente da Constituio norte-americana,
lembrado por Maximiliano, ainda que como fonte indireta, sobretudo quando se tem
em mente a influncia do direito dos Estados Unidos da Amrica na formao
jurdica de Rui Barbosa, profundo conhecedor (tambm) do direito constitucional
desse pas. J Joo Barbalho parece realmente ter-se equivocado, pois o poder de
interpretar a Constituio, preconizado pelo projeto da comisso do governo
provisrio, no deveria incluir (ou ser equivalente a)o poder para promulgar leis
orgnicas para a execuo completa da Constituio.
vista da redao dos dois nmeros transcritos, de se questionar se h
diferena real entre os poderes conferidos Unio pelos dois, ou se se trata de um
zelo excepcional do constituinte, para garantir a situao jurdica que pretendeu
instituir. Maximiliano da opinio de que o n. 34 quase desnecessrio, pois o que
dispe j estaria encartado no nmero anterior23. Afonso Arinos, ao contrrio, era da
opinio de que havia a conferncia de poderes diferentes. Aps louvar a nitidez no
trato da matria, conferida pelas emendas de Rui Barbosa, defende que o n. 33 trata
de normas jurdicas que no visavam a instituies concretas, mas de normas que
tornassem possvel a execuo da faculdade de praticar atos do governo dos grupos
sociais, enquanto o n. 34 dizia respeito criao de instrumentos adequados aoservio da Unio24. A divergncia entre os dois intrpretes somente pode ser melhor
apreciada, caso se esclarea o que se entendia por lei orgnica, expresso nova em
constituies brasileiras.
Em definio que ganhou a adeso de muitos constitucionalistas, a lei
orgnica tem por objecto regular o modo e a aco das instituies ou
estabelecimentos, cujo principio foi consagrado por lei precedente25. noo bem
funcional, mas a sua utilidade para o caso da Constituio de 1891 deve ser avaliadamais criteriosamente. fundamental sublinhar que se tratava de uma lei comum,
23 Aps falar o que consta do texto, Maximiliano faz o seguinte obtemperamento: Entretanto a lei nodiminue de valor por excesso de clareza; pois que a obscuridade o seu escolho, - das duvidas vivem osescrives (cf. Commentarios Constituio Brasileira. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro, 1918. p. 429(Edio fac-similar. Braslia: Senado Federal, 2005).24 Cf.As leis complementares da constituio. Tese (concurso cadeira de direito constitucional). Riode Janeiro, 1948. p. 24 ss.
25 Definio de Domingos Vieira, reproduzida por Joo Barbalho (cf. Constituio federal brazileira:commentarios. Rio de Janeiro: Companhia Lytho-Typografia, 1902. p. 138 (Edio fac-similar.Braslia: Senado Federal, 2002)).
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dizer, no havia qualquer procedimento diferenciado para a sua produo26. Mas,
admitida a noo de lei orgnica de Domingos Vieira, chega-se a concluso contrria
de Carlos Maximiliano: o n. 33 que se enquadra no que dispe o n. 34, porque as
leis orgnicas tambm serviriam para decretar a regulamentao necessria ao
exerccio dos poderes conferidos Unio. Neste ponto, fica exposta uma das grandes
fragilidades da doutrina das leis complementares: como no havia uma conformao
diversa, no ordenamento jurdico, para as leis complementares, a doutrina vacilava
na anlise do tema, pois cada autor poderia manejar as noes de uma forma
diferente. O caso das leis orgnicas d mostra disso; foi uma expresso cravada na
Constituio, sem haver qualquer tradio no direito brasileiro, e sem qualquer
necessidade de se consagrar essa terminologia, por ser completamente desnecessria.
Poder-se-ia ter falado simplesmente em lei, sem mais, e restariam evitada s as
inmeras pginas escritas na tentativa de se precisar o sentido das tais leis
orgnicas27.
