Entrevistas aos Educadores de Infância
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Entrevista com a Educadora 1 Invest. – (…) Se vos pedisse uma avaliação por escrito, não sei quando
é que a tinha, não sei se a tinha ...
Educ. – Nunca tive dificuldade, não é, em falar consigo.
Invest. – Aquilo que eu queria era falar de alguns “grandes blocos”. Em
primeiro lugar, queria saber a vossa opinião sobre que repercussões das
actividades que fizemos no trabalho, no desenvolvimento das crianças,
na vossa maneira de ver e de trabalhar, até no dia a dia nas
actividades…
Educ. – Influência do trabalho, do seu trabalho aqui dentro? Para
começar eu notei muita diferença do ano passado para este ano.
Embora tivesse pouco tempo eu sei que os miúdos… também tiveram as
mudanças de educadoras, foi aquela trapalhada toda de eu sair. Pronto,
e acho que eles este ano estão muito direitinhos e integraram-se
perfeitamente, não é? A nível do meu trabalho, eu já tinha
conhecimento deste tipo de experiências no curso. O que eu não pensei
era que se conseguisse.
Invest. – E, no fundo, no início, até era um bocadinho renitente à ideia.
Educ. – Eu acho que se deve fazer isso mas sempre com condições para
fazer. Acho que as condições que nós tivemos ainda não são as ideais
nem de perto nem de longe, não é. Porque isto faz-se muito bem, mas
continuo a ter a mesma ideia – com condições para o fazer. Depois
destas obras com certeza, que vai haver condições físicas muito
melhores para poder proporcionar às crianças este tipo de actividades,
o que eu acho importantíssimo. Eu acho que isto desenvolve muito,
muito as crianças mas tem de ter um conjunto à volta.
Invest. – Ao nível de organização. Basta não ter casa de banho para
eles tomarem banho, e não ter água quente para eles…
Educ. – Naquelas vezes que eles tiveram de tomar banho foi uma
estafadela. E depois é todo um conjunto. O trabalho deve ser feito sim,
eu acho que sim, desenvolve muito as crianças. A maior parte das
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pessoas, eu noto, e foi o que conversei hoje com a Educ.. ..., de manhã,
é que nós estávamos abertas a este tipo, fomos formadas, estamos
abertas a este tipo de actividades. Mas acho que não somos só nós que
devemos ser formadas e estar aptas para fazer isto. O que eu notei é…
comentários. Por exemplo, das auxiliares que não percebem, e como
não percebem comentam, e tornam as coisas… Eu como não ligo nada,
ouvia e toca a andar, nem sequer respondia, mas acho que elas é que
têm de ter formação para isto.
Invest. – Mas o que é engraçado é que elas não sabiam porque é que
nós estávamos a fazer exactamente, e o que íamos fazer.
Educ. – Elas não percebem, elas acham que aquilo é uma brincadeira.
Invest. – Exactamente, mas ao mesmo tempo elas nunca mostraram
má cara.
Educ. – Não mostram, mas eu por exemplo já as conheço minimamente
e sei que ou é pelo trabalho que têm a seguir ou por não haver
condições assim muito boas para o fazer. Acho que elas devem ser
trabalhadas, elas é que devem ser trabalhadas, porque a Educ.. … está
farta de dizer que se puder continua a fazer, e eu também já lhe disse
que havendo condições lá em cima é coisa que eu mais gosto de fazer, é
este tipo de trabalhos com os miúdos, quando puder fazer, mas tenho
de ter a colaboração delas, não é, obrigatoriamente. Que isto
desenvolve, desenvolve, mas…
Invest. – Quais foram, nas crianças, as principais diferenças, ou, o que
é que sentiu mais? Acha que há diferenças entre os meninos que, este
ano, estão a trabalhar?
Educ. – Há …
Invest. – E mesmo deles em relação ao grupo? Quais são as grandes
diferenças que sentiu ou sente nele?
Educ. – Eu, a maior diferença foi na Mariazinha, porquê? Porque a
Mariazinha era muito fechada, uma miúda muito introvertida, e ela
agora, chega a qualquer situação é a primeira a explorar. Em relação ao
restante grupo, ao grande grupo, nota-se uma diferença brutal, mesmo
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sendo a Mariazinha a miúda que teve uma evolução assim mais… E o
Pauleta? Eu acho que o Pauleta também se abriu às novas experiências
e tal… E uma das coisas que me entristece foi não ter proporcionado
aos outros aquilo que estes fizeram. Nem era viável fazer-se com…
Agora, continua a haver este tipo de trabalho em área de creche, mas
acho que é proporcionar a todos, uns e outros, que é para todos terem a
mesma possibilidade de desenvolvimento. O Frederico desenvolveu-se
muito, o Marcos teve um desenvolvimento logo no início mas depois
parou.
Educ. – A Mariazinha foi uma coisa impressionante. A Mariazinha não
fazia nada, nada, nada e desenvolveu-se muito. Continua a falar é com
mimo (ainda não percebi, nem consegui perceber aquilo), porque ela
com os outros manda, que é o que faz lá fora. Mesmo nas brincadeiras
na sala e na cozinha é ela que manda e, em qualquer brincadeira em
que ela esteja, ela gosta de mandar, mas connosco… Lá fora com o
adulto, ela «nh nh nh, mia”. A única pena que eu tenho é que os outros
não tiveram a reacção que tiveram os da Educ.. ..., começar a chorar.
Invest. – Foram reacções completamente diferentes uns dos outros.
Educ. – Habituaram-se. Eu acho que o grupo é assim. Eu tenho, (eu sei
bem as peças que tenho de “artilharia” que tenho ali), mas acho que é
um grupo que a partir de agora, bem “puxadinho” vai prometer, vai
prometer porque apreendem. Eu noto em relação à Educ.. ... há coisas
que (são mais velhos um bocadinho), mas noto diferenças nos miúdos.
São revolucionários, mas até aí uma pessoa tem de ajudar.
Invest. – Mas isso são as idades. Também temos de ir acompanhando
as idades deles, não é?
Educ. – Mas acho que são abertos a tudo porque desde o início se eu
não notei grande diferença desde que a … [Investigadora] entrou. Não
fizeram nada, experimentam assim bocadinho, de resto habituaram-se
perfeitamente e acho que se continuarem e mesmo em parte do jardim
há experiências que posso continuar a fazer.
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Invest. – Exactamente, até porque eles continuam. A grande
preocupação, para com estes mais pequeninos é dar-lhes objectos e
materiais que eles possam meter à boca, cheirar e isso tudo. No jardim
já se pode ir fazendo outro tipo de opções porque eles já não metem
tanto na boca, já conhecem o mundo.
Educ. – Eu acho que o desenvolvimento nestas idades é muito maior. É
mais importante proporcionar nestas idades este tipo de experiências, e
nas outras mais avançadas, outro tipo.
Invest. – As crianças estando bem trabalhados ao nível sensorial, nas
grandes movimentações no espaço ilimitado e nas interacções com os
outros, quando passam para fases seguintes já têm outras bases, e
portanto, já têm outro contacto com o mundo.
Educ. – Só que a maior parte… eu dei-lhe um exemplo muito concreto.
Eu chegava a casa farta de me rir com as asneiras que eles faziam aqui
(asneiras salvo seja é claro!), dizia ao meu marido, e ele ……. “Para quê?
Vocês só brincam.” Mas eu posso tentar explicar – ele agora já não diz
tanto mas não percebe porque é que faz mexer com ovos, deixá-los cair,
parti-los, não percebem, não atingem como a maior parte das pessoas
não atinge.
Invest. – Porque acho que só vendo. Este ano, fizemos duas grandes
modificações ao nível de desenvolvimento de actividades, porque no
fundo as crianças trabalharam com os mesmos materiais. Primeiro, foi
retirar-lhes as cadeiras, e a segunda …
Educ. – Que lhes dá a retirada das cadeiras dá-lhes…
Invest. – Uma ampliação do espaço e uma mobilidade, e eles assim
procuram o que querem, quando querem, e interagem como querem. E
a outra foi modificar, de alguma forma, a vossa atitude.
Educ. – A intervenção.
Invest. – A vossa intervenção. Estavam atentas, participavam, falavam,
mas não iniciavam as interacções. E, parece-me que essas grandes
mudanças tiveram alguns efeitos na forma de reagir das crianças. Um
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facto concreto foi, quando eles entravam em conflitos, eu dizia à Educ..
... «deixe».
Educ. – Isso mete-me medo, ainda. Um bocado de aflição. Eles acabam
por resolver, eu sei…
Invest. – Foi capaz de perceber que eles resolviam os problemas.
Educ. – Foram as minhas únicas coisas que me metem muita aflição.
Foi com o gelo. Eu com gelo fiquei apavorada do início ao fim a pensar
que eles podiam pôr os pés em cima dos blocos grandes.
Invest. – O Leandro andou a fazer “patinagem artística”.
Educ. – Precisamente por causa disso porque a Educ.. ... já tinha feito e
tinha-me dito que tinham posto os pés e andado a fazer patinagem. Eu
estava apavorada que me dessem com a cabeça no chão. Eu sei que eles
têm… Mas isso já é de mim. Eu tenho medo, eu posso dar um berro
para o ar, mas há coisas que me metem uma aflição tremenda e esse
tipo de experiência por exemplo ainda bem que eles não fizeram. Eu sei
que era bom para eles. Mas o medo é o meu medo, sim porque eles não
têm medo nenhum, é tanto que eles se magoem que…
Invest. – Se eles tivessem experimentado e vivenciado uma situação
que lhes provocasse, ou medo ou demasiada instabilidade eles não iam
repetir. O que conta é que eles descobrem novas formas de locomoção,
novas formas de andar, e isso para quem está a começar, para quem
está acabar e sedimentar o próprio andar, só é bom, andar em espaços
irregulares, em altos e baixos, em diferentes superfícies.
Educ. – É que eles não têm medo nenhum…o problema está aí. Eu
reconheço, que é uma aflição. Eu era assim, espero bem que eles não
ponham os pés em cima do gelo e aquilo a derrapar.
Invest. – Quando eles entravam em conflito o que é que eles faziam em
primeiro lugar? Olhavam para si, para «resolve o problema». E a partir
do momento que eles viram que a Educ.. ... estava atenta mas não
reagia, eles resolviam o problema, ou entre, ou um terceiro que vinha
resolver.
Entrevistas aos Educadores de Infância
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Educ. – Lá está, são coisas que uma pessoa aprende e eu em casa já
apliquei isso e custou-me um bocadinho, não é? Mas já apliquei com a
minha filha. (…)
Invest. – Nós educadores estamos atentas na mesma. O que me parece
é que não nos podemos substituir a eles próprios, que é aquilo que os
adultos fazem nas brincadeiras, na resolução dos problemas, na
linguagem…
Educ. – Mas custa. O pai também olhou para mim e eu deixei continuar
mas não andaram ali montes de tempo, não é? Mas, pronto, deixei
continuar porque ela olhou para mim e eu lembrei-me, uma pessoa vai
vendo, vai aprendendo, não é? E eu lembrei-me, o meu marido já ia e eu
«deixa estar, ela resolve» e lá resolveram e depois veio e «oh mamã é», «ó
tia isto… ó tia aquilo» e eu lá falei com eles. Mas resolvi o problema o
meu marido perguntou «mas porque é que tu deixaste?», «por que tem
que se deixar»
Invest. – Eles resolvem, como vê eles resolvem.
Educ. – Mas custa-me, há coisas que me custam e mete-me aflição.
Mas deixá-los, realmente eu acho que se deve mas custa-me um bocado
e deixar experimentar coisas que eu à partida tenho medo, não é medo
de eu fazer, porque se eu se não souber aquilo não faço, mas deixá-los
fazer coisas assim mete-me aflição.
Invest. – Não acha que de alguma forma pode haver aí uma
contradição. Porque é que a Educ. tem medo, por exemplo, do gelo, que
eles caiam e não tem medo de trazer cá dois cães. Trouxe-os cá
perfeitamente à vontade, os miúdos não tiveram problema nenhum,
ninguém se magoou, mas trouxe dois cães. À partida até podiam ser
mais «perigosos» entre aspas, não é?
Educ. - Talvez por eu adorar.
Invest. - Agora não tem medo, claro e evidente, pensou nos riscos ou
pensou nos cuidados que teria que ter.
Educ. – Exacto. Também sabia que os cães à partida eram de confiança
mas…
Entrevistas aos Educadores de Infância
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Invest. – Não seria mais perigoso?
Educ. – Era.
Invest. – No ponto de vista da criança até, não seria mais perigosa uma
coisa do que a outra?
Educ. – Muito mais, muito mais. Lá está, não sei, mas é que não tinha
medo, quer dizer, era capaz de ter medo de me pôr em cima de um
bloco de gelo, aquilo escorregar e mandar-me…
Invest. – Não, e aquilo escorrega, quer dizer por exemplo o Leandro pôs
o pé e ia pelo seguro quando viu que aquilo patinava e nunca mais
tentou pôr o segundo, porque viu que não era capaz, e perder o
equilíbrio – portanto andava com um pé no chão e o outro em “skate” e
andou assim muito tempo.
Educ. – Lá está nós transmitimos sempre aquilo que nós sentimos.
Invest. – Eu penso que uma das… no fundo acaba por ser uma
aprendizagem, é deixá-los experimentar, deixá-los estar atentos, mas
deixar ver como é que eles reagem, sem nós anteciparmos esse medo.
Porque eles têm competências que nós muitas vezes não deixamos vir
ao de cima.
Educ. – Pois têm, mas isso é uma mudança muito grande.
Invest. - Repare, a Andreia já foi lá para fora para as pipocas, fazer o
trabalho com as pipocas este ano? Eu nunca tinha visto aquela miúda a
falar tanto.
Educ. – E nunca mais fez. Lá está, é uma das tais que precisava deste
tipo de actividades mais vezes.
Invest. – Que ela todo tempo que esteve falou, ela trabalhou, ela…
Educ. – Ela aqui dentro não fala, fala o essencial, connosco fala o
essencial, e com eles, também, muito pouco. É uma miúda muito,
muito… Ela tem competências mas não mostra, mas a pena que eu
tenho é não poderem participar todos, porque acabaram por ser aqueles
os privilegiados.
(…)
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Educ. – E por isso mesmo é que eu disse à Educ…., e perguntei à
Educ…., o que lhe tinha dito hoje de manhã se a Invest. ia ficar cá com
as cassetes porque isto, o programa que fez aqui é positivo para
qualquer criança, não há negatividade nestes programas, não há
nada…
Invest. – Não há riscos…?
Educ. - Nem riscos. Portanto tudo o que é feito é bom para qualquer
tipo de crianças em idade de creche. Eu acho é que se deve continuar a
fazer e a fazer com todos. Já não há a preocupação de estar a estudar o
comportamento de um, de uma criança específica.
Invest. – Mas, eu penso que, mesmo vocês se fizessem em sistema
rotativo, com um grupo pequeno… porque este trabalho para surtir
efeito nas crianças, e para nós termos um mínimo de capacidade de
observação, tem que ser mesmo com um número reduzido de crianças
para além da rentabilidade da própria actividade. Se é em grande grupo
não há hipóteses.
Educ. – Ai não, não, tem que ser em pequeno número. No Pauleta o que
eu achei mais engraçado foi com a massa, porque foi a primeira vez, e
quando viu que meteu a massa preta no dedo… e foi a primeira vez,
salvo erro, que ele mexeu completamente à vontade no material.
Invest. – Mas houve alguns materiais em que ele o ano passado não
mexeu?
Educ. – Pois não.
Invest. – O ano passado, inclusivamente metia as mãos debaixo da
mesa. Agora, falou-me e disse-me «mais», muito embora agisse e
imitasse muito nesta fase.
Educ. – Mas chegou a dar ordens. Agora nas últimas. Ou seja, se
continuasse este processo de experiências ele ia andar sempre para a
frente, não acha?
(…)
Invest. – Em relação à minha presença o que é que sentiu de facto? O
facto de eu estar de câmara, de ser uma pessoa estranha, o que é que
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sentiu com a minha presença, com o meu trabalho nestes dois anos,
com o grupo, consigo e aqui na instituição.
Educ. – Não senti diferença é isso que eu lhe digo talvez por eu já a
conhecer, há uns anos, para mim foi um ponto a favor, não é? O meu à
vontade já era completamente diferente do à vontade delas. Em relação,
portanto eu não tive dificuldade nenhuma com a sua presença
Invest. – Sentiu alguns bloqueios por eu estar na sala consigo.
Educ. – Nenhuns, eu isso não costumo bloquear muito. Em relação aos
miúdos, não senti, senti o quê, a primeira e a segunda que veio cá, mas
é o normal, qualquer pessoa estranha que entre na sala…
Invest. – Foi na sua sala que eu tenho imensa pena em não ter
registado mas houve uma criança que chorou. Foi a única que chorou
quando eu entrei, penso que foi o Marcos, eu sei que era um pequenino.
Educ. – Eu lembro-me disso.
Invest. – É provável que tenha sido ele, eu lembro-me que foi um
pequenino que estava ao colo da Educ.. ..., da … [auxiliar] ou de
alguém, estava ao colo e quando me viu chorou mas eu não lhe liguei e
a partir daí nunca mais tive …
Educ. – Mas lá está, mesmo o grupo ou porque eu também sei e tenho a
certeza, isso toda a gente sabe que uma pessoa os influencia na
maneira de ser, e sem dúvida nenhuma eles passam o dia todo comigo.
Ou é por eu estar sempre a … Transmito-lhes isso e o à vontade que eu
transmito com as outras pessoas eles vão acabar por ter, não é? Porque
eu não senti grande diferença, há miúdos que basta entrar uma pessoa
na sala que eles trepam quase as paredes. O Dudu o que fazia e o
Hilário que são os mais… mais mexidinhos fazem exactamente o que
fazem consigo lá dentro mas fazem comigo. Portanto a diferença não é
nenhuma. Até aí nesse aspecto não posso, não posso falar muito…
Invest. – A minha presença na sala não a incomodou?
Educ. – Nada. Não me incomodou nada a câmara, não me incomodou
nada a sua presença, as suas intervenções foram sempre bem vindas
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porque acho que há coisas que eu não sei mas que eu aprendo, e há
coisas que eles fazem consigo e que não fazem comigo, mas pronto.
Invest. – Como o quê?
Educ. - Como falar baixinho. Mas isso é uma das coisas de não estar
sempre presente na sala. Também é, não é?. Eles fazerem barulho,
barulho, barulho mas eu já tentei montes de vezes fazer isso. Barulho,
barulho, barulho, e eu começo «meninos»…
Fiquei danada quando fez isso e eles calaram-se.
Invest. - Há aqui uma coisa, que me parece importante que vocês
metam na cabeça. Vocês estão a querer impor regras muito cedo, ou
seja, como eles estão muito tempo sentados, quietos e calados, quando
começam a mexer e a falar, as suas energias e necessidade de
movimento têm de sair por algum lado. Vocês querem pôr ordem para
depois os mandar trabalhar e eles estão incapazes. Portanto, se vocês
optarem por tempos muito pequeninos, eles vão ser capazes e vocês vão
ser capazes de impor a disciplina e a ordem que querem, como esticam
muito eles não são capazes, aliás, eu já o ano passado lhes disse e este
ano tornei a dizer: eles estão muito tempo sentados, repare, eles entram
não sei a que horas, não interessa. Às nove horas, quando nós
chegamos estão todos sentados.
Educ. – Estão…
Invest. - Vão para a sala, cantam os bons-dias, comem a maçã e só às
nove e meia, dez menos um quarto é que … Já estão sentados há muito
tempo. Portanto, quando a Educ. ... quer falar baixinho com eles e
captar-lhes a atenção …
Educ. – Já não consigo…
Invest. – Não têm capacidade e portanto se mudarem a rotina, mesmo
que estejam cansados, deixá-los expandir.
Educ. – E é. Por isso é que eu estou contente em ir para cima. Porque
eu em relação ao outro grupo que tive … e é diferente. O sistema lá em
cima é completamente diferente. Os miúdos chegam e estão a brincar e
Entrevistas aos Educadores de Infância
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só quando vão para a sala é que se sentam. Também são idades, são
mais velhinhos mas é diferente o facto de estar …
Invest. – Quanto mais pequeninos mais necessidade têm de não estar
quietos.
Educ. – É ao contrário. Por isso é que eu estou tão contente que isto
mude tudo. E aqui falta, mas isto é tudo um conjunto de situações, e eu
não posso começar o dia antes das nove e meia, o dia salvo seja, mas
não posso porque senão arrisco-me a começar o dia com quatro ou
cinco, entretanto até às dez vão chegando, porquê? Porque os pais
também não respeitam o horário. E depois os desgraçadinhos, eu falo-
lhes nisso todos os anos na reunião, «cumpram-me os horários porque
há miúdos que às sete e meia da manhã estão aqui, e esses não têm
culpa de ter de estar aqui às sete e meia e estar à espera até às dez
horas para começar o dia para trabalhar». Portanto, mas sempre bati
nessa tecla, eu tenho consciência disso mas obrigatoriamente quase
temos que pô-los sentados.
Invest. – Mas eventualmente, mais vale quando eles vão para a sala,
pô-los logo a trabalhar e só cantam os bons-dias às nove e meia, porque
já estão mais, comem a maçã e isso tudo, percebe?
Educ. – O problema é poder mudar a rotina.
Invest. - Tem de mudar porque, eu penso que contar uma história ou
fazer uma actividade ou isso, às vezes é muito tempo que eles estão
sentados quietos. Ora eles são incapazes de estar quietos sem alguma
coisa: desapertam os cordões, brincam com os do lado. Eles têm
necessidade desse movimento. E como têm necessidade, vocês por um
lado querem estabelecer regras, querem que eles respeitem as regras…
Não podem! Estão a exigir, a querer exigir uma coisa, quando eles ainda
não estão capazes. Têm que lhes dar é os tempos para eles estarem com
atenção e tempos para eles se descontraírem
Educ. – Pois é, tem razão, eu sei que tem.
Invest. – Porque se mudarem…Eu não sei o que é que fiz nessa vez
quando diz que eu os calei, mas eventualmente andarem a rastejar,
Entrevistas aos Educadores de Infância
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esticar as pernas, encolher, andar de avião depois é que os acalmei.
Primeiro estive a fazer movimentos, esticar a perna, andar de avião,
andar de carro…
Educ. – Só sei que começou a falar baixinho, elas aos gritos e passado
um bocadinho todos calados… Eu já de mim falo alto, eu às vezes bem
tento controlar, mas isto, quer aqui quer em casa, e tenho consciência.
Invest. – Mas a sala também não ajuda, o espaço não ajuda.
