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PRODUÇÃO DE MORADIAS E EXPANSÃO DA PERIFERIA:
NOVA DINÂMICA TERRITORIAL URBANA EM TRÊS LAGOAS/MS*
ARANHA-SILVA, Edima**
Introdução
O propósito deste estudo é compreender e revelar a forma como a produção de
moradias contribui para a expansão da periferia da cidade de Três Lagoas/MS, por conseguinte,
promove sua dinâmica territorial, em que atualmente, ocorrem intensas mudanças sociais,
econômicas e políticas pela estruturação de um Parque Industrial.
Simultâneo ao recente processo de industrialização aumentou a demanda por
serviços públicos e moradias com a chegada de pessoas em busca de trabalho, e que, somados ao
déficit habitacional já existente, tem pressionado o poder público a destinar investimentos para
melhoria da infraestrutura, dos equipamentos urbanos e, com mais vigor, para definir nossos
espaços para construção de unidades de moradias.
Nesse sentido, estão sendo criados novos loteamentos para construção de
condomínios horizontais fechados e de conjuntos habitacionais populares, para moradores de
classes sociais distintas e diferenciadas. Com isso, a periferia se expandiu e os problemas
urbanos se intensificaram, seja pela precariedade e falta de acesso aos serviços públicos, pela
distância dos locais de trabalho, seja pela incapacidade em pagar para morar, seja ainda, pela e
super valorização da terra e intensa especulação imobiliária.
A (re)estruturação, requalificação, (re)centralização de uma cidade pode ocorrer
simultaneamente devido o seu processo de expansão, o que torna o território urbano mais
complexo, fragmentado e a interação social se dá por meio das relações interpessoais e coletivas.
Os procedimentos metodológicos pautaram-se na revisão da literatura pertinente à
temática da pesquisa, cujo construto teórico possibilitou o entendimento da tessitura do território,
bem como o papel e as relações de poder de diferentes agentes sociais que interagem de modo
antagônico e combinado, com finalidades específicas no processo de (re)fazer a cidade,
territorializando alguns, desterritorializando muitos e delineando as multiterritorialidades
urbanas. E ainda, evidenciou-se que o papel do Estado, enquanto agente social, ao fazer e refazer
a cidade privilegia os atores sociais detentores do poder e do capital.
* Trabalho vinculado a uma pesquisa financiada pela FUNDECT/MS e realizada junto ao LETUR/UFMS –
Laboratório de Estudos Urbanos e do Território. **
Doutora em Geografia, Professora do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Geografia/UFMS; Tutora PET
Geografia/UFMS, Bolsista/FNDE/MEC – [email protected]
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Porque morar é preciso
Os lotes destinados às moradias populares nas cidades brasileiras são muito
pequenos, infringem a legislação urbanística, o que resulta na construção de unidades
habitacionais com área construída reduzidíssima, como pondera Villaça (1986, p. 61): “A cidade
crescerá de forma caótica, sem o zoneamento ou a regulamentação dos loteamentos. Ao mesmo
tempo, entretanto, e contraditoriamente, se reconhece que, se os lotes destinados aos loteamentos
populares for produzido segundo os requisitos da lei, ele será caro demais para os pobres”.
A falta de moradia para uma parcela significativa da população urbana força a
organização de movimentos pró moradias, por meio de ocupações de terras urbanas ociosas, seja
pública ou privada, por meio de casas improvisadas, muitas vezes em áreas de risco, como
encostas, fundos de vale, antigos aterros sanitários ou lixões. E ainda, a ocupação se dá em
prédios condenados pela defesa cível e que oferecem risco de morte para os ocupantes.
Uma das características das deficiências no ordenamento territorial urbano é o
notável crescimento de favelas ou de moradias improvisadas, tendo como conseqüências sociais
a explosão da violência urbana, e que se atribui, muitas vezes, às lideranças populares a
responsabilidade por aquilo que é resultado de um processo alimentador da desigualdade social e
da concentração de terra, renda e poder (MARICATO, 1996).
Ora, o solo e as benfeitorias são atributos do espaço urbano dos quais nenhum
indivíduo pode dispensar. Não existe sem ocupar espaço; não se pode trabalhar sem ocupar um
lugar e fazer uso de objetos materiais aí localizados; e não se pode viver sem moradia de alguma
espécie (HARVEY, 1980). E é essa necessidade incondicional que acirra a disputa pela terra
urbana, tornando-a uma mercadoria, com valor de troca e não valor de uso, ou seja, a terra
urbana não cumpre seu papel social.
Segundo Corrêa (1995, p.21), na sociedade capitalista não há interesses das
diferentes frações do capital envolvidas na produção de imóveis em “produzir habitações
populares. Isto se deve, basicamente, aos baixos níveis dos salários das camadas populares, face
ao custo de habitação produzida capitalisticamente”.
A construção barata tem sido uma exigência intrínseca ao negócio imobiliário, pois
“os níveis de remuneração dos trabalhadores não permitem aluguéis elevados. Os cortiços, as
casas coletivas, a autoconstrução, os conjuntos populares são, portanto, essenciais para a
reprodução da força de trabalho a baixos custos” (BONDUKI, 1998, p. 39).
Para Lefebvre (1999), a questão da habitação popular pode ser apreendida à luz do
desenvolvimento capitalista, que materializa na cidade os processos de trabalho e tem
implicações severas na dinâmica territorial urbana.
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Os moradores das favelas não se instalaram logo de início no barraco onde moravam. Foram
se deslocando no espaço urbano, numa trajetória de filtração descendente, dentro do
processo de valorização da terra urbana e do empobrecimento da classe trabalhadora, das
áreas centrais para as periféricas, das casas de alvenaria para os barracos das favelas
(PASTERNAK, 1997 p. 54).
Nesse sentido, expõe Cardoso (2003), acerca da intervenção do Estado junto aos
bairros onde vivem pessoas muito empobrecidas:
Deve-se construir um consenso sobre a necessidade de mudar a política de erradicação das
favelas por ações de urbanização que preservem o patrimônio construído e, garantam a
segurança de posse, provendo a infra-estrutura, permitindo o investimento dos próprios
moradores nas melhorias habitacionais (p.12).
