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Marina Célia Messias
ENTRE MITOLOGIAS
Análise da transposição da obra literária O Senhor dos Anéis para a trilogiacinematográfica: a trajetória da Comitiva do Anel
Belo Horizonte
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
2011
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Marina Célia Messias
ENTRE MITOLOGIAS
Análise da transposição da obra literária O Senhor dos Anéis para a trilogiacinematográfica: a trajetória da Comitiva do Anel
Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do Centro
Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) como requisito parcial àobtenção de título de bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Profª. Ana Rosa Vidigal Dolabella.
Belo Horizonte
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
2011
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The Lord of the Rings is one of those things: if you like you do. If you don’t, then you boo! (J. R. R. TOLKIEN)
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 05
2 SOBRE A TRANSPOSIÇÃO ENTRE MÍDIAS ............................................................. 08
2.1 A criação literária .............................................................................................................. 08
2.2 Uma linguagem cinematográfica ....................................................................................... 12
2.2.1 O roteiro .......................................................................................................................... 13
2.2.2 Influências mútuas .......................................................................................................... 17
2.3 Processo de transposição ................................................................................................... 18
2.3.1 Uma nova visão da obra ................................................................................................. 21
3 SOBRE A CRIAÇÃO DE UMA HISTÓRIA .................................................................. 24
3.1 A jornada de um herói ....................................................................................................... 24
3.2 Mitos, ritos e cultura .......................................................................................................... 28
3.3 Mitologia tolkieniana ......................................................................................................... 30
3.3.1 A vida de Tolkien ........................................................................................................... 34
4 ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DA OBRA LITERÁRIA PARA A TRILOGIACINEMATOGRÁFICA: A TRAJETÓRIA DA COMITIVA DO ANEL ....................... 37
4.1 Metodologia de pesquisa ................................................................................................... 37
4.2 O Senhor dos Anéis: um breve relato da história .............................................................. 38
4.3 Análise da transposição da obra literária O Senhor dos Anéis para a trilogiacinematográfica: a trajetória da Comitiva do Anel .................................................................. 42
4.3.1 Identificando a Jornada ................................................................................................... 45
4.3.2 Um roteiro adaptado ....................................................................................................... 52
4.3.3 A versão estendida e a fidelidade à obra original ........................................................... 58
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 63
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1 INTRODUÇÃO
Desde a criação do cinema, a literatura tem sido uma fonte de inspiração para os cineastas. Os
livros de sucesso no mundo inteiro surgem como uma boa opção para o cinema, que recria a
história apresentada nas páginas dos best-sellers para o meio cinematográfico.
Essa recriação, realizada a partir da transposição1 entre mídias, partindo de uma obra literária
para o cinema, é o tema desta pesquisa. A alteração do texto e possíveis modificações do
enredo, personagens, cenários, tempo e espaço foram analisadas a partir da trilogia O Senhor
dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, e sua versão cinematográfica estendida, dirigida por Peter
Jackson.
Professor, escritor e filólogo, John Ronald Reuel Tolkien é conhecido mundialmente pelas
obras que escreveu, entre elas, O Silmarillion, O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Tolkien
nasceu na África do Sul e, aos três anos de idade, mudou-se para a Inglaterra com a mãe e o
irmão. No país, Tolkien desenvolveu a paixão por idiomas. Ao ingressar na faculdade de
Oxford, estudou as línguas germânicas, o inglês antigo, galês e finlandês, o que serviu como
base para a criação dos idiomas falados pelas criaturas de suas obras, como o quenya e osindarin, línguas faladas pelos elfos.
O Senhor dos Anéis apresenta um “mundo novo”, com seres mitológicos e línguas próprias,
elaborados por Tolkien a partir da influência de mitos de variadas culturas e passagens da
história real vivida por ele, como por exemplo, a Revolução Industrial, a Primeira Guerra
Mundial e a conversão de sua família ao catolicismo.
A história gira em torno de um Anel de Poder, que corrompe quem o utiliza, e a trajetória de
um hobbit2 para destruí-lo. Na Terra-média3, foram forjados vinte anéis do poder: três para os
reis elfos, sete para os anões, nove para os reis dos homens e um para o senhor do escuro,
Sauron, com o poder de controlar todos os outros anéis. Forjado na Montanha da Perdição, em
1 Nesta pesquisa, será utilizado o termo transposição ao se referir ao processo de mudança de um meio paraoutro. Esse termo será tratado conceitualmente ao longo deste estudo. Porém, serão respeitados os vocábulosutilizados pelos teóricos que fundamentam as discussões.2 Criaturas semelhantes a homens, porém pequenos e com pés peludos. Em O Senhor dos Anéis, os hobbits sãorepresentados, principalmente, por Bilbo e Frodo Bolseiro, Meriadoc Brandebuck (Merry), Peregrin Tûk(Pippin) e Samwise Gamgee (Sam).3 Mundo fictício desenvolvido por Tolkien, onde se passam as histórias de O Senhor dos Anéis.
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Mordor, o Um Anel é encontrado e guardado por muitos anos por Bilbo Bolseiro. Em seu
aniversário, Bilbo decide sair do Condado4 e deixa o Anel para o sobrinho, Frodo. A partir
daí, começa o caminho do hobbit em direção a Montanha da Perdição com o objetivo de
destruir o Anel, impedindo que ele retorne ao seu dono, Sauron.
Para concluir a tarefa, Frodo encontra alguns aliados, entre eles a Comitiva ou Sociedade do
Anel, formada pelos hobbits Merry, Pippin e Sam, o mago Gandalf, os homens Aragorn e
Boromir, o elfo Legolas e o anão Gimli. Durante a jornada, Tolkien apresenta diversas
criaturas para compor a história da Terra-média, criando uma mitologia própria, inspirada em
crenças cristãs e em mitos nórdicos e gregos.
A partir da trajetória de Frodo, e de toda a Comitiva do Anel, esta pesquisa visa a promover a
discussão acerca da transposição entre mídias, partindo da observação das modificações
necessárias ao texto original para adequação ao novo meio. Durante o processo de
transposição de uma obra literária para o cinema, são necessárias algumas alterações na
história original para atender a características específicas do roteiro cinematográfico. Muitas
destas modificações são feitas para tornar o filme interessante, e comercialmente viável para
os produtores.
A obra literária descreve, minuciosamente, os personagens, ambientes e situações, o que
permite ao leitor imaginar os cenários e construir os personagens. Já no cinema, o
detalhamento descritivo é substituído pelas imagens. Além disso, a transposição da narrativa
literária para o roteiro cinematográfico modifica a ordem cronológica de alguns
acontecimentos e sua duração. A transposição tem em vista também à simplificação, o que
possibilita que a obra alcance um público maior, que não teria acesso ao texto original.
Para compreender as modificações necessárias à transposição, o estudo aborda, no primeiro
capítulo teórico, as características da literatura e do cinema, analisando suas semelhanças e
diferenças, além de analisar o processo de adaptação do meio literário para o fílmico. Para tal,
foram utilizados autores como Massaud Moisés (1972) e Vicente de Paula Ataíde (1973), que
apresentam os aspectos da linguagem literária, e Marcel Martin (2003), Linda Seger (2007) e
David Howard e Edward Mabley (1999), que tratam das especificidades do cinema.
4 Local onde vivem os hobbits.
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A mitologia tolkieniana e suas origens também são discutidas, no segundo capítulo teórico
desta pesquisa, com o objetivo de ressaltar a Jornada do Herói, descrita por Christopher
Vogler (2006), além de evidenciar os elementos que compõem a história e contribuem para a
formação de Frodo como herói da saga. Nesse capítulo, são abordadas ainda as funções da
mitologia e seu papel nas sociedades, a partir de autores como Joseph Campbell (2007) e
Mircea Eliade (1972).
O capítulo final do estudo analisa a criação de um filme a partir de uma obra literária,
observando os elementos que compõem cada mídia, em relação a aspectos como percepção da
realidade do escritor, enredo, ação, espaço, tempo, personagens, atmosfera de ficção, ponto de
vista, montagem e roteiro. Além disso, o estudo tem a finalidade de comparar essa obra emsua versão estendida e a que foi lançada no cinema.
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2 TRANSPOSIÇÃO ENTRE MÍDIAS
A literatura é arte de representar a realidade por meio de palavras, envolvendo os leitores em
um universo de fantasia e conhecimento. As obras literárias refletem a imaginação de
escritores e sua visão do mundo real. A partir do desenvolvimento da literatura e surgimento
de best-sellers, cineastas perceberam nesse meio, uma fonte de inspiração para criações
cinematográficas.
Assim, atualmente, parte significativa da produção de filmes mundial recorre à transposição
de obras literárias para o cinema. Porém, essa transposição não é simples e requer a
observação das características específicas a cada meio. Neste capítulo, trataremos dosaspectos relacionados à literatura e ao cinema, para compreender as relações que envolvem
essas mídias.
2.1 A criação literária
Vicente de Paula Ataíde (1973) define a literatura como “uma recriação verbal da realidade
através da imaginação do artista”. Desta forma, o desenvolvimento do texto literár io apresentacaracterísticas específicas para o processo de produção de histórias. O autor ressalta que, em
primeiro lugar, o texto depende da percepção, do artista, da realidade e, em seguida, que essa
percepção seja organizada de um modo novo e interessante ao leitor.
Para elaborar uma narrativa de ficção é necessária a articulação de elementos que recriam os
acontecimentos, vividos por variados personagens, em determinados tempo e lugar. Ataíde
(1973) defende que o escritor deve esclarecer, primeiramente, o tipo dominante decomunicação do texto, que pode ser, predominantemente, de denotação ou conotação.
É preciso esclarecer que se o comunicante está em estado cujo predomínio é o cognoscitivo(quer conhecer a realidade) fará predominar em sua comunicação o tipo qualitativo delinguagem que retrate este estado. Predominará a denotação. [...]. No mesmo caso,predominante o estado emotivo, predominará na linguagem a conotação. (ATAÍDE, 1973,p. 16)
Assim, a linguagem compõe a base para o desenvolvimento dos constituintes ficcionais:
enredo, personagens, tempo, espaço, situação-ambiente e ponto de vista. O enredo, segundoSamira Nahid de Mesquita (1987), compõe o corpo de uma história. É a apresentação ou
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representação de situações, que envolvem os personagens, e as transformações, que levam ao
desfecho da narrativa.
O enredo desenvolve-se, segundo Ataíde (1973), a partir da fábula e da trama. A fábula é
composta pela realidade, como o fato que inspirou o autor, e pela sua transformação em uma
história, narrada ao leitor. A partir da escolha do material, os acontecimentos devem ser
encadeados com coerência entre os episódios e os personagens. Um somatório de ações e
conflitos que levam a história ao clímax. Para isso, cada cena precisa manter conexão com o
todo e oferecer ao leitor “uma boa narrativa travada de suspenses e clímax secundários e que
seja ao mesmo tempo profundo e pleno de indagação” (ATAÍDE, 1973, p. 23).
Massaud Moisés (1972) define a ação como a soma de gestos e situações que compõem o
enredo. A ação pode ser externa ou interna. Esses modos de ação não existem de forma
“pura”, mas interligados. A ação externa pode ser compreendida como um movimento ou
atividade, como por exemplo, um deslocamento, uma viagem ou mesmo o fato de um
personagem apanhar um objeto. Já a ação interna acontece na consciência da personagem,
como um pensamento, por exemplo.
A ação deve conter “verdade e necessidade” para manter a atenção do leitor. De acordo com
Moisés (1972), por verdade ou verossimilhança, “não se entenda que a ação reproduza
literalmente ocorrências da vida real, [...] mas que a ação se organiza como se se desse na vida
real”. (MOISÉS, 1972, p. 90). Essa ação deve obedecer à verossimilhança interna à obra. A
necessidade refere-se à obrigatoriedade ou precisão dos atos durante o desenvolvimento da
ação, como por exemplo, a necessidade de atos de coragem e determinação por parte do herói,
quando a busca dos objetivos do protagonista exige que ele seja corajoso e enfrenteobstáculos e dificuldades.
Outro aspecto do texto narrativo, evidenciado por Ataíde (1973), é a possibilidade de
expansão do espaço e do tempo. De acordo com o autor, o espaço é a área geográfica onde a
narrativa se desenvolve. Ele pode ser descrito detalhadamente, sem preocupação com o
número de páginas ocupadas ou tempo gasto para a leitura do trecho.
A duração da narrativa também pode ser ampliada, uma vez que pode avançar ou recuar no
tempo. O narrador pode retornar ao passado ou ir para o futuro para explicar as origens ou
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consequências dos atos realizados no presente. Para Linda Seger (2007), este deslocamento
entre passado, presente e futuro faz com que, na literatura, o tempo seja fluido. A fluidez
permite a percepção do tempo por meio de situações que vão ocorrendo durante a história,
não pela indicação explícita do escritor.
Ataíde (1973) define o tempo como “a velocidade com que a narrativa se movimenta”, que
pode ser dividido entre cronológico e psicológico. O tempo cronológico é objetivo e, por isso,
é menos trabalhado na literatura. As obras literárias, por serem formadas a partir da
imaginação de um autor, utilizam, com mais frequência, o tempo psicológico, medido por
fatores subjetivos capazes de ir além das marcações de um relógio. Sobre isso, Moisés (1972)
acrescenta que
Existem dois tipos de tempo, o cronológico ou histórico, e o psicológico ou metafísico. Oprimeiro corresponde à marcação das horas, minutos e segundos, no relógio, de acordo como tempo físico ou natural. [...] O tempo psicológico caracteriza-se por desobedecer aorelógio e fluir dentro das personagens, como um eterno presente, um tempo duração semcomeço, nem meio, nem fim. (MOISÉS, 1972, p. 102)
A noção de espaço e tempo complementa a função da literatura de valorizar “a relação
necessária entre personagens e ações, entre as ações e suas consequências”. (ATAÍDE, 1973,
p. 28). Desta forma, a literatura privilegia o espaço, com a descrição minuciosa do ambiente
em que se desenvolvem as ações, e valoriza o conceito de tempo, já que, “é para ele que
confluem todos os integrantes da massa ficcional, desde o enredo até a linguagem” (MOISÉS,
1972, p. 101).
Os personagens, segundo Massaud Moisés (1997), são “pessoas” que, à semelhança dos
humanos, vivem diversas situações. Assim como na criação do enredo, as personagens das
narrativas de ficção devem ter coerência, verossimilhança e universalidade, conforme Ataíde
(1973). Esses personagens são coerentes quando são apresentados de certo modo e, a partir
daí, evoluem na história. Eles são verossímeis quando apresentam um comportamento comum
ao de qualquer pessoa, de acordo com a época e local em que estão inseridos na história. A
personagem é universal ao apresentar identidade própria, ao ganhar vida dentro da narrativa e
deixar de ser apenas um “modelo” que preenche uma lacuna da trama.
De acordo com Moisés (1972), há dois tipos de personagens: as redondas e as planas. As
personagens redondas são dotadas de complexidade, com uma série de defeitos ou qualidades.
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Já as personagens planas, “seriam bidimensionais, dotadas de altura e largura, mas não de
profundidade: um só defeito ou uma só qualidade” (MOISÉS, 1972, p. 111).
Através da situação-ambiente o leitor poderá perceber a “atmosfera da ficção”, ou seja, o
“clima” em que as ações se desenvolvem. Essa atmosfera pode revelar uma situação de
tensão, suspense ou mesmo alegria e indignação. Segundo Ataíde (1973), esse componente da
estrutura literária serve tanto como pano de fundo para o desenvolvimento da ação quanto
para evidenciar a visão do autor. “É o que se lê nas entrelinhas, o que o autor tem enquanto
cosmovisão, mas que não é revelado explicitamente” (ATAÍDE, 1973, p. 52).
Para compor uma obra literária, é necessária ainda a definição de um ponto de vista, quedeterminará o modo como a história será contada e a evolução da narrativa. Assim, o autor
pode optar por um narrador que participe da história como um dos personagens, o que levará
ao texto o ponto de vista interno. Esse foco narrativo, relativo ao uso do emprego da primeira
pessoa, pode ser dividido em duas possibilidades: a personagem principal narra sua própria
história; ou uma personagem secundária conta os dramas do protagonista.
O ponto de vista externo apresenta-se com o emprego da terceira pessoa, sendo que o escritorpode ser onisciente e onipresente, que conhece e revela ao leitor todos os aspectos da obra. O
narrador pode limitar-se ainda à função de observador, “comunicando apenas o que estiver ao
seu alcance” (MOISÉS, 1972, p. 114).
Os aspectos relacionados à literatura anteriormente definidos são expressos por meio de
recursos narrativos como o diálogo, a descrição, narração e dissertação. Esses recursos não se
apresentam isolados na narrativa, eles podem surgir entrelaçados, sendo que a dissertaçãopode aparecer em forma de diálogo, ou o diálogo pode evidenciar uma descrição, por
exemplo.
Segundo Moisés (1972), por diálogo entende-se a fala das personagens. Esse aspecto pode ser
utilizado pelo escritor em forma de monólogos, em que a fala do personagem dirige-se ao
leitor; ou de solipsismo, quando a personagem aparentemente fala sozinha. A descrição é a
enumeração dos objetos que compõem a cena; enquanto a narração refere-se aos movimentos,
à ação da história. Já a dissertação apresenta-se como uma explicação de ideias, conceitos ou
situações.
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2.2 Uma linguagem cinematográfica
Assim como a literatura, o cinema possui características fundamentais. A composição de
obras cinematográficas inclui aspectos relacionados à montagem, movimentos de câmera,
ângulos, planos, entre diversos conceitos. Marcel Martin (2003) defende que o cinema possui
linguagem própria e conta com recursos diferenciados, que não podem ser utilizados em
outros meios. O autor esclarece que, em relação ao tempo, o cinema permite adiantar ou
retroceder o movimento, por meio de recursos como a câmera lenta, por exemplo. Seger
(2007) acrescenta que, no cinema, a narrativa se desenvolve no presente, em direção ao
futuro, sendo que o retorno ao passado é feito por meio de flashbacks e de cenas de
exposição5.