Educ. – Eu também acho que é influência de estar aqui há já algum
tempo, mas tento mudar e, talvez indo para outro sítio mais sossegado,
uma pessoa consiga falar… mas eu nunca berrei e agora passo a vida
«Ahhhhh» eu não consigo, eu chego a casa e faço a mesma coisa e a
minha filha diz-me «fala mais baixo». E eu «Ai meu Deus do céu»
qualquer dia estão-me a dizer que sou professora primária.
(…)
Invest. – Fizemos uma reunião sobre observação e registo, penso que
foi a última. Partindo dessa reunião, fez ou acha que fez ou houve em si
algumas alterações, na sua prática, na sua forma de registar, na sua
forma de observar? Pode dizer assim, eu continuo sem fazer registos
mas…
Educ. – Esses registos fazem-me…
Invest. – Vamos fazer por partes então. Ao longo deste tempo, a nível da
observação das crianças, dos comportamentos das crianças, acha que
alguma coisa mudou em si ou não? Está mais atenta a alguns
pormenores ou está na mesma de uma maneira geral?
Educ. – Eu estou mais atenta aos pormenores, agora, o registar as
observações que faço, é que essa parte ainda não …
Invest. - Mas diga-me uma coisa, não faz porque não gosta de fazer,
porque não tem tempo..
Educ. – Não gosto.
Invest. - Não entende o significado…
Educ. – Não gosto. Eu entendo o significado. Acho que é importante.
Isso é um esforço que ainda vou ter de fazer, não é? Acho que é
Entrevistas aos Educadores de Infância
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importante registar porque há coisas que noto já nos miúdos, em todo o
conjunto de trabalho que se tem feito e que depois esqueço, portanto
depois digo assim: «Caramba! Podia ter». Eu tenho um único problema é
registar mesmo, não é perceber como é que se regista, eu percebo, é
registar
Invest. – É o problema de escrever…
Educ. – É, é mesmo o registar. Porque sei que faz falta. Eu sou capaz de
falar sobre o Francisco, mas há coisas que eu poderia dizer sobre o
Francisco se não me esquecesse. Que a minha memória também não dá
para tudo, não é? Se tivesse registado era muito mais fácil, e eu sei que
é um erro mas…
Invest. – E acabava eventualmente por saber dominar se o Frederico já
consegue fazer isto, e agora vou experimentar com ele a ver se ele
consegue fazer isto… E não havendo bases… eles são muitos e alguns
com características muito próprias.
Educ. – Pois são, é aí que eu noto que me faz falta, mas ainda não
consegui, não consegui, não consegui, eu ainda tenho de me preparar
psicologicamente, porque eu sei que é preciso, mas isso qualquer
pessoa não é preciso também pensar muito, não é, é importante?
Invest. – Outra pergunta em relação ao longo destes dois anos.
Relativamente à formação, e eu posso dizer que quando se faz uma
formação, estou a pensar nos momentos das reuniões semanais, nas
nossas conversas informais, aqui, nas reuniões mensais, qualquer
coisa, que de alguma forma a Educ. ... sinta que aprendeu, alguma
coisa, que aprendeu ou se lembrou novamente… Porque às vezes não é
só o aprender, «eu já sabia isto» «eu nunca mais me lembrei disto», «eu
podia fazer isto», «eu devia fazer isto». Quais foram dentre todos esses
momentos, quais foram as situações em que a Educ. ... chega agora ao
fim do 2º ano e diz “disto não me vou esquecer, este momento para mim
foi interessante”.
Educ. – É assim, há muita coisa em que falou que para algumas era
novidade mas que para mim era relembrar. Eu acho que é um aprender
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constante, mesmo o relembrar há coisas, que eu por exemplo, vou dar
um exemplo, o das «sombras chinesas» que me disse que não eram para
se fazer…
Invest. - Não era a idade adequada para se fazer as «sombras chinesas».
Educ. – E eu fui para casa e era assim: «mas porque não é a idade
adequada se eles me responderam?» Continuo com esta minha
incógnita: se eles me responderam ao que eu queria alcançar com as
«sombras chinesas» alcancei. 1º uma novidade para eles porque … e
continuo a não perceber porque é que não, vendo que há receptividade
da partes deles, se eu chegasse ali com as «sombras» e eles não
dissessem nada, nunca mais continuava. Eu reparei e fez-me um
bocado de confusão, reparei que os miúdos estiveram extremamente
atentos, para além de estarem atentos, porque podiam estar atentos à
novidade só, não é?, não perceberem nada do que se estava a passar.
Invest. – Como é que sabe que eles estiveram atentos, se estava atrás
do biombo?
Educ. – Porque eu tinha a Educ. …, eu tinha a Educ. … à frente, eu é
que estava atrás.
Invest. – Então não sabe se eles estavam atentos. Eles estavam
calados…
Educ.– Mas a Educ. ... diz que eles estavam a olhar, podiam estar a
olhar e estarem pasmadinhos e não perceberem nada do que se estava
a passar, mas eu depois, precisamente… e foi uma coisa muito
comentada, «Educ. ..., mas eu ainda não percebi porque é que não
podia fazer as sombras».
Invest. – Mas eu não disse que não pode.!
Educ.– Mas porque…
Invest. – Há duas justificações teóricas, eu não disse para não fazer, eu
só disse que não era a idade ideal para se fazer. Há duas coisas: em 1º
lugar porque as «sombras» requerem um adulto por trás do biombo, ou
seja, o elemento de segurança que é a Educ. ..., neste caso, vai ficar
escondido…
Entrevistas aos Educadores de Infância
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Educ.– Exacto.
Invest. - E se eles precisam desse elemento de segurança, dessa pessoa
de segurança, e ela vai estar escondido, até porque nós mudamos as
vozes conforme as personagens não deixamos de ser nós, já só por isso
não é a idade mais adequada; por outro lado a descoberta da sombra,
da sombra enquanto sombra só se dá mais tarde, por volta dos 3, 4
anos.
Educ.– Mas essa não era a minha intenção.
Invest. – Ora porque é que eles estiveram absorvidos? Porque aquilo
que aconteceu por trás do biombo foi um filme, não foi uma técnica de
sombras chinesas. Foi um filme de cor, de movimento, com animais que
podiam já mexer numa história que já conheciam.
Educ.– Mas a partir do momento, quando se faz uma actividade, e que
depois se tem … que eu depois vim para a frente do biombo, certo, falei
com eles, mostrei-lhes as “sombras”, bonequinhos, porque eu nem disse
que eram sombras, mas mostrei-lhes, deixei-lhes pegar, o que é que
aconteceu, e se eles me respondem às perguntas básicas da historinha,
é uma …
Invest. – É uma estratégia diferente para contar uma história, como
poderia ter usado um fantoche. E quando lhe disse – não é – era só por
isso, são as razões teóricas. Pode fazê-las, mas não porque o seu
objectivo não é trabalhar a sombra. Enquanto descoberta da sombra, é
uma estratégia diferente como é usar uma caixa de televisão ou o dito
“cineminha” como há muitas educadoras que o fazem. São estratégias
diferentes e no fundo o que a Educ. ... esteve a fazer foi contar uma
história. O material e recursos que utilizou foram o «teatro de sombras».
Eles estiveram a ver, e o facto de ser uma novidade, uma técnica
diferente, prendeu-os, porque é uma novidade. E o que é que aconteceu,
por que é que eles estavam “presos”? … Porque eles tinham a Educ. ...
ali e portanto embora a Educ. ... não estivesse, havia alguém que eles
conheciam, que estabilizava e controlava de alguma forma se houvesse
alguma situação…
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Educ.– Mas como isso, muitos exemplos, há coisas que, por exemplo…
Uma pessoa está sempre a aprender, não é por nada que sabe muito
mais do que nós. Naquelas fotocópias … Ela [Rizzo, 2000] tem coisas
interessantíssimas. A duração das actividades …
Invest. – A duração das actividades… façam aqueles tempos e vão ver
que conseguem “pôr as regras”…
Educ.– A nós forneceu-nos uma data de coisas, que é só pegar nelas
para utilizar, que eu já recomendei esse livro não sei a quem. Eu na
altura li e há coisas que estão lá escritas que me lembro de se ter falado
na Escola, como há outras coisas que … eu acho que no conversar e em
atitudes que se tomem há coisas que mudei 200%, na maneira de falar
com eles, mesmo falando alto, há coisas que já não lhe sei dar os
exemplos porque já mudei e não sei como é que fazia e estou a tentar
mudar para melhor, que é o que eu digo sempre. Eu não sei tudo, tenho
ainda muito que aprender e vou aprendendo aquilo que acho … E
mesmo a maneira de trabalhar com eles, eu sinto que de ano para ano
melhoro e com estas experiências … Eu gosto de tudo o que seja
tourada para mim dá, gosto dessas coisas novas só que já não lhe sei
dizer, é mudanças mesmo em mim que já não me lembro, porque já
mudei.
Invest. – Acha que consegue, hoje, reflectir sobre a sua maneira de
estar, sobre a sua acção pedagógica? Hoje consegue ser mais crítica de
si própria?
Educ. – Muito mais.
Invest. – Porquê, onde foi buscar essa força? O que é que… que sino
tocou dentro de si?
Educ. – Não sei. Se bem que eu na altura falei consigo na postura em
algumas actividades, não achava que estivesse, podia estar alguma
coisa mal mas, por exemplo, em relação à Educ. ... que falava muito eu
não me identificava assim, e achei que não estaaaaava ... tanto é que
contei. Mas o ver o vídeo, o me criticarem a mim, eu se vierem com
Entrevistas aos Educadores de Infância
464
duas pedras eu não aceito, dou logo com duas, ou quatro, ou ainda
mais, mas se for em conversa: «Oh Educ. ... não faças assim porque» …
(…)
Educ.– Eu paro muitas vezes em casa a pensar «eu hoje errei com este»
«devia ter feito assim» ou fiz isto assim. Atitudes que eu tome mesmo a
nível de trabalhinhos, que isto não ficou bem, devia ter ficado … dou
comigo a pensar muito mais, ou por eu estar mais velha, não sei, a
maturidade de uma pessoa vai crescendo, ou por também já ter
apanhado assim algumas porque também já apanhei, noto diferença em
mim e se me perguntar se faço tudo direitinho ali na sala, não faço,
nem de perto nem de longe. Há erros que eu digo assim “ai meu Deus
do céu nem conto isto a ninguém”, mas consigo criticar-me. Há coisas
em que eu não sei dizer ao certo em que mudei. Eu sei que mudei
porque sinto que mudei, a nível de atitudes com os miúdos, de
preocupação em trabalhar. Não é mais direitinho. Eu acho que nunca
descuidei assim muito, porque eu gosto, porque eu gosto. É o que eu
digo a toda a gente. Uma pessoa deve ir para aquilo que gosta, embora
às vezes se saia daqui assim, mas eu gosto, é uma coisa que me dá
gozo. Mas eu acho que é um trabalho diferente pela experiência que eu
tenho tido ao longo dos anos e por tudo pelas conversas que tenho tido
consigo, pelas experiências que se têm feito, com as reuniões lá em
cima, com as bofetadas que também tenho levado, porque eu via
alguma coisa que não estava certo, disparatava logo e agora não. E é
engraçado que não tem nada a ver com o trabalho, directo aqui, foi uma
das coisas que me disseram na última reunião de avaliação lá em cima,
com o Padre
(…)
Educ. – As pessoas que estão de fora é que me vêm dizer e eu noto
diferenças mas também não sei explicar …
Invest. – Há pessoas que são permeáveis e outras que são
impermeáveis a todos os níveis, quer ao nível pessoal, quer ao nível
profissional, quer ao nível de forma de estar na vida. E depois, o facto
Entrevistas aos Educadores de Infância
465
de vez em quando acontecer alguma coisa ou se dizer alguma coisa, sei
lá, como quando no ano passado eu disse à Educ. … que ela falava alto,
falava muito, foi naturalmente cedo de mais para eu fazer uma crítica,
nem foi uma crítica … Só lhe disse: “Deixe os meninos falar. Faça a
pergunta, espere que eles respondam, e depois faça outra pergunta.
«Dê-lhes tempo»” porque a Educ. … fazia a pergunta e não demorava
segundos a fazer outra pergunta. Quer dizer, eles não têm tempo para
decifrar a informação, de organizar uma resposta …
Educ. – Mas… por exemplo comigo, eu… como já a conheço hà muitos
anos, não é, eu não a senti. Portanto, qualquer coisa que me dissesse
“Oh Educ. ..., está mal feito, não faça assim” …, eu aceitava porque
também já tinha uma confiança que as outras não tinham e elas são
capazes de ter posto o pé mais atrás na altura, por não a conhecerem e
eu como já a conhecia, foi minha professora, havia a distância, mas eu
já a conhecia. Uma pessoa amiga é diferente não é? Elas quantas vezes
me diziam: “ Tu é que te dás bem”… e eu: “Oh pá, foi minha professora,
já a conheço há tantos anos, porque é que eu…, e eu tenho um feitio
que também falo com toda a gente… e, e…
(…)
Educ. – Eu acho que foi bom para mim a sua presença aqui não como
investigadora aqui. Porque a investigação é sua … Agora aquele
contacto com uma pessoa que sabe mais do que eu, que sabe é lógico
que sabe, que me vai dando dicas daqui ou dali ou dali, e eu, juntando
as suas dicas mais as dicas das outras colegas, mais vendo eu os meus
erros diariamente, vou fazendo as coisas melhor, …
(…)
Invest. – Repare, os seus meninos disseram que o Gentil era “bonito”,
que “cheirava bem”, que o pêlo não sei quê…, portanto eles de imediato
foram capazes de (e eu não estou só a ligar às sensações, aos sentidos),
foram capazes de captar essas informações todas, eles perceberam as
informações e verbalizaram-nas. Repare o quanto eles foram capazes, a
informação que chegou lá dentro…
Entrevistas aos Educadores de Infância
466
Educ. – Eu levei para a escola o caso da Sofia e do Pauleta por eles não
terem mexido. Tanto que a professora disse-me assim: “ A Educ. ... vai
se conseguir fazer, que era uma coisa que eu disse logo que não, não
consigo porque os cães, um deles é meu mas o outro não, portanto não
tenho aquela possibilidade de pô-los constantemente… Porque ela o que
queria era que eu fizesse experiências com os dois meninos e com os
cães e ir aumentando gradualmente o tamanho do cão até chegar ao
Gentil… E ver se os meninos começavam a interagir porque eu, na 2ª
vez que trouxe cá o Gentil [cão] a Sofia e o Pauleta vieram para dentro;
com o Neco [cão] a Sofia e o Pauleta ficaram lá fora, tocaram no Neco e
vieram para dentro, portanto, e eu… se eles me demonstram medo, à
2ª vez já puseram a mão, à 3ª eram capazes de fazer festas e brincar
com eles, ou não à 3ª mas, com o continuar mas nunca devia… e foi
essa a questão que eu pus: “Obrigo? Não obrigo?”, mas tinha quase a
certeza que não se devia obrigar, não é, tanto que eu deixei-os e nem
sequer insisti, mas insiste-se, não se insiste, o que é que se faz?
E para testar isso vai fazer… mas lá está, há sempre aquela do vai e
vem quando há a indecisão que às vezes até se podia, a nível de
formação e a questionar-se para ajudar a crescer…
(…)
Invest. – Em relação à formação, no ano passado nós tivemos as
reuniões semanais que este ano não existiram…
Educ.– Foi mau
Invest. – Não sei se existiam mesmo, ou se vocês já faziam mensal. Não
acha que o facto de não existirem reuniões, a falta desse tipo de
intercâmbio e experiências entre colegas, de planificar em conjunto,…
de alguma forma pode…
Educ.– É assim, eu em relação às planificações, a Educ. ... e a Educ. …
fazem como eu fazia, planificações semanais e eu não sei, eu saí um
bocado da regra e porquê? Eu acho que é importante, nós interagirmos
e vermos aquilo que as outras fazem e aquilo que nós vamos fazer, não
é? Mas eu não concordo e isto é uma crítica à … [educadora] e ela não
Entrevistas aos Educadores de Infância
467
está presente, eu não concordo que se faça isto no mesmo dia e à
mesma hora, aqui neste grupo que é o que está a acontecer.
Invest. – Porque o ano passado aconteceu
Educ.– Aconteceu e eu disse à Educ… ., (…), disse que não dava muito
jeito, e que me dava jeito a mim fazer, porque me orientava melhor,
dava-me jeito fazer planificações mensais. Porquê? Porque a
planificação mensal ia de acordo, àquilo que eu penso que deve ser
feito. As reuniões devem ser feitas de planificação para uma pessoa
dizer assim: olhe, durante este trimestre … temos o Outono para
trabalhar, vamos começar com um tema qualquer, ideias gerais, isto é,
isto e isto e eu chegando a casa pego nas ideias que uma tem, que outra
tem, que outra tem e ponho no papel. Coisa que não acontecia. Na
segunda-feira história, ia ver o nome da história e ia ver à planificação
das três salas e estava em todas. Porquê? Porque cada grupo é um
grupo, cada menino é um menino, e eu saí de rasteirinho, mas não
disse nada.
(…)
Educ. – Lá está e isso é que era capaz de guiar um bocadinho, mas isso
são as minhas maneiras de trabalhar, que eu acho que estão correctos,
e eu continuo a dizer que a minha maneira de pensar em relação a
planificações, estou de acordo sim que se fale, se converse, que se
programe mas os miúdos também contam muito.
Invest. – Não acha que esta dificuldade se manteve no ano passado e
este ano também? Centra-se essencialmente em Março, Abril, quando é
o dia do Pai, dia da Mãe, dia da Arvore, dos Avós, Carnaval… e as festas
e as prendas sucedem-se e parece-me que às vezes há … e, no ano
passado, quando estava nas reuniões senti muito isso. Estavam a
trabalhar a «abelhinha» ou não sei o quê, aí temos que fazer a prenda
para o dia dos Avós, para o dia do Pai, dia da Mãe e passaram meses a
fazer prendas…
(…)
Entrevistas aos Educadores de Infância
468
Educ. – Nós também já fizemos essa crítica entre nós. É umas coisas
em cima das outras, é a preocupação de se fazer tudo e acaba-se por
não se fazer nada.
Invest. – Mas vocês cá em baixo, acabam por fazer as prendas durante
mais tempo, porque são mais pequeninos e é preciso fazer em grupos
mais pequeninos, durante mais e estão uma semana ou mais a fazer as
prendas porque vão daí a …
(…)
Invest. – Eu fiquei em estado de choque, espantada, quando cheguei
aqui em Setembro e vi o mapa de Portugal, as bandeiras de Portugal e a
Península Ibérica, as províncias de Portugal… perguntei-me: Que
sentido faz isto para estas crianças?
Educ. – Não faz.
Invest. – São crianças que não sabem o que é Braga, quanto mais o que
é Portugal ou as províncias…
Educ. – Eles agora olham para o mapa e falam como papagaios. Era o
que eu dizia: eu posso pôr o mapa mas o que é que eu vou falar? “Ali
aquela bolinha é Braga”, “o que é aquilo? É o mapa de Portugal, é o
nosso país”. O hino? O hino é uma canção, para eles é uma canção.
Eles aprenderam muito bem, pois aprenderam, é uma canção e eu
ensinei o hino como ensinava qualquer outra canção, é igual. Agora eu
estou a falar por exemplo, dos reis, … eu não faço. Acho que tem muito
mais piada a história dos «Três Porquinhos», acho que tem muito mais
piada eles pintarem e fazerem como o bonequinho, do que a 1ª dinastia,
os primeiros cinco reis. Na altura ainda gozei e elas levaram um bocado
a peito, mas depois passou…,
(…)
Educ. – Senão não aprendem e passado algum tempo não sabem. E
mostrar-lhes ao vivo os animais. Eu já andei atrás da minha cunhada
para ver se havia um porquinho, não consegui, porque a senhora, à
última hora lembrou-se de dizer que não porque tinha medo que o
porquinho morresse, mas se eu pudesse ter trazido o porco, eu tinha
Entrevistas aos Educadores de Infância
469
trazido para aqui um leitão. Chegava ali à sala e corriam-me daqui. Se
chegasse à sala com o leitão, eles então aí fugiam. Então foi uma coisa
que eu disse à Educ. …: -“então uma coisa que eles vibram é os animais
em qualquer idade, até aos 6 anos”. Se os miúdos vibram com os
animais, é das coisas melhores, eu também gosto. Portanto é mais fácil
para mim entrar mas… aí, isso aí…
Invest. – Não é só pegar em imagens
Educ. – Pegar naquelas coisas que os meninos dizem, que eu lembro-
me de ter feito no ano de estágio, «a festa da boneca», porquê? Porque
levei uma boneca e contei uma história qualquer e eles agarraram-se à
boneca, fizeram o baptizado… e eu não vejo isso há anos, aqui.
Invest. – Quanto tempo é que essas crianças me falaram nos
papagaios, ou falaram no Gentil ou no Vulcão? Quanto tempo? Porque
eles viram, tocaram, cheiraram, puseram-se em cima deles…
(…)
Invest. – Pedia-lhe para me dizer duas ou três situações destes dois
anos de implicação no projecto, o que é que acha que a marcou mais?
Educ. – Como assim, de actividades?
Invest. – De tudo. Situações concretas.
Educ. – Mas consigo, com crianças…?
Invest. – Pode ser comigo, com as crianças, das reuniões…
Educ. – Uma das coisas que eu gostei imenso foi da sua apresentação lá
em cima.
Aos pais. A maneira, acho que foi excelente. A maneira como … pronto
…são coisa… como data-show, nunca tinha visto aquilo, portanto
aquilo era novidade para mim, adorei. Em relação aqui, a mim o que me
marcou mais a nível de actividades foi os ovos…
Invest. – Deste ano ou do ano passado?
Educ. – Do ano passado. Porque este ano eles já sabiam o que eram os
ovos e no ano passado, não sei se, se lembra, quando eu pus os ovos na
mesa, o espanto deles. Primeiro eram muito pequeninos e depois eram
coisa que eu nunca tinha feito com eles, e eles a largarem assim os ovos
Entrevistas aos Educadores de Infância
470
e tudo, com as cascas. Lembro-me tão bem da Sofia, foi a Sofia. Não era
a Sofia nada, foi a que saiu.
Educ. – Foi a Dany a pegar na casca… Aquelas carinhas pequeninas a
fazerem aquelas coisas… Das actividades, foi a que gostei mais, do ano
passado. Deste ano foi com a água, lá fora, e eu tenho imensa pena de
não poder estar com eles a brincarem…
Agora, marcas, marcou-me tudo. Porque marcas assim… com as suas
actividades. A sua apresentação achei espectacular, a maneira como
falou com os Pais mas isso é a sua posição, é o que eu estou a ver.
Pronto, gostei, mas isso uma coisa fora do programa quando falou com
os Pais, mas não consigo. Mas dos miúdos, talvez por ter sido das
primeiras, porque depois, eles ficaram com as caras de espanto e eles
este ano ficaram, espantados nem ficaram muito, eles queriam era
qualquer coisa para trabalhar, mas já estavam tão envolvidos com o
programa que estavam sempre à espera de coisas novas.