O problema da habitação popular está imbricado aos indícios de segregação espacial.
Pois se “a expansão da cidade e a concentração de trabalhadores ocasionam inúmeros problemas,
a segregação social do espaço impede que os diferentes estratos sociais sofram da mesma forma
os efeitos dos problemas urbanos” (BONDUKI, 1998, p. 20), por conseguinte, torna a dinâmica
territorial complexa e contraditória.
O autor é contundente ao afirmar que:
[...] transferir para o Estado e para os trabalhadores o encargo de mobilizar os recursos e o
esforço necessário para enfrentar o problema da moradia popular, vai ao encontro do desejo
da elite: eliminar as moradias precárias do centro da cidade e segregar o trabalhador cada vez
mais na periferia (Idem, p. 77).
O pressuposto teórico de Bonduki (1998 apud FERREIRA, 2004, p.4) remete ao
questionamento da realidade três-lagoense. Trata-se, portanto, de uma situação contraditória:
para financiar a montagem do Parque Industrial em Três Lagoas é preciso reduzir a forte atração
que a propriedade imobiliária exerce como campo de investimento, mas a industrialização requer
condições básicas de sobrevivência na cidade, como o alojamento para os trabalhadores.
Para Rolnik (2010), sob a justificativa de diminuir custos para permitir o acesso à
casa própria, a habitação popular produzida pelo poder público historicamente foi erguida fora
dos centros urbanos, geralmente em “terrenos desprovidos de infraestrutura, equipamentos
públicos, serviços essenciais e oferta de emprego, ou seja, na não-cidade” (p. 12).
O modelo de produção habitacional pelo poder público, com redução dos custos por
meio da aquisição de terras longínquas e baratas e produção em larga escala contribuiu para o
agravamento do processo de periferização. Segundo a autora “este processo tem como resultado
mediato a demanda de enormes investimentos não contabilizados inicialmente e potencializa
problemas de deslocamentos e de vulnerabilidade social” (12).
Para Vainer (2010), além de segregados e distantes do mercado de trabalho, os
grandes conjuntos habitacionais se degradam, agudizando o empobrecimento de seus moradores.
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Nesse sentido, a definição da propriedade da terra não ocorre apenas no espaço
agrário, mas também no espaço urbano, e, com a intensificação do processo de
urbanização/industrialização, esta questão se intensifica (RODRIGUES, 1998).
A intervenção do Estado direta ou indiretamente, se torna necessária. Indiretamente,
através do financiamento aos consumidores a as firmas construtoras, ampliando a demanda
solvável e viabilizando o processo de acumulação capitalista e, diretamente, o próprio Estado é o
produtor das unidades habitacionais.
Para Gomes (2002) é inegável, no entanto, que a intervenção do Estado em termos de
habitação de interesse social, possibilita algumas condições para a constituição de uma cidadania
real, embora através dessa intervenção se reproduza a oposição entre dominantes e dominados de
forma mais complexa, compreendendo uma participação subordinada dos dominados.
O recente programa federal “Minha Casa, Minha Vida” é insuficiente do ponto de
vista quantitativo, além de reproduzir a prática de periferização da pobreza, afastando os
trabalhadores do mercado de trabalho, por conseguinte, precarizando ainda mais sua vida, pelo
encurtamento do seu tempo e da sua renda. Dito de outro modo, gasta-se muito tempo no
percurso entre casa-trabalho, e mais, do já tão pouco, dinheiro com o transporte urbano.
As políticas de urbanização planejadas e conduzidas pelo Estado, por meio de
programas diversos, apenas atenuam as distorções no processo de urbanização das cidades, pois
as desigualdades sociais presentes têm suas raízes na própria formação social e que é decorrente
das relações sociais estabelecidas entre os moradores urbanos, não apenas em nível local e no
espaço de moradia, mas fundamentalmente a partir das relações de trabalho. Pressupõe que a
incapacidade do Estado em formular e implementar uma política habitacional consistente seja
uma das causas da formação, expansão e consolidação de soluções informais de produção de
moradia, entre elas, o padrão periférico de crescimento da cidade.
Para Rodrigues (1998), espacialmente mudam as características da habitação. Há
grande diferenciação entre as moradias dos bairros, tamanhos dos lotes, das construções, da
“conservação”, de acabamento das casas, as ruas – pavimentadas ou não –, se há iluminação,
esgoto, dentre outros. Para se ter noção da segregação espacial urbana. Ao mesmo tempo, há
espaços servidos de infra-estrutura e outros com grande densidade de ocupação, mas com
rarefação de serviços. Isto significa que “a diversidade não se refere apenas ao tamanho e
características das casas e terrenos, mas à própria cidade” (Idem, p.11). É reflexo e
condicionante das desigualdades sociais, que se materializam na dinâmica territorial urbana.
Há crise habitacional sempre que se considera a incapacidade de pagar dos
compradores, quando o ritmo da urbanização é tanto, que o ritmo das construções de habitação
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não a acompanha. O problema da moradia é concreto para quem conta com recursos limitados,
pois a oferta de imóveis no mercado não é compatível com seu poder de compra.
Com o recente processo de industrialização e a expansão do tecido urbano por meio
de novos loteamentos para construção de moradias devido o aumento da demanda Três Lagoas
vivencia intensa especulação imobiliária, que segundo Rodrigues (1998), está relacionada com a
ocupação da cidade, cujos mecanismos podem ser praticados de várias formas.
A mais comum, por estar relacionada a um único grupo incorporador, refere-se ao
interior da área loteada e diz respeito à retenção deliberada de lotes. Em geral, se vende
inicialmente os lotes pior localizados – em relação a equipamentos e serviços – para, em seguida,
gradativamente e à medida que o loteamento vai sendo ocupado, colocar os demais à venda. A
simples ocupação de alguns já faz aumentar o preço dos demais lotes, valorizando o loteamento.
Essa prática usual, uma queixa plangente, é uma forma de “ocupação programada,
onde é comum deixar-se lotes estrategicamente localizados para a instalação de serviços e
comércio de abastecimento diário – padarias, açougues, farmácias – os conjuntos comerciais”
(Idem, p.21), ou como prefere Corrêa (1995), vão formando os centros comerciais secundários
ou subcentros comerciais. Esta multicentralidade, ou cidade polinucleada, como preferem
Castells (1983) e Lefebvre (2004), já é realidade em Três Lagoas (ARANHA-SILVA, 2009).