O espaço também é tratado de forma diferente. Segundo Martin (2003), o espaço se realiza de
forma plena no cinema, tratando-o de duas formas: reproduzindo o espaço de modo que o
experimentamos, através dos movimentos de câmera; e produzindo um espaço global, que é
percebido pelo espectador como único.
Tendo a imagem como componente principal do cinema, Martin (2003) explica que “aimagem fílmica suscita, portanto, no espectador, um sentimento de realidade bastante forte
[...] para induzir à crença na existência objetiva do que a parece na tela” (MARTIN, 2003,
p.22). Assim, a imagem é a representação do real dinamizada pela visão artística do cineasta.
Segundo Martin (2003), com o tempo, o cinema rompeu a ligação com o teatro e a câmera
tornou-se ativa, por meio da “câmera subjetiva”, que apresenta os fatos ao público pela visão
de um personagem. Para criar a expressividade da imagem, alguns fatores devem ser levadosem consideração, como os enquadramentos, os planos, os ângulos e os movimentos de
câmera.
O enquadramento é responsável pela composição do conteúdo da imagem, ou seja, o modo
como diretor organiza a realidade apresentada em cada cena. O plano é determinado pela
distância entre a câmera e o objeto, e são definidos a partir do conteúdo material e dramático.
Os ângulos definem o ponto de vista a partir do qual um objeto será mostrado; enquanto os
5 Cenas em que é preciso transmitir informações sobre a história passada. As informações contidas nessas cenasdevem ser vitais para o que o público acompanhe o desenvolvimento da história.
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movimentos de câmera acompanham a trajetória dos atores. Entre os ângulos mais
conhecidos, têm-se o contra-plongée, plongée e os enquadramentos inclinados6.
A elipse, definida como a habilidade de demonstrar os fatos em meias-palavras, é um
importante elemento do cinema. De acordo com Martin (2003), esse aspecto tem o objetivo de
provocar o suspense, despertando no público uma espera ansiosa. As elipses também são
motivadas por razões de censura social, em que um fato pode ser apresentado de forma
parcial, mas faz com que a plateia compreenda o significado da cena.
Martin (2003) enfatiza que a montagem é um dos fundamentos mais específicos da linguagem
cinematográfica. Para o autor, a montagem é “a organização dos planos de um filme em certascondições de ordem e de duração” (MARTIN, 2003, p.132). A função mais importante da
montagem é evidenciar novos sentidos, por meio do destaque de elementos que não são
perceptíveis a qualquer pessoa. Segundo o autor, a “progressão dramática do filme”
(montagem) atende à regra de que cada plano deve conter um elemento, que será respondido
no plano seguinte.
A partir dessa ideia, Martin (2003) ressalta que a montagem é responsável pela criação domovimento do filme, dando “vida” à história. O diálogo é também um importante elemento da
linguagem fílmica, sendo constitutivo da imagem. Assim, a fala também deve ser retratada de
maneira realista, uma vez que é considerada uma forma de identificação do personagem. Por
isso, é necessária a adequação da fala ao momento histórico e à posição social do personagem.
2.2.1 O roteiro
O roteiro é um dos principais elementos para a criação cinematográfica. David Howard e
Edward Mabley (1999) definem o ato de roteirizar como “o planejamento meticuloso de uma
representação física da história, em locações reais ou realistas” (HOWARD; MABLEY, 1999,
p. 32). Para isso, os autores ressaltam que o roteirista deve ter uma visão geral da obra, o que
inclui o contexto da história, figurinos, iluminação, efeitos sonoros e a música, e o ritmo da
narrativa.
6 O ângulo contra-plongée tem a função de transmitir a impressão de superioridade ou triunfo, uma vez queapresenta o ator ou atriz de baixo para cima. Já o plongée executa função contrária. Esse ângulo causa a sensaçãode diminuição, inferioridade, ao apresentar o objeto de cima para baixo. Em situações de desequilíbrio ouinquietação, utiliza-se o enquadramento inclinado.
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A partir dessa definição, Antônio Costa (1989) enfatiza que o texto de um roteiro é particular.
Ele deve ter qualidades expressivas e funcionais, de modo a tornar compreensível todos os
aspectos que compõem a história (elementos estéticos e psicológicos, desde a descrição de um
ambiente a características, que formam a personalidade de um protagonista). Segundo o autor,
o roteiro precisa ser funcional, permitindo que o produtor compreenda exatamente o que é o
filme e como financiá-lo.
Para compor um roteiro, e criar uma “boa história bem contada”, segundo Howard e Mabley
(1999), o roteirista deve observar uma série de elementos, entre eles a divisão da história em
uma estrutura de três atos e a exteriorização do universo interno das personagens.
A estrutura em três atos é a separação das cenas de um filme em três partes. O primeiro ato
compreende a apresentação dos personagens e da história principal. O segundo desenvolve a
trama, de forma a aumentar o envolvimento do público com o filme. O terceiro, e último ato,
deve conectar as situações levantadas no enredo e concluir a história com um final que,
geralmente, responde as perguntas dos espectadores, satisfazendo-os. Essa divisão não é
percebida pelo público, embora sinta as transições de uma cena a outra durante o filme.
Para dar vida às personagens, Howard e Mabley (1999) esclarecem que o roteiro deve
contemplar seu interior, mostrando seus valores, desejos e medos. Esse aspecto é
desenvolvido por meio da justaposição de ações e diálogos que revelem as emoções e
conflitos internos das figuras. A evolução do roteiro precisa ainda da criação de momentos de
incerteza, que mantém o público com dúvidas em relação aos próximos acontecimentos e
interessado no desfecho da história.
O protagonista e os seus objetivos, tema, conflitos e obstáculos, premissa, culminância,
unidades de tempo, ação ou lugar, exposição, caracterização de personagens, cenas,
preparação e consequências, ironia dramática, elementos do futuro e anúncio, pistas e
recompensas são alguns elementos que fazem parte da composição do roteiro
cinematográfico.
No início da história, o autor deve chamar a atenção para o personagem principal. A trama se
desenvolve a partir do objetivo do protagonista e sua busca para alcançá-lo. Esse objetivo
deve ser único e capaz de despertar conflitos, além de atrair o público e determinar a relação
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da plateia com o protagonista. É importante também que o roteirista defina o tema, que deve
ser aplicado a todo o roteiro. O ponto de vista do escritor pode ser apresentado ao público por
meio da criação de personagens e situações cujas soluções demonstrem o que a história vai
explorar.
Howard e Mabley (1999) ressaltam que, ao construir uma história, o roteirista deve escolher
uma das três unidades: tempo, lugar ou ação. A unidade de tempo limita a história a um único
dia, enquanto a de lugar restringe o local dos acontecimentos. A maioria dos filmes utiliza a
unidade de ação. Para dar forma ao material original, conta-se a história a partir da trajetória
do personagem central em direção a sua meta.
Os conflitos e obstáculos compõem o terceiro elemento fundamental de um roteiro. Segundo
Howard e Mabley (1999), sem conflitos e empecilhos ao herói, a história não existiria. Porém,
os obstáculos devem ser equilibrados, e não podem ser muito fáceis ou difíceis para o
personagem principal, a ponto de impedir sua conquista.
A premissa envolve toda a situação já existente antes da ação do protagonista. São os
antecedentes da história. “Uma premissa satisfatória sempre contém o potencial de conflito ecertas informações pertinentes e específicas sobre o personagem principal”. (HOWARD;
MABLEY, 1999, p. 90). Para que o público receba essas informações, o roteiro usa as cenas
de exposição, termo já definido por Seger (2007). Essas sequências revelam o que,
geralmente, os personagens já sabem, mas a plateia ainda precisa descobrir.
Howard e Mabley (1999) definem a abertura como um ponto selecionado pelo autor para dar
início à história. A partir daí, cena por cena, o roteiro apresenta culminâncias e resoluçõesmenores, que sustentam a tensão principal. A culminância representa os pontos altos ou
baixos do roteiro, enquanto a resolução é estável. A resolução é o ponto de tensão, em que os
conflitos são resolvidos. Depois dessa etapa, o público percebe que o fim da história está
próximo.
Durante o desenvolvimento da história, o roteiro deve apresentar as tentativas de solução do
problema por parte do protagonista. Esses momentos envolvem o espectador provocando
reações em relação à tensão principal. Conforme Howard e Mabley (1999), os roteiristas
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utilizam alguns artifícios para manter a participação do público, como a ironia dramática, as
pistas e recompensas, e as cenas de preparação e consequências.
Segundo Howard e Mabley (1999), as ironias dramáticas se apresentam quando o espectador
sabe de algo que alguns personagens desconhecem. O momento, em que a personagem
descobre aquilo que o público já sabia, traduz a etapa chamada “reconhecimento”. Esse
estágio coloca o espectador em um posto de superioridade e participação em relação à
história.
As “pistas” são informações distribuídas ao longo da história, que a plateia deve guardar na
memória para que, na recompensa, aquelas ganhem novo significado. Essa técnica aumenta asensação de envolvimento do público e contribui para a unificação do enredo. Essas funções
também são desempenhadas pelas cenas de preparação e consequência. A primeira prepara o
público para a ação da próxima cena. Já a última permite que o público absorva a cena
anterior.
Os elementos do futuro e anúncio são informações do roteiro, que contribuem para o
andamento da história em direção ao desfecho do drama. Essas ferramentas fazem com que “oespectador pense em termos do que pode acontecer, sem, no entanto, saber o que vai
acontecer” (HOWARD; MABLEY, 1999, p. 121).
O roteiro compreende, principalmente, a descrição das ações das personagens. Esta descrição
deve conter o equilíbrio entre os diálogos e as imagens para evitar a redundância. Caso
aconteça a correspondência entre fala e imagem, o diálogo deve ser excluído, deixando que as
ações e imagens apresentem a situação.
A literatura e o cinema possuem linguagens distintas, específicas para cada meio. Enquanto a
linguagem literária, a partir do uso das palavras e figuras de linguagem, por exemplo, pode
ocupar muitas páginas em uma descrição minuciosa, a linguagem cinematográfica utiliza
vários elementos para contar um mesmo descrito pela literatura, como sons e imagens. Assim,
a comunicação feita pela literatura e pelo cinema corresponde às necessidades de cada mídia
e, por isso, não basta comparar os meios, mas analisar suas características e identificar suas
diferenças e semelhanças.
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2.2.2 Influências mútuas
A partir do surgimento e popularização do cinema, a literatura foi influenciada pelo novo
meio. Ataíde (1973) esclarece que o crescimento do cinema, e a atração do público pela tela,
causaram modificações no modo de fazer literatura. Como alternativa, os escritores
resolveram mostrar a história de uma forma que o cinema não poderia fazer e, para isso,
passaram a desenvolver o mundo interior dos personagens, com ênfase para os conflitos da
alma. Para Moisés (1997), a literatura “pode ir além da superfície das coisas [...]; ao cinema
apenas é dado registrá-los por fora.” (MOISÉS, 1997, p. 328)
Para Tânia Pellegrini (2003), a transformação da narrativa se desenvolve a partir dasimultaneidade dos conteúdos. O tempo passa a ser entendido como duração, e compreende a
imagem em movimento, não mais a imagem fixa, como em quadros e fotografias. Assim, a
literatura moderna usa de artifícios (por exemplo, recursos de composição e modos de narrar)
para conseguir a impressão de descontinuidade, que se apresenta nas obras cinematográficas
com a bidimensionalidade (vários “mundos” diferentes colocados em sequência, acomodados
lado a lado).
É importante observar que os códigos da literatura e do cinema são diferentes. Ataíde (1973)
ressalta que, enquanto o primeiro demanda mais tempo para apreciação, o último destina-se à
sociedade de consumo para a satisfação de necessidades imediatas. Desta forma, um livro de
muitas páginas pode ser lido durante semanas, enquanto um filme deve contar toda a história
em poucas horas.
O tempo de apreciação cinematográfico e da narrativa também é foco da discussão de Moisés(1997). O autor enfatiza que o cinema prioriza a velocidade de desenvolvimento do drama e,
por isso, oferece menos tempo à imaginação. Já o leitor do romance deve idealizar a história a
partir das informações que recebe ao longo do texto.
O cinema é representação, registro no celulóide da ação da personagem, enquanto oromance é narrativo, analítico; o ritmo do cinema é apressado por natureza: as cenaspossuem tempo certo de duração; o ritmo do romance é lento, pausado. O espectador dofilme vê as cenas, e vê-las é tudo quanto pode fazer, não pode voltar atrás, reexaminar umapassagem ou interromper a observação. [...] O leitor do romance é obrigado a imaginar [...];sentir e entender podem ser concomitantes durante a leitura, pois o leitor se faculta o direitode interrompê-la, refazê-la, adiá-la, etc. (MOISÉS, 1997, p. 326)
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Uma das diferenças entre literatura e cinema, apontadas por Pellegrini (2003), refere-se à
forma como uma sequência é feita. Na literatura, os fatos são apresentados de modo ordenado
por meio de palavras. A imagem em movimento do cinema reflete-se, na narrativa moderna,
por técnicas de justaposição e montagens. Isto ocorre porque, nos filmes, há uma mistura
entre visível (sequência de imagens) e o invisível (o tempo).
Moisés (1997) defende que a influência cinematográfica levou a literatura a fazer uma nova
exigência: a presença. O romance, cada vez mais literário, usa a imagem presente, e a
personagem deixa de ser vista como aquela de quem se conta uma história, e passa a ser
aquela que está presente enquanto se conta.
Para Thaís Flores Nogueira Diniz (2005), a literatura e o cinema estão ligados por uma
relação de interdependência, em que um meio influencia o outro. A autora defende que a
forma mais clara dessa relação apresenta-se na forma da transposição, como uma tradução da
história narrada na literatura para o cinema.
2.3 Processo de transposição
A invenção do cinema modificou a forma de fazer a narrativa literária e a maneira como o
público se relaciona com os livros. Assim como a fotografia assumiu algumas funções da
pintura (retratar ambientes e pessoas), o cinema apresenta uma alternativa para o público, que
pode experimentar diferentes pontos de vista.
Para isso, cineastas realizam transposições, principalmente de obras literárias, para criação de
filmes, o que tem gerado bons resultados para o cinema. Essa transposição entre mídiasprioriza o diálogo, levando, para o cinema, a interpretação, feita pelo cineasta, das obras
literárias. Diniz (2005) ressalta que o cineasta não deve contentar-se em somente transpor os
elementos literários. Segundo a autora, o cinema precisa incorporar ao roteiro “elementos que
adicionam ou alteram leituras iniciais” (DINIZ, 2005, p. 30).
Anna Maria Balogh (2005) também evidencia a necessidade de o cinema acrescentar algo ao
texto original durante a transposição. “Na maioria das adaptações mantêm-se as performances
principais, ou seja, o elemento da sequência narrativa. Entretanto, há diferença na ordenação
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sintática das mesmas. [...] Em diversas transposições há expansão de performances”
(BALOGH, 2005, p. 66).
Ao discutir a transposição de obras literárias para o cinema, Seger (2007) ressalta que alguns
pontos devem ser observados por roteiristas, antes de realizar um filme a partir de outro meio.
Segundo a autora, é necessário avaliar o custo de uma adaptação, que pode ser alto, uma vez
que se deve pagar pelo projeto duas vezes: para comprar os direitos e para produzir o roteiro.
O material original deve ser avaliado duplamente. A primeira avaliação refere-se ao potencial
de adaptabilidade. A segunda preocupa-se com a tradução da história feita pelo roteiro.
Seger (2007) define transposição como “[...] um processo de transição de uma mídia paraoutra. Assim, o material original sempre oferecerá uma certa resistência à adaptação [...].
Porém, a adaptação implica mudança”. (SEGER, 2007, p. 17-18). A autora enfatiza que as
alterações na obra original durante a realização da transposição acontecem por causa das
diferenças entre os meios.
Enquanto o cinema comunica através de imagens, a literatura apresenta a história utilizando
as palavras, o que oferece descrições aprofundadas das situações, cenários e personagens. Deacordo com Seger (2007), nas obras literárias, o leitor recebe apenas uma parte da história de
cada vez e o detalhamento possibilita a visualização das cenas e contextualização do leitor. Já
o cinema possui várias dimensões, que são simultâneas, sendo que, em uma cena, é possível
identificar, ao mesmo tempo, características de personagens, desenvolvimento do tema e o
movimento da ação.
Seger (2007) relata que para realizar a transposição, o adaptador deve condensar ou expandiro material original (excluir ou desenvolver subplots
7). Deve-se também fazer da história um
filme viável comercialmente. Para isso, é necessário conhecer o público e dar à história uma
estrutura simplificada, para que as pessoas possam acompanhá-la sem dificuldades, uma vez
que o cinema oferece uma experiência única, sem a possibilidade de “voltar a página para
verificar um nome ou reler uma descrição”. (SEGER, 2007, p. 24).
7 Subplots é o termo usado para definir as histórias que formam uma linha secundária de ação.
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Na adaptação para o cinema, é importante identificar as linhas de ação dramática (principal e
secundária). Além disso, Seger (2007), assim como Howard e Mabley (1999), defende que é
preciso criar uma estrutura de três atos. A autora esclarece ainda que é importante identificar
o clímax (episódios com ação), cenas catalisadoras (aquela que inicia o conflito), além das
cenas de transição e arcos dramáticos8.
Seger (2007) discute que, para adaptar um livro para o cinema, deve-se trabalhar com uma
quantidade menor de personagens, para evitar as dificuldades para acompanhar a história.
Para escolher os personagens, a autora caracteriza quatro funções desempenhadas pelas
figuras: ajudar a contar a história; revelar os personagens principais; personificar ou falar
sobre o tema e acrescentar “colorido”, e textura à trama.
Um personagem pode ocupar mais de uma categoria, mas se não ocupar nenhuma, a figura
deve ser cortada do roteiro. Há ainda a possibilidade de muitos personagens executarem as
mesmas funções; como solução, Seger (2007) aponta que o roteirista deve combiná-los.