Invest. – Ontem à tarde, quando me viram, disseram …
Educ. – Vamos trabalhar. Este ano, eles, já estavam tão integrados no
sistema que era a exploração que lhes interessava. Não há dúvidas…
agora o espanto deles o ano, passa do terem ido buscar as casquinhas e
as meter em água, essa já me picou.
Invest. – A diversidade de coisas que eles este ano faziam era …
Educ. – Era muito maior. Porque já tiveram um desenvolvimento, uma
preparação e eu em relação ao ano passado, os ovos, as pipocas, e da
massa e eu não consigo, foi uma falha, isto foi falha mas tinha pena de
não ter estado presente porque aí é que eu podia ver.
Invest. – Depois vê as cassetes e vê os seus meninos …
Educ. – Ver … porque uma pessoa nota, nota diferenças mas comparar
uma actividade feita ao meio-dia com a mesma coisa, este ano e o ano
passado, eu não consegui ver, eu não consegui fazer essa distinção
porque eu não estive, para mim é um bocado difícil falar do ano
passado mas é que realmente aquilo dos ovos me marcou, marcou
Entrevistas aos Educadores de Infância
471
porque eu achei um piadão àquilo. Em relação à inovação, eu gosto, eu
não lhe sei explicar…
Invest. – Houve algum material, ou alguma coisa que fosse de alguma
forma imprevista?
Educ. – Foi um a coisa que me lembro de ter comentado na altura,
nunca me ter passado pela cabeça meter nas mãos dos meninos, o que
é que nós metemos?
Invest. – O alho e a cebola? Teria sido?
Educ. – Teria sido? Essa foi numa de cheiro, mas houve uma coisa
qualquer, esquisita que nós também pusemos com eles. Coisa
esquisita? Na gelatina, pronto, já é …Leite condensado? Acho que era
liquido… Foi a espuma. Nunca me passava pela cabeça pôr espuma da
barba aos meninos. Nunca. Primeiro, com medo que lhes fizesse mal,
mesmo que não metessem à boca. Eu sabia que era qualquer coisa que
eu nunca faria… A massa, gelatina, leite condensado, são umas coisas
mais corriqueiras de fazer com os meninos, não é? O café…o café…
Invest. – Estiveram muito tempo nesta actividade, nem me apercebi, na
altura, que tivessem estado tanto tempo. Depois de ver as cassetes é
que me apercebi.
Educ. – Na altura, comentámos que eles estavam-se a interessar muito
tempo com uma coisa que não ia… mas prontos, são, são, são coisas
mais … Agora, espuma de barbear, nunca me passava pela cabeça
pôr… Os ovos era também capaz de nunca pôr, embora tivesse sido a
actividade que eu mais gostei.
(…)
Educ. – É uma coisa que eu lhe queria perguntar, já agora é: estas
experiências com os miúdos, que se fazem, se é bom ou mau, meter
alimentos, assim, eu posso-lhe falar nos ovos que são coisas que, como
é que eu lhes hei-de explicar…
Invest. – Se eles apanharem em casa podem fazer o mesmo e ir
brincar…
Entrevistas aos Educadores de Infância
472
Educ. – Eu sei que nós ao apresentarmos, não apresentamos na
travessa, que não se deve, não é? Agora a minha dúvida é que isso
proporciona um desenvolvimento, uma experiência nova, tudo bem, se,
se deve é utilizar esse tipo de coisas que em princípio são caras, não é?
Invest. – Caras, mas que acabam por ser mais baratas, do que a
modelagem ou a plasticina ou muitas outras coisas…
Educ. – Por exemplo p´ra gelatina…
Invest. – Repare numa coisa: por exemplo a gelatina. Quando os
meninos comiam gelatina eles faziam digitinta ou brincavam a qualquer
outra coisa?
Educ. – Não vi
Invest. – Educ...., eu acho que é o seguinte: no próximo ano, a
continuar, não faz com estes alimentos, tem que fazer com outros. Põe
exemplo, legumes cozidos, tipo esparregado de cenoura ou beterraba,
ou batata cozida…
Educ. – Pois a batata não está filmada.
Invest. – Foi batata cozida. Está filmada e eu não analisei porque só
tenho uma criança que é sua.
Educ. – Mas pôr qualquer tipo de alimentos?
Invest. – Não exactamente, porque a nossa opção pelos alimentos é
para eles poderem meter à boca. Nós não estamos a querer tirar da
boca.
Educ. – Mas eles acabam por estragar o alimento.
Invest. – Estragar?
Educ.– Eles acabam por brincar, podem meter à boca, mas acabam por
desperdiçar o alimento…
Invest. – Porque estão a comê-lo?
Educ. – Não!
Invest. – Estão a conhecê-lo de outra maneira.
Educ. – Não. Por exemplo, os ovos podem ir comendo, mas acabam por
ir para o lixo.
Entrevistas aos Educadores de Infância
473
Invest. – Vai para o lixo como a pasta de farinha vai depois de muito
usada.
Educ. – A minha confusão é essa: é eles utilizarem uma coisa que
depois vai para o lixo, mas ao mesmo tempo…
Invest. – Mas tem um fim.
Educ. – Brincar, mas ao mesmo tempo é posto como alimento. Isso não
lhes causa um bocado de confusão a eles?
Invest. – Há aquela questão da assimilação e acomodação do Piaget,
esses processos podem ter críticas… um dos nossos cuidados tem que
ser exactamente a forma como apresentamos os materiais e o contexto
em que o fazemos. Nós não vamos colocar na mesa um prato com
esparguete nem pegar em colheres para eles mexerem porque aí pode
haver assimilação e acomodação…
Educ. – Claro…
Invest. – Portanto, quando vier um prato de esparguete para a mesa
eles vão fazer digitinta ou espalhá-lo pela parede, como fizeram este
ano? Nós fizemos tudo isto em contextos perfeitamente informais e
inclusivamente modificamos cores, sabores, introduzimos cheiros
nessas coisas todas, portanto, os materiais embora sejam comestíveis
podem ter sabores ou cheiros alterados.
Educ. – E que naquela situação acabam sempre por não fazer confusão
à criança.
Invest. – Não, porque ela sabe quando está a trabalhar e quando está a
comer. É uma crítica ou uma dúvida que eu vou ter que saber
defender…
Educ. - O utilizar alimentos? Eu cá acho muito bem, mas fiquei sempre
com a dúvida se seria o mais correcto o pôr-se alimentos, quando eles…
Invest. – Vocês que dão de comer todos os dias verificaram que as
crianças comem normalmente, não começaram a fazer mais porcaria,
por isso poderia até ser que entornassem para fazer digitinta…
Educ. – Nem tive nenhum caso nem ouvi a … [educadora] reclamar
nada.
Entrevistas aos Educadores de Infância
474
Invest. – E repare que a quantidade de esparguete este ano posto na
mesa, era um monte de massa de muitas cores, com sabores diferentes,
umas salgadas, outras com diferentes sabores. Eles sabem que aquilo é
para trabalhar. Assim como se dissesse “não mexe aqui”, eles não vão
mexer….
Educ. – Mas qualquer tipo de alimento pode ser….
Invest. – Qualquer tipo. Eu acho, por exemplo que se pode espetar uma
alface, uma batata crua, uma batata cozida, diferentes coisas, para eles
provarem, para eles mexerem, amontoarem, para organizarem. Por
exemplo, a laranja e limão.
Educ. – Viu que era só laranja e limão.
(…)
Invest. – Agora que está no fim da creche e vai entrar no jardim, que os
seus meninos vão ser “promovidos” para o jardim, acha que atingiu os
seus objectivos? Os seus meninos estão como queria no final da creche?
Pensa “vou começar com eles no jardim, e acho que um menino de 3
anos deve entrar para o jardim ….”?
Educ. – Tenho 2 ou 3 que me preocupam mas isso faz parte do normal,
mas no geral até acho que estão bem, mas sabe quais são, não sabe?
Entrevista com a Educadora 2 Invest. – A Educ. ... foi a única Educadora que começou há dois anos
aquilo que eu vou levar daqui. Portanto a Educ. ... foi a educadora que
mais trabalhou.
Educ. – Olé prestígio!
Invest. – A Educ. ... foi a Educadora que deu mais continuidade ao
projecto e que esteve mais tempo a trabalhar comigo. Este tipo de
trabalho pode não ter muito de inovador, porque eu sei que vocês,
algumas coisas já faziam.
Educ. – Algumas. Mas algumas também firam inovadoras.
Invest. – Mas assim com esta frequência não faziam.
Entrevistas aos Educadores de Infância
475
Educ. – Não, porque isto também tem muitas exigências e é aquilo que
eu tenho dito aqui. Tenho pena de termos outro tipo se calhar agora
vamos ter lá em cima), outro tipo de instalações, e tenho pena, também
de não me ter dado com toda a gente. Mas esperemos que para o ano dê
para se fazer alguma coisa que se tenha feito este ano com os outros
meninos, que não fizeram.
Invest. - Eu penso que de facto essa posição, uma vez chegada ao fim
dos dois anos e a Educ. ... dizer «Se eu tiver condições, continuo» é
porque acha que há alguns efeitos positivos para as crianças …
Educ. – Então não há? E muitos. E mesmo em mim, eu aprendi
imenso. Tanto pelo negativo, inicialmente, não é, quando eu falava
muito, por exemplo, foi uma coisa que eu aprendi por mim de positivo.
Eu estava a fazer de forma errada.
Invest. – Pois, consciencializou-se de uma coisa que…
Educ. – Só por isso acho que já foi óptimo e por tudo o resto. Mas só
por isso gostei imenso. Na altura foi se calhar, um bocado, pronto…
fiquei um bocado surpreendida mas depois de ver o vídeo, uma pessoa
consciencializa-se de outra forma.
Invest. – Penso que às vezes as pessoas nem se apercebem de
determinado número de coisas, de determinados hábitos.
Educ. – Não. Se uma pessoa tiver outra pessoa a dizer-nos é mais fácil,
sem repreensão nenhuma, mas é um carácter crítico que é positivo para
nós.
Invest. – Eu pelo menos quando lhe disse isso, não foi numa
perspectiva crítica.
Educ. – Eu sei. Isso para nós é bom mas acaba por ser crítica positiva,
porque vamos aprendendo, acabam-se as pequenas coisas.
(…)
Educ. – Eu se calhar faço isso. Só que a minha Cátia, se calhar, espero
uma resposta imediata que não espero dos outros.
Invest. – Quando ela não responde fica um bocado desarmada. «Então,
como é, não respondes, não sabe responder?»
Entrevistas aos Educadores de Infância
476
Educ. - Isso acontece.
Invest. – É não é? Eu acho que são curiosidades. É evidente que são
estudos que são feitos, mas que para nós acabam por ser curiosidades,
de alguém que está de fora, que está a ver e que tem uma percepção
diferente das coisas que nós fazemos. E eu lembro-me porque
realmente, me tocou e nas crianças pequeninas em que eu estudo de
alguma forma o cérebro e o processo de formação, e é uma coisa muito
complicada para eles: eles têm de ouvir, de ouvir têm que mandar cá
para cima para processar a informação, e depois têm que pensar a
resposta e têm que dar e só depois falar…
Educ. – Não sei se, se recorda que no ano passado, aconteceu-me isso…
No início do ano a Educ. … numa altura disse-me «Tem que ter calma,
tem que esperar que eles pensem, que tenham poder de resposta»…
Invest. – E isso porque falava muito depressa, recorda-se?
Educ. – Mas porquê? Também se calhar eu vinha dos cinco anos. Eu
sou uma pessoa que fala muito já, mas vinha dos cinco anos onde a
resposta era imediata e mais directa do que me aconteceu. Eu por
exemplo agora já obtenho resposta. É uma idade completamente
diferente, que dá para estar a conversar, portanto acaba-se por não se
estar ainda muito tempo … mas aquele que se está a conversar com os
outros, o que não aconteceu no início do ano passado.
Invest. – Porque quando eles não falam, o adulto ainda tem muita….
Educ. – Mais tendência de falar. Aconteceu-me isso no início do ano
passado.
Invest. – Eles não nos dão resposta e por isso há que interpretar aquele
vazio.
Educ. – E se não fosse aquela chamada de atenção da Educ. … que tive
na altura, não ma dava conta disso. Se calhar, no próximo grupo que
tiver, de ano e meio, se calhar… pois tenho mais consciência daquilo
que se possa ou não fazer.
Invest. – Penso que foi importante, quer a nível de consciência, porque
eu acho que a Educ. ... fazia aquilo como o melhor que sabia fazer.
Entrevistas aos Educadores de Infância
477
Lembro-me que uma vez falamos disso. Não é pelo facto de nós falamos
muito que nos desenvolvemos muito a nível de linguagem.
Educ. – Se eu não tinha resposta, a linguagem deles também não se
desenvolveu…
Invest. – Eles não tinham tempo de treinar, não é?
Educ. - Não tinham, não tinham, tenho consciência plena
Invest. – Pois. A Educ. ... queria falar e queria que eles estivessem a
raciocinar, portanto, a sua intenção era a melhor possível. Não estava a
perceber que eles não estavam a falar porque não lhes estava a dar
tempo.
Educ. – Pois não, pois não, eu tenho consciência. Foi uma das coisas
que foi positivo terem me chamado a atenção porque acho que se nunca
ninguém me tivesse dito eu continuaria, se calhar, a ajudar da mesma
forma. Não sei se chegava a ter algum dia consciência do que estava a
fazer.
Invest. – Repare que o facto de me ter dito “não”, surtiu o efeito que
surtiu, e depois ter visto a cassete.
Educ. – Pois não. Eu acho que nós vendo… daí a importância que eu
acho, até já disse às minhas colegas “vocês filmarem duas ou três
actividades que vocês façam e depois vê-se”. Porque elas chegaram a ver
as minhas e elas disseram, realmente … eu não disse «Vão ver isso e
vão fazer uma crítica, vão dizer o que é que acham» e foi, eu lá estive a
dizer como é que foi o processo, o que é que estava a acontecer e
realmente foi uma das chamadas de atenção dessa senhora,
precisamente até eu falar de me terem dado oportunidade à actividade
que eles iam desenvolver. E aquilo era uma actividade, não era um
início. No início então ainda era pior, ainda mais em grande grupo, ou
então manipulava completamente a conversa porque não tinha nem
discurso, porque não tinha feedback…
Invest. – Exactamente. Não havia feedback do diálogo
Educ. – Do diálogo que tinham para mim. E eu convencidíssima que
eles estavam a entender tudo o que eu dizia, mas que estavam a
Entrevistas aos Educadores de Infância
478
interpretar muito bem aquilo que eu estava a dizer e que ia ter algum
tipo de resposta
Invest. – Aliás ver agora os primeiros vídeos é engraçadíssimo porque
eles são muito pequeninos e estão a aprender ainda
Educ. - A andar muitos deles, a aprender a caminhar, há que ver o
grupo assim.
Invest. – Eles são muito pequeninos. O que queria era puxar por eles,
não era? Bom, no ano passado, fizemos actividades com varias
crianças, este ano é que nos centramos só em algumas, acha que essas
actividades os ajudaram de forma a desenvolver as competências de
uma maneira diferente daquelas que eles faziam?
Educ. – Era diferente. É assim: quando digo, se alguém diga já ter feito
isso. Não! Nunca tinha estado com estas idades. Se calhar já tinha
ouvido falar, sim senhor. Agora para eles foi importantíssimo. Acho que
sim. Se calhar no ano passado não soube gerir tão bem como fiz este
ano. Eu acho que aí esteve o meu problema. Se calhar no ano
passado…
Invest. – Não soube gerir o quê?
Educ. – Ao nível de estar com eles. Este ano já estive numa posição
diferente com eles e a actividade para eles já foi mais benéfica. Eu acho
que estraguei muito, no ano passado em falar, em estar eu a dizer
tudo… acabaram por não desenvolver tanto quanto desenvolveram este
ano, os cinco que tiveram as actividades. Percebe?
Invest. – Pois… por causa da orientação que lhe queria dar…
Educ. – Este ano foi mais produtivo para eles do que o ano passado.
Porque este ano, eles estiveram sozinhos, foram criando… Tinham
obstáculos, foram tentando resolvê-los, ajudaram-se uns aos outros. No
ano passado era eu que resolvia, era eu que manipulava. Recordo-me
daquele ovo…
Invest. – A Educ. ... também viu a cassete de actividades em que estive,
foi das primeiras. Não foi na primeira, que essa foi a da massa, mas
podia ter sido das primeiras…
Entrevistas aos Educadores de Infância
479
Educ. - Mas a massa também … que eu até fiz aquela janelinha da
casa…
Invest. – Exactamente. Mas de qualquer maneira, a sua postura era
muito aquela. Penso que era exactamente porque não havia resposta
das crianças, eles brincavam pelo prazer de brincar, pelo mexer, pelo
provar, pelo esticar p´ra frente na mesa, não é? Eu acho que a Educ. ...
sentia falta de outras coisas diferentes, incentivava-os, exemplificava,
isso tudo. Este ano, nessa atitude de não iniciar nenhuma interacção…
Educ. – Acabavam por criar eles o que eles pretendiam…
Invest. – E eles foram capazes de criar muito.
Educ. – E no ano passado, se calhar, também seriam, não com tanto
permanecer como agora fazem as coisas, mas teriam da mesma forma.
Invest. – Claro. Eram mais pequeninos, e este ano, percebiam. Eu
estou quase que em “estado de choque” com algumas actividades em
que acho que eles estiveram tempo demais, e houve actividades que as
começamos mais cedo este ano e que tiveram que acabar porque a
carrinha chegou.
Educ. - Eu acho também o seguinte. Acho que se eu este ano tivesse
adoptado o mesmo comportamento as actividades melhoravam sim, eles
não eram tão criativos e não gostavam tanto, não se empenhavam tanto
como faziam sem a minha orientação. Não acha?
Invest. – Eventualmente. Porque repare, uns criavam, inventavam,
ampliavam o seu espaço, imitavam algumas atitudes e alguns
comportamentos, ou imitavam e depois criavam novos ou imitavam só
por imitar. Mas, por exemplo, o ano passado a massa foi feita sentada e
este ano foi de pé.
Educ. – É completamente diferente. Há outra abordagem e outra
manipulação de andarem mais à vontade.
Invest. – Repare, eles deitaram (e aliás a Educ. ... depois ajudou) a
massa para o chão porque eles entornaram, inclinaram a mesa…
Educ. – Completamente…
Entrevistas aos Educadores de Infância
480
Invest. – Mas é o ampliar o espaço. Quer dizer, às vezes a mesa é
demasiado pequena, não é a posição ideal e eles, como são muito
naturais, muito pequeninos, vão procurar outra posição. Lembro-me
que a Cátia este ano pegou nas coisas de cima da mesa e foi para o
chão.
Educ. – Foi para o chão.
Invest. – Aliás, era aí que ela ia estar bem, e como lhe era dado essa
liberdade…
Educ. – O mesmo acontece actualmente na sala, desde aí. Eles no outro
dia pegaram num papel e canetas e foram desenhar para o chão. Não
lhes apeteceu desenhar na mesa. Ficaram sem cadeiras. Lembraram-se
também de tirarem as cadeiras, «não queremos, queremos desenhar
assim nas mesas», e uma delas exprime a ideia, se não estou em erro,
trazer o desenho para o chão. Os outros por imitação foram todos.
Foram todos iguais… É engraçado nós às vezes limitarmos muito, o
espaço… o espaço das cadeiras das mesas, têm que estar ali, não se
podem pôr a pé, e porque é que não se podem pôr a pé?
Invest. – Tantas regras…
Educ. - Porque é que somos nós que damos os marcadores e até não
são eles que vão buscar se lhes apetece desenhar?
Invest. – Não foi a Educ. ... que disse que eles começaram a ir sozinhos
buscar as coisas! Estavam os ovos pousados na relva e eles começaram
a ir buscar conforme queriam. E a Educ. ... até disse «Realmente nós
temos a mania de controlar tudo e dar-lhes o material e eles afinal,
quando precisam…
Educ. – Vão buscar. Estando ao acesso deles, eles vão buscar. O
mesmo acontece na expressão plástica, concretamente, uma pessoa tem
a mania de perguntar: «O que é que tu queres?» Colocamos-lhe à frente.
Para quê? Eu actualmente, já fazia assim. Ultimamente. «Queres ir, vai
buscar o material que queres e depois... É uma liberdade diferente, que
é isso que eu acho que não temos muita consciência. Uma pessoa
pensa assim: vai desenhar na mesa. Há coisas que tem que ser daquela
Entrevistas aos Educadores de Infância
481
forma, porque até nos foi dito assim, porque até estamos habituados a
que sejam assim e se fizermos de outra forma não tem mal nenhum e
eles até gostam mais. Porque eles no fundo arranjam estabilidade igual
no chão. Porque o meu maior problema, a minha maior preocupação
era eles terem estabilidade. Aconteceu a mesma situação nos jogos:
Quererem ir fazer os jogos para o chão. Não é tão estável mas para eles
era, de perninhas à chinês, ou se estavam cansados, deitavam-se, e
acabavam por arranjar…
Invest. – E repare, tem um espaço mais …
Educ. – Maior, mais abrangente. É.
Invest. – Não caem as peças abaixo da mesa, não tem mais nada …
Educ. – Se calhar é isso. O tradicional gostar de ficar em cima da
mesa… tem de ser em cima da mesa… e acho que pensamos muito
dessa forma e, se calhar, não deveríamos pensar tanto assim e dar-lhes
mais liberdade.
Invest. – A nossa formação inicial de educadoras leva-nos a orientar…
a prepararmos tudo para que estejam as coisas latentes?
Educ. – Eu falo por mim e a minha formação é de há 6 anos atrás. Eu
acho que somos muito preparadas a ter tudo, a não dar tanta liberdade
e é pena porque eu acho que devíamos ensinar a dar mais liberdade,
estar a supervisionar, mas a dar mais liberdade para ver até que ponto
é que chegam, o que é que eles podem fazer. Eu digo-lhe: algum dia se
voltar a pegar num grupo de ano e meio, acho que vai ser um bocado
eles trabalharem de forma que eles quiserem, nada de muito
implementado, muito… Tem que ser dado desta forma, não é?...