Cabe ao Estado, enquanto ator social produtor e ordenador da cidade, possibilitar a
produção de moradia digna aos moradores de todas as classes sociais, com infraestrutura básica e
serviços públicos, pois se entende que esse compromisso é uma prerrogativa para tornar as
cidades mais justas e humanas.
Carlos (2004, p. 147) reforça essa discussão: “[...] a luta pela moradia não é a luta
por um „teto mais serviços‟, mas a luta pela vida contra as formas de apropriação privada”. As
formas de apropriação do espaço urbano apontam para a necessidade de se transpor as
dificuldades e barreiras que se interpõem, notadamente, aos mais empobrecidos, e de se rever a
construção por outra lógica, em que a cidade não seja vista apenas como algo intercambiável ou
como valor de troca, mas como local da possibilidade de reprodução da vida.
Na concepção de Lefebvre (2004, p.116): “O direito à cidade não pode ser concebido
como um simples direito de visita ou de retorno às cidades [...] Só pode ser formulado como
direito à vida urbana, transformada, renovada”. Destarte, o problema da moradia apresenta-se
como resultado da apropriação diferenciada do espaço, pois uma parcela da população não
possui condições de inserção no mundo da mercadoria. As condições de moradia revelam que:
[...] a extrema desigualdade bem como a fragmentação dos lugares submetidos à apropriação
privada. Neste plano também se revelam os atos que produzem a cidade dentro dos estritos
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limites da produção econômica, enquanto condição da produção/reprodução do capital [...]
(CARLOS, 2004, p. 140).
Sobre os vazios urbanos, Rolnik (2010, p.10) destaca que ao mesmo tempo em que a
lógica de expansão horizontal urbana tem sido o modelo de urbanização da maioria dos
municípios brasileiros, “um dos elementos que compõem esta lógica é a grande quantidade de
vazios urbanos em áreas consolidadas e a consolidar”. Essa é uma realidade também vivenciada
em Três Lagoas, que tem se acentuado ainda mais, nos últimos 5 anos.
Com a intencionalidade de se expandir a malha urbana, se constata a existência de
terrenos urbanos vazios e sem função social no interior da cidade, os quais se formam como
resultado de “processos desarticulados de aprovação de loteamentos ou práticas conscientes de
especulação imobiliária e permanecem como resquícios internos à cidade, dificultando a
locomoção urbana e subutilizando a infraestrutura investida ao longo destas áreas” (Idem, p. 11).
Nessa perspectiva, Rolnik (2010) se posiciona contra os vazios urbanos e aponta
razões pelas quais se deve combater essa prática, a fim de:
Cumprir a função social da propriedade;
• Utilizar todo o potencial investido na infraestrutura urbana já existente;
• Evitar desarticulações viárias;
• Evitar que estes locais se transformem em lixões, becos e ou terrenos baldios inseguros;
• Evitar o uso especulativo da terra;
• Promover a utilização adequada dos espaços da cidade, de acordo com suas demandas.
Ora, se viver na cidade pressupõe, dentre outros, o direito à moradia, enquanto
território concebido e vivido, logo se concebe que muitos sujeitos urbanos se encontram
desterritorializados. O entendimento do território é que se trata de uma categoria geopolítica,
cuja tessitura se dá pelas ações políticas e socioeconômicas e que remetem às relações de força e
poder. Para Santos (2007), o território é categoria fundante do trabalho; o lugar da residência,
das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida, e, quanto maior a complexidade das
relações externas e internas requer maior controle e regulação: “[...] e se levanta a necessidade
do Estado: o Estado e os limites, o Estado e a produção, o Estado e a distribuição, o Estado e a
garantia do trabalho [...]” (Id., p. 16).
A partir desse pressuposto, se entende que o território pode ser definido nas suas
desigualdades a partir da idéia de que “a existência do dinheiro no território não se dá da mesma
forma. Há zonas de condensação e zonas de rarefação do dinheiro” (Ibid., p. 17). Ao configurar
um dado território e nele estabelecer as relações de produção, as transações e a reprodução dos
meios produtivos, as empresas buscam o apoio do Estado.
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Nessa perspectiva, Três Lagoas se postula como um território-zona/território-rede de
condensação (HAESBAERT, 2004) na medida em que viabiliza, sob a ideologia e égide do
desenvolvimento, a reprodução ampliada do capital industrial nos contextos local, nacional e
internacional. Três Lagoas tem sido propalada como o lócus do meio técnico-científico-
informacional (SANTOS 1994), o lugar de oportunidades. Oportunidade para que os atores
sociais que detêm o controle da terra e os meios de produção reproduzam de modo ampliado o
seu capital, com base na superexploração da força de trabalho, exaustão do meio ambiente e
empurrando as famílias dos trabalhadores e os mais empobrecidos para a periferia. Ademais,
esses atores sociais, contam com o aparato estatal, o que lhes dá legitimidade.
Ora, o urbano é cumulativo de todos os conteúdos, resultados da indústria, técnicas e
riquezas, tradições ou rupturas do cotidiano. Lefebvre (2004, p.112) afirma que: “o urbano é
forma e receptáculo, vazio e plenitude, superobjeto e não objeto, Ele se liga, de um lado, à lógica
da forma e, de outro, à dialética dos conteúdos”. A dinâmica territorial da cidade revela “o
desenvolvimento das forças produtivas e as contradições na formação econômico social, pois
estas ganham concretude no território”(VIANA, 1982, p.125).
A implantação de um pólo de desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
induzido, como ocorre em Três Lagoas, nos permite apreender como se dá a tessitura desse
território, ou seja, qual a lógica do capital, os processos de concentração da força de trabalho e
da sua reprodução ampliada, o funcionamento e as intervenções do aparato estatal.
Para Capel (1984), o Estado enquanto agente ordenador do território deve promover
o equilíbrio de forças entre todos atores sociais. Todavia, suas práticas e estratégias se voltam
cada vez menos para a conciliação dos interesses dos grupos excluídos.