Cortar personagens geralmente significa combiná-los [...]. Em se tratando de cinema, atécnica de combinar personagens pode ajudar a aperfeiçoar e concentrar o foco da linha de
ação dramática. Combinar personagens não significa necessariamente juntar as qualidadesde dois personagens em um só. Pode significar cortar um dos personagens, preservandodele somente uma fala ou ação, que é passada a outro personagem. (SEGER, 2007, p. 158)
Para fazer a adaptação de filmes, Seger (2007) defende que é preciso saber fazer as gradações,
que são identificadas pelo estilo (modo particular de produzir um filme), atmosfera
(desenvolve a resposta emocional do público) e tom (atitude). A autora argumenta que o estilo
realista é o mais fácil de ser adaptado, além de oferecer maiores chances de sucesso, uma vez
que o público está mais acostumado a esse estilo, que se assemelha à vida real.
Encontrar “pistas”, no material original, é o modo de identificar o estilo de uma obra. De
acordo com Seger (2007), essas pistas podem ser: a escolha das palavras pelo autor de um
livro, as descrições, o ritmo do texto, a repetição e o uso de simbolismo. A autora alerta
também que, qualquer que seja o estilo escolhido, é necessário situar o público no início do
filme, para que possa compreender e acompanhá-lo sem dificuldades.
8 O arco dramático é constituído pela ligação entre o começo e fim da história e, por vezes, coincide com aespinha dorsal da história.
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Outro ponto evidenciado por Seger (2007) é que o estilo precisa estar integrado e presente em
todo o filme, do início ao final. Além disso, é importante manter apenas um tema, para não
confundir o público. Entretanto, somente o estilo não incentiva as pessoas a continuarem
vendo o filme. Para cativar o público, as histórias, os personagens e o tema também devem ser
construídos de modo a tornar o estilo interessante.
2.3.1 Uma nova visão da obra
Sobre a discussão da mudança do meio literário para o cinema, Ismail Xavier (2003) aponta
que as principais análises feitas, a partir da transposição, se concentram na interpretação feita
pelo cineasta na leitura da obra literária. O autor explica que, no passado, a rigidez para atransposição era mais comum. Os filmes mantinham maior fidelidade à obra original. Porém,
atualmente, privilegia-se a ideia do diálogo, dando atenção às modificações inevitáveis ao se
transpor uma história de um meio para outro.
Robert Stam (2008) complementa essa ideia ao ressaltar que a passagem de um meio verbal
para um meio “multifacetado”, como o cinema, impede a fidelidade à obra original. Os filmes
utilizam, além das palavras escritas e faladas (legendas e diálogos), outros elementos, comopor exemplo, efeitos sonoros e música. “Uma adaptação é automaticamente diferente e
original devido à mudança do meio de comunicação” (STAM, 2008, p. 20). Seger (2007)
complementa ainda que:
Mudanças são absolutamente essenciais para se fazer a transição de uma mídia para outra.[...] Nem todas as adaptações seguem fielmente o original. De fato, se os adaptadoresnutrissem um respeito exagerado por cada palavra ou cada vírgula da literatura que lhesserve de base, não seriam capazes de traduzir o material para a linguagem do cinema.(SEGER, 2007, p. 25)
Considerando que cada mídia tem características específicas, como já foi dito anteriormente,
toma-se, nesta pesquisa, o ponto de vista de Xavier (2003), uma vez que um livro não pode
ser adaptado integralmente para o cinema. Os filmes possuem limite de tempo de duração, o
que exige cortes na história original, ou o longa pode se tornar cansativo, fazendo com que o
público não se interesse ou não tenha atenção a partir de determinado período da trama.
A transposição cinematográfica feita com menos rigidez também é alvo da discussão de
Randal Johnson (2003). A concepção da “inviolabilidade da obra literária” é derivada de uma
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ideia de Kant, que resulta na valorização da obra literária, em detrimento da produção
cinematográfica, segundo o autor. Desta perspectiva, isso quer dizer que todo o livro deve ser
respeitado durante o filme, mantendo a fidelidade à obra, sem muitas modificações.
Concorda-se aqui com a visão de Johnson (2003), sabendo-se que, conforme dito
anteriormente, não é possível transpor, sem alterações, uma história do meio literário para o
cinematográfico.
Essa questão é denominada como “falso- problema”, uma vez que a infidelidade em relação à
obra literária não é um problema para quem não conhece a narrativa original ou quando a
adaptação é resultado de uma obra pouco valorizada. Segundo Johnson (2003), a transposição
de livros para filmes é vista, em geral, como um “falso- problema”, porque não são observadasas especificidades de cada meio, ignorando as diferenças entre eles.
Enquanto um romancista tem à sua disposição a linguagem verbal, com toda a sua riquezametafórica e figurativa, um cineasta lida com pelo menos cinco materiais de expressãodiferentes: imagens visuais, a linguagem verbal oral [...], sons não verbais [...], música e aprópria língua escrita. (JOHNSON, 2003, p.42).
Atualmente, a questão da fidelidade deixou de ser essencial e passou-se a valorizar o diálogo
com o texto de origem e seu contexto. Para criação da história, o escritor pode seguir as
tendências de seu tempo, com referências de um momento histórico, em relação à linguagem
e comportamento dos personagens. Um filme pode atualizar conceitos relativos à sua época
de produção, incorporando a interpretação do diretor e suas influências.
Xavier (2003) esclarece que, no cinema, o texto pode se estruturar de modo a complementar a
encenação, ao contrário do romance. Para isso, o autor utiliza a definição de fábula e trama.
Fábula é a história, o encadeamento dos fatos em determinado local e tempo. Já o conceito de
trama pode ser entendido como o modo de contar a história. Assim, o autor argumenta que um
filme pode ser fiel à fábula, mas tramá-la de forma diferente, possibilitando outras
interpretações do texto original.
Assim, adota-se, nesta pesquisa, o termo “Transmidialidade” 9, definida por Jenkins (2009),
como uma história que “desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada
novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. (JENKINS, 2009, p. 138).
9 A definição do termo aplica-se à pesquisa porque determinados aspectos do filme apenas serão compreendidosapós a leitura dos livros. Assim, as obras literárias e cinematográficas se completam, sendo que cada umaoferece diferentes elementos para o entendimento da história.
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De acordo com Jenkins (2009), a narrativa transmídia se desenvolve a partir de motivações,
principalmente econômicas, com a expansão de franquias e criação de novos meios que
complementem a história original, como livros ilustrados, novos filmes e videogames10. Nesse
ponto, Diniz (2005) trata da transposição como uma forma de hipertexto, em que o
significado de transposição é ampliado e envolve outros textos, não só o literário.
10 A Eletronics Arts (EA) criou, a partir da obra de Tolkien e dos filmes dirigidos por Peter Jackson, uma série de jogos que transportou para os games o mundo de O Senhor dos Anéis. A nova plataforma possibilitou aexploração de outras dimensões da história, que não são possíveis nas telas, como por exemplo, a interação dopúblico.
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3 A CRIAÇÃO DE UMA HISTÓRIA
3.1 A jornada de um herói
Cada cultura possui histórias e costumes próprios, com amplas variações de acordo com o
lugar e o tempo em que estão inseridas. Essas histórias são narradas pelos mitos, definidos
como narrativas tradicionais, de caráter simbólico, adaptadas de acordo com as crenças de
cada cultura. Esses mitos oferecem respostas aos questionamentos da vida e lições para a
sociedade. Entretanto, a mitologia tem apresentado, através dos tempos, uma estrutura comum
a muitas histórias, apesar das adequações regionais e temporais.
Essa composição, denominada monomito ou a jornada do herói é utilizada por Christopher
Vogler (2006) para descrever os passos e elementos, que compõem uma história. Para isso, o
autor baseou-se nos estudos de Joseph Campbell sobre mitologias de variadas culturas.
Joseph Campbell (2007) estabeleceu a estrutura do monomito, a partir da observação da
estrutura de diversos mitos e contos, ressaltando que o percurso padrão de um herói
assemelha-se à fórmula dos rituais de passagem. Essa fórmula envolve a separação e oafastamento do mundo comum; iniciação, com a entrada em alguma fonte de poder e o
retorno, trazendo experiências que enriquecem a vida pessoal ou da sociedade.
Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais;ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosaaventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. (CAMPBELL, 2007, p.36)
As semelhanças entre os mitos de variadas culturas, segundo Joseph Campbell (1990),acontecem porque os seres humanos possuem a mesma psique, ou seja, os mesmos impulsos,
medos e conflitos. A partir daí, surgem os arquétipos, definidos como ideias elementares que
aparecem em diferentes mitos com algumas adaptações. Mircea Eliade (1972, p. 125) defende
que “o modelo mítico presta-se a aplicações ilimitadas”.
Assim, os novos mitos são elaborados a partir de histórias antigas, oferecendo modelos de
vida diferenciados para cada época e local em que essas histórias são contadas. Desta forma, o
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autor relata que “a única maneira de conservar uma velha tradição é renová-la em função das
circunstâncias da época” (CAMPBELL, 1990, p.34).
Os mitos são recriados ao serem passados por gerações, por meio dos contadores de histórias,
que registram variantes de um mito ou tema folclórico, mas não criam um novo mito, apenas
reforçam a crença de determinado povo. Para Eliade (1972), os mitos são sempre simples
modificações de um texto preexistente. “É uma criatividade no plano da imaginação religiosa
que renova a matéria mitológica tradicional” (ELIADE, 1972, 129).
Cada mitologia é verdadeira para a cultura a qual corresponde, sendo que os mitos apresentam
histórias e ensinamentos em forma de metáfora, Desta forma, cabe a cada um interpretar ecompreender essas lições, uma vez que, para Campbell (1990), cada história se constitui
segundo características específicas a cada cultura.
Partindo desse pressuposto, de que todas as narrativas são elaboradas a partir de alguns
componentes estruturais comuns, Vogler (2006) enumera os doze estágios básicos para
criação de histórias. O autor apresenta os elementos e funções, que tornam a narrativa
equilibrada e coerente. A jornada do herói, descrita por Vogler (2006), é composta pelasseguintes etapas: Mundo Comum; Chamado à Aventura; Recusa ao Chamado; Mentor,
Travessia do Primeiro Limiar; Testes, Aliados e Inimigos; Aproximação da Caverna Oculta;
Provação; Recompensa; Caminho de Volta; Ressurreição e Retorno com o Elixir .
Vogler (2006) define o Mundo Comum como um local onde o herói é mostrado antes de partir
para aventura. Ele é mostrado em “casa”, em seu mundo cotidiano primeiro, para que, depois,
seja criado o contraste com o Mundo Especial. O Chamado à Aventura representa o momentoem que o herói recebe o desafio, conhece o problema e deve sair para resolvê-lo. Em seguida,
observa-se a Recusa ao Chamado, período em que, antes de enfrentar o chamado, o herói
hesita, questiona o problema, e pensa em não partir para a aventura.
A etapa, classificada por Vogler (2006) como Mentor , compreende o encontro do herói com
um velho ou velha sábia, que orienta, aconselha e fornece equipamentos. A Travessia do
Primeiro Limiar reflete a aceitação do desafio e comprometimento do herói com as
consequências do problema que enfrentará; enquanto no estágio Testes, Aliados e Inimigos o
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protagonista aprende as regras do Mundo Especial. O herói passa por provações, nas quais
encontra personagens que podem se tornar amigos ou oponentes.
Na etapa de Aproximação da Caverna Oculta, o herói enfrenta perigo, afinal atravessa o
segundo limiar e se aproxima do local onde está escondido o que busca, segundo Vogler
(2006). Para o autor, o momento crítico em que o protagonista tem seu destino questionado
pelo público é o estágio da Provação. A Recompensa é o momento em que herói alcança seu
objetivo e pode celebrar.
Para completar a jornada, Vogler (2006) descreve o Caminho de Volta, período em que o
herói decide retornar ao mundo comum, mas deve enfrentar as consequências do desafio; a Ressurreição, que se refere à etapa em que há a última vitória contra o mal, a provação final
do herói. Antes da purificação e retorno ao Mundo Comum, o protagonista sofre
transformações em sua personalidade e vida, aprendendo uma determinada lição. O autor
define ainda o Retorno com o Elixir . Nessa fase, o herói volta para “casa” com um elixir, que
pode ser o objeto da busca, conhecimento, tesouros ou mesmo uma lição moral.
Vogler (2006) apresenta também os principais tipos de personagem, que servem comosímbolos de diversas qualidades e possibilidades para o herói. Os personagens mais comuns,
encontrados em diversas histórias, são herói, mentor, guardião de limiar, arauto, camaleão,
sombra e pícaro. Esses arquétipos podem ser interpretados, como máscaras, por mais de um
personagem.
O herói é figura que se sacrifica em favor de um bem maior. Responsável pela ação, o herói é
a personagem mais ativa da narrativa. Ele deve ter emoções, qualidades admiráveis e umamotivação. Porém, o herói deve apresentar também características que o tornem original.
Como uma pessoa real, um herói também pode ter falhas e “impulsos conflitantes”, como
afirma Vogler (2006, p. 77).
Outro arquétipo comum a várias histórias é o Mentor . Representado por um velho ou velha
sábia, este personagem ajuda, orienta e aconselha o herói. Essa figura representa o que o herói
pode se tornar caso tenha sucesso em sua busca. Além disso, em cada travessia de limiar, o
protagonista pode encontrar a personagem do Guardião de Limiar . Esse arquétipo representa
os obstáculos comuns que qualquer pessoa deve enfrentar em algumas etapas da vida. O
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Guardião de Limiar simboliza as dificuldades pelas quais o herói deve passar, antes de
alcançar seu objetivo.
Responsável por anunciar o desafio ao herói, o Arauto pode ser representado por uma pessoa
ou mensagem. Esse papel pode ainda ser assumido, temporariamente, por outro personagem,
como uma máscara. A figura do Camaleão também pode ser interpretada por qualquer outro
personagem. Esse arquétipo caracteriza-se pela instabilidade, levando suspense à história. O
Camaleão é visto pelo herói como uma pessoa em constante mudança de aparência ou estado
de espírito, e pode levá-lo a erros ou acertos.
Os vilões e antagonistas são revelados na personagem da Sombra. De acordo com Vogler(2006, p. 123), ela “representa a energia do lado obscuro, os aspectos não expressos,
irrealizados ou rejeitados de alguma coisa”. Assim como os demais arquétipos, a sombra pode
apresentar-se como uma função ou máscara. Sendo assim, é possível que qualquer
personagem, em determinadas partes do roteiro, exerça este papel. O herói pode, por exemplo,
assumir a função de sombra, mentor ou arauto, para atravessar um limiar.
Vogler (2006) define ainda o personagem Pícaro, representado por palhaços ou manifestaçõescômicas. Esse arquétipo atende a condição de personagem catalisador, ou seja, aquele que
interfere e altera a vida de outros, mas ele próprio não sofre modificações.
É possível que não sejam encontrados todos os tipos de personagem, assim como os estágios
da jornada, em todas as histórias. Isso ocorre porque Vogler (2006) oferece possibilidades
para o escritor montar sua própria estrutura de texto, sem manter-se preso à fórmula proposta
em seu estudo, descrita anteriormente, com os elementos da jornada do herói.
Lembre-se: as necessidades da história é que ditam a estrutura. A forma segue a função,obedece a ela. Suas crenças e prioridades, junto com os personagens, temas, estilo, tom e oclima que você está querendo passar é que vão determinar a forma e o projeto do enredo. Aestrutura será influenciada pela platéia, pelo lugar e a época em que a história está sendocontada (VOGLER, 2006, p.326).
A jornada do herói discute as etapas de uma história, mas pode ser também compreendida
como uma metáfora para a vida. Com pessoas que se encaixam em todos os arquétipos,
conflitos, travessia de obstáculos e sucesso, Vogler (2006) defende que a vida também segue
o roteiro do monomito.
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3.2 Mitos, ritos e culturas
A mitologia revela aquilo que os seres humanos têm em comum, representam a procura de
sentido. Segundo Ives Gandra Martins Filho (2006), toda mitologia é formada de histórias,
cujo objetivo é explicar as realidades do mundo por meio da ação de figuras, como deuses e
semideuses, que moldaram a humanidade da maneira como a sociedade a vê, de acordo com
cada cultura. “Assim, a mitologia de todos os povos antigos compunha -se de estórias
fabulosas e lendas, cuja ficção alegórica pretendia explicar as origens do mundo e das
potências que nele atuam através da humanização das forças da Natureza” (MARTINS
FILHO, 2006, p. 16).
O mito pode ter a função de fornecer modelos para o comportamento humano, dando valor à
existência. De acordo com Eliade (1972), o mito representa uma realidade cultural complexa,
que pode ser interpretada por meio de diversas perspectivas. Campbell (2007) acrescenta que
a função primária dos mitos, e ritos, é oferecer símbolos que levem a humanidade à frente,
realizando avanços para beneficiar sua vida.
O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. [...] O mito narra como, graças às façanhasdos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo,ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, umainstituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação” (ELIADE, 1972, p. 11).
Assim, a mitologia, segundo Eliade (1972), revela uma história significativa e sobrenatural
para a criação do mundo, do homem e da vida. Essa mitologia é considerada verdadeira e
sagrada. É verdadeira porque retrata realidades, como por exemplo, “o mito cosmogônico é
„verdadeiro‟ porque a existência do Mundo está aí para prová-lo” (ELIADE, 1972, p. 12). Os
mitos são sagrados por referir-se a obras de seres sobrenaturais.
É preciso ressaltar que, enquanto Campbell (2007) trata dos mitos como um todo, Eliade
(1972) aborda apenas a mitologia da Antiguidade Clássica. Campbell (2007) buscou, em
diferentes culturas, os aspectos comuns que se configuraram em um fio condutor de histórias
como mitos antigos, fábulas e contos de fadas. Assim, o autor descreve as funções e
características da mitologia, como também estabelece a jornada do herói mitológico, ou
monomito. Eliade (1972), porém, analisa os componentes da mitologia clássica, como os
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mitos de criação do mundo, por exemplo. O autor é conhecido, principalmente, por seus
estudos sobre religiões em variadas culturas, em diferentes momentos históricos.