A par das variaes sobre o que seriam as leis orgnicas, a Constituio de
1891 proporcionou um aprofundamento da doutrina das leis complementares com a
acomodao da doutrina norte-americana das normas constitucionais auto-
executveis e das que no o eram, especialmente propagada no Brasil por Rui
Barbosa28. O estudo da espcie teria experimentado importantes desafios com oadvento da Constituio de 1934, no tivesse este diploma vida to efmera, pois
houve a introduo de diversos preceitos programticos, preceitos que levariam ao
26 Paulo Sarasate afirma que essas leis orgnicas no foram definidas atravs de um rito especial devotao, motivo pelo qual no passaram (...) de leis ordinrias com um nome pomposo (cf. Aconstituio do Brasil ao alcance de todos : histria, doutrina, direito comparado e prtica daConstituio Federal de 1967. Rio de Janeiro/So Paulo: Freitas Bastos, 1967. p. 332, nota 9). Apropsito, a denominao orgnica deve se creditar antiga tradio do direito francs de nominardessa forma as leis que criam e/ou estruturam os rgos estatais (cf. prxima nota).27 Especificamente sobre o termo orgnica, muito provvel que tenha vindo do direitoconstitucional francs. Lon Duguit intitulava orgnicas as leis que criavam os rgos estatais efixavam sua estrutura; as leis orgnicas incluam as leis constitucionais e as leis de organizaopoltica, administrativa e judicial (No original: Ce sont toutes les lois qui crent les organes de ltatet qui fixent leur structure. Cette catgorie de lois comprend la fois les lois constitutionnelles rigideset toutes les lois dorganisation politique, administrative et judiciaire). Duguit considera lei, emsentido material, apenas o ato que direciona um comando. Para enquadrar a lei orgnica como umaverdadeira lei em sentido material, ele explica que, embora no contenha um comando direto, elaimplementa a organizao do Estado de Direito, isto , promove a organizao estatal necessria garantia, nas melhores condies, do cumprimento das obrigaes que as regras jurdicas impem (cf.Trait de droit constitutionnel. v. 2. 3. ed. Paris: E. de Boccard, 1928. p. 185-188). Com estaconformao, a lei orgnica no se diferenciava formalmente das leis comuns, pois era caracterizadapela funo que cumpria no ordenamento jurdico. Contudo, a lei orgnica, pelo menos a partir da
Constituio francesa de 1958, tomou um novo formato, com procedimento para aprovao distinto doprevisto para as leis ordinrias (cf. nota 65).28 Cf. nota 7.
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enfrentamento amplo e diversificado da questo29. A Constituio de 1937 no teve
qualquer importncia para o tema, pois o legislativo foi manipulado largamente pelo
governo central; a legislao infraconstitucional ao longo do Estado Novo foi
tomada, em grande medida, pela edio de decretos-leis por parte do presidente, que
podia emiti-los sobre matria de competncia da Unio, enquanto o Parlamento no
se reunisse30. Como as reunies do Parlamento foram pouqussimas no perodo,
muitos foram os decretos-leis nesse sentido (alguns dos quais ainda em vigor, tais
como os que instituram a consolidao das leis do trabalho e o cdigo de processo
penal).
A matria teve de esperar pela promulgao da Constituio de 1946, para
conhecer novos desenvolvimentos. O grande nmero de artigos constitucionais que
desafiavam atividades legislativas supervenientes gerou a ateno no somente da
doutrina, mas tambm do Congresso Nacional. Na sesso da Cmara dos Deputados
de 12 de maio de 1947, Afonso Arinos apresentou requerimento (n 44), para a
formao de uma comisso que cuidasse das leis complementares da Constituio,
que gerou uma comisso com representantes das duas casas congressuais, em raro
esforo de complementao normativa da Constituio31; contudo, muitas foram as
leis que deixaram de ser editadas.
A doutrina agitava-se sobre o problema das leis complementares, e elevoltou tona em virtude da discusso sobre o que aconteceria com a legislao do
Estado Novo que conflitasse com a nova Constituio, se seria revogada ou se seria
passvel de controle de constitucionalidade. Foi em trabalho que cuidou desse ponto
que as leis complementares ganharam uma de suas mais repetidas noes da
primeira fase no direito brasileiro, pela mo de Nunes Leal:
Em princpio, todas as leis so complementares, porque se destinam acomplementar princpios bsicos enunciados na Constituio. Geralmente,
porm, se reserva esta denominao para aquelas leis sem as quaisdeterminados dispositivos constitucionais no podem ser aplicados.Conseqntemente, no caso em que tais leis no existam, mas estejam
29 A Constituio de 1934 remete lei ordinria quase cem de seus dispositivos, aproximadamentecinco vezes mais que a de 1891. A Constituio de 1946 chegaria a mais de uma centena nmerosapontados por RODRIGUES, Rogrio Costa. Leis complementares. Revista de informao legislativa,n. 17, jan./mar., 1968. p. 146.30 Conforme previso do artigo 180 da Constituio de 1934: Enquanto no se reunir o ParlamentoNacional, o Presidente da Repblica ter o poder de expedir decretos-leis sbre tdas as matrias decompetncia da Unio.31 Essa comisso mista, por sugesto de seu relator, Joo Mangabeira, no cuidou de todas as leis que aConstituio requeria, pois isso implicaria a subtrao da competncia de todas as outras comisses
parlamentares. Mangabeira, em seu parecer, sugeriu uma lista de trinta e seis leis sobre as quais acomisso deveria concentrar seus trabalhos (cf. a transcrio do parecer em RODRIGUES, RogrioCosta. Leis complementares.Revista de informao legislativa, n. 17, jan./mar., 1968. p. 152-155).