O poder público municipal de Três Lagoas busca se inserir nas redes de fluxo globais
de capital, por meio da adoção de práticas que aproximam a gestão pública a uma gestão
empresarial do território na cidade. As estratégias objetivam tornar a cidade mais competitiva
para atrair empresas, com vistas à diversificação da base econômica, antes pautada
prioritariamente na pecuária, agora na indústria, comércio e serviços.
A Prefeitura Municipal apóia a formação de loteamentos destinados aos condomínios
horizontais de luxo, pois estes criam empregos, geram altos valores de IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano) e divulgam a imagem de boa qualidade de vida, que a gestão municipal
deseja. Entretanto, loteamentos fechados ou condomínios horizontais, segundo Caldeira (2000),
consistem em enclaves fortificados, incrustados no complexo mosaico territorial urbano.
Tais condomínios fechados são espaços de auto-segregação dos moradores mais
ricos, é a materialização do poder e do dinheiro. Nesses enclaves fortificados, a cidade enquanto
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manifestação do urbano, caracterizada pela complexidade social, se revela contraditória, pois
enquanto a maioria é empurrada para a periferia desestruturada e desassistida, alguns vivem em
ilhas de excelências (BHERING, 2002).
De um lado, a segregação forçada e de outro, a auto segregação. É uma opção de se
viver junto aos iguais, indiferentes à periferia dos pobres, onde milhares de famílias se
reproduzem em exíguas moradias, sem escolas, unidades de saúde, e, distantes dos centros
comerciais. Para estes, a cidade de multicentralidade é fábula. Conforme Santos (2002) é a
disseminação de uma liturgia de anticidade.
Nesse contexto, longe é um lugar que existe, diferentemente do que o clássico de
Bach (1990) inspira, as relações sociais revelam que a tessitura desse território se vincula
também, às escalas tempo e espaço.
É necessário a intervenção do Estado, pois este, enquanto agente ordenador do
território precisa acomodar da melhor forma os trabalhadores migrantes, pois pressupõe que
estes, assumem papel vital na economia local, como força de trabalho barata, inclusive. No
entanto, “sem medidas apropriadas para integração social, para a moradia e para a educação,
parece ser difícil manter ou ampliar o papel produtivo dos trabalhadores e evitar confrontos
políticos”, enfatiza, Baltrusis (2007, p.3).
A sociedade urbana industrial é concebida por um processo em que se explodem as
antigas formas urbanas, a concentração da população acompanha a dos meios de produção e o
tecido urbano prolifera. A dinâmica territorial se torna complexa e contraditória e seu conteúdo
social se expressa concretamente na periferia expandida, na proliferação de conjuntos
habitacionais, na formação de suntuosos condomínios fechados, dentre outras possibilidades.
Essa dinâmica territorial da cidade que consiste em um conjunto de transformações
que a sociedade vivencia passará do período em que predominam “as questões de crescimento e
de industrialização, ao período onde a problemática urbana prevalecerá; em que a busca das
soluções e das modalidades próprias da sociedade urbana passará ao primeiro plano”
(LEFEBVRE, 1999, p. 33).
São inúmeras as necessidades e carências enfrentadas pelos grupos sociais
envolvidos na busca por melhores condições de vida e trabalho, sob efeito das contradições
expressas na relação capital e trabalho, que abrange o modo de produção e institui as
contradições no interior dos aparelhos do Estado (BEGA SANTOS, 2008). Ademais, os moradores
ora se territorializam ora se desterritorializam por e a partir das questões relacionadas com o uso e
ocupação do solo, com a apropriação e distribuição da terra urbana e dos equipamentos urbanos coletivos.
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Ora, a dinâmica territorial urbana se efetiva por meio das contradições e das complexidades
dos processos de produção, logo, a cidade é “como palco privilegiado das lutas de classe, pois o motor do
processo é determinado pelo conflito decorrente das contradições inerentes às diferentes necessidades e
pontos de vista de uma sociedade de classes” (CARLOS, 2004, p. 23).
Acidade deve ser entendida como locus de moradia, de cidadania, de qualidade de vida e
onde as relações sociais se materializam. A cidade deveria ser “um modo de viver, pensar, mas também
sentir. O modo de vida urbano produz idéias, comportamentos, valores, conhecimentos, formas de lazer, e
também uma cultura” (Idem, p. 26). Essa prática delineia as multiterritorialidades. Vivenciadas por
alguns, de certo modo, muito menos por outros, enquanto que para muitos outros, essa condição é negada.
Reestruturação e dinâmica territorial da cidade
Na cidade há coexistência de espaços apropriados para diferentes usos e funções,
com diferentes ritmos, diferentes tempos, logo, para entender a cidade, se deve compreender a
relação do espaço e o tempo. Ademais, exerce um papel polarizador, seja no aspecto da natureza
seja do trabalho humano, como: ações e objetos, produtos e produtores, obras e criações, e para
se organizar centraliza todas as criações em micro-espaços (SANTOS, 1988), cujo ordenamento
territorial acaba gerando as relações sociais, e, a partir do avanço e das pressões dos grupos
sociais é que a cidade vai se modelando de modo diferencial.
Os grupos sociais, compreendendo classes e frações de classes, agem um com e/ou
contra os outros, e que a constituição do território são resultados de suas interações e estratégias,
logo, a estrutura e a forma do e no urbano revelam as múltiplas diferenças.
A cidade possui uma forma derivada das relações sociais desde sua formação inicial,
portanto, o urbano possui conteúdos, os quais se constituem nas rugosidades, ou seja, seu
conteúdo material - casas, prédios, praças, viadutos, pontes - acumulado ao longo do tempo e que
revelam concretamente a história, o seu passado, ou seja, há que se entender a relação das
espacialidades e temporalidades dominantes. As configurações territoriais por si mesmas não
dizem muito, estas, são evidenciadas pelo fato de exprimirem concretamente as relações sociais,
ao mesmo tempo, é a condição para que as relações entre os agentes sociais possam acontecer.
