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Revisão Review

ECOGRAFIA ENDOLUMINALANO-RECTAL- CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Resumo

O crescente interesse pela aplicação da ultrassonografia endoluminal (USE)ao estudo do canal anal e recto tem permitido uma maior definição das indi-cações clínicas deste exame e divulgação das suas vantagens na abordagemdo doente com patologia ano-rectal.Introduzido pela primeira vez por Law e Bartram (1989), o ambicioso obje-ctivo deste instrumento diagnóstico no estudo da região ano-rectal é o deidentificar correctamente estruturas/camadas com interfaces/limites poucoprecisos e que dificilmente se distinguem das estruturas vizinhas com técni-cas convencionais. A influência da idade, sexo, paridade, trauma obstétricoe muitos outros factores que condicionam a variabilidade da anatomia ano-rectal foram, durante muito tempo, geradores de alguma confusão e resul-tados discordantes nos estudos efectuados sobre a anatomia desta região.A USE é um exame pouco dispendioso, amplamente disponível e de fácilexecução, no entanto, é operador dependente. Tem-se assistido a algumacontrovérsia sobre quem deve realizar USE ano-rectal: cirurgiões colorre-ctais,gastroenterologistas ou radiologistas? A experiência do operador deveser o factor mais relevante, independentemente da especialidade.A actualsonda endoluminal rotativa de 360°,que permite um varrimento completodo recto e canal anal, tem fornecido informações importantes para umacompreensão detalhada desta região anatómica.

Abstract

The increasing interest in endoanal and endorectal ultrasonography,accom-plished with a wider spread in using these procedures,has allowed the defi-nition of clinical indications and the field of applications.First introduced by Law and Bartram (1989), the ambitious aim of thisdiagnostic tool is to correctly identify very small and thin structures,with noprecise interfaces and limits with the adjacent structures,which often cannotbe visualized or measured with conventional techniques.The influence of age,gender, parity, obstetric trauma and a number of other incompletely un-derstood factors on variability of anorectal anatomy has for a long time ledto significant confusion and conflicting results.The advantage of EUS is that it is inexpensive, easy to performe and widelyavailable;however,similar to all ultrasound methods,EUS is operator depen-dent. Many debates have centered around who should perform EUS exa-minations: colorectal surgeons, gastroenterologists, or radiologists? Theoperator's experience is the most relevant factor,irrespective of specialty.The

A. CALDEIRA1

P. BASTOS2

E. PEREIRA3

(1) Interna de Gastrenterologia doHospital Amato Lusitano(2) Interno de Gastrenterologia doHospital de S. João(3) Assistente Graduado deGastrenterologia do Hospital AmatoLusitano

CorrespondênciaAna CaldeiraServiço de GastrenterologiaHospital Amato LusitanoAv Pedro Álvares Cabral,6000-085 Castelo Branco Fax: 272 000 199Telemóvel: 966 279 [email protected]

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current 360° rotating endoprobe, specifically designedfor anorectal scanning,has provided important informa-tion to a detailed understanding of the anatomy of thisregion.

Introdução

A ecografia endorectal e endoanal foi desenvolvida nosanos 80 e,desde então,tem-se afirmado como uma técni-ca de imagem muito precisa no estadiamento pré-ope-ratório de tumores rectais e no estudo da patologia ano-rectal.Permite diferenciar as cinco camadas anatómicasda parede rectal e o complexo esfincteriano anal. A suanatureza não invasiva associada à elevada sensibilidadefazem com que ocupe,actualmente,um lugar primordialno estudo do recto e canal anal.A possibilidade de reconstruções em 3D veio melhorar aacuidade deste método no estudo da doença ano-rectalultrapassando alguns obstáculos da imagem endoscópi-ca e ultrassonográfica bidimensional.Muitos estudos publicados comprovaram a sua utilidadeassumindo-se, hoje, como um exame de excelência noestudo de quase toda a patologia anorectal.Nesta revisão são abordados os princípios básicos daecografia endoluminal,a eco-anatomia e suas principaisindicações.