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informadas por princpios de um regimen poltico diferente, como era nocaso presente o Estado Novo, a sua reforma torna-se imprescindvel.32
No ano seguinte ao do trabalho de Nunes Leal, Afonso Arinos retomou o
tema em tese de concurso. O desenvolvimento que emprestou matria ajuda a
caracterizar, ainda mais acentuadamente, os contornos da lei complementar na
primeira fase. Para Arinos, alm das leis constitucionais de um pas, deve-se
considerar a necessidade de outras leis, que venham por em funcionamento ou em
execuo certos preceitos constitucionais. Estas so as leis complementares da
Constituio. As leis complementares se distinguiriam pelas necessidades especiais
por que so demandadas, muitas vezes pelo prprio texto constitucional, pois que
suas normas so necessrias completa atuao constitucional. A lei complementar
pode se diferenciar pelo seu destino ou pela sua origem, o que justificaria sua divisoem duas categorias: a primeira categoria a da lei complementar que se refere ao
estado, seja regulando os poderes que lhe tenham sido outorgados pela Constituio,
seja dispondo sobre os orgos necessrios ao funcionamento daqueles poderes
(peculiaridade de destino); a segunda categoria inclui as leis que se aplicam aos
indivduos geralmente agrupados em classes sociais, mas, neste caso, decorrem de
uma solicitao direta do texto constitucional, que precisa delas para vigorar
(peculiaridade de origem). Afonso Arinos, reiteradamente, sublinha que no so leis
hierarquicamente superiores s leis ordinrias, embora ressalte que sejam leis de um
tipo especial, que se colocam entre a legislao e a constitucional33.
Os trabalhos de Nunes Leal e de Afonso Arinos enfeixam os principais
pontos de conformao da doutrina das leis complementares nesta primeira fase. As
32 LEAL, Vtor Nunes. Leis complementares da constituio.Revista de direito administrativo, Rio deJaneiro, v. 7, jan./mar., 1947. p. 381. Em sentido semelhante, Meirelles Teixeira escreveu: Em sentidoamplo, so leis complementares Constituio todas as leis que a complementem, seja tornando
possvel a sua aplicao, seja desenvolvendo suas normas, seja concretizando, na legislao e naadministrao, a orientao programtico-ideolgica por ela adotada. Ele props, ainda, uma divisodessas leis complementares nos seguintes termos: lei complementar fundamental, lei complementarorgnica e lei complementar comum. As fundamentais seriam as que desenvolvessem preceitosrelativos segurana do Estado, direitos polticos e declarao de direitos; as orgnicas dariamforma e regulamentao aos rgos do estado e aos entes menores, instituies e servios estatais,como, por exemplo, a Justia, o Tribunal de Contas, o Ministrio Pblico etc., e as comuns visariam aplicao dos demais dispositivos constitucionais, especialmente os relativos aos fins do Estado, suapoltica social, regulamentao de certas atividades particulares etc. (cf. Curso de direitoconstitucional. Organizado e atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1991.p. 305-307, 362). Tambm expe essa classificao SILVA, Jos Afonso da.Aplicabilidade das normasconstitucionais. 7. ed. So Paulo. Malheiros, 2007. p. 229.33 Cf.As leis complementares da constituio. Tese (concurso cadeira de direito constitucional). Rio
de Janeiro, 1948. p. 7-9. A ltima afirmao no desenvolvida pelo autor, pois no fica claro o que sedeve entender por leis que se colocam entre as constitucionais e as comuns, j que no se punha oproblema de leis comuns pautadas, formal ou materialmente, por leis complementares.