Dessa forma, o urbano possui estruturas morfológicas e relações sociais que estão
interligadas, uma exercendo influência sobre a outra; de um lado existe a lógica da forma, e, de
outro, a dialética dos conteúdos. O fenômeno urbano também não pode ser definido como um
objeto ou como um sujeito, o urbano é isso, a forma e o conteúdo (LEFEBVRE, 2004).
A compreensão de que a cidade é um território construído por meio das relações e
práticas sociais e que as relações de interesses modificam os lugares, ajuda a compreender o
processo de fragmentação e a consequente hierarquização dos lugares. Raffestin (1993, p. 143)
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expõe sobre a formação do território: “[...] o território se forma a partir do espaço, é resultado de
uma ação conduzida por um ator sintagmático em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço,
concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator territorializa o espaço”.
O território é um espaço organizado, produzido, onde se projetou um trabalho e que
por conseqüência revela relações marcadas pelo poder e interesses dos agentes sociais produtores
do urbano. Nesse sentido, o território é uma categoria de análise, o território usado é o chão mais
a identidade e a identidade é o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence.
A fragmentação do espaço produz assim territórios hierarquizados, diferenciados
entre si, de acordo com seu grau de importância na cidade. Santos (2007) analisa dois pólos da
vida contemporânea: o dinheiro, que segundo o autor, tudo desmancha, e, o território que revela
materialidades que não podem ser desmanchadas, conseqüentemente:
Essa disparidade entre os diversos lugares da cidade é visível entre os bairros
luxuosos e as comunidades sem infra-estrutura, na maioria das vezes localizadas nas periferias
geométricas da cidade, é a segregação espacial forçada, pois do outro lado, há a segregação
espacial voluntária, que se consolida com as construção de residenciais luxuosos, dotados de
infra-estrutura, entre outras amenidades. É nessa separação de classes que se definem territórios
e as multiterritorialidades, hierarquiza-se a cidade, através da construção material do espaço das
diversas classes sociais.
A partir da consolidação dos bairros, notadamente, os da classe social de alto status,
surgem novas centralidades, para, além de outros objetivos, atenderem a essa população que
reside afastada da área central. A fragmentação do espaço urbano constitui um processo de
(re)estruturação territorial, cujas áreas de concentração e diversificação de comércio e serviços
denotam a que classe social seus usuários pertencem.
As desigualdades de tratamento por parte da administração municipal também
revelam a ação do poder público na produção da cidade. Assim elucida Rolnik (1988, p. 43):
[...] além dos territórios específicos e separados para cada grupo social, além da separação
das funções morar e trabalhar, a segregação é patente na visibilidade da desigualdade de
tratamento por parte das administrações locais. [...] As imensas periferias sem água, luz ou
esgoto são evidências claras desta política discriminatória por parte do poder público, um
dos fortes elementos produtores da segregação.
É necessário analisar a cidade além da rigidez dos limites físicos e considerar quais
são e de que forma os atores sociais se apropriam e se organizam da e na cidade.
A reestruturação urbana corresponde, segundo Gomes (2006, p. 4), a um processo de
mudança no conjunto de usos e formas urbanas na escala intraurbana das cidades, resultado do
ordenamento territorial, associado à compreensão das novas lógicas locacionais e pelo sistema de
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mercado. A produção do espaço urbano são as construções das casas, prédios, bairros, indústrias
e a reprodução desse mesmo espaço são as relações sociais estabelecidas nas produções.
A partir da década de 1990 Três Lagoas passou por novo processo de
(re)estruturação urbana. Os novos loteamentos se consolidaram na porção sul e sudeste e
redirecionaram o crescimento da cidade para essa direção. A partir de 1997 houve aumento da
demanda por moradia, infra-estrutura e serviços decorrentes do aumento do fluxo de
trabalhadores que chegou atraído pela possibilidade de emprego nas indústrias recém instaladas.
Aranha-Silva; Silva; Leal (2006, p.2) elucidam que:
A expansão do tecido urbano se intensificou com novos loteamentos e edificações e
adensou-se por meio da verticalização; por conseguinte, aumentou o fluxo de pessoas,
mercadorias e de veículos que requereu ampliação da malha viária, infra-estrutura,
equipamentos, serviços públicos e a revitalização de prédios e praças.
Atualmente (2010), Três Lagoas, por apresentar nos últimos 5 anos, elevado
crescimento demográfico e industrial, passa por um momento de transição de uma cidade
pequena para uma cidade média. O tamanho demográfico possui nítidas relações com as
características do espaço intra-urbano, que pode ser observado pela distância entre o centro e a
periferia da cidade. Da mesma forma a organização da cidade torna-se mais complexa, ou seja,
há maior segmentação espacial. A cidade se reestrutura e sua periferia se estende.
A partir do ano de 2009, reorganizou-se política e administrativamente a divisão e
nomenclatura dos bairros. Em alguns casos, aqueles de menor extensão se inseriram nos de
maior tamanho. Com isso, muitos bairros deixaram de existir, pelo menos no nome, mas não
para os seus respectivos moradores. Ressaltando que o vazio da porção oeste ainda é grande e
que a Vila Piloto, a partir de 1990 foi reestruturada em 6 subáreas, compondo atualmente Vila
Piloto I, II, III, IV, V e VI, cujos moradores são trabalhadores das indústrias e do comércio, ou
seja, sua forma e conteúdo social contêm similaridade à Vila Piloto da década de 1960.
Na medida em que ocorre a (re)estruturação territorial urbana há hierarquização
dos bairros, pois no atual processo de homogeneização o espaço é tido como mercadoria,
entretanto quando o espaço equivale a propriedade privada ele sofre o processo de fragmentação,
desse modo o acesso a terra na cidade está submetido ao mercado, onde a propriedade privada do
solo urbano aparece como condição do desenvolvimento do capitalismo.
A hierarquia espacial equivale à hierarquia social. É visível a diferença entre bairros
luxuosos e as comunidades sem infra estrutura. Os bairros habitados por pessoas de menor poder
aquisitivo estão em áreas periféricas ou não das cidades, mas sem infra-estrutura e serviços
públicos básicos, cujas moradias os submetem a dupla segregação, a espacial e da moradia.
