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30 de abril de 2013 • aNO XXii • N.º 260 • QUiNZeNal GraTUiTOdireTOra aNa dUarTe • ediTOra-eXeCUTiVa aNa mOrais

jOrNal UNiVersiTáriO de COimbra

acabra

@Mais informações em acabra.net

Segunda-mãoCoimbra adere ao conceito da compra e venda de usadosPÁg. 11

PÁg. 4

PÁg. 9

O controlo de gestão requerido pela Universidade de Coimbra à Agência de Acreditação e Avaliação do Ensi-no Superior (A3ES) faz um ano de início do processo. Algumas unida-des orgânicas e ciclos de estudo em questão já foram auditados e con-siderados acreditados pela A3ES. No entanto, o desconhecimento dos estudantes em relação ao sistema ainda é significativo. E persistem problemas no que diz respeito à car-ga horária e número insuficiente de docentes em alguns cursos. O segun-do grupo de cursos a ser avaliado só terá resultados no fim deste ano.

Formação na UC mantém padrões

a3eS

A Associação Académica de Coimbra (AAC) esteve presen-te na fase final dos Campeona-tos Nacionais Universitários (CNU’s), que decorreu entre 17 e 25 de abril, no distrito de Cas-telo Branco. As equipas da AAC obtiveram quatro medalhas de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Os CNU’s ficaram ainda marcados pela acção de protesto da equipa feminina de futsal da AAC.

AAC regressa medalhada

Cnu’S 2013

Coimbra: Comemorações 25 abril 49 entidades unem-se para celebrar a revolução de abril com vários eventos que se estendem até ao dia 3 de maioPÁg.12 e 13

eduardo melo“Neste momento a preocupação fundamental prende-se com o financiamento do ensino superior”PÁg. 5

aNCiãos do tempoum projeto nascido nos olivais pretende uma maior atenção a esta faixa etária. testemunhos envelhecidos que se que-rem libertar da solidãoPÁg. 2 e 3

DANIEL ALVES DA SILVA DANIEL ALVES DA SILVA

DANIEL ALVES DA SILVA

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destaqueANA morAIS

Ocupar um tempo que falta e o outro que sobra aos mais velhos

“SenSibilização/Sinalização de idoSoS”

Bancos de jardim esbatidos pelo tempo. O sol de pri-mavera, num abril que co-

meça quente. Pombos irritantes e irrequietos. E uma praça vazia de movimento. A preenchê-la, alguns corpos gastos que se contam pe-los dedos. Presenças fortes e com muito para partilhar, afinal só querem é falar. E nós demos-lhes tempo e voz. Idosos, velhos, velhi-nhos, seniores. No fundo, anciãos de memórias e rostos envelhecidos pela vida. Apesar da imagem ser um lugar-comum, isso não lhe re-tira a intensidade e multiplicidade que tem. E é verídica, um retrato de uma tarde de abril na Praça em frente à Igreja de Santo António dos Olivais.

“Isto também me ajudou a pas-sar o tempo”. Este foi o sentimento geral de todos com quem falámos. Entre as respostas às questões do guião, escapam-se as vidas dos fi-lhos encaminhados, os anos fora do país, os árduos tempos de tra-

balho, os estudos dos descenden-tes, a vida do professor de ginásti-ca, e as críticas ao sistema político. Minutos que não são desperdício, mas sim acréscimo mútuo. A eles ajuda-lhes a passar o tempo; para nós, são inspiração de sobrevivên-cia num futuro cada vez mais ne-buloso.

“Arrefeceu a cor dos teus cabelos/O tempo tudo apaga e des-figura...”. Já Miguel Torga escre-via sobre os guardiões do tempo, no poema “Vénus Envelhecida”. E é aos guardiões, com novos con-tornos no rosto e novos tons nos cabelos, a quem a vida escasseia. O tempo, preciosidade que simul-taneamente lhes falta e sobra. É preciso algo que os encha, ajudan-do a preencher os dias vagos que restam.

Rede de parceirosNos Censos de 2011, segundo o portal estatístico PORDATA, 22 por cento da população da Zona

Centro tem mais de 65 anos. Retra-to que se repete ao longo do país, numa população cada vez mais en-velhecida. Contudo, na freguesia de Santo António dos Olivais, mais do que se conhecer os números de idosos residentes, quer-se um acompanhamento dos seus pro-blemas. “Fazer estatística é muito vulgar, outra coisa é ter consciên-cia dos problemas das pessoas”, contesta o presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais - uma das maiores do país - Francisco Andrade, para introdu-zir o recente projeto “Sensibiliza-ção/Sinalização de idosos”. O mote é mais do que atentar aos números, perceber a dinâmica e a rotina dos mais velhos e se houver problemas, reencaminhá-los.

“É revoltante, enquanto junta de freguesia, não temos capacidade financeira para responder a todas as situações que nos surgem”, ad-mite Francisco Andrade. Para tal, houve a necessidade de criar uma

rede que conta com mais de uma dezena de instituições, com vis-ta a encaminhar cada situação. E como desde cedo o interesse por dar mais atenção aos seniores se notou, o projeto foi evoluindo. A assistente social da Junta de Fre-guesia, Catarina Simões, explica que com o atendimento diário fei-to nos Olivais se aperceberam das necessidades dos mais velhos. “Há muitas pessoas que vêm apenas para falar, para quebrar a solidão”, conta.

Como a junta de freguesia rece-be estagiárias em Ação Social, do Instituto Superior Miguel Torga, juntou-se o útil ao agradável. Ini-cialmente, com a “fase choque”, como apelida Francisco Andrade, as estagiárias sempre acompanha-das pela Polícia de Segurança Pú-blica percorrem as várias zonas da freguesia com o intuito de sinalizar os casos mais prementes, através de um simples questionários sobre os hábitos e rotinas.

“Este projeto não morre aqui”“Somos uma freguesia maior que muitas câmaras juntas”, alerta Francisco Andrade para justificar que este será um “processo con-tínuo”. “Não interessa dizer que acaba daqui a um ou dois meses”, pois o que interessa “é encami-nhar as situações para as devidas instituições e encontrar resposta para cada uma delas”. “Queremos que este projeto não morra aqui”, admite a assistente social, ao subli-nhar a filosofia de “favores em ca-deia” e do encaminhamento para os vários parceiros. Neste sentido, o presidente da freguesia avança já com algumas conquistas: “já re-solvemos casos de internamento, já temos muita gente sinalizada, e até já temos pessoas que nos ligam a dar conta de situações que pode-mos acompanhar”.

Contudo, nem sempre é fácil chegar a casa das pessoas e ter-se a maior das simpatias. Como explica

Numa população cada vez mais envelhecida, os rostos carregados e as vidas maduras são frequentes. muitas vezes, alheios à rotina inquieta dos demais, esperam que o tempo passe e algo os ocupe. a fazer esse trabalho está a Junta de Freguesia de santo antónio dos olivais, ao lançar um projeto destinada a esta faixa etária. por ana morais

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destaque

ANA morAIS

ANA morAIS

ANA morAIS

Catarina Simões, há situações em que os idosos não querem receber ajuda e aí há que “respeitar a liber-dade de cada um”, observa, acres-centando que mesmo nessas situa-ções fica sempre um contacto para se houver uma alteração serem os próprios a contactar a junta. Para Francisco Andrade, o truque para a confiança das pessoas neste pro-jeto é o “sigilo e respeito”, pois “só assim é que as pessoas acreditam em nós”.

Exemplos já a dar frutos“As pessoas e as entidades podem contar com a nossa colaboração a 100 por cento”, conta o elemento de uma das entidades parceiras, a instituição “A, B, C e D de São Romão”, Maria de Fátima Pires. Ainda assim, Maria de Fátima Pi-res é perentória ao referir que “não interessa só sinalizar, interessa também depois atuar”. Como ins-tituição da zona e habituado ao contacto diário com os seniores, “proporcionar melhor qualidade de vida” aos idosos é intrínseco.

Do lado do Centro de Acolhi-mento João Paulo II, outra das instituições parceiras, chegam-nos já exemplos desse carinho pelos anciãos. “Lado a lado” e “Presen-ça amiga” são dois projetos que permitem combater a solidão. Em parceria com a Associação Acadé-mica de Coimbra, “Lado a lado” conta já com seis idosos e seis estu-dantes lado a lado. Segundo Teresa Sousa, “nunca houve tantos”. Com os mesmos objetivos, mas noutros moldes, “Presença amiga” funciona em regime de voluntariado de áre-as como enfermagem, cabeleireiro, estética, fisioterapia, entre outros. Como explica Teresa Sousa, são pessoas “que se disponibilizam a ir a casa dos mais velhos e ajudá-los”.

Desabafos envelhecidosCom turmas de Chi Kung, Yoga, Ginástica e Hidro-ginástica para os seniores, a junta de freguesia vê-se obrigada a ter candidatos em lista de espera. Maria Edite Marinheiro, de 76 anos, frequenta as aulas de ginástica. E, enquanto espera pela hora, conta-nos que “é uma dis-tração muito grande, é o convívio umas com as outras”. A recuperar de uma depressão, enaltece o tra-balho da junta por lhe proporcio-nar esta ocupação do tempo. Já Isabel Maria, de 64 anos, não fre-quenta nenhuma atividade promo-vida pela junta, apesar de não lhes poupar elogios. Ainda assim, não dispensa um passeio até ao largo da Igreja para contrariar a solidão que sente depois de ficar viúva. “Venho sempre aqui, conheço toda a gente e toda a gente me conhece”, conta.

Dentro da freguesia, o Centro Norton de Matos (CNM), é onde mais se encontram as mãos cale-jadas e os rostos maduros. Na sala de jogos, os sons das damas a bater no tabuleiro e das peças do domi-nó a serem baralhadas são recor-rentes. Interrompendo a partida, António Soares, de 70 anos, conta que passa alguns meses “para os lados da Guarda”, com familiares

no campo. Já por cá, habituou-se a ir todos os dias até CNM para os jogos com os companheiros. Ainda assim, reconhece: “neste momento não tenho problemas com a ocu-pação do tempo, porque acabo por estar ativo”. Do lado do bar, Maria de Lurdes Pereira, de 67 anos, es-pera pelo marido, que joga com os parceiros. Também a recuperar de uma depressão, ganha um sorriso quando conta que passa os tempos livres com a neta. Já frequentou algumas atividades promovidas pelo CNM e agora espera voltar a ganhar “aquele ânimo” para poder retomar.

Depois de uma caminhada, Lou-renço Fernandes, de 75 anos, re-pousa num dos bancos à porta do CNM, antes de lá passar para ir ler o jornal. “O meu tempo é este, vou até ao centro jogar umas cartas, dou umas voltas a pé e sento-me aqui um pouco”, explica por entre um discurso crítico ao estado do país, depois de contar que traba-lhou 34 anos na África do Sul. “No centro, entretém-se uma pessoa, se é preciso beber um copo de água, bebe-se, tem tudo lá”, partilha Lourenço, em jeito de convite.

“Cabelo branco é saudade”Como mostram estes testemunhos antigos, a solidão é frequente, mes-mo entre a multidão. E, como re-fere Francisco Andrade, “é muito frequente haver um prédio de qua-tro andares e a pessoa do quarto andar não conhecer quem vive no rés-do-chão”. Para combater esse estigma e contrariar o isolamento, o projeto “Sensibilização/Sinaliza-ção de idosos” quer-se contínuo. E, depois dos “favores em cadeia” e de uma maior alerta de toda a população pelos seniores, o cená-rio perfeito para Catarina Simões é a existência de um “vigilante de bairro”, uma pessoa que estivesse atento às rotinas dos mais velhos e fosse capaz de perceber quando algo se altera.

“Para o passado não olhes/Quando chegares a velhinho./Por-que é tarde e já não podes/Voltar atrás no caminho”. Na voz de Alfre-do Marceneiro, já escutámos estes desabafos, escritos por Henrique Rego em “Cabelo branco é sau-dade”. Os velhos que partilharam connosco as suas vidas não resis-tem e insistem nesse olhar para o passado. Talvez, porque fosse um tempo mais suportável. Ou porque nesses anos, o peso do tempo, que lhes falta e lhes sobra, não estives-se tão presente. Nessa altura o que importava era seguir o caminho.

E hoje? O tempo, precioso, já passou. As conversas, longas e preenchidas, desvanecem. E por lá ficam os desabafos e os anseios dos rostos gastos. Não sem antes se deixar uma mensagem: “boa sorte para o futuro. E felicidades”. Vozes pesadas que, esquecendo os seus dissabores solitários, fazem ques-tão de deixar votos de incentivo. E ao mesmo tempo, com um olhar de gratidão, voltam a lembrar: “isto também me ajudou a passar o tem-po”.

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eNsiNo superior

Qualidade dos cursos da UC é confirmada pela A3ESo processo de auditoria externa para descobrir se os cursos da universidade de Coimbra cumprem os requisitos necessários para o bom funcionamento já está adiantado. Várias faculdades já foram auditadas e procede-se à integração de estudantes nas comissões. por liliana Cunha e ian ezerin

Faz um ano que a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) está

a analisar a viabilidade dos cursos em funcionamento na Universida-de de Coimbra (UC). Em causa está uma auditoria externa que envolve todos os ciclos de estudo e a garantia da qualidade destes. “Não é apenas a única forma de recolha e da refle-xão de informação, mas é a ‘porta de entrada’”, explica a vice-reitora para a Pedagogia, Madalena Alarcão.

A informação pedagógica recolhi-da nas Instituições de Ensino Su-perior (IES) nacional é obrigatória desde 2007 com a acreditação dos cursos e ciclos de estudo estabeleci-da no Regime Jurídico das Institui-ções de Ensino Superior. No entan-to, o pedido de avaliação tem de ser feito pelas IES em questão: “temos um sistema de gestão da qualida-de, que é objeto de avaliação exter-na por parte da agência, quando o submetermos e que anualmente produz informação”, adianta a vice--reitora. Alguns dos protagonistas do processo são os estudantes, mas as comissões da avaliação externa não podem integrar os estudantes da universidade em questão. “Nun-ca será da UC, será sempre de fora, porque não vai fazer juízo em casa própria”, ressalva Madalena Alar-cão.

No início deste mês esteve aber-ta uma bolsa de auditores à qual os estudantes foram convidados a candidatar-se. O aviso foi divulga-do pelo Inforestudante no sentido de selecionar cinco estudantes que cumprissem requisitos como “co-nhecimento prévio das matérias - ter frequentado unidades curri-culares relacionadas com gestão de qualidade e motivação e disponibi-lidade”. Luís Rodrigues, aluno da Faculdade de Direito da UC (FDUC) e Pedro Paredes, da Faculdade de Letras da UC foram dois dos alunos selecionados para participarem em comissões externas de avaliação. “É importante os estudantes estarem integrados porque é uma conduta normal e padronizada a nível eu-ropeu”, explica o aluno da FDUC. Os dois estudantes participaram já numa formação dada em Lisboa, no passado dia 18. “Uma coisa que já falamos em várias reuniões é o papel dos alunos que, apesar de ser um pouco menosprezado pelos pro-fessores, é essencial, porque somos nós os clientes da universidade, so-mos nós que recebemos o ensino e que temos de ter um bom ensino”, adianta o estudante de mestrado de História. Luís Rodrigues comparti-lha da mesma opinião e acrescenta

que a integração dos estudantes ofe-rece uma “perspetiva diferente”.

Legitimidade da acreditação externa“Não acho que não deva haver uma auditoria externa às universidades, o que ponho em causa é a legitimi-

dade desta agência que a mim nada me diz e aos estudantes nada lhes diz”, questiona o estudante da Fa-culdade de Letras da UC, Daniel Nunes. Convidado pela adminis-tração da faculdade a participar numa reunião com a A3ES, que já auditou cursos como Turismo ou

Arqueologia e História, o estudan-te alerta para o desconhecimento que esta entidade representa para a comunidade estudantil. “Alguém tem de o fazer, uma instituição ou uma agência. Antes a prática não era eficiente. Podiam-se abrir cur-sos num apartamento em Lisboa e esse seria o local de formação de estudantes para um curso”, lembra Luís Rodrigues. O estudante afirma que a agência cumpre os requisitos legais e que ganha legitimidade por ser “independente do poder político quer em financiamento e em estru-tura própria, porque é fundação de direito privado”.

Pedro Paredes é da opinião que a informação para os estudantes cir-cula, mas “o interesse não é grande”. Luís Rodrigues tem a mesma posi-ção: “arrisco-me a dizer que a maio-ria dos estudantes não sabe o que é que é a A3ES e o que é a acreditação dos cursos”. Por parte da reitoria a realidade é diferente: “sei que houve um número muito mais elevado de estudantes que se candidataram do que aquilo que tinha sido suposto”, diz Madalena Alarcão.

Situação atualNesta fase da auditoria já foram ava-liados alguns cursos da Faculdade

de Psicologia da UC, da Faculdade de Desporto, Faculdade de Letras e Faculdade de Ciências e Tecnologia. Madalena Alarcão garante que, até este momento, os cursos avaliados foram todos acreditados.

Todos os estudantes ouvidos também acreditam que na UC em particular não haja casos de encer-ramento de cursos, existindo porém problemas quanto ao número de matriculados, de docentes e carga horária. “Não acredito que a UC te-nha uma oferta formativa excedente ou incapaz, comparando com o que há por aí”, sinaliza Luís Rodrigues. Daniel Nunes alerta para o facto de já existir “um pré-relatório pedido pelo ex-diretor Carlos André sobre a reestruturação dos cursos da FLUC. Poderia haver algum curso a fechar, no entanto foi contornada essa situ-ação”.

“Dos cursos que estão a ser ava-liados, todos estão em condições de continuarem abertos. Esta auditoria só vem confirmar esta qualidade de ensino que está a ser dada”, finaliza o estudante Pedro Paredes.

O Jornal Universitário A CABRA tentou chegar à fala com o respon-sável pela A3ES, Alberto Amaral, o que não foi possível, já que este encontrava-se no estrangeiro.