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leis complementares so encaradas como leis ordinrias ou comuns, atos legislativos
que passam pelo mesmo procedimento em sua formao, sem haver superioridade
hierrquica entre as duas. A importncia que se deu a estes atos legislativos pode ser
creditada constatao de que eram necessrios ao desenvolvimento normativo da
Constituio, a qual conta com diversos dispositivos dependentes de normao
posterior. A omisso do legislador nesse aspecto pode levar a uma frustrao do
plano constitucional, quando no mesmo se converte em um processo indireto de
alterao da Constituio34. Esta a doutrina que se pode chamar clssica das leis
complementares, mais tarde chamada doutrinria (Geraldo Ataliba), que se manteve
at ao incio da dcada de sessenta, quando a instituio do parlamentarismo na
Repblica trouxe uma inovao que mudou o rumo dos estudos da matria.
2.2 Segunda fase
Como se viu, a primeira fase proposta para a doutrina da lei complementar
no se fundou em um ato legislativo com caractersticas formais diferenciadas. A lei
no tinha mais de uma espcie, embora tenha recebido um nome diferente em alguns
momentos (lei orgnica)35. Na segunda fase, a situao sofre uma alterao, pois,
alm das emendas Constituio e das leis ordinrias, passou a existir uma lei queatravessava um procedimento diferenciado e tinha uma reserva material especfica.
Com a promulgao da emenda constitucional de nmero 4, aos 2 de setembro de
1961, a qual inaugurou a segunda experincia parlamentarista do Brasil, estatuiu-se a
previso de lei cujo modo de produo era diferenciado daquele previsto para os
outros casos. Trata-se da previso contida no art. 22, da emenda j referida: Poder-
se- complementar a organizao do sistema parlamentar de Govrno ora institudo,
mediante leis votadas, nas duas casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta
34 Meirelles Teixeira j dizia que, juridicamente, a Constituio somente pode ser alterada pelosmecanismos de reforma ou de reviso, mas pode ter seu contedo alterado, indiretamente, pelainterpretao, pelas leis complementares e pela inrcia legislativa, mediante a qual numerosos eimportantes dispositivos constitucionais no passam de letra morta nas Constituies, belas figuras deretrica constitucional, sem nenhuma atuao ou repercusso efetiva na realidade social (cf. Curso dedireito constitucional. Organizado e atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: ForenseUniversitria, 1991. p. 309, 364).35 Notou-o Celso Ribeiro Bastos, em precisa e sucinta passagem: A lei complementar tradicional nopossui uma natureza definida a partir de caracteres imanentes, isto , inerentes sua intimidade.Adversamente, a relao que mantm com o texto constitucional que lhe define a essncia. Existem
leis complementares porque as Constituies encerram normas completveis (Lei complementar:teoria e comentrios. 2. ed. So Paulo: Celso Bastos editor: Instituto Brasileiro de DireitoConstitucional, 1999. p. 24).
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de seus membros36. Alm disso, a primeira vez que o legislador se refere a uma
legislao como complementar37, embora lance mo do verbo, no do adjetivo38.
Como se pode notar, no houve o intento de estabelecer um ato legislativo
autnomo, ao lado dos outros, para regular outras matrias, que no as especificadas.