A partir de estudos sobre diferentes mitologias, Campbell (1990) estabeleceu quatro funções
básicas para os mitos: o papel místico, cosmológico, sociológico e pedagógico. A função
mística relaciona o homem com os mistérios do mundo. Já a dimensão cosmológica abriga
também o mistério e mostra a forma do universo. O papel sociológico é responsável pela
variação dos mitos segundo cada sociedade, uma vez que está ligado aos costumes, tempo e
local em que vive um povo. Os ensinamentos transmitidos pelos mitos, assim como a
orientação sobre como atravessar estágios da vida, por exemplo, correspondem à função
pedagógica.
A mitologia conta histórias sobre a sabedoria de vida. Os mitos e ritos apresentam-se como
maneiras de harmonizar corpo e alma, sendo que o desaparecimento desta mitologia faz com
que as sociedades sofram rupturas. Assim, de acordo com Campbell (1990), os jovens (que
não possuem histórias ou ritos como referência para o desenvolvimento de suas vidas) criam
sua própria mitologia, inspirada em astros de cinema, da música ou criando grupos, como
gangues e tribos.
Campbell (1990) esclarece que o mundo está “desmitologizado”, uma vez que os estudantes
aprendem sobre novas tecnologias e acumulam informações, enquanto há relutância no ensino
dos valores da vida. A explicação para a criação de um mundo “desmitologizado” acontece,
já na Antiguidade, conforme Eliade (1972, p.137), porque há “um trinfo do logos sobre o
mythos. É a vitória do livro sobre a tradição oral, do documento – sobretudo do documento
escrito – sobre uma experiência vivida que só dispunha de meios de expressão pré-literários”.
O rito é uma forma de “executar” o mito, cumpri-lo e participar dele. De acordo com Eliade
(1972), o valor evidente de um mito é confirmado pelos ritua is. “Graças à repetição contínua
de um gesto paradigmático, algo se revela como fixo e duradouro no fluxo universal”
(ELIADE, 1972, p. 124).
Os ritos têm a função de auxiliar os indivíduos a compreender as transformações da vida,
como por exemplo, a passagem da infância para a juventude e vida adulta. Segundo Campbell
(1990), a importância dos rituais refere-se à integração do indivíduo com a sua sociedade.
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Dessa forma, a falta de uma mitologia e, consequentemente, de um ritual, faz com que o
individualismo predomine sobre a coletividade, ou seja, o homem passa a se importar mais
com o “eu” do que com a sociedade e o ambiente em que está inserido. “Os rituais, que antes
diziam respeito a uma realidade interior, hoje não passam de formalidade” (CAMPBELL,
1990, p. 97).
Campbell (1990) diferencia ainda dois tipos de mitologia. A primeira visa ao acordo entre o
humano e a natureza, como uma maneira de compreensão dos impulsos naturais e da
cooperação com o meio ambiente. A segunda forma de mitologia relaciona o homem com a
sociedade em que está inserido.
3.3 Mitologia tolkieniana
Com a publicação de O Senhor dos Anéis, a mitologia desenvolvida por J. R. R. Tolkien
tornou-se conhecida e revelou, além de um novo universo mítico, com personagens e
situações diversas, as inspirações e influências que o autor recebeu para elaboração de suas
obras literárias. O sucesso da literatura tolkieniana rendeu para a trilogia cinematográfica O
Senhor dos Anéis, dirigida por Peter Jackson, 17 Oscars ( A Sociedade do Anel foi premiada
em quatro categorias, As Duas Torres, em duas e O Retorno do Rei conquistou 11 estatuetas).
Elementos das mitologias grega, romana, celta e nórdica fizeram parte da criação da Terra-
média e seus mitos fizeram de Tolkien um dos principais autores do subgênero designado
como literatura fantástica. Tolkien inspirou o imaginário de muitos leitores e, mesmo depois
de sua morte, suas publicações continuaram. Sob a responsabilidade de seu filho, Christopher
Tolkien, obras como O Silmarillion e Contos Inacabados de Númenor e da Terra-média
foram publicadas, oferecendo aos leitores explicações sobre as origens da Terra-média.
Ao contar sua história de magia, poder e corrupção, J. R. R. Tolkien fixou um padrão para aliteratura de fantasia que, mesmo hoje, mais de cinquenta anos após a publicação de O
Senhor dos Anéis, ainda não foi superado. Pois em seus livros não encontramos apenas umahistória bem urdida e personagens bem delineados: encontramos todo um mundo à parte,criado com absurda minúcia. (MARTINS FILHO, 2006, p. 8)
Desta forma, Tolkien criou uma mitologia inglesa, baseada em características da cultura celta
e anglo-saxã, com alguns elementos da mitologia greco-romana. A influência cristã tambémfaz parte da obra tolkieniana, uma vez que a família do autor converteu-se ao Cristianismo e,
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após a morte de sua mãe, Tolkien e seu irmão, Hilary Arthur, foram educados pelo padre
católico Francis Xavier Morgan.
Entre os aspectos da mitologia greco-romana que compõem o universo da Terra-média, tem-
se a concepção do Sol e da Lua. Os gregos antigos acreditavam que os astros eram
transportados por barcas, que partiam do oriente para ocidente, subindo pelo mar até se porem
no lado oposto. Essa ideia é repetida pela lenda de Tolkien sobre Eärendil e Elwing, com as
silmarils servindo de luzeiro11.
Segundo Martins Filho (2006), a montanha de Taniquetil, a Terra Abençoada de Aman e a
noção de que a Terra era plana são elementos que fazem referência à cultura grega.Taniquetil, a montanha onde vive o deus Manwë, seria a imagem do Monte Olimpo, morada
das divindades da Grécia antiga. Já a Terra Abençoada, local para onde os elfos de Tolkien
iam após a morte, identifica-se com o paraíso da mitologia grega, os Campos Elíseos. Os
gregos pensavam que a Terra era plana, com a Grécia ao centro e, em volta, os oceanos. A
visão tolkieniana do mundo correspondia a essa ideia e, para evitar que homens chegassem à
Terra de Aman, os Vala12 arredondaram o mundo.
Martins Filho (2006) ressalta a importância da cosmovisão cristã na elaboração das histórias
de Tolkien. A principal referência ao Catolicismo remete à criação do mundo por um deus
único (Eru Ilúvatar). Assim como na Bíblia cristã, a mitologia tolkieniana apresenta os anjos
(Vala) e a “queda”.
Ao ser submetido a uma prova (a composição de uma música a partir de um tema dado por
Eru), cada Vala iria se conhecer e criar maravilhas. Orgulhoso, Melkor ou Morgoth (imagemdo demônio) decidiu desenvolver sua própria canção, desviando da sinfonia dos demais.
11 As silmarils, na mitologia de Tolkien, eram três gemas, criadas pelo elfo Feänor, antes do Sol e da Lua. Elasformavam a única luz remanescente das Duas Árvores de Valinor. Eärendil era meio-elfo, marido de Elwing,com quem teve dois filhos Elrond e Elros. Após ataque dos filhos de Feänor, as crianças foram tomadas comoprisioneiras e os pais se desesperaram ao perder os filhos. Na fuga, Elwing escapou com uma Silmaril eencontrou o barco de Eärendil. Juntos, eles pediram ajuda aos Valar na guerra contra Morgoth. Com a vitória, oVala Manwë decretou que o casal, assim como seus filhos, poderiam escolher ser tratados como elfos ou
homens. Elrond escolheu ser elfo e permaneceu na Terra Média. Elros escolheu o destino de homem e tornou-seo primeiro rei de Númenor. Eärendil e Elwing escolheram a vida élfica, sendo que, Eärendil navega em seubarco, com a Silmaril atada à frente, levando a luz e esperança aos povos da Terra Média.12 Deuses da Terra-média. A palavra “vala”, na língua élfica Quenya, significa “Poderes do Mundo”.
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Repreendido por Eru, Melkor abandonou os Vala para criar seu próprio mundo, a partir de
seus desejos, invejando e destruindo o que os Vala realizavam.
Sentimentos como o orgulho, a avareza, a soberba e a inveja também são condenados por
Tolkien em suas histórias. Assim, a criatura mais poderosa da Terra-média, Sauron, o Senhor
do Escuro, é vencido pelo ser mais humilde de seu mundo imaginário: um hobbit, que apenas
com sua boa vontade e caráter, consegue vencer a tentação e destruir o Anel.
Segundo Martins Filho (2006), o Salão de Fogo, em Valfenda, local onde Frodo encontra
Bilbo, refere-se à imagem de uma capela cristã, local de oração e meditação. A invocação de
uma Valier (Senhora das Estrelas), pelos hobbits, surgiu a partir do papel de Nossa Senhora,que para os cristãos, oferece proteção constante.
O sacrifício, a misericórdia e o perdão também fazem parte da história de O Senhor dos Anéis,
em que, assim como a visão cristã, valoriza esses sentimentos em favor de um bem maior.
Entretanto, “não foi o objetivo de Tolkien assumir todas as premissas fáticas do Cristianismo,
sob pena de estar fazendo teologia em vez de uma despretensiosa obra literária” (MARTINS
FILHO, 2006, p. 24).
Martins Filho (2006) relata que a mitologia nórdica13 atraiu a atenção de Tolkien durante seus
estudos sobre a língua islandesa. Os mitos nórdicos apresentam, como principal exemplo, os
vikings, que viviam no Walhalla, paraíso onde viviam os deuses, semelhante à Terra de Aman
e Valinor, criados por Tolkien.
De acordo com Lin Carter (2003), a primeira inspiração de Tolkien para o desenvolvimentode sua própria mitologia foi o Edda Antigo14, obra da literatura nórdica. Segundo o autor,
Tolkien aproveitou elementos da lenda de Siegfried15, uma das mais grandiosas histórias do
Edda. Essa lenda conta a história de um Matador de Dragões, que pegou o tesouro dos
13 Mitos dos povos escandinavos, que viviam nas terras onde, hoje, localiza-se a Suécia, Dinamarca, Noruega eIslândia.14 Chamado de “Velho Testamento” da mitologia nórdica, o Edda é uma grande obra, formada por cerca de 35livros. Escrito em versos e prosa, o livro apresenta lendas, poesias, provérbios, fábulas, teologia e cosmogonia.15 A lenda de Siegfried (também chamado de Sigurth) possui várias versões, mas Tolkien utilizou a história
original: “Sigurth, o Volsung, mata Fafnir, o dragão, e pega o tesouro do anão maligno, Andavari. Ele acordaSigrfrida, a Valquíria, de seu sono mágico e a corteja para o rei Gunnar, cuja esposa ela se torna. Gunnar, emrecompensa, dá a Gutgrun a Sigurth como esposa. Mais tarde, Gunnar e Hogni matam Sigurth para obter otesouro dos Nibelungos” (CARTER, 2003, p. 166-167).
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Nibelungos. Entre as peças desse tesouro estavam anéis de ouro, que, segundo Carter (2003),
teriam inspirado a criação do Anel do Poder, de O Senhor dos Anéis.
Na saga tolkieniana, a presença dos trolls também é referência à cultura escandinava. Essas
criaturas representam os gênios do mal que estão em constante disputa com os deuses. Outra
aproximação entre as mitologias nórdica e tolkieniana é evidenciada no modo de adoração dos
deuses. Assim como as divindades vikings, que não possuíam um templo, Eru Ilúvatar era
cultuado ao ar livre.
Os belos elfos que compõem a história de Tolkien têm sua origem nos mitos escandinavos.
Thomas Bulfinch (2005) descreve essas criaturas nórdicas como seres detentores de muitospoderes, mas inferiores aos deuses, assim como os elfos de O Senhor dos Anéis.
Os espíritos brancos, ou elfos da luz, eram extraordinariamente belos, mais brilhantes doque o sol, e trajavam vestes feitas de tecidos delicados e transparentes. Amavam a luz, eramamigos dos seres humanos e geralmente tinham a aparência de adoráveis crianças louras.(BULFINCH, 2005, p. 399)
Embora outras mitologias tenham inspirado as criações de Tolkien, a Terra-média, segundo
Carter (2003)¸ é um termo usado em várias obras literárias na Inglaterra. O lugar onde sepassam as histórias de O Senhor dos Anéis surgiu a partir de uma palavra “antiquada” para
„mundo‟. “De fato, a palavra é citada como um termo obsoleto para „o mundo‟ no Webster´s
Universal Unabridged Dictionary, Volume II, edição de 1936”. (CARTER, 2003, p. 38).
Tolkien usa a expressão para referir-se à “terra dos homens”, no mesmo sentido em que os
nórdicos usavam a palavra “Midgard” (meia jarda), local entre o céu e o inferno, onde vive a
humanidade.
Para Tolkien, a Terra-média durante a Terceira Era16 assemelhava-se à Europa durante a
Idade Média. Porém, o autor descreve o mundo medieval como um lugar onde os homens
partilham o ambiente com criaturas fantásticas, diferentes dos humanos, como ents, hobbits,
anões, elfos, magos e orcs.
Tolkien criou um “mundo novo” inspirado em diversas mitologias, contos e culturas. Para
dotar de realidade cada elemento de seu universo mítico, Tolkien elaborou ainda idiomas para
16 Momento da história da Terra-média em que se passam as aventuras de O Senhor dos Anéis.
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cada espécie que povoava a Terra-média, além de descrever com detalhes as situações,
personagens e ambientes que compõem O Senhor dos Anéis. Apesar de diversas inspirações, a
história da vida de Tolkien, com acontecimentos reais, vivenciados pelo autor, foi
determinante para o desenvolvimento de sua mitologia e histórias que compõem os diversos
livros escritos por Tolkien, entre eles, O Senhor dos Anéis, O Hobbit e O Silmarillion.
3.3.1 A vida de Tolkien
John Ronald Reuel Tolkien nasceu na África do Sul, em 3 de janeiro de 1892. Seus pais,
Arthur Reuel Tolkien e Mabel Suffield Tolkien, se conheceram em Birmingham, Inglaterra,
mas, como funcionário do banco Lloyds Bank, Arthur foi transferido para uma filial no paísafricano.
As condições climáticas da África do Sul eram desfavoráveis à saúde de Arthur e, quando J.
R. R. Tolkien tinha apenas três anos, seu pai faleceu. Assim, Mabel e os filhos (Tolkien e seu
irmão, Hilary Arthur), voltaram para a Inglaterra, onde passaram a viver em uma casa de
campo17, perto de Birmingham.
De volta ao país natal, Mabel e a família converteram-se ao Catolicismo, o que desagradou
aos parentes protestantes, que cortaram a ajuda econômica que ofereciam a Tolkien e ao
irmão. Mabel, com diabetes, faleceu em 1904 e, em seu leito de morte, confiou os filhos a
Francis Xavier Morgan, padre da Igreja Católica de S. Dustan.
No ano de 1910, em sua segunda tentativa, Tolkien conseguiu uma bolsa de estudos na
Universidade de Oxford, para o curso de Letras. Na faculdade, ele desenvolveu seu gosto pelamitologia e filologia (estudo de línguas), que resultou em seu maior passatempo: a criação de
novos idiomas, como Quenya e o Síndarin, línguas élficas, faladas em O Senhor dos Anéis.
Entretanto, a curiosidade por novas línguas e palavras surgiu durante a infância. De acordo
com David Colbert (2002), Tolkien, ainda criança, ficava encantado com as palavras em galês
17 A casa de campo marcou a vida de Tolkien, que ficou chocado ao ver o local transformado, anos mais tarde,
em um centro industrial. Este fato teria influenciado o autor ao definir o desfecho da vila dos hobbits, em OSenhor dos Anéis. O Condado, no início da história, é um ambiente rural, com matas, animais e rios. Após oretorno dos hobbits, depois das aventuras na Terra-média, o local encontra-se destruído e marcado pela evoluçãoda industrialização.
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que lia em caminhões de carvão. Adolescente, Tolkien partilhou a criação do “nevbosh” com
uma prima. O idioma misturava inglês, francês e latim. Pouco depois, inspirado no espanhol,
o escritor desenvolveu o que chamou de “naffarin”.
Durante muitos anos, Tolkien estudou o gótico, língua antiga europeia que deu origem às
formas arcaicas do inglês e do alemão. Mas foi a partir da gramática finlandesa que o autor,
segundo Colbert (2002), criou seu principal idioma, o Quenya. Tolkien aprendeu ainda o
código Morse e a língua dos semáforos. “As línguas que Tolkien conhecia incluíam: grego
antigo, latim, gótico, nórdico antigo (islandês antigo), sueco, norueguês, dinamarquês, anglo-
saxão (antigo inglês), médio inglês, alemão, holandês, francês, espanhol, italiano, galês e
finlandês”. (COLBERT, 2002, p. 111)
Colbert (2002) ressalta que Tolkien gostaria que as línguas inventadas “imitassem” os
idiomas reais, principalmente no que se refere à evolução. Desta forma, o Quenya e o
Síndarin18 estabeleceram a mesma relação que o latim possui com outras línguas. O escritor
criou ainda dois alfabetos: os tengwar, letras com escrita cursiva, e os cirth, semelhante às
runas, primeiro alfabeto usado na Europa.
Tolkien acreditava que o som de cada língua inventada está ligado ao caráter das pessoasque a falam. Por exemplo, tanto o alto élfico (Quenya) como o élfico-cinzento (Síndarin) sebaseiam em línguas que ele achava bonitas (o finlandês e o galês). Isso se harmoniza comseus sentimentos cordiais em relação aos elfos. Ao mesmo tempo, a Língua Negra, usadapor Sauron e seus seguidores em Mordor, tem um som pavoroso. (COLBERT, 2002, p.114)
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Tolkien juntou-se aos Lancashire Fusiliers e, na
França, participou da Batalha do Somme. Devido aos piolhos e umidade, contraiu a febre das
trincheiras e passou o resto da guerra em hospitais. Nas batalhas, Tolkien perdeu dois amigos,R. Q. Gilson e Geoffrey Smith, integrantes do grupo “Tea Club and Barrovian Society
(TCBS) 19”.