História da Ecografia Endoluminal

A ecografia endoluminal foi criada por Wild e Reid,duranteos anos 50,com o desenvolvimento da sonda endoecográ-fica.(1) Trinta anos mais tarde Dragted e Gammelgaardintroduziram a ecografia endorectal na prática clínica.Usando um transductor de 4,5Mhz, inicialmente desen-hado para imagens prostáticas, estimaram a existênciade 13 tumores rectais primários e compararam os seusresultados com a sua análise histológica. Em 11 dos 13doentes realizaram uma avaliação correcta da invasãoparietal. Apesar do êxito obtido, com esta técnica tãopromissora, Dragted e Gammelgaard não estabelece-ram critérios ecográficos.(2) O impulso definitivo foi devi-do a uma série de outros autores,entre os quais se desta-cam Hildebrandt e Feifel, na Alemanha e, Mortensen eBeynon,na Inglaterra,pela sua importância em numerosostrabalhos de grupo.Hildebrandt e Feifel estabeleceram os critérios ecográfi-cos de invasão da parede rectal e uma nova classificaçãono estadiamento dos tumores do recto,a "uTNM",basea-da nos achados ultrassonográficos que é, hoje, a maisfrequentemente utilizada.(3)

De Mortensen e Beynon podem destacar-se,entre outros,os estudos realizados na Universidade de Bristol paradefinir a anatomia normal do recto.Numa caixa com águaa 37ºC eram estudadas, utilizando uma sonda, amostrasde tecido rectal normal, utilizando uma sonda ecográfi-ca Bruel-Kjaer (B&K). Depois de realizados vários cortesecográficos eram submetidas a análise histológica,o quepermitiu identificar as 5 camadas que,do ponto de vistaultrassonográfico,constituem a parede rectal.(4)

Equipamento para a EcografiaEndorectal e Endoanal

Existem equipamentos de sonografia endoluminal devárias marcas e transdutores de diferentes formatos efrequências. Os transdutores mais utilizados na sono-grafia endoanal e endorectal são de 5, 7 e 10 MHz.(5,6) Adistância focal do trasductor de 7 MHz é de 2-5cm,enquan-to a do de 5 MHz varia entre 1- 4cm.A distância focal maislonga tem vantagens na avaliação de estruturas peri-rectais.Muitos estudos utilizaram o transductor de 7 MHz,contudo,o transductor de 10 MHz é preferível no canal anal,pois proporciona uma maior resolução do complexoesfincteriano.(6) Ao aumentar a frequência (10 MHz) aumen-ta a resolução e diminui a distância focal,podendo destaforma avaliar as estruturas situadas mais perto do lúmene portanto do transductor. Pelo contrário, ao diminuir afrequência do transductor (5 MHz),diminui a resolução eaumenta a distância focal, sendo mais útil na avaliaçãode estruturas localizadas nas camadas mais profundasda parede rectal.(5)

A sonda B&K endoluminal tipo 1850 consiste numaunidade com um motor condutor e um botão de contro-lo integrado, uma barra rotatória de 24cm de longitudee 19mm de diâmetro, coberta por um tubo rectal cujaextremidade distal contém o cristal piezoeléctrico queconstitui o transdutor.Sobre este coloca-se um balão delátex,que se preenche com 20-40ml de água desgaseifi-cada, nas explorações endorrectais, proporcionandodistensão rectal e janela acústica adequadas(5,6,7)(Figura 1).No canal anal é usado um cone de plástico desenhadopara explorações endoanais, que não é traumático e

Figura1-Sonda anorectal BK Medical tipo 1850, com tubo rectal, transductor de 10MHz, cone plástico e balão de látex.