Entretanto, a evoluo doutrinria sulcou a lei complementar no constitucionalismo
brasileiro a partir de ento, de modo que a espcie veio a se consagrar
definitivamente em 1967, no bojo da Constituio nesse ano promulgada. Apesar
disso, como se ver com maior vagar, a caracterizao da lei complementar na
segunda fase restou algo obscura, pois a influncia da doutrina clssica impediu uma
anlise mais original e abrangente do instituto, alm de o dispositivo que a positivava
haver durado muito pouco tempo o retorno ao sistema parlamentar deu-se na
emenda constitucional de nmero 6 ( Constituio de 1946), promulgada aos 23 de
36O pargrafo nico do mesmo artigo tratava da delegao legislativa sobre a matria (A legislaodelegada poder ser admitida por lei votada na forma dste artigo). O art. 25 da mesma emenda aindatrazia a hiptese de lei votada nos mesmos moldes, para dispor sobre a realizao de plebiscito acercado retorno ao sistema presidencial (A lei votada nos trmos do art. 22 poder dispr sobre arealizao de plebiscito que decida da manuteno do sistema parlamentar ou volta do sistemapresidencial, devendo, em tal hiptese, fazer-se a consulta plebiscitria nove meses antes do trmo doatual perodo presidencial), criticado por Paulino Jacques, em virtude de falar em plebiscito, ao invsde referendo, j que se trataria de uma consulta popular a posteriori. Foram apenas duas leiscomplementares promulgadas com base nesses dispositivos (nomeadas leis complementares e comnumerao prpria): a primeira data de 1 de julho de 1962 e realizou uma srie de complementos ao
regime parlamentarista, tais como a eleio do presidente, moo de confiana, Conselho de Ministrosetc.; a segunda delas, de 16 de setembro de 1972, disps sobre a vacncia do cargo de presidente epromoveu a convocao do plebiscito que veio a decidir pelo retorno ao presidencialismo. Analisa ospontos fundamentais dessas duas leis complementares, inclusive com a crtica referida h pouco,JACQUES, Paulino. O governo parlamentar e a crise brasileira. Braslia: Editora Universidade deBraslia, 1982. p. 177-180.37Observao feita por Miguel Seabra Fagundes: Conquanto o texto constitucional de 1946, como o dequaisquer Cartas Constitucionais, deixe muitas medidas legislao ordinria posterior, e as leisoriundas de remisses da Constituio se digam complementares, na linguagem comum, foi no AtoAdicional [Emenda 4/61] que, pela primeira vez, se falou, no direito positivo constitucional vigente, delegislao complementar. No se trata, j agora, de leis de execuo de pontos basilares da CartaMagna, por isto denominadas, correntemente, de leis complementares, mas de leis que o prpriodireito constitucional escrito qualifica de complementares (FAGUNDES, Miguel Seabra.
Parlamentarismo - Extenso do regime aos estados Ato adicional Leis complementares (Parecer).Revista Forense, n. 199, ago./set. 1962. p. 72).38Em nossa histria constitucional, a noo de lei complementar mais velha que o adjetivo (cf.SAMPAIO, Nelson de Sousa. O processo legislativo. So Paulo: Saraiva, 1968. p. 36. Faz anotaosemelhante MAIA FILHO, Napoleo Nunes. Breve histrico e significado das leis complementares. In:______.Estudos temticos de direito constitucional. Fortaleza: UFC, 2000. p. 70. No ser absurdointerpretar a forma verbal utilizada pelo legislador como o indcio da completa falta de inteno decriar uma nova espcie legislativa, que ganhasse autonomia, a fim de servir de instrumento pararegulao de outras matrias. Corrobora esse entendimento a escolha da maioria absoluta doscomponentes de cada casa do Congresso para a aprovao de tais projetos. Com efeito, esta frao deveter sido designada por fora da prpria natureza do sistema parlamentar constitudo, no qual osministros dependiam da confiana da cmara e poderiam ser exonerados, caso fosse admitida umamoo de desconfiana. Esta moo de desconfiana deveria ser aprovada por maioria absoluta da
Cmara dos Deputados (arts. 11 e 12, da EC 4/61). Portanto, o qurum de maioria absoluta no eraexclusividade para a lei que complementava o regime, mas era uma pedra de toque de outrosimportantes institutos do parlamentarismo republicano brasileiro.
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janeiro de 1963, com a revogao expressa da emenda de nmero 4.
Antes de prosseguir, vale a pena fazer uma observao. Boa parte de tudo o
que se produziu sobre a lei complementar a partir de 1961 diz respeito (1) sua
relao com a Constituio, com a unanimidade da doutrina, desde o primeiro
momento, a apontar a supremacia constitucional sobre a lei complementar e (2)
relao entre a lei complementar a lei ordinria, com especial nfase sobre o posto
hierrquico assumido pelos dois atos no ordenamento jurdico. Nenhuma dessas
facetas constitui objeto principal do trabalho; todo o modo, convm anotar-se que, a
propsito do primeiro deles, nenhuma doutrina relevante ousou insurgir-se em
sentido contrrio, at mesmo pela obviedade da soluo. J sobre o outro aspecto,
empreender um apanhado, ainda que breve, de tudo o que j se disse requereria pelo
menos outro trabalho de iguais ou maiores propores que as deste, em virtude da
diversidade de opinies e da turbamalta terminolgica que se levou a cabo em cada
obra que tratou do tema; parcialmente, isso ser buscado no prximo estudo, pois a
anlise da polmica entre Hugo de Brito Machado e Jos Souto Maior Borges sobre a
lei complementar demandar trnsito, ainda que indireto, pelas mais representativas
expresses doutrinrias. Todo o modo, o repasse histrico da matria no direito
nacional no deixar de enfrentar, pelo menos tangencialmente, o assunto.