Invest. – Eles têm que brincar nestas idades. A brincar, descobrir…
Educ. – Brincar e descobrir por si só. Agora não é muito bem, depois
dos três, quando já estão muitas coisas enraizadas…
Invest. – O papel do educador é ir ajudando e explorando, mas deixa-
las ir descobrindo o mundo
Educ. – Eu acho que nós temos muito a mentalidade, que nós temos
que ajudar, sim senhor, por exemplo nos conflitos, uma pessoa tem logo
Entrevistas aos Educadores de Infância
482
tendência… Falo por mim. Se calhar outra das coisas que eu fui
aprendendo… Aí está. Isto para nós, acho que se pode falar em nome de
todas, mas para mim acabou por ser muito benéfico nisto. Na sala já
não intercedo tanto, só se mesmo há uma mordidela ou uma estalada
como no outro dia houve consigo, e eu então pegava assim. Mas já vou
deixando um bocado mais, alguns conseguem, outros não. Mas acabam
por conseguir de alguma forma, ou então estou a olhar para nós para
ver porque muitos deles olharem para nós a ver o que é que nós vamos
dizer… e ficam estranhos. Portanto, para aqueles que não fazem parte
do programa tenho reagido da mesma forma e ficam a olhar para mim.
Devem estar a pensar «ela não parece bem!» e ficam a olhar para mim.
Não sei. E eu então: «eu não tenho nada a ver com isso. Resolvam,
vejam o que é que vocês …eu não tenho nada a ver com isso». Para
alguns é positivo, para outros é negativo. Não conseguem. Tenho alguns
meninos que não conseguem enfrentar o problema e resolvê-lo
automaticamente… Aí nós interferimos, penso eu, tem que ser da
melhor forma, porque senão alguns…
Invest. – É evidente que aí tem que se ter atenção. Porque depois
entram em interacções de forma negativa e agressiva. Tem de se
controlar antes de chegar a esse ponto, não é ? Mas é preciso deixá-los
experimenta essa sensação de ter de ultrapassar … resolver o problema.
Porque é engraçado e eu penso que foi das grandes aprendizagens que
eu fiz, já que eu nunca tinha visto resolver os conflitos tão bem
resolvidos como os vi aqui, de uma forma tão independente. Porque o
facto de eles estarem a olhar, eles entravam em conflito e era raro
entrarem em conflito: quando entravam era por disputa dos materiais,
não era por nada de muito complicado, nada de grave, mas de imediato
olham para o adulto a pedir socorro, não é?
Educ. – É, é. E nós temos a tendência de… para eles não ficarem
tristes, não ficarem frustrados de os «resolvemos». E é assim uma
frustração.
(…)
Entrevistas aos Educadores de Infância
483
Invest. – Se pensarmos na autonomia e na independência cria-se…
Educ. – Cria-se também com processos, com dilemas e com resolução
de problemas, sem dúvida.
Invest. – A verdadeira autonomia é quando nós somos capazes de
resolver os nossos próprios problemas e conflitos
Educ. – É verdade, tem razão. Eu acho que é por causa deles serem
muito pequeninos. Eles eram tão pequeninos no ano passado. Pronto,
resolviam na mesma os problemas, acredito que sim, só eu nunca
trabalhei com esta idade e achava-os tão sensíveis com uma cabecinha
tão pequenina…
Invest. – É. Eventualmente os mais pequeninos não eram capazes,
porque nem sequer conseguem…
Educ. - Mas se calhar até seriam … Uma pessoa tem tendência de
resolver mas se calhar e como eu digo, é quando eu tiver outra vez
outro «um ano», se calhar os meus comportamentos vão ser de outra
forma, a minha actuação, espero eu e esperemos que dê para filmar
nessa altura, vai ser de forma diferente.
Invest. – Realmente é engraçado ver o crescimento deles a nível de
determinadas competências que eles têm. Essas, para mim, foram
espectaculares; ou a criatividade que eles apresentarem em algumas
coisas que faziam. Eles faziam coisas que não me passavam pela
cabeça.
Educ.– Completamente. Eles foram buscar, a verdade…
Invest. – Eles foram sensacionais. Agora em relação a esta dinâmica
toda, chamemos-lhe assim, a Educ. ... diz: «No próximo ano se tiver
condições, eu avanço». Avança porquê? Porque acredita que este
trabalho desenvolve mais as crianças…
Educ. – Não é assim. Eu sempre acreditei. Nós aqui é que não temos…,
acabamos por não ter muito…
Invest. – Eu acho que se fizeram, de alguma forma, «milagres» porque
as condições eram complicadas.
Entrevistas aos Educadores de Infância
484
Educ.– Eu tendo uma pessoa ao meu lado que me ajude, eu gostava de
fazer mais coisas, sem dúvida alguma, dar uma continuidade. E então
lá fora, acho que vindo um tempo bom, dar uma continuidade, sem
problema algum. Com condições, com espaço, eu acho que não
queremos melhor coisa, não é? Pelo menos eu penso dessa forma. Eu
fui contando a amigas minhas, e elas ficavam «Vocês se fizerem isto,
vocês vão ver que não é problema nenhum. Ou elas diziam a mesma
coisa: e o tempo depois? Nós lá conseguimos melhor ou pior, nunca
tivemos problema nenhum. Podíamos atrasar um bocado mais no
almoço. O que as pessoas vão dizer é realmente… «as condições, não
tem condições…» Acabam por estar um bocado como nós, cá…
Invest. – Eu acho que pior do que o que vocês têm, não conheço
nenhum…
Educ. – E conseguimos fazê-las. Portanto não me venham falar em
condições…
Invest. - Pior do que aquilo que vocês têm não conheço, porque basta
não ter água quente…
Educ.– Pois, aqui não há. A nossa sorte, no fundo, era o tempo que
contribuiu e se conseguiu fazer cá fora.
Invest. – Este ano, felizmente, praticamente desde Março, fizemos tudo
lá fora. E avançamos uma semana porque estava pior o tempo. Mas na
semana seguinte estava bom e conseguimos fazer tudo, com muito bom
tempo, e as ultimas que fizemos foi com óptimo dia e eles puderam
pintar-se à vontade, estarem verdadeiramente à vontade.
Educ. - O que é que nos acontece? Feita no grupo inteiro é que
estivemos uma semana com a mesma actividade que o pequeno
grupinho. Temos é que saber depois gerir isto. É assim. Agora íamos
com cinco, como temos vinte, são quatro dias com a mesma actividade
para nós, e para eles não com a mesma actividade. Eu acho é que
temos que pensar um bocado desta forma. Outra das coisas que
aprendemos ao longo deste ano foi a nível de planificação. Acabamos
por fazer diferente, acabamos por planificar, pensamos sim senhor, o
Entrevistas aos Educadores de Infância
485
que fazer, só que acabávamos por colocar no papel depois de ter feito,
até porque surgiam coisas novas, acabavam por surgir objectivos novos,
na actividade nunca pensávamos que se calhar iam acontecer, pelo
menos nós… Eu trabalhei… este ano já trabalhamos assim e eu acho
que por mim foi mais lucrativo. Aprendi muito mais, consegui
desenvolver-me. E até a nível de português eu continuava com muita
dificuldade em passar para o papel, acho que foi melhor desta forma.
Porque eu acho que estamos muito centradas também, em que este dia
tem que ser assim, aquele dia tem ser uma coisa diferente do dia
anterior para não ser igual, não é? Eu acho que nós, Educadoras
pensamos um bocado assim. E não tem que ser. Porquê? Podemos fazer
e a Educ. … até já nos dizia isso, que até conversávamos com ela e
disse «não», porque é que tem que ser assim? Não tem que ser assim
«Vocês podem estar perfeitamente, estar uma semana com a mesma
actividade, mas não é para os meninos…». E é uma coisa que nós
pensávamos… E falo por mim agora e contra mim, que, se calhar,
pensávamos que devíamos ter cada dia uma actividade e não temos. O
que temos é que ter também uma pessoa junto a nós que nos
proporcione, também, isso.
Invest. – Há actividades que podem fazer. Umas que sujem menos e em
que podem estar …porque nós este ano limitamo-nos a cinco crianças
dadas as minhas condicionantes. Mas há algumas que dão para fazer
com mais crianças, desde que não seja um grupo muito grande, mas
num grupo que seja relativamente pequeno, que seja de 6 crianças ou
por aí…
Educ. – É melhor, a nível de confusão e a nível de oportunidade que é
maior num grupo menor do que num grupo menor.
Invest. – Claro, mas se houver algum comportamento que seja
realmente relevante, vocês percebem-no perfeitamente.
Educ. – Evidente. É muito mais fácil
Invest. – Num grupo muito grande perdem, até porque estão no
controlo (se toda a gente tem material, se não falta material), e perde-se
Entrevistas aos Educadores de Infância
486
o verdadeiro papel ou função da Educadora, que é estar e não a
controlar o grupo, é estar a interagir, a ir explorando e ajudando as
crianças a crescer. Portanto, em vez de fazerem com cinco, podem fazer
com seis, com sete, com oito dependendo… Desde que caibam nas
mesas, tenham acesso ao material, desde que não se atropelem é
possível. Agora, também não tem que ser todas as semanas, fazer
todas… quer dizer, podem ir mais ou menos intercalando. (…) Mas ir
modificando os materiais. O que me parece importante é que não sejam
os mesmos; o que é que eu quero quando utilizo o chantilly? É
essencialmente trabalhar o cheiro e o paladar, porque o tacto e a visão
por inerência estão lá. Mas essencialmente é o cheiro e o paladar… e
pensar em função disso, quais são os materiais que me dão mais leque
mais alargado e depois pensar. Porque aquilo que me parece, porque
embora os ovos, a gelatina, o não sei quê, sejam materiais não baratos,
acabam por ser mais baratos do que comprar plasticina para os
meninos brincarem. A plasticina para ser em quantidade é cara. Se lhes
der aqueles palitinhos que há, de plasticina, não adianta porque eles
não podem fazer nada.
Educ. – Não, não, não…
Invest. – Portanto tem que funcionar com a quantidade
Educ. ... – O barro
Invest. – O barro é demasiado duro, não dá. Eles desistem…
Educ. – Desistem, desistem…
Invest. – Desistem porque aquilo é muito duro; a plasticina que é mais
fraca é dura e eles não gostam.
Educ. – Aí temos o factor realmente económico mas pronto…
Invest. – Mas repare, isso também não se faz todos os dias. Faz-se uma
actividade por semana. Ao fazer com o grupo todo, por exemplo, pode
gerir com outras actividades…
Educ. – Podem ir intercalando, ir intercalando metade do grupo até, faz
esta actividade com os ovos, outro faz com outras coisas. É assim.
Também não estou a dizer que tem que ser toda a gente a fazer, por
Entrevistas aos Educadores de Infância
487
exemplo, com os ovos, mas dar oportunidade a toda a gente a passar
experiências destas. Percebe? No próximo ano eu pretendo fazer um
bocado isso… Pronto. Ir modificando…
(…)
Invest. – Ou dois ovos para cada um. Portanto ir gerindo o material em
função destas coisas todas.
Educ. – Eu acho que sim porque é assim: nota-se realmente, situações
diferentes, apreciações diferentes destas actividades, daquelas
actividades regulares que nós fazemos, trabalhos de plástica. Eu nunca
fiz nenhuma este ano, pensei ainda filmar algumas actividades de mesa
para poder comparar com as que fazemos lá fora. É evidente que o
entusiasmo é outro, o diálogo é outro entre eles, a interacção é
completamente diferente. Há interacções no trabalho de mesa, há, mas
é diferente, não é tão entusiasmado, é diferente, é mais pousado, é tudo
mais subtil, não há o comparar…é diferente. Nota-se uma diferença
muito grande.
Invest. – A Cátia fica amuada se não vai fazer, fica zangada quando não
tem material vai-se embora… e essas reacções dela, dela e das outras,
são significativas. Sabe o que é que o Alfredo me estava a dizer agora?
Que a mãe lhe tinha dito hoje (quando falar com a mãe pergunte-lhe),
que a mãe lhe tinha dito hoje para ele ir para a piscina. E a última
actividade que nós fizemos foi com a piscina. Portanto a senhora devia
ter achado que viesse tomar banho na piscina ou qualquer coisa no
género… mas porque é que ele me veio dizer que a mãe disse que ele
hoje ia para a piscina? Isto, eu acho curioso. Eventualmente a mãe fez
algum comentário em relação ao banho, porque ele estava. O Leandro é
que não estava na piscina. Eu acho que há um deles que não estava.
Acho que o Alfredo estava…
(…).
Invest. – Como considera que foi a minha presença nestes dois anos ao
nível de Instituição, com o seu grupo, com os seus meninos, consigo,
com o pessoal. Quer dizer, de que maneira interferi no seu trabalho?
Entrevistas aos Educadores de Infância
488
Como considera a minha presença enquanto mais um membro de
equipa.
Educ. – Eu penso que com elas [crianças], não sei se concorda comigo,
não houve grandes problemas. Sempre aceitaram muito bem, lembram-
se muito bem de si, acho que não houve problema nenhum ali na sala,
mesmo a sua presença não interferia muito naquilo que poderíamos
estar a conversar, eu com elas, não sei se acha da mesma forma.
Realmente entrava na sala e eles ficavam todos entusiasmados, iam ter
consigo e eu já não era ninguém. Passava para segundo plano
automaticamente quando entrava. O que eu acho que é absolutamente
normal, sabe porquê? Isto também acontece um bocado quando vem cá
a psicóloga. Quando entra a Dª… na sala também passo
automaticamente para segundo plano, ou quando entra a Educ. …
nota-se muito quando entram pessoas que elas já conhecem, têm
alguma estima e que têm à vontade em estar com elas,
automaticamente a Educadora passa para segundo plano e elas vão ter
com a pessoa e se eu falar um bocadinho… Aqui com o pessoal é que eu
penso que foi tudo mobilizado, algumas pessoas aderiram logo, outras
pessoas aderiram, é normal… Portanto eu penso que a algumas pessoas
meteu alguma confusão o estarmos com aquelas actividades ou estar a
brincar com os ovos, a brincar e a sujar, a sujar o sitio onde elas depois
tinham de limpar. Acho que este ano aceitaram melhor; no início do ano
passado foi um bocado mais complicado, pareceu-me. Não que me
tivessem dito directamente. Se calhar foi só pela forma como elas
reagiam, se calhar estou a falar propriamente da pessoa que estava
comigo na sala. Mas também uma pessoa que está comigo na sala tem
umas actuações um bocado mais… educadas, é complicado. Comigo,
este segundo ano, adorei, gostei imenso. No primeiro ano, se calhar,
retraí-me porque houve aquilo a meio do ano, não sei se se recorda,
com a … [Educadora substituta], pronto, fiquei e estava um pouco mais
apreensiva. Estava porque eu na altura até estive a conversar com a …
[investigadora]., não sabia muito bem como é que me havia de colocar;
Entrevistas aos Educadores de Infância
489
então, se a miúda agora ficava assim um bocado, meu Deus, até tinha
algum receio em dizer qualquer disparate. Deixa-me mas é portar
direitinho, não sei, será que estou a fazer algum disparate?...não sabia
muito bem que posição…eu estava à vontade só que ao mesmo tempo
eu não estava, percebe? A partir do momento em que conversamos, na
altura chegamos a conversar, recorda-se? Penso que fiquei cada vez
mais solta…. Este ano gostei imenso.
Invest. – Eu não podia ter dito aquilo do ano passado com intenção
com que a Educ. ... absorveu. Eu não podia ter dito porque eu não sou
assim. E, como não sou assim e mesmo a trabalhar a Educ. ... é
diferente da Educ. … e diferente da Educ. ..., são todas muito diferentes
e eu tento respeitar o máximo possível cada uma na sua sala, na
orientação não dei aos seus meninos. Se achar que devo dizer alguma
coisa, digo, e…
Educ. – E acho bem. Tenha sido ou não como Investigadora, acho bem
que diga. É que eu, às vezes, peço ás pessoas que, quando chegarem à
sala, seja quem for, se alguma coisa não esteja correcta é preferível
dizer do que nós pensamos que estamos a fazer correcto e continuamos
a fazer errado.
Invest. – Eu acho que, independentemente, de eu falar, eu não estou a
avaliar as educadoras, não estou …
Educ. – Não, pronto, se calhar eu no primeiro ano pensava muito de
forma diferente. É claro que este ano nunca pensei ajudada. Se calhar,
não sei explicar também porque é que eu senti aquilo, mas eu senti
algum desagrado no ano passado e, na altura, chegamos a conversar e
acho que foi o melhor. Opção em conversar, também acho que
conversando as pessoas acabam por chegar a algum consenso, seja
positivo, seja negativo, concordem ou não. Eu não estava a sentir-me
muito bem, pronto, não estava e então eu não estando a sentir-me bem
com qualquer coisa, se eu já sou muito presa nas relações…
(…)
Entrevistas aos Educadores de Infância
490
Educ. – Mas o que é que achou? … Comigo no ano passado e comigo
este ano?
Invest. – Em relação ao ano passado, eu achei que embora as
actividades do P.E.S.m. fossem realizadas, ainda estava muito enraizada
naquelas actividades tradicionais.
Educ. – No ano passado?
Invest. – No ano passado. Este ano acho-a muito mais liberta.
Educ. – Não. Este ano como digo eu adorei as situações. É assim: eu
adoro estas actividades, só que, no ano passado eu não sabia muito
bem orientar-me, como é que é… Que posição havia de tomar, como é
que as coisas eram, como devia actuar, como é que eu não poderia
achar…
Invest. – Mas na sala, no grupo, no contexto, acho-a muito mais
descontraída este ano, muito mais brincalhona, muito mais informal,
parece que está menos preocupada com a disciplina quando está
igualmente preocupada e as coisas funcionam melhor.
Educ. – Eu acho que este ano estou mais à vontade consigo e então sou
mais informal estando na sala e se calhar, era mais formal o ano
passado na sala. Se calhar não a conhecia tão bem e como não sabia
muito bem o que se estava a passar, e se calhar era… sei lá… Eles
tinham que estar direitos para mostrar que estava tudo muito bem.
Invest. – Pois é isso, este ano não. E as coisas acontecem e se eles não
estão…
Educ. – Não havia tanto reboliço e eu, no ano passado, ficava um
bocado nervosa, no inicio, não sei se notou… E este ano não. Eles
também sentem se nós estamos nervosas, eu sinto às vezes isso. Uma
pessoa até vem mais chateada por qualquer motivo, e eles não param
de nos perguntar o que é que nós temos, também andam mais
agitados…
Invest. – No ano passado fazia as actividades P.E.S.m.…
Educ. – Porque tinha que ser…
Entrevistas aos Educadores de Infância
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Invest. – Exactamente porque tinha que ser, era isso. E este ano as
coisas eram naturais, pareciam naturais. Portanto, tudo isto influía na
forma de estar e mesmo no divertimento das crianças, até nas
brincadeiras, na forma descontraída…
Educ. – Eu acabava por ter, só que era sem pessoas presentes,
percebe? Que era o que me acontecia no ano passado, enquanto agora,
estando ou não estando a … [investigadora] na sala, ajo da mesma
forma. Como não sabia como é que havia de actuar com uma pessoa
diferente na sala, que não conhecia, se fosse outra pessoa da Instituição
que já conhecíamos, actuávamos da mesma forma, percebe? Porque isto
a mim calhou-me no grupo anterior. Se conversar com a Educ. … ou
com alguém, é o meu feitio de ser este ano, o meu comportamento com
o grupo anterior. Eu acho que acabo por levar as coisas um bocado a
brincar e eles acabam por ter alguma disciplina. Uns melhor, outros
pior, mas eu acho que isso deve ser em todos os grupos. No ano
passado eu tinha, se calhar, quando as outras pessoas não estavam na
sala, acontecia… Eu não a conhecia, não sabia muito bem, depois
acabou por acontecer aquilo, então mais me retrai. Este ano ainda bem
que eu me consegui soltar muito mais, e fui completamente diferente. E
até para eles. Foi diferente lá fora porque não me sentiam tão
comprimida e a actuar tanto que eles também acabavam por aderir
doutra forma e chegavam à sala com a satisfação que, se calhar no ano
passado não sei se se notava tanto como se nota quando agora chego, e
contam aos amiguinhos o que estava a fazer. Uma coisa negativa que
achei e agora no final com grande dificuldade, era os outros e o que
diziam aos outros. Foi muito complicado. Chegaram-se a zangar
comigo. Chegaram em grande grupo a dizer «Tu andas nervosa,
porquê?». É como eu digo, se eu tivesse outro espaço, eu se calhar ia ver
se me controlava. Não tinha, era um bocado complicado, aqui, porque
com outro espaço eu cheguei a comentar isso com as colegas, eu fazia,
eu continuava com os outros meninos. Se calhar não tanto tempo, se
Entrevistas aos Educadores de Infância
492
calhar não tanto como nós estávamos, se calhar limitava um bocadinho
mais…
(…)
Educ. – Eles não têm é aquela experiência…
Invest. – Eles estão a ter um desenvolvimento dito normal tradicional,
pelo menos comum. Os outros, é que têm um tipo de enriquecimento
diferente. De qualquer maneira, quando nós chegamos ao fim do 2º ano
e eu penso que agora sim, que nos começaram a surgir as diferenças
porque no ano passado, se por um lado só foi um ano, que foi pouco…
eles ainda estavam muito na novidade, foi pouco… e nós somos capazes
de notar as diferenças, mesmo dentro do próprio grupo.
Educ. – Mas os outros chegavam lá dentro e diziam «eu fui lá para fora
e tu não foste», percebe? Já começa a haver esta…eu vi-me ali um
bocado aflita até depois da …[investigadora] sair e mesmo à tarde ainda
se lembraram e o meu Zé, principalmente «Porque é que eu não fui?», e
«E eu também quero ir». E no dia seguinte… muitas coisas e não era
pelo material, era pelas condições em si, não dava… eu às vezes nem
queria dizer «Nós vamos tentar experimentar aqui», mas não queria
dizer coisas que não são correctas e eu pensava assim: há coisas que
não lhes vou dizer porque eles também não conseguem pensar o que é
para o ano, mas em principio estou a pensar algumas rotatividades e a
repetir com aqueles que ficaram. Com os que fizeram, com os cinco,
não, acho que não há necessidade nenhuma. Agora as da água, as da
tinta, as da água com sabão, aquelas de fazer as da água com sabão,…
há uma série delas que dá para termos lá fora sem grandes custos,
aquelas com alguns custos… falando com a Educ. … aquelas que puder
ser…
Invest. – Por exemplo, as de bolinhas de sabão, não tem nada de
especial, …
Educ.– Mas eles adoraram. Foi uma nova técnica que não sabíamos.
Invest. – A do café, não fica tão cara assim, porque pedindo as borras
aqui ou ali,
Entrevistas aos Educadores de Infância
493
Educ. – Não, não, …
Invest. – Nós trouxemos o pó mas se. se pedir e deixar secar dá o
mesmo efeito porque nós não vamos fazer café com ele, e cheira na
mesma; se, se pedir ao Srº José dois dias antes ou se, se meter um
bocado no forno para secar, já fica um húmido, outro seco e meia dúzia
de grãos. Portanto, dá, não é assim tão complicado. Economicamente, é
viável. Outra coisa dessas aventuras todas que nós fizemos, há algumas
situações ou algum momento, pode ser a nível de actividades ou de
conversas, a nível, até, das próprias reuniões que fizemos, que a tivesse
marcado especialmente?