Durante sua recuperação da enfermidade adquirida na guerra, Tolkien começou a escrever O
Silmarillion, definido por Martins Filho (2006, p. 40) como “sua grande obra mitológica”. O
18 Quenya é considerado o alto-élfico, ou o “latim élfico”, já o Síndarin é chamado de élfico-cinzento. Entre as
várias línguas criadas por Tolkien, tem-se o idioma dos anões (Khuzdûn), a fala dos orcs e seres malignos deMordor, Nâzgul, (Língua Negra), o Adûnaico, falado pelos homens de Númenor, e a língua geral da Terra-média(Westron).19 Clube formado por Tolkien e alguns colegas na Universidade, em que liam histórias antigas.
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autor relata ainda que Tolkien tinha o objetivo de “criar uma mitologia inglesa, ao estilo da
mitologia nórdica, que fosse pautada por valores morais”. (MARTINS FILHO, 2006, p. 40)
Tolkien trabalhou como lexicógrafo na composição do New English Dictionary, além de dar
aulas particulares. Em 1921, conseguiu o emprego de professor de inglês na Universidade de
Leeds, mas, em 1925, ele retornou à Universidade de Oxford, onde ocupou o posto de
professor de anglo-saxão. Com a vida pacata, Tolkien não se interessava por jornais, sendo de
sua preferência o mundo da literatura. Ainda segundo Martins Filho (2006), Tolkien
desprezava os esportes, principalmente o rugby. “O nome orc, dado aos guerreiros de Sauron,
seriam as iniciais de „Oxford Rugby Club‟”. (MARTINS FILHO, 2006, p.41)
Tolkien organizou, além do TCBS, a The Coalbiters e The Inklings, sociedades literárias em
que os participantes liam histórias e compartilhavam textos. Entre os ilustres participantes do
Inklings, estava C. S. Lewis, autor da série As Crônicas de Nárnia. Em encontros dessas
sociedades, Tolkien leu os primeiros trechos de O Hobbit e O Senhor dos Anéis. “Foi esse
afortunado grupo o primeiro a ficar sabendo sobre O Senhor dos Anéis (ou o novo hobbit de
Tolkien, como eles chamavam). De fato, não só ouviram falar dele, mas ouviram a obra em si,
lida em voz alta pelo autor, página a página” (CARTER, 2003, p. 30).
O Hobbit , o livro mais infantil de Tolkien, foi publicado em 1937, quando o autor tinha 45
anos. A história baseava-se em contos que o escritor narrava para os filhos antes de dormir.
Diante do sucesso do livro na Inglaterra e nos Estados Unidos, Stanley Unwin, responsável
pela publicação de O Hobbit, perguntou a Tolkien se este possuía mais histórias sobre os
hobbits, a fim de publicá-las. Assim, o professor se comprometeu a escrever O Senhor dos
Anéis, que levou 13 anos para ser concluído.
Publicado em 1954, O Senhor dos Anéis, era um best-seller de sua época e chegou aos dez
milhões de exemplares vendidos. A obra rendeu notoriedade a Tolkien, mas também o deixou
cansado, já que ele respondia as correspondências de fãs e participava de eventos para receber
títulos em várias universidades e sociedades literárias. Vítima de velhice e complicações de
uma úlcera gástrica, Tolkien faleceu em 2 de setembro de 1973.
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4 ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DA OBRA LITERÁRIA PARA A TRILOGIA
CINEMATOGRÁFICA: A TRAJETÓRIA DA COMITIVA DO ANEL
4.1 Metodologia de pesquisa
Diante da necessidade de alterações no texto original para que a história torne-se um filme,
esta pesquisa teve por finalidade observar as modificações ocorridas durante a transposição,
de um meio para outro, na mitologia tolkieniana, composição de personagens e construção da
estrutura narrativa.
A partir da leitura de O Senhor dos Anéis e a apresentação dos filmes que compõem a trilogia,foi feita a análise da transposição de elementos que compõem a história, observando as
características específicas das linguagens literárias e cinematográficas. A técnica utilizada
para analisar a transposição da trajetória da Comitiva do Anel, da obra literária para o cinema,
baseou-se na análise de conteúdo. A partir da fundamentação teórica, foram escolhidos os
seguintes elementos para a análise: percepção da realidade; enredo; ação; espaço; tempo;
personagens; atmosfera de ficção; ponto de vista; montagem; roteiro.
Para verificar, na trajetória da Comitiva do Anel, as adaptações realizadas da obra literária
para a fílmica, o estudo considerou a estrutura, estabelecida por Vogler (2006), a partir de
Campbell (2007), para a criação da jornada do herói ou monomito, identificando a
correspondência entre os estágios estabelecidos pelo autor e a sua utilização na trilogia O
Senhor dos Anéis. As etapas enumeradas por Vogler (2006) são mundo comum; chamado à
aventura; recusa ao chamado; mentor; travessia do primeiro limiar; testes, aliados e
inimigos; aproximação da caverna oculta; provação; recompensa; caminho de volta;ressurreição; retorno com o elixir.
Durante a análise das etapas que compõem a jornada do herói, foi verificada também, a
presença dos arquétipos, definidos por Vogler (2006), na construção da obra cinematográfica.
Esses arquétipos são herói; mentor; guardião de limiar; arauto; camaleão; sombra e pícaro.
Esta pesquisa utilizou como material de base, os três livros, que compõem a história de O
Senhor dos Anéis e a trilogia cinematográfica, dirigida por Peter Jackson, em sua versão
estendida, composta pelos filmes: O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the
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Rings: The Fellowship of the Ring, Estados Unidos, 2001), O Senhor dos Anéis: As Duas
Torres (The Lord of the Rings: The Two Towers, Estados Unidos, 2002) e O Senhor dos
Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return of the King, Estados Unidos,
2003).
Como documentos complementares, para a análise no que concerne à contextualização das
obras, foram utilizadas as informações extras que fazem parte do DVD do filme, e o
documentário Confronto dos Deuses: A Mitologia de Tolkien (Clash of the Gods, Estados
Unidos, 2009), do canal The History Channel.
4.2 O Senhor dos Anéis: um breve relato da história
A obra-prima de Tolkien, O Senhor dos Anéis, levou 13 anos para ser concluída. Martins
Filho (2006, p. 43) ressalta que Tolkien “só se atreveu a enviá-la para publicação depois que
Lewis20 a leu e recomendou sua divulgação”. A obra é longa e, de acordo com Carter (2003),
tem mais de meio milhão de palavras.
Para reduzir os custos com a publicação de uma obra tão extensa, Tolkien dividiu O Senhor
dos Anéis em três livros. A edição inglesa do primeiro volume, A Sociedade do Anel, foi
publicada em 1954. No mesmo ano, também foi publicada a segunda parte, As Duas Torres, e
em 1955, o volume final, O Retorno do Rei.
Um ano após a publicação da trilogia literária, pela editora George Allen and Unwin, O
Senhor dos Anéis ainda não tinha conquistado o público na Grã-Bretanha. Segundo Carter
(2003), apesar de ter recebido resenhas elogiosas da imprensa inglesa, o sucesso da obra só setornou “estrondoso”, nove anos mais tarde. “Quando saíram as edições de bolso, a obra de
Tolkien despertou a atenção dos milhões que iriam adotá-la com entusiasmo tão fanático”
(CARTER, 2003, p. 35).
O Senhor dos Anéis conta a história de um hobbit, Frodo Bolseiro, e seu caminho para
cumprir uma missão: destruir o Um Anel ou o Anel do Poder , forjado na Montanha da
Perdição, por Sauron, o Senhor do Escuro. Para concluir a tarefa, e livrar a Terra-média do
20 Clive Staples Lewis foi amigo de Tolkien e autor do livro “As Crônicas de Nárnia”
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domínio do mau, Frodo enfrenta diversos desafios, encontra aliados e inimigos, e conhece um
mundo novo, diferente do Condado. Em sua busca pela destruição do Um Anel, Frodo conta
com a ajuda da Comitiva do Anel, composta por nove integrantes, que representam os povos
livres da Terra-média.
A história de A Sociedade do Anel começa sessenta anos depois do retorno de Bilbo Bolseiro
para o Condado, após sua aventura, descrita em O Hobbit 21 , em que ele encontra o Anel do
Poder.
Por ser um hobbit muito velho e excêntrico, Bilbo Bolseiro decide comemorar seu aniversário
de cento e onze anos com uma grandiosa festa. Durante a comemoração, o hobbit faz umdiscurso, no qual revela que fará uma longa viagem, sem a possibilidade de retornar ao
Condado. Ao final do pronunciamento, Bilbo despede-se e desaparece, ao colocar um anel no
dedo, causando espanto a todos.
Em casa, preparando-se para sair, Bilbo é pego de surpresa por Gandalf, mago e amigo antigo,
que desconfia dos poderes do anel, questionando qual o destino do objeto após a partida do
hobbit. Até o momento, Gandalf sabia que o amigo possuía um anel mágico, mas desconheciasua verdadeira origem. Bilbo, que havia adotado o sobrinho Frodo Bolseiro, conta que deixará
como herança tudo o que possui para o Frodo, inclusive aquele anel. Preocupado com a
procedência e os poderes conferidos pelo objeto, Gandalf, pede a Frodo que guarde o anel em
segurança, sem usá-lo ou mostrá-lo a outras pessoas.
Depois de pesquisar em livros antigos, além de rumores sobre o reaparecimento de forças
malignas em Mordor, Gandalf conclui que o anel de Frodo é, na verdade, o Anel do Poder, ouo Um Anel, forjado por Sauron, o Senhor do Escuro, no passado. Para comprovar suas
suspeitas, o mago joga o anel ao fogo, revelando transcrições, em uma língua antiga, o que
prova que aquele era o Um Anel, centro do poder de Sauron. Do Anel, surgiu uma escrita
fina, com a inscrição: “Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá -los, Um Anel
para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los” 22 (TOLKIEN, 2002, p. 69).
21Publicado em 1937, O Hobbit, também escrito por J. R. R. Tolkien, conta a história de Bilbo Bolseiro, que
juntamente com o mago Gandalf e 13 anões, tenta recuperar um tesouro roubado pelo dragão Smaug. Durante abusca, Bilbo encontra o Anel do Poder, objeto que mudou a vida dos hobbits.22 As palavras do Anel fazem parte de versos conhecidos, há muito tempo, na tradição élfica: “Três Anéis para osReis-Elfos sob este céu / Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores / Nove para Homens Mortais
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Diante do perigo representado pelo Anel, Galdalf conta a Frodo as histórias sobre o objeto e o
alerta que o Anel deve ser destruído. Mas a única forma de fazê-lo é lançando o Anel do
Poder na Montanha de Fogo, onde foi forjado, na Terra de Mordor23. Para evitar que os
Cavaleiros Negros24 cheguem ao Condado, em busca do Anel, Frodo resolve deixar o local,
acompanhado de seu amigo Samwise Gamgi (Sam), que ouviu, escondido, toda a história.
Aconselhado por Gandalf, Frodo segue pela estrada, longe do Condado, rumo a Valfenda25,
onde o Conselho de Elrond pode ajudar a traçar um plano para a destruição do Anel. Além de
Sam, Frodo conta também com os amigos hobbits, Peregrin Tûk (Pippin) e Meriadoc
Brandebuque (Merry). Durante o caminho até Valfenda, os hobbits quase são capturados
pelos Cavaleiros Negros, mas escapam. Antes de chegar à terra dos elfos, Frodo e os amigosbuscam abrigo em uma estalagem na aldeia de Bri.
Na estalagem, os hobbits encontram Passolargo26, um misterioso andarilho, amigo de
Gandalf, que, a partir daí, acompanha Frodo, Sam, Merry e Pippin até Valfenda. Durante o
trajeto, o grupo acampa no Topo do Vento para passar a noite. Entretanto, são atacados pelos
Cavaleiros Negros. Frodo não resiste à tentação e usa o Anel, o que permite aos Espectros que
identifiquem quem possui o objeto. Assim, o líder dos Cavaleiros Negros atinge Frodo em seuombro esquerdo, com um golpe de espada, deixando-o desacordado. Para afugentar os
Espectros, Passolargo os ataca com tochas de fogo. Apesar do ferimento, Frodo e seus amigos
chegam à terra dos elfos, onde Gandalf os espera.
O Conselho de Elrond se reúne para discutir a questão do Anel, e como enfrentar o perigo,
que paira sobre o mundo. Para participar do Conselho, foram reunidos representantes dos
povos livres da Terra-média: como emissários dos elfos, comparecem Glorfindel, príncipeelfo, e Legolas, mensageiro de seu pai, Tharanduil; Glóin e seu filho, Gimli, representaram os
anões; e Boromir, a raça dos homens.
fadados ao eterno sono / Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono / Na Terra de Mordor onde assombras se deitam. / Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los, Um Anel para a todos trazer ena escuridão aprisioná-los / Na Terra de Mordor onde as sombras se deitam”. (TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos
Anéis, A Sociedade do Anel. Tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. São Paulo: MartinsFontes, 2002, p.69)23 Situada no sudeste da Terra-média, Mordor é o lar de Sauron e seus exércitos orcs.24 Espectros do Anel. Já foram reis dos homens, mas dominados por Sauron, seguem as ordens do Senhor do
Escuro.25 Conhecida como Imladris, Valfenda é um dos únicos reinos élficos da Terra-média.26 Também chamado de Aragorn, Passolargo faz parte da raça de reis dos Homens do Oeste, os Dúnedain.Aragorn é herdeiro de Isildur, o rei que derrotou Sauron na primeira batalha do Anel.
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Em meio às discussões do Conselho, Frodo decide carregar o Anel até a Montanha da
Perdição, uma vez que ele era o possuidor do Anel e o fardo foi destinado a ele, no momento
em que Bilbo lhe deixou o objeto. Para acompanhar o hobbit em sua trajetória, forma-se a
Sociedade do Anel, composta por nove companheiros, em oposição aos nove Cavaleiros
Negros de Mordor. Legolas, o elfo; Gimli, o anão; Boromir e Aragorn, homens; Gandalf, o
mago cinzento; e os hobbits, Frodo, Sam, Merry e Pippin, partem em sua jornada em direção
à Mordor, para destruir o Anel do Poder.
O caminho até Mordor é repleto de aventuras e perigos, que levam à separação da Sociedade.
Frodo e Sam seguem para a Montanha da Perdição, guiados por Gollum27. Os outros
integrantes da Comitiva do Anel enfrentam várias batalhas, com o objetivo de enfraquecer edesviar a atenção de Sauron, para facilitar a conquista do objetivo de Frodo, ou seja, a
destruição do Anel.
Depois de vencer inúmeras dificuldades, Frodo e Sam chegam à Montanha da Perdição.
Prestes a jogar o Anel no fogo, para seu fim definitivo, Frodo se rende à tentação, não cumpre
seu objetivo, e toma o Anel para si, colocando-o no dedo. Consumido pelo poder de atração
do Anel, Gollum disputa o objeto e, com uma mordida, arranca o dedo de Frodo, junto com oAnel. Porém, Frodo e Gollum brigam pelo objeto e caem. Frodo se segura, e Sam o ajuda a se
levantar. Mas Gollum cai na lava, com o Anel, finalizando a missão de Frodo.
A Terra-média, finalmente, está livre do poder de Sauron e, aclamados por todos os povos, os
hobbits retornam para o Condado. Encerra-se, assim, a Terceira Era, governada pelos elfos, e
tem início a Quarta Era, com o domínio dos homens.
A história escrita por Tolkien, apesar de manter a base descrita nesta pesquisa, apresenta
variações, decorrentes da transposição da obra literária para a cinematográfica. Essa
transposição foi analisada, a partir da trajetória da Comitiva do Anel, na seção seguinte.
27 Também conhecido como Sméagol, Gollum guardou o Anel por 500 anos, o que lhe rendeu uma longa vida,mas o corrompeu. Antes de se tornar a criatura Gollum, Sméagol era um hobbit, que, dominado pelo desejo depossuir o Anel, matou seu amigo Déagol, que havia encontrado o objeto em um rio.
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4.3 Análise da transposição da obra literária O Senhor dos Anéis para a trilogia
cinematográfica: trajetória da Comitiva do Anel
A transposição de uma obra literária para a fílmica exige adaptações às características do
novo meio. Conforme Stam (2008), o cinema é “multifacetado”, e utiliza, além de palavras,
diversos efeitos, que se complementam, como a música, montagem, efeitos sonoros e visuais.
Desta forma, as descrições, utilizadas na literatura, para que o leitor conheça os ambientes,
situações e personagens que compõem a história, são, de certa forma, minimizadas no cinema.
Um movimento de câmera, mostrando o ambiente retratado na cena, elimina a necessidade de
um narrador descrever minuciosamente o local, por exemplo.
A trajetória da Comitiva do Anel foi o foco da análise, nesta seção, e foram observadas as
semelhanças e diferenças, em relação à linguagem, entre a criação literária e cinematográfica.
A transposição do universo tolkieniano para o cinema, apesar da necessidade de modificações
para o novo meio, manteve, da obra literária, elementos como: a percepção da realidade, por
parte do autor, o enredo e a ação.
As trilogias literárias e cinematográficas representam a percepção de J. R. R. Tolkien de suarealidade. O autor criou O Senhor dos Anéis a partir de sua visão de mundo, influências e
momentos vividos por ele. A Comitiva ou Sociedade do Anel, por exemplo, foi elaborada
devido à participação de Tolkien em vários clubes. Na Universidade de Leeds, o escritor fazia
parte do Clube Viking, em Oxford fundou o Coalbiters e, junto com C.S Lewis, participou do
Inklings. Além disso, Tolkien organizou a TCBS (Tea Club and Barrovian Society), que se
revelou a mais importante das associações de que participou.
Para o escritor era natural escrever sobre uma sociedade porque sua participação em clubes
foi além uma paixão, mas uma passagem marcante de sua vida. Nas sociedades informais,
Tolkien e os amigos discutiam sobre literatura, liam histórias e partilhavam obras que
criavam. Nestes encontros, Tolkien revelou sua vontade de escrever uma obra épica de
mitologia e, os demais membros o encorajaram.