Trabalho importante no trato da matria foi o j citado parecer de MiguelSeabra Fagundes. Em manifestao acerca do art. 22, da EC 4/61, ele fez perceber
que as omisses sobre a formao do regime parlamentarista teriam de ser
preenchidas por atos normativos de grande relevncia, motivo por que o constituinte
atribuiu particular importncia legislao assim prevista, marcada por duas
caractersticas expressas: a natureza complementar e a necessidade de um qurum
especial em cada casa congressual para a sua aprovao (in casu, maioria absoluta).
Estas duas caractersticas no seriam, ainda assim, suficientes para se incluir aespcie normativa entre as leis constitucionais, pois no ligariam as leis
complementares tramitao ento exigida para as emendas Constituio39. Pelo
exposto, v-se que h a percepo de que as leis previstas na EC 4/61 traziam consigo
caracteres distintos, mas no se lhes conferiu autonomia com relao a qualquer ato
legislativo (notadamente, com relao Constituio). Mais: admite-se que o
procedimento agravado e a marcao como complementar denotam apenas uma
39 Cf. Parlamentarismo - Extenso do regime aos estados Ato adicional Leis complementares(Parecer).Revista Forense, n. 199, ago./set. 1962. p. 72.
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importncia extraordinria a tais leis reconhecida, sem maior impacto em sua
caracterizao como legislao infraconstitucional.
O trabalho mais influente do perodo foi o de Pontes de Miranda, em seus
comentrios Constituio de 1946. Segundo ele, as leis complementares da emenda
4/61 seriam leis ordinrias, para as quais se exigiu qurum reforado, merc de
consideraes polticas condizentes com o equilbrio dos poderes. Em outra
passagem, h mais algum indcio sobre o que ele pensava acerca da identidade
normativa das leis complementares ao sistema parlamentar:
No se pode atribuir lei complementar ou s leis complementares, de quese cogita no Ato Adicional, poderem emendar a Constituio de 1946 ou oAto Adicional, porque no lei constitucional. Porm seria frustrar-se o queest no Ato Adicional, como pressuposto de fundo e de forma, reduzi-la a leiordinria pura. lei intercalar.40
Ainda aqui, h como que a admisso de que tais leis complementares no
poderiam ser compreendidas como meras leis ordinrias. Entretanto, a sua
qualificao como lei intercalar no suficiente para o estabelecimento de uma
caracterizao prototpica diferente, pois ela igualada lei ordinria. A par disso,
pode-se dizer que Pontes de Miranda propugnava pela natureza ordinria (intercalar)
das leis complementares, destinadas apenas complementao do sistema
parlamentar, matria que passava a ser constitucional, pois integrava o corpo de uma
emenda Constituio41.
Outra concepo muito influente na segunda fase foi a de Miguel Reale (e
que permanece influente at hoje), a qual se aproxima do pensamento de Pontes de
Miranda. Reale nota a crescente insuficincia da diviso clssica das leis entre
constitucionais e ordinrias, o que daria lugar necessidade de intercalar um
tertium genus de leis, que no ostentam a rigidez dos preceitos constitucionais, nem
40Comentrios Constituio de 1946. t. 8. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 178, 180.41 A m compreenso destes elementos fez com que Jos Afonso da Silva achasse uma contradio naobra de Pontes de Miranda. Veja-se a crtica: Pontes de Miranda [...] dizia que as regras jurdicas dasleis complementares so de direito constitucional, mas foi contraditrio, porque poucas pginas antesdissera, sem rebuos, que eram leis ordinrias, e tambm que no eram leis constitucionais, e, ainda,que no se poderia reduzi-las a leis ordinrias puras; concluindo, afirma tratar-se de leis intercalares(Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. So Paulo. Malheiros, 2007. p. 241-242). A leituradetida dos comentrios, compreendida a situao em que a matria se encontrava poca, mostra,todavia, que pode no haver a contradio apontada. Quando se diz que as regras das leiscomplementares previstas pela emenda citada eram de direito constitucional, porque serviam apenas complementao do sistema parlamentar, o qual, por seu turno, tornara-se uma questoconstitucional pelo fato de integrar normao vazada por emenda Constituio. Dizer que uma regraextrada de um ato legislativo de direito constitucional no quer dizer que o prprio ato sejaconstitucional, isto