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Nesse contexto, se inserem bairros do extremo norte e setor oeste como ao sul da
linha férrea, estes, são tidos como “do outro lado da linha”, que invariavelmente são desprovidos
de infra estrutura e serviços urbanos. Essa diferenciação espacial e falta de dotação de serviços
motiva o discurso de que a linha férrea consiste obstáculo, Aranha-Silva (2008, p.3) contrapõe
que “aos políticos e demagogos a linha férrea não os impede de irem à busca de votos de apoio
das centenas de famílias, que os elegeram”. Se os serviços urbanos são insuficientes deve-se ao
descompromisso político e administrativo dos gestores públicos, os quais têm o papel de
administrar a cidade em sua totalidade e não segmentada. Maricato (1996, p.56) elucida que:
A segregação não é somente uma das faces mais importantes da exclusão social, mas parte
ativa e importante dela. À dificuldade de acesso aos serviços de infra-estrutura urbanos
somam-se a menores oportunidades de profissionalização, maior exposição á violência
(marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil
acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer.
A reprodução das cidades segue a lógica atual do processo de reprodução do capital,
que entra em contradição com a produção da cidade enquanto possibilidade de reprodução da
vida. A tendência são formas arquitetônicas modernas e símbolos que caracterizam o progresso,
contudo, nesse processo de mudanças rápidas, a cidade muitas vezes se torna vulnerável,
metamorfoseada, cujas mudanças destroem os referenciais, os indivíduos perdem sua identidade.
Sobre essa nova urbanização, entende-se que o valor dos objetos supriu o valor dos
homens e que as relações entre as pessoas são determinadas pelas mercadorias. Ao analisar a
dinâmica territorial de Três Lagoas apreendem-se significativas mudanças na sua forma,
estrutura, paisagem e conteúdo social. Há de certo modo, uma segmentação espacial e das
classes sociais, ou seja, intensifica o processo de segregação.
A especulação imobiliária, a precariedade ou falta de infra-estrutura e de serviços
públicos intensificaram os problemas urbanos. Tem-se o entendimento de que com a segregação
as condições de acessibilidade aos serviços e equipamentos urbanos passam a ser diferenciadas,
ou seja, depende da classe social e da capacidade de consumo.
A mudança nas relações entre os grupos sociais em Três Lagoas reflete, tanto sobre a
dinâmica territorial, quanto sobre a forma e a intensidade de segregação, ou seja, no conteúdo
social da cidade. Essa segregação social se materializa no território por meio da segregação
espacial, posto que a territorialidade urbana “se dá em conflitos, a sociedade deseja condições
melhores de vida e o capital a valorização do espaço” (CARLOS, 2004).
Uns sofrem a segregação forçada, são empurrados para a periferia e vão morar em
áreas sem infra-estrutura e serviços básicos, enquanto que outros promovem a auto-segregação.
Porque morar no Centro Principal já não é mais status, pois há uma profusão de lojas, veículos,
415
ruídos, pessoas e mercadorias tornando o ambiente do Centro Principal inadequado para se
morar. O ideal é morar bem, mas longe do centro, preferencialmente em condomínios fechados.
O Estado, na figura do poder público, exerce o papel de regulamentador da
reprodução capitalista, criando condições propícias para a acumulação capitalista, por meio da
implantação de infraestrutura e do sancionamento de leis regulamentadoras do uso do solo, o que
modifica consideravelmente a territorialização e as territorialidades urbanas.
Com o crescimento populacional e nova dinâmica urbana de Três Lagoas (introdução
de capitais com diferentes e novas lógicas de atuação), houve expansão territorial da cidade,
ampliando a diferenciação social e consentindo a prática da segregação urbana. Kowarick (2000)
alude, que o papel do Estado é fundante na (des) e (re)territorialização urbana, por meio de
volumosos investimentos no tecido urbano, criando novas periferias, que ampliam as manchas
urbanas em núcleos desprovidos de infra-estrutura e de serviços urbanos, nos quais os moradores
de baixa renda obtêm sua moradia, seja pela autoconstrução seja nos conjuntos habitacionais
produzidos pelo próprio Estado (Ver Figura 1).
Figura 1: Vista parcial de conjuntos habitacionais em Três Lagoas
Fotos: C. H. R. da Silva, 2009.
O primeiro momento de ampliação da malha urbana em Três Lagoas deu-se a partir
de 1961, com o aumento populacional advindo da construção da Usina Hidrelétrica Jupiá. No
período de 1961 a 2007 foram criados 65 loteamentos, sendo que destes, 55 (86%) loteamentos
foram destinados para formação de bairros populares, e 10 (16%) deles, para a formação de
bairros residenciais para classe de médio e alto status, como indica o Quadro 1.
Quadro 1: Loteamentos urbanos criados no período de 1961-2007
01 Bairro Colinos*
23 Jardim Glória 45 Parque Res. Osmar Dutra
02 Bairro São Francisco 24 Jardim Guaporé 46 Parq. Res. Quinta da Lagoa*
03 Bairro Alto Boa Vista 25 Jardim Mirassol 47 Parque São Carlos
04 Jardim Alvorada 26 Jardim Morumbi*
48 Vila Alegre
05 Jardim Angélica 27 Jardim Novo Aeroporto 49 Vila Benvindo
416
06 Jardim Belém 28 Jardim Novo Alvorada 50 Vila das Acácias
07 Jardim Brasília 29 Jardim Paineiras 51 Vila dos Ferroviários
08 Jardim Campina 30 Jardim Paranapungá 52 Vila Frinéia
09 Jardim Campo Novo 31 Jardim Planalto 53 Vila Guanabara
10 Jardim Cangalha 32 Jardim Primavera 54 Vila Guanarabara II
11 Jardim Caçula 33 Jardim Santa Júlia*
55 Vila Haro
12 Jardim Capilé 34 Jardim Santa Morumbi 56 Vila Haro Júnior
13 Jardim Corumbá 35 Jardim Santos Dumont*
57 Vila Oiti
14 Jardim das Oliveiras 36 Jardim Taquaracy 58 Vila Popular
15 Jardim dos Ipês I* 37 Loteato. Nova Três Lagoas*
59 Vila Recanto
16 Jardim dos Ipês II* 38 Loteamento Progresso 60 Vila Santa Ana
17 Jardim dos Ipês III* 39 Loteamento Set Sul 61 Vila Santa Rita
18 Jardim Dourados 40 Nova Ipanema 62 Vila São João
19 Jardim Esmeralda 41 N. Sa
das Graças 63 Vila Viana
20 Jardim Esperança 42 Novo Horizonte 64 Vila Virgínia
21 Jardim Eunice 43 Parque das Mangueiras*
65 Vila Zucão
22 Jardim Europa 44 Parque Paulista
* Loteamentos destinados para formação de bairros para moradores de médio e alto status.