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mantém o canal anal aberto, permitindo estudaradequadamente a sua anatomia.O cone é constituído deplástico sonoluscente (polimetil penteno TPX) com umdiâmetro externo aproximado de 17mm. Possui umpequeno orifício na ponta que permite a saída de ar.Alémde proteger o transductor,permite o acoplamento acús-tico com a parede do canal anal. O transdutor tem umarotação de 6 ciclos/segundo e produz uma imagem radi-al de 360º,em tempo real.(5,6,7)

Sondas radiais e lineares podem ser usadas na sonografiaendorectal,enquanto os esfíncteres anais,por serem circu-lares,requerem o uso de sondas radiais para uma avaliaçãoadequada.(6)

Na abordagem ultrassonográfica do recto e canal analpodem,também,utilizar-se os ecoendoscópios flexíveis.A técnica utilizada é semelhante à das sondas rígidas,fazendo o aparelho progredir acima da lesão, mas nestecaso sob visão endoscópica directa.Tem a vantagem depoder movimentar, orientar e posicionar a sonda exa-ctamente sobre a lesão ou área que se pretende estudar.Para uma visualização adequada das estruturas quecompõem a parede anorectal é necessário, por vezes,introduzir água no lúmen através do canal acessório,alémde encher o balão na extremidade do aparelho.(8)

Os estudos em 3-dimensões ou com mini-sondas, vie-ram colmatar algumas dificuldades na interpretação dasimagens da ecografia endoluminal standard. Ultrapas-sando alguns limites e obstáculos desta técnica permitea aquisição de múltiplas imagens seriadas que são depoisintegradas num software adequado permitindo umarepresentação em 3D de todo o trajecto percorrido coma sonda.Desta forma,proporciona uma investigação minu-ciosa e completa de qualquer alteração da parede ano-rectal(8), como o trajecto de uma fístula, a localização deuma lesão ou a extensão longitudinal de um defeito esfín-cteriano. Simultaneamente, proporciona um conheci-mento mais aprofundado das diferenças anatómicas nocanal anal entre os sexos.(8,9)

Preparação para o Exame

A ecografia endorectal ou endoanal é um exame consi-derado inócuo, que não requer nenhum tipo de analge-sia ou anestesia, pelo que se realiza habitualmente emregime ambulatório. A ecografia endorectal requere,habitualmente,preparação com 1 ou 2 enemas de limpeza,de pequeno volume,2h antes do exame,enquanto a ecografiaendoanal pode prescindir de qualquer preparação.(5)

Na exploração endorectal o doente posiciona-se emdecúbito lateral esquerdo e com os joelhos flectidos.Naavaliação endoanal,em doentes do sexo feminino,é prefe-

rível a posição de litotimia, porque proporciona umaimagem mais simétrica e definida da porção anterior dosesfíncteres.(5,8,10)

Aspectos Técnicos

O tubo rectal coloca-se sobre a barra giratória e insere-seo transdutor no extremo distal da barra. O transdutorcobre-se com um balão de látex que ao ser introduzidono recto se preenche com água desgaseificada através deuma seringa acoplada ao tubo rectal.(5,6) Na exploraçãoendoanal ou em lesões estenosantes,é mais convenienteusar-se um cone de plástico rígido,evitando a deformaçãoou esvaziamento do balão.(10,11)

A sonda cobre-se completamente com uma bolsa de látex(ex.:preservativo) contendo gel de ecografia.O gel contribuipara criar o meio acústico e a bolsa de látex permite rea-lização de explorações repetidas sem necessidade deesterilizar o aparelho,excepto em situações de risco. (5)

Antes do exame é importante realizar o toque rectal deforma a perceber a anatomia do canal anal e avaliar apresença de fissuras ou lesões estenosantes que possamdificultar a introdução da sonda. Além disso, a dilataçãoanal lenta e suave durante a exploração digital torna maisfácil e menos dolorosa a introdução subsequente da sondarectal.(10,11)

Introduz-se a sonda isoladamente ou com a ajuda de umrectoscópio rígido de 20mm de diâmetro interno quepermite uma introdução segura até aos 20/25cm damargem anal. Inicia-se a exploração pelo ponto maisdistante do ânus, tentando ultrapassar a lesão ou pelomenos a sua extremidade distal.Nesse momento enche-se o balão de látex com água desgaseificada, através deuma seringa acoplada ao sistema, de forma a distendero lúmen e permitir o contacto com a parede rectal atéconseguir visualizá-la de forma nítida.(5)