Na Primeira Guerra Mundial, Tolkien perdeu dois grandes amigos, e membros da TCBS,
Geoffrey Smith e Rob Gibson. Na Inglaterra, Christopher Wiseman, outro integrante do
grupo, que também servia na guerra, contraiu uma doença nas trincheiras. Durante sua
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recuperação, Wiseman escrevera à Tolkien, dizendo que ele deveria iniciar sua epopeia. Smith
também havia enviado uma carta ao escritor, pouco antes de morrer, em que dizia que, caso
ele morresse, ainda haveria um membro da TCBS para concretizar o que a sociedade sonhava.
Assim, impelido pelo incentivo dos companheiros e fortes sentimentos, Tolkien escreveu as
primeiras lendas, que se tornariam a história da Terra-média e, mais tarde, O Senhor dos
Anéis.
Em sua obra, Tolkien inseriu ainda sua percepção sobre momentos históricos em que viveu,
como a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial. Essas passagens são evidenciadas
durante a multiplicação dos exércitos malignos de Sauron, com a produção em massa de
armas e o comportamento mecânico e padronizado dos soldados. Resquícios do que o escritorpresenciou durante a Primeira Grande Guerra também estão presentes em O Senhor dos
Anéis. Em um trecho do caminho até Mordor, Frodo, Sam e Gollum atravessam o Pântano dos
Mortos. No local, há corpos de elfos e homens, que lembram o fim de uma guerra antiga. Essa
passagem parece remeter à visão de Tolkien nos campos de batalha da Primeira Guerra, onde
corpos de homens, amigos e rivais, jaziam em um mesmo local.
O enredo é composto pela fábula e pela trama. A fábula, conforme definido, anteriormente,por Xavier (2003), é a própria história, que, neste caso, se desenvolve a partir de um Anel do
Poder, que corrompe quem o utiliza. Assim, o enredo baseia-se na trajetória de um grupo, a
Sociedade ou Comitiva do Anel, em busca da destruição do objeto. Já a trama refere-se ao
modo como essa história é contada. Desta forma, o filme compartilha a fábula do livro, porém
propõem o desenvolvimento da trama de forma diferente, recriando a história original.
A nova trama, elaborada no filme, incorpora outros elementos, como a montagem, que mescladiferentes partes do livro, ao invés de contá-las separadamente. Além disso, o cinema inclui
artifícios como a música, que pode imprimir ritmos distintos a determinadas cenas. Segundo
Martins Filho (2006), a trilha sonora do filme, composta pelo maestro Howard Shore, e as
canções interpretadas pela cantora Enya, enriqueceram a trilogia. A trilha sonora fez o tom
bucólico da literatura de Tolkien ganhar uma entonação de épico.
Já a ação é dividida em duas dimensões, que são simultâneas, tanto no livro, quanto no filme.
Enquanto a ação externa acompanha a Comitiva em busca de sua meta, a ação interna
representa o desenvolvimento do herói, Frodo, em sua consciência. Na medida em que
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caminha para Mordor, Frodo “sente o peso” de seu objetivo e, ultrapassando obstáculos e
vencendo desafios, o herói cresce psicologicamente, o que o ajuda a adquirir sabedoria e
amadurecimento.
O primeiro capítulo do livro mostra a expectativa do Condado pela festa de Bilbo e a
descrição do local situa o leitor sobre as características dos hobbits e o ambiente onde vivem.
Entretanto, a abertura do filme usa o recurso da “premissa”, demonstrada em cenas de
exposição. Essa “premissa” tem a função de contar ao público a história anterior aos fatos
presentes no filme, em forma de flashbacks ou cenas de exposição, com retorno ao passado.
Para mostrar ao público a história precedente à vida de Frodo no Condado, com a narração de
Galadriel28, a cena inicial do filme conta a história do Anel do Poder, desde que foi forjado atéchegar ao hobbit Bilbo. Enquanto Galadriel narra, em off, a história, as imagens mostram o
passado, complementando a narração do filme.
Segundo o diretor da trilogia O Senhor dos Anéis, Peter Jackson29, as cenas de exposição
representaram o maior desafio durante a elaboração do filme. Diante do grande número de
histórias secundárias e detalhamento de locais e situações do livro, essas cenas levam
informações essenciais ao público. De acordo com Jackson, a primeira cena, em que Galadriel
28 Rainha élfica, esposa do rei Celeborn. Guardiã do Anel Nenya, em Lothlórien. Ela narra o mito do Anel:“Muito do que já existiu se perdeu, pois não há ninguém vivo que se lembre. Tudo começou com a forja dosGrandes Anéis. Três foram dados aos elfos, imortais, os mais sábios e belos de todos os seres. Sete, aosSenhores-Anões, grandes mineradores e artífices dos corredores das Montanhas. E Nove, nove aneis forampresenteados à raça dos Homens que, acima de tudo, deseja o poder. Pois dentro desses aneis foi selada a força ea vontade para governar cada raça. Mas todos foram enganados. Pois outro Anel foi feito. Na Terra de Mordor,nas chamas da Montanha da Perdição, Sauron, o Senhor do Escuro, forjou em segredo um Anel Mestre, paracontrolar todos os outros. E, nesse Anel, ele derramou toda sua crueldade e malícia e sua vontade de dominartodas as formas de vida. Um Anel para a todos governar. Uma por uma as Terras Livres da Terra-Média
submeteram-se ao poder do Anel. Mas houve alguns que resistiram. A Última Aliança de Elfos e Homensmarchou contra os exércitos de Mordor. E, na Montanha da Perdição, lutou pela liberdade da Terra-Média. Avitória estava próxima. Mas o poder do Anel não podia ser destruído. Foi neste momento, quando toda aesperança havia minguado, que Isildur, o filho do rei, ergueu a espada de seu pai. Sauron, o Inimigo dos PovosLivre da Terra-Média foi derrotado. O Anel passou a Isildur, que teve essa chance única de destruir o mal parasempre. Mas o coração do homem é facilmente corrompido. E o Anel do Poder tem vontade própria. O Aneltraiu Isildur, levando-o à morte. E algumas coisas que não deveria ser esquecidas se perderam. A história tornou-se lenda. A lenda tornou-se mito. E, por dois mil e quinhentos anos, o Anel deixou de ser conhecido. Até que,quando a oportunidade surgiu, ele seduziu um novo portador. O Anel veio à criatura Gollum, que o levou àsprofundezas dos túneis da Montanha da Névoa. E lá ele o consumiu. O Anel trouxe a Gollum uma longevidadesobrenatural. Por quinhentos anos envenenou sua mente. E nas trevas da caverna de Gollum, esperou. Aescuridão retomou as florestas do mundo. Surgiram boatos sobre uma sombra no Leste e sussuros sobre umpavor inominável. E o Anel do Poder percebeu que sua hora havia chegado. Ele abandonou Gollum. Mas então
aconteceu algo que o Anel não planejara. Ele foi pego pela criatura mais improvável que se possa imaginar. Umhobbit. Bilbo Bolseiro do Condado. Pois logo chegará a hora em que os hobbits moldarão o destino de todos”.(O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, Estados Unidos, 2001)29 Informação extraída dos documentários que compõem os extras do DVD da trilogia cinematográfica.
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conta o mito do Anel, deve fazer com que o público conheça os antecedentes da história, de
forma resumida, mas com detalhes suficientes para atrair o interesse da plateia.
4.3.1 Identificando a jornada
O roteiro cinematográfico de O Senhor dos Anéis, diferente da composição da literária,
acompanha a estrutura estabelecida por Vogler (2006), denominada a jornada do herói, com
12 estágios, que fazem parte da criação de uma história. A jornada do herói, ou monomito,
sugere a base da estrutura narrativa moderna, a partir das observações de Joseph Campbell
dos padrões mitológicos em diversas culturas.
A estrutura de Vogler (2006) aplica-se somente à trilogia cinematográfica. Na obra literária,
não há correspondência com a jornada do herói, definida pelo autor, por causa das
características do formato literário, como por exemplo, o detalhamento de cenas, personagens,
cenários e situações. Além disso, a literatura comporta maior número de personagens e
histórias, que precisaram ser “cortadas” para a criação do filme. Portanto, a t rajetória do herói
foi considerada em relação à obra fílmica, uma vez que o filme, por ter tempo limitado de
duração, o filme utiliza a concentração dramática, de modo a condensar, por exemplo, váriaspáginas de um livro em apenas uma cena.
No início da história, o herói, Frodo, é mostrado na vila dos hobbits, onde vive com seu tio
Bilbo Bolseiro e os amigos, assim como no estágio Mundo Comum, primeira etapa da
estrutura de Vogler (2006), em que o protagonista é visto, primeiramente, em seu ambiente
cotidiano. Desta forma, é possível evidenciar as diferenças entre o mundo comum e o mundo
novo que espera por Frodo. Nesta etapa, Bilbo prepara a sua festa de 111 anos e o movimentode câmera percorre o Condado, apresentando o Mundo Comum.
Ao fim da festa, Bilbo deixa, para Frodo, o Anel e sai do Condado. Desconfiado da origem do
Anel, Gandalf pede que o hobbit mantenha o objeto em sigilo. Após pesquisar sobre o Anel, o
mago retorna ao Condado a fim de revelar a Frodo que aquele é o Anel do Poder, forjado por
Sauron, e precisa ser destruído. Gandalf apresenta o desafio ao hobbit. Nesta etapa, evidencia-
se o segundo estágio de Vogler (2006), o Chamado à Aventura.
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Já A Recusa do Chamado, terceira etapa da jornada do herói, acontece no momento em que,
com medo, Frodo tenta livrar-se do Anel, entregando-o a Gandalf. Porém, o mago se nega a
carregar o fardo destinado ao hobbit e o incentiva a iniciar a jornada. Gandalf pede que Frodo
vá até a Aldeia de Bri, onde estará esperando-o. Apresentando-se como Mentor, Gandalf
passa as primeiras orientações e conselhos ao herói. Antes de partir, o mago percebe que
alguém os espionava e encontra Sam, o jardineiro de Frodo. Sam é chamado para ajudar
Frodo, e seguir com ele em sua jornada.
A percepção do tempo apresenta-se de forma diferenciada em relação à narrativa nos dois
meios considerados. No filme, a partida de Frodo do Condado rumo à aldeia de Bri ocorre
imediatamente ao anúncio de Gandalf. Já no livro, antes de partir, o hobbit organiza a vendade sua casa e prepara uma viagem, fingindo uma mudança para a sua terra de origem, em
Buqueburgo. Frodo deixa o Condado, com Sam e Pippin até a balsa no rio Brandevin, onde
Merry os esperava e, antes de chegar à aldeia de Bri, os hobbits passam pela Floresta Velha e
conhecem Tom Bombadil. No filme, Frodo e Sam encontram Pippin e Merry durante a
caminhada para fora do Condado. Pippin e Merry estavam fugindo do velho Magote, após
roubar verduras de sua plantação.
Na aldeia, os hobbits não encontram Gandalf, mas Passolargo, um novo aliado, que os guiará
até Valfenda. Conforme Seger (2007), a transposição entre mídias permite a exclusão ou
desenvolvimento de partes da história. Tom Bombadil, personagem da obra literária, não
aparece no filme, segundo o diretor da trilogia, Peter Jackson, porque ele não contribui para o
progresso da história. Tom Bombadil faz parte do livro porque nele há espaço para descrições
minuciosas e histórias secundárias, já o filme prioriza o dinamismo, eliminando o que não
leva a trama ao desfecho. Na obra literária, Tom Bombadil, além de ajudar os hobbits,salvando-os de perigos, não sente os efeitos do Um Anel, e, por isso, o Conselho de Elrond
considerou a possibilidade de fazer do misterioso senhor o portador do Anel.
Porém, é possível perceber que falas de Tom Bombadil foram transferidas para outro
personagem, o ent30 Barbárvore. Na versão estendida do filme O Senhor dos Anéis, Merry e
Pippin são resgatados, por Barbárvore, quando o Salgueiro-homem aprisiona os hobbits. Para
libertar Merry e Pippin, Barbárvore diz ao Salgueiro: “Não deveria ter acordado. Coma terra!
30 Árvores humanizadas, que protegem as florestas.
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Cave fundo! Beba água! Vá dormir!”. No livro, estas falas pertencem a Tom Bombadil, que
ajuda os hobbits a saírem da prisão feita pelo Salgueiro, que os levava para debaixo da terra.
Na obra literária, este episódio acontece quando os hobbits ainda caminham rumo à Aldeia de
Bri, junto com Sam e Frodo, em A Sociedade do Anel. Já no filme, a cena foi levada para o
segundo longa, As Duas Torres, quando os hobbits já se separaram da Comitiva, e seguem,
com os ents, para a batalha de Isengard.
Em relação à personagem Arwen31, acontece o oposto, já que ela ganha mais espaço no filme.
Partindo da ideia de Seger (2007), em que a autora ressalta que personagens que possuem o
mesmo papel devem ser combinados, o diretor Peter Jackson valorizou Arwen e excluiu a
participação do elfo Glorfindel. Durante a viagem até Valfenda, Aragorn, Frodo, Sam, Pippine Merry são atacados pelos Cavaleiros Negros. Frodo é ferido pela espada de um dos
espectros do Anel e Arwen surge para ajudá-lo, cavalgando com ele até a cidade dos elfos.
Mesmo perseguida pelos Cavaleiros Negros, ela atravessa o Rio Bruinen e com um feitiço,
faz com que as águas do rio aumentem, impossibilitando a passagem dos espectros. Na obra
literária, o elfo Glorfindel guia Frodo e seus amigos até Valfenda, após encontrá-los
caminhando pela estrada.
A personagem Arwen, que aparece em poucas passagens do livro, desempenha um papel de
destaque no filme, devido à necessidade de acrescentar um toque romântico ao filme. Arwen,
além de resgatar Frodo nos vaus do Rio Bruinen, aparece, em sonho, para Aragorn, de modo a
fazer com que o romance entre os dois permeie toda a história. Assim, a trilogia O Senhor dos
Anéis, revela uma característica comum a parte significativa dos filmes norte-americanos, a
presença do romance como fator que unifica a história e atrai o interesse do público.
Em Valfenda, Frodo passa pelo quinto estágio, ao atravessar o Primeiro Limiar , e aceitar a
responsabilidade de carregar o Um Anel até Mordor. Durante a realização do Conselho de
Elrond, representantes dos povos livres da Terra-Média (elfos, anões e homens) discutem o
que devem fazer com o Anel. Como única opção, Elrond aponta que o Anel deve ser levado à
destruição na Montanha da Perdição, para que tenha um fim definitivo. Assim, Frodo decide
ser o portador do Anel. Para acompanhar Frodo, forma-se a Sociedade do Anel, composta
31 Princesa dos elfos, ela é apaixonada por Aragorn. Arwen é filha de Elrond, um dos elfos mais poderosos daTerra-média, que participou da primeira guerra do Anel.
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pelos hobbits Sam, Pippin e Merry, o mago Gandalf, o elfo Legolas, o anão Gimli e os
homens Boromir e Aragorn.
Ao longo de toda a viagem até a Montanha da Perdição, passando pelo caminho até Valfenda,
Frodo passa pela sexta fase descrita por Vogler (2006), Testes, Aliados e Inimigos. Assim
como no livro, os primeiros amigos, que o hobbit encontra no filme, fazem parte da Sociedade
do Anel. Mas até a chegada à Montanha da Perdição, ele encontrará outros aliados, como por
exemplo, Haldir e outros elfos de Lórien, além de Barbárvore, um ent, pastor das florestas.
Entre os principais inimigos estão Sauron, Saruman e os orcs. Diversos testes se colocam
diante de Frodo e seus amigos. Um deles é a travessia das Minas de Moria.
Dentro de Moria, surge o primeiro grande desafio da Sociedade. Depois de ser atacada por
orcs, a Comitiva depara-se com um desafio ainda maior: um Balrog32. Gandalf manda que
todos fujam, enquanto ele enfrenta o inimigo. O mago consegue destruir a ponte e impedir a
passagem do demônio, que cai no precipício. Mas o Balrog lança seu chicote e arrasta
Gandalf pelo abismo. O restante da Sociedade, desconsolada pela perda de seu sábio membro,
sai de Moria.
Aragorn assume a liderança do grupo e os leva até Lothlórien33, onde são recebidos por
Galadriel e Celeborn. Em Lórien, a Comitiva descansa e recebe conselhos. No momento de
partir, os elfos oferecem presentes aos viajantes: lembas (pão élfico, que serve como alimento
para a viagem) e capas e capuzes mágicos. Além disso, Frodo, em especial, recebe um frasco
com a luz de Eärendil. Os presentes élficos apresentam-se como “ajuda” em vários momentos
da história. O lembas é o único alimento que resta a Frodo e Sam durante a caminhada entre
as montanhas de Mordor. As capas e capuzes mágicos servem como camuflagem aos olhosdos servidores de Sauron. Além disso, a luz de Eärendil funciona como principal defesa de
Frodo e Sam, em Mordor.
Ao deixarem Lothlórien, a Comitiva segue o caminho pelo rio Anduin. Simultaneamente, o
filme mostra os Uruk-hai34 seguindo o mesmo percurso, já que obedeciam a ordens de
32 Demônio antigo.33 Reino élfico governado por Galadriel e Celeborn34 Cruzamento de orcs e homens.
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Saruman35 para encontrar e matar os membros da Comitiva, exceto os hobbits, que
carregavam um objeto poderoso. Na margem do rio, a Sociedade é atacada pelos Uruk-hai,
que seqüestram Pippin e Merry e matam Boromir. Nesta etapa, tanto no livro quanto no filme,
a Comitiva se divide: Frodo e Sam se separam do grupo e seguem, sozinhos, para Mordor;
Legolas, Gimli e Aragorn perseguem os Uruk-hai para tentar resgatar Pippin e Merry.
Na obra literária, Frodo e Sam fogem, escondidos. Enquanto Aragorn saiu para procurar
Frodo, que havia se distanciado do grupo, o homem ouve a corneta de Boromir e volta para
ajudá-lo. Porém, encontra-o perfurado por flechas, quase morrendo. Boromir confessa que
Frodo se afastou porque ele tentou roubar o Anel do hobbit, obrigando-o a correr para longe,
usando o Anel. No cinema, Aragorn é atacado por Uruk-hais durante uma conversa comFrodo. Aragorn manda o hobbit fugir e ele permanece lutando, até que ouve a corneta de
Boromir.
