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ENSINO

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Agassiz e o peixe (Ezra Pound)Nenhum homem está equipado para o pensamentomoderno até que ele tenha entendido a parábola de Agassize o peixe.Um estudante de pós-graduação, cingido com honrarias ediplomas, foi a Agassiz para receber os últimos retoques eacabamentos.O grande cientista ofereceu-lhe umpequeno peixe e pediu-lhe paradescrevê-lo. O pós-graduando, após umbreve momento de observação, declarou:

Isso é apenas um peixe-lua.Agassiz respondeu:

Eu sei disso. Escreva umadescrição deste peixe.

Jean Louis Rodolphe Agassiz - 1807-1873

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O aluno saiu da sala e após alguns minutos retornoucom uma descrição completa do HeliodiplodokusIchthus, termo científico encontrado nos livrosdidáticos para designar o vulgar peixe-lua.Agassiz pediu novamente ao estudante quedescrevesse o peixe.O aluno saiu novamente da sala, desta vez demorouum pouco mais, mas retornou com um ensaio dequatro páginas produzido pelo mesmo.Agassiz leu o ensaio e pediu-lhe para olhar para opeixe. Ao final de três semanas, o peixe estava emavançado estado de decomposição, mas o estudantesabia algo sobre ele.

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As deficiências do ensino e do professorsão melhor resolvidas por cada homemindividualmente; seu primeiro ato deve seum exame de consciência; o segundo,dirigir sua vontade para a luz.O primeiro sintoma que há de encontrarserá, muito provavelmente, a preguiçamental, a falta de curiosidade, o desejo denão ser incomodado. Isto não é, demaneira alguma, incompatível com ohábito de estar muito ocupado, segundoos padrões habituais.

Ezra POUND. A arte da poesia: ensaios escolhidos.

São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1976, p. 78-79

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Ler é melhor que estudar

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MÉTODO:

1. Ler o texto INTEGRALMENTE em sala (de preferência coletivamente e em voz alta)

2. Discutir o texto com os estudantes

3. Eventualmente, propor atividadesa partir do que se lê.

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Literatura para qualquer um?

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Os trabalhos que desenvolvi anteriormente, nosespaços rurais ou nos bairros populares daperiferia urbana, levaram-me a pensar que, sobcertas condições, a experiência da leitura poderiaser aplicável em tais contextos, assim como erapossível estendê-la para as gerações mais novas,em geral apresentadas como mais resistentes àcultura escrita que aquelas que as antecederam.Essas pesquisas me ensinaram, na verdade, queessa experiência não diferia de acordo com acondição social ou com a geração.

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Tais processos se davam por meio deapropriações singulares, às vezes até mesmodesviando-se dos textos lidos. Com um sensode descoberta desconcertante, cada um"farejava" o que estava secretamentevinculado com as suas próprias questões, oque lhe permitia escrever sua própria histórianas entrelinhas: estávamos nas "artes de fazer"que estudara Michel de Certeau.

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Nossos interlocutores se referiam a alguma coisamais abrangente do que as acepções acadêmicasda palavra "leitura": aludiam a textos que tinhamdescoberto em meio a um tête à tête solitário esilencioso, mas também, algumas vezes, a leiturasem voz alta e compartilhadas; a livros relidosobstinadamente, e a outros que haviam somentefolheado, apropriando-se de uma frase ou de umfragmento; aos momentos de devaneio que seseguiram à relação de convívio com a escrita; àslembranças heterogêneas que ali encontravam, àstransformações pelas quais passavam.

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Mais do que a decodificação dos textos, maisdo que a exegese erudita, o essencial daleitura era, ao que parecia, esse trabalho depensar, de devaneio. Esses momentos emque se levantam os olhos do livro e onde seesboça uma poética discreta, onde surgemassociações inesperadas.

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Para Maria da Graça (Paulo Mendes Campos)Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria daGraça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.

Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabaráslouca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a lereste livro como um simples manual do sentido evidente detodas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo,pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares queabrem as portas da realidade.

A realidade, Maria, é louca.

Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sempestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdadeDinah, já comeste um morcego?"

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Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível.Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano."Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes maisdecifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como osteus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja aresposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Aindaque seja mentira.

A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora semquerer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço:"Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é queela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Sóas criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e oscães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ouvice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.

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Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, etemos a presunção petulante de esperar dela grandesconsequências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu detamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso oque acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.

Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem todasabedoria tem de ser grave.