A sonda deve ser posicionada pelo menos algunscentímetros acima da extremidade proximal da lesãopermitindo uma avaliação completa do tumor rectal etecidos adjacentes.Na verdade,a invasão em profundidadedo tumor pode diferir significativamente do nível daextremidade proximal e distal visualizadas no lúmen;além disso, os gânglios linfáticos do mesorrecto estão,frequentemente,posicionados em posição mais distal aonível do tumor e podem não ser identificados na ausên-cia de uma avaliação completa da região.(11)

O transductor é activado e obtêm-se imagens seriadasde 360º mediante a retirada lenta da sonda, podendoestudar-se a parede rectal e estruturas vizinhas.(5,6) A sondapode ser cuidadosamente movida em sentido ascen-dente ou descendente nas áreas de interesse e o volume

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de água no balão pode ser ajustado de forma a garantiruma imagem mais definida da região que se pretendeexplorar. Na maioria das vezes o transductor deve serposicionado centralmente no lúmen.(5,6,9) A sonda deveser rodada de forma que as 12h fiquem em posição ante-

rior e as 6h na posição posterior (8,9,10) (Figura 2).À medida que a sonda é deslocada para baixo,pode facil-mente reconhecer-se o músculo puborectal em formade "U" que serve de referência à transição entre o rectosuperiormente e o canal anal inferiormente.(9)

A ecografia endoanal é um exame dinâmico e,no decor-rer da sua realização, pode solicitar-se ao doente quecontraia os esfíncteres. A diferença dos achados encon-trados no estado de repouso e contracção permite esta-belecer conclusões sobre a continência fecal.(5)

Ecoanatomia do Recto

Após vários estudos anatómicos é, consensual que as 5camadas ecogénicas distinguíveis na parede rectal,durante o exame ultrassonográfico, podem ser directa-mente comparáveis com as camadas anatómicas que aconstituem. Assim, o modelo descrito por Beynon, emque as 5 camadas representam estruturas anatómicasdistintas é, actualmente, reconhecido como o standardna sonografia rectal clínica.As 5 camadas,de dentro parafora,são as seguintes (Figuras 3 e 4):1.camada hiperecogénica - representa a interface entre

o balão de água e a superfície mucosa2.camada hipoecogénica - camada que combina a mucosa

com a muscular da mucosa3.camada hiperecogénica - corresponde à submucosa4.camada hipoecogénica - representa a muscular própria5. camada hiperecogénica - interface entre a muscular

própria e a gordura peri-rectal ou a serosa,se presente.Alguns estudos subdividiram, ainda, a segunda camadahipoecogénica em 3 camadas,sendo duas hipoecogéni-

Figura 2 - Orientação correcta da sonda no lúmen do canal anal: a posição das 12hé anterior e às 6h é posterior.

cas representativas do músculo circular interno e o longi-tudinal externo e uma camada intermédia hiperecogénicaque corresponderia ao espaço intermuscular.A gordura peri-rectal tem um aspecto misto na ultras-sonografia rectal, sendo predominantemente hipere-cogénica.Os gânglios linfáticos metastáticos peri-rectais surgemcomo lesões ovaladas, hipoecogénicas, com contornosirregulares localizadas no mesorrecto.(6,11) Os gânglioslinfáticos normais não são,habitualmente,detectados naultrassonografia.Nos homens, a parede anterior do recto estabelecerelações com a bexiga, vesículas seminais e próstata. Namulher, anteriormente ao recto encontramos a vagina,dele separada pelo septo recto-vaginal, e ainda, o úteroe os ovários.(6)

Os vasos são hipoecogénicos com trajecto paralelo aoeixo longitudinal do recto, podendo ser seccionados,pelos ecos da sonda, em plano transversal. A circulaçãovenosa é mais irregular e diferencia-se dos gânglios linfáti-cos pela continuidade dos ecos venosos em diferentesplanos,obtidos movendo a sonda para baixo e para cima.

Figura 3 - Anatomia ultrassonográfica normal da parede rectal.

Figura 4 - Apresentação esquemática das 7 camadas anatómicas da parede rectal.