ArquIVo - rAfAELA cArVALho

A A3ES foi instituída em 2007, por altura da aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior

A A3ES, desde o início da sua atividade, viu muitos cursos fecharem por iniciativa própria. A “esmagadora maioria tem sido acreditada e é bom que as instituições de ensino superior sintam que alguém supervisiona a qualidade e a acreditação, mas de uma forma construtiva e não punitiva”, lembra Luís Rodrigues. Segundo o jornal “Público”, nos últimos três anos foram encerrados cerca de 1600 cursos no Ensino Superior em Portugal. Mais de 90 por cento destes deixaram de existir por decisão da instituição que os oferecia. No entan-to, visto que a A3ES é uma fundação de direito privado independente, recebe por cada avaliação uma quantia dada pela entidade que requere a avaliação. A avaliação é voluntária, mas, ao mesmo tempo, obrigatória por lei, o que faz com que a entidade tenha de pagar à agência até para a possibilidade de esta decidir por encerrar o curso ou o ciclo de estudos auditado em questão. O responsável pela Agência, Alberto Amaral, assinala ao jornal “Público” que agora “há mais cuidado das instituições no momento de apresentarem uma formação para acreditação pela A3ES”.

Tendo começado a acreditar as instituições num processo inicial em 2010, a A3ES decide pela não acreditação do curso fatores como o incumprimento das normas aplicadas ao setor, a qualificação do corpo docente (com obri-gatoriedade num número mínimo para professores com doutoramento e um número máximo de docentes a tempo parcial).

Assim, pretende-se que no final deste processo todos os cursos cumpram as normas a nível internacional de qualidade e que possam num último mo-mento dar seguimento a uma reestruturação da rede para que o ensino possa ser melhorado.

O bALANçO dA ATividAdE dA A3ES

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eNsiNo superior

“Pensei muito para entender se voltava ao movimento associativo”

eduardo melo • PreSidente da ComiSSão exeCutiva do Faire

Eduardo Melo, ex-presiden-te da Direção-geral da Asso-ciação Académica de Coim-bra, regressa ao movimento associativo para dirigir o or-ganismo responsável por representar o Ensino Supe-rior português a uma escala europeia. A Federação Aca-démica para a Informação e Representação Externa (FAIre), medeia as relações entre as academias e tem em maioria na sua composição dirigentes associativos que acumulam funções. No en-tanto, o trabalho de suporte político que faz com as insti-tuições quase nem chega aos estudantes.

Como é que se deu esta tua nomeação para presiden-te do conselho executivo da FAIRe?Fui nomeado, acima de tudo, pelo Conselho Geral (CG) e depois de eleito dentro do CG fui nomeado presidente da comissão execu-tiva (CE). O convite surgiu na perspetiva de eleições dentro do FAIRe. Apesar de já estar afas-tado do movimento associativo algum tempo, estabeleceram-se contactos de vários dirigentes das associações de estudantes li-gadas ao FAIRe e que dialogaram comigo no sentido de mostrar al-guma disponibilidade para ser presidente da CE. Entenderam que teria o conhecimento neces-sário do ponto de vista do ensino superior (ES) nacional, e acima de tudo no campo da política educativa. Portanto, ao longo destes meses ponderei essa pos-sibilidade e aceitei o convite para ser candidato. Isso acabou por se materializar na semana passada e fui eleito presidente da CE.

Achas justo que, num um órgão representativo das academias, o seu presidente não seja eleito pelos cerca de 150 mil estudantes que representa?Percebo a questão da representatividade na medida em que uma eleição direta tem outro peso. Agora o FAIRe funciona de maneira diferente, trabalhamos para as associações, e como um suporte para o trabalho destas. É perceber quais são os problemas das asso-ciações de estudan-

tes e académicas portuguesas e ser o porta-voz delas no Europe-an Student’s Union (ESU). Fazer um trabalho político de suporte através da vinda de boas práticas da Europa, trazer para os asso-ciados a discussão de quais as matérias que estão a ser discu-tidas a esse nível e um trabalho também de formação que o FAI-Re acarreta. Portanto, no mode-lo em que funciona faz sentido que a eleição seja desta forma, porque não se trata de uma re-presentação direta do estudante, mas trata-se fundamentalmente da representação das vontades das associações, que serão depois condicionadas ou não pela von-tade dos seus estudantes e da de-finição da sua linha política. Mas o nosso trabalho é muito mais de suporte do que propriamente um papel de liderança.

Há alguma preocupação que vos faça estar mais atentos?Neste momento a preocupação fundamental prende-se com o financiamento do ES. O facto de estarmos sob influência externa tem condicionado as opções polí-ticas, em todos os ministérios. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) não é exceção a ele. Ainda agora, após o chumbo das medi-das do Tribunal Constitucional, o Governo referiu que se prepara-va para efetuar reduções de des-pesa, nos setores da educa-ção e da saúde. Esta preocupação a s s u m e espe-c i a l re-

levância quando não se trata de uma questão nacional mas de uma decisão internacional. Acre-dito que temos agora um instru-mento interessante de pressão política que se trata através da nossa presença no ESU, quer pelo facto da representação ser europeia e este ser um proble-ma comum a vários países, mas também pelo facto de a ESU ser parceira nas matérias de educa-ção na Comissão Europeia (um dos elementos da ‘Troika’). Esta matéria pode ser central na de-finição política internacional da representação portuguesa.

Têm algum tipo de financia-mento?O financiamento é feito de

duas formas: em primeiro lugar, das cotas das associações, defi-nidas em função do número de alunos de cada estrutura e depois pela procura de financiamento publico, através do MEC ou do Instituto Português do Desposto e da Juventude. Estamos a ten-tar conseguir o maior número de apoios públicos, já que fazer representação à escala europeia, exige algum esforço financeiro.

Mas este cargo não implica remuneração?Não.

Pensas que o FAIRe pode servir como uma espécie de escape para aqueles que já não tem lugar no movimen-to associativo nacional?Não acho que isso possa ser

uma via de escape, porque as associações e académicas

entendem quais são os melhores representantes para exercer esse tipo de

funções. Não foi o meu caso, em que já estava afastado e pensei muito para entender se voltaria ao movimento associativo ou não, se estaria ou não disposto para realizar esta

tarefa que vou agora reali-zar. É óbvio e será natural que ex-dirigentes associativos ou que dirigentes no fim do seu

percurso ocupem agora os órgãos sociais do FAIRe.

Por terem uma expe-riência que lhes

permite contri-

buir d e

uma forma mais efetiva para a estrutura.

A Ana Abreu, ex-presidente da Comissão Executiva da FAIRe, afirmava que muitas Instituições de Ensino Supe-rior começavam a defender o ES como empresas. Qual é a tua posição sobre isto?Há, obviamente do ponto de vista internacional, discussões que nos devem assustar enquanto estu-dantes portugueses. Tem havido uma série de tomadas de posição e de declarações públicas bem como de pressão junto dos gover-nos de alguns países. Nos países nórdicos que têm tido até ago-ra um ES gratuito, começa-se a discutir agora a possibilidade de implementar propinas e outros modelos de financiamento atra-vés do sistema de empréstimos ou de uma maior componente privada no ES desses países. Há discussões neste momento na Europa que são perigosas para os estudantes no sentido em que o ES está-se a centrar não como um serviço ao país mas como um serviço ao estudante. E esse ser-viço tem de ser pago. Por isso, a posição da Federação tem sido contrária, é uma discussão à qual estamos atentos e temos de rece-ar o facto de isso poder acontecer em Portugal.

Sendo a AAC contra a pro-pina e o único associado na FAIre com essa posição. Qual vai ser a tua postu-ra, num outro organismo, numa política completa-mente oposta àquela que de-fendeste durante o teu man-dato cá?A minha posição pessoal é públi-ca. Nunca foi diferente daquela que assumi enquanto dirigente associativo, que não me custou porque é de facto a que acredi-to. As minhas funções enquanto presidente da FAIRe obrigam--me a defender as posições que a estrutura achar melhor, ou que os associados acharem melhor. Apesar de estatutariamente na Federação não estar definido que há um princípio de exigir um ensino gratuito, as posições das académicas não vão no sentido de implementar uma propina. Por isso, nesse ponto específico dificilmente a posi-ção da FAIRe será diferente da dos últimos anos. Se isso acontecer e no desempenho

das funções a que estou obri-gado, defenderei a posição que os associados entenderem que é a mais correta, mas não prevejo

que isso possa acon-tecer.

Liliana CunhaJoão Martins

DANIEL ALVES DA SILVA

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Cultura

Palcos nacionais e internacionais na mira da Pensão Florpensão Flor lança-se com o álbum “o Caso da pensão Flor”. Juntar diferentes influências da música portuguesa foi o objetivo da união dos sete artistas

“Sejam bem-vindos à Pensão Flor, meus senhores, onde é noi-te todas as noites” - escutou-se no auditório o convite para que o público entrasse neste novo pro-jeto conimbricense. Pensão Flor estreou no passado sábado, 27 de abril, no Conservatório de Músi-ca de Coimbra.

“O Caso da Pensão Flor” é o álbum de estreia da banda que junta no palco sete artistas e nove instrumentos distintos. Vânia Couto, Tiago Almeida, Luís Pe-dro Madeira, Luís Garção Nunes, Manuel Portugal, Pedro Lopes e Gonçalo Leonardo são os ele-mentos da banda. Os diferentes instrumentos musicais dividem--se pelos músicos de acordo com a “potencialidade de cada um”, esclarece Tiago Almeida, respon-sável pela guitarra portuguesa, guitarra clássica e pela voz de al-guns temas do álbum.

O mentor do projeto, e também músico da banda, Tiago Almeida conta que “a criação do grupo foi algo natural”. Os membros já se conheciam do mundo do fado e

juntaram-se com o intuito de “fu-gir ao tradicional”, adianta. Ao fado juntam-se vários géneros de outros continentes como o tango, a morna e a música popular bra-sileira, tentando-se, assim, criar um género intercontinental.

Tiago Almeida explica que esta união surgiu a partir de outros projetos. De tentativa a tentativa surgiu a Pensão Flor. Os músicos fizeram várias experiências com a guitarra portuguesa e foi a par-tir daí que “surgiu uma própria sonoridade”, esclarece o músico. Não é facilmente detetável o gé-nero em que esta banda se insere

- “Pensão Flor é uma junção das influências dos vários membros”, acrescenta.

O nome do grupo pretende re-meter para “algo conceptual, que contasse uma ou várias histórias e levasse à criação de um imagi-nário”, confessa Tiago Almeida. Este projeto musical pretende ter um lugar nos palcos tanto a nível nacional como internacional.

Coimbra, cidade de berço ou formação dos artistas, foi o local escolhido para a primeira atua-ção dos Pensão Flor “porque não faria sentido estrear noutra cida-de”. Tiago Almeida garante que

os membros do grupo são os pri-meiros a reconhecer que a cidade carece de “apoio às guitarras e a projetos que aqui nascem”.

A atuação foi auxiliada pela projeção de vídeos que dão vida às palavras cantadas e as músicas intercaladas pela narração de vá-rias histórias que tiveram lugar numa pensão. Os textos narrados são da autoria de Nuno Camar-neiro, prémio Leya 2012. O ator Rui Damasceno encena o papel de um rececionista que transpor-ta o público para o imaginário de uma pensão.

Apesar do, ainda, desconheci-

mento do projeto, os dois espetá-culos de estreia, 27 e 28 de abril, viram os seus bilhetes esgotados. À saída do primeiro dia o públi-co mostrou-se satisfeito e com as suas expectativas superadas. Eu-rico Pereira, que já sabia da exis-tência da banda, confessa que “o espetáculo foi muito bem conse-guido, tanto a parte instrumental como a artística, surpreendeu--me”. Por outro lado, João Pedro chegou ao concerto sem conhecer os Pensão Flor mas reconhece “foi muito bom, saí muito satis-feito e com vontade de continuar na sala”.

Margarida Fidalgo Pais Rafaela Vilão

Teatro de Coimbra em destaque na capitalGrupos de teatro de Coimbra voltam a marcar presença no Fatal. Na mais recente edição, o teuC, que comemora 75 anos, terá destaque na revista do Festival

A décima quarta edição do Fes-tival Anual de Teatro Académico de Lisboa (FATAL) decorre de 7 a 25 de Maio com muitas no-vidades. Criaram-se mais duas categorias: a “Mais FATAL”, que dá a oportunidade a cinco grupos não selecionados à participação na categoria de grupos em com-petição de apresentarem os seus trabalhos, e “FATAL convida”, categoria que abarca grupos de teatro portugueses e estrangeiros convidados para apresentar as suas encenações.

A par desta programação, acon-tece também uma ‘masterclass’ com Rogério de Carvalho, dois ‘workshops’ e a apresentação do espetáculo “No Tempo – morto, uma experiência para resistentes e dissidentes do teatro universitá-rio”, coordenada por Susana Vi-dal e criação de textos de Miguel Manso. Realiza-se ainda uma homenagem a Jorge Listopad, professor, escritor, encenador e criador do grupo de Teatro da Universidade Técnica de Lisboa.

Destaca-se ainda a participação pela primeira vez do grupo espa-nhol La Coquera Teatro, da Uni-versidade Politécnica da Catalu-nha. No total, estarão em cena no FATAL 27 espetáculos durante 15 dias. “Muito teatro universitário para ver”, garante Marisa Costa, da organização do FATAL.

Participação de Coim-bra no FestivalAté à data, já participaram no evento três grupos de teatro aca-

démico de Coimbra: o Teatro dos Estudantes da Universida-de de Coimbra (TEUC) com oito presenças, o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC) com sete participações e o Grupo de Etnografia e Folclore de Coimbra, que participou três vezes. Esta edição conta com a participação do TEUC e do CI-TAC.

O Teatro dos Estudantes, que celebra este ano o seu 75º aniver-sário, levará a palco o “projecto H”, uma co-produção do TEUC e Joana Providência. O grupo será homenageado na Revista do Fes-tival com um artigo de destaque que contará com o testemunho de várias pessoas enquanto “teuqui-nas”. “Não podíamos deixar pas-sar em branco o aniversário do grupo mais antigo do país e um dos mais antigos grupos em ativi-dade contínua na Europa”, adian-ta Marisa Costa. “Em jeito de ho-menagem, e com a mais sincera vénia ao TEUC, iremos publicar

na Revista FATAL n.º 6 um artigo de destaque falando sobre o ani-versário deste grupo”, revela ain-da o elemento da organização do FATAL. “É uma honra o FATAL ter optado por nos homenagear”, refere a vice-presidente do TEUC, Rafaela Bidarra, justificando o sentido da mesma, “dado que pelo TEUC já passou muita gente e a partir deste grupo já apareceram outros projetos” reconhece.

O CITAC participa com o exer-cício final do Curso de Iniciação ao Teatro 2012/1013, “Aquário”, uma criação coletiva, com a dire-ção de Catarina Lacerda. O grupo trouxe para casa, na edição tran-sata, o prémio do público com a peça “Monstro Meu”. “É sempre bom que Coimbra não seja só vis-ta como a cidade dos estudantes, mas também como a cidade que tem grupos de teatro que fazem coisas com qualidade”, desabafa a presidente do CITAC, Anabela Ribeiro.

com Daniel Alves da Silva

Daniela Gonçalves

O Conservatório de Música de Coimbra esgotou no concerto de estreia da Pensão Flor

rAfAELA cArVALho

ArquIVo - DANIELA proENçA

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Cultura

A tradição coral em Coimbra não é algo novo. Olhando para a sua história, retro-

cedemos 133 anos para assistir ao nascimento do Orfeon Académico de Coimbra, que ganha incontor-navelmente o estatuto de um dos mais antigos coros de Portugal e da Europa. 76 anos depois, sur-ge o Coro Misto da Universidade de Coimbra (CMUC), grupo que se diferenciava do velho Orfeon pela modernização que o adjetivo “misto” traz.

Coimbra passa a ser, então, um dos focos da música coral no país. Entre espetáculos de sala e fes-tivais, estes grupos percorreram terreno nacional e internacional, a levar o nome de Coimbra, da própria academia e de Portugal além-fronteiras. Por tudo isto, havia quem começasse a pensar mais à frente.

“Estávamos no CMUC e apro-ximava-se o fim da nossa car-reira académica. O ‘bichinho’ estava connosco há vários anos e parecia forçado abandonarmos completamente a música coral”. Miguel Ângelo interessou-se pela música coral aquando da sua pas-sagem pela UC e, consequente-mente, pelo CMUC. Juntamente com alguns amigos, na década de

1990, e com o aproximar do final do curso, como explica, lança a ideia de continuarem a tradição da música coral, mas como uma diferença: “porque não um coro de câmara?”. Os requisitos para esta nova formação limitavam-se apenas ao número de elementos do grupo. “A questão de um coro de câmara implica um número de elementos que não seja muito ele-vado, entre 15 a 20. O CMUC an-dava na ordem dos 50 coralistas, o Orfeon Académico também”, elucida Miguel Ângelo.

Da ideia à forma. Em 1991, 16 pessoas juntaram-se e nasceu o Grupo Vocal Ad Libitum. “O que nos motivava era ser uma coisa diferente, com uma caracterís-tica muito especial: era um coro de câmara com poucos elementos que tentava abranger outras áreas de música que o CMUC pudesse não conseguir”, explicita Miguel Ângelo, membro-fundador do Ad Libitum.

Estar à vontade na música era uma das formas de atuação des-te grupo coral. E dessa forma surgiu o nome. “Numa partitura, quando aparece o termo ‘Ad Libi-tum’ quer dizer que é para tocar à vontade. Resolvemos adotar esse nome também porque era essa a

nossa forma de estar na música coral”, elucida Joaquim Baltazar, também membro-fundador.

O inícioAs dificuldades de arranque de um novo projeto dão-se em todo o lado e com os Ad Libitum isso não foi exceção. Para conseguirem a atual sede onde ensaiam (número 22 da Rua dos Coutinhos), anda-ram por igrejas, pela Casa da Cul-tura, por escolas básicas, pela sala do CMUC e ainda por garagens. “Fomos um ‘coro de garagem’”, lembra, entre risos, Miguel Ânge-lo. Só ao fim de uns largos anos é que chegaram ao número 22 da Rua dos Coutinhos, onde ainda permanecem.