Educ. – Para o positivo e para o negativo? É assim. Quando chamava a
atenção inicialmente, para o positivo, é claro que como nós não
gostamos muito de ouvir, não é?, mas para mim foi positivo e acho até,
foi principal. Se calhar fui aceitando no início não tão bem como agora,
agora estamos em conversa e no início eu pensava que poderia ser
alguma crítica. Adorei essa parte para mim e acho que entre reuniões e
em tudo isso para mim, foi principal: e em ter visto em que é que eu
estava errada, e ter pensado, e ter sofrido, e ter ficado triste comigo
mesma, (que fiquei! Cheguei a ficar desiludida), nunca pus em causa o
profissionalismo, mas punha assim em causa «Como é que é possível eu
estar a fazer tal coisa?». Eu devia ter por obrigação não estar a fazer
isto, sou realmente uma pateta. Não me punha abaixo como Educadora
mas me punha abaixo como pessoa, tirando a parte de Educadora,
estou a fazer tal disparate? Isso para mim foi o que me custou, pronto,
foi um bocado sofredor, mas que para mim foi positivo, agora aceito
muito melhor e agradeço, no fundo, estas coisas pequeninas, chamadas
de atenção para nós, são positivas e são muito benéficas porque vamos
aprendendo. A nível de reuniões, prontos, gostei, acho que também me
ajudaram, mas acho que me ajudaram mais as críticas que eu fui
fazendo aqui, algumas que, se calhar, levei para a reunião, mas que
aqui eram feita e que eram pensadas, do que propriamente as críticas
positivas e negativas que também fizemos. Positivas, também tivemos,
Entrevistas aos Educadores de Infância
494
meu Deus, mas gostei principalmente das chamadas de atenção que me
fazia aqui, sem dúvida alguma.
Invest. – Eram, mais no terreno, mais na altura, mais directas…
Educ. – Eram mais directas, eram mesmo no momento porque às vezes
nós ate nos esquecíamos depois na reunião onde há tantas coisas que
temos, se calhar passava um bocado ao lado. Para mim prefiro, seja
com quem for, me dizer no momento do que na reunião que ate já nem
me recordo como é que aconteceu ou como é que não aconteceu. Custa
sempre, uma pessoa ouvir dizer coisas, mas está mal e custa, é assim,
custou no 1º ano talvez porque eu não a conhecia, se calhar agora já
aceito bem, percebe? Aí está, eu acho que este ano foi mesmo um
trabalho… como no 1º ano, o não estar tão à vontade, o não saber
muito bem porque se agora alguém me disser alguma coisa, uma colega
de trabalho ou a Educ. …, eu aceito muito bem, penso e não sofro como
se calhar, se eu algum dia fui… Foi mesmo pena o 1º ano ter corrido
assim porque eu acho que podia ter corrido uma maravilha como correu
este. Para mim, escusava às vezes quando pensava em si, estar tão
apreensiva sem necessidade alguma, e agora… Foi pena.
Invest. – Lá está, eu tento sempre pôr as pessoas à vontade.
Educ. – E punha, eu é que estava, se calhar, mais retraída. E nós não
sabíamos muito bem, com quem é que se contava, e, se calhar, agora já
temos um à vontade mais de dizer o que é que está bem e o que é que
não está. Uma pessoa sente isso, pelo menos eu sinto mais, qualquer
coisa que não ache eu digo é vice-versa e diz, se eu levar isso com uma
crítica muito má, mas uma crítica construtiva. Porque eu no ano
passado não levava isto assim.
Invest. – Porque no ano passado, eventualmente, a reacção era mais
distante, era uma relação mais distante e portanto tinha-se sempre o
“Se está a dizer isto onde quererá chegar?” ou “Se disse isto onde é que
quererá chegar?”.
Educ. - Disse o ponto fulcral e agora, se calhar, agora ao dizer estas
coisas é muito natural.
Entrevistas aos Educadores de Infância
495
(…)
Invest. – Em relação às reuniões que fizemos, a última foi sobre
observações e registos.
Educ. – Eu ainda tenho dificuldades.
Invest. – Mas em quê? Na observação ou nos registos?
Educ. – Nos registos. Na observação está muito bem, é mesmo passar
para o papel. Fizemos e contamos à Educ. … e não em nada daquilo. Eu
não era nada daquilo. Ai meu Deus, eu não sei, eu vou ter que falar
disso na reunião. Eu não consigo. Lembra-se, foi consigo até estava
comigo, até viu que era da Cátia… Mas a Educ. … não pretendia assim
daquela forma. Eu “ai meu Deus, eu então não sei fazer de outra
forma”. Eu tenho uma dificuldade muito grande e acho que é um dos
erros da nossa formação inicial, … A escrita para mim é um problema.
Consoante falam, consoante escrevem. Eu não quero frases muito
elaboradas, direitinhas. Mas é mesmo. Por exemplo, eu passando para o
papel consoante falo, está bem, não há problema. Agora estruturar, eu
tenho muita dificuldade e tenho pena. Mas isto também é uma lacuna
da minha infância. Também não andei no Jardim, também os meus
Pais não me desenvolveram tão bem quanto isso é lacuna muito grande
e agora quando amigas minhas me falam «Achas importante ir para o
infantário?», ai, eu acho. Até aqui, se calhar, se não estivesse nesta
idade, eu digo… tudo o que faço com os três eu faça agora com um ano.
«Não pode ser Educ. ...». Eu tenho amigas minhas que trabalham com
creche e quando eu vou mostrar, ou quando eu vou dizer ou mostro
fotografias, ou quando mostro planificações, «Tu fazes isto?» «Sim,
fazemos perfeitamente com a ajuda da … [investigadora], outras não,
outra com a ajuda da directora pedagógica, fazem isto». «Como é que é
possível fazer isto com esta idade e funciona como nós?» Eu acho que
em Portugal nós temos uma creche muito mal organizada e sem
desenvolvimento nenhum. E eu acho que é a base para tudo se nós
repararmos Pronto, eu agora sei porque estou a trabalhar nele, e uma
pessoa vai lendo mais e vai aprofundando mais, é a base para quase
Entrevistas aos Educadores de Infância
496
tudo depois na vida futura. É impressionante como é que, é possível,
nós não darmos o valor devido! Agora, se calhar, eu dou mais porque
estou nisto…
(…)
Educ. – Eu acho que devia ser muito prático [Cursos de Complemento
ou Qualificação], eu acho que se aprende imenso. Por exemplo, eu acho,
que aqui na instituição era uma maravilha estas reuniões que nós
vamos fazendo. Porque há convívio entre nós, partilha de opiniões, nós
fazemos assim ou assim e isto é fundamental e isto não se vê na maior
parte das instituições. Eu acho que aqui é a exigência. Eu costumo
dizer às minhas colegas que nós temos uma coordenadora que é uma
maravilha que está sempre presente connosco, que exige, mas ao
mesmo tempo também se põe à nossa disposição e aprendemos imenso.
Ela é exigente mas…
(…)
Educ. – E depois a pessoa consciencializa-se e vê: tem razão, não tem,
vamos ver, que é que se passa, e é um crescimento a nível de trabalho,
pelo menos eu sinto isso. E o mesmo aconteceu consigo este ano. Tudo
aquilo que nos dizia também era para nos tentarmos, pela positiva ou
pela negativa, percebe? Acabamos por ter uma proximidade diferente
este ano. Mas não era nas conversas que nós tínhamos, mesmo lá fora,
o à vontade que tínhamos, o meu próprio chegar a eles e estar à
vontade, isso também era… já se notou perfeitamente que eu estava à
vontade quando chegavam. E que agora me arrependo de não ter estado
assim no ano passado, mas também não adianta…
(…)
Educ. – Sabe também o que é que pode acontecer futuramente?
Pessoas que estiveram, se calhar, durante um período a conviver
consigo - é uma sugestão - se calhar, estar um período… As pessoas
deveriam estar um ano a conviver com a pessoa na sala e só depois ir
fazer as filmagens. É a continuidade que acaba por ter resultados nelas;
agora com esta abertura das pessoas e com esta simplicidade…
Entrevistas aos Educadores de Infância
497
Invest. – Dar-vos três anos para fazer isso, não é?
Educ. – Pois o problema é esse, porque se para o ano continuássemos
cada vez ia sendo melhor…
Invest. – Diga me só mais uma coisa antes de acabar: acabaram uma
fase. Vão ser promovidas para o “Jardim”. Acha que os seus meninos
estavam bem trabalhados? Ou seja, chega ao fim da Creche e diz que os
objectivos que tinha traçado, estão bem trabalhados?
Educ. – Todos? É assim, e já disse isso na Jardim: «A próxima vez que
estiver na creche eu volto à fórmula de…se calhar, há coisas que eu
podia ter trabalhado mais, podia ter feito mais, e, se calhar, não fiz
porque estava com algum receio. Mas isso, eu acho que se fica sempre
com a sensação (eu fiquei com a sensação quando acabei os cinco) de
que quando tiver outra vez o grupo dos cinco não vou fazer da mesma
forma que actuei com aqueles. E agora digo a mesma coisa. Acabo a
creche, vou para o jardim e acho que se voltasse para a creche, eu acho
que fazia outras coisas, aprofundava mais do que me fizeram. Quero
dizer, estão preparadas para o Jardim? Estão. Poderiam ir melhor? Se
calhar poderiam. Poderiam ter feito mais? Se calhar poderiam.
(…)
Educ. – É. Eu acho que tive, tive um crescimento por nunca ter
trabalhado, é como digo, acho que estão bem, acho que sim, mas, se
calhar outras coisas poderiam ir de outra forma. Acho que sim, não sei
se partilha ou não da mesma ideia, o que é que acha?
Entrevista com a Educadora 3 Invest. - Ao longo destes dois anos em que estivemos aqui a trabalhar,
foi feito um desafio que vocês aceitaram. Esse desafio e no seu grupo
mais ainda, tanto quanto ele foi feito também. De qualquer maneira
aquilo que me parece é que, independente de ter sido só para no
primeiro ano, e portanto acaba por ser pouco tempo, até porque
Entrevistas aos Educadores de Infância
498
gravamos muitas crianças e não nos centramos em nenhuma em
especial, penso que há determinado número de efeitos ou
consequências, ou vantagens e que podem não estar assim muito…
Educ. – Testadas.
Invest. – Testadas e que não se pode fazer uma verdadeira avaliação,
mas penso que enquanto princípios do P.E.S.m., daquilo que se sente de
necessidade da estimulação sensorial, eu queria que me falasse um
bocado disso. Ao nível do desenvolvimento das crianças, o que é que
sentiu? Acha que há alguma diferença ou não há, entre as actividades
ditas normais (eu considero actividades normais, digamos, aquelas que
fazem parte … as, pinturas, as colagens, os recortes, aquelas mais
tradicionais que são trabalhadas no Jardim ou na Creche). Qual foi a
diferença que sentiu ao nível das crianças, na forma de elas estarem, do
deu desenvolvimento, umas actividades das outras?
Educ. – Eu acho que este tipo de actividades exige e permite à criança
uma maior exploração dos próprios materiais e assim. Não quero dizer
que a gente só com a …[investigadora] tenha começado a fazer, porque
nós já antes fazíamos algumas. Talvez não com tanta frequência, mas já
fazíamos algumas. Mas eu acho que são actividades que permitem à
criança explorar juntos, os vários sentidos: o tacto, a visão, o olfacto, e
conhecer melhor aquilo com que a criança está a trabalhar, não é?
Conhecer melhor aquilo, e saber que, como é que hei-de dizer? Eu acho
que é um trabalho muito rico para o desenvolvimento de todas as
capacidades da criança.
Invest. – Há!
Educ. – Isto de trabalhar com materiais diferentes… É verdade que
algumas actividades (não estou a recordar assim nenhuma em
particular), mas acho que, por exemplo, houve actividades que eu de
certeza absoluta nunca tivesse tentado introduzir, e outras que, talvez
tivesse pensado introduzir, mas isto nós depois também vamos
conversando, vamos pôr realidade. Mesmo eu estava assim um bocado
Entrevistas aos Educadores de Infância
499
também,… será que devo deixar fazer tudo, será que não devo, houve
algumas situações…
Invest. – Eu gostava de saber exactamente a sua opinião nesse sentido.
Como é que se sentiu quando, eu propunha uma actividade e até já
podia ter arranjado o material, mas…
Educ. – A gelatina lembro-me que, no berçário eu tinha feito, plasticina,
com o leite também cheguei a fazer… Cheguei a fazer com chantilly, não
chantilly não, não foi chantilly, não cheguei a fazer… Pasta de farinha
também cheguei a fazer, mas houveram outra que talvez a mim …tipo,
como o que é que eu devo agir, acabou por… como é que eu vou … é a
primeira vez, como é que eu faço? A pintura com os pés, estou-me a
lembrar agora, achei aquilo, espectacular. Achei.
Invest. – E a pintura na parede aqui fora com aquelas bolas que eles
atiraram,…
Educ. - Sim, eu no início estava assim… eles vão-se sujar todos. Mas
depois, também nessa altura nós não tínhamos pensado direito.
Devíamos ter colocado primeiro, os sacos que só colocamos depois. Para
mim estava a ser muito orientado. Eles depois é que fizeram.
Começaram a …a criatividade deles levou mesmo a isso. A gente acabou
por não pensarmos nessa hipótese e acabamos por ter que…
Invest. – Mas como é que se sentia nessas coisas?
Educ. – Por exemplo, na dos pés achei que era um espectáculo. Achei…
e nunca pensei, mas eles aderiram tão bem que…
Invest. – Eu acho que até aderiram bem demais…
Educ. – Eu acho que sim.
Invest. – Estiveram muito tempo à espera e eu acho que isso é uma das
coisas …mas como todos queriam fazer acabaram por estar tempo…
Educ. - Eu acho que sim. Eu acho que foi um bocado prejudicado nesse
aspecto porque estiveram muito tempo à espera e a olhar para o que o
colega estava a fazer, mas eu acho também era um bocado impossível.
Poderíamos, era ter retirado um grupinho… E não em grande grupo
Entrevistas aos Educadores de Infância
500
porque isso não facilitou nada. Conclusão, todos ao mesmo tempo ia
dar confusão.
Invest. – Mas também não foi uma actividade que tivesse sido
planeada. Ela surgiu um bocado na sala com a conversa com eles…
Educ. - Não sei se foi a Lúcia, mas eu lembro-me de falarmos e, «porque
não?» E vamos fazer isso.
Invest. – Exacto. Não foi planeada, não foi pensada com o objectivo
muito…
Educ. – Eu acho que sim, são coisas muito giras e para eles, também. É
assim, permite-lhes não estar sempre a «não fazer isso» e deve permitir-
lhes mesmo esse à vontade.
Invest. – Pois, a liberdade de serem eles a criarem?
Educ. – Embora às vezes a pessoa tenha sempre a tendência a limitá-
los um bocadinho, não é? Eu acho que sim, a gente às vezes… há
actividades que a gente exige…
Invest. – Eu concordo consigo. Gostava de perceber porque é que isso
acontece.
Educ. – É assim, porque é assim também há regras? Mas quando é que
a gente vai estar a explicar, por exemplo, aquilo das tintas, quando é
que a gente vai estar a explicar que vai sujar as paredes, imaginarmos
que tinha o papel, como é que a gente vai explicar que não pode sujar a
parede mas sim, só o papel? A gente também não pode, não é… Há
parede para aqui, para acolá, mas a gente também tem de criar, é
assim, deixar explorar ao máximo mas também… criar algumas…
(…)
Invest. – Agora, ao nível de alterações. Houve diferenças ou alterações
na forma como mudou, muda, ou como pensa ou como olha. Este ano
até já está noutro nível, noutra valência da infância, já passou ao pré-
escolar. Mas a nível de creche, acha que este tipo de propostas de
actividades, a fizeram ver a creche de uma forma diferente? A minha
questão é: nós temos, muito a tendência, e penso que a nível de creche
(e quando digo «nós» não quero dizer que seja esta instituição, nós é
Entrevistas aos Educadores de Infância
501
quem trabalha em creche) a imitar de alguma forma o Jardim! A andar
para trás?
Educ. – Sim. O Jardim-de-infância, eu acho que aí também perde
muito; aliás, nós acabamos por ir ter o nosso curso, acabamos por não
ter essa …
Invest. – Pois era isso que eu queria que me dissesse. Acha que é falta
de formação?
Educ. – Formação é isso. Acho que nós devíamos ter formação para…
Devíamos estar preparadas para a creche. Eu acho isso, porque é
assim, nós temos muita tendência e principalmente, quem vem dos
cinco anos, vai para o berçário, é completamente diferente. Aquilo não
tem nada a ver; nós próprias estamos habituadas a que os próprios
miúdos nos digam alguma coisa e naquele momento nós é que temos de
falar com eles, nós é que temos de perceber e temos de adaptar as
actividades que temos em mão, não é, e acabar por exigir, aliás nós
temos que tentar criar actividades de acordo com aqueles meninos que
temos ali à frente, que não têm nada a ver, que a gente se apercebe
disso, que não tem nada a ver com o Jardim, mas nós acabamos por de
uma forma, acabamos por, às vezes, claro, sem aquela coisa de, tirar
ideias do Jardim. E às vezes misturavam…
Invest. – É o andar um bocado para trás, é imitar o Jardim, mas andar
um bocado para trás.
Educ. – Acabamos por apanhar, por ter tendência para fazer isso. Por
exemplo, eles no berçário, ainda não estão preparados, penso que ainda
não estão preparados, penso que não estão mesmo preparados para
pegar na caneta e não sei quê. Eu lembro-me que um dos dias foi dar-
lhes uma caneta nova, não foi um marcador, dar-lhes um marcador
para ver o que eles faziam e eles riscaram tudo mais alguma coisa.
Acabei por perceber, é assim, não sei se seria a idade ideal para lhe dar
aquilo, claro que já foi mais no final do ano, mas comecei a pensar; será
que era a idade? Não era porque eles para pegarem, não não era porque
antes havia devia haver outro tipo de técnicas para trabalhar a
Entrevistas aos Educadores de Infância
502
destreza, e não é a motricidade fina para depois dar-lhe o marcador. E é
assim, a gente acaba por aprender com a nossa experiência.
Invest. – O rever o resultado das reacções e comportamentos que eles
têm...
Educ. – Pois porque eles acabam por não pegar, pegar no lápis para
tudo menos para aquilo que a gente quer, às vezes para meter à boca
para estoiro onde é complicado. Eu acho que é complicado nas
afectividades, não é? Eles requerem outro tipo de material que possam
meter à boca, que eles possam rasgar, que eles possam atirar para o
chão, que possam fazer daquilo um bocado....., manipular....
Invest. – Eu estava a lembrar-me agora de uma actividade do ano
passado e que foi com serrim… eu penso que fizeram aquelas bolinhas e
que puseram depois as sementes, lembra-se? E uma das gémeas
provou de imediato a semente e a Educ. … ficou logo toda aflita.
Educ. – Aflita porque é uma coisa que..... e depois a gente acaba por...
aquilo pode ter lasquinhas que os podem magoar ou não sei quê,
porque raio, lá está .... esse tipo de material assim aflige-me porque eu
acho que o serrim é um tipo de material que pode magoar e ao engolir
também pode asfixiar....
Invest. – Mas não acha que nós ao nível de creche, às vezes, damos-
lhes um brinquedo, damos-lhes uma coisa que é atraente para logo a
seguir lhes dizermos “não metas à boca, tira da boca, não põem a mão
...” por aí fora, “é só para ver porque não podes tocar…”. É a mesma
coisa que nós termos um bolo à nossa frente tão bom e dizerem-nos
“agora não podes comer, é só para olhar”.
Educ. – É isso. E eles não sabem porque o facto de olhar é mexer,
aprender a mexer e isso para eles é um bocado complicado porque é
uma tendência que eles já têm deles mesmos.
Invest. – É assim que eles conhecem o mundo.
Educ. – Pois é assim que eles conseguem identificar e conhecer melhor
o que têm à frente. Mas lá está, a nossa tendência é um bocado essa,
mas então por isso mesmo vamos dar-lhes material que eles possam
Entrevistas aos Educadores de Infância
503
manipular, que eles possam meter à boca, que não haja problemas
nenhuns. Começar a partir daí, não é, a gente......
Invest. – Mas não acha que isto pode ser apresentado, este tipo de
trabalho, este tipo de estimulação, eu diria que exigem mesmo trabalho
de pequeno grupo.
Educ. – É porque em grande grupo é capaz de... É complicado, é
complicado e tem que ser em pequenos grupos.
Invest. – Isso de alguma forma pode ser uma limitação? Pode ser uma
vantagem? O que é que, no facto de se trabalhar com 4, 5 ou 6 crianças
pode de alguma forma ajudar ou prejudicar o trabalho da Educadora e
no trabalho de desenvolvimento das crianças?
Educ. – É assim: aquilo que eu acho, é que se fizerem em pequeno
grupo, pronto faz-se com aquelas 4 crianças, depois há que fazer com
outras 4 até que faça o grupo todo, até que toda a gente consiga viver
essa experiência e isso vai fazer com que a actividade seja planeada
para uma semana, imaginemos, não sei, dependendo do número de
crianças do grupo, do número de crianças que a gente faz por grupo,
mas permitir que toda a criança da sala passe por esta experiência. Eu
acho que isso também fica um bocado a partir daí. Agora quer-me dizer
tipo em relação ao resto do grupo.
Invest. – Acha que isso prejudica de alguma forma...
Educ. – A interacção?
Invest. – Não, a rotina da sala.
Educ. – Não, porque é assim, aquele grupo está connosco a trabalhar e
o resto do grupo acaba por estar na sala a fazer outras actividades, se
estou a entender direito.
Invest. – A minha questão é: o facto de ter participado só durante um
ano, mas participou, durante um ano neste tipo de trabalho, acha que
teve algumas repercussões no seu trabalho, nas suas propostas ao
grupo de meninos, e ao nível de desenvolvimento das crianças, ou não?
Educ. – Sim, eu acho que sim, acho que acabou por ser um trabalho....
hum....
Entrevistas aos Educadores de Infância
504
Invest. – Em que é que sentiu alguma experiência chamemos, seja para
bem ou para mal, seja mais positiva ou menos positiva, das minhas
propostas ou deste tipo de programa.