Ecoanatomia do Canal Anal

A ecografia endoanal, desenvolvida por Law e Bartramnos finais dos anos 80, impôs-se como uma técnica degrande auxílio no estudo da patologia anal, sobretudono estudo de fistulas e abcessos perianais,incontinênciafecal,proctalgia e tumores anais.(9,12)

O canal anal é uma estrutura anatómica adequada ao

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estudo ultrassonográfico pois apresenta estruturas dediferentes características acústicas,produzindo imagenshipo e hiperecogénicas.O esfíncter anal externo (EAE) é a camada muscular maisexterna do canal anal. É uma estrutura circular que, nosexo feminino,se torna mais estreita na sua porção ante-rior.Estende-se aproximadamente 1cm abaixo do esfín-cter anal interno (EAI).A porção profunda do EAE funde-se com o músculo puborrectal. Anteriormente está emrelação próxima com o músculo transverso superficialdo períneo e corpo perineal que se traduz por uma áreahipoecogénica.O EAE divide-se em 3 partes: subcutânea, superficial eprofunda.A porção subcutânea tem forma elíptica bemdefinida e une-se posteriormente com o ligamento ano-coccígeo.Anteriormente está em relação próxima com operíneo.(12) A porção superficial envolve circunferen-cialmente o canal anal.A porção profunda funde-se supe-riormente com o músculo puborrectal, com forma deferradura,que contorna posteriormente o recto e se afas-ta dele, nas suas faces laterais, para se ancorar na sínfisepúbica(Figura 5).(7,12)

O EAE apresenta um padrão fibrilhar de finas linhas para-lelas hiperecogénicas no 1/3 proximal,tornando-se maishomogéneo no 1/3 distal. Apresenta contornos maldefinidos e uma espessura que varia, segundo as séries,entre 5 a 8 mm.(10,12,13)

O EAE é constituído por músculo estriado e é, muitasvezes, a estrutura mais difícil de identificar na ultras-sonografia anal.Apresenta aparência diferente no homeme na mulher:no homem o músculo é mais espesso e bemdefinido apresentando menos reflectividade enquantona mulher tende a ter maior reflectividade o que o tornamais dificilmente distinguível. Contudo, em mulheresjovens, o EAE pode ter reflectividade semelhante à dohomem.(7,9) O bordo externo do EAE com reflectividademoderada é demarcado por um "halo" hipoecóico poucoreflectivo desenhado pela gordura isquio-anal .Mas,há,ainda outras razões que tornam difícil a mediçãodo EAE por este método de imagem:o plano do músculoé oblíquo ao plano de corte da abordagem ultrassono-

gráfica endoluminal e a ausência de uma fáscia que possaproporcionar uma definição rigorosa dos seus limites.(12)

Contudo,alguns autores defenderam que o uso de trans-ductores de alta frequência permite estudos com bonsresultados na sua medição. (11)

Entre as camadas cilíndricas dos 2 esfincteres encontra-se o espaço interesfinctérico que é visível na sonografiaanal como uma banda hiperecogénica.No interior desteespaço interesfinctérico pode ser visualizado o músculolongitudinal.Este consiste numa estrutura complexa comfibras musculares estriadas e lisas,que derivam dos múscu-los puboanal e longitudinal do recto,com tecido fibroelás-tico que envolve todo o complexo esfincteriano e o fixano local.(8) Descreve uma imagem circular hipoecogéni-ca, com cerca de 2,5mm de espessura.(10) Não há evidên-cia de que sofra alguma alteração com a idade ou sexo.O EAI tem baixa ecogenicidade e representa a conti-nuação do músculo circular do recto.A medição da espes-sura das camadas musculares é clinicamente importanteno diagnóstico de atrofia dos esfíncteres. A espessuraaumenta com a idade, podendo ter menos de 1mm nacriança, 1 a 2mm no adulto e menos de 3mm noidoso.(8,10,11,14) Deve ser avaliada às 3 e 9h(7,9) e, num adulto,pode considerar-se que o EAI apresenta uma espessuraanormal quando é inferior a 2 ou superior a 4mm, inde-pendentemente do grupo etário.Muitos autores descrevem um aumento na espessura doEAI e diminuição do EAE nos idosos.(11), enquanto outrosprovaram que a espessura do esfíncter diminui em doentescom degeneração idiopática e aumenta na síndrome daúlcera solitária do recto.(14)