As atuações também não come-çaram logo. Normalmente, para um grupo de câmara começar a atuar, é necessário um ano de preparação: desde a escolha de repertório até aos ensaios, é uma atividade que exige muito traba-lho e prática. E na cidade, havia sempre a concorrência amigável do CMUC e do Orfeon. Paulo Pe-reira, atual presidente do grupo, esclarece que o objetivo primor-dial do Ad Libitum era “executar um repertório eclético, com mú-sicas de vários países e estilos”

– marca que diferencia este con-junto de qualquer outro do país, quando nasceu.

O crescimentoCom o impacto que o Ad Libitum teve na região centro, na altura, por ser inovador, o seu cresci-mento foi natural. Desde 2007 que é uma companhia de artes. “A partir daí, entendíamos que queríamos fazer coisas ao nível das três principais artes de espe-táculo: a música, o teatro e a dan-ça”, explana o presidente. Com esse desejo, em 2007 surgiu uma companhia de teatro e dança, jun-tamente com um curso de teatro amador, apesar de atualmente não estarem em funcionamento. Para além de abrangerem dife-rentes formas de expressão ar-tística, também querem chegar a todas as idades. Assim, também em 2007, o Ad Libitum ganha um cor o infantil (hoje infanto--juvenil) chamado Cherubini, um dos mais famosos coros infantis a nível nacional. E como a música é coisa que passa de geração em geração, Miguel Ângelo tem já quatro filhos “cherubinis”. “Mes-mo os próprios filhos dos coralis-tas têm uma passagem pelo grupo [Ad Libitum]”, acrescenta.

As digressões e o financiamentoCanadá, Brasil, Polónia, Espanha são alguns dos países por onde o Grupo Vocal Ad Libitum já pas-sou, sem esquecer as diversas viagens por solo nacional. Des-sas jornadas guardam memórias de grande esforço mas também o sentimento de um trabalho re-conhecido. Paulo Pereira lembra a passagem pela Polónia: “fomos cantar na missa de celebração do primeiro aniversário da morte do Papa João Paulo II, numa catedral em Chestokova. Foi um momento arrepiante que nos marcou e pro-vavelmente nunca mais vamos ter uma sensação daquelas”. Aponta esta história a título de exemplo das várias que o grupo tem.

Apesar o Ad Libitum ter perdi-do os apoios da Câmara Munici-pal de Coimbra, de apoio ao as-sociativismo cultural, é um grupo que continua a crescer. Há cerca de um ano, aparece um projeto de gospel – Ad Libitum Gospel – com membros do grupo vocal, como é exemplo Joaquim Balta-zar. E entre terça e sábado, todo o grupo se reparte para ensaiar no número 22 da Rua dos Couti-nhos, convidando sempre quem se queira juntar.

Já com 22 anos, a companhia de artes ad libitum leva o nome de Coimbra pelo mundo. da experiência unicamente coral, o grupo desdobra-se hoje pelo teatro e pela dança, juntamente com a música, e o “estar à vontade” nesta arte valeu-lhes o nome. o gospel é o seu mais recente projeto. por ana duarte

ComPanhia de arteS ad libitum

A música interpretada a bel-prazer

foto gENtILmENtE cEDIDA pELo grupo AD LIbItumfoto gENtILmENtE cEDIDA pELo grupo AD LIbItum

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8 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

desporto

Há cerca de 60 anos, o mundo do futebol viu, naquela que é conside-

rada a “melhor” escola de forma-ção, a rua, um dos menos con-vencionais treinadores de futebol portugueses. Fernando Niza, de 65 anos, ainda transpira amor à camisola, nunca se tendo afastado dos campos. Ora como treinador, ora como jogador, a sua passagem foi um marco na forma de se jogar e é ainda uma referência na forma de o ensinar.

Foi na rua que a paixão pelo fu-tebol se formou. Era o espaço da sua geração, onde todos se encon-travam apenas por uma razão - a vontade de jogar, de tocar numa bola. Quando a rua deixou de ser suficiente, Fernando Niza jun-tou-se, como federado, ao Sport Lisboa e Marinha, na Marinha Grande, por uma questão de pro-ximidade com a sua terra natal, Vieira de Leiria. Até aos 16 anos vestiu essa camisola, altura em que foi transferido para o Sport Lisboa e Benfica. Neste clube, jo-gou pelos juniores durante duas épocas. Atualmente, conta no seu currículo com doze subidas de di-visão.

De cabelo grisalho e atitude jo-

vial, Niza tem uma atitude positi-va perante a vida. A sua imagem de marca deverá mesmo ser o sor-riso e o à vontade com que trata qualquer pessoa que passe. Como treinador, destacam-lhe os méto-dos pouco convencionais de treino e a alegria contagiante que leva ao balneário.O capitão de equipa do Pampilhosa, Carlos Colaço (Bebé), transmite a perspectiva unânime da equipa. Já como funcionário do Estádio Universitário de Coimbra, Jorge Caldeira, colega de trabalho de Niza, define-o como uma pes-soa que gosta de conversas sobre assuntos transversais, da econo-mia à cultura, da política ao des-porto. Não é só dentro das quatro linhas que Niza tem alguma coisa para ensinar. Jorge Caldeira con-ta: “no decurso destes anos posso dizer que ele me vai dando alguns ensinamentos, tenho-o como uma pessoa com muita cultura geral”.

Rotinas de um treinadorA rotina de treinador está já há muito definida. Aparece apenas no último treino antes de cada en-contro, para supervisionar aquilo que já foi feito pelo preparador físico e pelo treinador de guarda-

-redes. Sem nenhuma estratégia definida, Niza encara o futebol de uma forma completamente distin-ta. Em vez de táticas e de conse-lhos técnicos, prefere usar a psico-logia como forma de abordagem ao futebol. Para Niza, os métodos científicos são “uma banalização e transformação do futebol numa coisa que não é. O futebol não é ciência. É simples. E é a sua sim-plicidade que faz dele o espetáculo das multidões”.

No União de Coimbra elevou a sua categoria à de jogador pro-fissional, treinando mais tarde o mesmo clube. Depois desta passa-gem, treinou o Pampilhosa da Ser-ra onde se mantém até hoje, con-tando com algumas interrupções. Para o treinador não faz sentido estar em determinado local quan-do não existe compreensão por parte dos companheiros. Assim, tomou a decisão de, por duas ve-zes, abandonar o clube. A terceira ausência foi-lhe imposta.

Mérito não reconhecidoNiza crê que o seu trabalho não é valorizado e culpa a mentalidade do país por isso. “É a mentalidade que temos. Temos falta de cultura

desportiva. Não sabemos traba-lhar, ir ao encontro da cultura des-portiva, como no futebol inglês”, constata o treinador. Para além disso, ressalta a falta de transpa-rência no futebol português: “tra-balha-se muito nos bastidores, ou seja, a amizade com dirigentes, jornalistas, empresário…”.

Uma vez que se manteve sem-pre tão perto de Coimbra, surge a dúvida do porquê de nunca ter jogado ou treinado no Académica. Para Niza a única explicação plau-sível seria a rivalidade existente entre a Académica e o clube onde jogava e pelo qual era reconheci-do. “Era o Niza do União de Coim-bra”, opina o treinador.

O seu percurso já lhe trouxe vários amigos, dentro e fora dos relvados. Bebé define-o como “um grande homem e um gran-de amigo. É um ganhador e um grande treinador”. Também Jor-ge Caldeira considera o treinador “amigo do seu amigo”. Fernando Niza reconhece as amizades que conseguiu criar devido à convi-vência, mas destaca uma que cul-tivou fora do desporto. “A maior amizade que tive até hoje foi fora do futebol, foi um antigo reitor da

Universidade de Coimbra, o Pro-fessor Rui Alarcão.”

Fernando Niza considera-se um ícone no mundo do futebol, pondo-se ao nível de treinadores como José Mourinho. Autode-nomina-se de “o grande mestre”, nome pelo qual é conhecido atu-almente. Não considera um títu-lo exagerado, pois, como alega: “reconheço que isso foi tudo uma conquista minha. Não é neces-sário as outras pessoas reconhe-cerem se eu tenho ou não valor”. Esta opinião é partilhada com o capitão de equipa que reconhece que “já devia ter um certo reco-nhecimento por parte de outros clubes. Ele poderia ter ido mais longe, não foi mais longe por fal-ta de oportunidades”, acrescenta, ainda, que “mestre não é a melhor palavra, mestre dos mestres seria a melhor.”

Apesar de sentir esta injustiça, Niza encara-a, mais uma vez, com uma atitude positiva. Ao mostrar que a força de vontade e perseve-rança são aquilo que importa no mundo do futebol: “o ganhador fica numa situação de injustiça, e aí a revolta leva à vitória.”

Com António Cardoso

Com 65 anos ainda tem a força de vencer todos os jogos e de reconhecer que não há ninguém igual a ele no futebol. o “mestre dos mestres” conta com 50 anos de vida ligada ao futebol e, certamente, poucos haverá a conseguir 12 subidas de divisão no seu percurso. por Joana Guimarães e margarida Fidalgo pais

PerFil • Fernando niza

“O Mestre dos Mestres”

ANtóNIo cArDoSo

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30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 9

desporto

CNU’s 2013 valem quatro medalhas de ouro às jovens formações da AACas modalidades de basquetebol, hóquei em patins e rugby de 7 foram aquelas em que os estudantes brilharam, e que valeram quatro medalhas de ouro

Realizadas nas cidades da Covi-lhã, Fundão e Belmonte, as fases finais dos Campeonatos Nacionais Universitários (CNU’s) de 2013 trouxeram o pódio a várias secções da Associação Académica de Coim-bra (AAC). Durante os dias 15 a 25 de abril, as três cidades do distrito de Castelo Branco receberam forma-ções de várias universidades e insti-tutos universitários do país.

O evento contou com a realização de provas em oito modalidades: an-debol, atletismo de estrada, basque-tebol, futebol de 11, futsal, hóquei em patins, rugby de 7 e voleibol. São menos três provas do que os CNU’s de 2012, que então receberam atle-tas de corfebol, escalada e taekwon-do.

Naquela que é considerada a prova mais importante do desporto universitário em Portugal, os atletas da briosa alcançaram o pódio em diversas modalidades. O primeiro lugar alcançado nas provas de bas-quetebol masculino, juntamente com as medalhas de ouro obtidas pela formação de hóquei em patins e pelas equipas feminina e masculina de rugby de 7. Estes foram os resul-tados que mereceram mais destaque

na passagem da AAC pelos CNU’s de 2013.

Mário Castro, do Conselho Con-sultivo da Secção de Basquetebol da AAC, refere que os resultados atingidos são o “culminar de uma história” dos vários lugares do pódio atingidos pela secção no decorrer de vários anos. Para o antigo presiden-te, o primeiro lugar vai de acordo com as expetativas geradas e mostra a “qualidade das pessoas que estão à frente do clube e dos seus atletas”.

Também no pódio ficaram as equipas de voleibol masculina e feminina, que obtiveram o segun-do lugar, ao terem perdido na final com o Instituto Politécnico do Porto e com a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), respetivamente.

No futsal os resultados foram se-melhantes, ambas as formações dos estudantes de Coimbra alcançaram o segundo lugar, depois de perde-rem perante um adversário comum. A equipa feminina não conseguiu le-var a melhor aos atletas da AAUM, assim como os homólogos mascu-linos, que pereceram perante uma equipa do Minho mais bem prepa-rada.

A Secção de Futebol da AAC (SF/AAC) conseguiu arrecadar o tercei-ro lugar na modalidade de futebol de 11, ao perder na meia-final com o Instituto Politécnico de Leiria. O descontentamento do resultado é realçado pelas palavras de Rui Pita, membro da SF/AAC: “foi insuficien-te, tínhamos equipa para sermos campeões, tivemos azar”. Segundo Rui Pita, o adversário conseguiu prolongar o jogo até à marcação de grandes penalidades e aí obter a vi-

tória. “A nossa equipa, juntamente com a do Minho, que foi campeã, eram as duas grandes equipas”, res-salva Rui Pita. Para o dirigente des-portivo, o grande objetivo passa ago-ra por superar os resultados obtidos e validar o título nos CNU’s de 2014.

Atitudes de descontentamento expressas nos CNU’sOs CNU’s de 2013 serviram também como mostra do descontentamento da equipa de futsal feminina quanto ao posicionamento da Direcção-Ge-ral da AAC (DG/AAC) na resolução dos seus problemas. Foi na apresen-tação da equipa que as atletas, ves-tindo t-shirts com palavras desenha-das, se formaram para perguntar: “Morgado em 2016 também vai ser assim? Não abuses do nosso amor à camisola”. Para as jogadoras de fut-sal da AAC há uma falta de apoio às fracas condições materiais e huma-nas sofridas no seio da formação.

Sem esquecer o “amor à camiso-la”, as jogadoras afirmam em comu-nicado que “há muito a melhorar para que a AAC continue a ser o que é” e que o gesto de protesto preten-de “despertar” a Academia para essa falta de ajuda sentida por parte da DG/AAC.

Os CNU’s contaram com a par-ticipação de mais de 2000 jovens atletas, distribuídos pelas diversas modalidades. O evento contou com a realização de cerca de 210 jogos, 11 finais e a disputa de 13 títulos. O evento maior do desporto universi-tário do país volta a realizar-se em maio de 2014, depois de apurados todos os resultados das candidatu-ras à organização dos campeonatos.

João Valadão

Nadador da AAC convocado para a Seleção NacionalGustavo almeida madureira foi convidado a participar no estágio da seleção Nacional absoluta e sénior jovem. o evento tem início hoje, 30, em rio maior

O atleta sénior da Secção de Na-tação da Associação Académica de Coimbra, Gustavo Almeida Madu-reira, está convocado para integrar o estágio de preparação e avalia-ção da Seleção Nacional Absoluta e Sénior jovem. A prova, que se re-aliza em Rio Maior, tem início hoje e decorre até quatro de maio.

O coordenador-geral da Sec-ção de Natação, Miguel Abrantes, explica que é com “alguma natu-ralidade” que vêem o atleta ser convocado para este estágio. “Ao longo dos últimos anos o Gusta-

vo tem representado Portugal, não só em estágios, mas também em competições”, adianta. Miguel Abrantes aponta especialmente para a prestação do atleta em pro-vas internacionais, como o Mul-tinationsYouthMeet de 2011. No evento MultinationsJuniorMeet, realizado em 2012, em Coimbra, o atleta conseguiu alcançar o quarto lugar na prova de 50 metros livres masculinos.

Confrontado com a sua recente convocação, Gustavo Almeida Ma-dureira esclarece que, face à boa prestação dos atletas adversários em provas anteriores, foi com al-gum receio que recebeu a notícia. No entanto, o nadador comenta que este era um dos objetivos para 2013, assim como representar a Seleção Nacional de Natação no 27º Troféu Internacional Villa de Gijón, a realizar-se em Espanha, nos próximos dias 18 e 19 de maio.

O Diretor Técnico Nacional (DTN) da Federação Portuguesa de Natação (FPN), José Manuel

Borges, valoriza a prestação de Gustavo Almeida Madureira e realça que o atleta se inclui num “grupo de natação, não muito alar-gado, com boas perspetivas para o futuro”. O dirigente lembra que o estágio se inclui nos planos de “alto rendimento da FPN”, que se aproximam de provas internacio-nais como os Jogos Olímpicos ou os campeonatos mundiais. Quan-to à seleção de atletas, o DTN acrescenta que esta “passou pela avaliação das suas prestações no último Campeonato Nacional de Natação”.

Gustavo Almeida Madureira espera agora alcançar o pódio em Espanha, onde vai tentar superar os adversários nas provas de 50 e 100 metros livres. Miguel Abran-tes sustenta que o atleta da Secção de Natação da AAC é uma promes-sa dentro do país e que, em virtu-de dos bons resultados atingidos, estará na “alta-roda da natação nacional”, com projeção para o pa-norama internacional.

O jovem de Coimbra iniciou no presente ano letivo os estudos superiores, o que levou a alguma apreensão de Miguel Abrantes. Contudo, o dirigente esclarece que a adaptação do nadador à nova rotina diária tem decorrido sem problemas e que este está a lutar por “objetivos muitos fortes e vai agora tentar os mínimos para os

mundiais”.Também no passado mês de

março, no Campeonato Inter Distrital de Natação de Juvenis, Juniores e Seniores, o nadador conseguiu arrecadar quatro meda-lhas para a Associação Académica de Coimbra: ouro nos 50m livres, prata nos 100m livres e bronze nos 200m livres e 50m mariposa.

João Valadão

A UBI acolheu os CNU’s 2013 de 17 a 25 de abril

D.r.

rAfAELA cArVALho

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No momento de dar à luz a filha mais velha, Idalina Rodrigues, com vinte e

cinco anos à altura, não sabia que era a primeira de muitas mulheres a trazer novas vidas ao mundo no interior do grande edifício rosa que se destaca na Rua do Instituto Ma-ternal.

O parto por cesariana não foi fácil e Idalina Rodrigues confessa que teve medo. “Os médicos lá aju-daram, mas de muitas coisas não me lembro porque fui anestesiada”, recorda a primeira mãe da Mater-nidade Professor Bissaya Barreto.

Cinquenta anos depois, com mais uma filha e três netos nasci-dos na primeira delegação do Insti-tuto Maternal de Coimbra, Idalina foi convidada de honra nas come-morações que tiveram lugar este domingo, 28, na sala de sessões da maternidade. Nas palavras de Patrícia Viegas Nascimento, presi-dente do Conselho de Administra-ção da Fundação Bissaya Barreto, celebra-se assim meio século de “defesa da vida e proteção da mu-lher e da criança”.