A separação da Comitiva do Anel remete à ideia de que o símbolo do Anel, assim como pode
representar a união, pode significar o isolamento. Por incluir parte do seu criador, Sauron, o
Anel contém o mal e o leva a quem possuir o objeto. Desta forma, o Anel uniu os
companheiros em uma Sociedade, mas também os separou, devido ao mal que o mantém. Amorte de Boromir também simboliza o mal contido no Anel. O Um Anel obedece às ordens
apenas de seu mestre, Sauron, e todos aqueles que tentam guardar o objeto para si encontram
a destruição. Essa característica do Anel é evidenciada pelo falecimento de Boromir. O
homem, ao tentar roubar o Anel de Frodo e usá-lo em benefício próprio, foi morto pelos
Uruk-hais.
Sam e Frodo, após se separarem da Sociedade, caminham pelas montanhas do Emyn Muil, atéque encontram Gollum, que os seguia. Ao ser capturado pelos hobbits, Gollum promete guiá-
los até Mordor. No Portão Negro, Frodo alcança o sétimo estágio da jornada do herói, ao se
aproximar da Caverna Oculta, ou seja, a Montanha da Perdição, onde deve destruir o Anel. É
a Travessia do Segundo Limiar . A maior Provação de Frodo, oitava etapa, acontece dentro da
Montanha, onde o hobbit está prestes a atirar o Um Anel ao fogo. Porém, ele o toma para si e
coloca-o no dedo. Revoltado, Gollum salta sobre Frodo e, com uma mordida, arranca-lhe o
35 Mago branco, que traiu Gandalf e ajudou a construir o exército de Sauron.
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dedo e o Anel, mas, ao disputar o objeto com o hobbit, Gollum se desequilibra e cai no fogo
que brota da Montanha, destruindo o Anel do Poder.
A Recompensa surge quando, após o fim do Anel, Frodo e Sam fogem do local, e podem
celebrar a término da missão, concluindo o nono estágio apontado por Vogler (2006). Depois
da coroação de Aragorn como rei de Gondor e o último encontro com Bilbo, em Valfenda,
Frodo decide voltar para o Condado. Assim, evidencia-se o Caminho de Volta, décima etapa.
Na obra literária, Tolkien mostra que, ao chegar à Vila dos Hobbits, Frodo descobre que a
região foi dominada por homens, que devastaram a paisagem, destruindo árvores, casas e
explorando o trabalho dos hobbits. Neste momento, Frodo passa pela Ressurreição, últimaprovação do herói, uma vez que deve recuperar o Condado e encerrar a Guerra do Anel.
O Retorno com o Elixir , fase em que o herói aprende a lição e possui o “elixir” (tesouro ou
conhecimento) acontece quando os hobbits libertam o Condado. Frodo dirige-se aos Portos
Cinzentos36, junto com Gandalf, Elrond e Galadriel, para deixar a Terra Média, rumo a
Valinor, encerrando a Terceira Era (dos elfos) e iniciando a Quarta Era, com domínio dos
Homens.
Entretanto, a trilogia cinematográfica apresenta um final diferente do oferecido no livro. No
terceiro filme, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return of
the King, Estados Unidos, 2003), após a coroação de Aragorn, os hobbits voltam para casa e
encontram o Condado da mesma maneira como o deixaram, sendo que não há a etapa da
Ressurreição. O elixir encontrado por Frodo é o conhecimento e vitória sobre o mal. Neste
estágio, o hobbit e seu tio Bilbo embarcam, junto com elfos, rumo a Valinor.
A partir da estrutura elaborada por Vogler (2006), é possível ainda identificar, na trilogia
literária e cinematográfica, os arquétipos que compõem a série. Frodo representa o papel do
Herói, que também é assumido, em forma de máscara, por outros membros da Comitiva do
Anel, como Aragorn. O Mentor , velho sábio que orienta o herói, é a personagem de Gandalf,
mas também é representada por Galadriel e Aragorn. Gandalf representa ainda o arquétipo do
Arauto, já que ele anuncia o desafio a Frodo.
36 Portos de onde partem os navios élficos rumo à Valinor, terra dos Valar, deuses antigos da Terra-Média.
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Em O Senhor dos Anéis, a função da personagem Sombra é desempenhada por Sauron, mas
também por Saruman. Gollum (Sméagol) identifica-se como o Camaleão, uma vez que sua
principal característica é a instabilidade. O Pícaro, personagem cômica, é representado,
principalmente, por Legolas e Gimli, que ao longo da jornada, contribuem para a vitória, com
sua força e sabedoria, mas também são responsáveis pelas cenas de descontração 37 da história.
A alegria e despreocupação, no início da jornada, por parte de Pippin e Merry também os
tornam Pícaros.
Em cada obstáculo que se apresenta à Comitiva, identificam-se diferentes Guardiões de
Limiar . Entre eles, pode-se citar o monstro, que guarda os portões de Moria e tenta impedir
que a Comitiva entre nas minas, e o Balrog, que dificulta a travessia da Sociedade. Tem-seainda Gríma38, Língua de Cobra, que coloca empecilhos à entrada da Comitiva na cidade de
Rohan. Gollum, ao proteger o Anel, também pode ser considerado um Guardião de Limiar.
A construção do roteiro de O Senhor dos Anéis parece estar baseada na estrutura de Vogler
(2006), realizando as modificações necessárias para que a longa história elaborada por
Tolkien se tornasse viável comercialmente. Durante o processo de transposição, o roteiro
criou uma nova obra, ao aproveitar as características específicas do meio cinematográfico,mudando a ordem e duração de acontecimentos, além de eliminar algumas sequências e
personagens presentes na obra literária. Segundo o diretor Peter Jackson, “falas de Elrond, no
livro, foram dadas a Aragorn, no filme. Mas ainda é a linguagem de Tolkien, ainda são as
palavras do escritor”. O diretor explica ainda que, caso o livro fosse filmado página a página,
seria uma “confusão”, uma vez que a cada capítulo, Tolkien trata de um aspecto da história,
sem que aconteça a ligação entre eles.
Seger (2007) ressalta que, no livro, o leitor pode retornar à página anterior e reler algumas
passagens, o que não acontece no cinema. Assim, o filme deve “reorganizar” a história,
estabelecendo a conexão entre os fatos, para que o público permaneça interessado,
compreendendo melhor toda a história, sem que haja a necessidade de rever alguma passagem
37 Legolas e Gimli disputam quem mata a maior quantidade de orcs em cada batalha. A vontade do anão emsuperar o elfo torna as cenas cômicas: Na guerra final, Legolas derruba, de cima do olifante (animal semelhantea um elefante, usado como transporte para soldados), vários guerreiros e ainda mata o animal. Gimli continua a
contagem, dizendo que, mesmo tendo eliminado muitos inimigos, Legolas deveria contar como apenas um.38Conselheiro do rei Théoden, em Rohan. Também conhecido como Língua de Cobra, devido à sua capacidadede influenciar as pessoas, Gríma, sob ordens de Saruman, tentou enfraquecer o reino de Rohan para facilitar ainvasão do local pelas forças de Sauron.
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do longa-metragem. A transposição de uma obra literária para o cinema implica também na
simplificação do texto original. Assim, como o filme tem tempo limitado de duração, deve
fazer com que a história seja compreendida pelo público de forma fácil, na primeira vez em
que a plateia o assiste. Diferente do que acontece com um livro, em que o leitor pode retomar
a leitura de passagens anteriores, a qualquer momento, para facilitar o entendimento de
determinadas partes da história.
4.3.2 Um roteiro adaptado
O roteiro de O Senhor dos Anéis havia sido elaborado, inicialmente, para a realização de toda
a obra de Tolkien em apenas dois filmes. Diante da complexidade da história, o estúdioresponsável pela produção, New Line Cinema, sugeriu a divisão em três filmes, o que,
segundo o diretor Peter Jackson, exigiu a reestruturação do roteiro anterior. A primeira versão
elaborada pelo diretor dividia O Senhor dos Anéis em dois filmes, restringindo a obra literária,
composta por três livros. Diante da sugestão do estúdio, os roteiristas refizeram o roteiro
anterior, ampliando a história em três filmes, para acompanhar a série literária. Essa divisão
dos filmes estabeleceu a estrutura em três atos.
De acordo com Howard e Mabley (1999), a estrutura em três atos compreende, no primeiro
ato, a apresentação dos personagens principais e estabelece o objetivo da história, que será
desenvolvido ao longo da trama, além de alguns indícios de obstáculos. O segundo ato detalha
e intensifica as dificuldades do herói, estabelecendo os obstáculos que ele deve vencer para
alcançar sua meta. No segundo ato, desenvolvem-se ainda os subenredos39. Já o terceiro e
último ato, conclui a história principal e os subenredos, dando-lhes uma solução.
O primeiro filme da trilogia, O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the
Rings: The Fellowship of the Ring, Estados Unidos, 2001), compõe o primeiro ato. Essa etapa
apresenta Frodo e seu “mundo”, o Condado, além do desafio que ele deve enfrentar: levar o
Anel até Valfenda e, a partir daí, esperar pela decisão do Conselho sobre o que fazer com o
Anel do Poder. Ainda em A Sociedade do Anel, o público conhece os outros personagens
principais, que vão acompanhar o herói, Frodo, em sua jornada até Mordor: Sam, Pippin,
Merry, Gandalf, Aragorn, Boromir, Legolas e Gimli, a Comitiva do Anel.
39 Tramas secundárias que fazem parte da história.
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O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (The Lord of the Rings: The Two Towers, Estados
Unidos, 2002), segundo filme da série, desenvolve a trajetória da Sociedade e leva desafios
ainda mais perigosos aos companheiros. Entre os obstáculos têm-se a travessia das Minas de
Moria e a separação da Comitiva, com a fuga de Frodo e Sam para a Montanha da Perdição; o
sequestro de Merry e Pippin; a morte de Boromir e a busca de Aragorn, Legolas e Gimli pelos
hobbits capturados pelos Uruk-hai. Durante As Duas Torres, o público conhece, ainda mais, a
ameaça que envolve a jornada de Frodo e, ao mesmo tempo, é possível observar que a história
caminha para o final.
O desfecho da trajetória de toda a Comitiva é apresentado em O Senhor dos Anéis: O Retorno
do Rei (The Lord of the Rings: The Return of the King, Estados Unidos, 2003), último filmeda trilogia. Na terceira etapa, o conflito principal é resolvido, sendo que o Anel é destruído, ao
cair nas chamas da Montanha da Perdição, em Mordor. Os subenredos também são
concluídos, como por exemplo, a coroação de Aragorn como o rei de Gondor.
A passagem de um ato para outro, durante o filme, é encadeada pela montagem, que deve
manter a plateia interessada pela trama, ao criar o clima de suspense, ao intercalar as cenas
que compõem uma história. Para Martin (2003), a montagem é o fundamento mais específicodo cinema, responsável por evidenciar novos sentidos, dando vida à história.
A montagem de O Senhor dos Anéis mesclou as trajetórias de todos os personagens que
compunham a Sociedade do Anel, após a divisão da Comitiva. Na obra literária, os fatos
foram contados um de cada vez, sendo que outro acontecimento apenas poderia ser iniciado
ao fim do anterior. O cinema, entretanto, permite a simultaneidade dos fatos, interligando-os
através da montagem. Em As Duas Torres, por exemplo, a obra literária é dividida em duaspartes: em Livro III e Livro IV. No primeiro, o leitor acompanha o trajeto de Aragorn,
Legolas e Gimli, durante a caça aos Uruk-hais, para resgatar Merry e Pippin. Nesta etapa, a
Comitiva reencontra Gandalf e vai até Rohan, onde lutam no Abismo de Helm 40. O segundo
livro descreve o caminho de Frodo e Sam, guiados por Gollum, o encontro com Faramir 41 e a
40 Refúgio do povo de Rohan, onde foi travada a batalha dos homens contra 10 mil orcs, enviados por Saruman.Antes da luta, elfos, liderados por Haldir, comparecem para honrar a antiga aliança de homens e elfos,contribuindo para a vitória sobre Isengard.41 Irmão de Boromir, Faramir é o segundo filho de Denethor, o regente de Gondor.
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chegada dos hobbits à toca de Laracna42. Com essa divisão, o leitor perde o contato com
alguns personagens. Porém, isso permite maior profundidade no desenvolvimento de cada
história. Além disso, a separação da história mantém a realidade, uma vez que, do outro lado
da Terra-média, seria realmente impossível que Frodo e Sam mantivessem contato com os
demais membros da Comitiva e vice-versa.
Na obra cinematográfica, a montagem mesclou os livros III e IV, o que proporcionou ao
público a oportunidade de conhecer o que estava acontecendo com cada membro da
Sociedade. Após a batalha no Abismo em Helm, em As Duas Torres, Gandalf alerta que,
depois da derrota, a ira de Sauron será ainda pior. O mago lembra que “a batalha no Abismo
de Helm acabou, mas a guerra pela Terra-média está começando”, sendo que, neste momento,todos devem depositar suas esperanças em dois hobbits. Na cena seguinte, Frodo e Sam
continuam subindo as montanhas de Mordor. Desta forma, a montagem esclarece quem são os
hobbits a quem Gandalf se referia. Como desconhecem o caminho, os hobbits seguem
Gollum, que promete levá-los à Montanha da Perdição, mas, na verdade, a criatura guia Frodo
e Sam para a toca de Laracna.
Assim, o segundo filme da série é encerrado e a entrada de Frodo e Sam na toca da aranha édeixada para a parte final da trilogia. Segundo a roteirista Phelippa Boyens, o momento em
que Frodo e Sam enfrentam Laracna foi removido do filme As Duas Torres para não causar
conflito com a batalha do Abismo de Helm. Duas sequências de tensão e disputas, em um
mesmo filme, poderiam confundir o público, ao exigir a percepção de muitas ações
importantes, ao mesmo tempo. Para o diretor da trilogia, Peter Jackson, essa transferência
permitiu que o filme seguisse a cronologia elaborada por Tolkien, já que, na obra literária, a
luta com Laracna corresponde à batalha em Minas Tirith
43
.
Outro exemplo de montagem pode ser observado durante a busca de Aragorn, Legolas e
Gimli pelos hobbits Merry e Pippin, aprisionados por guerreiros Uruk-hai. Pelo caminho,
Aragorn percebe marcas no chão, pegadas e folhas amassadas, como se alguém estivesse
deitado e se arrastado por aquele local. O guardião encontra ainda pedaços de cordas, o que o
faz crer que os hobbits conseguiram se livrar dos orcs e fugiram. Enquanto Aragorn conta
42 Aranha gigante que ataca Frodo em Mondor. O hobbit escapa da teia da aranha com a ajuda de Sam, que usa aluz de Eärendil e a espada Ferroada para afugentar o monstro.43 Cidade dos homens de Númenor, capital de Gondor, onde acontece a última guerra dos homens contra os 600mil orcs de Sauron.
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para Legolas e Gimli sobre suas suspeitas do que aconteceu, as imagens mostram Merry e
Pippin cortando as cordas e fugindo para a floresta. A montagem atua de forma a alternar a
imagem de Aragorn, ao contar suas ideias sobre os fatos, com as imagens do que realmente
aconteceu naquele lugar, com a fuga de Merry e Pippin.
O roteiro cinematográfico precisa evidenciar ainda as “ironias dramáticas” e “pistas”, de
modo a estimular a participação do público. Segundo Howard e Mabley (1999), esses
elementos fornecem informações importantes, primeiramente, ao público, que descobre algo
antes dos personagens, ficando, assim, em “vantagem” em relação à história.
Uma das ironias dramáticas, de O Senhor dos Anéis, está contida em A Sociedade do Anel,quando Bilbo oferece a Frodo um colete feito de Mithril, presente dos anões, feito de uma
malha leve, porém dura, impossível de ser perfurado. O público sabe que Frodo possui e usa o
colete, mas os demais personagens desconhecem o fato. Assim, quando Frodo é atacado por
um troll, em Moria, e o monstro o atinge com sua lança. Toda a Comitiva acredita que o
hobbit não conseguiria sobreviver. Porém, Frodo se levanta e exibe o colete de Mithril. Esta
cena apresenta-se como a etapa de “reconhecimento”, definida por Howard e Mabley (1999)
como o momento em que as outras personagens descobrem o que o público já sabia.
Já as pistas servem como uma ferramenta de unificação do roteiro, já que são informações que
o público recebe e deve “guardar”, para que tenham sentido em outra fase da história. Ainda
dentro das Minas de Moria, em A Sociedade do Anel, Frodo percebe que a Comitiva está
sendo seguida por Gollum e questiona a Gandalf por que Bilbo não matou a criatura enquanto
pôde. O mago responde que, em seu coração, ele sente que Gollum ainda tem um papel
fundamental na história da Terra-Média
44
. Ao final da jornada de Frodo, Gollum éresponsável pela destruição do Anel, ao cair, junto com o seu o objeto, considerado seu
“precioso”, no fogo da Montanha da Perdição.
44 Frodo diz a Gandalf: “Pena que Bilbo não o matou quando teve a oportunidade”, e o mago responde: “Pena?Foi justamente a pena que parou a mão de Bilbo. Muitos que vivem merecem morrer. Alguns que morremmerecem viver. Você pode dar-lhes vida, Frodo? Então não seja tão ávido para julgar e condenar à morte. [...]
Meu coração me diz que Gollum tem um papel a desempenhar, para o bem ou para o mal, antes de isso acabar. A pena de Bilbo pode decidir o destino de muitos”. (O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, Estados Unidos,
2001)
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A transposição entre mídias exige ainda que o roteiro faça a adaptação do espaço e tempo da
narrativa. A linguagem literária utiliza as descrições minuciosas para que o público conheça
os lugares e personagens que compõem a história. De acordo com Ataíde (1973), o texto
narrativo pode expandir o espaço, sem a preocupação com a quantidade de páginas ou tempo
gasto para a leitura da obra. Assim, Tolkien apresenta a Terra-média e seus habitantes com
todo o detalhamento que a literatura lhe permite.