A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedirdesculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon" Poisviver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo,para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta oponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice:"Gostarias de gato se fosses eu?"

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Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios,nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes,nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, atémarido e mulher, até namorados todos vivem apostandocorrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques,tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículasmuitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando osatletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "Acorrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria daGraça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quemvenceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe avaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegaressempre onde quiseres, ganhaste.

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Disse o ratinho: "A minha história é longa e triste!" Ouvirás issomilhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vidadaria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim sãolongas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois oromance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida masenergeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram edizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens.Uns chatos irremediáveis, Maria.

Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida detodos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e maisfundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muitodevagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de modamais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-tepara a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamentode Alice: "Devo estar diminuindo de novo" Em algum lugar hácogumelos que nos fazem crescer novamente.

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E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto detamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo.Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos,pois o contrário também acontece. E é um outro escritoringlês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo queexpulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte.É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicadaque produz durante a vida uma quantidade imensa decamundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes queparecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeiraconfusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronteque entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo.E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno ésempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor`.

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Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixagrande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na ruacom os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa terquando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma;por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandesocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em queestamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação deachar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umasdrogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.

Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandonade tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medode não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se viracontra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago,pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas própriaslágrimas".

Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, évão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

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O mistério da poesia (Rubem Braga)

Não sei o nome desse poeta, acho que boliviano; apenas lheconheço um poema, ensinado por um amigo. E só guardei osprimeiros versos: Trabajar era bueno en el sur Cortar losárboles, hacer canoas de los troncos .E tendo guardado esses dois versos tão simples, aqui medebruço ainda uma vez sobre o mistério da poesia.O poema era grande, mas foram essas palavras que meemocionaram. Lembro-me delas às vezes, numa viagem;quando estou aborrecido, tenho notado que as murmuro paramim mesmo, de vez em quando, nesses momentos de tédiourbano. E elas produzem em mim uma espécie de consolo ede saudade não sei de quê.

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Lembrei-me agora mesmo, no instante em que abria amáquina para trabalhar nessa coisa vã e cansativa que é fazercrônica.De onde vem o efeito poético? É fácil dizer que vem dosentido dos versos; mas não é apenas do sentido. Se eledissesse: Era bueno trabajar en el sur não creio que o poemapudesse me impressionar. Se no lugar de usar o infinito doverbo cortar e do verbo hacer usasse o passado, creio queisso enfraqueceria tudo. Penso no ritmo; ele sozinho não dápara explicar nada.

Além disso, as palavras usadas são, rigorosamente, das maisbanais da língua. Reparem que tudo está dito como oselementos mais simples: trabajar, era bueno, sur, cortar,árboles, hacer canoas, .

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Isso me lembra um dos maiores versos de Camões, todo ele também com as palavras mais corriqueiras de nossa língua:

Talvez o que impressione seja mesmo isso: essa faculdade dedar um sentido solene e alto às palavras de todo dia. Nessepoema sul-americano a ideia da canoa é também um motivode emoção.

Não há coisa mais simples e primitiva que uma canoa feita deum tronco de árvore; e acontece que muitas vezes a canoa éde uma grande beleza plástica. E de repente me ocorre quetalvez esses versos me emocionem particularmente por causade uma infância de beira-rio e de beira-mar.

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Mas não pode ser: o principal sentido dos versos é o dotrabalho; um trabalho que era bom, não essa

de hoje. Desejo de fazer alguma coisa simples,honrada e bela, e imaginar que já se fez.

Fala-se muito em mistério poético; e não faltam poetasmodernos que procurem esse mistério enunciando coisasobscuras, o que dá margem a muito equívoco e muitabobagem. Se na verdade existe muita poesia e muita carga deemoção em certos versos sem um sentido claro, isso não querdizer que, turvando um pouco as águas, elas fiquem maisprofundas

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Rapsodia de Saulo - Fragmento (Aurelio Arturo)

Trabajar era bueno en el sur, cortar los árboles,hacer canoas de los troncos.Ir por los ríos en el sur, decir cancionesera bueno. Trabajar entre ricas maderas.

(Un hombre de la riba, unas manos hábiles,un hombre de ágiles remos por el río opulento,me habló de las maderas balsámicas, de sus efluvios...un hombre viejo en el sur, contando historias).

Trabajar era bueno. Sobre troncosla vida, sobre espuma, cantando las crecientes.¿Trabajar un pretexto para no irse del río,para ser también el río, el rumor de la orilla?