Fundada em 1963 por Fernando Bissaya Barreto, político e profes-sor de Medicina na Universidade de Coimbra, a então chamada Obra de Assistência Materno Infantil Bissaya Barreto veio firmar o seu esforço “para arrancar à morte os pequenitos”, conta Patrícia Viegas Nascimento.

“Num momento tão difícil para Portugal onde a imprevisibilidade era um fator extremamente con-dicionador de projetos assentes na esperança, compreendemos melhor o valor dos consensos”, re-fere o presidente do Conselho de Administração Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, José Martins Nunes, enaltecendo a obra social, de saúde pública e de medi-cina de Bissaya Barreto.

União de maternidadeJá este ano com a reorganização das unidades de saúde de Coimbra, consequente da criação do Cen-tro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), a Maternidade Professor Bissaya Barreto e a Ma-ternidade Doutor Daniel de Matos foram integradas na unidade do Serviço de Ginecologia e do Ser-viço de Reprodução Humana dos CHUC.

Fernanda Águas, diretora clínica da Maternidade Professor Bissaya Barreto, justifica a fusão das uni-dades maternais, afirmando que “a realidade de hoje é diferente e as maternidades como edifícios isola-dos perdem a sua função”.

José Martins Nunes reitera: “es-tou convicto de que conseguiremos construir uma cultura que possa ser herdeira do grande legado da sua história, a valorização da nos-

sa medicina em Coimbra passa por valorizar o nosso passado com perspetiva de futuro”.

O presidente dos CHUC refere ainda, orgulhoso, o reconhecimen-to exterior da excelência máxima dos serviços da Maternidade Pro-fessor Bissaya Barreto, a par com a Maternidade Doutor Daniel de Matos. “O contributo que Coimbra dá para a solidez do Serviço Nacio-nal de Saúde, neste caso para a se-gurança do parto, está patente nos indicadores que a região detém e é um caso de sucesso”, afirma.

Um espírito inquietoPatrícia Viegas Nascimento relem-bra a “atitude de alerta e inquietu-de” que a instituição herdou do seu fundador.

“Temos todos de ser visionários”, sublinha José Martins Nunes abar-cando o espírito de Bissaya Barreto e transpondo-o para o novo proje-to de saúde da região centro que o CHUC representa. “Num momento tão difícil como o atual, todos so-mos convocados para ajudar a criar um hospital mais humano e mais solidário, com mais afeto e com maior dedicação”, assevera.

As comemorações continuam no próximo dia 6 de maio com a inau-guração, às 11h, da exposição “Ma-ternidade Professor Bissaya Barre-to 50 anos: Conceção, Nascimento e Vida”, no ‘hall’ dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

10 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

Cidade

Bissaya Barreto e a sua obra iniciada “para arrancar à morte os pequenitos”

Centro de Saúde Militar corre o risco de fechar portaso possível encerramento do Centro de saúde militar de Coimbra pode vir a fazer parte da reforma orçamental do governo no setor da saúde militar

No dia 8 de abril, durante inter-venção na Assembleia da Câmara Municipal de Coimbra, a vereado-ra do Partido Social Democrata, Maria João Castelo Branco, res-saltou a importância de se discu-tir, no âmbito do poder executivo, a questão do futuro incerto do Centro de Saúde Militar de Coim-bra. O Centro destina-se a prestar apoio sanitário aos militares do exército e aos seus familiares des-de 1911.

A vereadora explica: “senti que

deveria transmitir ao executivo essa preocupação que também passou a ser minha, não só como política eleita, mas também como cidadã de Coimbra”. Reforça ain-da o seu objetivo, ao dizer que se trata de “uma estrutura de saúde que sempre foi de excelência”.

O Centro, que apresenta uma área total de cerca de 30 mil me-tros quadrados, possui capacida-de de internamento, dois blocos operatórios, um laboratório de análises clínicas, um serviço de imagiologia, de medicina física e reabilitação, de cardiologia com capacidade de realizar diagnósti-cos e instalações onde funcionam diversas especialidades médicas em regime ambulatório.

A confirmar-se o encerramento do hospital, a decisão vai trazer prejuízos para muitos militares, ex-militares e deficientes das For-ças Armadas. A vereadora afirma que “o Centro de Saúde Militar

tem uma influência muito forte junto não só dos militares da ex--Marinha, mas também da Força Aérea, dos militares da Guarda Nacional Republicana, dos agen-tes da Polícia de Segurança Públi-ca e dos seus familiares”.

Neste contexto, Maria João Cas-telo Branco considera ainda deter-minante a permanência do Centro de Saúde Militar pela importância e reconhecimento do serviço que assegura aos utentes. “Não nos podemos esquecer da percenta-gem imprescindível daqueles que serviram o país há 30 ou 40 anos, que são os deficientes das Forças Armadas. Centenas são utentes deste hospital”, recorda.

Além disso, a vereadora faz questão que se tome conheci-mento de que, mesmo não apre-sentando muitas urgências e internamentos, o Centro é autos-sustentável. Em termos finan-ceiros e económicos, o Centro de

Saúde Militar não tem dívidas com fornecedores e tem consegui-do “receitas superiores”, revela.

Algumas autoridades envolvi-das no debate acreditam que a al-ternativa mais viável ao futuro do hospital seria sua abertura à po-pulação civil. Nesse sentido, Ma-ria João Castelo Branco defende que “poderá haver protocolos com os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC)” ainda “um tra-balho de ação e colaboração den-tro dos HUC, o Centro Hospitalar de Coimbra e o Centro de Saúde Militar”.

Para a esfera militar, a assistên-cia à comunidade civil nunca dei-xou de existir. O tenente- coronel e porta-voz do Exército, Jorge Ma-nuel Guerreiro Gonçalves Pedro, atesta: “o hospital funciona como os hospitais civis, o apoio é pre-ferencialmente para os militares, mas apoia a população civil”.

com Anna Charlotte Reis

Camila Correia

A Maternidade Professor Bissaya Barreto é uma das unidades abrangidas pela reestruturação dos CHUC

ArquIVo - INêS SILVA

D.r.

50º aniverSÁrio da maternidade ProFeSSor biSSaya barreto

Numa altura em que a reorganização das unidades de saúde de Coimbra começa a entrar em vigor, englobando também os institutos maternais, a maternidade professor bissaya barreto lembra o dia em que idalina rodrigues viu pela primeira vez a sua filha mais velha. por rafaela Carvalho

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30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 11

Cidade

A Sagração da Feira da Ladra

A compra, venda e partilha de produtos usados ou em segunda mão sempre foi uma prática comum. Feiras de Velharias e da Ladra mar-

cam ocasionalmente as praças das cidades. Nas esqui-nas mais recônditas não é raro encontrar as famosas lojas do prego. Também a Internet está repleta de sites de compra e venda de produtos usados. Ainda assim, nos últimos anos, o conceito tem ganho uma nova di-mensão sendo cada vez mais recorrentes os eventos de pequena escala que reúnem vendedores independen-tes e empresas da área. Exemplo disso é a organização da iniciativa E’tiqueta que decorreu entre os dias 26 e 28 de Abril na Baixa de Coimbra.

Estes eventos são exponenciados, sem dúvida, pela ação da crise económica que tem reduzido drasti-camente o poder de compra de muitas famílias e as preocupações ecológicas que tornam cada vez mais premente a adoção de conceitos como a reutilização e a reciclagem. O mercado da segunda mão “está em voga”, ressalta Sara Nunes, uma vendedora indepen-dente que começa agora a dar os primeiros passos.

Ao aliar-se ao conceito ‘vintage’ fortemente adota-do pelas gerações mais novas, o mercado de produtos usados tem conseguido desenvolver-se e criar uma reputação que rompe com os cânones já instaurados que o davam como uma atividade a que apenas re-corriam pessoas de poucos recursos. “A segunda mão mexe muito com a mentalidade das pessoas que têm de estar abertas a aceitar o conceito”, conta Conceição Assis. Há seis anos no mercado, a responsável pela fi-lial em Coimbra do franchising Kid to Kid – dedicado à compra e venda de produtos usados por crianças – afirma, inclusive, que para muita gente a noção de usado “ainda se associa muito ao lixo, ao sujo, ao mau aspeto numa primeira fase”, mas que “desde que as pessoas consigam entrar na loja perdem todo precon-ceito”.

Esta mudança de mentalidades reflete-se também ao nível das preocupações ambientais. “É uma forma de desenvolvimento mais sustentável” - incentiva Sara Nunes - “a crise também terá alguma influência, mas eu penso que há uma maior consciencialização”.

O mercado conimbricenseÀ semelhança de muitas outras cidades espalhadas um pouco por todo o mundo, Coimbra tem visto nascer muitos projetos ligados a este conceito de reutilização de produtos. Compra-se, vende-se e troca-se princi-palmente vestuário, produtos editoriais (música, lite-ratura, cinema), acessórios, tecnologia e mobiliário.

Foi neste último que Elisa Martins encontrou vo-cação juntamente com o marido. Assim nasce a Go!

Vintage Design. “Essencialmente compramos peças que não precisam de restauro, que possam ser utili-zadas como estão, apenas com uma limpeza”, conta. Não são, nem pretendem ser, especialistas em restau-ro. A paixão está na procura de peças condizentes com o conceito e a sua posterior revenda.

O evento E’tiqueta, no qual foram responsáveis pela criação dos cenários, serviu acima de tudo “como oportunidade de mostrar os produtos, dando suges-tões de reutilização”. Organizada por vendedores in-dependentes e pelo projeto de design ‘retro’ Maria Pe-daços, a iniciativa contou com a presença de diversas entidades da cidade que consideram repetir a experi-ência alternando o local de apresentação ao público.

“É uma forma de, já que as pessoas não chegam aos nossos locais, fazer isto em sítios onde passam habitu-almente e as encaminharmos para os locais físicos que existam”, explica uma das representantes da Maria Pedaços, Mariana Teixeira.

Em grande parte a divulgação deste tipo de eventos é feita na Internet em redes sociais como o Facebook. Alia-se a tecnologia ao ‘retro’, a modernidade à anti-guidade, fundido gerações. “Essa promoção chega a um público que não é o nosso e nós temos de cativar as pessoas que gostavam de estar aqui como partici-pantes”, refere Mariana Teixeira.

Já Sara Nunes não está totalmente certa da eficá-cia deste tipo de divulgação pela saturação de convi-tes que a ela está associada. No entanto, acredita que “reunindo as redes sociais, a comunicação social e o boca-a-boca - o conjunto de tudo faz o sucesso da ini-ciativa”.

Uma moda passageira?Prova de que é um fenómeno que se prevê permanen-te é a diversidade etária dos clientes. “Público há de todas as idades”, ressalva Sara Nunes referindo que existe um esforço por parte dos organizadores destes eventos de se aliar a iniciativas culturais. “Há sempre concertos ou DJ’s”, conta.

Além disso, apesar de ter sido o fenómeno ‘vintage’ a exponenciar os mercado dos produtos em segunda mão, a maioria dos representantes deste tipo de pro-jetos não acredita que seja apenas mais uma moda passageira. “Com todas estas pressões económicas as pessoas receiam e estão a reutilizar aquilo que an-tigamente se calhar não o fariam”, salienta Mariana Teixeira.

“O que fazemos, toda a gente fez a vida inteira - a cama da minha filha dá para o meu sobrinho e com a roupa precisamente a mesma coisa. Agora, faz-se ne-gócio com isso”, refere Conceição Assis.

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O mercado dos produtos em segunda mão tem sido alvo de uma procura cada vez maior.

A crise económica, as preocupações ambientais e até as novas modas ‘vintage’ e ‘retro’ têm potenciado a nível mundial o aparecimento de eventos que reúnem diferentes projetos e vendedores independentes. Coimbra não é

exceção. Por Rafaela Carvalho

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CeNtrais

25 DE ABRILCOIMBRA EVOCAA REVOLUCAO

Democracia:

(...) forma de governo na qual o povo não é apenas o sujeito passivo (governado) mas também o sujeito activo (aquele que

governa) e visando isto o bem de todo o povo (sujeito-fim).

in COLOMA, José Maria - Dicionário Popular de Política. 1ªed. Lisboa: Assírio & Alvim, 1974.

~‘39 anos volvidos após a revolução que sepultou o fascismo, continua-se a celebrar a data.

Numa época em que os fantasmas totalitários começam a revelar-se através dos tiques daqueles que lideram os destinos europeus, urge relembrar e viver o ideal de abril. por daniel alves da silva e Gonçalo mota

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30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 13

CeNtrais

As repúblicas celebraram a sua semana de “rexis-tência” entre 22 e 27 de abril. As atividades foram um “resumo do que se faz durante todo o ano nas repúbli-cas”, segundo um dos membros da Real República Baco, Nuno Neves. Concertos, exposições, ‘workshops’, cine-ma, foram alguns dos eventos organizados pelas várias repúblicas, com o objetivo de “dar a conhecer o que se passa nas casas”, quebrando assim “algumas barreiras que possam existir em relação às repúblicas”, refere.

Porquê o nome Rexistências? “É um conceito que parte de dois outros conceitos”, começa a explicar Nuno Neves. “O conceito de resistir que é muito do que faze-mos nas repúblicas, em vários sentidos”, afirma, refe-rindo a Nova Lei do Arrendamento Urbano como uma das preocupações atuais das repúblicas. “Estamos a ten-tar resistir contra isto”, sublinha. Enquanto existem dia-riamente. “É esta existência que se faz resistindo ou esta resistência que se faz existindo”, sintetiza o repúblico.

A relação entre o ‘Rexistências’ e o 25 de abril nasceu

por acidente. “Ao início foi uma coincidência”, recorda Nuno Neves, “o 25 estava ali no meio” da semana esco-lhida. “É a semana em que teria que acontecer”, acres-centando ainda que “a data até ofereceu outras possi-bilidades”. Aludindo aos concertos de homenagem ao Zeca Afonso, na Real República do Bota-Abaixo ou a Adriano Correia de Oliveira, no Salão Brazil. Nuno Ne-ves reitera que houve “um conjunto de atividades que de alguma forma têm em atenção” essa data.

A iniciativa não possuiu nenhum organismo central. Questionado sobre o caráter reivindicativo dos even-tos, Nuno Neves é perentório: “cada casa assume para as suas atividades o caráter que quiser assumir”. Mas assume que da parte da Real República Baco existe a tentativa de oferecer mais do que cultura, mas também um ato político. “Uma espécie de culturalização dos atos políticos/politização dos atos culturais”, conclui Nuno Neves.

Por Daniel Alves da Silva

N a cidade de Coimbra pouco se fazia no que toca a comemorar o 25 de Abril. Como refere o membro da direcção do Ateneu de Coim-

bra e integrante da Comissão de Organização das Comemorações do 25 de Abril, Alfredo Campos, as comemorações do Dia da Liberdade eram marcadas pela festa organizada na noite de 24 para 25 - onde se procede anualmente à queima do facho – e a “uma ou outra comemoração da CMC”. De forma a poder mar-car-se esta data de uma maneira mais entusiasta e de envolver a cidade nos referidos festejos procedeu-se à criação da referida comissão, que reuniria elemen-tos de diferentes grupos sob os lemas de Abril.

Esta comissão surgiu num grupo de amigos, per-tencentes a diferentes associações da cidade, tendo crescido e abrangido, no total, 49 entidades conim-bricenses. Que abarcavam desde grupos culturais, desportivos, organizações de cariz mais interventivo, como sindicatos, bem como movimentos com e sem qualquer tipo de conotação política. “Cada entidade definiu a atividade que queria fazer”, refere Alfredo Campos, embora as escolhas reflitam, “no fundo, as preocupações que cada entidade tem”, bem como a “situação política do país na atualidade”. Num ex-tenso programa que inclui não só as comemorações do dia 25, mas também uma diversidade de eventos alusivos à data e que decorrem até ao dia 3 de maio. Concertos, exposições, debates, foram algumas das actividades abertas à participação dos cidadãos.

Como vem sendo hábito, na noite de 24 para 25 realizou-se a comemoração no Ateneu de Coimbra, sendo o momento alto e mais participado - a “quei-ma do facho”, enquanto se ouvia e se cantava a Grân-dola Vila Morena, de Zeca Afonso. Música, punhos erguidos e um boneco suspenso a arder marcaram o momento, que nas palavras do Vice-presidente do Ateneu de Coimbra, Mário Rui, simboliza a “morte do fascismo em Portugal”, bem como o desejo “que o fascismo nunca mais volte a esta terra”. Este ritual, refere ainda Mário Rui, serve para tentar perpetuar a passagem de uma história que “tem vindo a ser es-

quecida”, sobretudo “pelas gerações mais novas”.

“Cantando, gritando e dizendo o que vai na alma”A restante noite foi dedicada à festa e à música, até porque nem só de protestos se celebram as portas que Abril abriu. A banda convidada, que mais não era que uma mescla de membros de diferentes grupos da cidade, seguiu por um reportório sempre recordando os diversos cantores portugueses da liberdade. Para o percussionista convidado e membro dos Diabo a Sete, Nuno Natal da Luz, continuar a festejar o dia da revolução é importante na medida em que “estão a tentar mostrar-nos que a democracia não vale nada” e assim sendo as comemorações assumem uma gran-de centralidade pois expressam a necessidade de que “esses valores, onde se incluem minorias e todas as ideologias, têm que ser mantidos”. Nas suas palavras fica expresso que o 25 de Abril se comemora “cantan-do, gritando e dizendo o que nos vai na alma”. En-quanto músico, assume a importância de lembrar os cantores da Liberdade de forma a “continuar que a memória deles esteja viva”.

O dia 25 foi marcado por uma manifestação cujo mote era “Cumprir Abril com a Força do Povo!”. A manifestação contou com a presença de diversos grupos, mas em comparação com outras manifes-tações mais recentes, não foi das mais participadas dos últimos tempos. O que foi notado por uma das manifestantes, Fátima Taborda, que refere que “esta-va uma manifestação composta, embora fosse muito melhor se houvesse mais gente”. Apesar disto, a ma-nifestação cumpriu o seu propósito e o povo saiu à rua empunhando faixas, recheadas com comentários e contestações.