O subepitélio do canal anal forma a camada mais inter-na,moderadamente ecogénica e com espessura de cercade 2mm.(10,11) Nesta camada encontram-se os plexoshemorroidários,que podem ser melhor visualizados emdoentes com patologia hemorroidária.(7,8,9,11)

As glândulas anais drenam nas criptas de Morgagni, anível da linha dentada. Se infectada, desempenha umpapel importante na formação de fistulas anais e abces-sos peri-rectais.(12,15)

O corpo perineal separa o ânus da vagina,na mulher.É aporção central do períneo onde convergem os múscu-los:EAE,bulbo-esponjoso e transversos de períneo super-ficial e profundo.A presença de um corpo perineal espes-so e contráctil é sugestivo de um complexo esfincterianoanal normal.A espessura do corpo perineal é a distânciaentre a reflexão sonográfica do dedo introduzido na vagi-na e o bordo interno do EAI ou o bordo externo da cama-da subepitelial,a nível do canal anal médio.A literatura descreve uma espessura normal do corpoperineal maior ou igual a 12mm.(11)

Na perspectiva ultrassonográfica o canal anal é dividido

Figura 5 - As 3 partes constituintes do esfíncter anal externo: profunda, superficial esubcutânea (a). Representação esquemática do esfíncter anal externo no homem(b) e na mulher (c).

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em três segmentos: superior, médio e inferior (Figuras 6e7). Estes segmentos reflectem as 3 partes em que sedivide o EAE.As imagens ultrassonográficas dos múscu-los estriados (esfíncter externo do ânus e puborrectal)apresentam-se como hiperecogénicas e o músculo liso(esfíncter interno do ânus) como hipoecogénica,devidoà maior concentração de água na sua constituição (13)

(Figura 7).Canal anal superior: identifica-se o músculo pubor-rectal que se apresenta como uma imagem hipere-cogénica,em forma de U,circundando posteriormente ocanal anal superior.Devido à sua ausência no quadranteanterior pode ser confundido com lesão muscular,contu-do,deve ser reconhecido observando-se o sentido ascen-dente das fibras musculares. Anteriormente identifica-se a zona hipoecogénica do corpo perineal. Os múscu-los puborrectal e transverso do períneo delimitam aextremidade proximal do canal anal.O puborrectal termi-na no esfíncter externo que,a nível da porção superior docanal anal, forma um verdadeiro anel.Neste segmento,o EAI pode ter limites mal definidos nasua metade anterior.Este aspecto deve-se ao cruzamen-to transversal de fibras do músculo longitudinal.Da mesmaforma, pode parecer espessado pelo facto de a abor-dagem ultrassonográfica, a este nível, proporcionar umcorte oblíquo daquele músculo.(12)

Figura 7 - Representação esquemática dos três segmentos em que se divide o canal anal: superior (a), médio (b) e inferior (c).

Figura 6 - Ultrassonografia endoluminal evidenciando os três segmentos em que se divide o canal anal: superior (a), médio (b) e inferior - homem (c), mulher (d).

Canal anal médio: observa-se o subepitélio/submucosacom imagem hiperecogénica em forma circular e fina,encontrando-se imediatamente adjacente ao transdu-ctor.O esfíncter anal interno apresenta-se como imagemcircular hipoecogénica,com contornos bem definidos ecom espessura variando entre 2-4 mm.O músculo esfín-cter anal externo apresenta-se como imagem circularcom contornos mal definidos, padrão estriado, nãohomogéneo,circundando externamente o EAI.Tem umaespessura média que varia entre 8.6±1.1 mm no sexomasculino e 7.1±1.1 mm no sexo feminino(16),diminuindocom a idade,especialmente no homem.(12) O EAE é a cama-da muscular mais externa do canal anal;no homem formaum anel simétrico enquanto na mulher, torna-se maisestreito e por vezes interrompe-se anteriormente,poden-do levar a interpretações erradas (9) (ver Figuras 5 e 8).Canal anal inferior: é identificado apenas o segmentomais inferior do EAE,que se estende cerca de 1cm abaixodo EAI(13) (Figura 8).