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Trabajar... Ese río me baña el corazón.En el sur. Vi rebaños de nubes y mujeres más leves que esa brisa que me mece la siesta de los árboles.Pude ver, os lo juro, era en el bello sur.Grata fue la rudeza. Y las blancas aldeas, tenían tan suaves brisas: pueblecillos de río, en sus umbrales las mujeres sabían sonreír y dar un beso.Grata fue la rudeza y ese hálito de hombría y de resinas.

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Norberto Sales Tene Kaxinawá

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Eu pensava que a terra remendava com o céu(Norberto Sales Tene Kaxinawá)

No meu pensamento de antigamente,Quando eu era menino,O mundo, eu pensava

Que era que nem tocaia,A terra remendava com o céu.

O sol,Eu pensava que eram muitos,

Passando dias e dias.

A noite,Eu pensava que era que nem fumaça,

Porque quando o sol ia embora,A noite vinha cobrir o mundo.

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O céu,Eu pensava que era que nem ferro,

Nunca acaba.

A chuva,Eu pensava que era alguma pessoa,

Que morava no céu e derramava água.

A água,Eu pensava que eram alguns bichos grandes,

Esturrando em cima do céu.

O homem,Eu pensava que só nós mesmos vivíamos,

Só nós mesmos, o povo Kaxinawá.

A língua,Eu pensava que todo mundo falava

Na nossa língua mesmo, o Kaxinawá.

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Um dia, eu vi um branco chegando na nossa casa falando diferente.Mas eu pensava que quando eu fosse na casa dele, ele ia falar em Kaxinawá.

Um dia, eu fui viajar com meu pai, para ver onde [estava a terra remendada com o céu.

Nós íamos descendo o rio e quando passaram alguns dias perguntei [ao meu pai onde estava a terra remendada com o céu.

Meu pai me disse que não estava remendada a terra com o céu.

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O Lugar da Teoria

Falo de uma escuta alimentada com teorias, já que parareconhecer, apreciar e potencializar os achadosconstrutivos se torna produtivo o manejo de algunssaberes teóricos por parte do mediador. Não me refiro àteorização como uso de terminologias ou discursosespecíficos da teoria literária ou da retórica da imagemcomo etiquetas "corretas" de achados interpretativos. Aleitura de um poema, por exemplo, se for apenas uma viapara detectar, isolar, dissecar e mencionar hipérboles,sinestesias, antíteses, metonímias etc., deixa de fora apoesia e os leitores.

BAJOUR, Cecilia. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura. Trad. Alexandre Morales. São Paulo: Ed. Pulo do Gato, 2012, p. 40-41.

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É possível falar dos textos de forma profunda e crítica semfazê-lo "em jargão". No entanto, essa visão não subestima osmodos particulares que cada teoria tem para designar osprocedimentos das diversas artes. Ao contrário, uma escutasensível, que valorize os modos pelos quais cada leitor serefere ao contato com metáforas, perspectivas inusitadas,alterações temporais, elipses etc., pode ser uma situaçãopara que essas descobertas sejam colocadas em diálogo comalgumas denominações técnicas. Trata-se de uma maneirade transmitir culturas e pôr à disposição saberes técnicossobre a arte que não pretende ser "a acerca dostextos. A teoria é mobilizada a partir daquilo que os leitoresdizem sobre os textos, e não de antemão: quando elaprecede a leitura, condiciona e fecha sentidos.

BAJOUR, Cecilia. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura. Trad. Alexandre Morales. São Paulo: Ed. Pulo do Gato, 2012, p. 40-41.

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1926-2007

O sentido não é mais algo a ser explicado, mas sim um efeito a ser experimentado.

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Podemos dizer que os textos literários ativam sobretudo processosde realização de sentido. Sua qualidade estética está nessa

de que não pode ser idêntica com o produto,pois sem a participação do leitor não se constitui o sentido. Emconsequência, a qualidade dos textos literários se fundamenta nacapacidade de produzir algo que eles próprios não são. (ISER,1996, p. 62)

sentido não é mais algo a ser explicado, mas sim um efeito a serexperimentado. (ISER, 1996, p. 34)

Personagem é incompleto e deve ser completado pelo leitor:Arnold Bennett diz: não pode colocar o todo de um

personagem em um ele pensa na discrepância que existe entrea vida de alguém e a forma necessariamente limitada em que essavida é em uma obra ficcional. (ISER, 1999, p. 106)

Wolfgang ISER. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996/1999.

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Diário de Leitura?

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Para terminar...

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A donzela guerreira


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