Depois da caminhada pela Avenida Sá da Bandei-ra, a manifestação desaguou no Pátio da Inquisição, onde estava já preparado todo o aparato que serviu para dar suporte às intervenções e concertos que se seguiram. De todas as intervenções, a mais prolon-gada, emotiva e aplaudida foi a preconizada pelo

Capitão de Abril, Comandante Pedro Mendonça. De acordo com o mesmo, a importância de marcar a data e de perpetuar a memória histórica prende-se com o facto de “não nos podermos esquecer desses tempos de opressão”, tempos idos em que “era crime termos ideias, ideais, querermos uma maior justiça social”, em suma “era crime desejar pela liberdade”. Para o militar, “as conquistas de Abril transformaram este Portugal e são um símbolo dos valores e dos ideais de Abril e continuam a afirmar-se na situação atual como traves mestras para o futuro do país”.

Como não poderia deixar de ser, alguns paralelis-mos foram estabelecidos com os tempos atuais. Na voz de uma anarquista que preferiu não ser identifi-cada e que esteve presente ao longo da manifestação, neste momento “não temos uma ditadura assumida, temos outro tipo de ditadura”, sendo que para a mes-ma “o 25 de Abril é um ícone ao nível de luta contra o fascismo e contra qualquer tentativa de opressão”.

Uma unidade para a lutaA mesma anarquista salienta a unidade da partici-pação dos diferentes grupos, e que as tricas que po-derão existir entre diversas fações são “o que menos importa aqui”. A comprovar essa unidade apresen-ta-se a Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!). Com 61 anos, José Gama, um dos vários associados, salienta que essa “unidade” foi conseguida. E explica que a APRe!, apesar de ter nascido da necessidade de “dar voz” aos aposenta-dos, não esquece “a luta dos jovens”, marcados pelo desemprego.

Enquanto assistia à atuação da Brigada Vítor Jara, Fátima Taborda sugere que “na situação em que es-tamos agora” se deve participar “muito mais” nestas comemorações, num tempo em que “parece que já se esqueceu que houve um 25 de abril”. Desabafos que se aproximam do discurso do Capitão de Abril, mi-nutos antes.

Em sinal de união, todos os presentes embalados pelos ritmos tradicionais da Brigada e dos Diabo a Sete confraternizavam a sua liberdade conquistada. Festa, depois do discurso emocionado do Capitão de Abril. “O poder económico passou a estar subordi-nado ao poder político. É a referência básica da so-berania e da independência nacional que hoje tanto nos falta”, explicava o comandante Pedro Mendonça, numa alusão aos fatores e à luta que justificam con-tinuar a celebrar abril. Para isso, recordou ainda o passado: “onde se lutava, onde se trabalhava, onde se sofria, onde se aprendia, onde se transpirava e onde se crescia criava-se a semente do 25 de abril”.

“Era crime termos ideias, ideais, querermos umamaior justiça social”

Pedro Mendonça

(R)Existências coincidentes“Esta existência que se faz resistindo ou esta resistência que se faz existindo” Nuno Neves

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A possibilidade da clona-gem humana afronta desde há muito a cons-

ciência do Homem. O medo da morte e o anseio pela eternida-de são dois dos maiores temo-res e desejos que mais povoam o imaginário do ser humano. Em 1915, Freud escrevia que “no fundo, ninguém crê na sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra manei-ra, no inconsciente, cada um de nós está convencido da sua própria imortalidade”.

Nas palavras do pioneiro do estudo da genética molecular em Portugal, Luís Archer, “a clonagem dá-se na natureza a uma variedade de níveis e sig-nifica sempre o processo que conduz à formação de duas ou mais entidades biológicas ge-neticamente iguais. Essas enti-dades poderão ser genes, célu-las ou organismos completos”. O tema da clonagem, envolto numa controvérsia agitada, es-bateu a linha que um dia sepa-rou a realidade da fantasia. Em 1952, clonava-se o primeiro animal vertebrado – um sapo. O final da década de 1990, com o nascimento da ovelha ‘Dolly’, clonada a partir de células de um animal adulto, ficou mar-cado pelo alvoroço de questões éticas e jurídicas, que ainda hoje sobressaltam entre opini-ões.

A doutoranda em Sociolo-gia no ISCTE-Instituto Uni-versitário de Lisboa, Valéria Ferreira, indica três métodos de clonagem – “clonagem por cisão, clonagem por biparti-ção de embriões e clonagem por transferência nuclear so-mática”, esta última responsá-vel pelo nascimento da ovelha

‘Dolly’.

Vantagens e RiscosA clonagem percorreu um longo caminho até aos dias de hoje. Contam-se inúmeras experiências falhadas em ani-mais. O primeiro sucesso assi-nalado – ovelha ‘Dolly’ – viveu cerca de seis anos e morreu vítima de doença pulmonar. Outras tentativas acabaram em fracasso ou em nascimentos “com órgãos desproporciona-dos, placentas anormais, defei-tos cardíacos, com problemas de gigantismo, problemas pul-monares e imunológicos, defei-tos musculares e falhas na pro-dução de leucócitos”, observa Valéria Ferreira.

A doutoranda ressalta um dos problemas que afeta a ge-neralidade da prática da clo-nagem. “A maioria dos clones morre no início da gestação e os animais clonados têm defei-tos e anomalias semelhantes, independentemente da célula dadora ou da espécie”, escla-rece.

Restringindo a temática à clonagem humana, a douto-randa do ISCTE adverte que “a clonagem reprodutiva é uma técnica que permite criar uma criança geneticamente idêntica a um indivíduo já existente”. A técnica envolve a reprodução de células geneticamente idên-ticas, que não se destinam a ser implantadas no útero.

O doutorando em Sociolo-gia no ISCTE, Willame Carva-lho, lembra que “em Portugal, o facto que marcou a história da clonagem foi o primeiro bo-vino clonado – Cloneta -, que nasceu a 24 de Março de 2009, na ilha da Terceira”. O projeto

foi desenvolvido pelo Grupo de Reprodução do Centro de In-vestigação e Tecnologias Agrá-rias do Departamento de Ciên-cias Agrárias da Universidade dos Açores.

A procura da vida eternaAtualmente, a comunidade científica encontra na clonagem humana a possibilidade para a cura de doenças, reprodução, realização de transplantes, re-novação de espécies extintas e para questões ligadas à imor-talidade. Entre um vasto leque

de contributos, são muitas as adversidades que se impõem. Willame Carvalho assegura que “há um grande risco em reduzir o material genético à condição de ‘coisa’. “Há também a ques-tão da discriminação genética, onde a manipulação de células estaminais humanas e a inter-venção em material genético ‘in vitro’ podem sofrer algum constrangimento por origem racial, de sexo, tamanho e for-mação”, acrescenta.

“Será irrelevante para um ser humano ser geneticamente idêntico a outro, por decisão de

um terceiro e não possuir pais biológicos? Quem vai decidir o tipo ideal de ser humano que deve viver?”, interpela o dou-torando. Estas são duas das inúmeras questões que o tema exalta. A procura da imorta-lidade é um caminho infinito. Como na obra ‘O Retrato de Dorian Gray’, de Oscar Wilde, a personagem principal enceta uma senda obsessiva pela vida eterna, também fora da ficção, esta procura inerente à con-dição humana vai ser sempre acompanhada da controvérsia sem respostas coincidentes.

14 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

CiÊNCia & teCNoloGia

Clonagem, ainda longe do consenso

Doutorando de biociências ganha estágio no Vietnameo projeto do aluno de doutoramento de biociências da uC ganha concurso internacional de aquacultura e garante estágio numa empresa no Vietname

Com um projeto científico que visa reduzir os custos e o impac-to ambiental da aquacultura, aumentando a produtividade, o doutorando João Rito conquis-ta o prémio lançado a concurso

internacional. O concurso ficou a cargo da ‘World Aquaculture Society’ (WAS), em parceria com a multinacional norte-americana de aquacultura ‘NOVUS’.

O estudo baseia-se “na análi-se do metabolismo dos peixes de aquacultura para um melhora-mento das dietas”, afirma o in-vestigador. O problema da dieta alimentar tradicional dos peixes de aquacultura relaciona-se com a proteína. O doutorando explica que “a proteína é o componente mais caro das dietas e, além dis-so, o seu metabolismo pelo peixe vai provocar uma libertação de amónia, composto tóxico, no am-biente”.

O projeto testa a inclusão do

glicerol – composto orgânico que existe nas moléculas de gordura - nas dietas dos peixes. João Rito explica: “com o glicerol, reduzi-ríamos os custos e a poluição”. Acrescenta que o composto or-gânico “tem a particularidade de não ter azoto na sua composição e, portanto, não libertar amónia”. O responsável do estudo explica que o glicerol vai competir com a proteína pela mesma via metabó-lica, reduzindo o metabolismo da proteína.

Os biocombustíveis, como o biodiesel, surgem como um al-ternativa renovável e ambiental-mente segura aos combustíveis fósseis. O glicerol é um dos prin-cipais subprodutos gerados pelo

biodiesel. João Rito assegura: “resolvemos também um proble-ma da indústria do biodiesel, ao darmos um destino a pelo menos parte desse glicerol que é perdi-do”.

Apesar de os testes mostrarem que “os peixes aceitam perfeita-mente o glicerol”, o doutoran-do faz questão de ressaltar que “mesmo substituindo pequenas percentagens da proteína por glicerol, pode resultar um efeito negativo”, uma vez que “se não tiverem proteína, não crescem, porque a proteína é a estrutura do peixe”.

O estágio atribuído ao inves-tigador vai ter lugar na ‘NOVUS Aqua Research Center’, na cida-

de de Ho Chi Minh, Vietname, e é um dos maiores centros de in-vestigação do mundo na área de aquacultura. Com data marcada para junho, o estágio tem a du-ração de quatro semanas, e vai permitir ao doutorando trabalhar sobre um projeto que já começou a ser desenvolvido no centro de investigação de Ho Chi Minh.

No contexto atual, João Rito as-segura a necessidade de “explorar a aquacultura o mais rapidamen-te possível”. Sob a ótica do desen-volvimento sustentável, o douto-rando levanta a problemática: “o mundo ainda pesca mais do que cultiva”.“A população mundial está a crescer e os ‘stocks’ vão aca-bar nos oceanos”, deixa o alerta.

Camila CorreiaIan Ezerin

A clonagem de seres humanos continua a agitar a opinião nacional e internacional

D.r.

motivo de discórdia e agitação, a clonagem é um tema que tem marcado a opinião pública desde há muito. os avanços científicos permitem a possibilidade de clonagem humana que, entre benefícios e riscos, está longe de merecer uma opinião consensual. por margarida Fidalgo pais e Carolina Varela

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30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 15

CiÊNCia & teCNoloGia

A década de 1960 viu nascer o conceito de ‘Aldeia Glo-bal’, traçado por Marshall

McLuhan. Sob o signo da evolu-ção das Tecnologias da Informa-ção e da Comunicação (TIC), o filósofo canadiano retratava um mundo cada vez mais interliga-do, onde as fronteiras se esbatiam com o ligar da televisão. Trinta anos mais tarde surgia a ‘World Wide Web’ (WWW), pelas mãos de Tim Berners-Lee - estava tra-çado o caminho para a comuni-cação instantânea, que edifica o mundo onde hoje vivemos.

Nos dias que correm, imaginar o mundo sem tecnologia é, para a maioria, uma ideia inconcebível. Segundo o ‘Inquérito à Utilização das TIC pelas Famílias’, realizado pelo Instituto Nacional de Estatís-tica (INE), em 2012, 61 por cento dos lares portugueses têm acesso à internet. Os valores aumentam para 95 por cento quando o públi-co-alvo se restringe a jovens entre os dez e os quinze anos. O pro-fessor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), Carlos Fortuna, não hesita: “as tecno-logias projetam-nos para fora de nós próprios, amplificam e anun-ciam a nossa presença”.

Os dados revelados pelo INE mostram que 84 por cento dos jovens utilizam a internet em

atividades relacionadas com a comunicação, como por exem-plo, ‘chats’, redes sociais, ‘blo-gs’, fóruns de discussão ‘online’ e mensagens escritas em tempo real. Esta é a segunda justificação mais citada para o uso da inter-net, logo depois da pesquisa de informação para trabalhos. Carlos Fortuna lembra que “a comunica-ção sempre foi um ato de ligação e desligamento”. O investigador assegura que “o que vemos hoje é, cada vez mais, a acentuação desta tendência”.

O mundo da comunicação vive um paradoxo. Com o desenvolvi-mento exponencial da tecnologia, a ‘Aldeia Global’, de McLuhan, gera um contra efeito – aproxima quem está longe e substitui, mui-tas vezes, a interação pessoal. A professora de Psicologia das Or-ganizações da Faculdade de Psi-cologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FP-CEUC), Leonor Cardoso, explica que face à diminuição do contacto pessoal, “as pessoas passam a ter muita dificuldade na interação social e as competências [comu-nicacionais] deixam de se desen-volver”.

(In)competências O modo de utilização das tecno-logias reflete-se na qualidade das relações interpessoais que se estabelecem a todos os níveis.

A professora de Psicologia So-cial da FPCEUC, Lisete Mónico, adverte que “o problema está na utilização indiscriminada e indis-ciplinada [da tecnologia], que vai interferir nas relações interpes-soais”. A psicóloga social explica que existem quatro fundamentos determinantes no estabelecimen-to de relações interpessoais - “a familiaridade, a reciprocidade, a beleza exterior e a proximidade física”.

Sob uma falsa sensação de se-gurança e uma fácil manipulação de dados e atributos, a internet veio abalar estes princípios. Li-sete Mónico observa que “as pes-soas não têm que enfrentar, nem olhar nos olhos, criam o seu mun-do imaginário e um perfil ideal e a internet torna-se um refúgio”.

O mau desenvolvimento das competências sociais constitui umas das vicissitudes que mais prejudica o desempenho a nível organizacional. Leonor Cardo-so ressalta que “muito do que as pessoas precisam para trabalhar é conhecimento de natureza tácita, que só acontece com a capacidade de utilizar uma linguagem que é coletivamente construída e par-tilhada, a níveis que a tecnologia não possibilita”. A psicóloga orga-nizacional reforça que “as pesso-as que crescem com a vida muito montada em interações mediadas pela tecnologia acabam por ter

problemas mais tarde”.

Extensões humanasO vício é um perigo eminente quando aliamos a procura de re-lações interpessoais significativas às tecnologias. “A pessoa está no conforto do seu lar e foge para ter uma realidade virtual, o que aca-ba por tocar a fantasia - esse é o grande perigo, sobretudo para as crianças e adolescentes de agora”, alerta Lisete Mónico.

“As pessoas atuam de acordo com aquilo que esperam poder alcançar. Inventam-se e reinven-tam-se nos seus traços identitá-rios e de personalidade, entrando deliberadamente e hoje com mui-ta facilidade, num jogo de subs-tituições”, determina Carlos For-tuna. O investigador do CES olha para a tecnologia como extensões do ser humano. “As tecnologias fazem parte do nosso corpo, são uma prótese que acrescentamos e um convite à invenção da nos-sa condição”, acredita o sociólo-go, que não hesita ao dizer que esta circunstância “faz de nós um ‘cyborg’, que já não reage ape-nas como humano, mas faz esco-lhas muito relacionadas com este acrescento de identidade”.

Perigos disfarçadosLisete Mónico remata que “todas as pessoas têm uma ansiedade social”, que muitas vezes tentam

colmatar virtualmente, a fim de evitar a exposição e lidar com sentimentos como a frustração. “Esta realidade pode passar de um simples fator positivo para um refúgio, daí para um isolamento e depois para um vício que se tor-na num desperdício de vida”, sa-lienta. A professora da FPCEUC alerta ainda para problemas que possam ser acentuados por uma utilização desregrada das tecno-logias, como a fobia e a alienação sociais e comportamentos depres-sivos.

Os jovens são o público-alvo que merece mais atenção na aná-lise da utilização da tecnologia, incluindo-se no grupo de utiliza-dores mais frequentes e suscetí-veis. Na opinião de Lisete Móni-co, “os pais assumem um papel fulcral no controlo desta utiliza-ção”. A psicóloga social assevera que “os pais não devem proibir os filhos de utilizar a internet, devem alertá-los para os perigos, educá-los para uma boa utilização dos recursos e monitorizá-los”.

Leonor Cardoso conclui que “a sociedade muda e os cientistas, os investigadores e os técnicos colo-cam ao dispor meios que facilitam a vida das pessoas, sejam compu-tadores, micro-ondas, ou carros, o que é essencial é que as famílias saibam o que é nuclear e utilizem a tecnologia de forma saudável e funcional”.

a tecnologia trouxe inúmeras potencialidades à condição da vida humana. Vivemos, hoje, numa ‘aldeia Global’, onde os cantos mais longínquos do mundo se aproximam e muitas relações interpessoais se fragmentam. por inês martins, Juliana pereira e Carolina Varela

aS tiC naS relaçõeS interPeSSoaiS

Realidades paralelas

ILuStrAção por JuLIEN pAcAuD - www.JuLIENpAcAuD.com

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16 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

país

“A CRP é uma constituição disparatada”

DANIEL ALVES DA SILVA

“Os jovens terão futuro em Portugal?” – uma das ques-tões mais refletidas pelas no-vas gerações - foi debatida, no passado dia 9 de abril em Coimbra, numa iniciativa organizada pela Sociedade de Debates da Universida-de de Coimbra e a Funda-ção Francisco Manuel dos Santos. Com o objetivo de encerrar a sessão, António Barreto, convergiu as ideias para responder à grande in-certeza do futuro dos jovens. A resposta não é definitiva, mas sim um incentivo a mais debate. O sociólogo respon-deu a algumas questões, e não se inibiu a duras críticas à Constituição da República Portuguesa (CRP) e aos últi-mos executivos.