Pontos - chave

As principais variações da anatomia ecográfica do canalanal relacionam-se com a espessura e configuração dosesfíncteres em função da idade e sexo e com a interpre-

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tação das camadas anatómicas, como o músculo longi-tudinal e o espaço intresfinctérico.Muitos estudos igno-raram a existência deste músculo e outros incluíram-nono EAE.O EAI, cuja espessura varia entre 2-4mm, vai aumentan-do com a idade assim como a sua ecogenicidade,à medi-da que o tecido conjuntivo vai substituindo a músculoliso.Não parece haver diferenças significativas entre sexose não se demonstrou que tenha repercussão clínica.Relativamente ao EAE, as diferenças de configuração ecaracterísticas não dependem só da idade,sendo factoresigualmente importantes a hora do estudo ecográfico, osexo e a quantidade de tecido adiposo.Na mulher,existe a particularidade de,por vezes,existir umdefeito no encerramento anterior do anel que forma oEAE que,se mal interpretado,pode mesmo ser confundidocom um defeito esfincteriano.(5,17)

O canal anal é mais longo no sexo masculino que no femi-nino (32+5,3mm vs 25,1+3,4mm,respectivamente).(9)

É essencial manter estes tópicos em mente quando serealiza ultrassonografia ano-rectal.(9)

Indicações para Realização deEcografia Endoluminal

As principais indicações da ecografia endorectal:(5)

• Despistar malignização em adenomas vilosos do recto• Detectar tumores susceptíveis de excisão local• Seleccionar pacientes para radioterapia• Seguimento dos pacientes operados por tumor do

recto e detecção precoce de recorrências• Estudo de lesões extrarectais

(próstata,ginecológicas)As principais indicações da ecografia endoanal:(5,7,10,12,18)

• Incontinência fecal • Abcessos perianais • Fistulas anais complexas• Dor anal idiopática • Seguimento de intervenções cirúrgicas aos esfíncteres

• Tumores anais • Alterações da defecação - obstipação,rectocelo,prola-

pso rectal, ulcera solitária do recto, estenose anal,malformação anal

• Endometriose • Doença hemorroidária • Doença inflamatória intestinal • Traumatismo obstétrico/cirúrgico

Conclusão

Uma das condicionantes para a realização deste exameé a sua dependência do operador,implicando um conhe-cimento correcto tanto da zona a estudar como doecógrafo utilizado. Com efeito, existem referências quemostram uma importante variabilidade interobervador.Como em todas as áreas da medicina, a frequenteexposição aos procedimentos tanto diagnósticos comoterapêuticos, permite progressos pelo que acreditamosque a ecografia endo-rectal e endo-anal deve ser umexame de rotina na prática clínica.Para o tratamento correcto da patologia ano-rectal éimprescindível o conhecimento aprofundado tanto dasua fisiologia como da sua anatomia. Nesse sentido, sãousados diferentes métodos de diagnóstico com dife-rentes graus de especificidade e sensibilidade para cadapatologia,bem como custo e disponibilidades que dife-rem em cada centro. As ecografias endo-anal e endo-rectal têm provado um lugar primordial no estadiamen-to dos tumores do recto, no estudo do complexo esfinc-teriano anal, no dia-gnóstico de patologia anal benignacomo fistulas complexas e abcessos perianais,e na abor-dagem de urgência do doente com proctalgia intensa.

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Figura 8 - Representação esquemática demonstrando a diferença anatómica doesfíncter anal externo no segmento anterior em ambos os sexos: homem (a) e mu-lher (b). ML músculo longitudinal, EAE esfíncter anal externo (p = profundo; s =superficial; sc = subcutâneo).

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