Fonte: Prefeitura Municipal de Três Lagoas, 2009.
A formação desses 65 loteamentos expandiu a malha urbana de Três Lagoas de modo
considerável, mas deixando muitos lotes vazios, as manchas urbanas, que estrategicamente se
constituíram e ainda se constituem áreas de especulação imobiliária.
No período de 1967, - implantação do primeiro conjunto habitacional - a 2009 foram
construídos 29 conjuntos habitacionais, sendo um deles, Angelina Tebet, vertical, com 3
pavimentos; 16 conjuntos foram construídos após o ano de 2000, dos quais, 6 foram concluídos
muito rapidamente no ano de 2008, como mostra o Quadro 2, ano que antecedeu a construção
das fábricas de papel e celulose (VCP, atual FIBRIA e International Papel). Evidencia que esses
investimentos visaram amenizar a tensão gerada pela demanda por moradias. Apenas amenizar,
pois o número de unidades habitacionais é muito pequeno em relação ao déficit habitacional
vigente em Três Lagoas.
Quadro 2: Conjuntos habitacionais populares em Três Lagoas (1967-2010)
ORDEM
DENOMINAÇÃO
ANO
CONSTRUÇÃO
01 Jardim Alvorada 1967
02 Santo André 1981
03 Juscelino Kubitschek 1982
04 Jardim Caçula 1982
05 FICAM 1983
06 Osmar Ferreira Dutra 1983
417
07 Vila Piloto I 1989
08 Angelina Tebet 1989
09 Vila Piloto II 1991
10 Vila Piloto III 1991
11 COONISUL 1991
12 São Carlos 1994
13 Jardim Flamboyant 1996
14 Vila Piloto IV 2002
15 Vila Piloto V 2004
16 Vila Piloto VI 2005
17 Vila Verde 2006
18 Jardim Azaléia 2006
19 Jardim das Orquídeas 2006
20 Jardim dos Lírios 2007
21 Jardim dos Girassóis 2007
22 Jardim das Hortências 2007
23 Jardim das Orquídeas I 2007
24 Jardim das Orquídeas II 2008
25 Jardim das Violetas 2008
26 Jardim das Violetas I 2008
27 Jardim Imperial 2008
28 Jardim das Margaridas 2008
29 Jardim das Hortências I 2008
Fonte: Prefeitura Municipal de Três Lagoas, 2010.
O Estado – via Prefeitura Municipal, Governo Estadual ou Governo Federal –
visando reduzir o valor dos investimentos a serem destinados nas construções, via de regra,
adquire terrenos acidentados, ou então muito periféricos, nas margens de rodovias e sem
nenhuma infra-estrutura, equipamentos urbanos e serviços públicos necessários. Essa estratégia
novamente favorece os proprietários dos terrenos que permanecem vazios entre os bairros já bem
povoados e os novos conjuntos habitacionais, com a valorização de suas terras.
Para a construção dos conjuntos habitacionais em Três Lagoas, priorizaram-se os
setores norte, leste e sul da cidade, pois 6 conjuntos foram construídos no setor norte – Santo
André, Juscelino Kubitscheck, FICAM, COOSUL, Angelina Tebet e Jardim Imperial; 7 situam-
se a leste da cidade – Jardim Alvorada, e as Vila Piloto I, II, III, IV, V e VI; e os demais, num
total de 16 conjuntos residenciais populares, notadamente os construídos após o ano de 2005,
estão situados no setor sul. São os conjuntos habitacionais populares mais segregados
espacialmente na cidade, como demonstra a Figura 2.
Para Souza (1996, p.54) “Os condomínios exclusivos são o símbolo máximo do que
se pode designar como auto segregação”, dito de outro modo, é a auto-exclusão, por vontade
própria, o desejo de conviver com apenas os seus semelhantes. Posto que “A cidade é
heterogênea, abriga pessoas diferentes, havendo assim muitos contrastes” (CARLOS, 1997).
418
A segregação é materializada pela segmentação do espaço e das classes sociais, que
determina o modo de viver das pessoas e define onde e como morar nas cidades. Essa
segregação, por meio da realidade em que cada indivíduo se territorializa, expressa tanto os
elementos físicos e materiais da cidade como a forma, a estrutura e a paisagem, como também a
imaterialidade subjetiva, o conteúdo social como as opiniões, sentimentos, vontades, desejos e
consumo diferentes, que mesmo morando tão próximos são distantes e que muitas vezes gera
conflitos, que segundo Carlos (2004) “a problemática urbana não se reduz à cidade, mas refere-
se ao homem, à sua vida, às suas lutas, ao seu mundo, e abre perspectivas para se pensar em
transformações”.
Figura 1: Espacialização dos conjuntos habitacionais construídos mais recentes em Três Lagoas
Org.: C. H. R. da Silva, 2009.
A auto-segregação produz espaços luminosos como explica Santos (1994), que são
dotados de infra-estrutura, equipamentos e serviços privados, de uso exclusivo. A apropriação
dos lugares públicos como forma de valor de uma propriedade privada, separa os moradores da
convivência de outras pessoas, com cercas e muros, criando uma artificialidade no cotidiano das
pessoas, como assevera Carlos (1997, p. 82):
Assim fica evidente, na paisagem, na diferenciação dos bairros, nos gestos, nos olhos, no
silêncio, na expressão e nos traços do rosto das pessoas a contradição entre a produção
419
coletiva do espaço e sua apropriação privada, fundada na contradição capital-trabalho. Uma
(re)produção espacial que se dá em função dos interesses, necessidades e objetivos de uma
parcela da sociedade que personifica o capital e não a sociedade como um todo.