Educ. – É assim: como eu tinha dito, algumas actividades não eram
actividades que a gente não tenha pensado já, algumas actividades a
gente já tinha feito no meu caso anteriormente, outras mesmo a falar às
vezes que nós tínhamos e continuamos a ter aquelas reuniões com as
Educadoras das mesmas idades, onde a gente vai dando sugestões e
depois vai adaptando as actividades que pensamos, de acordo com o
nosso grupo, com o grupo de cada uma. Eu acho que foi uma
experiência boa, foi, trabalhar aquilo é sempre uma experiência boa
porque é trabalhar estes materiais de forma como foi trabalhado...
Invest. – Mas dentro do seu trabalho pensa que mudou alguma coisa,
ou seja, mesmo uma actividade que eventualmente, até pudesse já ter
pensado nela, ou que sentisse que era a coisa mais ou menos comum, o
facto de estar implicada nesta proposta, pode explorar este sentido, esta
vertente da actividade. Não tendo que estar mais atenta quando contar
uma história ou quando fizer determinada actividade, de lhes estar a
proporcionar determinadas experiências. Houve de alguma forma
alguma mudança ou forma de sensibilização... uma mudança...
Educ. – É assim: a mudança que houve pode ser filmada, que a mim ...
Invest. – Acha que interferiu isso nas suas....
Educ. Isaura Mota – É assim: no início foi assim aquela coisa de ...
hum, ‘tár a ser vigiada’, ‘tár a ser....’ não sei o que é, uma pessoa acaba
por ser, eu senti isso. Assim tipo, qualquer coisa que eu vá fazer assim
menos.... como é que eu vou fazer, como é que eu vou reagir, como é
que ..... mais a gente acaba por ficar assim mais ....
Invest. – Controlada? Sentir-se controlada ?
Educ. Isaura Mota – Isso, sentir-me controlada. Mas depois acabei por
conseguir hum.... Dar a volta e tentar assim, é assim “por amor de
Deus” a gente só está a mostrar o nosso trabalho, não é? Vamos
trabalhar, aqui não vai haver alteração nenhuma e nã temos que reagir
Entrevistas aos Educadores de Infância
505
tal e qual como nós somos senão isso também a nível de trabalho
também não resulta. Mas que no início isso a mim bloqueou-me um
bocadinho e eu temi.
Invest. – Até porque as próprias crianças iam-se aperceber ou
apercebem-se de que lá pelo facto de estar a ser filmada, ...
Educ. – De eu estar a ser filmada, que eu também estava a ter um
comportamento completamente diferente. É assim: “alto que aqui
passa-se alguma coisa”. Eles até poderiam ter tendência para abusar
um bocadinho mais e notar que eu não estava tão à vontade para
chamar a atenção, por isto ou por aquilo. No início, quando nós falamos
em ser filmada, eu disse assim: “ai meu Deus e eu que não gosto nada
de ser filmada”, mas depois consegui, pronto, não digo na primeira
actividade mas na segunda: que isso deve-se notar no filme, não sei ?
Invest. – Não sei. A análise que eu faço dos vídeos nunca é com o foco
na Educadora, é sobretudo nas crianças.
Educ. – Nas crianças
Invest. – É. Lembro-me, e falei aliás quando vos propus que vissem as
vossas próprias actividades nos filmes, ...
Educ. – Que eu acho isso importante, ver-nos a nós. Eu acho que isso é
super importante, eu acho que isso é daquelas coisas, porque a gente
acaba por não se aperceber de pequenos detalhes quando a gente lá
está com a rotina, porque já está completamente interiorizado que a
gente acaba por não se aperceber de pequenos detalhes, e às vezes
podem ser detalhes menos próprios, assim acabamos de nos vermos tal
e qual como nós somos e ao ver-nos assim podemos, pronto, reparar
neste detalhe ou noutro que nós realmente não deveríamos fazer assim,
devíamos tratar desta forma nesta altura ou mudar a nossa atitude
nesta altura, é assim eu acho que nós, é isso, nós auto....
Invest. – O facto de nós, por exemplo, termos falado...
Educ. – Acho que isso é importante.
Invest. – Porque eu senti um pouco isso e acho que senti muito mais
efeito vocês verem o vídeo do que muitas das conversas que nós
Entrevistas aos Educadores de Infância
506
mantivemos, porque normalmente, no fim das actividades nós
falávamos um bocadinho de aspectos: de como tinha corrido, se tinha
que ter mais material ou das reacções das crianças, de diferentes coisas
que nós íamos falando. É aquilo que eu acho que surtiu efeito não
foram as nossas conversas, foi muito mais o terem visto... Aquilo que
nós vimos nos filmes
Invest. – Exactamente. A análise que fizeram dos vossos vídeos foi feita
sozinhas, eu não vos dei sequer a minha opinião, até porque a vossa
análise não foi feita. Eu só faço a análise das crianças e não das
Educadoras. Indirectamente a Educadora é focada porque se a
Educadora diz: “ó Pedro anda cá”, eu vou ver se ele vem ou não vem em
resposta àquilo que a Educadora diz. Portanto nesse sentido a
Educadora está presente na análise, fora isso não, porque o que me
interessa são as crianças e não tanto as Educadoras de Infância.
Indirectamente está ligado mas não é o essencial. É evidente que eu
quando vos emprestei as cassetes para verem, acho que era importante
não só para verem o desenvolvimento e a quantidade de coisas que as
crianças fazem e que nós conseguimos apanhar no vídeo que não
conseguimos apanhar no dia a dia da sala, .....
Educ. – Há muitas coisas que nos escapam.
(…)
Educ. – E mesmo a nível de planificações ainda acaba por se aperceber
de quando na nossa planificação a gente traçou determinado número de
objectivos mas acho que acabávamos por aproveitar.... Eu lembro-me
que estava a acabar de ver o filme e achava que também podia falar
disto, também podia falar daquilo onde às vezes uma pessoa acaba
por.... não digo limitar mas não é expandir mais, não é, eu acho que, eu
lembro-me de estar a ver o filme e pensar também podia falar nisto,
também podia falar naquilo, coisas assim.
(…)
Entrevistas aos Educadores de Infância
507
Educ. – Para conseguirmos aperfeiçoar um pouco mais, tirar aquilo que
achamos que não é tão próprio e dar valor mais àquilo que a gente está
a fazer, que também...
Invest. – Este ano continua a decorrer as reuniões semanais de
planificação?
Educ. – Sim, é mais mensais. A gente trabalha assim mais ou menos,
falamos mais ou menos daquilo que vamos falar, vamos trabalhar isto
ou trabalhar aquilo, agora é lógico, dependendo da motivação do grupo
e eu acabei por trabalhar mais, porque eles ficaram com a quinta,
fomos visitar uma quinta e eu acabei por trabalhar o projecto de acordo
com a quinta para que não fugisse muito porque eles estavam
motivados para aquilo, tentei adaptar o próprio projecto da quinta. Eu
trabalhei assim dessa forma e as outras colegas trabalharam da forma
delas mas eu aproveitei que eles estavam muito motivados. Mas tudo
começou com a Avó, no dia das Avós, um Avô veio cá contar uma
história, foi uma actividade feita por uma avó, que tinha uma quinta e
falou, falou, falou que acabou por surgir a ideia da visita a quinta. E a
partir daí tratamos de tentar organizar a visita e resultou numa quinta
na sala. Não deu por ser muito mais explorada por causa do tempo que
não permitiu. O tempo foi limitado, não é porque chegamos a esta
altura e depois tivemos a exposição dos trabalhos, depois tivemos os
ensaios para o CD e gravação do CD e essas coisas todas, mas enfim,
não deu para explorar muito mais, mas ainda agora vai tentando...
Invest. – Não acha que essa calendarização dessas festas todas, digo
festas porque é o dia do Pai, dia da Mãe, dia dos Avós, dia da Árvore é o
dia de não sei o quê, é o dia da árvore, é o dia da Páscoa, dia de Reis, é
densa
Educ. – Acho que isso acaba por nos ocupar assim,... estamos numa
actividade e de repente aparece o dia da Mãe e temos que trabalhar
porque o dia da Mãe interrompe a actividade que estamos a fazer. E
assim são dias que nós trabalhamos e se não trabalhamos também há
aquela coisa que os Pais... mandam recado...
Entrevistas aos Educadores de Infância
508
Invest. – Não há uma ruptura aí?
Educ. – Pois é isso, nós estamos a fazer uma actividade e de repente
aparece o dia da Mãe e nós temos que... ou tentar planear a actividade
para que consigamos acabar mais ou menos a tempo para
conseguirmos fazer as actividades para o dia da Mãe, acho que aquilo
acaba por interromper.
Invest. – Cai assim às vezes um bocado de pára-quedas, ou então estão
uma semana inteira preocupadíssimas porque têm que fazer a prenda
para o dia da Mãe, fica de lado...
Educ. – Pois o dia da Mãe, fazer a prenda para o dia do Pai... fazer a
prenda para ..., mas é assim, são coisas que a gente acaba por sentir-
se...
Invest. – Lembra-se que no ano passado começamos exactamente nisso
porque a 19 de Março é o dia do Pai, a 21 dia da Árvore depois entrou...
Educ. – Tem o dia da Criança, tem o dia dos Avós. É assim, este ano
acaba por pertencer um bocado ao projecto. Tentamos organizar as
coisas de forma a encaixar isso também. Mas acho que há alturas,
pronto há anos. Mas é assim, uma pessoa sente-se obrigada também a
fazer isso porque os Pais, não é, se a gente não fizer nada para o dia da
Mãe.... os Pais ficam assim “não trabalharam o dia da Mãe” e já está
completamente de tal forma...
Invest. – Digamos que é uma institucionalização...
Educ. – Tem que se fazer porque tem que se fazer. É para o próprio dia.
Poderíamos talvez pensar...
Invest. – Acha que os Pais dão real valor a isso? Já se questionaram
sobre isso?
(…)
Invest. –Mas há pouco, e vamos voltar um bocado atrás, falava na
questão da filmagem que, de início, foi um bocado...
Educ. – A mim foi, foi.
Invest. – Digamos limitador. Foi um obstáculo que ter que ultrapassar,
ou que se convenceu que tinha que ultrapassar, eu julgo.
Entrevistas aos Educadores de Infância
509
Educ. – Foi. Eu primeiro pensei que os miúdos também não fossem
reagir muito bem, julguei que eles passassem o tempo todo a olhar, a
actividade toda a olhar para a câmara, era uma coisa diferente.
Invest. – Mas isso repare... no primeiro dia, mostrei-lhes a máquina,
estiveram a ver como era a máquina, o que era que se via na máquina e
isso foi básico para eles. Este ano mudei de máquina e fiz exactamente
o mesmo com esta máquina.
Educ. – Sim porque isso também é importante. Mostrar a máquina.
Mas eu acho que o facto de a …[investigadora] também se apresentar e
essas coisas todas, portanto houve sempre um trabalho para isso. Mas
eu, sou sincera, na primeira actividade pensei mesmo que eles vão estar
na actividade, vou estar a falar com eles e eles vão estar a olhar para a
máquina, mas foi coisa que não aconteceu isso, eu acho muito bem.
Agora para mim e que eu achei bem, correu muito bem, não é? Para
mim foi, nas primeiras actividades foi um bocado daquilo do medo.
Principalmente no caso da primeira e da segunda actividade, foi, foi um
bocado...
Invest. – Independentemente da máquina a minha presença acha que
foi de alguma forma interferir, influencir, quer a sua maneira de estar,...
Educ. – Não...
Invest. – A sua maneira de ser ou de estar com o grupo? Qual é a sua
opinião em relação às crianças? O que é que elas (e pergunto isto depois
da manifestação de recepção que eu tive hoje à tarde) acho que ainda
mais posso ver. No fundo é, o que é que acha que foi a minha presença,
qual foi o meu papel, o que é que andei a fazer aqui nestes dois anos?
Quer em relação ao trabalho que foi sendo desenvolvido, quer em
relação à interacção Com as crianças, com o pessoal, com a dinâmica
da instituição?
Educ. – É assim: Eu acho que em relação ao grupo, ele a aceitou bem.
Foi muito bem aceite no grupo. Acho que todos eles a falar, é assim…
Não houve ninguém que a gente dissesse assim, ou não gostou ou não
se sentiu bem… Pelo contrário, eu acho que todo o grupo recebeu-a
Entrevistas aos Educadores de Infância
510
mesmo de braços abertos. A interacção, o trabalho e tudo… eu acho
que foi muito bem vinda, foi muito bem recebida no grupo, todos a
aceitaram muitíssimo bem. E em relação a nós…
Invest. – Desculpe interrompê-la, mas também acho que a minha
presença de alguma forma interfere…
Educ. – É assim. Nesta altura, nesta altura eu acho sim, nesta altura,
às vezes noto que a …[investigadora] chega e eles «oh,oh,oh» e acaba
por… é assim, eu digo «sentem-se, ou vamos fazer isto ou vamos fazer
aquilo» mas acaba por não ter grande interesse para eles aquilo que eu
digo. Mas na altura eu acho que, que eles sabiam perfeitamente…,
talvez porque, a …[investigadora] estava mais presente, e enquanto
agora, não chega, dá os bons dias, fala com os meninos, continua a ter
aquela conversa com eles…, acho que agora é diferente, penso que eles
têm tendência, tipo para abusar, como agora, eu acho que hoje eles
estavam a abusar, a ultrapassar um bocadinho…
Invest. – Uma das coisas que me marca, que me marcou, é que eu
trouxe o papagaio em Fevereiro ou Março do ano passado…
Educ. – E eles continuam…
Invest. – E eles, passado um ano e tal, pedem-me papagaios. Aliás não
sei se no outro dia se apercebeu. Eu no outro dia disse «Eu não trago
papagaios, eu vou trazer papagaias», e eles hoje pediram-me as
papagaias. Queriam «papagaias». Portanto, foi alguma coisa…
Educ. – Sim, desculpe. Depois de ter trazido aquela actividade, o
trabalho com os meninos a trabalhar, aquela apresentação, mesmo
depois disso eles continuaram a pedir o anterior – os animais.
Invest. – Exactamente, mas nessas actividades também havia
papagaios. É evidente que aqui também há associação. Foi uma
actividade que demorou, não recordo quanto tempo, foi um tempo
longo, tivemos que repetir, tanto da primeira vez como da segunda. Era
coisa em que eles só viam a imagem, portanto funcionou como um
filme. Eu não sei se este pedido dos papagaios ainda hoje se tem
alguma coisa a ver comigo enquanto pessoa, se é para pedir a minha
Entrevistas aos Educadores de Infância
511
presença junto deles, ou se tem a ver com o momento que se filmou em
vídeo ou qualquer outra coisa. No princípio achavam um bocado
estranho porque é que eu não ia para a sua sala, o que também é
natural…
Educ. – Não. Mas houveram algumas questões em relação a isso.
Prontos, quando a …[investigadora] chegava havia lá meninos, «bom-dia
meninos» e acabava por ser só isso, embora houvesse um dia ou outro
que se sentasse lá, mas houve uma altura em que deixou de o fazer, em
que eles diziam «A …[investigadora] onde vai?». «A …[investigadora] vai
trabalhar com os meninos da Educ. ... e da Educ. ...». «E ela não vem
para aqui?» Eu disse «Ela vem, no final vem falar com vocês um
bocadinho, vem para se despedir» e a …[investigadora] acabava por não
ir no início ou no fim. Mas se não fosse lá, era isso que eles faziam. Eu
às vezes até acabava por … a gente ia para o refeitório, acabava por
estar no refeitório, a …[investigadora] saía e por isso não a viam. Às
vezes eu esquecia-me e não dizia nada ou porque a …[investigadora] já
tinha saído ou porque ia a sair na altura e acabava por me dedicar…
Mas houve uma alturas em que me perguntaram e acho que eles
estranharam, eu acho que eles estranharam mesmo mais no início.
Depois eu estive a falar com eles porque agora a …[investigadora] tinha
outros trabalhos, que de vez em quando vinha falar com os meninos, e
porque tem outros trabalhos, não deixa de ser amiga dos meninos, mas
que tem que trabalhar com outros meninos como trabalhou com eles.
Agora se eles ao fazerem isso, por exemplo, o Guilherme foi desde o
início, independentemente da …[investigadora] lá continuar ou não
continuar ele foi assim, não é? Desde aquele tempo, desde o ano
passado em que a …[investigadora] continuou a trabalhar connosco, ele
continuou comigo. Sempre que via a …[investigadora], ele pedia, era
automático. Eu acho que ele olhava para si e pedia os papagaios. Eu
acho que era isso, não lhe surgia mais nada à cabeça, na memória, a
não ser os papagaios. Acho que aquilo era mesmo obsessão, era
exageradamente.
Entrevistas aos Educadores de Infância
512
(…)
Invest. – Pois, poderia ser a esse trabalho, não sei. Eu acho que é uma
relação engraçada porque eu, mesmo estando um ano sem trabalhar
com eles, eles acabam por…
Educ. - Esteve aqui presente também?
Invest. – Não estive presente…
Educ. – Mesmo sem estar na sala, está presente na Instituição.
Invest. – Exacto, mas mesmo assim, ainda estão muito à vontade
comigo, não é? E falam e perguntam essas coisas todas. Bom, e em
relação às educadoras, mesmo às auxiliares, e isso tudo? Qual é? …
Educ. – É assim: Toda a gente participou, não é? Acho que houve… que
toda a gente deu o seu melhor, que nós educadoras acabamos também,
prontos, permitiu-nos também trocar de ideias e experiências, com uma
pessoa diferente, com uma pessoa que também já teve um trabalho à
um tempo atrás e continua a estudar. Eu acho que, não sei… eu acho
que correu bem. Não há assim nada de especial para analisar.
Invest. - É evidente que cada pessoa é diferente da outra mas, quer ao
nível das auxiliares, e isso eu tenho um sentimento muito especial por
elas porque mesmo depois daquelas «porcarias» todas que nós fazíamos,
toda a gente se junta para limpar e nunca vi má cara…
Educ. – Independentemente de ser da sala A, da sala B, ou sala C
Invest. – É. Nunca vi má cara. Porque as educadoras não me
mostrarem má cara é natural; elas sabem o que é que se vai fazer,
porque é que se vai fazer, estão por dentro das actividades. As
auxiliares não sabem. As únicas coisas que sabem são as
consequências que aquilo vai ter, não é? E nunca vi em momento algum
nenhuma delas com má cara ou a responder de forma menos agradável
ou até com uma atitude menos agradável com as crianças por estarem
molhadas ou sujas. É evidente que com as educadoras o processo é
diferente porque elas sabem o que se vai seguir e como é que se vai
seguir.
Entrevistas aos Educadores de Infância
513
Educ.– Que o trabalho vai ser aquele e o resultado vai ser aquele.
Embora às vezes nos surpreendamos com outra coisa … mas claro.
Invest. – O produto final é completamente diferente daquilo que nós
esperamos ou imaginamos…
Educ. – Sim, às vezes acabamos por ser surpreendidos, um bocado, isto
dependentes dos grupos que são. Dos grupos que são e das actividades
que estamos a fazer, mas por vezes que somos surpreendidos, que
somos. Acho que é ao fazer essas actividades que nós somos
surpreendidos quase sempre. É isso.
Invest. – Só mais duas perguntas. Primeiro, em relação à última ou
penúltima reunião que nós tivemos: foi aquela questão de observação e
dos registos. Partindo dessa conversa sobre as questões de observação,
a forma de registar, as dificuldades que daí surgem, ou alguma
mudança na sua forma de registar, de planificar, de observar…
Educ. – É assim, observar, eu… eu… antes de termos aquela reunião,
eu cheguei a fazer uma observação por escrito, em que todos os dias,
apanhava assim qualquer coisa que eu achasse assim «fora do normal»
que me chamasse a atenção, tipo uma cor que fez isto, o qual eu
fiquei… prontos eu gostei de ver, é sinal de desenvolvimento, sinal de
que está a aprender. Cheguei a fazer isso. È complicado. Eu acho que é
complicado. É assim, ou às tantas é só complicado no início, é só
complicado no início. Eu não vou dizer que não, mas na altura eu
registava. Eu lembro-me que tinha uma, eu ainda tenho lá esse caderno
em que tenho …
Invest. – No ano passado fazia algumas coisas…
Educ. - Eu fazia registos, sim, e já fazia há dois anos também, mas
chegava a um certo ponto em que eu não sei, achava que… ou estava a
escrever demais ou não sei e acabava por deixar Ou esquecia-me das
coisas, de registar qualquer coisa ou não sei, acabava por deixar, ou
repetia sempre a mesma coisa ou estava sempre com os mesmos
miúdos porque eu tinha uma folha para cada criança, com o nome de
cada criança, e é assim, não fiz mais do que três, quatro registos de
Entrevistas aos Educadores de Infância
514
cada criança, e… é assim, às tantas, também preguiça, talvez, deixei
aquilo. Porque achava que estava sempre… às vezes eu queria, por
exemplo ver um miúdo só, e achava que ao tentar observar só aquele
miúdo acabava por … Acabava por deixar um bocadinho de lado as
outras crianças. Porque é assim eu conseguia ver, ao registar por
escrito, eu conseguia ver qual era a criança que eu estava a observar
mais e qual era a criança que me estava a escapar, não é? Porque às
vezes aquelas crianças que são mais faladoras e participam mais e não
sei quê, acabam por me chamar mais a atenção ao contrário daquelas
crianças que, ao contrário não, e aquelas crianças que são muito
caladinhas e … não sei quê… Também acabam por… e as outras
também a gente acaba por … acaba por nos escapar que é assim. Eu
pensava «que é que ele fez hoje?» Nuca me lembrava assim de nada,
assim de especial, pois lá está, acabava por registar assim, as mais
activas e as menos.
Invest. – As mais faladoras, as mais activas. ... E as menos…
Educ. – E as menos também. Pronto, depois quando tivemos essa
última formação, não é? Eu cheguei à conclusão que aquilo que eu
estava a fazer é assim, deixei de o fazer por achar que estava a fazer
mal, porque acaba por dar a minha opinião, porque a …[investigadora]
falou lá que é assim. Nós devemos registar aquilo que vemos e não
aquilo que achamos que vemos. Não é? Porque a gente acaba por dizer
assim: ele fez isto com a intenção de fazer isto, mas a gente não sabe
qual é a intenção dele. A gente vê aquilo, a gente deduz que seja para
aquilo mas pode até nem ser… Na cabeça do menino pode até nem,
nem lhe passou fazer aquilo com aquela intenção e eu às vezes digo que
ele tentou apertar os sapatos e às tantas só estava a mexer nos cordões.
E não estava nada a tentar apertar os sapatos, não sei, acabava por
afirmar
Invest. – Atribuiu uma intencionalidade e não sabe se ela existe.
Educ. – É isso. Prontos. Agora depois da formação tentei fazer outra
coisa. Falei com a Educ. ... E digo assim: «Olhe…»
Entrevistas aos Educadores de Infância
515
Invest. - O perigo, que não é perigo, é que acabam por complicar aquilo
que não tem que ser complicado.
Educ. – Mas desculpe, nós temos tendência para fazer isso.