Na terceira parte da obra, O Retorno do Rei, o escritor utiliza uma página na descrição de
Minas Tirith, ressaltando cada aspecto da cidade e sua construção45. No filme, um movimento
de câmera percorre toda a cidadela, mostrando, em alguns segundos, tudo o que foi descrito
por Tolkien. Para garantir a “tradução” de Minas Tirith, do livro para o filme, a produçãocinematográfica exigiu a reprodução dos detalhes, narrados por Tolkien, em imagens, com a
construção da cidade em pedra branca, e em sete níveis, com portões desalinhados, e uma
borda pontuda, como um navio.
A cena durante a viagem dos hobbits, acompanhados por Passolargo, representa outro
exemplo de como a imagem é usada no cinema para substituir as descrições feitas na
literatura. No filme, os personagens passam por um local na floresta onde trolls petrificadoscompõem a paisagem, em meio às árvores. Não há descrição do ambiente e os personagens
passam rapidamente pelas estátuas. Já no livro, o local é descrito detalhadamente, e os hobbits
relembram o motivo da transformação dos trolls em pedra, contando histórias e canções sobre
o acontecimento. “Estamos esquecendo a história de nossa família! Estes devem ser
exatamente aqueles três que foram capturados por Gandalf, e que estavam discutindo sobre a
melhor maneira de cozinhar treze anões e um hobbit [...].” (TOLKIEN, 2002, p.287)
Em relação ao tempo, Ataíde (1973) ressalta que a duração da narrativa pode ser ampliada
devida a fluidez do tempo, permitindo que a história avance ou recue, com o deslocamento
pelo passado, presente e futuro. Já no cinema, o tempo é, predominantemente, presente e
45 “Pois o modelo de Minas Tirith era tal que a cidade fora construída em sete níveis, cada um cavado no flancoda colina, e ao redor de cada nível se erguia uma muralha, e em cada muralha havia um portão. Mas os portõesnão eram alinhados: o Grande Portão da Muralha da Cidade ficava no ponto leste do circuito, mas o seguintevoltava-se parcialmente para o sul, e o terceiro parcialmente para o norte, e assim, ora de um lado, ora de outro,
dispunham-se os portões na subida, de modo que caminho pavimentado que ia na direção da Cidadela virava-se primeiro para um lado e depois para outro pela encosta da colina”. (TOLKIEN, J. R.R. O Senhor dos Anéis: O
Retorno do Rei. Tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisseta. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.11)
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caminha em direção ao futuro. Para retornar ao passado, usam-se cenas de exposição ou
flashbacks, interrompendo a sequência da história.
O tempo literário é evidenciado, em O Senhor dos Anéis, quando o autor precisa transmitir
algumas informações passadas ao leitor. Para isso, as personagens contam histórias do
passado, ainda no presente, como por exemplo, no momento que Gimli conta um pouco da
história dos anões, em Moria, através de uma canção.
A obra cinematográfica utiliza, com maior frequência, os flashbacks para oferecer ao público
histórias anteriores, por meio de lembranças. Em A Sociedade do Anel, após deixarem
Lothlórien, nos barcos, a Comitiva recorda os presentes que receberam dos elfos. Cada umdos membros da Sociedade lembra-se da entrega dos presentes e dos conselhos de Galadriel.
A despedida da Comitiva de Lothlórien é exibida em forma de flashback. Esse recurso é
usado ainda para aproximar Aragorn e Arwen. Por meio de lembranças e sonhos, a história do
casal é apresentada ao público, como o momento em que Arwen desiste de sua imortalidade
para viver seu amor com Aragorn, entregando-lhe seu colar, que contém sua “dádiva”.
As noções de espaço e tempo, ampliadas pela literatura, valorizam a história, privilegiando odesenvolvimento desses conceitos para que o leitor “visualize” os ambientes e personagens.
No cinema, como vimos, a imagem dispensa a descrição detalhada e, para manter a atenção
do público, o roteiro deve eliminar as passagens secundárias, que não contribuem para que a
história chegue ao desfecho, limitando o tempo dos acontecimentos.
Outros aspectos importantes do roteiro referem-se ao ponto de vista e à atmosfera da ficção.
Enquanto a obra literária é contada por um narrador onisciente e onipresente, em 3ª pessoa, ofilme apresenta a trajetória do Anel através das personagens. Os atores contam as histórias por
meio de narrações, cobertas por imagens46, ou vivem as situações, explicando-as por meio de
seus diálogos.
A atmosfera de ficção, ou seja, o “clima” da história, como os momentos de tensão e alegria,
na literatura, é desenvolvida a partir da descrição da situação, detalhadamente, para que o
leitor perceba as emoções contidas em determinadas cenas. Por ser um meio que proporciona
46 Galadriel narra a abertura do filme, contando as histórias que antecederam a chegada do Anel do Poder atéFrodo. Durante a narração, as imagens ilustram os fatos.
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diversas dimensões, o cinema permite que o público perceba a atmosfera de ficção através da
música e iluminação da cena. Em cenas emocionantes, como a perda de Gandalf, nas Minas
de Moria, a música representava o lamento dos demais membros da Comitiva, que choram ao
deixarem o local.
A literatura, através da linguagem verbal, expressa a realidade, a partir do ponto de vista de
um escritor. As obras literárias oferecem aos leitores um caminho para a imaginação e
diversas possibilidades de interpretação de determinado texto, de modo a valorizar o tempo de
apreciação da leitura. Já o cinema permite uma nova experiência, apesar de limitar a
idealização da história. O filme dá vida à literatura, recria uma obra, o que oferece ao público
uma nova forma de apreciação.
4.3.3 A versão estendida e a fidelidade à obra original
Devido ao sucesso de bilheteria da trilogia cinematográfica, em 2010, foi lançada a versão
estendida de O Senhor dos Anéis. Com cenas inéditas e ampliadas, a nova versão da obra
idealizada por Tolkien apresenta informações importantes para a melhor compreensão do
público sobre a Terra-média, seus habitantes e histórias.
A versão estendida reproduz as modificações realizadas na série tradicional, com a adequação
da linguagem literária para o cinema. Entretanto, as novas cenas possibilitam a ampliação do
entendimento do público, que, anteriormente, desconhecia alguns fatos relacionados a alguns
personagens, como por exemplo, Faramir, príncipe de Gondor.
Na trilogia para o cinema, o Capitão de Gondor, Faramir, é mostrado como um guerreironobre, desvalorizado pelo pai, o regente Denethor, que prefere o filho Boromir, integrante da
Comitiva do Anel. Diante da falta de reconhecimento do pai, Faramir vive à sombra do irmão,
mas mostra seu valor ao ajudar Frodo e Sam, além de lutar em defesa da cidade de Osgiliarth,
primeira barreira antes de Minas Tirith.
A nova versão cinematográfica da trilogia apresenta, com maior ênfase, o drama de Faramir.
Em cenas que foram excluídas da versão para o cinema, acontecimentos passados da vida do
capitão são relatados, em flashback, o que permite que o público conheça melhor a
personagem. Na cena, Boromir e Faramir comemoravam a conquista das terras de Osgiliarth,
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mas Denethor valoriza apenas a liderança de Boromir, ignorando o valor de Faramir durante a
batalha. Boromir tenta mostrar ao pai que Faramir também teve participação essencial na
vitória, porém, o regente de Gondor ressalta que o filho é fraco e enumera apenas os erros que
o mesmo cometeu em batalha.
A partir dessa cena, a plateia tem uma visão ampliada da situação em que Faramir se coloca,
diante do pai, em O Retorno do Rei, quando o capitão pergunta a Denethor se ele preferiria
que ele tivesse morrido no lugar de Boromir. O pai garante que trocaria um filho pelo outro,
uma vez que Faramir não havia provado seu valor. Por isso, ao partir de Minas Tirith, de volta
à Osgiliarth, Faramir e seus soldados recebem flores de uma multidão que os cerca até os
portões da cidadela. Todos os moradores de Gondor admiram o príncipe, exceto seu própriopai.
A versão estendida oferece ainda uma conclusão ampliada da vitória dos ents sobre Isengard,
onde Saruman comandava e ampliava o exército de orcs e Uruk-hais. Na edição para o
cinema, após a batalha travada pelos ents, Isengard é alagada e Saruman acaba preso em sua
torre.
Entretanto, a nova versão exibe um final diferente para o mago. Em uma cena inédita,
Gandalf tenta convencer Saruman a desistir de seus propósitos maléficos, e se juntar à
Comitiva do Anel, na guerra contra Sauron. O mago desdenha de Gandalf e reforça seu apoio
ao Senhor do Escuro. O rei Théoden percebe que Gríma está ao lado de Saruman e pede que
Língua de Cobra, que já foi um homem de Rohan, liberte-se da influência do mago. Porém,
Saruman ofende Gríma, e, chamando-lhe de covarde, agride o criado. Com raiva, Gríma
esfaqueia o antigo chefe pelas costas. Legolas, por sua vez, lança uma flecha e mata Línguade Cobra. Ao cair da torre, o corpo de Saruman derruba o Palantir, pedra vidente usada por
Saruman para comunicar-se com Sauron.
Ambas as versões oferecem uma boa tradução da obra de Tolkien, mantendo o cerne da
história de O Senhor dos Anéis, apesar das modificações necessárias para a transposição entre
mídias. A cada nova versão criada a partir da história de Tolkien, percebe-se a criação de um
“produto" diferente, o que evidencia a transmidialidade. O termo foi definido por Jenkins
(2009), como uma história que se desenvolve por várias mídias, e, em cada uma, há uma
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diferente contribuição para o entendimento da obra como um todo. O autor ressalta ainda que,
na narrativa transmidiática, cada meio realiza o material original com o que tem de melhor.
Assim, a história, contada em um livro, é adequada para o suporte livro porque ela aproveita
as características da linguagem literária, e da mesma forma, isso acontece com o filme e o
cinema. A nova obra, produzida a partir da transposição da literatura para o cinema, apresenta
as características cinematográficas, mas não repete somente o que há na obra original. A
transposição, como transmidialidade, permite que as criações se complementem, mas sejam
independentes uma da outra, ou seja, para compreender o filme, não é necessária a leitura do
livro e vice-versa.
Embora a fidelidade à obra original seja impossível, a versão estendida permite que mais
aspectos do livro sejam abordados, o que enriquece a obra, mas não desvaloriza a edição
exibida nos cinemas. Ambas apresentam-se como novas produções, autônomas, da obra
literária. A transposição de O Senhor dos Anéis da literatura para o cinema não limitou a obra
original, mas a ampliou.
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5 CONCLUSÃO
A análise da transposição de O Senhor dos Anéis, da série literária para a trilogia
cinematográfica, revelou novos significados para o processo de adaptação de um meio para
outro. A transposição pode ser considerada uma tradução, que converte em linguagem fílmica,
as histórias narradas na literatura. Entretanto, segundo Diniz (2005), esse conceito não pode
limitar-se apenas à busca de correspondência entre um elemento literário e seu equivalente
cinematográfico.
A transposição implica ainda em uma recriação, em que a obra original tem função de inspirar
e fornecer a base para o desenvolvimento de uma nova produção, com interferência daspreferências e bagagem cultural de seu diretor, roteiristas e produtores. Assim, a transposição
adquire noções de intertextualidade e a adaptação é vista como um hipertexto. Esse conceito
amplia a definição de transposição, de modo a abranger outros textos, não somente o literário,
na composição de filmes.
Assim, a adaptação cinematográfica configura-se como um falso-problema, conforme análise
de Johnson (2003). É impossível que o cinema capte todas as características da linguagemliterária para o desenvolvimento de um filme, uma vez que deve respeitar suas próprias
especificidades. A produção cinematográfica modifica a obra original, adaptando-a para sua
linguagem, e cria uma nova obra, a partir de outra perspectiva.
A série literária O Senhor dos Anéis possui mais de mil páginas e foi levada para o cinema,
em uma trilogia com cerca de três horas de duração, em cada filme, na versão cinematográfica
tradicional. Já a edição estendida traz mais duas horas de história, distribuídas em três filmes,sendo que há 30 minutos extra no primeiro longa, A Sociedade do Anel, 42 minutos em As
Duas Torres e 48 minutos a mais em O Retorno do Rei.
A transposição da saga da Comitiva do Anel pela Terra-média, da literatura para o cinema,
remete ao termo “Transmidialidade”, definido por Jenkins (2009). O conceito esclarece o
desenvolvimento de uma versão de um mesmo filme. Segundo o autor, a narrativa transmídia
é concebida, principalmente, por motivações econômicas, com expansão de franquias e
aumento nas vendas de produtos relacionados às obras literárias ou cinematográficas. Assim,
a nova edição de O Senhor dos Anéis, além de atender a condições econômicas, cria mais uma
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variação da história, com trechos importantes para a compreensão mais detalhada do mundo
arquitetado por Tolkien. O Senhor dos Anéis se desenvolve em diferentes plataformas, sendo
que, cada uma contribui para uma interpretação nova e valiosa.
A transposição considerou as características da linguagem cinematográfica, com adaptações
que tornaram o roteiro comercialmente viável e interessante ao público, além da interpretação
do diretor da trilogia, Peter Jackson. Assim, O Senhor dos Anéis não foi apenas transportado
para o cinema, mas uma nova obra foi elaborada, tendo como ponto de partida, a história
idealizada por Tolkien.
As modificações em uma obra durante a adaptação de um meio literário para ocinematográfico não se apresentam como um problema ou uma “violação” do material
original. Mas trata de uma recriação, que incorpora uma linguagem diferenciada e
multifacetada, que inclui, além das palavras, a imagem, a música e os efeitos especiais.
Um filme adaptado, a partir de um texto literário, enriquece a obra com elementos essenciais
ao cinema, mas impossíveis para uso na literatura. Um livro permite o exercício da
criatividade, em que cada leitor pode idealizar a história de uma forma, apreciando a leitura ecom a possibilidade de retornar às páginas anteriores e reler uma passagem. O cinema, por
atender à necessidade de consumo imediato, oferece uma nova experiência ao público, que
pode vislumbrar novas dimensões da história, com ajuda dos efeitos cinematográficos, como
o som e a montagem, por exemplo, que ressaltam emoções e evidenciam passagens da trama.
Cinema e literatura são diferentes em diversos aspectos, mas as influências de um meio em
outro possibilita produções cada vez mais interessantes econômica e culturalmente. Apreocupação com a fidelidade à obra original deixou de ser o foco da transposição entre
mídias, que prioriza o diálogo entre os meios de comunicação, para a ampliação da história. O
Senhor dos Anéis, atualmente, não é lembrado apenas como um livro de Tolkien, mas pela
série de filmes e videogames, por exemplo. A comunicação entre os meios permite que o
público usufrua a obra em diferentes plataformas, o que possibilita diversas interpretações e
melhor compreensão do material original. Em cada versão, a transposição oferece novos
sentidos a uma obra.
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TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: As Duas Torres. Tradução de Lenita Maria RímoliEsteves e Almiro Pisetta. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Tradução de Lenita Maria RímoliEsteves e Almiro Pisetta. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MATERIAL EM AUDIOVISUAL
CONFRONTO dos Deuses: A Mitologia de Tolkien. Direção: Christopher Cassel. Produção:Jim Gaffey, Bill Hunt, Vincent Kralyevich, Patricia Nugent, Kristine Sabat, Jeffrey C. Weber,Emily Yacus. Roteiro: Christopher Cassel, Ted Poole. Estados Unidos: KPI, 2009. (44 min).som Dolby Digital; color.
O SENHOR dos Anéis: A Sociedade do Anel. Direção Peter Jackson. Produção: Barrie M.Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,
Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien. Fotografia: AndrewLesnie. Música: Howard Shore. Estados Unidos: New Line Cinema, The Saul Zaentz
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Company, WingNut Films, 2010. 2 DVDs (208 min). NTSC: som Dolby Digital 5.1; color,legendado. Inclui faixa bônus. 2 DVDs.
O SENHOR dos Anéis: As Duas Torres. Direção Peter Jackson. Produção: Barrie M.
Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Stephen Sinclair, Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien.Fotografia: Andrew Lesnie. Música: Howard Shore. Estados Unidos: New Line Cinema, TheSaul Zaentz Company, WingNut Films, 2010. 2 DVDs (221 min). NTSC: som Dolby Digital5.1; color, legendado. Inclui faixa bônus. 2 DVDs.
O SENHOR dos Anéis: O Retorno do Rei. Direção Peter Jackson. Produção: Barrie M.Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,
Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien. Fotografia: AndrewLesnie. Música: Howard Shore. Estados Unidos: New Line Cinema, The Saul ZaentzCompany, WingNut Films, 2010. 2 DVDs (258 min). NTSC: som Dolby Digital 5.1; color,legendado. Inclui faixa bônus. 2 DVDs.
O SENHOR dos Anéis: A Sociedade do Anel. Direção: Peter Jackson. Produção: Barrie M.Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien. Fotografia: AndrewLesnie. Música: Enya, Howard Shore. Estados Unidos: New Line Cinema, The Saul ZaentzCompany, WingNut Films, 2001. DVD (178 min). NTSC: som; color, legendado.
O SENHOR dos Anéis: As Duas Torres. Direção: Peter Jackson. Produção: Barrie M.Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Stephen Sinclair, Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien.Fotografia: Andrew Lesnie. Música: Howard Shore. Estados Unidos: New Line Cinema, TheSaul Zaentz Company, WingNut Films, 2002. DVD (179 min). NTSC: som; color, legendado.
O SENHOR dos Anéis: O Retorno do Rei. Direção: Peter Jackson. Produção: Barrie M.Osborne, Peter Jackson, Fran Walsh, Tim Sanders. Intérpretes: Elijah Wood, Ian McKellen,Liv Tyler, Viggo Mortensen, Sean Austin, Cate Blanchett, John Rhys Davis, Billy Boyd,Dominic Monaghan, Orlando Bloom, Christopher Lee, Hugo Weaving. Roteiro: Fran Walsh,Phelippa Boyens e Peter Jackson, baseado no livro de J. R. R. Tolkien. Fotografia: AndrewLesnie Música: Howard Shore Estados Unidos: New Line Cinema The Saul Zaentz