A partir da década 1990 o rápido crescimento territorial da cidade se vislumbra pelo
adensamento de suas construções, pelo processo de crescimento horizontal, mas também, pelo
crescimento vertical permitindo a ocorrência de vazios urbanos no interior da cidade.
Tais mudanças resultam da interferência direta do poder público, que é o ente
responsável pelo sancionamento e cumprimento das leis que constituem o Plano Diretor
Municipal. Essa atuação confere ao poder público o papel de um importante agente modelador
do território e atua sob os interesses dos demais agentes, como proprietários fundiários,
imobiliárias, incorporadoras e construtoras. Para Rodrigues (1989), quando se objetiva implantar
loteamentos fora do perímetro urbano, o poder público aprova mudanças no âmbito legislativo,
independente das necessidades sociais. Formando grandes extensões de áreas vazias decorrentes
da ampliação do perímetro urbano.
Os profissionais especializados que chegaram em Três Lagoas para trabalhar nas diversas
indústrias recém instaladas, principalmente na Votorantim Celulose e Papel – atual FÍBRIA – e
na Internacional Papel, oriundos de grandes cidades trouxeram consigo novos hábitos, como o de
morar em condomínios fechados verticais ou horizontais. Com isso, passou a haver nova
demanda no setor imobiliário, qual seja, residências em condomínios fechados, que até então não
havia. É a evidência de que há estruturação de uma nova classe social, que busca na cidade a
realização das suas necessidades e desejos. Essa demanda por espaços diferenciados para morar
aqueceu o mercado imobiliário três-lagoense, seja pela pouca oferta de imóveis para vender ou
alugar, seja pela possibilidade de produzir novos espaços para se morar, até então inexistentes no
ano de 2007.
No início de 2008, quatro proprietários fundiários e agentes imobiliários locais
associados a empreendedores do setor imobiliário – Campo Grande/MS, Londrina e Curitiba/PR
– lotearam terras, outrora rural, e incorporaram ao setor urbano, com aval do poder público
municipal e iniciaram a construção de três condomínios fechados, que são: Alto dos Ipês e Portal
das Águas Residence, no setor leste da cidade em direção ao rio Paraná e o Condomínio Village
do Lago Resort & Residence ao norte da cidade, próximo ao Balneário Municipal no rio Sucuriú.
No início de 2010 já contavam com infra estrutura – pavimentação das ruas de acesso e internas,
iluminação pública, água potável – serviço de paisagismo, cercados por muros altos, instalação
de cerca elétrica, com seguranças nos portões de entrada.
420
A especulação imobiliária se fundamenta pelo fato de que a moradia e a terra são
elementos essenciais para reprodução da vida, além de ser símbolo de ascensão social,
configurando-se, portanto, em um valor de troca. A dinâmica da produção e do uso do solo
urbano, de acordo com a valorização ou não de uma área, promove a auto-segregação espacial,
ou seja, os moradores com alto poder aquisitivo se deslocam do centro da cidade para setores
privilegiados bastante afastados, formando os bairros nobres e os condomínios fechados.
Os condomínios são espaços onde as construções se tornam sinônimos de status.
Desta forma, tornando-se símbolos materiais de uma nova forma urbana, fazendo com que “os
signos da natureza e da cidade se convertem em signos de satisfação e alegria (individual), onde
as necessidades individuais são motivadas pelo consumo” (HENRIQUE 2004, p.189).
Outro aspecto a considerar nessa expansão acelerada da malha urbana é o intensivo
processo de fragmentação, pois além de aumentar as distâncias geométricas dentro da cidade,
contribui para o fortalecimento das barreiras. E essas barreiras podem ser entendidas como
dificuldades na e para a realização das articulações entre os diferentes setores da cidade, sendo
um limite de diferenciação, que dificulta a mobilidade das pessoas e, por conseguinte, a
realização de suas atividades e de seus hábitos de consumo cotidianamente.
Desse modo, apreendeu-se que devido ao crescimento populacional há um adensamento
das áreas já loteadas, entretanto, a demanda por moradias motiva os empreendedores
imobiliários e o Estado a criarem novos loteamentos em áreas distantes do centro principal,
ampliando ainda mais as diferenças da forma, estrutura e conteúdo social da cidade e
fortalecendo as barreiras que delimitam os enclaves (SILVA, 2002).
Enfim, a produção de moradia promove a expansão da periferia da cidade, por
conseguinte, nessa dinâmica territorial se delineiam novas territorialidade urbanas.
Conclusão
Por fim, para não concluir, evidenciou-se que a primeira expansão da malha urbana de
Três Lagoas ocorreu entre 1960-1970, com a construção da Usina Hidrelétrica Jupiá.
Permanecendo em condição letárgica na década de 1980, assim como em todo o país foi
decorrente do contexto político e econômico vigente.
O segundo momento de grande dinamismo territorial foi a partir de 1990 e permanece até
hoje (2010), com fortes indícios de que o ritmo de crescimento e de expansão do tecido urbano
continuará, por conseguinte, a cidade vivencia intensa mudança estrutural e de conteúdo social,
que se materializam na formação de novos e diferenciados bairros residenciais, como os
421
conjuntos habitacionais populares e os condomínios fechados horizontais. A cidade se apresenta
diferenciada, que por sua vez, segrega e exclui grande parcela dos moradores.
Esse recente processo de (re)estruturação, decorrente da implantação de indústrias
desconcentradas do estado de São Paulo, dá visibilidade à cidade em escala nacional, pela oferta
de incentivos fiscais e de benefícios que. Por outro lado, tem acirrado o embate entre as classes
sociais que requerem mais moradias, serviços públicos e produtos diversos. Além de distúrbios e
congestionamento no trânsito, do desencadeamento de violência e de crimes qualificados sem
precedentes na cidade.
Enfim, a nova dinâmica territorial de Três Lagoas se evidencia pela expansão do tecido
urbano, pela segmentação do espaço, pela inserção de novos usos e costumes, pela valorização e
especulação imobiliária, pela possibilidade de reprodução do capital de certos agentes sociais,
mas que a diferenciação espacial gera a segregação e a exclusão de muitos.
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