Invest. – Sim. Mas aí é que está. Repare que quando escreve que a
criança mexeu nos cordões, esteve durante muito tempo a mexer nos
cordões…
Educ. – Na tentativa de apertar os sapatos.
Invest. - … Não sabe se é isso. Ela esteve muito tempo a brincar com os
cordões. Se tiver esse tipo de registos, vai ver que quando lhe chamar a
atenção, se ela faz um movimento. Vai pensar, vou estar atenta para ver
se a criança faz um movimento para apertar ou se é só um movimento
de prazer físico ou um mexer, tirar os sapatos, dar os nós… Lembro-me
que no ano passado havia uma das suas meninas, a Job que dava nós
sucessivos, lembra-se? Isso é um movimento de prazer. Ela tinha um
prazer imenso em fazer isso, e aliás não sabia fazer nada daí para a
frente, portanto…
Educ. – Ela aprendeu a fazer aquilo e então estava…
Invest. – Porque enquanto a educadora falava ela não estava a fazer
nada. Ela arranjou um exercício físico, ela precisava de uma actividade
motora, arranjou uma coisa motora e foi fazendo. E deu nós nos
sapatos.
Educ. – Ela ocupou aquele tempo
Invest. – Aquela necessidade do mexer, porque elas precisam de mexer,
ela canalizou para ali, o prazer da movimentação e não propriamente
uma intencionalidade de aprender a apertar o cordão, nem coisíssima
nenhuma, não é? Se eu lhe pedisse para me dizer três ou quatro coisas,
situações que ache que foram mais relevantes ao longo do ano passado,
que já foi no ano passado já que este ano nem tanto, mas do seu
envolvimento no P.E.S.m.. Deste ano aprendi isto que nunca me passou
pela cabeça, ou a situação que me marcou mais foi esta, desta situação
não gostei e portanto marcou-me. Diga-me três ou quatro situações que
a tivessem de alguma forma marcado e considerado novidade.
Entrevistas aos Educadores de Infância
516
Educ. – A pintura com os pés. Ainda hoje digo foi… é assim, nunca me
passou pela cabeça, foi um espectáculo. Eu acho que sim, já vi isso na
televisão e porque não tentar? Mas daí a tentar, para crianças tão
pequeninas que não me passou pela cabeça. Não sei … acho que é uma
actividade que era cedo de mais para…
Invest. – E os pincéis eram finos, tanto quanto me lembro não foi?
Educ. – Mas eram os que nós tínhamos.
Invest. – Para ser bem feita não eram propriamente muito adequados,
poderiam ser…
Educ. – Pincéis mais grossos para eles conseguirem … mas acho que foi
daquelas coisas que eu olhei, e realmente marcou-me pela positiva, não
é? Porque faço alguma coisa com esses meninos embora, lá está, eu não
achava que eram próprios para aquelas idades, mais velhinhos talvez.
Outra coisa que eu tenha visto… não me lembro assim… nenhuma
actividade… Acho que nós trabalhamos o Verão, trabalhamos a praia …
foi uma actividade muito…
Invest. – Agora em grande grupo, …
Educ. – Acho que não conseguimos os objectivos, não conseguimos os
objectivos. Eu acho que da forma que foi, que não foi… e eu acho que
foi das actividades que eles «stressaram» muito, «stressaram» muito,
muito. Acho que no final a gente chegou a comentar, chegou a falar
sobre isso. Mas eu acho que foi uma actividade que marcou bastante.
Outra assim … não me recorda. Assim não estou a ver, assim, uma
situação…
Invest. – Podem ser situações de actividades ou outras coisas. Eu não
quero é dar alguns exemplos. Podem ser conversas, podem ser coisas
que tenham acontecido, até mesmo nas reuniões.
Educ. – Eu acho que acima de toda aquela troca… aquela informação
que nos foi dada, aquela troca de experiências, aquela troca de opiniões
que a gente dava no final, eu acho que também era importante. Alguém
que viu o nosso trabalho e que possa connosco dar uma opinião,
sugerir ou … Eu acho que isso também é importante mas que seja visto
Entrevistas aos Educadores de Infância
517
de uma forma construtiva, pronto, acho que isso também é importante.
A gente saber, não só é assim, nós termos a nossa própria opinião em
relação ao nosso trabalho, mas vem uma pessoa de fora, que é formada
também como nós acaba também por dar a sua opinião também, dar o
seu ponto de vista, mostrar a sua opinião em relação àquele trabalho
que foi realizado, para que nós consigamos, concordando ou não,
melhorar a nossa maneira de trabalhar e … A minha preocupação foi
sempre essa. Eles no final da actividade «o que é que acha, correu bem,
poderíamos melhorar»? Eu acho que nós tivemos sempre essa conversa
no final e eu acho que isso também é importante. Tipo mesmo para as
colegas que nos viram… pois lá está a tal coisa, depois de nós também
nos vermos no filme.
Invest. – E às vezes, também pensar mesmo que seja à posteriori, eu fiz
assim mas mal, realmente há outras formas de se dar a volta, de se
explorar as situações, de reagir às situações, isso tudo… Não há
receitas porque se houvesse seria bem mais fácil…
Educ. – Sim, mas é uma forma de a gente ver as coisas e se adaptar, de
pedir opinião e se adaptar, de pedir opinião e se essas opiniões se
adaptarem a nós, tentaremos adaptá-las, se concordarmos com elas,
tentaremos adaptá-las à nossa rotina. Também porque eu acho que
também é importantíssimo, a gente não se limitar só àquilo que a gente
sabe mas também aquilo que os outros nos possam fornecer.
Invest. – Eu não queria estar a dar a minha opinião, mas acho que, por
mim, são os verdadeiros momentos de aprendizagem, porque realmente
é quando o grupo dissesse «Podias ter feito assim» e eu nunca tinha
pensado nisto, «bom fizeste isto, mas para a próxima se experimentares
assim, eventualmente vai dar mais resultado». Isto para mim
constituem real momentos de aprendizagem «porque não me lembrei»,
«porque não sabia, …», «porque…»
Educ. – Isso nem me passou pela cabeça
Invest. – E ao ver ou ao ouvir, nas revistas ao trocarem essas
informações, penso que é importante ver o ponto de vista do outro,
Entrevistas aos Educadores de Infância
518
ouvir o que e introduzir o que outro nos diz, introduzir e ir vendo.
Porque há coisas a que eu não adapto para mim e a Educ. … como
profissional, não é assim, porque eu não sou assim, portanto…
Educ. – Há coisas que uma pessoa não consegue, é assim por mais que
lute, mas é tipo lutar contra o…
Invest. – Por isso é que lhe perguntava o que é que sentiu porque se me
permite, parece-me que é educadora, é uma pessoa, que gosta das
coisas muito direitinhas.
Educ. – Simplesmente, tento.
Invest. – Como é que hei-de dizer, é disciplinadora, é organizadora,
gosta dos meninos em grupo, gostas das coisas direitas, e este tipo de
trabalho que é de exploração, que é de mexer, que é de cheirar, de
tocar… de alguma forma travava…. Como hei-de dizer? É incompatível
com a sua organização.
Educ. – Mas eu acho… Mas eu achei aquilo interessante e o facto de
explorar e que não sei quê achei interessante, só que acho que há
momentos em que tenho mesmo que sair da organização
Invest. – Sem duvida nenhuma. Eu senti isso nesta actividade aqui da
parede, em que a Educ. …, no princípio…
Educ. – Hesitei um bocado…
Invest. – Não, mas depois deixou e no fim começou a ficar… eu não lhe
mostrei a cassete.
Educ. – Não, acho que não.
Invest. – Foi a das bolas à parede. No final, o seu estado de ansiedade,
digamos, de angústia, por aquilo estar a virar um bocado de confusão
dentro dos seus parâmetros. Eles estavam divertidíssimos mas para si
estava a ser confusão a mais.
Educ. – Porque houve uma fase em que eles estavam a querer pintar a
parede. E até a …[investigadora] disse «Na parede não, no papel»
Invest. – Exacto. Porque a bola caiu na parede, ou calhou, não me
lembro bem agora.
Educ. – Acho que houve uma situação em que eles iam com as mãos
Entrevistas aos Educadores de Infância
519
Invest. – E por isso é que eu lhes estava a perguntar…
Educ. – Eu acho que sim, eu acho que eles devem explorar, devem
explorar, aliás eu não acho que deve, eles têm que explorar, que é
mesmo assim, só que acho que há situações em que tem que haver
mesmo regras, não é?, tipo …, porque o comboio, tipo na manta quando
estão sentados, não estamos a brincar para aqui outros para acolá, e a
seguir uma historia, sei lá, eu acho… que eles devem, têm que explorar,
faz parte das necessidades deles. Eles necessitam de isso mesmo, eles
necessitam de explorar, a mim talvez… lá está, limito mais, talvez para
não dar confusão depois, tipo eles andar na tinta podem escorregar,
eles … terem um bocado de receio que eles se possam magoar, de que
eles possam ultrapassar aqueles limites, tipo a parede chegar lá e
pintar, temos papel para pintar em cima e papel para pintar em baixo,
porque é que nós vamos pintar na parede?
Invest. – Estava a falar e eu estava-me a lembrar da nossa conversa
sobre isto. Lembra-se que estava com medo por causa do carro que
passou… Os seus receios….
Educ. – Até aí transmitiu, às tantas, para, para….
Invest. – Não sei se transmiti, e eu este ano não estive e é um ano
fundamental, e os três anos também é uma idade fundamental. Mas eu
não acompanhei. Mas esta sua forma de ser, não acha que é
incompatível (por isso é que eu acho que estes seus medos, estas suas
regras, esta disciplina, se assim lhe posso chamar) de alguma forma
não lhe permite alargar as próprias experiências que eles fazem.
Lembro-me que naquela conversa a Educ. … disse: «Eu tenho medo de
ir lá para fora, porque se algum vai para a estrada…». E agora foi e
fartou-se de passear este ano.
Educ. – É assim. Por acaso foi um ano em que eu saí muito para a rua.
Mas é assim, até aí o que se passou foi isto: Eles iam lá para fora mas
sabiam exactamente que não podiam ir para cima da relva porque ali
também é um sitio também é um bocado não muito… pronto…
principalmente a relva tem… Sabiam perfeitamente que não podiam
Entrevistas aos Educadores de Infância
520
passar dali, dos carros, da beirinha onde estavam os carros
estacionados, dali para a frente não podiam passar. Tinham perfeita
noção disso. E até isso acontecer eu tinha a certeza absoluta que eles
não passassem. Embora estava sempre alerta, é lógico, estávamos a
trabalhar mas não era aquela preocupação. A preocupação foi no início
para os adaptar a isso. No início quando se ia lá para fora, a minha
preocupação foi essa. Depois senti-me muito à vontade porque eu
confiei neles e notava que havia ali a regra, que eles sabem
perfeitamente que não podiam calcar a relva, aquele tipo de situações
podem dar a volta à vontade, desde o momento que não façam isto e
isto porque é perigoso. Não se faz. Pode passar um carro… Ora naquele
dia que passou aquele carro numa velocidade enorme é assim… o carro
da Educ. ... estava estacionado e ele levou-lhe o espelho. Aliás não
chegou a prejudicar o espelho pelo que eu vi, mas afastou o espelho
para trás, dobrou o espelho ao contrário. É assim, aquilo a mim deu-me
assim um medo, digo assim: «Se um dia um miúdo ou por isto ou por
aquilo, se lembrar de correr» porque logo a seguir acaba o Jardim. À
frente tem o fotógrafo e a cabeleireira. Ora, na cabeleireira está a
Madrinha de um dos meninos, o... É assim, se algum dia se lembra de
sair e ir ver, o que eu acreditava que não, mas mesmo assim havia
aquele receio… é assim «vai-me passar, vai-me atropelar o menino» e aí
surgiu o meu medo, nessa altura com essa situação. Entretanto lá está
uma das boas coisas da gente falar com as colegas sobre o que se está a
passar, ajudou-me a voltar a ter aquela confiança que tinha nos
miúdos. Hoje eles vão lá para fora e continuam a andar lá…
Invest. – Mas, não acha que se generalizar,… pense assim «eles podem-
se cortar se eu lhes der uma tesoura, podem cortar ou picar a boca se
eu lhes der um garfo, e faço…, há determinado número de coisas que
não os vai deixar fazer.
Educ. – Mas deixo
Entrevistas aos Educadores de Infância
521
Invest. – Não lhes tire as pedras do caminho, ensine-lhes a passar por
cima delas. Ensine-lhes a ultrapassar os obstáculos mas não lhos tire
porque eles precisam de enfrentar as realidades.
Educ. – Só que às vezes se a gente não lhes tira as pedras do caminho,
há pedras que magoam muito
Invest. – É evidente que há determinados riscos que não pode correr.
Agora este, não me parece! Porque depois de já terem durante muitos
meses não me parecia que fosse assim um risco demasiado grande,
percebe?
Educ. – Mas que a mim me assustou bastante. Aquela situação
assustou-me imenso
Invest. – Aquilo que eu lhe estou a dizer é «Pense neles», nos seus
meninos. Eles precisam de saber resolver os conflitos, saber responder
de forma adequada ao problema que surge, eles têm que saber fazer
essas aprendizagens. Essa antes de qualquer outra; eles têm de ser
capazes de … porque isso é que lhe vai dar o verdadeiro sentido de
autonomia e independência. É eles verem as escadas e saberem como
as descem, verem uma faca e um garfo e saberem que não é para
andarem à facada uns aos outros; ter uma tesoura não é cortar o
cabelo; verem as coisas e saberem usá-las. Esta é a minha perspectiva.
É evidente que de princípio com muito mais controlo, mas deixá-los
fazer as coisas, ensiná-los a sem propriamente estarmos a evitar e fazer
por eles…
Educ.– Há situações que têm mesmo que ser porque a consequência,
tem sei lá, pode ser grave…
Invest. – Só uma pergunta mais. Acha que quando começou a
trabalhar na creche, na parte dos mais pequeninos (e no ano passado,
até que tinha determinados objectivos para os meninos), se fizer agora
uma análise desses momentos da creche até agora, em que já entrou
para o Jardim, acha que preencheu todos os objectivos, ou seja, acha
que os meninos, se mudassem de educadora agora, teriam ido
«preparados» para o Jardim? Ou seja, os seus objectivos foram
Entrevistas aos Educadores de Infância
522
alcançados, eles têm as competências que deviam ter, desenvolvidas de
forma geral (eventualmente há alguns que estão acima e outros a baixo)
(…)
Educ. – Que há…
Invest. – Não estou a falar nesse sentido. De uma forma geral acha que
eles estão globalmente desenvolvidos, dada a sua idade? Os seus
objectivos foram alcançados?
Educ. – Eu acho que sim, de uma forma geral acho que sim. Há
situações assim de menos, há objectivos que não tanto, não é? Mas de
uma forma geral acho que sim.
Invest. – Posso só fazer mais uma pergunta? Quais aqueles que acha
que trabalhou mais? Mais ou demais, não sei…
Educ.– É assim, eu acho que de uma forma ou de outra os consegui
desenvolver e atingir em alguns, não na totalidade, acho que alguns
realmente ainda não estão preparados, quer dizer a nível; acho que há
muitas coisa ali, há muita coisa, entre aspas, mas acho que há coisas
que ali que ainda têm de ser trabalhadas e bem trabalhadas. Noutros
casos acho que já está, já estão atingidos, a nível de linguagem, o
respeito pelo… aí ainda acho que há coisas que ainda estão um
bocadinho a nível de regras, dependentes das situações, não sei. Mas
acho que para a idade deles, eu acho que está, está, está bem, acho que
está no seu… Perguntou como está mas eu acho que consegui atingir os
objectivos
Invest. – È porque eu acho importante e a Educ…. mudou de ciclo este
ano. A pergunta que podemos fazer ao nível de creche, o que é que acha
que o menino que tem três anos e entra para o Jardim, que tem
competências, é que eu acha que ele deve ter? Ao nível emocional, ao
nível cognitivo, ao nível da linguagem …. O que é que acha que o
menino aos três anos deve ter? Claro, que numa média…
Educ. – É assim. Realmente há coisas que não estão tão bem, há
determinadas crianças que deveriam ser mais trabalhadas, ou que têm
que ser, neste momento mais trabalhadas, há outras coisas em que eu
Entrevistas aos Educadores de Infância
523
acho que, sim senhor, que está muito bem mas também depende um
bocado da criança. A criança a nível geral, no grupo, eu acho que está.
Eu acho que sim, o grupo para a idade que tem, eu acho que está. Eu
acho que sim.
(…)
Educ. – Mas eu acho que há muita teoria que não se enquadra muito,
há coisas que uma pessoa tem mesmo que tentar adaptar. Tentar, ….
Eu acho que teoria é teoria.
(…)
Educ. – Há uma falta de informação. A gente entra «de olhos vendados»
para a creche
Entrevista com Educador 4 Invest. – Queria falar com Educ. … porque embora só tivesse um ano
de trabalho com o P.E.S.m., eu penso que há sempre alguma avaliação
que pode ser feita no sentido de ver até que ponto é que um tipo de
trabalho destes pode ser ou não implementado, se é viável ou não,
quais são as limitações e as vantagens que eles têm. Mas para isso é
preciso fazer uma avaliação mais ou menos global. Eu penso que a
maneira mais simples é conversarmos um bocado sobre o assunto do
que propriamente estar a escrever já que escrever vocês não gostam
muito, e parece-me mais fácil assim.
Educ. – Conversinha…
Invest. – É, acho que sim. E a primeira questão que se me levanta, até
porque esse é essencialmente o objectivo do meu trabalho, é fazer uma
avaliação do desenvolvimento das crianças em função deste tipo de
actividades, até que ponto estas tiveram interferência, se acha que
houve alguma interferência ou se sente que houve alguma modificação
quando comparadas com outras actividades ditas tradicionais ou
comuns, porque pintura, colagem… todos fazem no jardim ou na
Entrevistas aos Educadores de Infância
524
creche. Agora estas actividades são de certa maneira diferentes. Até que
ponto é que elas se tornam diferentes, se acha que elas desenvolvem
mais ou não; o que é que sentiu com aquelas actividades que
desenvolveu com os seus meninos?
Educ. – Senti que estavam adequadas e de encontro às necessidades
que elas naquela idade tinham, de mexer, de tocar. Porque não era mais
fácil nós pensarmos em materiais específicos para elas mexerem, para
tocarem, que se calhar eu no dia a dia não dispunha com tanto acesso
nem com tanta facilidade, nem lhes dava, se calhar, orientava mais do
que lhes deixava que eles criassem e assim com este tipo de programa,
eu acho muito vantajoso quer para mim, que fiquei com mais ou menos
uma linha geral daquilo que as crianças deveriam ser ela próprias a
serem autónomas, a mexerem, a explorarem, a tocarem, não é, a
descobrirem, e para elas foi muito rico receber porque elas não
precisavam da «minha ajuda», sempre precisando da orientação, mas
tornaram-se mais autónomas. Se calhar com este tipo de programa eu
nem pensaria, não passava sequer pela minha cabeça alguns materiais
que utilizamos, se calhar tive medo de arriscar e arriscamos, não é?
Acho que foi um bocadinho por isso.
Invest. – Então quer dizer que este tipo de actividades, de alguma
forma também, não só interferiu no desenvolvimento deles, na forma
como eles contactaram os materiais, na forma como os exploraram, mas
também na sua própria forma de trabalhar nas outras actividades
Educ. – Exactamente, acho que sim. Embora eu já conhecesse do meu
estudo, da minha formação, aquilo que se poderia desenvolver nas
creches, se calhar se não tivesse este tipo de implementação deste
programa, se calhar pelas condições da própria sala, tinha um bocado
de medo de arriscar, pelo facto de só ter uma pessoa para me ajudar,
não é?... Se calhar estava com receio de não querer arriscar, e assim…
acho que mesmo para mim foi bom, não é? Pensei mais e se calhar era
capaz de naquela idade dos 2/3 anos, de orientar o meu trabalho mais
a nível, vamos supor «para preparar a pré entrada no Jardim» era fazer-
Entrevistas aos Educadores de Infância
525
lhes isso e… continuamente aquilo que no ano e meio já lhes tinha
dado, que era «os ovos», mexer nos ovos, na gelatina, isso num ano e
meio fiz, mas se calhar não estando dentro deste programa, se calhar
nos 2/3 anos não iria fazer. Pensava mais que ia trabalhar as cores, a
linguagem, e não, não lhes iria dar tanta liberdade.
Invest. – Digamos, com tarefas a cumprir ou funções mais regulares.
Educ. – Exactamente, mais regras do que propriamente aquilo que foi.
Acho que nem o próprio grupo tinha crianças que, pensando bem,
realmente fez-lhes falta, foi bom para elas, e só tenho pena que todas
elas não tivessem participado muitas, que aí é que…
Invest. – Acabou por ser pouco tempo
Educ. – Foi
Invest. – Foi pouco tempo para elas e para as actividades. Lembra-se de
algumas que para si tenha sido especial por algum motivo?
Educ. – Lembro-me. A do gelo. A descoberta do gelo acho que… até o
gelo. Tocaram no gelo, nunca pensei que eles fossem lá com a boca,
pensava que… Tinha estudado que eles com a mão tocariam porque a
sensação era diferente, mas com a boca, aquela curiosidade de mexer
com o gelo na boca, mesmo com a água, a água também me marcou
muito. A piscina com aquelas coisas, eles adoraram…
Invest. – Por acaso foram espectaculares essas duas…
Educ.– Acho que é muito enriquecedor tanto para mim como para eles.
E acho que, se calhar, se não tivesse o programa, sido implementado,
eu se calhar não arriscaria tanto em continuar a fazer esse tipo de
actividades. Porque há sempre aquele receio… mesmo as nossas
organizações na Instituição, não estavam…
Invest. – Houve algumas modificações …
Educ.– Exactamente. Se calhar, naquela idade já não pensaríamos que
continuava aquele tipo de trabalho que tínhamos feito no ano anterior.
Não havia essa preocupação
Invest. – Mas acha que de alguma forma, estando este ano nos 3 anos,
estas actividades favoreceram alguma sensibilidade nas crianças em
Entrevistas aos Educadores de Infância
526
relação a alguma coisa? Quer dizer, elas hoje são mais sensíveis? Nota
alguma diferença pelo facto de terem experimentado muito, de terem
descoberto muito por elas próprias, terem essa liberdade nessas
actividades, acha que elas este ano manifestaram também essas
características?
Educ.– Acho que sim. A nível de verbalização. A gente, não é? Aborda
qualquer assunto, ou vamos despertar interesse. Ela podem não
recordar, não contextualizar aquilo que fizeram, mas facilmente vão
buscar assim o áspero, lembram-se e depois fazem muitas comparações
que quando a gaivota ia na água, tinha uma bóia … vão buscar outras
coisas que, se calhar, se não se tivesse feito aquele trabalho, se calhar
eles não verbalizavam
Invest. – Ficou mesmo gravado.