Já há algum tempo que de-fende uma revisão da CRP. PorquêHá dez anos que defendo isso firmemente. A CRP devia ser simplificada, e uma das questões essenciais da mudança da cons-tituição é dar a cada geração o direito de ter a sua. Isto é, se um governo ou uma maioria parla-mentar entende que não deve haver escolaridade obrigatória, então não haverá, se entender que não, não é a constituição que

deve proibir programas sociais e económicos. A população tem o direito de definir a qualquer altura os programas sociais, as instituições sociais, económicas e políticas nas quais quer viver.

E que entidades participa-riam nessa revisão?Devia haver durante um, dois, ou três anos de reflexão serena. E devia haver uma iniciativa do parlamento, que constituísse as comissões, os grupos de trabalho necessários; também os partidos políticos que, no parlamento ou fora dele, deviam também apro-fundar o seu trabalho; deveria haver uma iniciativa também do Presidente da República… Deve-ria existir um esforço convergen-te durante dois ou três anos no sentido de esclarecer e clarificar o modo como a CRP pode ser re-vista.

Como encarou o recente chumbo do Tribunal Consti-tucional (TC) de quatro arti-gos do Orçamento do Estado para 2013 (OE2013), justifi-cando-o com princípios da CRP?Há uma sucessão de erros e uma sucessão de asneiras. Primeiro, o Governo sabia que estava a calcar a constituição formal quando fez o OE2013 e critico que o Gover-no tenha feito isso. Em segundo lugar, penso que é bom que no país o TC tenha poderes reais e

possa emitir de vez em quando alertas ao Governo, mas, ao mes-mo tempo pela leitura que fiz do acórdão e dos considerandos e do TC, penso que o Tribunal está a ultrapassar as suas competências estritamente jurídicas e consti-tucionais. Está a divagar muitís-simo em matérias de programas políticos, sociais e económicos. O Governo cometeu erros, o TC ul-trapassou as suas competências. O Governo não devia ter feito cer-tos acordos conforme fez, mas de qualquer maneira é bom que o TC exerça o seu mandato. Mas indo mais atrás, a CRP é uma consti-tuição disparatada, é de tal ma-neira ‘prenha’ de considerações sociais, económicas, políticas o que vai dar lugar a isto e a muito mais. Vamos ter ainda mais pro-blemas, mais sarilhos com a CRP, porque a constituição é excessi-vamente social, política e progra-mática.

A reação do executivo não foi cordial. Ainda assim, considera que os tribunais deveriam prestar uma maior atenção à atividade governa-tiva?Os tribunais têm que reagir, não podem tomar uma iniciativa pró-pria, têm que reagir a quem apre-senta casos, a quem apresenta queixas, a quem apresenta pro-cessos. Portanto, se a sociedade apresentar queixas, os tribunais devem-se exprimir sobre isso.

Agora não é bloquear a ação do Governo, é sim intervir em casos de corrupção, promiscuidade, projetos políticos. Os tribunais devem intervir, mas devem inter-vir a pedido dos cidadãos, não po-dem ser proativos. Não compete a um tribunal tomar iniciativas de investigação sobre o que lhe ape-tecer ou sobre o que entender, ou então estamos a dar aos tribunais um papel de pura intervenção po-lítica.

Referiu numa entrevista ao Jornal I, em janeiro deste ano, o desejo de haver “uma alteração importante no modo como as autoridades, as forças políticas, as for-ças sociais, a população e os jornais encaram a discussão dos nossos problemas políti-cos, económicos e financei-ros”. Quatro meses volvidos, já encontra alguma altera-ção?As forças políticas portuguesas, as partidárias sobretudo, estão a discutir os problemas políticos nacionais como se fossem armas de arremesso. Eu atiro-te o de-semprego, tu atiras-me a dívida, eu atiro-te a taxa de juro… Isto não pode ser assim, há um momento adverso no parlamento, em que os partidos políticos discutem o que têm a discutir. Mas deve ha-ver um momento de cooperação e de colaboração. E os partidos políticos portugueses não sabem

cooperar e não sabem colaborar. Gostaria que o parlamento fosse uma assembleia mais serena e não aquele permanente “forro-bodó” de gritarias e de berrarias. O último Governo de Sócrates foi um disparate, um erro total e este Governo de coligação foi um novo erro. Há quatro anos que precisa-mos de ter uma maioria estável que dure quatro anos para evi-tar o que aconteceu em Portugal. Não é desta maneira puramente adversa, concorrencial, competi-tiva e de pequenas traiçõezinhas que os partidos fazem uns aos ou-tros. Isso é que gostaria que mu-dasse um dia. Mas já não é para a minha geração, infelizmente.

Deslocou-se a Coimbra para uma conferência da Funda-ção Francisco Manuel dos Santos, da qual é presidente do Conselho de Administra-ção, intitulada “Os jovens terão futuro em Portugal?”. Quais as respostas que saem deste tipo de debates?Nenhuma. A não ser as pessoas falarem o que têm para dizer. A única solução, a única proposta é: juntem-se, falem, discutam, debatam os vossos problemas, incluindo os que são diferentes e opostos uns aos outros, digam tudo o que têm a dizer. Se viver-mos num país onde todos dizem tudo o que têm a dizer, garanto que encontraremos mais solu-ções para os problemas.

António Cardoso Ana Morais

antónio barreto • PreSidente da Fundação FranCiSCo manuel doS SantoS

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30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 17

muNdo

“O caso Monte Branco, agora em investiga-ção, é sobre a transfe-

rência de fundos para a Suíça, que é conhecida por o nível de secretismo ser muito grande”, afirma o inves-tigador do Centro do de Estudos Sociais (CES), Nuno Teles, numa referência a um dos casos recentes que envolveram a transferência de dinheiro para centros ‘offshore’. Caracterizados pelo sigilo bancá-rio, na maioria dos casos, e pelo ausência de impostos sobre os ren-dimentos que nele são depositados, os centros ‘offshore’ têm sido o des-tino mais frequente para o dinheiro vindo de diversas fontes. Muitas vezes esses rendimentos provêm de fontes, mas noutros resultam ape-nas de um objetivo de redução de custos. O investigador do CES utili-za como o exemplo o nosso próprio ‘offshore’, a Madeira, no qual “exis-tem muitas empresas, mas que são sobretudo escritórios de advogados que representam várias empresas em simultânea”, sendo as mais--valias económicas para os madei-renses insignificantes.

Como destino para o dinheiro de diversos milionários espalhados por todo o mundo, os ‘offshores’ movimentam milhões diariamen-te. “Aproximadamente metade do comércio mundial e 30 por cento da riqueza mundial circula nestes circuitos, o que afecta toda a gen-te”, reitera Gerald Ryle, director do Consórcio Internacional para o Jornalismo de Investigação (ICIJ), a instituição responsável pelo des-poletar do caso Offshore Leaks. Os riscos inerentes a esta fuga de capi-tais são referidos pelo investigador do CES. “Os estados que dantes ti-nham uma receita fiscal deixam de a ter. Logo os constrangimentos fi-nanceiros das receitas que um esta-do tem que suportar são maiores, e isso tem efeito nos tipos de serviços que podem ser prestados”, reitera Nuno Teles. A reacção da socieda-de perante esta tendência tem sido menos pacífica do que é esperado. “Uns são livres de taxação enquan-to outros não. Isto gera muita raiva no setor público”, afirma o diretor do ICIJ.

Uma investigação globalO Offshore Leaks parte de uma investigação conduzida pelo ICIJ que é, como explica o diretor, “uma organização com 160 membros em mais de 60 países” que “colaboram e cooperam em reportagens inves-tigativas entre fronteiras”. A inves-tigação deste caso não é de agora, tendo começado “há alguns anos atrás na Austrália”, refere Gerard Ryle que afirma que nessa altura se deparou “com aproximadamen-te 2,5 milhões de ficheiros sobre o mundo dos ‘offshores’”. Há cerca de 15 meses atrás, a investigação tornou-se global, envolvendo gran-de parte do ICIJ, e mesmo alguns “grandes jornais internacionais, tais como o «Le Monde» ou «Wa-shington Post»”, refere o Jorna-lista do Expresso, Hugo Franco. O mesmo explica que a investigação do Offshore Leaks, conta com “re-gistos sobre contas secretas, trans-ferências de dinheiro e ligações entre empresas e indivíduos”. Re-sumindo, estamos perante “120 mil contas secretas em paraísos fiscais e bancos, que envolvem na sua gé-nese “cidadãos de mais de 170 paí-ses”, remata Hugo Franco.

A lista de personalidades envol-vidas neste escândalo inclui chefes de estado e de governo e presiden-tes de empresas públicas de diver-sos países conhecidos pela sua falta de democracia, como o vice-pri-meiro-ministro russo, Igor Shu-valov, ou a filha do antigo ditador filipino Ferdinando Marcos. “Os ‘offshores’ acabam por ser uma for-ma de lavagem do dinheiro prove-niente de corrupção, negócios ile-gais, tráfico de droga, armas que é canalizado”, afirma o investigador do CES. O envolvimento de perso-nalidades portuguesas oriundas do mundo dos negócios também não é posto de parte por Nuno Teles, que acrescenta “ter certeza que há portugueses com contas em cen-tros ‘offshore’, sobretudo nas Ilhas Virgens Britânicas”. Essa mesma hipótese é avançada por Gerald Ryle, que assevera que “havia al-guns nomes portugueses envolvi-dos, porém nem todos os nomes eram referentes a personalidades

públicas”. A possibilidade de pu-blicar esses mesmos nomes na im-prensa portuguesa é proposta pelo director do ICIJ, que revela que “se encontra em negociações com vista à publicação dessas informações”.

“Uma maior transparência” A investigação do Offshore Leaks irá ter à partida consequências. Havendo diferenças na análise que se faz das mesmas, parece ha-ver consenso no que toca ao alerta transmitido. Como refere Nuno Teles este caso pode vir a trazer “uma maior transparência” sobre o mundo das transações financeiras, na medida em que se “identificam pessoas”. O mesmo considera que é a complexidade dos ‘offshores’ que “determina que os paraísos fiscais sejam uma realidade muito dis-tante” e portanto é “mais difícil as pessoas engajarem-se politicamen-te para tentar combatê-las”. Outra consequência que poderá surgir, e que é assumida pelo Diretor do ICIJ, prende-se com o desmasca-rar das desigualdades marcantes que os ‘offshores’ promovem, na medida em que este sistema finan-

ceiro promove a livre taxação de uns e a ausência da mesma sobre os outros. É o velho caso de ser-mos todos iguais, porém uns mais iguais do que outros. Facto que é agravado principalmente se se tiver em conta os tempos de crise que se vivem.

No que toca aos efeitos que esta investigação poderá vir a ter direta-mente sobre os ‘offshores’, Gerald Ryle assume que isso estará envol-to num panorama mais político do que jornalístico. No entanto, consi-dera que o ICIJ foi capaz de atacar o “offshore” onde lhe dói mais, no secretismo. E sendo o secretismo uma peça basilar no obscurantismo financeiro, esta investigação surge no sentido de contrariar isso mes-mo. Porque afinal, e como esclarece o diretor da ICIJ, de que forma “se poderá vender secretismo, quando esse secretismo deixou de exis-tir”? Para o cronista do Esquerda.Net, Luís Branco, o cenário é mais “animador”. Isto, porque para além deste caso ter já tido consequências ao nível do debate francês sobre a fraude fiscal fez com que “outros países prometessem investigar os casos trazidos a lume”.

No que toca à exposição medi-ática que este caso está a ter algu-mas questões se podem colocar. É um facto inegável que diversas empresas de comunicação social têm capitais investidos em ‘offsho-res’ e que até ao momento não tem havido muita informação disponi-bilizada ao público em geral. Neste sentido, a dúvida que fica é de que forma esta relação poderá influen-ciar a transparência dos órgãos de comunicação social, que Luís Branco considera ser “essencial ao funcionamento da democracia”. Quando questionado sobre esta te-mática, o diretor do ICIJ considera que estamos perante uma investi-gação embrionária, tendo apenas sido analisados “30 por cento dos dados”. Para além disto, o mesmo lembra que “dado a escala interna-cional desta investigação é difícil que possa acontecer qualquer tipo de retenção ou manipulação de informação”, opinião que é parti-lhada por Luís Branco. No caso de Portugal, Nuno Teles admite que “o facto de não terem sido lançados nomes portugueses determinou um menor impacto nos órgãos de comunicação nacionais”.

‘oFFShore’ leakS

Outra janela indiscreta para o alerta global

D.r.

a investigação do “international Consortium of investigative Journa-lists” (iCiJ) – offshore leaks - pretende romper com o obscurantismo do secretismofinanceiro. por pedromartins e Gonçalo mota

Exemplo de um ‘offshore’ português é o Arquipélago da Madeira

Page 18: Edição nº 260

m, o vampiro de dusseldorf”

18 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

artesC

INE

MA

“”

os amantespassageiros

De

Pedro AlmodóvAr

Com

Antonio BAnderAs

PenéloPe Cruz

JAvier CámArA

2013

ChungairCrítiCa de joão terênCio

De Pedro Almodóvar pode dizer-se que não tem um título menos conseguido,

numa já extensíssima filmografia. No geral, os últimos títulos espe-lhavam um momento especial-mente conseguido da sua carreira: intrincado, a espaços autobiográ-fico e depurado na sua linguagem.

Há momentos, contudo, em que é preciso quebrar o ciclo. Fazer uma pausa, dar um passo atrás (ou ao lado) para ganhar fôlego e se-guir em frente. Aconteceu com os irmãos Cohen, para citar um exem-plo recente, em “Destruir depois de ler” - comédia tresloucada que deu espaço para o germinar de “Indo-mável” ou “Este país não é para velhos”. Ocorre ainda no universo da música, quando um disco vem a ser demasiado bem sucedido e se aposta, no seu seguimento, num registo conceptual para sacudir a pressão e deixar a poeira assentar.

“Amantes passageiros” é esse momento para Almodóvar, e a pri-meira comédia em 25 anos para o

cineasta espanhol, um dos mais sólidos da cinematografia mundial. É um regresso à estética do início da sua carreira mas também uma sátira a imagem que o público tem dele e da cultura a que é suposto pertencer.

Em traços largos, a acção de-corre a bordo de um voo que tem como destino o México -mas onde nunca chegará, devido a problemas no trem de aterragem. O espaço é o da classe executiva, onde passagei-ros o mais heterogéneos possível (há videntes, actores, ‘dominatri-xes’…) interagem entre si e com a equipa de tripulantes masculina com mais estrogénio de que há me-mória. Junte-se a isso um ‘cocktail’ “minado” e espere-se pelo fogo de artifício.

Num recente artigo que escreveu para a revista Tribe, o realizador assume a paixão pelo descontrolo e excesso que caracteriza a escola de representação mediterrânica - tudo isso é explícito no voo 2954 da companhia Península. Os cli-

chés sucedem-se: o universo gay, repleto de maneirismos, os ‘décors’ de cores saturadas, o amor pela década de oitenta e os musicais chunga (“I’m so excited”, das Poin-ter Sisters não podia surpreender menos, e até dá título ao filme no circuito internacional). Há ainda mulheres fortes e homens impulsi-vos e irracionais.

O elenco conta com caras fami-liares em Almodóvar como Cecília Roth e Lola Dueñas, que parece pronta para a passagem do teste-munho. O cineasta assume que en-carou as filmagens como se de uma peça de teatro se tratasse, por habi-tar quase só um espaço. Pena é que a filosofia ‘low-cost’ se estenda ao argumento (o episódio mais bem conseguido até decorre em terra, a estória do actor Ricardo Galán).

Numa daquelas listas de final de ano, Pedro Almodóvar incluiu os portugueses The Gift nos seus preferidos de 2012. Estranhamos, mas não levamos a mal. Desde seja como no título, passageiro.

VE

R

Estamos no início dos anos 30, o pós-guerra na Ale-manha trouxe graves

problemas de funcionamento à sociedade, vive-se o advento do período nazi. Enquanto isso, em Düsseldorf, Peter Kürten ater-roriza a população com crimes hediondos.

É com base nos crimes de Pe-ter Kürten, que viria a ser captu-rado e posteriormente executa-do na guilhotina, que Fritz Lang cria um dos seus filmes mais marcantes e inovadores. “Ma-tou” não é um simples policial, mas o retrato de uma Alemanha decadente e uma análise do com-portamento superficial do ser humano em geral. Peter Lorre, cuja interpretação sublime lhe valeria um trabalho com Hitch-

cock, encarna o papel de Hans Beckert, um introvertido citadi-no cujos horrendos flagelos pas-sam despercebidos por aqueles que o rodeiam.

O percurso sangrento de Hans acaba eventualmente por chegar a um fim. Com a polícia a fechar o cerco, o homem acaba por ser apanhado pela complexa rede de informadores do crime organi-zado, que havia montado a sua própria caça ao homem.

Fritz Lang serve-se de uma série de técnicas interessantes, como o importante uso dos re-flexos nas montras das lojas e toda a banda sonora obscura que acompanha o filme, sem esque-cer o icónico e ainda assustador assobio do assassino de crianças. O incontrolável impulso homi-

cida de Hans Beckert é exposto de forma crua num intenso mo-nólogo no final da película, que não deixa de emocionar. Dá-se o contraste entre um homem per-turbado e uma sociedade de pre-conceitos e receios, que encontra na loucura de um indivíduo um bode expiatório para a causa dos seus próprios desequilíbrios.

Considerada pelo próprio Fritz Lang como a sua melhor obra, “Matou” chega-nos como parte de uma restauração efetu-ada pelo ‘EYE FilmInstituteNe-therlands’ em 2000, numa ver-são de 110 minutos, menos sete minutos do que aquela apresen-ta na estreia de 1931, mas maior do que as versões de 98 minutos que circularam durante o século XX. Pedro trigueiroS

De

Fritz Lang

eDitora

dvd origens do Cine/divisA

1931

m: um assassino entre nós

FILME

Artigo disponível na:

Page 19: Edição nº 260

30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 19

Feitas

OUVIR LER

JOgAR

Junichiro Tanizaki é reconhecido em todo o mundo como um dos maiores escritores japoneses do

século que passou. Para além de uma vasta obra literária, colaborou em inú-meros guiões para cinema, o que teve uma influência determinante na sua escrita. Enquanto jovem, Tanizaki foi profundamente influenciado pela cul-tura ocidental, e esse é um dos temas fulcrais da sua obra, particularmente em “Naomi”.

“Naomi” é o título do livro e o nome da personagem pela qual o narrador está obcecado. E é por aqui que come-ço: obcecado, entendido à letra, signi-fica cego, como o amor que os antigos representavam vendado. Quanto ao nome próprio Naomi, significa em japo-nês “Amor de um Louco”, e actua como um sortilégio sobre o homem que narra esta história.

O narrador, Joji ou “Sr. Kawai”, é um engenheiro de 28 anos proveniente das classes altas do antigo Japão. Um dia, que poderia ser igual a tantos outros dias de uma vida pacata, conhece uma menina de quinze anos que trabalha como recepcionista de um lugar cha-mado Café Diamante. Até aí, Joji vivia entre a pensão, onde alugara um quar-to, e o escritório da sua empresa, com uma ou outra ida ao cinema ou ao café. Até que: “pus os olhos numa criança como aquela, mas é possível que ini-cialmente tenha sido atraído pelo seu nome.” Este primeiro olhar e o soar de

um nome são o ponto de partida para a história de amor entre Joji e Naomi. O livro pretende ser a descrição tão franca quanto possível dos sete anos de casa-mento, uma relação “sem precedentes” no mundo tradicional que o rodeava, no entender de Joji.

A narração vai conduzir-nos por uma época em que o Japão tradicional se viu confrontado com um avanço maciço da cultura do ocidente e em que o cinema teve um papel determinante. As estrelas de cinema exerciam um fascínio capaz de cegar e Naomi encarna um confron-to lancinante entre a beleza feminina de pendor japonês, que a protagonista despreza, e a beleza ocidental que vene-ra, tendo como modelos as actrizes do cinema americano. As suas feições são parecidas com as da actriz americana Mary Pickford, o que muito a lisonjeia, e a obsessão por esse rosto e a beleza que ele emana, arrastarão consigo Joji. É através de uma escrita minuciosa e de um forte poder evocador dos sentidos que o narrador vai desatando os fios de uma paixão ardente e a certa altura o leitor já não saberá quem é o louco des-te amor.

Para além do relato da atormentada relação conjugal entre Joji e Naomi, o livro funciona como uma subtil refle-xão acerca da mudança decisiva que a sociedade japonesa atravessou depois da Primeira Guerra Mundial e se veio a consumar ao longo do século.

Para nós, os estúdios Ghibli são a grande referência mundial no campo da animação, com

as obras de Miyazaki e Takahata a alcançarem um plano superior face à concorrência dos seus equiva-lentes ocidentais. Foi por isso com grande antecipação que recebemos a notícia do envolvimento dos estú-dios na produção de um artefacto vi-deolúdico. Movimento inaudito, não só por teremum historial conturba-do de adaptações a videojogos,como pelo facto do próprio Miyazaki ter expressado, sucessivas vezes no passado, o seu desdém pelo meio. Infelizmente, o detentor da honra dessa colaboração era a Level-5, o estúdio nipónico identificado pela produção de RPG’s de segunda como “Dark Cloud”ou os puzzles di-dácticos de“Professor Layton”… di-ficilmente um par à altura do desa-fio de adaptação da visão da Ghibli. O resultado, “Ni No Kuni”, é assim uma enorme contradição: de um lado tem alguma da sensibilidade humana e espiritual da melhor arte japonesa, e do outro temumjogode-rivativo e oportunistavindo de um estúdio orientado para a produção industrial de obras infanto-juvenis.

O fundo temático e a brilhante

arte conceptual da Ghibli merecem a mais cuidada das apreciações, e a deliciosa banda sonora de Joe Hi-saishi, apesar de não igualaras suas grandes composições, facilmente entra no domínio das melhores do género J-RPG. Só quea Level-5 ape-nastraduziuestas dimensões num plano iminentemente superficial,no processointroduzindo -na minúcia visual, na narrativa e no desenho lúdico - o tom infantil e sacarino que caracteriza os piores videojogos nipónicos. A elegância e sofistica-ção que caracterizam os melhores contos infantis requereria artistas dignos desse nome, capazes de en-tender que há algo mais em “Chihi-ro” que cor e brilho e forma, e como na Level-5 nunca tiveram essa alma, são incapazes de areplicar. Assim, debaixo da gloriosa tinta digital, apenas vive mais umJ-RPGcom en-redo de fantasia genérico, ersatz de “Dragon Quest” e “Pokemon”, e que ainda por cima se estende ao longo de 40 morosas horas repletas de combate fastidioso. Daí, écom pesar que reconhecemos Miyazaki tinha razão: nem a Ghibli conseguiria ofe-recer algo capaz de elevar o caldo videolúdico ao patamar da sua arte.

naomi”

rui Craveirinha

bruno Cabral

relevnt . b / sde _ lP. (s/r, 2013)”

“De uma forma es-tranha, Knxwled-ge abre um pouco

mais as portas ao ‘underground’ pouco profundo da internet. Um espelho de uma cidade num disco de loops para girar a noite inteira.”

Esta crítica não vem sem um engano. Não um reparo, mas um engano. Geográfico, coisa pouca, mas que para o disco em questão vem tão ao caso como julgar-se que se vai falar de hip--hop quando quase devíamos fa-lar de jazz. Knxwledge, prolífero produtor/master-looper/DJ/, chega-se à frente com relevnt . b / sde_LP., novo compêndio de ‘loops’ que são o espelho da sua cidade de origem – Filadélfia. Na fusão do jazz com hip-hop dos The Roots, mas principal-mente na espacialidade da soul de Filadélfia (ouça-se “War of the Gods” de Billy Paul).

É este ‘background’ – que Kn-xwledge parece conhecer de cor - que o ajuda a distinguir-se, ao criar um estilo que, por vezes, roça a reinterpretação da história do som de Filadélfia. A isto junta-se-lhe a execução de batidas tão ideais quanto disfuncionais – a síncope rítmica quase embriagada de J Dilla a influenciar uma nova geração de produtores.

A sorte, até ver, é que Knxwledge está a passar ao lado de um fenómeno de ritmo encabeçado por FLy Lo e Gaslamp Killer, mantendo-se no “gangster-samba” (entenda-se samba como uma alternativa à rigidez e métrica quase obrigatória do 4/4) e explorando uma versão mais “underground” e crua dos ritmos que se fazem sentir na soalheira L.A.

Louve-se, por fim, a frequência com que Knxwledge man-tém o seu Bandcamp preenchido com discos disponíveis na íntegra. À média de um por mês, os álbuns sucedem-se com ‘loops’ para todos os gostos, humores e apetites. No fundo, como se apregoa em ‘gettinkake’, este disco é puro “fuckin’ real chill, niggas’”.

máquina de fazer ‘loops’

De

de Knxwledge

eDitora

All City reCords

2013

joSé miguel Silva

De

JuniChiro tanizaki

eDitora

reLógio D’Água

1947

o amor de um louco

PLataForma DisPoníveis

Ps3

eDitora

KoJimA studios/PlAtinum

2013

“miyazaki tinha razão”

Artigos disponíveis na:

gUERRA DAS CABRAS

A evitar

Fraco

Podia ser pior

Vale a pena

A Cabra aconselha

A Cabra d’Ouro

ni no kuni – Wrath of the White Witch”“

““

Page 20: Edição nº 260

CArtAs AçoriAnAs

Os açorianos são portugueses, mas também são do resto do mundo. O arquipélago é terra de emigrantes que foram para os quatro cantos do planeta. Longe de casa, trocam cartas com a família e amores dis-tantes. É nesse universo que nasceu o espetáculo teatral “360 - Azorean Torpor”, que esteve em cartaz no TAGV entre os dias 26 e 27 de abril. O foco nas histórias e cultura açoriana inseriu-se na temática da XV Se-mana Cultural da Universidade de Coimbra, que terá várias atividades culturais até o dia 1 de maio.

O espetáculo, concebido e criado por Marta Félix e Ricardo Vaz, foi construído a partir de diversas correspondências trocadas entre resi-dentes dos Açores e seus familiares e amigos que emigraram. Esses do-cumentos foram reunidos pelos atores em São Miguel, uma das ilhas do arquipélago. Durante um mês vivenciaram o quotidiano de quem vive isolado do continente. O resultado desse trabalho de campo artístico é um espetáculo diversificado, que mostra de maneira subjetiva e hetero-génea facetas da cultura açoriana, a partir das palavras de quem lá ficou e de quem partiu.

Não há ordem cronológica em palco: algumas das cartas lidas no es-petáculo - reais, embora modificadas com objetivos artísticos - são do século XIX. Mas isso não impede que logo em seguida seja uma história dos anos 80, ou do ano passado que apareçam em cena. Essa série de pequenos eventos separados pelo tempo mostram que, independente-mente da época, permanecem as saudades de quem se foi.

A peça tem autoria da mais recente companhia de teatro de Coim-bra, o teatro toitoi, fundada este ano pelos próprios criadores da peça. O grupo está a mostrar que há sempre muita para se descobrir sobre o passado - e o presente - de Portugal.

Por Stephanie D’Ornelas

20 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

soltasuma ideia para o eNsiNo superiorCritiC’arte

José Torres Farinha • ProFessor Coordenador do insTiTuTo suPerior de engenharia de Coimbra

raCionaLizar ou agonizar

Em Portugal, as instituições de ensino superior públi-cas, privadas, militares e

policiais, e concordatárias, per-fazem um total de 105; são 26 os Laboratórios Associados e 378 as Unidades de Investigação e De-senvolvimento. No global, estas entidades totalizam 483 unida-des.

O crescimento médio anu-al de publicações científicas em Portugal tem sido muito elevado, mais do dobro dos países da União Europeia (EU), e mais do quíntuplo da média da UE. Contudo, a situação de Portugal no quadro da EU-25 é a seguinte: Drivers de Inovação - 24º lugar; Criação de Conheci-mento - 22º lugar; Inovação & Empreendedorismo - 8º lugar; Aplicação - 19º lugar; Proprieda-de Intelectual - 22º lugar.

Os dados precedentes levam-nos a reflectir sobre a coerência do sistema de ensino superior e investiga-ção nacional, face à aparente contradição entre resultados e dimensão.

Para além destes aspectos há ainda que destacar o dilema do sistema binário versus unário.

De facto, actualmente constata--se que, após mais de três décadas de implantação desta solução, em ambos os sub-sistemas se encon-tram nichos de excelência em áreas científicas diversas que, se reanalisadas numa perspectiva da racionalização do sistema levaria ao desenho de um novo mapa que privilegiaria a optimização de re-cursos de forma a potenciar o me-

lhor do conhecimento criado.Este exercício terá que ser

feito em complementaridade com a oferta de cursos que, sem terem que obedecer ape-nas a uma lógica de merca-do, carecem de uma urgen-te reflexão face ao gritante desequilíbrio entre a oferta e a procura nalgumas áreas de conhecimento.

Estas questões devem ainda ser conjugadas com outras que aqui sumarizo parcialmente: definição do número mínimo de alunos por curso/área científica, baseado em critérios pedagógicos e científi-cos; racionalização de recursos de Investigação e Desenvol-vimento; Carreira docen-te; Política de parcerias internacionais versus perspectiva estraté-gica nacional.

Importa ainda mencionar as ques-tões inerentes à re-gulação do sistema de ensino superior nacional, que devem enfatizar a autono-mia universitária, a liberdade de criação, mas com uma regula-ção efectiva que impeça a desvirtuação constante do sistema, tal como, recorrentemente a comunicação social denuncia.

A liberdade e autonomia de gestão tem que dar confian-ça de justiça a todos quantos contribuem para o engran-decimento do ensino supe-rior nacional. É nesta perspec-tiva que não se compreende como é que algumas instituições de en-sino superior mais parecem agên-cias de emprego para familiares e correligionários, do que centros de produção e difusão de saber – as instituições devem privile-giar a meritocracia, aos mais elevados níveis internacionais de referência, numa perspectiva pró--activa e motivadora para todos o s que dão o seu empenhado e

esforçado contri-buto, acredi-tando que é

por esta via que o país consegui-rá níveis de credi-bil idade e compe-titivida-de inter-

nacionais no seio dos

países mais desenvolvidos

do mundo.

D.r.

culturaporcá

D.r.

MúsicaCasa das artes • 22hs/ informação de preço

30ABR

Pique dAme

teatroCitaC

21h45 • 3€

até1MAI

“Aquário”

performanCeparque Verde do mondego11h00, 15h00 e 17h00

3€

1MAI

“linhA do horizonte”

Leiturasateneu • 22h00

entrada LiVre

3MAI

“se não for sexuAl, estA não é A minhA revolução!”

MúsicatagV • 21h307€ C/desContos

4MAI

António olAio & João tABordA

teatropáteo das esCoLas

19h00 • 5€ C/desContos

MAI

“o AmArgo sAnto dA PurifiCAção”

18

CinemaamsCaV • 21h301€ C/ desContos

MAI

“o mistério de oBerwAld”

14

CinematagV • 21h304€ C/desContos

6MAI

“fAusto”

dançatagV • 21h305€ C/ desContos

MAI

“novos CriAdores/novos rumores 2013”

15 e 164 e 5dança

omt • 21h305€ C/desContos

MAI

“ritos e rAstos”

Page 21: Edição nº 260

30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 21

soltas

T al como da religião, do fu-tebol diz-se por vezes que é o ópio do povo, conotação

provavelmente justificada, assim observemos a forma como vai entu-siasmando os seus sempre fiéis se-guidores, tresloucados como um hi-pocondríaco com acesso ao Google. Ópio será com certeza, tanto pelo tal cheirinho narcótico que compõe a sua fragância, como pelas manifes-tações de profunda irracionalidade que, como competente estupefa-ciente, provoca no mais equilibrado dos mortais. Pensemos em alguns dos nossos comportamentos, caros camaradas futeboleiros, e vejamos como padecemos da mais profunda demência. Insultamos senhores de negro, homens de família, médicos, advogados, contabilistas, nem que fossem padres, naquele momento são todos iguais, ladrões, corruptos e, acima de tudo, filhos de senhoras que desempenham actividades pro-fissionais de âmbito fiscal dúbio.

Defendemos milionários mima-dos, como se de irmãos nossos se tratasse, ele não queria agredi-lo, juramos, quase chorosos, ele só que-ria jogar a bola. Exultamos com os clichés que os tais regurgitam em frente a placards de publicidade, respiração ofegante e suor brilhando na testa, quais gladiadores saídos da arena, dizem, demos duzentos por cento, o Wellington é só mais um, ou o Juninho é só mais um, há que pen-sar jogo a jogo. Este gajo é o maior, comentamos no café, para além de um pé esquerdo que só visto possui uma verve de fazer corar o mais ins-pirado dos bardos. Vemo-nos num mundo de jornais desportivos e pro-gramas televisivos, perdidos entre frases feitas e insultos, bocas disfar-çadas e descaradas, paixões clubís-ticas exploradas, espremidas até ao último ponto percentual do share. O meu treinador disse isto, e o meu respondeu a isso, eh pá, mas o pior foi quando o comentador veio dizer

aquilo, espera até a figura histórica do meu clube souber disto e disser aqueloutro.

Discutimos com quem nunca pensámos, cegos pelo colorido das bandeiras, amigos deixam de se fa-lar, outros chegam mesmo a vias de facto. Tudo porque o caprichoso esférico de couro não pode agradar

a todos, nem sequer é o mesmo aos olhos de todos. Cada futeboleiro vê o seu próprio jogo e é dono exclusivo da verdade. ‘Penalties’, por exemplo, são paradoxos, nunca poderão exis-tir sem, ao mesmo tempo, não exis-tirem, e nessa discussão diremos, tu não sabes ver futebol, como se o sim-ples acto de ver futebol fosse a mais

intrincada das artes, só ao alcance de alguns predestinados.

Desequilibra-nos o futebol. De pe-nos a racionalidade, revelando a selvagem nudez da condição huma-na. Podemos até ter noção do des-tempero, reconhecer que somos di-ferentes ao pé de uma bola e quatro linhas, nada mudará. Berraremos o próximo golo da mesma forma, insultaremos o próximo árbitro da mesma forma. Nas bancadas, tam-bém abraçaremos o próximo desco-nhecido da mesma forma e, quando nos encararmos mutuamente, os olhos de loucos reluzindo de felicida-de, saberemos porque sacrificamos a lucidez.

(P.S. - A quem considerar que este espaço deveria conter mais actua-lidade estudantil: a Académica ga-nhou 1-0).*Por escolha do autor este texto não segue as regras do novo Acor-do Ortográfico da Língua Portu-guesa.

eNtre a arreGaça e o Calhabépor bacharel Jorge Gabriel aos Futeboleiros deste muNdo

por tiago salazar miCro-CoNto

Os dois irmãos (de sangue)

Virgílio era o mais velho dos géme-os. Fazia apenas cinco minutos de diferença de Adolfo, mas notava-se a diferença, pois Virgílio cultivava a idade avançada e aos cinco anos já usava o buço comprido, suíças grisalhas, uma bengala e as costas curvadas que corrigia com um ca-minhar altivo quando algum dos amigos do pai comentava «mas como o gilinho está um homem!». Nessas alturas, inchava o peito e, por instantes, perdia o aspecto corcunda de vírgula e ganhava a compostura de um ponto de ex-clamação. Antes dos oito anos, já Virgílio recitava a Eneida em gre-go exímio titubeando apenas, com fífias na voz, nas passagens alusi-vas a fêmeas (particularmente se-reias). Em dias piores, ou de maior

truculência, Virgílio chegava mes-mo a espetar a cabeça de alfinete no último decassílabo.