Educ.– Acho que sim.
Invest. – Foram coisas que ficaram mesmo gravadas e ainda bem. Em
relação com essas actividades, e não lhes queria chamar avaliação,
aquela conversa que íamos tendo sobre as actividades, sobre a forma
como eles reagiram ou iam fazendo determinado número de coisas.
Esses momentos, essas conversas, foram de alguma forma, para a
Educ…., momentos de relembrar alguma coisa que tinha estudado,
momentos de formação, ou não? Estavam enquadrados no trabalho, e,
digamos, como que faziam parte desse mesmo trabalho?
Educ.– Não, acho que não. Acho que contribuiu para a continuação da
minha formação. Porque uma coisa é a gente ter lido e outra coisa é
fazer e quando se reflecte fala-se e vai-se buscar aquilo e realmente já
se percebe porque é que aquilo estava assim fundamentado, porque é
que não é… não era só avaliar aquilo que tinha feito naquele momento,
mas sim também tentar perceber aquilo que para trás eu tinha
estudado, acho que me ajudou a interligar, e se calhar pensava as
coisas de uma forma mais expansiva e que com a ajuda da
…[investigadora] também nos ajudava a ir buscar pequenos pormenores
que na altura tinha só lido e não estava tão atenta …
Entrevistas aos Educadores de Infância
527
Invest. – A passar para a prática aquilo que tinha lido. Eu acho que a
Educ. …passou por uma experiência penso que única, que foi o facto de
ter ido ao congresso lá das ludotecas e lá apresentar a comunicação do
vosso trabalho O que é que sentiu nessa ida, na preparação da sua ida?
Educ. – Senti que havia ali uma valorização pessoal e institucional.
Achei que quer eu quer as minhas colegas iríamos expor uma coisa não
só um mero trabalho de uma rotina diária, não é como qualquer
profissional que vai todos os dias para o trabalho e que faz isto, faz
aquilo ou aqueloutro mas que não, que havia algum grande valor e que
acreditávamos muito naquilo que estamos a fazer e acho que dá muito
ânimo às pessoas. Uma pessoa vai mas não vou para ler aquilo que se
calhar toda a gente já disse, não é?, mas a nossa apresentação não foi
muito repetir o que os teóricos dizem, mas sim mostrar na prática
aquilo que nós fazíamos e acho que aí, dá valor e dá mais vontade de
querer fazer, voltar a fazer outra vez aquelas experiências que dá
vontade.
Invest. – Este ano fez algum tipo de actividades, ou alguma
experiência?
Educ.– Fiz
Invest. – Que dê continuidade?
Educ.– Que dê continuidade… Fiz, por exemplo, o gelo – quente e o frio
– No Inverno trabalhei mesmo com o gelo, dei-lhes bocados de gelo e
eles mexeram; com as uva nas vindimas, eles trouxeram de casa e
demos-lhes bacias e eles tiraram e espremeram, fizeram eles o vinho e
chegamos a uma altura que já estavam todos cheios de vinho, era
canecas… porque logo no início e como estavam habituados a mexer, a
mexer … e também fiz aquela, voltei a repetir as coisas que afundavam
e as que não afundavam e aí eu já me recordei como lhes tinha no
início, que eles já se iam recordando, iam verbalizando não
contextualizando a outra actividade, mas se calhar verbalizaram já as
coisas não afundam porque era leve e já diziam que era leve e sabia,
pesado e desce, aqueles conceitosinhos que hoje têm, eu acho que eles
Entrevistas aos Educadores de Infância
528
exploraram e tinham, eu acho que não foi preciso eu orientar porque eu
acho que eles sabiam o que podiam fazer.
Invest. – Pois, naturalmente, eles já sabiam.
Educ.– Já, eles sabiam. Não era preciso eu estar a orientar o trabalho.
No próprio momento em que eu pus o recipiente, que era transparente,
e eram umas esponjas, umas esferovites, eram umas coisas que … eles
próprios quando me viram, antes de eu colocar dentro da água eles já
sabiam o que ia acontecer, sem eu dizer nada, eles pegavam e punham,
já sabiam …
Invest. – Essa iniciativa delas é que me parece que… Há algum tipo de
alterações na sua forma de actuar por ter estado incorporada no
programa? Em relação à sua forma de estar na sua actividade, no seu
dia a dia? Eu digo isto porque já me apanhou nessas mudanças, que
nós fizemos este ano no programa. Fizemos duas alterações. As
actividades mantiveram-se rigorosamente as mesmas e fizemos duas
mudanças: uma delas foi retirar as cadeiras, porque na instituição
funcionava tudo com cadeiras, tirava imenso espaço e tudo se fazia
sempre sentados. E a Educ. … não recorria tanto às cadeiras, como na
instituição.
Educ.– Mas, mesmo o espaço era outro no equipamento da instituição.
A outra modificação que nós introduzimos, foi exactamente o pedir às
Educadoras que nunca iniciassem coisa nenhuma, as interacções nem
a manipulação dos objectos, mas que quando a criança solicitasse ou
falasse, a Educadora estava e era mais uma ele/ela do grupo. Mas que
fossem elas a iniciar porque há sempre a tendência das crianças a
imitar o que o adulto está a fazer. E isto foi uma das mudanças que
surtiu muito efeito na forma de estar das Educadoras da istituição. Em
relação à Educ., houve alguma coisa que, no desenvolvimento do
P.E.S.m., que a tivesse feito mudar, muito concretamente?
Educ.– Acho que sim, acho que na altura não estava, acho que quando
iniciava uma actividade em pequeno grupo eu se calhar, se não tivesse
estado no programa, se calhar era eu que iniciava na construção de
Entrevistas aos Educadores de Infância
529
alguma…, se calhar era eu que sugeria como fazer, e agora, não é,
tenho eu consciência que as coisas que eles fizeram foi da iniciativa
deles. Eu simplesmente punha lá a tinta e os pincéis e o que era e eles
faziam como eles queriam, não tentava em orientar, e uma coisa que eu
deixei de fazer é o «não toca, não mexas». Se calhar eu tinha muita
tendência… não é, estou no início da carreira, tipo «não mete à boca» e
se calhar agora não digo «não toques» e deixo meter e deixo tocar e
depois, se vir que eles estão se calhar é que vou e que actuo. Acho que
nisso aí tenho mais a noção que é isso que tenho mudado em mim.
Invest. – Outra coisa. A nível de formação profissional, quais foram os
momentos que interferiram mais na sua formação? Pelos vistos, um
deles foi o ter estado no próprio programa já ajudou de alguma forma
na formação, na medida em que conseguia perceber essa articulação da
teoria com a prática, não é?
Educ.– Exactamente.
Invest. – Lembra-se de que afinal aquilo que já tinha lido, tinha de
alguma forma de ser concretizado na prática. Tirando esse estar
envolvido no programa, há assim algum momento que lembre a nível de
formação profissional, ou alguma situação como reuniões, conversas,
…?
Educ.– Que o P.E.S.m. me tenha ajudado, não estou a perceber …?
Invest. – O P.E.S.m. ou a minha passagem por aqui, se de alguma
forma a tenham ajudado nesta formação profissional?
Educ. – Há. A nível das conversas acho que sim. Com a
…[investigadora] não precisamos de estar a contextualizar em livros
nem a procurar mas nas simples conversas também tínhamos as trocas
de impressão e ate não fazíamos as avaliações mas as trocas de
impressões experiências e as sugestões da …[investigadora], eu acho
que foi muito importante para a minha formação profissional.
Invest. – Pois, porque realmente nas reuniões eu nunca falei em muitos
autores nem em teorias muito científicas. É evidente que por trás havia
sempre teorias, embora as minhas preocupações não fossem que vocês
Entrevistas aos Educadores de Infância
530
soubessem os autores ou as teorias que estivessem por trás mas sim
que percebessem que a prática tem uma teoria e a teoria tem uma
prática subjacente – era só essa a minha intenção. Em relação à última
reunião sobre observação e registos… essa reunião fê-la alterar em
alguma coisa a sua forma de observar e registar, a sua forma de estar,
digamos que aprendeu no sentido de relembrar conhecimentos que já
tinha …
Educ. – Sim
Invest. – Eu digo a última porque é mesmo a última, uma coisa muito
objectiva pedida pelas Educadoras. Acho que essa reunião introduziu
efectivamente na sua prática alguma mudança?
Educ. – Sim, porque deixei de pensar que observar as crianças e avaliá-
las era só, precisamos de ter um a grelha à frente, chegar ao fim do ano
e chegar lá e marcar como se fosse, não é? Fazer uma lista e, toca aí
vamos lá conhecer que até os conheço. Se calhar, que é que me fez com
isto? Fez-me pensar que, se calhar, é melhor eu estar mais atenta em
certos comportamentos deles e atitudes que só era mais oportuno no
momento eu chegar e até me ocorrer na lista e ir ver, do que estar só no
final do ano… e verificar os conhecimentos que, se calhar, como a
…[investigadora] dizia, posso pegar na lista e, se calhar, aquilo não me
diz nada porque, se calhar, eu também os conheço, não é? Posso dizer
que conheço, mas olhando para a lista é o tem que, é o dobro do tempo
que vou gastar para preencher aquilo. Se eu estiver mais atenta e
actuar sobre os comportamentos que realmente me chamem a atenção
é mais fácil eu estar, não é? E começar a perceber aquilo que eu posso
desenvolver neles …. E eu comecei a fazer isso e houve assim, 2 ou 3
meninos que eu consegui ver, mas realmente, se calhar, vou ter que
fazer mais… Eu acho que esse momento na nossa formação foi muito
importante. Foi porque acho que desmistificar muitas coisinhas que nós
tínhamos na nossa cabeça. Estávamos habituados a um certo número
de coisas e se calhar essa conversa …
Entrevistas aos Educadores de Infância
531
Invest. – Só não consegui tirar o medo dos registos, porque continua a
ser um bloqueio, e esse ainda não consegui desmontar de alguma
forma.
Educ. – Acho que é por causa que as pessoas ainda se lembram muito
da passagem do estágio. No estágio havia aquela carga da avaliação e
que dependíamos da nota, por causa dos registos da observação. Acho
que aí marca toda a gente e é pensar agora a sala é minha, eu preciso
fazer aquilo. Eu acho que é por aí. Eu acho que os alunos quando eram
preparadas, não deviam ser preparadas, não deviam ser preparadas
como uma obrigação de o fazer. Eu sentia-me, quando foi no meu ano
de estágio aquilo era obrigatório e criava o tédio, isto é, criava o medo
da gente colocar, não sei, tenho que medir tudo. E eu pensava assim:
vou começar a trabalhar e não preciso mais daquilo. E é por isso que a
gente começa a trabalhar e ainda bem não preciso é o medo e mão se
quer fazer.
Invest. – Pois, e depois acaba por não se ver o sentido e a utilidade
Educ. – Que aquilo tem, o mal está aí. Eu acho que as próprias
professoras deveriam alertar as alunas, não lhes dar a oportunidade de
ter que ver 20 meninos. Mas se calhar era mais importante que
preenchessem só 1 ou 2 ou só 1…
Invest. – E aprender a fazer
Educ. – Aprender a fazer. Não de 20, não a quantidade de observação.
Acho que aí é que devia ser mudado. Porque eu acho que o nosso medo
é aquele e depois nós passamos para profissionais para trabalhar
diariamente e pensamos assim «não preciso daquilo».
Invest. – E é que não descobrindo o sentido da observação e do registo,
este não faz falta. Eu consigo fazer isto, contar uma história, fazer um
jogo, fazer um plano de trabalho sem ter esse registo. Enquanto não se
fizer essa junção e a necessidade desse registo, cada um tem que sentir
a necessidade desse registo, o como é que vai evoluindo e se essa
junção não for feita, realmente as Educadoras não são formadas para
as questões da observação. Porque se elas não estiverem interligadas
Entrevistas aos Educadores de Infância
532
não fazem sentido e quando vocês não vêem a utilidade, o meu sentido
da observação e dos registos, passam perfeitamente sem eles. Não vos
fazem falta…
Educ. – É verdade, é. É assim mesmo.
Invest. – Quando não têm utilidade e portanto não precisam de os
fazer.
Educ. – Acho que nós profissionais e nas conversas que tenho com as
outras Educadores, acho que ninguém quer estar atenta a uma lista e
preencher. Mesmo por causa disso, eu já tive que fazer de tantos que
aquilo era uma obrigatoriedade e porque é que vou estar a fazer aquilo
no meu trabalho se já tive que fazer tantos? não há aquela descoberta
de…
Invest. – Se eu lhe pedisse para me dizer 3 ou 4 situações / momento (é
evidente que vai ter que ir buscar à sua memória, porque já passou um
ano), que tivessem sido relevantes para si, de todo o trabalho que
fizemos ao longo desse ano, quer seja pela positiva ou pela negativa.
Porque pode ter havido alguma situação que a marcou por ter sido
negativa, embora o seguinte passo em frente tivesse sido positivo. Se eu
lhe pedisse 3 ou 4 situações importantes para si.
Educ. – No PESm?
Invest. – No PESm. De que é que se lembra? O que é que lhe vem logo à
memória?
Educ. – Lembro-me da ida ao Congresso. Que me marcou
Invest. – A ida ao Congresso, não pela ida, mas sim pelo trabalho de
preparação. Porque parece-me que foi um dos grandes momentos da
vossa formação o terem que parar, que pensar, porque é que preparar,
seleccionar…
Educ. – Exactamente. Acho que foi um grande momento. Outro
momento foi um dos dias em que a …[investigadora] esteve lá, brincou
com os meninos, interveio, e conseguiu tirar da sua prática alguma
coisa para a minha prática. Acho que sim. Foi uma manhã que esteve
Entrevistas aos Educadores de Infância
533
lá, não esteve a filmar, esteve a brincar com eles. E depois lembro-me
de uma situação que nunca mais me esquece, do Tiago.
Invest. – A vinda do Tiago.
Educ.– Exactamente. Foi uma coisa que me marcou. Marcou-me como
profissional porque consegui ver noutro profissional com mais
experiência que eu, mais conceituada. Foi uma boa troca, marcou-me.
Mas marcou-me também aquelas actividades que nós fazemos, deles
explorarem.
Invest. – A felicidade deles!
Educ.– Acho que sim.
Invest. – Realmente essas situações do Tiago, foi medir forças, …
Educ.– Que me marcou pela positiva. Como profissional adorei. Acho
que em próximos PESm que a …[investigadora] fizer, deve estar lá uma
semana a intervir com eles. Acho que para nós Educadoras é bom
vermos outras educadoras a intervir na nossa sala, acho que não é por
causa da …[investigadora] que eu sinto assim, é por causa da
…[investigadora] Educadora, vai intervir na minha sala com os meus
meninos que me vá sentir diminuída, ou que me vá interferir no meu
trabalho, até pelo contrario, acho que neste caso marcou-me porque era
outro profissional a trabalhar …
Invest. – Mas sabe que se há educadoras que até gostariam de passar
por essa experiência eventualmente outras não, porque é entrar no seu
mundo, porque é entrar nos «meus meninos», na «minha sala» e às vezes
não gostam muito dessas interferências. Não estou a dizer que algumas
das educadoras envolvidas no P.E.S.m., tivesse essas reacções, mas não
é fácil exactamente por isso. Por outro lado, corre-se sempre o risco,
porque eu ou outro estranho não somos modelos. Sei que tenho muitos
anos de experiência, sei que sou de formação Educadora, e portanto
tenho alguma capacidade de lidar com determinadas situações e apoio-
me muito nas questões da psicologia, nomeadamente com o Tiago eu
tive que recorrer à psicologia juntamente com o facto de ser educadora,
porque até eu tive que ser serena, calma mas firme. Eu não me zanguei
Entrevistas aos Educadores de Infância
534
com ele, mas com a muita calma (que já estava quase a perder), tive que
lhe dar a volta quando ele é que se estava a pôr a dar a volta. Foi
mesmo medir forças… já não sei muito bem porque é que foi…
Educ. – Foi a Xica.
Invest. – Ah, foi ele que deu um pontapé a uma construção da Xica e
eu levei a mal, quer dizer, não se pode permitir que ele destrua o
trabalho dela quando ela estava feliz e contente a fazê-lo. Ele chegou e
destruiu-o e levou a mal que eu tivesse falado com ele. Ele mediu
forças.
Educ. – Aquilo ali marcou-me também e a ele foi mais um ajuste do
comportamento, passou-lhe à frente, mas a mim como educadora
Invest. – Porque eu não ralhei sequer com ele
Educ. – Exactamente. A mim como educadora foi um momento que me
marcou
Invest. – Às vezes a gente faz coisas … eu tenho muito essa postura
com as crianças. Falo com elas como costumo dizer de homem para
homem. Portanto ele tinha que perceber que aquela atitude não era a
mais correcta, e falar ao nível deles. Lembro-me que me sentei no chão
com ele ao colo e portanto nem sequer houve quebra da relação. Ele
estava ao meu colo e depois queria sair e eu não deixei, também foi um
facto. É engraçado como as coisas marcam e a gente não se apercebe de
determinadas atitudes que toma e o quanto isso pode marcar, quer as
crianças quer a educador. Outra coisa em relação à minha presença
dentro da sua sala e em toda a equipa da Instituição, com as crianças,
com as auxiliares, como o definiria ou como é que considera que foi o
meu papel, quer dizer quais foram ou são os aspectos mais positivos ou
menos positivos de eu ter estado presente. Para todos os efeitos eu era
uma pessoa estranha; de si não era muito estranha mas o nosso
conhecimento até era o de professor/aluno, portanto até podia ter
havido um certo receio…
Educ. – Não. Acho que a relação que a …[investigadora] sempre teve
connosco, foi uma relação muito aberta, muito flexiva, em que
Entrevistas aos Educadores de Infância
535
podíamos falar de tudo, não ter receio, não ter medo, porque a
…[investigadora] alem de partilhar connosco a sua experiência, também
estava sempre aberta a sugestões, a tudo quanto nós achávamos que
não estava tão bem ou que não conseguiríamos fazer. A
…[investigadora] teve sempre um papel muito bom porque sempre nos
ajudou e acompanhou. Com as crianças foi uma relação óptima porque
eles gostavam; sempre que a …[investigadora] lá ia, eles diziam, não era
uma pessoa estranha, não interferia na negativa, o trabalho não se
alterava e era ajustado.
Invest. – Virava confusão de vez em quando
Educ. – Só de vez em quando mas isso também era o mais negativo,
mas isso também era a questão da própria organização da rotina diária,
não é? De não termos tempo, se calhar, tínhamos que andar mais
aceleradas um bocadinho, não havia aquele tempo para estarmos mais
à vontade, não podíamos explorara mais as coisas com elas porque
havia o almoço, era preciso…
Invest. – Limpar, organizar os espaços…
Educ. – Limpar, organizar os espaços, e isso se calhar era o aspecto não
tão positivo mas de resto acho que a relação foi óptima, foi uma
formação de muita partilha que ajuda muito ao querer chegarmos ao
fim e apetece fazer mais. Não foi uma coisa que foi imposta, que venha
a professora e eu tivesse que fazer porque tinha que lhe mostrar, nunca
senti que tinha que lhe provar nada, até pelo contrario era uma pessoa
que me iria ajudar, que não estava ali para me testar nem para ser
avaliada mas que me iria ajudar, que eu iria ficar com mais
conhecimentos e enriquecer.
Invest. – Nunca se sentiu pressionada a fazer as actividades ou …?
Educ. – Nada, nada, nada.
Invest. – Ainda bem
Educ. – Nem o facto de ser minha professora me influenciou em nada.
Acho que nunca houve da minha parte assim o sentiu que havia uma
obrigatoriedade, nem que eu tivesse que estar porque a directora me
Entrevistas aos Educadores de Infância
536
sugerisse para estar, não me sentia obrigada, … Por fim e embora já
esteja no grupo dos 3 /4 anos do Jardim, acha que os seus meninos
estão desenvolvidos, quer dizer, considerando os objectivos que traçou a
nível de Creche, chegou ao fim e acha que tinha os objectivos
globalmente atingidos, e que o seu grupo está bem trabalhado? Que foi
para o Jardim-de-infância bem trabalhado ou acha que ficou alguma
coisa por trabalhar a nível de creche
Invest. – Enquanto educadora integrada já na valência Jardim, acha
que há algumas coisas que deveria ter trabalhado na valência creche,
ou acha que, tal e qual o seu trabalho foi desenvolvido, estava bem e
que as crianças chegaram de uma forma adequada ao Jardim?
Educ. – Acho que sim, acho que à chegada ao Jardim o
desenvolvimento deles estava adequado, eles conseguiram dar o salto
para a fase seguinte. Acho só que a nível de desenvolvimento de
motricidade, por causa do equipamento que era, acho que se calhar eles
até havia qualquer coisa que podia ter sido mais desenvolvida, o nosso
espaço não permitia fazer trabalho a nível de motricidade. Eles não
podiam rebolar, saltar, as salas não estavam apetrechadas com esse
material… Acho que nisso falhou um bocadinho, porque eles quando
chegaram aqui, e isto tinha um espaço aberto como é o salão, aquilo era
demais. Eles podiam saltar, correr, saltar a pé coxinho, subir as
escadas a correr… e não ali havia o adulto que os impedisse de correr.
Enquanto na instituição aquilo era limitado, era muito pequeno, nós
não os podíamos deixar andar tão livremente como ali no salão e acho
que aí nessa parte é a única parte que se calhar na altura não estava
tão bem desenvolvida. Se calhar, até foi aquilo que me custou mais. Se
estivessem na creche e os equipamentos fossem mais apetrechados,
com material essencial para aquela idade, quando passassem para o
jardim não teriam tanta dificuldade em subir as escadas com tanta
rapidez; mesmo isso lá eles tinham que se segurar na parede porque
tinham medo não estavam habituados, e mesmo o querer chegar ao
Entrevistas aos Educadores de Infância
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salão eles para correr livremente precisavam, no ano anterior, de ter um
bocadinho desse espaço. Foi pena
Invest. - E até porque essa é a grande fase de desenvolvimento físico e
eles não passaram por ela
Educ. – Por causa das condições e do equipamento das instalações.
Invest. – Pois, não tinham espaço exterior
Educ. – Quando passaram para o Jardim notava-se que eles
precisavam daquele espaço e houve mesmo, no início do ano, em
Setembro ou Outubro a meio da manhã em que eu não fazia
actividades, pegava neles e iam correr, eles tinham mesmo necessidade
de correr, eles precisavam de…
Invest. – Pois, e faz muito bem, porque o crescimento físico e a
descoberta do esquema corporal é tão necessário quanto qualquer área
de desenvolvimento.