Adolfo era o oposto ao irmão, e tinha apenas em comum com este o facto de usar um chapéu em for-ma de dedal e ambos quererem se-guir o ofício de alfaiate. Em tudo o resto eram como água e vinho ou, se quisermos ir mais longe, como agulha e palheiro. Apesar das dife-renças, os gémeos entendiam-se, e só por uma vez Adolfo se picou com o irmão, quando Virgílio o ten-tou recrutar para o seu espinhoso protesto contra a classe feminina. Num assomo de raiva, Adolfo em-pinou a cabeça e não foi de modas, desferindo marrada atrás de mar-rada, ou bicada atrás de bicada, no corpo esquálido do irmão. Quando o pai entrou no quarto, alertado pelos gritos de “morte ao traidor” ou “morte ao paneleiro”, já com a

fúria de Adolfo no auge, as cabeças dos gémeos pareciam dois espigões de vespa a fulminarem os ares, ou duas lâminas de sabre num comba-te de espadachins. Como os filhos não parassem o duelo nem com a promessa de duas bolas de gelado de noz e uma ida ao circo, o profes-sor Isósceles atirou-se para o meio da disputa acabando trespassado pelos ferrões, um em cada orelha, sem que as pontas fizessem faísca.

O pau mandado

Tu vais ver como elas te mordem (disse para o botão esquerdo). O Gustavo era acima de tudo um bandido. Ninguém entendeu a im-portância de ser um bandido de 4ªs e 6ª feiras. Homem normal e evidente no resto dos dias, homem corriqueiro de poucas falas e ne-gócio aluado. Gustavo, o homem. Tão plausível como um honorável estafermo mas de quem a maioria (pouco esclarecida) dizia «é bom homem, não faz mal a uma mos-ca». Mas o pior é que fazia, um mestre ourives da pequena velha-caria doméstica perito em admo-estar mulher e filhos (por inverso ao papel do pajem de patrão) com subtilezas assadas e cozidas tais como assim: «Gustavo levanta o cu da cadeira e vai pôr a mesa (…) Tavinho vai dar banho aos meni-nos; Gustavo hoje não, desculpa, amanhã, mais logo, daqui a nada, é que estou outra vez com o maldito quebranto, tu sabes, tu conheces--me». E ele, umas e outras vezes, vigilante e medonho como a calma dentro da tempestade, vociferava «Já vou, já faço (cala-te cabra)» e nunca ia, nunca fazia, sempre o plácido e bisonho Gustavo.

Uma tarde mansa, terceiro dia de férias estivais, levantou o rabo da cadeira ao terceiro pedido in-sistente e cravou umas dúzias de

facadas (com navalha de pau) nos costados da mulher. Saiu então porta fora até à esquadra volante da Praia da Rocha. Confessou ao guarda de serviço (um tanto ou quanto desconsolado) estar farto de ser pau mandado (e sem poder usar o pau).

O amor é...

O mundo tinha acabado para lá daquela janela de rua negra e aqui estava eu, nu, impante e sem dia-léctica, alheio ao desabar da vida. Não estava sozinho, é certo. Alice coçava-me então os pés e fazia das dela por aí fora e por onde bem lhe apetecia (atreveres de canhota esperta) num dealbar de virtudes amorosas. Ali estava eu, sem ofício regular, na tesura dos humildes, animal fruste, igualha da Criação, rendido às belas artes do amor como se nada fosse. Nisto de aca-salares e paióis de ternura, esque-cido do tempo e dos avatares de homem que se quer homem, Alice lançou a questão de pitonisa.

- Valter será que o amor resolve tudo?

Alice tinha a pele lustrosa como uma lagarta estival apesar de não haver nesga de sol a trespassar as venezianas do quarto. Era um há-bito muito seu, lançar a filosofia a terreiro depois do amor. Ajeitei--me a 90 º. O colchão de palha ran-geu nas molas lassas. Olhei-a fun-do nos olhos de prata (sem resvalar para os mamilos papudos) e fiz por responder à altura de tão canónica pergunta.

- A minha avó dizia que o amor resolve tudo, até dias de muito breu. Se isto te ajuda.

Ficámos assim de conversas, a ver a noite descer, enlaçados e doces como duas abóboras meni-nas, aos beijinhos incandescentes. Havia um pára-raios no telhado

da igreja ao fundo da rua, e os fios finos e velozes dos raios entravam--lhe pelo bico adentro. As aves es-tavam recolhidas nos beirais, quie-tas como eu e Alice, sem trililis. Pombos nas calhas dos algerozes, gaivotas nos tapumes a sul, tordos nas ramadas das oliveiras a norte, e talvez estorninhos a leste, no ar-voredo da velha mata real tomada por um clã de romenos. Quando fazia este tempo de borrasca, a vida calava-se e havia tempo para a compreensão.

Natural de Lisboa, o escritor e jornalista Tiago Salazar trabalha desde 1991 em algumas redações do país como o diário de Noticias, semanário Expresso e jornal Públi-co, além de vários trabalhos ‘free lancers’ noutros jornais, tanto por-tugueses, como brasileiros. Tiago Salazar é licenciado em Relações internacionais pela Universidade Lusíada e desde criança já mostra-va talento para a escrita, quando aos cinco anos escreveu uma aven-tura de um detetive que procurava pistas pelo faro. O escritor consi-dera-se, atualmente, alguém que viaja e escreve para ganhar a vida. dentre as suas obras, a que o autor acredita ser mais relevante para o seu trabalho é o “Endereço des-conhecido”. Já em 2013 o escritor teve mais um trabalho lançado, o livro “Hei-de amar-te mais”.

Anna Charlotte Reis

TiAgO SALAzAR

41 ANOS

D.r.

ILuStrAção por cAroLINA cAmpoS

Page 22: Edição nº 260

22 | a cabra | 30 de abril de 2013 | terça-feira

opiNião

Coimbradavid branCo *

Coimbra, a cidade universitária portuguesa, aquela cidade de ex-celência no ensino superior (ES), com a universidade mais prestigia-da a nível nacional, aquela cidade da “poderosa” Associação Acadé-mica de estudantes mais antiga do país, aquela cidade plena de tra-dições académicas, aquela cidade onde se entoava o grito da “LIBER-DADE” no período do fascismo português; esta é a imagem que a cidade de Coimbra me transmitiu na altura da candidatura para o ensino superior. É a imagem histo-ricamente preservada da cidade e dos estudantes que lhe dão encan-to. Infelizmente a imagem actual é bem diferente.

Num período agora negro no nosso país, esta cidade revela-se impotente, a comunidade estu-dantil comodista e com apenas in-teresse naquelas afamadas noites académicas (entenda-se, quinta--feira) onde, incrivelmente, nas conversas de café, a conjuntura que a academia atravessa e a situa-ção económica nacional que afecta directamente a universidade são tema de conversa. A associação de

estudantes que a história faz como centro de contestação e revindi-cação dos direitos dos estudantes não passa agora de um centro de compadrio de “jotinhas”, onde predomina os interesses pessoais, e onde as contas da mesma são um mistério não resolvido, pelo que teremos de esperar por um “Sher-lock Holmes” que nos elucide para a sua verdadeira situação.

Temos que reforçar a ideia de que a realidade que nos cerca é a de cada vez mais alunos abando-narem o ensino superior devido à asfixia financeira que implica ter um filho academista. A propina, das mais altas nos países membros da União Europeia, é um sintoma desta doença terminal que esta a colocar a educação portuguesa li-gada às máquinas e sem perspec-tivas de melhoras.

As igualdades de acesso à edu-cação conquistadas desde a Revo-lução dos Cravos vão-se desvane-cendo com este “mau tratamento” orçamental. E tal como este golpe na educação, existem outros, como o facto de não haver uma reno-vação e um rejuvenescimento do

corpo docente da universidade. Já os mestrados e doutoramentos são uma miragem para muitos dos alunos, pois esses círculos acadé-micos tornam-se inviáveis econo-micamente para a larga maioria estudantil, sendo, cada vez mais, deixados para segundo plano. Também devido a Bolonha e por não serem uma prioridade no ensi-no por parte do nosso estado. Um erro crasso destas políticas devas-tadoras que nos retiram tudo o que até agora conseguimos conquistar na educação. É na inovação cientí-fica que está o caminho a delinear, é a inovação científica que marca as universidades com um selo de prestígio, mas é o que cada vez me-nos acontece, devido a esta falta de oxig€nio.

Este “gasparismo” que o reitor “aceita” e que a comunidade estu-dantil universitária se CONFOR-MA é visível nos débeis serviços da universidade. O que resulta é uma política de fecho das cantinas, é a das más e deficientes condições nas residências universitárias, e é a de uns Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra com-

pletamente estrangulados.Neste panorama, a Direção-

-geral da Associação Académica de Coimbra nada faz para defender os interesses e direitos dos alunos, abstêm-se nas acções de luta con-tra esta ceifa ao ES. Já a “discote-ca” que era o bar da AAC encerrou portas com a expiração da conces-são, e é caso para dizer: finalmen-te… Quando é que será aquele bar verdadeiramente universitário e os seus lucros revertidos para bolsas em vez de benesses a privados?

Ora, internamente, a AAC não se organiza nem se organizará com “sempre os mesmos” lá den-tro. Como é que alguma vez, como outrora, a AAC é capaz de comba-ter estas políticas insanas, deste governo que está a transformar as universidades num estado catató-nico e mover a massa estudantil na luta (que deveria ser primordial) por um verdadeiro ensino supe-rior. Ó Coimbra dos Estudantes, do Mondego, e que encanta na hora da despedida, por onde andas tu?*estudante da Faculdade de Le-tras da Universidade de Coimbra

é na inovação científica que está o caminho a delinear, é a inovação científica que marca as universidades com um selo de prestígio, mas é o que cada vez menos acontece, devido a esta falta de oxigénio”

Cartas à Diretora

A Cabra errou: Na edição 259, a crítica de CD foi erradamente intitulada. Onde se lê “brilhanti-na contemporânea”, deve ler-se “AVC, No Karma, Futuro e Pre-sente”.

Na mesma edição, o artigo “Bar dos Jardins da AAC abre ainda este mês”, elaborado por Liliana Cunha com Beatriz Barroca. Não tendo sido esta última menciona-da na assinatura do artigo.

Aos visados e leitos, as nossas desculpas.

A Direção

Cartas à diretorapodem ser

enviadas para

[email protected]

ANA morAIS

Page 23: Edição nº 260

30 de abril de 2013 | terça-feira | a cabra | 23

opiNião

Secção de Jornalismo,Associação Académica de Coimbra,Rua Padre António Vieira,3000 - CoimbraTel. 239410437 e-mail: [email protected]

Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº183245/02 Registo ICS nº116759Diretora Ana Duarte Editora-Executiva Ana Morais Editores Rafaela Carvalho (Fotografia), Liliana Cunha (Ensino Superior), Daniel Alves da Silva (Cultura), João Valadão (Cidade), Carolina Varela (Ciência & Tecnologia), António Cardoso (País & Mundo) Paginação António Cardoso, Carolina Varela, Ian Ezerin, Rafaela Carvalho Redação Ana Francisco, Beatriz Barroca, Daniela Pro-ença, Ian Ezerin, João Martins, Joel Saraiva, Pedro Martins Colaborou nesta edição Anna Charlotte Reis, Camila Correia, Daniela Gonçalves, Gonçalo Mota, Inês Martins, Joana Guimarães, Juliana Pereira, Margarida Fidalgo Pais, Pedro Trigueiros, Rafaela Vilão, Stephanie D’Ornelas Fotografia Ana Morais, António Cardoso, Catarina Carvalho (#cc), Daniel Alves da Silva, Daniela Proença, Inês Silva, Patrícia Cunha, Rafaela Carvalho (#rc) Ilustração Carolina Campos, Joana Cunha, João Pedro Fonseca Colaboradores permanentes António Matos Silva, Bruno Cabral, Camila Borges, Camilo Soldado, Carlos Braz, Catarina Gomes, Fábio Rodrigues, Filipe Furtado, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, José Miguel Pereira, José Miguel Silva, Luís Luzio, Manuel Robim, Rui Craveirinha, Tiago Mota Publicidade António Cardoso - 914647047 Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: [email protected] Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, José Torres Farinha, Tiago Salazar

eDitoriaL

O associativismo há muito que tem andado inconstante. Há ideias, pode até haver vontade, mas a con-cretização nunca traduz o que real-mente se passa hoje nas universi-dades do país. No microcosmos de Coimbra, a situação torna-se mais gravosa.

O último plano de ações proposto em Assembleia Magna (AM) do dia 10 pela Direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) era arrojado. E isso era algo que já não se via há algum tempo; mos-trava descontentamento. Por mo-mentos, os estudantes (pelo menos aqueles que estiveram na Cantina dos Grelhados – que, mais uma vez, não eram assim tantos como isso) ouviram o seu presidente e puderam pensar que a mudança de postura dos dirigentes estava encaminhada.

Mas em jeito de balanço daquilo que foi uma viagem a Lisboa, ao Minis-tério das Finanças, uma “manifesta-ção” do Largo D. Dinis à Praça 8 de Maio, e mais uma viagem a Lisboa, desta feita ao Ministério da Educa-ção e Ciência, o que ficou? Nada. Sobre o fecho do edifico da AAC (outra das ações propostas) nada se pode adiantar, dado que o dia cor-reu numa total normalidade, ape-nas com uma pequena diferença: a entrada fazia-se pela porta traseira.

Ainda no que diz respeito à estada junto do Ministério das Finanças, há muito a dizer. Depois de uma partida demasiado repentina para a capital, DG/AAC e núcleos tiveram uma quebra de comunicação agra-vada, que já vinha do Fórum AAC. A “crise política” está instalada no número 1 da Padre António Vieira,

ainda que o possam negar.Há, no entanto, algo a ressalvar.

No protesto do 17 de Abril, DG/AAC e movimentos estiveram concerta-dos, algo que já não acontecia há algum tempo. Mas é apenas isso. De resto, é mais do mesmo: pouca mo-bilização, pouca divulgação. Mesmo que os estudantes tenham o dever e obrigação de se informarem sobre todas as ações que a eles dizem res-peito, a DG/AAC tem de saber atrai--los. As SMS’s não servem só para ser utilizadas em dia de eleições ou para uma votação repentina numa AM.

O que se passa numa associação académica como a de Coimbra não é mais do que um reflexo do que se passa no país. Há momentos turbu-lentos dentro do “governo”, há que-bra no diálogo e na confiança entre

os parceiros. Faz-se um brilharete de vez em quando “para inglês ver”, que quase nunca traz resultados concretos, e fica-se na mesma.

Mas por trás de um governo há sempre um grande povo. No mi-crocosmos académico, seguindo uma lógica de adaptação a realida-des, por trás de uma Direção-geral, deveria haver um movimento es-tudantil forte. Aqui reside a diver-gência de “realidades”: enquanto que no primeiro cenário, perante os ataques sociais, o povo responde e vai para a rua contestar, no segundo temos um corpo estudantil adorme-cido e desinteressado, cuja preocu-pação atual é juntar trocos para o bilhete geral da Queima das Fitas e comprar os melhores trapos para um baile de gala.

Por Ana Duarte

o que se passa numa associação académica como a de Coimbra não é mais do que um reflexo do que se passa no país. há momentos turbulentos dentro do “governo”, há quebra no diálogo

Cartas à diretorapodem ser

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a DormênCia que não mata, mas Corrói

ANA morAIS

Page 24: Edição nº 260

pubLIcIDADE

pubLIc

IDA

DE

quântiCa Dos sentiDos Por PatríCia Cunha

Ela aproxima-se. Faz o ar tremer, tocando as suas par-tículas com astúcia desinte-ressada, passeando as suas formas pelos átomos. Rodan-do as curvas no mecanismo atmosférico. Os seus braços, alavancas, coordenam-se, qual sistema de rolamentos no adensamento do vazio. O tempo esvai-se pelas narinas e o peito faz equilibrismo na balança avariada do espaço. Os passos constantes escon-dem o tique-taque inquietado dos batimentos. Esguichos desengonçados passeiam os ventrículos. Entram desalma-dos, sem nexo, esbarram-se contra os limites. Um charco de sangue suspenso é sugado por um cano fino até ao nada.

200 x 100

Um olhar mais atento a quem por cá anda há mais anos é a inspi-ração. Atentar às rotinas dos idosos e sinalizar casos mais prementes de solução é o objetivo do projeto “Sen-sibilização/Sinalização de idosos”, promovido pela Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais. Como uma das maiores freguesias do país, a incapacidade para responder a todos os casos não é motivo de des-motivação. Em conjunto com várias entidades parceiras, a filosofia de “favores em cadeia” quer-se reavi-vada, através do encaminhamento dos casos mais urgentes pelas várias instituições. Desta feita, é de aplau-dir quem se dispõe a ajudar a passar o tempo aos mais velhos.A.M.

O regresso de Eduardo Melo ao movimento associativo dá-se pela presidência de um organismo mui-to desconhecido pelos estudantes. A Federação Académica para a In-formação e Representação Externa criada em 2001 sempre careceu de uma estabilidade na sua dire-ção. Eduardo Melo quer dar um contributo de maior suporte entre academias e estabelecer um ponto de contacto entre as políticas deci-didas em sede europeia e o que se passa cá. No entanto, com os no-vos constrangimentos ao financia-mento no Ensino Superior, muito pouco se poderá fazer para mudar os tempos. Exercer pressão através do FAIRe é bom sinal.L.C.

A Constituição contém, de forma aumentar o seu âmbito de atuação, tarefas e preocupações sociais. O so-ciólogo considera a Constituição ex-cessiva em considerações políticas, económicas e sociais. Contudo, me-nos considerações sociais não pro-porcionam uma verdadeira proteção aos cidadãos, esmorecendo o lado social que é devido ao Estado. Bar-reto considera ainda hipótese de ser dada a oportunidade a cada geração ter a sua constituição. Porém, não tem em conta sistemas de proteção que impeçam alteração de eixos ba-silares, protetores de um Estado de Direito, no que consigna áreas como a política, a economia e a proteção social.A.C.

Junta Freguesia de Stº António dos Olivais Eduardo Melo António Barreto

jOrNal UNiVersiTáriO de COimbra

acabra.netMais informação disponível em

PÁg. 2 e 3 PÁg. 5 PÁg. 16


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